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Garantias processuais dos direitos

humanos no sistema jurídico brasileiro

João Baptista Herkenhoff


Antonio Côrtes da Paixão

Sumário
1. Introdução. 2. Conceito de direitos huma-
nos. 3. Breve história dos direitos humanos. 4. Os
direitos humanos no pensamento jurídico con-
temporâneo. 5. Os direitos humanos e a tradição
constitucional brasileira. 5.1. Direitos humanos e
preceitos constitucionais historicamente solidifi-
cados. 5.2. Os direitos humanos e a Constituição
Imperial. 5.3. A primeira Constituição Repu-
blicana e os direitos humanos. 5.4. Os direitos
humanos e a primeira fase da Revolução de 30.
5.5. A Constituição de 34 e os direitos humanos.
5.6. Os direitos humanos no Estado Novo. 5.7.
1946 e a volta do estado de direito. 5.8. Os direitos
humanos na primeira fase da ditadura. 5.9. Os di-
reitos humanos e a Constituição de 1967. 5.10. Os
direitos humanos sob o Ato Institucional no 5. 6.
A vinculação histórica dos direitos humanos com
o Poder Judiciário. 7. Dos meios de proteção aos
direitos. 7.1. Garantias de regulação. 7.2. Garan-
tias de controle e fiscalização. 7.3. Garantias de
interpretação. 7.4. Garantias internas ao direito.
7.5. Garantias judiciais. 8. Conclusão.

1. Introdução
Este artigo é um trabalho produzido em
conjunto, tendo como autor um professor
do Mestrado em Direito da Universidade
Federal do Espírito Santo e como co-autor
um mestrando, orientando do professor.
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito
Co-autor, como ensina o dicionarista
aposentado, Professor do mestrado da UFES, Antônio Houaiss, é “o que faz ou produz,
mestre pela PUC/RJ, Livre Docente da UFES, pós- com outro, determinado trabalho ou obra”.
doutor em Havard (EUA) e Rauen (França). Não há assim uma gradação de valor entre
Antonio Côrtes da Paixão é Juiz de Direito no autor e co-autor, ressalva que o autor faz
Estado do Espírito Santo, mestrando pela UFES. questão de inserir nesta introdução.
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A produção de trabalhos, em parceria, fundamentais”, são aqueles direitos que o
por professores e mestrandos está dentro homem possui pelo fato de ser homem, por
do espírito com o qual foi concebido o sua própria natureza humana e pela digni-
Mestrado em Direito da UFES. dade que a ela é inerente (HERKENHOFF,
Com este texto, pretende o autor, com a 2002, p. 19). Tais direitos não resultam de
colaboração do co-autor, resgatar, atualizar concessão da sociedade política, mas esta
e ampliar um ensaio publicado no número tem o dever de reconhecê-los, consagrá-los
7 da revista “Encontros com a Civilização e garanti-los porquanto nenhuma socieda-
Brasileira”, que veio à luz em janeiro de de se justifica se não zela pelo bem-estar
1979, com o título “Os Direitos Humanos dos indivíduos.
e sua Proteção Jurisdicional”.
Nesse ensaio defendeu o autor a tese da 3. Breve história dos direitos humanos
diferença entre “preceitos constitucionais
meramente formais” e “preceitos constitu- A evolução do pensamento filosófico,
cionais históricos ou solidificados”. jurídico e político da humanidade, por-
No momento da vida brasileira em que tanto, da própria humanidade, resultou
o ensaio apareceu, a defesa dessas idéias não só no reconhecimento e consolidação
era particularmente importante porque de diversos direitos humanos, como no
“preceitos constitucionais históricos ou so- próprio conceito deste.
lidificados”, como o ensaio defendeu, eram Um “sobrevôo” pela história permi-
as garantias constitucionais conquistadas te visualizar direitos atribuídos a seres
ao longo da vida política do país, pela luta, humanos – direitos humanos em sentido
pela resistência, pelo martírio. Por sua vez, amplo – desde a Antigüidade, no Código
os “preceitos constitucionais meramente de Hamurabi (Babilônia), na filosofia de
formais” (gerados pelos atos institucionais) Mêncio (China), na República de Platão e
eram aqueles que, sem radicação na história no direito Romano, embora precários, haja
brasileira, eram simplesmente determina- vista a ausência de limitação de poder do
dos pelos que detinham o poder. Estado em relação ao indivíduo.
Os “preceitos constitucionais históricos Embora Aristóteles haja definido “cons-
ou solidificados”, segundo a tese que o tituição”, o constitucionalismo, em razão
texto original defendeu, apontavam para da mencionada limitação, só teve início
o Brasil o caminho da Democracia. na Inglaterra, tendo como marco a Carta
A revista Encontros com a Civilização Magna de 1215, imposta ao rei João Sem
Brasileira, fundada e dirigida pelo saudoso Terra pelos bispos e barões. Nela foram
Ênio Silveira, foi um símbolo da resistência consignados limites ao poder do Rei, entre
democrática num período em que nosso eles, o “habeas corpus”.
país estava submetido à ditadura. Publi- Eventuais direitos antes reconhecidos
cando este ensaio naquela revista, o autor, em documentos ingleses a homens comuns
que era na oportunidade magistrado da – vassalos – não passavam de direitos de
ativa, no Espírito Santo, juntava sua voz estamentos reconhecidos pelo rei – suse-
à voz de todos aqueles que lutavam pela rano – que se comprometia a respeitá-los
supressão do arbítrio, pela anistia e pela em contratos feudais. Porém, deve ser re-
constitucionalização do país. conhecida a importância de tais contratos
pela influência que irradiou para outros
grupos dominantes e outras categorias de
2. Conceito de direitos humanos súditos1. Os direitos assim reconhecidos
“Direitos humanos” ou “direitos do 1
Cf. Magna Carta, art. 20 e 39 in O direito de ser ho-
homem”, também denominados “direitos mem, Seleção de textos organizada por Jeanne Hersch,

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não tinham caráter universal, alcançando Ultrapassados os ideais do liberalismo,
apenas alguns homens ingleses livres. O que inspirou o Estado dos proprietários,
alcance universal das proclamações ingle- a emergência do proletariado como força
sas se deu com o pensador inglês Locke, política marcou nova época na história
com sua fundamentação jusnaturalista, dos “Direitos Humanos”. Já não bastava
refletindo nas revoluções americana e o Estado de Direito. Colimava-se o Estado
francesa. Social de Direito.
Os “direitos do homem e do cidadão”, Essas aspirações do pensamento político
proclamados nessa fase histórica, quer na então dominante encontram expressão sole-
América, quer na Europa, tinham um conte- ne: na Proclamação das Quatro Liberdades,
údo bastante individualista, consagrando a de Roosevelt – a de palavra e expressão, a
chamada democracia burguesa. Apenas na de culto, a de não passar necessidade, a
segunda etapa da revolução francesa, sob de não sentir medo (1941); na Declaração
a ação de Robespierre e a força do pensa- das Nações Unidas (Washington, 1942);
mento de Rousseau, proclamam-se direitos na Conferência de Moscou (1943); na
sociais do homem: direitos relativos ao Conferência de Dumbarton Oaks (1944);
trabalho e a meios de existência, direito de na Conferência de São Francisco (1945) e,
proteção contra a indigência, direito à ins- finalmente, no mais importante, conhecido
trução (Constituição de 1973). Entretanto, a e influente documento de “direitos huma-
realização desses direitos cabia à sociedade nos” da História: a Declaração Universal
e não ao Estado, salvaguardada, assim, dos Direitos do Homem, proclamada pela
a idéia então vigente de absenteísmo do Assembléia Geral das Nações Unidas em
Estado diante de tais problemas. 10 de dezembro de 1948.
A dimensão social do constitucionalis-
mo, a afirmação da necessidade de satis- 4. Os direitos humanos no pensamento
fazer os direitos econômicos, ao lado dos jurídico contemporâneo
direitos de liberdade, a outorga ao Estado
da responsabilidade de prover essas aspi- A dimensão “social” da democracia
rações – é fato histórico do século XX. que marcou o primeiro grande salto na
A Revolução Mexicana conduz à cons- conceituação dos “direitos sociais” derivou
tituição de 1917, que proclama os direitos da constatação da fragilidade dos “direitos
do trabalhador. A Revolução Russa leva liberais” quando o homem, a favor do qual
à declaração dos direitos do povo, dos se proclamam liberdades, não satisfez ain-
trabalhadores e dos explorados (1918). A da necessidades primárias: alimentar-se,
Constituição alemã de Weimar (1917) tenta vestir-se, morar, ter condições de saúde, ter
o acréscimo às franquias liberais do século segurança diante da doença, da velhice, do
anterior dos princípios da democracia so- desemprego e de outros percalços da vida.
cial que então se impunham. Outrossim, Numa primeira fase, a reações contra os
os interesses econômicos das grandes po- postulados da democracia liberal consistiu
tências aconselharam o encorajamento das em afirmar os “direitos sociais” com menos-
reivindicações universais do trabalho, a fim prezo das liberdades clássicas. Pretendia-se
de que países onde as forças sindicais eram libertar o homem da opressão econômica e
débeis não pudessem fazer concorrência tachava-se de engodo as garantias da de-
à indústria dos países onde essas forças mocracia liberal, que importavam apenas às
eram mais ativas, com a vil remuneração classes dominantes, em nada interessando
da mão-de-obra operária. às classes oprimidas. A declaração russa
dos direitos do povo, dos trabalhadores e
p. 186 e seguintes. dos explorados, redigida por Lênin (HERS-

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CH, 1972, p. 297), dá a medida da rebeldia O desenvolvimento exige a instauração,
às anteriores declarações de direitos. no mundo, de uma ordem social justa,
Pouco a pouco, de parte a parte, houve eliminada a exploração sistemática do
uma absorção de valores: em democracias homem pelo homem, de nação por nação,
liberais, contemplaram-se os “direitos so- bem como a opressão das massas pelos
ciais”; em países socialistas, como fato dos poucos que possuem riqueza e poder,
nossos dias, assiste-se à revalorização das segundo denunciou a Comissão Pontifícia
franquias liberais clássicas. Justiça e Paz4.
Parece que o porvir reserva ao mun- Assim, na atualidade, não há apenas di-
do um encontro de vertentes, quando se reitos humanos reclamáveis ao Estado, mas
puderem conciliar as aspirações de maior também direitos humanos reclamáveis pela
igualdade no plano econômico – de que as pessoa aos grupos sociais e às estruturas
correntes socialistas foram e são portadoras econômicas, bem como direitos reclamáveis
– com as aspirações de liberdade, legado por grupos humanos e nações, em nome
da democracia clássica, aspirações umas e da pessoa humana, dentro da comunidade
outras que creio perfeitamente compatíveis, universal. Só haverá o efetivo primado dos
harmônicas e interdependentes. “direitos humanos” com a supremacia dos
Mas a visão dos Direitos Humanos, mo- valores da justiça, no mundo. Justiça que
dernamente, não se enriqueceu apenas com será, por sua vez, a força geradora da Paz.
a justaposição dos “direitos econômicos”
aos “direitos de liberdade”. Ampliaram-se 5. Os direitos humanos e a tradição
os horizontes. constitucional brasileira
Surgiram os chamados “direitos hu-
manos da terceira geração”, os direitos da 5.1. Direitos humanos e preceitos
solidariedade: direito ao desenvolvimento, constitucionais historicamente solidificados
direito a um ambiente sadio e ecologica-
mente equilibrado, direito à paz, direito de Nos países de constituição flexível (a
propriedade sobre o patrimônio comum da Inglaterra é o exemplo mais expressivo),
humanidade (VASAK, 1978). sabe-se que não existe, a rigor, a supremacia
Outrossim, assinala-se com veemência de uma lei sobre outra. Um ato do Parla-
cada vez maior que a negação dos “direitos mento ordinário revogaria na Inglaterra o
humanos”, no interior de cada país, não habeas corpus, embora seja difícil conceber
tem apenas causas internas mas, sobretudo, que a Inglaterra abrisse mão, por um ato
origem externa: a injustiça no campo das legislativo, de oito séculos de cultura jurí-
relações internacionais. dica, oito séculos de civilização.
O “direito comum dos povos a seu de- Nos países de Constituição rígida (o
senvolvimento humano integral”, procla- Brasil é, tradicionalmente, um desses), a
mado por Paulo VI perante a Organização Constituição é a lei maior, Carta Magna,
Internacional do Trabalho2, supõe a inter- superior às demais leis. Lei que contrarie a
penetração de todos os direitos humanos Constituição é inconstitucional, não é lei.
fundamentais, sobre os quais se baseiam as A Constituição Imperial (1824), regulando
aspirações de indivíduos e de nações, como o processo de emendas a seu texto, excluía
afirmou o Sínodo dos Bispos instalado em das formalidades estabelecidas as emendas
Roma, em 19713. que não se referissem a matéria constitu-
cional. E definia-se por constitucional “o
2
Cf. Justiça no mundo, textos da Comissão Pon-
que diz respeito aos limites e atribuições
tifícia Justiça e Paz, p. 39.
3
Idem. 4
Ibidem, p. 36.

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respectivas dos poderes políticos, e aos di- historicamente solidificados e vigoram por
reitos políticos e individuais dos cidadãos” outorga, resulta dessa anomalia um divór-
(art. 178). cio entre o Estado (outorgante dos preceitos
A primeira constituição republicana formais) e a Nação (detentora dos preceitos
(1891), ao tratar das reformas a ela própria, históricos solidificados). No Brasil, os pre-
determinava que não podiam ser objeto de ceitos constitucionais historicamente soli-
deliberação, no Congresso, projetos tenden- dificados dão plena acolhida aos Direitos
tes a abolir a forma republicano-federativa, humanos. Em outras palavras: numa visão
ou a igualdade da representação dos Esta- científica e sociológica do Direito Constitu-
dos no Senado (art. 90, § 4o). cional, os Direitos Humanos, no Brasil, são
A Constituição de 1934 distinguiu “constitucionais”. Isso porque a tradição
emenda e revisão. Emenda era a alteração constitucional brasileira é a de respeito aos
que não modificasse a estrutura política do Direitos Humanos. Não obstante a luta, na
Estado e a organização ou a competência história das idéias políticas no país, entre
dos poderes da soberania. Revisão era a o pensamento autoritário e o pensamento
alteração, nesses pontos (art. 178). Não liberal, prevaleceu a orientação liberal nos
seriam admitidos, como objeto de delibe- grandes textos de afirmação do pensamen-
ração, projetos tendentes a abolir a forma to político e jurídico nacional.
republicana federativa (art. 178, § 5o). Na
Constituição de 1946, novamente se estabe- 5.2. Os direitos humanos e a
leceu que não seriam objeto de deliberação Constituição Imperial
projetos tendentes a abolir a Federação ou Não obstante outorgada – após a dis-
a República. A Constituição de 1967 (art. solução da Constituinte, com desaponto
50, § 1o) repetiu a norma. para as correntes liberais do pensamento
Dentro de um formalismo técnico, político brasileiro –, a Constituição imperial
em países de Constituição rígida, consti- consagrou os principais Direitos Humanos,
tucional é todo dispositivo constante da como então eram reconhecidos.
Constituição vigente. Não há que cuidar de Instituiu a supremacia do homem-pro-
Constituições antigas. Se se der, contudo, à prietário, full-member do corpo social. Mas
tarefa hermenêutica uma maior abertura, se nisso fez coro a Locke e à ideologia liberal
se adotar uma postura sociológica, passa a que marcou sua profunda influência no
interessar o exame de textos constitucionais processo da independência e formação polí-
revogados. tica do Brasil (BARRETO, 1973, p. 22-23).
Da mesma forma que a Constituição Na esteira da Declaração dos Direitos
distingue preceitos constitucionais irre- do Homem e do Cidadão, decretada pela
formáveis, penso que o cientista do Direito Assembléia Nacional francesa em 1789, afir-
possa distinguir preceitos constitucionais mou que a inviolabilidade dos direitos civis
históricos ou solidificados. Por preceitos e políticos tinha por base a liberdade, a segu-
constitucionais meramente formais, deno- rança individual e a propriedade (art. 179).
mino aqueles que integram a Constituição Omitiu, contudo, o quarto direito natural e
vigente. Por preceitos constitucionais his- imprescritível, proclamado, ao lado desses
tóricos ou solidificados, designo aqueles três, pelo artigo 2o da Declaração francesa:
que integram a verdadeira “Constituição” o direito de resistência à opressão.
do país, ou seja, preceitos que realmente Estabelecendo uma religião de Estado,
orientaram e comandaram a estrutura po- a Constituição imperial afastou-se da Carta
lítica do Estado através do tempo. de 1789. Também não deu guarida ao art.
Quando os preceitos constitucionais 15 da Declaração francesa, que estabelecia
formais afrontam preceitos constitucionais ter a sociedade o direito de exigir que todo

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agente público prestasse conta de sua – exigência de lei anterior e autoridade
administração. Nenhuma determinação competente, para sentenciar alguém;
nesse sentido foi incluída na Constituição – independência do poder judicial;
imperial. Apenas o art. 15, § 6o, mandava – igualdade de todos perante a lei;
que, na morte do imperador, ou vacância – acesso de todos os cidadãos aos cargos
do trono, procedesse a Assembléia Geral o públicos;
exame da administração que acabou, para – proibição de foro privilegiado;
reformar os abusos nela introduzidos. A – abolição dos açoites, tortura, marca de
Constituição consagrava a irresponsa- ferro quente e todas as penas mais cruéis;
bilidade do Imperador, mas poderia ter – proibição de passar a pena da pessoa
submetido os Ministros ao dever de prestar do delinqüente e, em conseqüência, proibi-
contas aos representantes do povo, já que ção da confiscação de bens e da transmissão
eram responsáveis por qualquer dissipação da infâmia a parentes;
dos bens públicos (art. 133, § 6o). – garantia de cadeias limpas e bem areja-
Desviando-se dos documentos norte- das, havendo diversas casas para separação
americanos (HERSCH, 1972, p. 189-190, dos réus, conforme suas circunstâncias e
196-197), coerente com a opção pela forma natureza de seus crimes;
monárquica de governo, a Constituição de – direito de propriedade;
1824 evitou a menção da idéia de estrita vin- – liberdade de trabalho;
culação de todo governo ao consentimento – inviolabilidade do segredo das cartas;
dos governados. – direito de petição e de queixa, inclusi-
Do constitucionalismo inglês, herdou ve o de promover a responsabilidade dos
a vedação da destituição de magistrados infratores da Constituição;
pelo rei (Act of Settlement, 1701), o direito – instrução primária gratuita.
de petição, as imunidades parlamentares, A Constituição de 25 de março de 1824
a proibição de penas cruéis (Bill of Rights, vigorou até 15 de novembro de 1889, ou
1689) e o direito do homem a julgamento seja, durante mais de 65 anos.
legal (Magna Carta, 1215).
As principais franquias asseguradas 5.3. A primeira Constituição
pela Constituição de 1824 foram as se- Republicana e os direitos humanos
guintes: Com a República, foi instituído o sufrá-
– liberdade de expressão do pensamen- gio direto para a eleição dos deputados,
to, inclusive pela imprensa, independente- senadores, presidente e vice-presidente da
mente de censura; República, estendendo-se, implicitamente,
– liberdade de convicção religiosa e de o preceito aos cargos eletivos estaduais, por
culto privado, contanto que fosse respeita- força da disposição que mandava respeitas-
da religião do Estado; sem os Estados os princípios constitucio-
– inviolabilidade da casa; nais da União (NEQUETE, 1973, p. 17-28).
– proibição de prisão sem culpa for- Seriam eleitores os cidadãos maiores de
mada, exceto nos casos declarados em lei, 21 anos que se alistassem na forma da lei.
exigindo-se contudo, nesta última hipótese, A Constituição excluía do alistamento os
nota de culpa assinada pelo juiz; mendigos, os analfabetos, as praças de pré
– exigência de ordem escrita da autori- e os religiosos sujeitos a voto de obediência.
dade legítima para a execução da prisão, Foi abolida a exigência de renda, prove-
exceto flagrante delito; niente de bens de raiz, comércio, indústria
– punição da autoridade que ordenasse ou artes, como critério de exercício dos di-
prisão arbitrária, bem como de quem a reitos políticos. Contudo, continuando nas
tivesse requerido; mãos dos fazendeiros, como no Império, o

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primado da força econômica e estabelecido até 24 de outubro de 1930, ou seja, durante
o voto a descoberto, o sufrágio direto não quase 40 anos.
mudou as regras de distribuição do poder.
Os coronéis continuaram detendo a política 5.4. Os direitos humanos e a primeira
local. Por meio desta influíam, decisiva- fase da Revolução de 30
mente, na representação parlamentar e na Com a revolução de 30 e o advento
escolha dos titulares das mais altas funções do Decreto no 19.398, de 11 de novem-
públicas. O poderio econômico do campo bro de 1930, adveio o discricionarismo;
mantinha a dependência do comércio, das dissolveram-se o Congresso Nacional, as
profissões liberais e da máquina adminis- Assembléias Legislativas e as Câmaras
trativa aos interesses rurais, fazendo dessas Municipais; a magistratura perdeu suas
forças aliados do fazendeiro, nas questões garantias; foram suspensas as franquias
mais decisivas. constitucionais; o habeas corpus foi ames-
Não obstante essa realidade, que res- quinhado, uma vez que mantido apenas em
tringia o poder a camadas privilegiadas, a favor de réus ou acusados em processos de
primeira Constituição republicana ampliou crimes comuns, excluída a proteção mul-
os Direitos Humanos, além de manter as tissecular nos casos de crimes funcionais e
franquias já conhecidas do Império: os da competência de tribunais especiais;
– extinguiram-se os títulos nobiliár- obscureceram-se os Direitos Humanos.
quicos;
Essa situação permaneceu até o advento
– separou-se a Igreja do Estado e estabe-
da Constituição de 16 de julho de 1934, ou
leceu-se a plena liberdade religiosa;
seja, durante mais de três anos.
– consagrou-se a liberdade de associa-
ção e de reunião sem armas; 5.5. A Constituição de 34
– assegurou-se aos acusados a mais e os direitos humanos
ampla defesa;
– aboliram-se as penas de galés, bani- A Constituição de 1934 restabeleceu as
mento judicial e morte; franquias liberais e ampliou-as:
– criou-se o habeas corpus com a amplitu- – determinou que a lei não prejudicaria
de de remediar qualquer violência ou coa- o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
ção por ilegalidade ou abuso de poder; e a coisa julgada;
– instituíram-se as garantias da magistra- – explicitou o princípio da igualdade
tura (vitaliciedade, inamovibilidade e irre- perante a lei, estatuindo que não haveria
dutibilidade de vencimento) mas, expressa- privilégios, nem distinções, por motivo de
mente, só em favor dos juízes federais. nascimento, sexo, raça, profissão própria
A reforma constitucional de 1926 res- ou dos pais, riqueza, classe social, crença
tringiu o habeas corpus aos casos de prisão religiosa ou idéias políticas;
ou constrangimento ilegal na liberdade de – permitiu a aquisição de personalidade
locomoção5. Mas, por outro lado, estendeu, jurídica, pelas associações religiosas, e in-
expressamente, à Justiça dos Estados as ga- troduziu a assistência religiosa facultativa
rantias asseguradas à magistratura federal. nos estabelecimentos oficiais;
A Constituição de 24 de fevereiro de – instituiu a obrigatoriedade de comu-
1891, com as emendas de 1926, vigorou nicação imediata de qualquer prisão ou
detenção ao juiz competente para que a
5
Nisso representou “um retrocesso na curva relaxasse, se ilegal, promovendo a respon-
ascendente da proteção dos direitos subjetivos sob a
sabilidade da autoridade coatora;
República”, como notou Fagundes, M. Seabra, In: A
evolução do sistema de proteção jurisdicional dos direitos – manteve o habeas corpus, para proteção
no Brasil republicano. da liberdade pessoal, e instituiu o mandado

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de segurança, para defesa do direito, certo e – instituição de previdência, mediante
incontestável, ameaçado ou violado por ato contribuição igual da União, do emprega-
manifestamente inconstitucional ou ilegal dor e do empregado, a favor da velhice, da
de qualquer autoridade; invalidez, da maternidade e nos casos de
– vedou a pena de caráter perpétuo; acidentes de trabalho ou de morte;
– proibiu a prisão por dívidas, multas – regulamentação do exercício de todas
ou custas; as profissões;
– impediu a extradição de estrangeiro – reconhecimento das convenções cole-
por crime político ou de opinião e, em tivas de trabalho;
qualquer caso, a de brasileiro; – obrigatoriedade de ministrarem as
– criou a assistência judiciária para os empresas, localizadas fora dos centros
necessitados; escolares, ensino primário gratuito, desde
– determinou às autoridades a expedi- que nelas trabalhem mais de 50 pessoas,
ção de certidões requeridas, para defesa de havendo, pelo menos, analfabetos;
direitos individuais ou para esclarecimen- – criação da Justiça do Trabalho, vincu-
to dos cidadãos a respeito dos negócios lada ao poder Executivo.
públicos; Também cuidou a Constituição de 34
– isentou de imposto o escritor, o jorna- dos direitos culturais, sufragando os se-
lista e o professor; guintes princípios, entre outros:
– atribuiu a todo cidadão legitimidade – direito de todos à educação, com a
para pleitear a declaração de nulidade ou determinação de que esta desenvolvesse,
anulação dos atos lesivos do patrimônio da num espírito brasileiro, a consciência da
União, dos Estados ou dos municípios. solidariedade humana;
A par das garantias individuais, a – obrigatoriedade e gratuidade do en-
Constituição de 1934, inovando no Direito sino primário, inclusive para os adultos, e
brasileiro, estatuiu normas de proteção tendência à gratuidade do ensino ulterior
social do trabalhador: ao primário;
– proibição de diferença de salário para – ensino religioso facultativo, respeitada
um mesmo trabalho. Por motivo de idade, a confissão do aluno;
sexo, nacionalidade ou estado civil; – liberdade de ensino e garantia da
– salário mínimo capaz de satisfazer às cátedra.
necessidades normais do trabalhador; Instituindo a Justiça Eleitoral (art. 82 e
– limitação do trabalho a oito horas di- seguintes) e o voto secreto (art. 52, § 1o),
árias, só prorrogáveis nos casos previstos abrindo os horizontes do constitucionalis-
em lei; mo brasileiro para os direitos econômicos,
– proibição de trabalho a menores de 14 sociais e culturais (art. 115 e segs., art. 148 e
anos, de trabalho noturno a menores de 16 segs.), a Constituição de 34 representaria a
e em indústrias insalubres a menores de 18 abertura de nova fase da vida do país, não
anos e a mulheres; fosse a sua breve vida e a sua substituição
– repouso semanal, de preferência aos pela Carta reacionária de 37.
domingos; A Constituição de 34 – que respeitou os
– férias anuais remuneradas; Direitos Humanos – vigorou até a introdu-
– indenização ao trabalhador dispensa- ção do Estado Novo, a 10 de novembro de
do sem justa causa; 1937, ou seja, durante mais de três anos.
– assistência médica sanitária ao traba-
lhador e à gestante, assegurada a esta des- 5.6. Os direitos humanos no Estado Novo
canso antes e depois do parto, sem prejuízo O Estado Novo institucionalizou o au-
do salário e do emprego; toritarismo. O Parlamento e as Assembléias

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foram fechados. A Carta de 37 previu a – salário mínimo capaz de atender
existência de um Poder Legislativo, mas as às necessidades do trabalhador e de sua
eleições para a escolha de seus membros não família;
foram convocadas. Deteve o Presidente da – participação obrigatória e direta do
República, até a queda do Estado Novo, o trabalhador nos lucros da empresa;
poder de expedir decretos-leis, previsto no – proibição de trabalho noturno a me-
art. 180 da Carta. A magistratura perdeu nores de 18 anos;
suas garantias (art. 177). Um tribunal de – fixação das percentagens de empre-
exceção – o Tribunal de Segurança Nacio- gados brasileiros nos serviços públicos
nal – passou a ter competência para julgar dados em concessão e nos estabelecimentos
os crimes contra a segurança do Estado e de determinados ramos do comércio e da
a estrutura das instituições (art. 172). Leis indústria;
eventualmente declaradas contrárias à pró- – estabilidade do trabalhador, na em-
pria Constituição autoritária, por juízes sem presa;
garantias, ainda assim podiam ser validadas – higiene e segurança do trabalho;
pelo presidente (art. 96, § único, combinado – assistência aos desempregados;
com o art. 180). A Constituição declarou o – obrigatoriedade da instituição, pelo
país em estado de emergência (art. 186), com empregador, do seguro contra os acidentes
suspensão da liberdade de ir e vir, censura do trabalho;
da correspondência e de todas as comunica- – direito de greve;
ções orais e escritas, suspensão da liberdade – liberdade de associação profissional
de reunião, permissão de busca e apreensão ou sindical;
em domicílio (art. 168, letras a, b, c e d). – criação da Justiça do Trabalho como
Em tal ambiente jurídico e político, ramo do Poder Judiciário.
mesmo as garantias individuais mantidas, Foram mantidos os direitos de salário
como exceção das que não representavam do trabalho noturno superior ao do diurno
qualquer risco para o regime autoritário e de repouso nos feriados civis e religiosos,
vigente, perderam sua efetividade. Não inovações da Carta de 37.
estiveram de pé os Direitos Humanos. O No que tange aos direitos culturais,
Estado Novo durou quase oito anos. ampliaram-se os de 34, com o acréscimo
das seguintes estipulações:
5.7. 1946 e a volta do estado de direito – gratuidade do ensino oficial ulterior
Em 1946, o país foi redemocratizado. A ao primário para os que provassem falta
Constituição de 18 de setembro restaurou ou insuficiência de recursos;
os direitos e garantias individuais, que – obrigatoriedade de manterem as em-
foram, mais uma vez, ampliados em com- presas, em que trabalhassem mais de 100
paração com o texto constitucional de 34. pessoas, ensino primário para os servidores
Criou-se, com o art. 141, § 4o, o princípio e respectivos filhos;
da ubiqüidade da Justiça, nestes termos: – obrigatoriedade de ministrarem as
“A lei não poderá excluir da apreciação do empresas, em cooperação, aprendizagem
Poder Judiciário qualquer lesão de direito aos seus trabalhadores menores;
individual”. Segundo Pontes de Miranda – instituição de assistência educacional,
(1960, p. 412), foi a mais prestante criação em favor dos alunos necessitados, para lhes
do constituinte de 46. Foi estabelecida a assegurar condições de eficiência escolar.
soberania dos vereditos do júri e a indivi- A Constituição de 1946 vigorou, formal-
dualização da pena. No que se refere aos mente, até que sobreviesse a Constituição
direitos sociais, também foram ampliados de 1967. Contudo, a partir da Revolução
com a introdução dos seguintes preceitos: de 31 de março de 1964, sofreu múltiplas

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emendas e suspensão da vigência de de e exercício em função por tempo certo
muitos de seus artigos por força dos Atos (art. 14); o de cassar mandatos populares e
Institucionais de 9 de abril de 1964 (poste- suspender direitos políticos (art. 15).
riormente considerado como o de no 1) e 27 Além dessas faculdades, conferiu ainda
de outubro de 1965 (AI-2). o AI-2 ao presidente as seguintes: colocar
A rigor, o ciclo constitucional começado em recesso o Congresso Nacional, as As-
em 18 de setembro de 1946 encerrou-se a sembléias Legislativas e as Câmaras de
1o de abril de 1964, com quase 18 anos de Vereadores (art. 31); decretar a intervenção
duração. federal nos Estados (art. 17). Todos os atos
Sob o império da Constituição de 1946, praticados estariam ao desabrigo do ampa-
estiveram garantidos os Direitos Huma- ro judicial (art. 19).
nos. Foi também estendido aos civis o foro
militar, para repressão de crimes contra a
5.8. Os direitos humanos na
segurança nacional ou as instituições mili-
primeira fase da ditadura
tares (art. 8o). Os poderes dos Atos foram
O Ato Institucional da Revolução de 31 amplamente utilizados, inclusive com a de-
de março deu ao Presidente da República cretação do recesso do Congresso Nacional,
poderes para decretar o estado de sítio em 20 de outubro de 1966, por força do Ato
sem ouvir o Congresso Nacional (art. 6o), Complementar no 23. O Ato Institucional no
suspendeu as garantias constitucionais 2 vigorou até 15 de março de 1967, quando
e legais da vitaliciedade e estabilidade e, entrou em vigor a Constituição decretada e
por conseguinte, também as garantias da promulgada em 24 de janeiro de 1967.
magistratura, pelo prazo de 6 meses (art. O regime instituído pelos Atos Insti-
§ 7o) e deu aos editores do Ato, bem como tucionais de nos 1 e 2 não se compatibiliza
ao presidente da República que seria esco- com as franquias presentes na Declaração
lhido, poderes para, até 60 dias depois da Universal dos Direitos do Homem, pelos
posse, cassar mandatos eletivos populares seguintes fundamentos:
e suspender direitos políticos. Tais atos a) os punidos, a muitos dos quais se
foram colocados a descoberto de proteção imputaram atos delituosos, não tiveram
judiciária (art. 7o, § 4o). o direito de defesa previsto no art. 11 da
O Ato Institucional teria vigência até 31 Declaração;
de janeiro de 1966, mas antes de seu termo, b) o direito de receber dos tribunais na-
em 27 de outubro de 1965, o presidente da cionais competentes remédio efetivo para os
República assinou o Ato Institucional que atos eventualmente violadores dos direitos
então foi denominado de no 2, referendado reconhecidos pela Constituição e pela lei –
pelos seus ministros, no qual se declarava previsto no art. 8o da Declaração – também
que a Constituição de 1946 e as Constitui- foi desrespeitado pelo artigo dos Atos Ins-
ções Estaduais e respectivas emendas eram titucionais que revogou o princípio da ubi-
mantidas com as modificações constantes qüidade da Justiça e excluiu da apreciação
do Ato. judiciária as punições da Revolução;
Todos os poderes excepcionais do pri- c) o tribunal independente e imparcial a
meiro Ato Institucional foram revividos: o que todo homem tem direito não o é aquele
de decretar o presidente o estado de sítio em que o próprio juiz está sujeito a punições
(art. 13); o de demitir, remover, dispensar, discricionárias. Assim, a total supressão das
pôr em disponibilidade, aposentar, trans- garantias da magistratura viola o art. 10;
ferir para a reserva e reformar os titulares d) a exclusão discricionária do grêmio
das garantias constitucionais e legais de político (suspensão de direitos de cida-
vitaliciedade, inamovibilidade, estabilida- dão) contraria o art. 21 que confere a todo

224 Revista de Informação Legislativa


homem o direito de participar do governo Finalmente a Constituição de 67 deter-
de seu país. minou que se impunha a todas as autorida-
des o respeito à integridade física e moral
5.9. Os direitos humanos e a do detento e do presidiário, preceito que
Constituição de 1967 não existia, explicitamente, nas Constitui-
A Constituição de 1967 manteve, em ções anteriores.
linhas gerais, com algumas modificações No que diz respeito aos direitos sociais,
restritivas, os direitos e garantias indivi- a Constituição de 67 inovou no seguinte: in-
duais previstos na Constituição de 1946. clusão do salário-família aos dependentes do
Continuou-se afirmando que a publicação trabalhador, como garantia constitucional,
de livros e periódicos independe de licença proibição de diferença de salários também
do poder público. Contudo, enquanto a por motivo de cor, circunstância a que não se
Constituição de 1946 estabelecera que não referia a Constituição de 46, e supressão da
seria tolerada a propaganda de processos proibição de diferença por motivo de idade e
violentos para subverter a ordem política e nacionalidade, a que se referia a Constituição
social (art. 14, § 5o), a Constituição de 1967 anterior; participação do trabalhador, even-
passou a proibir a propaganda de subver- tualmente na gestão da empresa, redução
são da ordem, sem exigir a qualificação de para 12 anos da idade mínima de permissão
“processos violentos” para a incidência da do trabalho, supressão da estabilidade, como
proibição (art. 150, § 8o). garantia constitucional, e estabelecimento do
Relativamente ao direito de reunião, a regime de fundo de garantia como alternati-
Constituição de 1946, ao determinar que a va; aposentadoria da mulher, aos trinta anos
polícia poderia designar o local para sua de trabalho, com salário integral; proibição
realização, ressalvava que, assim proceden- de greve nos serviços públicos e atividades
do, não a poderia frustrar ou impossibilitar. essenciais, definidas em lei.
A Constituição de 1967 não reproduziu a Também a Constituição de 1967, for-
ressalva. malmente, teve vigência até sua substitui-
Criou a Constituição de 1967 a pena de ção pela Carta de 17 de outubro de 1969.
suspensão dos direitos políticos, declara- Contudo, a rigor, vigorou apenas até 13
da pelo Supremo Tribunal Federal, para de dezembro de 1968, quando foi baixado
aquele que abusasse dos direitos políticos o Ato Institucional no 5.
ou dos direitos de manifestação do pensa- Não obstante a Constituição de 67 – con-
mento, exercício de trabalho ou profissão, tra a tradição constitucional do país – tenha
reunião e associação, para atentar contra a restringido a liberdade de opinião e de
ordem democrática ou praticar a corrupção expressão, deixado o direito de reunião a
(art. 151). Essa competência punitiva do descoberto de garantias plenas e estendido
Supremo era desconhecida pelo Direito o foro militar aos civis nas hipóteses de
Constitucional brasileiro. crimes contra a segurança interna, além
O foro militar, na mesma linha da de alguns recuos no campo dos direitos
emenda constitucional ditada pelo Ato sociais, não se pode ver, nos seus disposi-
Institucional no 2, estendeu-se aos civis, tivos, afronta à Declaração Universal dos
nos casos expressos em lei para repressão Direitos do Homem. Sobretudo porque
de crimes contra a segurança nacional ou manteve as garantias da magistratura; e
as instituições militares (art. 122, § 1o). Pela o Poder Judiciário, independente – se a
Constituição de 46, o civil só estaria sujeito à Constituição tivesse tido vida mais longa
jurisdição militar no caso de crimes contra a –, poderia harmonizar os preceitos de re-
segurança externa do país ou as instituições dação restritiva com o catálogo de Direitos
militares (art. 108, § 1o). Humanos.

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5.10. Os direitos humanos sob o votada). Tendo a Carta de 1969 mantido
Ato Institucional no 5 a vigência do Ato Institucional no 5 (art.
182), continuou inalterável o quadro dos
O Ato Institucional no 5 repetiu todos os
Direitos Humanos, decorrente da edição
poderes discricionários conferidos ao presi-
do referido Ato.
dente pelo AI-2 e ainda ampliou a margem
de arbítrio: deu ao governo a prerrogativa
de confiscar bens e suspendeu a garantia 6. A vinculação histórica dos direitos
do habeas corpus nos casos de crimes políti- humanos com o Poder Judiciário
cos, contra a segurança nacional, a ordem Para uma visão histórica dos Direitos
econômica e social e a economia popular. Humanos no curso da evolução constitu-
Como nos Atos anteriores, excluiu-se a cional do país, será conveniente elegermos
possibilidade de exame judiciário das me- um indicador. Esse procedimento conduz
didas aplicadas. à exatidão da análise e facilita um exame
O regime do AI-5 não se coadunava com global e sintético da matéria. Acredito seja
a vigência dos Direitos Humanos: como os indicador expressivo o exame das garantias
Atos 1 e 2, desprezou os artigos 8o, 10, 11 do Poder Judiciário. Na verdade, sendo o
e 21 da Declaração Universal dos Direitos Judiciário o principal tutor das liberdades
Humanos, já examinados. Afrontou, além civis, a sorte dessas liberdades está direta-
desses artigos, também o de no 18 – “nin- mente ligada à posição do Judiciário dentro
guém será arbitrariamente privado de sua da estrutura constitucional. Por outro lado,
propriedade” – pois a investigação prevista a supressão das garantias da magistratura
no art. 8o do AI-5, para os casos de confisco (1930, 1937, 1964, 1965 e 1968) sempre
de bens, sem dar garantias de defesa ao pre- acompanhou, como acabamos de ver, a
judicado, não exclui o caráter discricionário supressão de outras liberdades públicas.
da medida. E o próprio AI-5 o reconheceu No Império, os juízes eram perpétuos
quando dispõe no parágrafo único do art. 8o (art. 153 da Constituição de 1824). Só por
que, provada a legitimidade dos bens, far- sentença perdiam o lugar (art. 155). Mas não
se-á a restituição. Apenas é de se observar eram inamovíveis (art. 153). O Imperador
que a simples restituição, numa tal hipótese, podia suspendê-los por queixas contra eles
não satisfazia o Direito e a Justiça. feitas, procedendo audiência dos mesmos
Entretanto, a mais grave incompatibili- juízes, informação necessária, e ouvido o
dade entre o AI-5 e os Direitos Humanos Conselho de Estado (art. 154).
está na supressão do habeas corpus para A Constituição de 1891 instituiu ex-
crimes políticos e outros. Proibindo a apre- pressamente as garantias da magistratura
ciação judicial da prisão, o AI-5 negava re- (vitaliciedade, inamovibilidade e irredu-
médio contra a prisão arbitrária, tornando tibilidade de vencimentos) apenas em
letra morta o art. 9o da Declaração, redigido favor dos juízes federais. A vitaliciedade
nestes termos: “ninguém será arbitraria- e a irredutibilidade de vencimentos foram
mente preso, detido ou exilado”. assegurados pelo art. 57 e § 1o. A inamo-
Em 17 de outubro de 1969, foi outorgada vibilidade, que havia sido tratada no art.
nova Carta ao país, embora formalmente 2o do Decreto no 848, de 11 de outubro de
com a designação de Emenda à Consti- 1890, foi garantida, em preceito genérico,
tuição de 1967. Na verdade, a Carta de pelo art. 74 da Constituição.
1969 não pode, cientificamente, ser consi- Quanto a garantias da magistratura
derada uma emenda constitucional pois estadual, a Constituição silenciou, pois, a
sua origem (Carta outorgada) foi diversa organização das justiças estaduais ficou de-
da Constituição originária (Constituição legada às próprias unidades da Federação;

226 Revista de Informação Legislativa


e nem todas perfilharam por uma linha de federal, quer local (art. 7o, I, e, e art. 64).
segurança às magistraturas locais. Com o Estado Novo, a Constituição de 10
O Supremo, em 25 de maio de 1918, de novembro estatuiu no art. 177: “Dentro
afirmou que, na Federação Brasileira, todos do prazo de sessenta dias a contar da data
os juízes eram vitalícios. Argumentava-se desta Constituição, poderão ser aposen-
que as garantias estavam implícitas em tados ou reformados de acordo com a
razão do art. 63 que determinava fossem legislação em vigor os funcionários civis
os Estados regidos pela Constituição e leis e militares cujo afastamento se impuser, a
que adotassem, respeitados os princípios juízo exclusivo do Governo, no interesse
constitucionais da União. do serviço público ou por conveniência
No Estado de Minas Gerais, a Lei Cons- do regime”. A faculdade consubstanciada
titucional no 5, de 13 de agosto de 1903, nesse artigo foi restabelecida, por tempo
criou um Tribunal de Remoções constituído indeterminado, pela Lei Constitucional no
pelos presidentes do Senado e da Câmara e 2, de 16 de maio de 1938.
pelo procurador-geral do Estado, para deci- A Constituição de 46 restabeleceu as
dir sobre a remoção compulsória dos juízes. garantias do Poder Judiciário (art. 95).
O Supremo Tribunal Federal, em acórdão O Ato Institucional de 9 de abril de 1964
de 19 de dezembro de 1923, julgou não ser (AI-1) cassou as garantias pelo prazo de seis
manifestamente inconstitucional esse ór- meses (art. 7o). O AI-2 renovou a medida,
gão, vez que a Constituição só garantia aos por prazo indeterminado (art. 14). A Cons-
juízes a vitaliciedade e a irredutibilidade tituição de 67 restaurou a inviolabilidade
de vencimentos, não a inamovibilidade. do Judiciário (art. 108). O Ato Institucional
Só em 3 de agosto de 1925, o Supremo veio no 5, de 13 de dezembro de 1968, no seu art.
a fulminar, como inconstitucional, aquele 6o, novamente colocou os magistrados a
Tribunal (NEQUETE, 1973, p. 17-28). descoberto de punições discricionárias.
A reforma constitucional de 1926 esten- Em resumo, os juízes, durante todo o
deu, expressamente, à Justiça dos Estados Império, gozaram da vitaliciedade. Procla-
as garantias asseguradas à magistratura mada a República, foram expressamente
federal (art. 6o, inc. II, letra i). Com o adven- deferidas aos magistrados federais as ga-
to da Revolução de 30, o art. 3o do Decreto rantias de vitaliciedade, inamovibilidade e
no 19.398, de 11 de novembro de 1930, que irredutibilidade de vencimentos. Quanto à
instituiu o Governo Provisório, estabeleceu: Justiça Estadual, nem todas as unidades fe-
“O Poder Judiciário Federal, dos Estados, derativas asseguraram inamovibilidade aos
do Território do Acre e do Distrito Federal, juízes. Só em 1925 o Supremo proclamou
continuará a ser exercido na conformidade que a tríplice garantia beneficiava também
das leis em vigor, com as modificações os magistrados estaduais. A mesma linha foi
que vierem a ser adotadas de acordo com seguida pelas Constituições de 1934, 1946 e
a presente lei e as restrições que desta lei 1967. Em 1930, 1937, 1964, 1965 e 1968, quan-
decorrerem desde já”. do da edição de atos autoritários, houve
Com o Decreto no 19.656, de 3 de feverei- suspensão de garantias da magistratura.
ro de 1931, reorganizado provisoriamente, No curso de toda a História do Brasil,
o Supremo Tribunal Federal, reduziu para a contar da constitucionalização do país,
11 o número de seus ministros. O Decreto após a Independência, os juízes gozaram de
no 19.711, de 18 do mesmo mês e ano, decla- vitaliciedade, ou das três garantias, durante
rou aposentados seis ministros, alegando 132 anos (arredondando). Durante 22 anos
imperiosas razões de ordem pública. (em números redondos), os juízes foram
A Constituição de 34 acolheu, ampla- privados de todas as suas garantias. Duran-
mente, as garantias da magistratura, quer te 66 anos (com desprezo de meses e dias),

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além de gozar da vitaliciedade, gozaram contra o legislador ordinário e contra o
também das duas outras garantias (com poder constituinte reformador, inserindo-
reservas, no período em que em alguns os entre as cláusulas pétreas.
Estados houve dúvidas sobre as franquias A Constituição traz o catálogo de di-
dos juízes estaduais em períodos curtos reitos fundamentais cuja satisfação é dada
dentro de fases discricionárias). preponderantemente pelo legislador e pelo
A revisão histórica a que acabamos de juiz. Muitos dos direitos fundamentais cons-
proceder permite-nos concluir, à vista de tantes do catálogo, bem como os inseridos
nossa evolução constitucional, que a opção fora dele, foram de alguma maneira imple-
do Brasil, desde o Império, foi pelo Estado mentados ou satisfeitos; outros, ainda não.
de Direito. E a partir de 1934, pelo Estado Os Direitos Humanos ou Fundamentais
Social de Direito. Estivemos por muito ganharam relevo entre nós com a Consti-
mais tempo sob a égide do Estado Cons- tuição de 1988, a começar pela topologia.
titucional de Direito do que sob governos O rol foi inserido no início, no artigo 5o,
discricionários. com a elevação da dignidade humana a
A simples subsistência das franquias fundamento do Estado Democrático de
individuais não preenche os anseios e ne- Direito no artigo 1o.
cessidades do povo. As franquias, por si Os diversos ramos do Direito – civil,
só, conduzem a uma democracia relativa, penal, administrativo, constitucional, pro-
elitista, permitindo a permanência da mar- cessual etc. – encontram-se entrelaçados
ginalização econômica, social e cultural, por um vínculo de coerência entre eles.
enquanto a integração jurídica e política é Destacam-se o constitucional e o processu-
caminho para a integração total. al; o primeiro, por ser a principal fonte do
A vigência dos Direitos Humanos no Direito, tanto formal – norteando a criação
país, realizando um ideal supranacional de das leis – quanto material, positivando
ética humanitária, realiza também a vocação direitos; o segundo porque é pelo processo
nacional do Brasil. Nação supõe individua- que se aplica e realiza o direito material,
lidades respeitadas, valorização da pessoa, sendo aquele instrumento deste.
comunhão livre de vontades em torno de Nota-se que a vinculação do direito pro-
objetivos permanentes. Nação só é possível cessual com o constitucional tem dupla im-
dentro da liberdade, no Estado de Direito. portância, a da Constituição como principal
fonte do Direito, inclusive o processual; e a
da necessidade do processo para aplicação
7. Dos meios de proteção aos direitos
e realização dos direitos e garantias assegu-
Alguns direitos, dada a sua fundamenta- rados diretamente na Constituição.
lidade, merecem maior atenção do Estado. Fala-se em direito processual consti-
A fundamentalidade pode ser observada tucional (MITIDIERO; ZANETI, 2004, p.
sob dois ângulos: no sentido formal e no 31) para designar o conjunto de regras
sentido material. O primeiro vincula-se ao constitucionais que dispõem sobre proces-
sistema constitucional positivo. O segundo so. É sob a luz dessas normas que se deve
sentido relaciona-se com a repercussão dos enxergar o processo, a fim de que a vontade
direitos fundamentais sobre a estrutura do da Constituição seja concretizada, com os
Estado e da sociedade. Direitos Humanos respeitados e as garan-
A proteção especial e a dignidade dos tias constitucionais observadas.
direitos fundamentais são conferidas pelo Mitidiero e Zaneti (2004, p. 33) classi-
Estado, por meio da Constituição, tanto ficam as normas constitucionais relativas
quando dá aplicação imediata às normas a processo em três grupos: a) princípios e
a eles relativas, quanto quando os protege garantias constitucionais do processo; b)

228 Revista de Informação Legislativa


jurisdição constitucional das liberdades; ma da lei, a defesa do consumidor” (CR, 5o,
c) organização judiciária. No primeiro es- XXXII). O próprio texto – “na forma da lei” –
tão compreendidos: o acesso à justiça (5o, indica a necessidade de lei para efetividade
XXXV, LXXIV); o devido processo legal e satisfação do direito. Podemos considerar
(5o, LIV); o contraditório e ampla defesa como satisfeito esse direito com a vigên-
(5o, LV); o juiz natural (5o, XXXVII e LIII); cia das Leis 8.078/90 (CDC); 8.884/94 e
e motivação das decisões judiciais (93, IX). 8.979/95 (infrações relacionadas à ordem
No segundo grupo, alinham-se as ações econômica); e Decreto 2.181/97 (Sistema
constitucionais – Habeas Corpus, Mandado Nacional de Defesa do Consumidor). Isso
de Segurança, Habeas data, Mandado de não significa que nada mais haja a ser feito;
Injunção, Ação Popular e Ação Civil Pú- os meios de proteção precisam ser aperfei-
blica; e o controle judicial dos atos norma- çoados e ampliados cada vez mais.
tivos – difuso e concentrado – Ação Direta O mesmo não se pode afirmar com rela-
de Inconstitucionalidade, Ação Direta de ção à norma que se extrai do texto inserto
Inconstitucionalidade por Omissão, Ação no artigo 5o, XXIII, da mesma Constituição
Direta de Constitucionalidade e Ação por – “a propriedade atenderá a sua função
Descumprimento Preceito Fundamental. social”. Nem mesmo o alcance da expressão
No terceiro grupo, estão as normas relativas função social encontra-se definido. Doutri-
à organização judiciária. na e jurisprudência enfrentam dificuldades
A norma, em existindo, deverá ser váli- para fazê-lo. Muitas são as indústrias que
da e eficaz. Sendo válida e eficaz, deve ter poluem o ambiente; pode-se dizer que elas
efetividade, para não ser inócua. Os direitos cumprem sua função social porque geram
fundamentais são protegidos por garantias empregos? Igual pergunta cabe para as
legislativas, não judiciais e judiciais. Entre propriedades rurais que não conservam
as garantias judiciais, o constituinte inseriu adequadamente o solo, poluem e degradam
os chamados remédios constitucionais. as nascentes e cursos d’água.
Procuraremos, doravante, discorrer sobre Entre os direitos fundamentais satisfei-
a satisfação, efetividade e remédios prote- tos e os não-satisfeitos, encontram-se os que
tores dos direitos fundamentais. estão parcialmente satisfeitos. São aqueles
Não basta o constituinte reconhecer de- que estão parcialmente regulamentados,
terminado direito fundamental, inserindo-o havendo omissão do legislador. Podemos
no texto constitucional; é preciso que o citar, entre os direitos que se encontram
legislador ordinário o implemente criando nessa situação, o de acesso à justiça.
a lei, quando necessário. De igual modo, o A expressão “acesso à justiça” abrange
Estado-Administração deve estar prepara- muito mais do que o mero acesso ao Po-
do para garantir o exercício do direito pelo der Judiciário, do que a possibilidade de
titular do mesmo. Por fim, o Estado-juiz há ser admitido a um processo. Essa acepção
de realizar o direito para o jurisdicionado, restrita do princípio da inafastabilidade
quando requerido em face de ameaça ou da apreciação pelo Poder Judiciário (CR,
violação. 5o, XXXV) deve ser afastada, para dar-lhe
Quando o legislador cria a lei, remo- uma interpretação ampla.
vendo eventual obstáculo ao exercício do O Estado, ao chamar para si a res-
direito, e o Estado-Administração oferta ponsabilidade de distribuir justiça, com
os meios idôneos para tanto, pode-se dizer exclusividade, assumiu a obrigação não
que o direito encontra-se satisfeito, ou que só de declarar o direito e aplicar a lei ob-
há satisfação do direito. jetiva, mas também de prover a Justiça,
A vigente Constituição da República viabilizando o acesso à ordem jurídica
assegura que “o Estado promoverá, na for- justa, entendida esta como uma Justiça

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igual, dialética, cooperativa e realizada em textos que encerrem promessas mais ou me-
contraditório, permitindo às partes usarem nos vagas, cuja aplicação no âmbito jurídico
todos os meios e instrumentos necessários interno deixa às vezes muito a desejar.
para sustentarem suas razões e produzirem A proclamação de direitos, por si
suas provas, influindo sobre a formação do mesma, tem um valor pedagógico. Um
convencimento do juiz. documento solene, assinado pela quase
Nas palavras de Mauro Cappelletti e totalidade dos Estados, na época de sua
Bryant Garth, in Acesso à Justiça, (tradução elaboração, e subscrito, implicitamente, por
de Ellen Gracie Northfleet, editora Sergio todos que participam da ONU – como é o
Antonio Fabris), a efetividade perfeita no caso da Declaração Universal dos Direitos
contexto de um dado direito substantivo do Homem –, carrega uma presunção de
poderia ser expressa como a completa verdade, pelo amplo consenso a respeito
“igualdade de armas” – a garantia de que a de seus termos. Exerce, assim, a Declaração
conclusão final depende apenas dos méritos influência efetiva na opinião pública de
jurídicos relativos das partes antagônicas, todos os países.
sem relação com diferenças estranhas ao Contudo, a Declaração sofre o perigo de
direito e que, no entanto, afetam a afirma- um desgaste contínuo quando se percebe o
ção e reivindicação dos direitos. abismo existente entre os seus postulados e
O acesso à justiça no Brasil foi bastante a realidade do mundo. O contínuo desres-
facilitado com a instituição dos juizados peito aos Direitos Humanos, praticado sem
especiais, gratuitos e céleres, atendendo às remédio por governos, gera a descrença na
necessidades dos pobres; com a instituição efetividade desses Direitos. Reclama-se,
das Defensorias Públicas; e com a gratui- assim, como reivindicação incontornável
dade da justiça sempre que necessário. da consciência jurídica internacional, a
Porém, o legislador ainda não encontrou efetivação dos Direitos Humanos, a cria-
um mecanismo idôneo para fazer com que a ção de mecanismos que os promovam e os
jurisdição seja prestada em tempo razoável salvaguardem, o império desses Direitos
em qualquer processo. Outrossim, não ga- na civilização atual.
rante ainda o acesso integral, uma vez que A eficácia dos direitos fundamentais
não há gratuidade para todas as despesas, perante o Estado chama-se eficácia vertical,
como as realizadas com perícia. enquanto a eficácia dos mesmos direitos
Como nota Heleno Cláudio Fragoso sobre os particulares denomina-se eficácia
(1977, p. 123), acha-se definitivamente horizontal. Os direitos fundamentais se
ultrapassada a fase das declarações de dirigem preponderantemente contra o
direitos e liberdades fundamentais. O que Estado, especialmente contra o legislador
constitui hoje preocupação universal é a e o juiz. Não se pode negar que a decisão
criação de um sistema jurídico que assegu- do juiz incide sobre a esfera jurídica do
re, efetivamente, a observância dos direitos particular. Assim, este pode controlar tan-
e liberdades proclamados. to a lei quanto a decisão do juiz com base
Refere-se o autor, nessa passagem, for- nos direitos fundamentais. Sendo assim,
çosamente, a um certo grupo de direitos deve o juiz, ao proferir uma decisão, levar
humanos, pois que há aqueles outros direi- em consideração a incidência dos direitos
tos que o sistema jurídico por si só não está fundamentais sobre o particular, o que leva
habilitado para prover. Karel Vasak (1978), a concluir que os direitos fundamentais têm
na mesma linha de pensamento, pondera valor perante os sujeitos privados indepen-
que parece estar completo o trabalho legis- dentemente de lei.
lativo internacional em matéria de direitos Os direitos fundamentais também
humanos, pois de nada adianta multiplicar atuam como mandamento de tutela, obri-

230 Revista de Informação Legislativa


gando o legislador a proteger um cidadão por exemplo, uma entre duas formas de
do outro. Inexistindo ou sendo insuficiente execução. Nessa hipótese, diante do caso
essa tutela, o juiz deve aplicar o direito concreto, o juiz deve escolher a melhor, que
fundamental sobre as relações jurídicas é a única correta.
entre particulares. A efetividade da tutela jurisdicional
No direito brasileiro, além dessa eficácia como direito fundamental relaciona o
mediata dos direitos fundamentais sobre particular com o Estado – eficácia vertical
as relações jurídicas, há também a eficácia – sendo que a eficácia que diz respeito aos
imediata e direta, como na incidência dos particulares é lateral e não horizontal.
direitos fundamentais na regulação das re- Sendo a efetividade da tutela jurisdi-
lações entre empregador e empregado. Ou cional um direito fundamental em face do
seja, os direitos fundamentais incidem dire- Estado, ainda que com repercussão sobre os
tamente sobre os particulares, mas também particulares, o juiz, ao prestá-lo escolhendo
incidem indiretamente, por uma decisão uma alternativa ou suprindo uma omissão
judicial, caso em que a eficácia é mediata. do legislador, deve aplicar as sub-regras da
Essa eficácia mediata entre as partes não é adequação e da necessidade, em respeito a
lateral. Há, na hipótese, eficácia horizontal – eventual direito fundamental do réu.
sobre os particulares – e mediata ou indireta O avanço na concessão do direito à
porque mediada pelo juiz, ou seja, eficácia efetividade da tutela jurisdicional é inver-
vertical em relação ao juiz e eficácia horizon- samente proporcional à restrição no direito
tal mediata diante dos particulares. de defesa. Assim é que o procedimento de
De modo diverso, quando o direito fun- cognição parcial implica a restrição à alega-
damental incide sobre os órgãos estatais, ção; a tutela antecipatória impõe restrição
vinculando-os no seu modo de proceder à produção de prova. Porém, são válidos
e atuar, ainda que perante o particular, porque são provimentos que buscam dar
mas sem se projetar sobre relações entre efetividade à tutela jurisdicional. Outros
sujeitos privados, a eficácia é apenas em provimentos existem com o mesmo escopo,
face do órgão estatal. É o que ocorre com como os executivos e mandamentais, que
o juiz em relação ao direito fundamental à podem ser adotados em diversos meios de
efetividade da tutela jurisdicional. execução; a possibilidade de o juiz conceder
A decisão, que tem por objeto um direito provimento e meio de execução diversos do
fundamental de um particular, faz essa pedido; a possibilidade e o juiz, de ofício,
decisão incidir sobre o particular. Essa é a mesmo após o trânsito em julgado da sen-
eficácia horizontal mediata. No entanto, no tença, conceder meio executivo diferente
mesmo processo, há o direito à efetiva tute- do fixado na sentença.
la jurisdicional, independente do objeto da Diante do direito fundamental à tutela
demanda; essa eficácia diz-se que é vertical jurisdicional efetiva, além dos provimentos
com repercussão lateral. previstos em lei acima mencionados, outros
Resta demonstrado, então, que o direito podem ser adotados pelo juiz para suprir
fundamental à tutela jurisdicional efetiva é omissão do legislador.
dirigido contra o Estado e tem repercussão O conceito de efetividade da norma
sobre a esfera jurídica das partes. Consiste identifica-se com o da eficácia social, que
tão-somente em o juiz observar o direito é sua real obediência e aplicação no plano
fundamental na sua atividade de prestar a dos fatos. Difere de eficácia jurídica, que
tutela jurisdicional, fazendo-o adequada- traduz a aplicabilidade, exigibilidade ou
mente. O mesmo não ocorre quando o juiz executoriedade da norma, como possibi-
tem de escolher entre duas alternativas para lidade de sua aplicação jurídica (SARLET,
a prestação da tutela jurisdicional, como, 2006, p. 246).

Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 231


Uma norma pode possuir eficácia jurí- dano irreparável ou de difícil reparação; ou
dica – como, por exemplo, revogar normas quando houver abuso de direito de defesa,
anteriores – mas não alcançar efetividade, ou ainda, quando for incontroversa deter-
isto é, não ser socialmente eficaz, caso não minada parcela da demanda.
seja cumprida no plano social (SILVA O tempo que o processo leva tramitando
apud SARLET, 2006). A eficácia social ou constitui ônus para o autor, se ele for real-
efetividade diz respeito à efetiva aplicação mente o titular do direito. Por isso, havendo
da norma aos casos concretos (FERRAZ; verossimilhança de sua alegação, é justo
TEMER apud SALET, 2006). que o tempo seja encurtado, antecipando-se
A norma que se extrai no texto do inciso a tutela. Isso é efetividade.
XXXV do artigo 5o da CR é a que garante Outrossim, não é razoável fazer com
a todos não só o direito de ir a juízo, mas que o autor suporte a demora do processo
também o de obter uma prestação jurisdi- na hipótese de abuso do direito de defesa
cional efetiva. O direito de ação conferido ou quando possível definir, no curso do
pelo Estado, em razão do monopólio da processo, a parcela da demanda. A defesa
jurisdição decorrente da proibição de auto- do réu é um direito cujo exercício não deve
tutela, não se restringe à solução do mérito. extrapolar os limites da razoabilidade, para
É preciso que o Estado-juiz reconheça o não torná-la injusto.
direito material envolvido no litígio e o Resta evidenciado que a tutela jurisdi-
realize. Assim, o direito à sentença coincide cional efetiva, tempestiva e, quando neces-
com o direito ao provimento e aos meios sário, preventiva, é um direito fundamental.
executivos capazes de dar efetividade ao O direito à prestação jurisdicional efetiva
direito substancial, ou seja, direito à efeti- decorre da própria existência e constitui a
vidade em sentido estrito. contrapartida da proibição da autotutela. A
A efetividade em sentido lato exige que técnica processual a ser utilizada depende
a tutela seja tempestiva, o que significa que, da necessidade do direito material. A efe-
em alguns casos, deve ser preventiva. A tividade exige adequação, devendo esta
expressão “ameaça de direito”, inserta no proporcionar efetividade.
fim do texto do inciso XXXV do artigo 5o da O direito à efetividade da tutela juris-
CR, afasta qualquer dúvida sobre o direito dicional tem natureza positiva, haja vista
à tutela preventiva. consistir no direito de exigir uma prestação
A norma que outorga direito inviolável do Estado. A tutela efetiva exige: técnica
contém implícita a que confere direito à processual adequada (norma processual);
inibição do ilícito. Do contrário, ou seja, se procedimento capaz de viabilizar a parti-
o processo não dispusesse de instrumento cipação; e a própria resposta jurisdicional.
capaz de inibir a tutela, considerando que A técnica adequada à efetividade da tutela
alguns direitos invioláveis são fundamen- jurisdicional é corolário do direito à prote-
tais, o Estado estaria negando o direito fun- ção dos direitos fundamentais, que consiste
damental que reconhece. A pessoa teria seu no cumprimento da obrigação de proteção
direito reconhecido mas estaria impedido que tem o Estado.
de dele desfrutar. Segundo Alexy (apud MARINONI,
As medidas inibidoras da violação do 2004, p. 186), “mientras que los derechos
direito são, portanto, meios de dar-lhe a competencias de derecho privado ase-
efetividade. Outra forma de garantir efeti- guran, sobre todo, la posibilidad de que
vidade ao direito no processo é antecipando puedan realizarse determinadas acciones
a tutela que seria conferida no fim do pro- iusfundamentalmente garantizadas, los de-
cedimento quando a medida for necessária, rechos a procedimiento en sentido estricto
ou seja, quando houver fundado receio de sirven em primer lugar, para la proteccion

232 Revista de Informação Legislativa


de posiciones juridicas existentes frente al luz do direito fundamental à tutela jurisdi-
Estado y frente a terceros”. cional, estando obrigado a extrair da regra
Marinoni cita também a lição de Sarlet: processual sua máxima potencialidade para
“Impõe-se a referência ao fato de que proteger os direitos, sem que viole o direito
sob a rubrica dos direitos a prestações de defesa. O direito à tutela jurisdicional
em sentido amplo, considerando- é, ao mesmo tempo, o direito de iguais
se excluídos os direitos em sentido oportunidades de acesso à justiça e direito
estrito (direitos a prestações fáticas), à efetiva proteção do direito material.
se enquadram fundamentalmente os A efetividade dos direitos fundamentais
direitos a prestações normativas por depende das garantias que os protegem.
parte do Estado, que podem incluir Estas podem ser judiciais e não-judiciais.
tanto direitos a proteção mediante a As garantias dos direitos fundamentais
emissão de normas jurídico-penais, estabelecem-se tanto no plano nacional
quanto o estabelecimento de normas quanto no internacional. Isso porque, nas
de organização e procedimento” palavras de Peces-Barba (1999), as garan-
(SARLET apud MARIONI, 2004). tias dos direitos podem descrever-se como
O dever de proteção do Estado em rela- um conjunto coerente de mecanismos de
ção aos direitos fundamentais tem mais de defesa, que não se esgotam no âmbito de
uma dimensão: o dever de editar normas cada país, mas que têm continuação em
de direito material de proteção; o dever outros, por meio de diferentes instâncias
de editar normas de direito instituindo supranacionais.
técnicas processuais idôneas para efetivar Constituem garantias no âmbito interno:
a proteção; a realização da proteção pelo a separação de funções (poderes), a adoção
Estado-juiz com a decisão sobre direitos do Estado Democrático de Direito, a prima-
fundamentais. zia dos direitos fundamentais, a cláusula
O direito fundamental à efetiva tutela pétrea ou o quorum qualificado e a proteção
jurisdicional requer técnicas processuais jurisdicional, nela incluída a criação de Tri-
idôneas à efetiva tutela de quaisquer di- bunal Constitucional ou com competência
reitos, e não só dos fundamentais. Inclui para a proteção da Constituição.
também os direitos fundamentais que não Podemos classificar as garantias em ge-
requerem proteção, mas somente presta- rais e específicas. As primeiras constituem-
ções fáticas ou prestações sociais. se pelos princípios que definem o Estado,
A prestação da tutela jurisdicional como na formulação “Estado Democrático
efetiva é a realização de um direito fun- de Direito”. Estado de Direito implica limi-
damental. A tutela jurisdicional efetiva tação ao poder por meio do direito, sendo
é necessária à proteção a todos os outros seus instrumentos básicos os direitos fun-
direitos. O legislador – ao instituir a norma damentais e os princípios de organização;
processual adequada – e o juiz – ao zelar implica também a separação das funções
por ela – protegem os direitos, inclusive o (de poderes); a adoção do princípio da lega-
direito fundamental à tutela jurisdicional lidade na administração pública, impondo
efetiva. ao poder público a submissão ao direito; e
A ausência de técnica processual ade- a existência de uma obrigação jurídica de
quada para determinado conflito constitui obediência. A própria fórmula do Estado
hipótese de omissão que viola o direito democrático contém o reconhecimento e
fundamental à efetividade da tutela ju- a garantia de vários direitos, como o de
risdicional. A omissão do legislador não participação.
autoriza a do juiz, que ante aquela, tem o Garantias Específicas são mecanismos
dever de interpretar a legislação existente à de proteção jurídica dos direitos e dividem-

Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 233


se, segundo classificação de Perces-Barba 7.2. Garantias de controle e fiscalização
(1999, p. 505) em garantia de regulação; de
São os instrumentos parlamentares des-
controle e fiscalização; de interpretação;
tinados a fiscalizar a aplicação dos direitos
internas ao direito; e judiciais.
fundamentais e o respeito às liberdades
7.1. Garantias de regulação públicas, na atividade dos entes adminis-
trativos. No Brasil, destaca-se o Ministério
Estão vinculadas ao princípio da le- Público com esta atribuição, porém, outras
galidade em sentido amplo e possuem entidades como a Ordem dos Advogados
duas dimensões: a) de desenvolvimento e do Brasil, os Partidos Políticos com re-
aplicação; b) de reforma. As garantias de presentação no Congresso, as Comissões
regulação têm dois aspectos, um relacio- Parlamentares e outros Órgãos têm papel
nado com as fontes dos direitos (garantia relevante na aplicação da Constituição
de desenvolvimento) e outro com sua vin-
como um todo. O próprio cidadão, exer-
culação (garantia de aplicação).
cendo seu direito de petição, pode controlar
A questão das fontes é de grande relevân-
e fiscalizar a aplicação da Constituição e o
cia, porquanto uma ordenação rigorosa das
respeito aos direitos fundamentais.
competências e limites do desenvolvimento
normativo constitui a primeira garantia das 7.3. Garantias de interpretação
liberdades, segundo Prieto Sanchís, citado
por Perces-Barba (1999, p. 506). Refere-se aos diversos mecanismos pre-
A constituição pode estabelecer que vistos no Direito, destinados a garantir que
alguns direitos nela previstos sejam regula- o mesmo se faça para favorecer seu exer-
mentados por lei, que devem ser elaboradas cício. Apresentam duas projeções gerais: a
pelo parlamento, sendo, em tese, a expres- dos poderes públicos e a dos privados. A se-
são da vontade dos cidadãos. A garantia de gunda está em estreita conexão com o tema
aplicação se relaciona com o grau de vincu- da presença dos direitos fundamentais nas
lação dos direitos. Se a constituição prevê relações com os particulares; enquanto
que os direitos fundamentais vinculam a aquela não se limita à não transgressão,
todos os poderes públicos, sua aplicação é mas alcança a interpretação conforme seu
direta, independe de regulamentação. As- sentido.
sim, todos os cidadãos podem obter a tutela A constituição espanhola determina que
judicial desses direitos embora não tenham a interpretação dos direitos fundamentais
sido objeto de regulamentação. e das liberdades reconhecidas na mesma
Quando a constituição dispõe que seja conforme a Declaração Universal dos
determinadas normas fontes de direitos Direitos Humanos.
informarão a prática judicial e a atuação Também esta garantia tem duas dimen-
dos poderes públicos está impondo uma sões, segundo Perces-Barba (1999, p. 511):
obrigação negativa, proibindo que se esta- a garantia de interpretação a partir dos
beleçam normas contrárias a esses direitos, direitos; e a garantia de interpretação dos
isso independe de regulamentação. direitos. A primeira se refere à projeção
A dimensão das garantias de regulação, dos direitos e liberdades no restante das
denominadas por Peces-Barba (1999, p. 507) normas. É uma garantia indireta segundo
de garantias de reforma, traduz-se nos me- a qual a interpretação de todas as normas
canismos constitucionais referentes à pos- dentro do ordenamento deverá fazer-se
sível reforma das disposições que contêm em conformidade com os direitos funda-
os direitos fundamentais. Varia conforme mentais. Aplica-se a máxima “in dubio
o sistema jurídico, mas, em regra, exige o pro libertate”. A segunda – a garantia de
quorum qualificado. interpretação dos direitos – é uma garantia

234 Revista de Informação Legislativa


direta e afeta propriamente a interpretação A satisfação do direito à tutela juris-
dos direitos. Deve obediência a dois tipos dicional efetiva exige mais que o proce-
de critérios: gerais e específicos. Os gerais dimento legalmente instituído, mais que
tomam por base a literalidade, os antece- igualdade de oportunidades de acesso à
dentes históricos, o espírito da lei e sua justiça; exige o procedimento legítimo, o
finalidade, bem como a sistematização de que requer sejam observados os princípios
todo o ordenamento. Os específicos dizem constitucionais que garantam a adequada
respeito ao conteúdo essencial e à confor- participação das partes e do juiz, como: os
midade com as Declarações de Direitos do juiz natural, da igualdade, do contradi-
Humanos e com os tratados e acordos tório, da publicidade e da motivação das
internacionais ratificados pelo país. decisões.
Não obstante a interpretação ocorra
também na doutrina e na aplicação volun- 7.5.1. Técnica processual e
tária do direito, é no processo que se faz procedimento adequado
concretizar compulsoriamente pelo Poder O procedimento é uma espécie de
Judiciário, quando há resistência. técnica processual que visa viabilizar a
7.4. Garantias internas ao direito tutela dos direitos. Embora seja possível
considerar o procedimento como garantia
Essas garantias dizem respeito ao con- de técnica antecipatória, sentenças e meios
teúdo essencial, que é algo interno de cada executivos, pode o mesmo ser analisado
um dos direitos, e se constituem desde essa como algo que se diferencia do procedi-
perspectiva em sua garantia interna. É o mento ordinário de cognição plena e exau-
limite dos limites. Trata-se de um conceito riente, e nesses termos possui importância
de valor absoluto; são os elementos míni- por si só, independentemente das técnicas
mos que fazem reconhecível um direito, processuais nele inseridas.
que impedem seu desaparecimento ou sua Nas palavras de Marinoni (2004, p. 192),
transformação em outra coisa; cada direito “o procedimento, como técnica processual
possui seu conteúdo essencial. autônoma, e assim indiferente à técnica
Trata-se de um desdobramento da ga- antecipatória, sentenças e aos meios execu-
rantia de interpretação, porquanto nessa tivos, somente pode ser visto na perspectiva
fase que se verifica o conteúdo essencial da aceleração da prática dos seus atos e da
de um direito. É dado ao operador do limitação da cognição do juiz”.
direito dar interpretação diversa da literal Há diferença entre “procedimento de
a um texto legal para dele extrair a norma cognição sumária” e “procedimento for-
consentânea com os preceitos da sociedade malmente sumário”. A sumariedade formal
atual, porém, nunca alterando o conteúdo resulta da aceleração da prática dos atos
essencial do direito protegido pela mesma processuais. O procedimento de cognição
norma, ou seja, jamais transformando um sumária – uma das espécies da cognição em
determinado direito em algo diverso. sentido material – não permite o conheci-
mento aprofundado do objeto cognoscível,
7.5. Garantias judiciais enquanto que o procedimento formalmente
Essas garantias constituem o principal sumário – CPC, art. 275 e seguintes –
meio de proteção dos direitos fundamen- sempre possibilita o conhecimento apro-
tais. Podem ser classificadas em ordinárias fundado dos fatos litigiosos, embora em
e constitucionais. A atividade judicial tem tempo inferior àquele que seria gasto pelo
o papel de instrumento garantidor dos procedimento ordinário, o que decorre da
direitos fundamentais por meio da análise aceleração dos atos processuais.
do direito à jurisdição, o que se faz sempre Não é lícito confundir o procedimento
em um processo. de cognição sumária com os procedimentos
Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 235
como a execução privada do Decreto-lei 7.5.4. Direito ao meio executivo adequado
70/66 ou a busca e apreensão do Decreto-
É necessário verificar qual provimento
lei 911/69. Estes não traduzem eficácia,
mandamental e executivo deve ser utiliza-
mas restrição à amplitude da defesa, com
do no caso concreto. Pode o juiz conceder
escopo de conferir tutela mais rápida às
provimento diferente do solicitado, sobre-
instituições financeiras, o que não encontra
tudo, com base no artigo 461 do CPC e 84
respaldo na Constituição da República.
do CDC. Esses artigos e o 461-A do CPC
Diferente é o que ocorre na desapropriação autorizam o juiz, até de ofício, impor meio
com base no Decreto-lei 3.365/41, em que executivo capaz de atender ao direito à tute-
há restrição à defesa, porém justificável la jurisdicional, na fase do cumprimento da
pelo interesse público. sentença quando esta não haja viabilizado
7.5.2. Antecipação de tutela a tutela.
O meio executivo deve, ao mesmo tem-
A técnica antecipatória é um direito do po, proporcionar, em abstrato ou em termos
jurisdicionado e significa direito à possi- de efetividade social, a tutela dos direitos,
bilidade de requerimento e de obtenção e gerar a menor restrição possível à esfera
da antecipação da tutela, isto é, direito à jurídica do réu.
plena e integral efetivação da tutela. São
seus requisitos: receio de dano (CPC, art. 7.5.5. Aplicabilidade imediata do
273, I, 461, § 3o, 461-A; e CDC, 84, § 3o); direito fundamental
abuso do direito de defesa (CPC, 273, II); As normas definidoras dos direitos e
parcela incontroversa da demanda (CPC, garantias fundamentais têm aplicação ime-
273, § 6o). diata; é o que dispõe o artigo 5o, § 1o, da CR.
Marinoni (2004, p. 204) entende ser pos- Qual o alcance dessa norma em relação ao
sível a antecipação de tutela de pagamento direito fundamental à tutela jurisdicional
em dinheiro. E vai mais longe, defendendo efetiva?
a utilização, em caso de necessidade, do O direito fundamental à tutela jurisdi-
expediente da multa para dar efetividade à cional efetiva se dirige contra o Estado mas
tutela antecipatória de soma em dinheiro. repercute sobre a esfera jurídica da parte.
É um direito de eficácia vertical, mas com
7.5.3. Direito ao provimento adequado
eficácia lateral. Assim, importante é men-
A efetiva prestação da tutela exige cionar os princípios da força normativa da
provimento adequado; portanto, falar em Constituição e da efetividade, que devem
direito à tutela é falar em direito ao provi- ser considerados pelo juiz, ao interpretar
mento idôneo para prestá-la. A sentença o direito, levando em consideração os
declaratória não constitui provimento princípios que com ele possam colidir no
adequado diante de ameaça de prática de caso concreto.
ilícito, pois não é capaz de atuar sobre a O princípio da força normativa da
vontade do demandado. Constituição autoriza a otimização da
Da classificação trinária, a sentença eficácia dos direitos fundamentais, diante
condenatória é a única que não basta por si das circunstâncias concretas. O princípio
mesma, porquanto, atrelada aos meios de da efetividade implica que os direitos fun-
execução por sub-rogação previstos em lei. damentais devem ser interpretados em um
Conclui-se, assim, que os provimentos da sentido que lhes confira a maior efetividade
classificação trinária não atende ao direito possível. Isso significa que, em caso de dú-
fundamental à tutela jurisdicional efetiva vida, deve prevalecer a interpretação que
(MARIONI, 2004, p. 211). dê a maior efetividade possível ao direito

236 Revista de Informação Legislativa


fundamental, ou seja, estando o juiz diante entre princípios e regras, consoante a qual
de duas interpretações possíveis para um um conflito entre regras só pode ser solu-
mesmo texto legal, deve adotar aquela que cionado ou bem introduzindo-se em uma
outorgue a maior efetividade possível ao das regras uma cláusula de exceção que eli-
direito fundamental. mine o conflito, ou declarando-se inválida
pelo menos uma das regras; enquanto que
7.5.6. A conformação do procedimento em caso de colisão de princípios, um deve
adequado ao caso concreto ceder ante o outro, sem que isso signifique
Além das regras de direito material, o declarar inválido o princípio que cedeu;
dever de proteção requer também a presta- tampouco faz-se necessária a introdução de
ção jurisdicional e ações fáticas do Estado, cláusula de exceção no mesmo princípio.
como a atuação da Administração Pública Salienta-se que, segundo a doutrina
na proteção do consumidor, da saúde pú- de Alexy (2002, p. 89), havendo conflito
blica e do meio ambiente. entre regras, o problema é de validade,
Além das normas de direito material, a enquanto, na hipótese de conflito entre
proteção, no plano normativo, deve incluir princípios, a questão é de peso. Havendo
normas de direito processual, que também colisão de princípios, um deve ceder diante
constituem mecanismo de proteção dos do outro, conforme as circunstâncias do
direitos fundamentais, preventiva ou res- caso concreto. Registre-se que Humberto
sarcitoriamente. Ávila (2006, p. 118-119) não concorda com
Porém, havendo omissão do legislador, essa doutrina, e sustenta que as regras em
o juiz – contra quem também é dirigido geral também podem ser superadas, desde
o direito fundamental à efetividade da que preenchidos certos requisitos.
tutela jurisdicional – não pode ficar inerte.
7.5.7. Remédios constitucionais
Ele continua tendo o dever de tutelar de
protetores dos direitos fundamentais
forma efetiva os direitos, não obstante a
falta de uma norma processual explícita Na concepção de Othon Sidou (1998, p.
e apropriada para isso. Na hipótese, deve 5), a liberdade não é um direito, mas um
o magistrado interpretar a legislação conjunto de prerrogativas que nascem com
processual existente à luz dos valores da o homem e se desenvolvem em obediência
Constituição da República. Assim, deve a seus anseios, apuramento e idiossincra-
pensar o procedimento em conformidade sias. Não é um direito porque antecede,
com as necessidades do direito material e naturalmente, a manifestação primária da
da realidade social. vida jurídica. O legislador estabelece restri-
O juiz, diante de duas interpretações ções à liberdade individual no interesse da
possíveis para uma mesma regra proces- segurança social. O indivíduo, cuja conduta
sual, na perspectiva constitucional, deve representa um reflexo da sociedade em que
preferir a que garanta maior efetividade à vive, submete-se voluntariamente a essa
tutela jurisdicional, considerando sempre o restrição de liberdade, desde que, fazen-
direito material a ser tutelado e a realidade do coincidir sua vontade com a vontade
social. coletiva e participando da elaboração da
Ainda na hipótese de omissão legislati- ordem jurídico-social, considera-se livre,
va, o juiz pode prestar a tutela jurisdicional como se nenhum obstáculo se antepusesse
efetiva, harmonizando o direito fundamen- à sua liberdade. O conceito de liberdade
tal e o eventual princípio que com ele venha do ser humano tornou-se, portanto, um
colidir. Isso porque os direitos fundamen- prolongamento do conceito de liberdade
tais têm natureza de princípio, e segundo a do grupo social. A ampliação do Estado,
clássica distinção de Alexy (2002, p. 88-89) inclusive para fazer face aos cada vez
Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 237
mais dilatados direitos sociais resultantes o mandado de segurança, a ação popular,
dos progressos modernos, fê-lo ameaçar os recém-criados habeas data e mandado de
a esfera da liberdade do indivíduo, avan- injunção, além do direito de representação
çando a faixa até onde ao jurisdicionado é e de petição.
proibido fazer, para penetrar na área em As garantias, como um todo, protegem e
que transita o seu “poder fazer”. Fez-se amparam o exercício dos direitos coletivos.
necessária a utilização de instrumentos de As garantias ativas protegem e amparam
tutela relativamente enérgicos. não só esses direitos, mas também as pró-
Othon Sidou (1998, p. 10) distingue prias garantias passivas. As garantias dos
“direitos” de “garantias”. Ele define como direitos constituem um anseio universal,
direitos coletivos toda a gama de ações e por isso, consignou-se na Declaração Uni-
eximições a que a criatura humana, agin- versal dos Direitos Humanos da ONU,
do só ou por meios de entes paralelos ou proclamada em 1948, em seu artigo VIII:
ficções jurídicas, possa permitir-se, desde “Toda pessoa tem direito a um recuso
que a lei não impeça. Ele usa a expressão efetivo ante os tribunais nacionais
“direitos coletivos” como forma homôni- competentes, que a ampare contra
ma de “direitos fundamentais”, “direitos atos violatórios de seus direitos fun-
do homem” e “direitos individuais”; e os damentais reconhecidos pela consti-
divide em absolutos e relativos. Classifica tuição e pela lei”.
como absolutos os que se fazem valer por Nessa esteira de compreensão, o cons-
si, os que acompanham o homem em qual- tituinte brasileiro de 1987/1988 dotou os
quer regime constituído, e sua proscrição titulares de direitos fundamentais de insti-
ou seu alheamento contribuiria para o tutos destinados a protegê-los, conhecidos
esfacelamento do próprio Estado. São eles, como remédios constitucionais, e que são,
segundo Sidou: o de igualdade perante a lei, na verdade, as garantias, que mencionare-
a inviolabilidade do domicílio e da corres- mos a seguir.
pondência, o acesso à educação e à saúde, o O direito à liberdade de locomoção foi
provimento da subsistência, a obtenção de protegido pelo instituto do habeas corpus
socorro em caso de calamidade. Chama-os (CR, 5o, LXVIII) contra violência ou coação
de direitos fundamentais propriamente por ilegalidade ou abuso de poder. O di-
ditos. Assevera Sidou que todos os demais reito de ir, vir e permanecer constitui um
direitos constitucionais são relativos. direito fundamental dos mais relevantes.
Garantias constitucionais, para o men- Por isso, o habeas corpus configura impor-
cionado autor, são as regras de autolimita- tante garantia processual desse direito
ção na conservação dos direitos coletivos e fundamental.
que ele legitima, ou seguindo princípios de Qualquer direito, líquido e certo, não
conduta por ele próprio estabelecidos com amparado por habeas corpus ou habeas data
o ânimo de cumprir, ou por via de instru- recebeu a proteção do mandado de segu-
mentos postos em mãos dos administrados rança contra ilegalidade ou abuso de poder
e de conhecimento atribuído a um dos ór- de autoridade pública ou de agente de
gãos do Estado (SIDOU, 1998, p. 11). pessoa jurídica no exercício de atribuições
As garantias são classificadas por Sidou do poder público (CR, 5o, LXIX e LXX).
(1998, p. 13) em ativas e passivas. Estas são: Trata-se de meio constitucional com escopo
a igualdade perante a lei, o devido processo de proteger direito individual ou coletivo,
legal, a inexistência de tribunais de exceção, líquido e certo. Tem certeza jurídica pro-
a punição de qualquer discriminação aten- cessual, caracterizando-se como ação civil
tatória dos direitos e liberdades fundamen- de rito sumário e especial (MEIRELLES,
tais. Garantias ativas são: o habeas corpus, 1998, p. 29).

238 Revista de Informação Legislativa


O Mandado de Segurança constitui rio. Aliás, vinte anos após a promulgação da
importante garantia dos direitos, inclusive Constituição da República, nenhum direito
dos direitos fundamentais, por óbvio, ser- deveria estar na pendência de tais normas.
vindo como meio idôneo de impugnação O legislador ordinário tinha o dever de já
a atos ou omissões ilegais de autoridades, as haver criado. Entretanto, muitas ainda
inclusive judiciais. É certo que quanto a não o foram, autorizando o prejudicado a
estas, somente é admissível se o ato não lançar mão do mandado de injunção. Sua
for impugnável por meio de recurso ou função é permitir ao impetrante o exercício
correição eficaz. do direito obstado pela ausência de lei,
São requisitos do mandado de segu- porém a interpretação que vem sendo dada
rança direito líquido e certo, violado ou pelo STF, de que o órgão omisso deve ser
ameaçado por ato ou omissão ilegal ou com apenas notificado de sua omissão, anula
abuso de poder, de autoridade pública ou esse importante instrumento.
de agente de pessoa jurídica no exercício de O acesso de todos à justiça constitui
atribuição do Poder Público. Assim, o ato de exercício do direito fundamental da igual-
um diretor de escola negando matrícula a dade, ao passo que impedir o mesmo acesso
criança ou adolescente, em razão de ser este àqueles que não disponham de recursos
filho de prostituta, desafiaria mandado de financeiros para pagar alguma despesa
segurança, porquanto seria ato ilegal, vio- do processo – com perícia por exemplo –
lador do direito fundamental de igualdade configura violação a direito fundamental
(CR, art. 5o, caput), praticado por autoridade (LXXIV). Se tal violação decorre de ausência
pública – se a escola for pública – ou por de lei prevendo isenção da mencionada
agente de pessoa jurídica no exercício de despesa, a hipótese enseja mandado de
atribuições do Poder Público – se a escola injunção, que funciona como uma garantia
for particular. Salienta-se que os direitos à do direito fundamental.
educação (CR, art. 205) e à igualdade (CR, Criou também o constituinte o instituto
art. 5o, caput) são certos, porquanto a previ- do habeas data (CR, 5o, LXXII) para assegurar
são constitucional é suficientemente clara o conhecimento e retificação de informa-
quanto à existência dos mesmos; e líquidos ções e dados relativos à pessoa do impe-
porque independem de qualquer apuração trante, constantes de registros ou bancos de
de valor ou quantidade. dados de entidades governamentais ou de
Contra a omissão do legislador invia- caráter público. No Estado de Direito, não
bilizadora do exercício de um direito ou se admite que qualquer órgão ou entidade
liberdade constitucional, bem como das mantenha dados ou informações sobre
prerrogativas inerentes à nacionalidade, quem quer que seja, sem que a pessoa a
à soberania e à cidadania, o constituinte quem se referem os mesmos possa conhecê-
disponibilizou para o titular do direito o los e promover a retificação dos que não
mandado de injunção (CR, 5o, LXXI). corresponderem à realidade. A existência
O Mandado de Injunção é instrumento de dados ou informações dessa natureza,
jurídico constitucionalmente assegurado ao sigilosos em relação a seu titular, enseja o
prejudicado por omissão do legislador, que habeas data. O conhecimento de informações
impeça o exercício de direitos e liberdades a seu respeito, registradas ou arquivadas
constitucionais, bem como das prerrogati- por outrem, é direito constitucional (5o,
vas relativas à nacionalidade, à soberania LXXII) vinculado aos direitos fundamentais
e à cidadania. à liberdade, à igualdade e à segurança (5o,
Alguns direitos constitucionais depen- caput).
dem de lei – norma regulamentadora – que A nossa Constituição assegurou, ainda,
deve ser elaborada pelo legislador ordiná- a qualquer cidadão o instrumento da ação

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popular (CR, 5o, LXXIII) para anular ato le- tutela jurisdicional também é um direito
sivo ao patrimônio público ou de entidade fundamental.
de que o Estado participe, à moralidade Os princípios e garantias constitucionais
administrativa, ao meio ambiente e ao pa- do processo compreendem o livre e pleno
trimônio histórico e cultural. O patrimônio acesso de todos à justiça, mediante o de-
pertence a todos. Sua lesão em benefício vido processo legal, neste compreendido
particular viola o direito fundamental à o contraditório e a ampla defesa, perante
igualdade. Assim, um contrato adminis- um juiz natural, que prestará a jurisdição
trativo a preço superfaturado beneficia em decisão fundamentada.
algumas pessoas em detrimento de muitas A violação dessas garantias, assim
outras, devendo ser anulado, o que se pode como de outras normas constitucionais,
fazer por meio de uma ação popular movi- pode ser impedida ou combatida com
da por um cidadão. Trata-se de instrumento as ações constitucionais – Habeas Corpus,
processual, assegurado na Constituição Mandado de Segurança, Habeas data, Man-
para defesa de direitos fundamentais. dado de Injunção, Ação Popular e Ação
Por fim, o constituinte, ao traçar as Civil Pública; e com o controle judicial dos
atribuições do Ministério Público (art. 129, atos normativos – Difuso e Concentrado
III), recepcionou a ação civil pública (Lei – Ação Direta de Inconstitucionalidade,
7.347/85) como ação constitucional, para Ação Direta de Inconstitucionalidade por
o fim de proteger o patrimônio público e Omissão, Ação Direta de Constitucionali-
social, o meio ambiente e outros interesses dade e Ação por Descumprimento Preceito
difusos e coletivos. Fundamental.
Assim como a ação popular, a ação civil Não se pode olvidar que a própria orga-
pública, disciplinada pela Lei 7.347/85, nização constitucional do Poder Judiciário,
constitui importante instrumento proces- estabelecendo as competências e vedações,
sual de garantia de direitos. Destina-se a também constitui norma a ser observada
proteger direitos difusos, alguns funda- no processo e, por conseguinte, garantia
mentais, como ao meio ambiente, que pode processual que protege direitos como os
ter reflexos nos direitos à vida, à igualdade fundamentais.
e a outros. Os direitos fundamentais, assim como
os demais direitos constitucionais, contam
8. Conclusão também com remédios protetores que ou-
trossim são garantias judiciais – processuais
Muitos dos direitos fundamentais – e consistem nas ações constitucionais:
elencados na Constituição da República Mandado de Segurança, Habeas Corpus,
já foram satisfeitos, entendida a satisfação Habeas Data, Mandado de Injunção e Ação
como a edição de lei ordinária ou comple- Popular.
mentar necessária ao exercício do direito. Constituem outras garantias processu-
No entanto, esse exercício não prescinde de ais aos direitos fundamentais a ação civil
proteção ou de garantia. Relevantes garan- pública, o contraditório, a ampla defesa,
tias dos direitos fundamentais ou humanos a motivação das decisões, o juiz natural, a
são as garantias processuais. publicidade dos atos processuais, a veda-
A efetividade dos direitos fundamen- ção das provas ilícitas, a medida cautelar
tais depende das garantias, destacando-se e a antecipação da tutela, sem exclusão de
a processual, que é uma garantia judicial outras.
e consiste na realização do direito com a
prestação da tutela jurisdicional, que, por
sua vez, deve ser efetiva. A efetividade da

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