A noção de transposição didática reúne autores que afirmam a passagem do “saber sábio” (de referência ou científico) para o saber ensinado, considerando que há um especificidade que separa o segundo do primeiro. O conhecimento possuiria uma lógica própria, inseria-se em um sistema, mas manteria uma relação com seu saber de origem. Não é realizada por professores, mas por técnicos, quando o professor leciona, a transposição já foi feita. Entretanto, o processo de legitimação e seleção de conteúdos não é só realizado do ponto de vista epistemológico, mas também por interesses que existem nas demandas da sociedade como um todo. Uma relação de poder desigual habita na constituição das disciplinas, há um hierarquização de saberes que, de uma forma ou de outra, refletem as disputas dentro dos campos de saberes – as instâncias sociais desembocam sobre a construção dos currículos. “A formação do currículo não é um processo lógico, mas social [...]”. Por outro lado, uma crítica é realizada a essa concepção de transposição didática, questiona-se se o saber acadêmico é o único a nortear os saberes escolares. Essa vertente critica explicita que existem outros saberes sociais e linguísticos alteradores do saber escolar. De acordo com André Chervel, o saber escolar não se organiza da forma que os saberes sábios, acadêmicos, mas possuem sua própria lógica de construção. Ambos os saberes possuem estruturas, objetivos, elementos distintos um do outro. A noção de cultura escolar ganha demasiada espaço nas noções referentes ao saber escolar, pois tal conceito leva em consideração que o que é ensinado nas escolas é regido pelos constrangimentos da escola em si e pelas finalidades atribuídas pela mesma para a disciplina. “A cultura escolar pode ser considerada como um conjunto de teorias, ideias, princípios, rituais, hábitos e práticas, formas de fazer e de pensar, mentalidades e comportamentos sedimentados ao longo do tempo sob a forma de tradições, regularidades e regras” (SCHMIDT, p. 76) feitas pelas próprias instituições. Portanto, outros fatores se misturam na formação do saber escolar, como, por exemplo, a forma como o professor se relaciona com o conhecimento que leciona – nesse caso, o professor adquire papel central, diferentemente da concepção anterior. Dentro da abordagem de Chervel, a disciplina escolar tem de ser pensada historicamente. Em essência, é o conjunto de conhecimentos elaborados por especialistas, mas que ganha novas relações de saber quando postas perante as relações de alunos e professores. As disciplinas são constituídas no contexto da formação das Nações, Chervel afirma que as disciplinas tem autonomia, no sentido de que geram um conhecimento próprio da escola (p. 181). A pedagogia não se resume num simples método, pois não se liga unicamente ao conhecimento científico. Pedagogia vulgarizadora = pedagogia lubrificante. O estudo das disciplinas pode existir para analisar as complexas relações entre a escola e a sociedade, o que a sociedade espera da escola, e vice-versa. É um campo de disputas. Devemos nos atentar para a gênese, a função e a finalidade das disciplinas instituídas, levando em consideração as finalidades reais e finalidades de objetivo, expostas por André Chervel, sendo a segunda finalidade a instituída como oficial, enquanto as reais são as que se apresentam verdadeiramente na prática docente (Chervel, p. 190). O que o professor deseja ensinar e o que de fato é aprendido não necessariamente convergem. É preciso compreender o processo de instauração da disciplina como um processo de longa duração, pois o fracasso de uma disciplina não se demonstra de imediato, é um longo processo de ajustes e inércias que tentam se adequar a realidade (Chervel, p. 197-198), o que implica em diversos conflitos ao longo do tempo para que a disciplina se apresente da forma que é no presente. Constituintes de uma disciplina escolar: programação curricular, conteúdo, exercícios e tarefas, etc.. Em suma, a disciplina é o preço que a sociedade paga para passar suas tradições adiante de forma institucionalizada através da educação.