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QUÍMICA FARMACÊUTICA II

PARTE 1
3º ANO – 1º SEMESTRE

Beatriz Baldaque | FFUP | 2015/2016


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

ÍNDICE

Capítulo 1 – Esteróides………………………………………………………………...........................2
1.1. Esteróides e agentes terapêuticos relacionados………………………………...…2
1.1.1. Corticosteróides…………...……….……………………………………….....5
1.1.1.1. Glucocorticóides.………………………………………………….5
1.1.1.2. Mineralocorticóides.………..…………………………………….13
1.2. Hormonas sexuais e agentes terapêuticos relacionados…………………………14
1.2.1. Hormonas sexuais masculinas………….…………………………………..14
1.2.2. Hormonas sexuais femininas………………………………………………..18
1.2.2.1. Estrogénios…………….…………………………………………...19
1.2.2.2. Progestagénios.…………………………………………………...25
1.2.2.3. Anticoncetivos esteróides...…..…………………………………27
1.2.3. Neuroesteróides………………….……………………………………………31
Capítulo 2 – Antibacterianos………………………………………………………………………….32
2.1. Sulfamidas………..………………………….……………………………………………..33
2.2. Antibióticos……………………………………………………………………………...…39
2.2.1. β-Lactâmicos clássicos…………..…………………………………………..39
2.2.1.1. Penicilinas…………………………………………………………..39
2.2.1.2. Cefalosporinas………….…………………………………………48
2.2.2. β-Lactâmicos não clássicos…………………………………………………54
2.2.2.1. Carbapenemos……..…………………………………………….54
2.2.2.2. Monobactâmicos…………..…………………………………….56
2.2.2.3. Ácido Clavulânico e Sulfonas………………………………….56
2.2.3. Glicopeptídeos…….………………………………………………………….60
2.2.4. Tetraciclinas……..…….……………………………………………………….64
2.2.5. Cloranfenicol..….……………………………………………………………..69
2.2.6. Quinolonas………….………………………………………………………….72
2.2.7. Oxazolidinonas……………………..……………………………………..…..76
2.2.8. Macrólidos………..………………………………………………………..…..77
2.2.9. Aminoglicosídeos..……………………………………………………..……..81

BEATRIZ BALDAQUE 1
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CAPÍTULO 1 - ESTERÓIDES
1.1. ESTERÓIDES E AGENTES TERAPÊUTICOS RELACIONADOS

Os esteróides são um grupo de compostos que contêm uma estrutura básica de 17


átomos de carbono dispostos em 4 anéis ligados entre si (ciclopentanoper-
hidrofenantreno – Figura 1) – esqueleto carbonado tetracíclico. São biossintetizados a
partir de estruturas menores chamadas terpenos, passando por moléculas precursoras, as
quais sofrem extensivas e subtis alterações, levando a compostos intervenientes num
largo número de funções: sistemas de controlo tão diversos como meiose, metabolismo
de hidratos de carbono, armazenagem de lípidos, crescimento muscular, funções
imunológicas, constituição química de membranas celulares, etc. São, portanto,
designados por “chaves da vida”.

C D
A

A B

Figura 1- Ciclopentanoper-hidrofenantreno Figura 2 - Núcleo estrutural do esteróide

Esta estrutura possui ainda metilos angulares, sendo estes que definem (e não “estão”) a
face β do esteróide (ambos no mesmo plano). Encontram-se, sempre, numa posição axial
relativamente aos anéis B e D. Os substituintes do lado oposto definem a face α (Figura
2).
Devido à ligação trans entre os anéis B e C, a molécula apresenta rigidez molecular e
devido à conformação em cadeira, barco ou intermediária entre os dois do anel A, a
molécula possui flexibilidade. O anel D, de 5 átomos de carbono, apenas consegue fazer
pequenas alterações conformacionais. Os anéis B e C, normalmente adotam uma
conformação em cadeira. Verifica-se, então, que a tridimensionalidade dos esteróides
está diretamente relacionada com a sua atividade biológica.
(NOTA: A conformação mais estável pode não corresponder à conformação bioativa)
Ao contrário dos ciclo-hexanos, os esteróides mantêm a sua conformação à temperatura
ambiente, uma vez que possuem, geralmente, uma geometria rígida não plana.

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A estereoquímica entre os anéis A e B pode ser trans (os dois substituintes estão orientados
para lados opostos do plano: metilo em C10 está na face β e H em C5 está na face α) ou
cis (os dois substituintes estão orientados para o mesmo lado do plano: metilo em C10 e
H em C5 estão na face β) (Figura 3). Quando estão em trans originam esteróides do tipo
5α (colesterol e hormonas); quando estão em cis originam esteróides do tipo 5β (ácidos
biliares) (Figura 4).

Figura 4 – Esteróides 5α e 5β

Figura 3 – Decalina cis e decalina trans

Com apenas pequenas alterações estereoquímicas podemos obter atividades


biológicas muito diversas, uma vez que a tridimensionalidade global é alterada,
promovendo o reconhecimento molecular por diversos recetores biológicos.
A numeração do núcleo carbonado do esteróide é fixa e determinada pela IUPAC
(necessário saber numerar até ao C22). O esteróide apresenta uma espinha dorsal (C5-
C10-C9-C8-C14-C13) com estereoquímica trans-anti-trans-anti-trans (trans quando os
dois substituintes estão para lados opostos na junção dos dois anéis; anti quando os dois
substituintes se encontram em lados
opostos no mesmo anel). Esta é a
espinha dorsal da maioria dos
compostos com que vamos
trabalhar. Na Figura 5 é
apresentada essa espinha dorsal e
verificamos que no núcleo do
ciclopentanoper-hidrofenantreno
substituído existem 7 carbonos
estereogénicos.
Figura 5 – Espinha dorsal mais comum nos esteróides

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Os metilos angulares C18 e C19, que são sempre axiais, estão em C13 e em C10,
respetivamente (atenção à terminologia!). A cadeia lateral está em β em relação ao
núcleo tetracíclico.

BIOSSÍNTESE DE ESTERÓIDES

O colesterol é o percursor comum das hormonas que se encontram no nosso organismo


(vai fazendo modificações na cadeia lateral do núcleo carbonado), podendo ser
considerado o composto líder da série de todas estas classes e sendo, por isso, essencial
como matéria-prima. A regulação da biossíntese de esteróides é, no entanto, bastante
complexa: é feita por enzimas que se encontram na mitocôndria ou no retículo
endoplasmático através de reações de oxidação-redução (na maioria dos casos).

Figura 6 – Biossíntese de esteróides

Os esteróides e os seus derivados apresentam uma grande variedade de atividades


biológicas: anti-inflamatórios, hormonas sexuais, anti-HIV, anticoncetivos, diuréticos,
percursores da vitamina D, alopécia masculina, bloqueadores neuromusculares, agentes
antitumorais, antibióticos, agentes digestivos, cardiotónicos, etc. Como interagem com
inúmeros alvos biológicos, o núcleo estrutural dos esteróides é considerado uma estrutura
privilegiada. Uma modificação adequada nestas estruturas pode ser uma alternativa
viável na procura de novos agonistas e antagonistas.

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1.1.1. Corticoesteróides

Os corticoesteróides (ou adrenocorticóides) são hormonas do córtex supra-renal que


possuem um papel de relevo na regulação do metabolismo e no balanço eletrolítico.
Podem ser de 2 tipos:
 Glucocorticóides: sintetizados a partir do colesterol intervêm no metabolismo de
hidratos de carbono, lípidos e proteínas. A sua principal aplicação terapêutica é
como agonistas (anti-inflamatórios e antialérgicos).
 Mineralocorticóides: intervêm na regulação do balanço eletrolítico por retenção
de sódio. A sua principal aplicação terapêutica é como antagonistas (diuréticos).

1.1.1.1. Glucocorticóides
Os glucocorticóides são um exemplo de “multi-tasking”, pois conseguem ser exemplos
típicos de atividades variadas e estão envolvidos em patologias variadas: influenciam a
atividade de quase todas as células do organismo, modulam a expressão de genes, são
essenciais para a vida mas também estão associados à patogenicidade de doenças,
são usados no tratamento de doenças anti-inflamatórias e auto-imunes, a desregulação
da sua secreção está implicada em várias doenças (obesidades, diabetes tipo II,
síndromes metabólicas, hipertensão, depressão).

Apesar de possuirmos vários


glucocorticóides, “fabricados” pelo
nosso organismo, estes são os 6 mais
significativos. Todos eles (os da
figura) são derivados do pregnano,
ou seja, têm 21 átomos de carbono.
É de destacar a presença de vários
grupos comuns, nomeadamente a
cetona αβ insaturada no anel A (em
C3), uma função oxigenada em C11
e o grupo alfa-cetol em C17, que é

Figura 7 - Principais glucocorticóides essencial para a atividade.

No entanto, há dois que se destacam (principais glucocorticóides humanos): o cortisol ou


hidrocortisona, também conhecida como hormona do stress, e a cortisona. O cortisol é o
derivado reduzido da cortisona.

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MECANISMO DE AÇÃO GERAL

Este mecanismo de ação não é só dos glucocorticóides mas dos esteróides de um modo
geral.
O esteróide atarvessa a membrana
citoplasmática por difusão simples, uma vez
que é de natureza predominantemente
lipídica. No citoplasma encontra um
recetor intracelular que está bloqueado por
uma proteína bloqueadora que não
permite que esse recetor atravesse a
membrana nuclear. Quando o esteróide
atravessa a membrana celular, há o
Figura 8 - Mecanismo de ação geral dos
esteróides desbloqueio do recetor, e reconhecimento
por parte deste do esteróide. Forma-se,
então, um complexo que sofre uma alteração conformacional e já é capaz de atravessar
a membrana nuclear. Esta alteração conformacional vai favorecer a interação do
complexo com o DNA, ativando a transcrição e a tradução, formando-se uma nova
proteína que irá desencadear uma resposta biológica. Mais tarde, por cristalografia de
raio-X, verificou-se que estes complexos interagem com o DNA na forma de homodímero,
isto é, há uma duplicação estrutural, sendo nesta forma que migram para o núcleo. O
recetor é específico para o tipo de esteróide que atravessou a membrana.
Para haver reconhecimento molecular é necessário que primeiro ocorra a ligação do
anel A ao recetor, que por sua vez modifica o seu estado conformacional e há depois a
ligação do anel D, interagindo com o DNA. Por isso, no reconhecimento molecular de
esteróides, as principais interações são hidrofóbicas (devido à cadeia lateral do anel D),
ocorrendo também interações de hidrogénio, eletrostáticas e de Van der Waals. Os anéis
A e D são, portanto, aqueles que interagem preferencialmente
com o recetor e com o DNA. A tridimensionalidade associada à
estereoquímica desempenha um papel fundamental no
reconhecimento molecular entre a molécula bioativa e o recetor.

Figura 9 – Interação entre o esteróide e o DNA

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MECANISMO DE AÇÃO A NÍVEL MOLECULAR (GLUCOCORTICÓIDES)

A cortisona in vivo vai sofrer


um ativação através de
uma enzima redutase, 11β-
HSD1, traduzindo-se essa
ativação numa redução
(em C11: cetona passa a
álcool). Forma-se, assim, o
Figura 10 – Metabolismo pré-recetor
cortisol (hidrocortisona),
que irá interagir com o recetor dos glucocorticóides (o cortisol tem maior atividade anti-
inflamatória que a cortisona). Este processo é muitas vezes designado por “metabolismo
pré-recetor” (metabolismo local dos esteróides no interior das células alvo, sendo o fator
mais importante que regula o acesso dos glucocorticóides endógenos aos seus
recetores).

 PROBLEMAS ASSOCIADOS
O efeito glucocorticóide está sempre associado à atividade mineralocorticóide
(regulação do equilíbrio eletrolítico por retenção de sódio), dando origem a efeitos
secundários e a formas de administração pouco cómodas. Isto ocorre devido à
conversão do cortisol em cortisona, por uma enzima 11β-HSD2. Em situações de stress
ou de medicação irá haver um aumento do cortisol dentro da célula, que pode ser
convertido em cortisona, que por sua vez irá inibir competitivamente a ligação da
aldosterona aos recetores mineralocorticóides (recetores promíscuos). Assim, a
aldosterona não se irá ligar aos seus recetores, pelo que a sua concentração no
sangue aumenta, levando a uma maior produção de urina.

Figura 11 – Efeito glucocorticóide associado ao mineralocorticóide

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COMO ATUAM OS GLUCOCORTICÓIDES?

Os glucocorticóides vão bloquear a fosfolipase A2 (cascata do ácido araquidónico), mas


indiretamente. Isto é, esse bloqueio/inibição vai dar-se por proteínas (lipocortinas), que
são induzidas pelos glucocorticóides, havendo, por isso, uma diminuição do ácido
araquidónico e toda a cascata é alterada: diminuem as prostaglandinas, pelo que existe
efeito anti-inflamatório.

 TRANSATIVAÇÃO E TRANSREPRESSÃO
Os glucocorticóides não induzem somente a produção de lipocortinas, mas também
de proteínas que atuam no metabolismo sistémico (proteínas que promovem a
gliconeogénese). Este processo é chamado de transativação.
Atuam ainda por meio de um mecanismo genómico designado transrepressão, em
que monómeros de glucocorticóides e de recetores de glucocorticóides interagem
diretamente com fatores de transcrição por interação proteína-proteína e promovem
um efeito inibitório das suas funções.

GLUCOCORTICÓIDES NA TERAPÊUTICA

A cortisona, denominada substância E, foi sintetizada em 1949 e quando administrada


por via sistémica manifestava atividade anti-inflamatória altamente potente em
pacientes com artrite reumatóide.

 APLICAÇÕES
 Terapêutica de reposição (como em tudo que é hormonal) – para patologias
que correspondem à deficiência numa dada hormona.
 Anti-inflamatórios
 Doenças auto-imunes patologias não endócrinas
 Alergias

 LIMITAÇÕES
Estão associadas aos efeitos secundários que pode existir, principalmente quando se
lida com um quadro semi-crónico ou crónico, em que é necessária uma
administração muito prolongada deste tipo de fármacos.

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ESTRATÉGIAS DE MODIFICAÇÃO MOLECULAR

Essas estratégias tiveram como objetivos maximizar a atividade glucocorticóide, minimizar


a atividade mineralocorticóide e alterar a lipofilia/hidrofilia para que se pudesse fazer
uma administração oral, tópica ou injetável e, também, para obter formulações de ação
prolongada.

 1ª GERAÇÃO
São compostos naturais: cortisona e hidrocortisona. Conseguem aumentar a
atividade glucocorticóide mas sem alterar a atividade mineralocorticóide (muito
elevada na hidrocortisona).

 2ª GERAÇÃO
São compostos semissintéticos: prednisona e prednisolona. Houve a introdução de
uma dupla ligação no anel A, levando a uma alteração conformacional deste anel,
tornando-o mais plano. Isto melhorou a interação com o recetor (ligações mais
fortes), o que permitiu um aumento da atividade glucocorticóide. A prednisona teve
origem na cortisona e a prednisolona teve origem na hidrocortisona. A prednisona é
considerada um pró-fármaco (bioprecursor) e sofre metabolização a nível hepático,
originando a prednisolona. Esta última é mais potente que a cortisona, provoca
menor retenção de sódio e água (ou seja, tem menos efeitos mineralocorticóides) e
apresenta administração oral.
A fludrocortisona (9-α-fluor-hidrocortisona) (composto de síntese por halogenação da
hidrocortisona em C9 – nova família de glucocorticóides com flúor) apresenta
elevada potência como anti-inflamatório, mas possui propriedades
mineralocorticóides acentuadas, pelo que não apresenta uso terapêutico.

OUTROS PROBLEMAS QUE SURGIRAM COM ESTES COMPOSTOS

Inativação metabólica da cortisona e hidrocortisona por: redução do carbonilo em C20


levando a um grupo álcool ou cisão da cadeia lateral levando a compostos 17-ceto.
Assim, deixa de existir o grupo alfa-cetol: há uma oxidação e temos um cetona. Isto traz
problemas, uma vez que diminui a atividade.

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 PARA RESOLVER
Introdução de um grupo metilo em C16. Assim, aparece a 9-α-fluor-16-α-
metilprednisolona. Este composto manifestou uma elevada atividade anti-
inflamatória e uma diminuição drástica da atividade mineralocorticóide, já que o
grupo metilo protege estericamente o alfa-cetol
em C17, impedindo a interação com o recetor
mineralocorticóide. Pode até ser considerado o
“composto líder” para uma série de novas
alterações que viriam a ser efetuadas
posteriormente.
Figura 12

OUTROS DERIVADOS QUE SURGIRAM:

Figura 13

AÇÃO TÓPICA

A pele é concebida para manter os fluídos orgânicos e impedir a absorção de


xenobióticos para a circulação geral. Consequentemente, fármacos aplicados na pele
serão pobremente absorvidos. Era muito importante que com as modificações
moleculares efetuadas se obtivesse a possibilidade de ação tópica, uma vez que para o
tratamento local da inflamação, condições de alergia ou prurido, esta via de
administração seria mais adequada. Isto conseguiu-se de duas maneiras: criando pró-
fármacos de lipofilia adequada (esterificação com ácidos) e por acetonidação.

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Figura 14 – Esterificação com ácidos de lipofilia Figura 15


adequada

OUTRAS MODIFICAÇÕES
Os compostos di-halogenados são compostos com elevada potência, já que possuem
um grupo volumoso em C17α, o que causa impedimento estérico, não permitindo o
ataque de enzimas epidérmicas. Assim, há um aumento da lipofilia, aumento da
afinidade para os recetores, aumento da duração de ação, permitindo a aplicação
tópica.

Figura 16 – Compostos di-halogenados

 3ª GERAÇÃO
O Deflazacort possui um anel “extra” – anel
oxazolina – entre C16 e C17. É considerado
desprovido de efeitos mineralocorticóides, porque
o anel “extra” vai dificultar a interação com o
recetor mineralocorticóide. Como apresenta um
éster em C21 corresponde a um pró-fármaco,
tendo de ser ativado in vivo por esterases.
Figura 17 - Deflazacort

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RELAÇÃO ESTRUTURA – ATIVIDADE


Zonas/grupos essenciais à atividade
glucocorticóide:
 Estereoquímica do composto;
 Zona C3-C5;
 Hidroxilo em C17;
 Grupo oxigenado em C11.

Figura 18 – Relação estrutura-atividade

Regiões onde podem ocorrer modificações para aumentar essa atividade:


 Dupla ligação entre C1 e C2;
 Halogenações em C9 e C6;
 Grupo volumoso em C16;
 Grupos variados em C21.
A existência de um
OH em C11
permite o
A ligação dupla entre estabelecimento
C1 e C2 modifica a de uma interação
conformação do de H extra com o
anel A, levando a recetor.
que se faça um
melhor encaixe no
recetor.

Um átomo de F em C9,
devido ao efeito
captador de densidade
eletrónica, vai
influenciar o OH em C11
que fica com caráter
ácido, o que influencia
a ligação ao recetor.

OBSERVAÇÃO: É muito difícil alterar uma da atividades (glucocorticóide ou


mineralocorticóide) sem alterar a outra, porque elas estão associadas.
 Os corticoesteróides inalados foram concebidos para reduzir as complicações
sistémicas da terapia oral. No entanto, mesmo os corticoesteróides inalados
podem ter efeitos sistémicos.

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1.1.1.2. Mineralocorticóides

A principal molécula é a aldosterona. Sofre regulação pelo complexo hipotálamo-


hipófise e pelo sistema renina-angiotensina que estimula a supra-renal a reter o sódio,
uma vez que a aldosterona é responsável pela regulação do balanço eletrolítico por
retenção de sódio.
A regulação do balanço eletrolítico provém de um equilíbrio entre a forma aldol e a
forma hemiacetal da aldosterona.

Figura 19 – Formas aldol e hemiacetal da aldosterona

 AGONISTAS MINERALOCORTICÓIDES
 Insuficiência supra-renal;
 Destruição do córtex supra-renal (doença de Addison).

Têm pouca aplicação terapêutica.

Figura 20 – Agonista mineralocorticóide

 ANTAGONISTAS MINERALOCORTICÓIDES Têm mais interesse terapêutico.


 Espironolactona

- Antagonista da aldosterona;
- Atividade diurética;
- Administração por via oral;
- Combate à acne.

Figura 21 - Espironolactona

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1.2. HORMONAS SEXUAIS E AGENTES TERAPÊUTICOS RELACIONADOS

O estradiol, hormona sexual feminina, e


a testosterona, hormona sexual
masculina, são esteróides e, como tal,
ligam-se ao DNA através do anel A,
que, ao sofrer uma alteração
conformacional, permite também a
ligação do anel D. O estradiol tem por
base um estrano, pois possui 18 átomos Figura 22 – Estradiol, testosterona e progesterona
de carbono; a testosterona tem como base um androstano, pois possui 19 átomos de
carbono; a progesterona (outra hormona sexual feminina) é um derivado do pregnano,
pois apresenta 21 átomos de carbono.
As hormonas sexuais femininas e masculinas ligam-se exatamente aos mesmos recetores,
mas com diferente:
 Grau de afinidade;
 Estabilidade dos complexos formados;
 Atividade biológica.

1.2.1. Hormonas Sexuais Masculinas

A primeira hormona masculina que foi descoberta foi a


androsterona (1931), no entanto possuía fraca atividade
androgénica. Quatro anos mais tarde foi isolada a testosterona,
que apresentava muito maior potência. A androsterona resulta
Figura 23 - Androsterona da testosterona por redução hepática. Estas hormonas são,
portanto, designadas por androgénios.
Em mamíferos, a testosterona é segregada principalmente pelos testículos dos machos e,
em menor quantidade, pelos ovários (fêmeas) e pelo córtex das glândulas supra-renais.
Os androgénios apresentam o OH em C17 na face β, já que estão do mesmo lado do
plano que os metilos angulares (ver página 2), pelo que a face α está mais desimpedida
para interagir com o recetor. In vivo, a testosterona é metabolizada a 4,5–di-
hidrotestosterona (tem maior afinidade com o recetor), por ação da 5-α-redutase. Esta
enzima pode ser do tipo I, localizando-se no tecido epitelial (incluindo o crânio), ou do
tipo II, localizando-se em tecidos genitais (incluindo a próstata).

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INTERAÇÕES COM O RECETOR

Como já foi referido anteriormente, os anéis que


interagem com o recetor são o A e o D, ambos por
interações de hidrogénio. O anel A interage com os
aminoácidos glutamina e arginina. Essas interações
vão ser estabilizadas por uma molécula de água. O
anel D interage com a asparagina (o OH é dador) e
com a treonina (o OH é recetor). É ainda essencial Figura 24 – Interações com o recetor
para o reconhecimento molecular que o anel A possua uma conformação em meia
cadeira. Além disso, a treonina, que interage com o anel D, é o resíduo que determina a
seletividade no reconhecimento molecular.

ESTERÓIDES ANDROGÉNICOS

A androstenodiona é o percursor da testosterona.


A atividade da 4,5-di-hidrotestosterona é dupla, pois pode ser androgénica ou anabólica:
 Atividade androgénica:
 Características físicas masculinas;
 Características sexuais secundárias;
 Atividade anabólica:
 Síntese proteíca;
 Aumento da massa muscular.
Figura 25 – 4,5-di-hidrotestosterona

APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE DERIVADOS

- Terapia de substituição (andropausa);


- Cancro da mama (hormonodependente);
- Anabolizantes em certas situações de carência alimentar;
- Anemia;
- Osteoporose;
- Estimulantes em caso de crescimento retardado (pediatria).

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TESTOSTERONA

Devido à sua pobre biodisponibilidade, a testosterona não é administrada diretamente


por via oral e devido ao seu tempo de semi-vida reduzido (já que é facilmente oxidável
e nível hepático e intestinal no OH em C17), também não é administrada por via injetável.
Desta forma, houve a necessidade de recorrer a pró-fármacos. Para isso, adicionaram-se
grupos éster em C17, permitindo, assim, o desenvolvimento de soluções oleosas injetáveis,
administradas espaçadamente, pois a libertação no organismo é lenta.

AGONISTAS ANDROGÉNICOS

MODIFICAÇÕES MOLECULARES
Maior atividade
Esterificação

- Maior atividade anabolizante


Maior lipofilia
- Maior atividade miotrófica
βOH (outras formas de
- Menor atividade androgénica
administração)

19 nor

CH3

αF

O
Maior atividade
CH3
Proteção do OH
em C17 da
Ainda muito oxidação hepática
anabolizante e intestinal

O objetivo destas modificações é aumentar a duração de ação e separar a atividade


anabolizante da atividade androgénica.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

A testosterona é administrada por via injetável e possui atividade anabolizante e


androgénica de igual potência. Os ésteres da testosterona (propionato, enantato e

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ciprionato) são pró-fármacos, pelo que não há melhoria da atividade, porque o


composto ativo é o mesmo (testosterona), apenas há um aumento da lipofilia. Para que
os androgénios possam ser administrados por via oral, é necessário que não ocorra
metabolização hepática do OH em C17, pelo que se introduz um CH 3 em C17 que irá
causar impedimento estérico e impedir a metabolização. Esta estratégia ocorre, por
exemplo, na Fluoximesterona, mas não se dá alteração da atividade.
Há uma grande procura de esteróides devido à sua atividade anabolizante,
principalmente por atletas, uma vez que provoca um aumento da massa muscular. Para
que um dado esteróide tenha forte atividade anabolizante necessita de algumas
modificações estruturais relativamente à testosterona, como por exemplo, remover o
metilo angular em C10 (nor-esteróide). Esta modificação dá-se na Nandrolona
(administrada por via injetável), o que promove um grande aumento da atividade
anabolizante quando comparada com a androgénica. Por este motivo, a nandrolona
está muito associada a casos de dopping. Em casos mais extremos, os esteróides podem
ser praticamente desprovidos de atividade androgénica, dado que a atividade
anabolizante é muito superior (3 ou 4 vezes maior). Isto ocorre no Stanozolol e na
Dromostanolona, que são administrados por via oral.

ANTIANDROGÉNIOS (ANTAGONISTAS ANDROGÉNICOS)


COMO FUNCIONAM?

 Por alteração da entrada de di-hidrotestosterona para o interior da célula.


 Por inibição da conversão da testosterona em di-hidrotestosterona (inibição da 5-
α-redutase).
 Por competição com a hormona natural para a ligação à proteína recetora
citoplasmática.

APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS
São usados para tratamento do acne e do cancro da próstata.

O finasteride é um inibidor da 5α-redutase, pelo que impede a transformação da


testosterona no seu derivado mais potente (4,5-di-hidrotestosterona). Como? Deslocando
a testosterona do local ativo da ligação do androgénio e ligando-se não fortemente,
pelo que a testosterona deixa de estar ligada à 5α-R (inibição irreversível).

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1.2.2. Hormonas Sexuais Femininas

No sexo feminino exitem dois grupos a que vamos dar mais destaque: grupo dos
estrogénios, do qual faz parte o estradiol, e o grupo dos progestagénicos, do qual faz
parte a progesterona.

Figura 25 – Principais hormonas sexuais femininas

Até à puberdade a hipófise não secreta praticamente nenhuma hormona, no entanto,


a partir desse período secreta principalmente duas hormonas. No início secreta
principalmente hormona folículo-estimulante (FSH), que inicia a vida sexual na rapariga
em crescimento. Mais tarde, secreta também a hormona luiteinizante (LH) que auxilia no
controlo do ciclo menstrual. Como as secreções de hormonas do hipotálamo e da
hipófise aumentam, os folículos do ovário são estimulados a libertar estrogénios e o corpo
lúteo a libertar progesterona. O nível de estrogénios e de progesterona varia, portanto,
ao longo do ciclo menstrual. Na segunda metade do ciclo os níveis de progesterona
sobem e podem estar muitas vezes associados a TPM (Tensão Pré-Menstrual), que leva a
alterações no humor e mal-estar geral. Com o final da menstruação, atinge-se a
menopausa, em que o decréscimo de estrogénios pode induzir alterações no trato
genital, contribuir para perda de cálcio ósseo,
levando a quadros de osteoporose, originar
depressão, patologias cardiovasculares e
doença de Alzheimer. Pode nesta fase ser
necessária uma terapêutica de substituição, em
que há administração de fármacos que
mimetizam o estradiol ou os seus metabolitos
com atividade estrogénica (agonistas
estrogénicos).

Figura 26 – Ciclo menstrual

BEATRIZ BALDAQUE 18
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

1.2.2.1. Estrogénios

Produção: ovários e placenta.


 Desenvolvimento dos caractéres secundários femininos;
 Síntese de lípidos;
 Regulação do ciclo menstrual.
Agonistas
 Terapia de reposição na menopausa (ex: prevenção da osteoporose);
 Anovulatórios (em combinação com progestagénios);
 Tratamento do carcinoma da próstata.
Antagonistas
 Tratamento de certos tipos de infertilidade;
 Tratamento do carcinoma mamário (hormonodependente).

Os estrogénios endógenos que se encontram em maior concentração na corrente


sanguínea, no organismo feminino, são: o estradiol, o estriol e a estrona. Tanto o estriol
como a estrona resultam de um metabolismo oxidativo do estradiol, in vivo, e são
metabolitos que aparecem na urina. A estrona forma-se por oxidação do OH em C17 e
o estriol por oxidação com OH em
C16.
Além destes metabolitos, o estradiol
pode ainda originar estrogénios
catecolizados (2 OH fenólicos
contíguos), tais como o 2- Figura 27 – Estrona e estriol
hidroxiestradiol e o 4-hidroxiestradiol. Pensa-se que haja intervenção destas duas
moléculas em processos carcinogénicos, através de danos por oxidação no DNA, sendo
que os próprios estrogénios podem induzir a progressão do tumor, pois estimulam a
proliferação celular. Em certas linhas tumorais humanas encontram-se metabolitos do
estradiol, pelo que se julga ser possível que em casos de
cancros que não estejam relacionados com o sistema
reprodutivo se possam usar tratamentos com anti-
estrogénios (como iremos ver mais à frente). No entanto,
são necessários mais estudos nesta área.

Figura 28 – Estrogénios catecolizados

BEATRIZ BALDAQUE 19
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

MECANISMOS DE AÇÃO DA ATIVIDADE ESTROGÉNICA

Este esquema mostra a produção de estrogénios


e de progestagénios a nível ovárico, que vão ter
a sua ação em diversos tecidos (ex: tecido
mamário) e por feedback negativo irão regular
a produção de FSH, LH, etc., que por sua vez irá
depois induzir mais produção deste tipo de
compostos.
Figura 28 – Mecanismo de ação estrogénica

Já foram identificados dois subtipos de recetores estrogénicos: α e β. Estes recetores


possuem uma área conservada bastante grande entre os dois, com domínios funcionais
semelhantes, mas a sua localização diverge: os recetores α encontram-se na mama,
útero e vagina, enquanto que os recetores β encontram-se nos restantes sistemas (SNC,
cardiovascular, imunitário, gastrointestinal, pulmões, rins e ossos), apresentando menor
expressão na mama, útero e vagina.

INTERAÇÃO DO ESTRADIOL COM O RECETOR ESTROGÉNICO

Uma vez que o anel A é aromático, nota-se uma maior planaridade deste anel.
Verifica-se que as principais interações da hormona com o recetor são hidrofóbicas, que
se estabelecem pelas zonas não polares da molécula do esteróide com a proteína do
recetor, e de hidrogénio, resultantes dos OH em C3 e em C17. O OH em C3 estabelece
interações de hidrogénio com o glutamato (H3) e com a arginina (H6), enquanto que o
OH em C17 estabelece interações de hidrogénio com a histidina (H11). Entre o glutamato
e a arginina há uma molécula de água, para que o complexo recetor-hormona seja
estável o suficiente para proporcionar a resposta biológica.
No entanto, estas interações não são suficientes. Após as
interações com os aminoácidos, é induzido o deslocamento
da hélice 12 (H12), que irá servir de “tampa”, fixando a
molécula do estradiol numa bolsa hidrofóbica. Só depois há
indução dos co-fatores e da resposta biológica. Portanto, é
necessário que ocorra o deslocamento da hélice 12 e a
interação da molécula com a região hidrofóbica da H12.
Figura 29 – Interações com o recetor

BEATRIZ BALDAQUE 20
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Os OH em C3 e em C17 podem ser alterados por ésteres (ou éteres), dando origem a
moléculas com tempo de semi-vida mais alargado, ou seja, vão funcionar como pró-
fármacos, sendo in vivo hidrolisados à sua forma bioativa. O hidrogénio em C17 pode ser
substituído por um grupo etinilo (-CΞCH), que irá proteger o OH em C17 de modificações
metabólicas (ex: oxidação), que impediriam a atividade agonista deste tipo de
composto. Assim, o grupo etinilo levou à possibilidade de administrar estes compostos por
via oral, o que evita os efeitos secundários da via injetável.

 AGONISTAS ESTROGÉNICOS SINTÉTICOS


Estes compostos possuem uma estrutura não esteróide, no entanto, são agonistas
esteroídicos. Resultam de simplificação molecular do núcleo ciclopentanoper-
hidrofenantreno do estradiol. É possível verificar que conseguimos sobrepor o esqueleto
do ciclopentanoper-hidrofenantreno ao
esqueleto destes compostos (DES, dienestrol,
benzestrol). Todas estas moléculas
apresentam uma estrutura rígida, com
duplas ligações (por vezes conjugadas) e
grupos volumosos, que irão impedir a
rotação da molécula. Figura 30

[O DES (Diestilestilbestrol) é usado na forma de difosfato.]


Repare-se agora nas semelhanças estruturais entre o Estradiol e o DES. Não é portanto de
estranhar que ambos possam interagir com os mesmos aminoácidos no(s) recetor(es)
estrogénico(s). No entanto, as interações de hidrogénio que o DES estabelece com os
aminoácidos são mais fracas. As moléculas de água irão ajudar a manter a distância
necessária a todas estas interações.

APLICAÇÕES
 Reposição hormonal;
 Anticoncetivos pós-coito;
VANTAGENS
 Mais baratos;
 Menos perda de potência por via oral;

BEATRIZ BALDAQUE 21
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DESVANTAGENS
 Náuseas;
 Mutagénicos.

 AGONISTAS ESTROGÉNICOS NATURAIS (FITOESTROGÉNIOS)


Existem 5 principais classes de fitoestrogénios: isoflavonóides, lignanos, flavonóides
prenilados, coumestanos e derivados do resorcinol.

Figura 31 – Classes de fitoestrogénios

Tal como nos agonistas estrogénicos sintéticos também se verifica a sobreposição das
estruturas com o estradiol, há um bom “fitting”, pelo que se pode admitir que estes
agonistas mimetizam a atividade do estradiol. No caso da flavona, como não tem a
orientação adequada, não poderá ser considerada nem usada como agonista.
Os primeiros estudos sobre fitoestrogénios datam de 1940, no entanto, ainda são
necessários mais estudos para que se possa avaliar a possível aplicação terapêutica
destes compostos no tratamento e/ou prevenção de certos tipos de cancro.

 ANTI-ESTROGÉNIOS

Os anti-estrogénios possuem atividade de fertilização e atividade antitumoral (mamário).

 Mecanismo de Ação geral


Os anti-estrogénios vão bloquear a resposta celular mediada pelos
estrogénios a nível dos tecidos alvo. Assim, impedem o mecanismo de
feedback exercido pelas hormonas sexuais femininas sobre o eixo hipotálamo-
hipófise. Como consequência, observa-se um aumento da secreção de
gonadotropinas que vão estimular a função ovárica.

BEATRIZ BALDAQUE 22
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 Mecanismo de Ação a nível molecular (atividade fertilizante)


Os anti-estrogénios ligam-se ao recetor estrogénico, originando um complexo
modificado, que é transferido para o núcleo. Há uma diminuição da
quantidade de recetores “livres” para o estrogénio endógeno e, portanto,
impedimento do mecanismo normal de controlo da síntese de estrogénios por
feedback. Consequentemente, há um aumento da secreção de
gonadotrofinas, o que irá induzir a ovulação, podendo mesmo levar a
nascimento múltiplos.

Os anti-estrogénios tiveram origem numa molécula de nome de código MER 25. Foi
utilizada uma estratégia que já vimos várias vezes: a introdução de um grupo volumoso
para criar o efeito antagonista. Descobriu-se, então, que a cadeia alquilaminoetoxi,
naquele local, confere propriedades anti-estrogénicas. Desta molécula descenderam o
tamoxifeno e o raloxifeno. Estes compostos foram muito importantes, porque não só
abriram a possibilidade de tratamento do cancro da mama como também de
prevenção deste tipo de cancro em pacientes de risco.
In vivo, o tamoxifeno vai sofrer oxidação, originando o 4-hidroxitamoxifeno (composto
ativo). Este, através da cadeia lateral contendo amina, ou
seja, protonável, vai mascarar a arginina presente na H3,
que é essencial para que a H12 se ligue. Assim, a H12 vai
estar impedida de rodar e fechar a “tampa” da bolsa
hidrofóbica, pelo que não teremos atividade estrogénica
mas sim anti-estrogénica. É, ainda, de realçar o facto de
ser o OH que foi “adicionado” na metabolização quem
estabelece a interação com o recetor e irá ser Figura 32- Interação do
metabolito ativo com o recetor
reconhecido.
O clomifeno apresenta fraca biodisponibilidade e é usada uma mistura 1:1 dos dois
enantiómeros Z e E. Já no tamoxifeno usa-se apenas o isómero Z.

 Moduladores seletivos do recetor de estrogénio (SERMs)


São moléculas que se ligam ao recetor de estrogénio com ações agonistas e
antagonistaa, em tecidos específicos. Apresentam efeitos estrogénicos e anti-
estrogénicos em vários órgãos, o que lhes permite diferentes atuações clínicas
específicas.

BEATRIZ BALDAQUE 23
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

- Tamoxifeno: prevenção e tratamento do cancro da mama recetores


estrogénio positivos em pós-menopausa.

- Clomifeno: primeiro modulador seletivo em recetores estrogénicos a


ser estudado e empregado clinicamente para a infertilidade.

- Raloxifeno: prevenção e tratamento da osteoporose na pós-


menopausa e para o cancro da mama recetor estrogénio positivo.

Figura 33 – Tamoxifeno, clomifeno, raloxifeno, respetivamente

Quando já existe resistência ao tamoxifeno, existem dois compostos mais recentes que
podem ser usados como alternativa: o toremifeno e o fulvestrant.
Estes são usados no cancro da mama.

Figura 34 – Toremifeno e fulvestrant

BEATRIZ BALDAQUE 24
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1.2.2.2. Progestagénios

Produção: corpo lúteo e placenta.


Agonistas
 Tratamento do aborto espontâneo e de distúrbios mestruais;
 Agentes anovulatórios (em combinação com estrogénios);
 Anticoncetivos (usados individualmente).
Antagonistas
 Indução do parto (dilatação da cervix);
 Tratamento de tumores hormonodependentes.

A progesterona é o progestagénio endógeno que se


encontra em maior concentração na corrente sanguínea. Figura 35 - Progesterona
A progesterona, a nível de esqueleto carbonado, tem por base o pregnano.
Os progestagénios preparam o útero para a implantação do ovo, fazem a manutenção
da gravidez e impedem a ovulação.

INTERAÇÃO COM O RECETOR

Verifica-se que as principais interações da hormona com o recetor são hidrofóbicas, que
se estabelecem pelas zonas não polares da molécula do esteróide com a proteína do
recetor, e de hidrogénio, resultantes das oxidações em C3 e em C17. O grupo carbonilo
em C3 estabelece interações de hidrogénio com o glutamina e com a arginina,
enquanto que o carbonilo em C17 estabelece interações de hidrogénio com a treonina.
Entre a glutamina e a arginina há uma molécula de água, para que o complexo recetor-
hormona seja estável o suficiente para proporcionar a resposta biológica.
Para que a progesterona consiga ser reconhecida pelo alvo tem que estar na
conformação bioativa, o que neste caso corresponde ao anel A em meia cadeira.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

A ausência do metilo angular C19 em C10 parece, ao contrário do que acontecia com
a potência androgénica, fazer aumentar a atividade progestagénica. A introdução de
um grupo etinilo em C17, por um lado promove um aumento da lipofilia e por outro
protege o carbonilo de C17, pelo que permite a administração por via oral.

BEATRIZ BALDAQUE 25
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 36 – Modificações moleculares

Dentro dos progestagénios podemos ter o derivados do núcleo da progesterona e os


derivados do núcleo da testosterona. No primeiro grupo são de destacar o acetato de
megestro e o acetato de cipreterona que possuem atividade dual progestagénica e
androgénica, o que não é de estranhar considerando a semelhança estrutural entre a
progesterona e a testosterona (possuem uma porção comum – anel A).

 ANTIPROGESTAGÉNIOS
São antagonistas progestagénicos que intervêm na indução do parto (dilatação da
cervix) e no tratamento de tumores hormodependentes.

A mifepristona é um caso bastante conhecido e,


tal como na maioria dos antagonista, há a
introdução de um grupo volumoso, neste caso
aminado e que foi introduzido em C11β.

Figura 37 - Mifepristona

Outros compostos usados como


antiprogestagénicos seguem a mesma
estratégia, o seja, há a introdução de um
grupo volumoso em C11β.

Figura 38 - Antiprogestagénios

BEATRIZ BALDAQUE 26
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1.2.2.3. Anticoncetivos Esteróides

Os anticoncetivos esteróides, ou mais frequentemente designados de “pílula” podem ser


anovulatórios, em que há uma associação de estrogénios e progestagénios, que
impedem a ovulação, ou não anovulatórios (são só progestagénios), que permitem a
ovulação embora sejam anticoncetivos.

 ANOVULATÓRIOS
Este tipo de anticoncetivos foi descoberto por serendipismo, porque se encontrou
uma amostra de progesterona contaminada com mestranol – composto com
atividade estrogénica (nesta altura já estava, a produzir compostos por síntese) - e
verificou-se que havia um fluxo sanguíneo que não era uma verdadeira menstruação,
mas havia também o impedimento da ovulação. Assim, havia a inibição da
ovulação, ou seja, foram criados os anovulatórios. O Enovid foi a primeira pílula
anovulatória mista.

 Mecanismo de Ação da Pílula Anovulatória


Através da pílula há administração de estrogénios e progestagénios (mimetização
da gravidez), o que leva a uma supressão da libertação de hormonas
hipotálamo/hipofisiárias (devido ao aumento da concentração de hormonas),
fazendo com que o ovário deixe de libertar óvulos (efeito anovulatório). A nível
cerebral (central) e a nível ovárico (periférico) vai haver inibição da produção de
FSH/LH. Assim, o estrogénio assegura um período de 28 dias e o progestagénio
inibe a maturação do óvulo e aumenta a viscosidade do muco cervical.

 Pílulas Anovulatórias
Existe uma série de combinações entre estrogénios e progestagénios. Observou-
se que uma adição de estrogénio em baixa dose ao progestagénio em maior
quantidade diminuia os efeitos secundários. O estrogénio mais utilizado é o
Etinilestradiol, uma vez que o grupo etinilo protege o OH em C17 de ser
metabolizado (devido ao impedimento estérico), o que levaria à inativação da
molécula.
Um progestagénio que pode ser usado é a Drospirenona. Esta molécula apresenta
elevadas semelhanças estruturais com a espironolactona. Assim, irá apresentar
um ligeiro efeito diurético, diminuindo a retenção de líquidos e consequente

BEATRIZ BALDAQUE 27
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

inchaço que a maioria das pílulas provoca. Esta pode ser considerada uma
vantagem desta combinação estrogénio/progestagénio.

Figura 39 – Exemplos de combinações


estrogénios/progestagénios

As pílulas podem ser classificadas em monofásicas (ou de combinação), em que


todas as tomas têm a mesma dose de estrogénio+progestagénio, ou multifásicas
(ou sequenciais), em que uma série de tomas contêm apenas estrogénios e as
outras contêm diferentes dosagens de estrogénio+progestagénio conforme a
fase do ciclo menstrual.
A evolução tem sido mais relativamente às doses utilizadas (diminuação brusca
da dose necessária) e aos sistemas pelos quais são aplicados do que em
alterações a nível molecular. Criaram-se, então, alternativas à via oral: sistemas
transdérmicos, anel vaginal, injetável mensal, sistema intra-uterino.

 NÃO ANOVULATÓRIOS
A pílula não anovulatória ou “minipilula” é constituída apenas por progestagénios.
Neste caso a administração é dada em contínuo (28 dias). Um exemplo desta

BEATRIZ BALDAQUE 28
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“minipílula” é o Desogestrel, que é um


progestagénio muito seletivo e com baixa
afinidade androgénica.

Figura 40 - Desogestrel

 Mecanismo de Ação da “Minipílula”


A minipílula não leva à inibição da ovulação, mas provoca um aumento da
viscosidade do muco cervical, alteração dos movimentos das trompas e a
incapacidade do endométrio de nidar o ovo, ou seja, mesmo que ocorra
fecundação o ovo não nida.

 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS COM OS AGENTES ANTICONCECIONAIS


Muitas vezes, podem acontecer interações entre os anticoncetivos e outros fármacos,
devido à não informação por parte do consumidor e ao livre acesso a estes
anticoncetivos. Pode, portanto, haver inibição de agentes anticoncecionais por
outros fármacos e vice-versa.

Diminuição da eficácia do agente anticoncecional:


 Antibioterapia;
 Indutores do sistema enzimático microssomal hepático (aceleração da
metabolização oxidativa das hormonas sexuais).

Agentes anticoncecionais:
 Antagonizam a atividade de anticoagulantes, agentes anti-hipertensores,
anticonvulsivantes e hipoglicemiantes e aumentam o efeito sedativo das
benzodiazepinas.

Estrogénios:
 Potenciam o efeito dos glucocorticóides e diminuem o efeito de agentes
antidepressivos tricíclicos.

BEATRIZ BALDAQUE 29
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

 CONTRACEÇÃO DE EMERGÊNCIA
O progestagénio mais utilizado como contraceção de emergência é o
Levonorgestrel. Também se usam combinações de estrogénio/progestagénio, como
Etinilestradiol/Levonorgestrel. No entanto, estes esquemas podem ter efeitos
secundários, tais como as náuseas e os vómitos, dor abdominal, fadiga, tonturas e
tensão mamária.
Mais recentemente, começou a ser usado o Acetato de
ulipristal, que é um modulador seletivo dos recetores da
progesterona (SPRM), e tem a grande vantagem de ser
eficaz até cinco dias após a relação sexual.

Figura 41 – Acetato de ulipristal

 TERAPÊUTICA HORMONAL DE SUBSTITUIÇÃO (THS)


A terapêutica hormonal de substituição não deve ser designada de terapêutica já
que não corrige nenhuma condição mórbida e também não pode ser considerada
reposição porque não repõe padrões normais.
O que a THS faz é, numa fase da vida do homem e da mulher em que já não há
produção das suas hormonas sexuais, ou seja, na andropausa e na menopausa
respetivamente, administrar uma dose dessas hormonas, de modo a diminuir os efeitos
sintomáticos da menopausa e da andropausa. Esta “terapêutica” é mais usada para
a menopausa.

Figura 42 – Exemplos de THS

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2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Estrogénios conjugados são uma combinação de estrogénios solúveis em água que


funciona como reservatório biologicamente ativo. São obtidos da urina da égua
penha, contendo estrona, estradiol, sulfatos (do metabolismo de fase II) e sulfatos de
estrogénios equinos (equilina e equilenina).

1.2.3. Neuroesteróides

Os neuroesteróides são produzidos localmente no


SNC e que atuam independentemente da
atividade manifestada pelos esteróides produzidos
pelas glândulas endócrinas. São moduladores
alostéricos de recetores para neurotransmissores
(ex: GABAA). Incluem derivados de pregnenolona,
des-hidroepiandrosterona, progesterona,
desoxicorticosterona. Não interagem com os
recetores intracelulares clássicos para esteróides. Figura 43 – Atuação dos neuroesteróides
Ligam-se estereosseletivamente e com alta afinidade ao recetor GABAA.
Nos neuroesteóides, o OH e a estereoquímica não são essenciais ao seu mecanismo de
ação.

A DHEA é considerada uma pro-hormona, já que é a


matéria-prima de imensos neuroesteróides. Esta é
produzida em vários locais do nosso organismo.

Figura 44 - DHEA

Neuroesteróides sintéticos: mimetizam os


neuroesteróides naturais.

Figura 45 – Alfaxalona e ganaxolona

BEATRIZ BALDAQUE 31
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CAPÍTULO 2 – ANTIBACTERIANOS

A terapêutica farmacológica divide-se em dois grandes grupos: a quimioterapia e a


farmacoterapia. A farmacoterapia corresponde aos fármacos que atuam para modular
uma deficiência ou uma alteração a nível metabólico no organismo (Química
Farmacêutica I). A quimioterapia corresponde aos fármacos usados, não a nível do nosso
organismo, mas para combater organismos estranhos e células aberrantes. Nesta
unidade curricular iremos dar destaque aos quimioterápicos, mais em concreto aos
antibacterianos, antivíricos e anticancerígenos.
Quer na farmacoterapia quer na quimioterapia, normalmente, o objetivo é comum: atuar
num determinado alvo (enzima, recetor, canal, etc.), porque na maioria das patologias
o que nós temos é o excesso de um metabolito, uma infeção por organismos estranhos
ou o crescimento de células aberrantes, e para que isso se normalize é necessário
modular um conjunto de enzimas, para haver uma melhoria do estado de saúde. Na
quimioterapia em concreto, o fármaco tem de atuar matando ou inibindo o crescimento
do microrganismo, não afetando o hospedeiro, pelo que devem ser exploradas as
diferenças entre o microrganismo invasor e o hospedeiro, que podem ser de natureza
qualitativa (e podem ser bastantes díspares ou não) ou cinéticas.
O microrganismo invasor pode ter enzimas únicas (situação ideal, uma vez que essas
enzimas não existem no hospedeiro), enzimas compartilhadas (maioria das situações, no
entanto, quando isto acontece, a enzima pode ter diferentes funções num e noutro e ser
vital para um e não vital para outro) ou propriedades farmacológicas diferentes. O
agente quimioterápico ideal é, por isso, aquele que apresenta toxicidade seletiva para
o parasita mas é inócuo para o hospedeiro.
Dos conceitos de cida e stático é importante reter que: cida significa que mata o agente
invasor e stático que inibe o crescimento do agente invasor. O efeito cida/stático pode
estar inerente ao fármaco mas também pode depender de fatores externos, tais como
a concentração do fármaco, a temperatura, o pH, a espécie do organismo estranho ou
a fase de crescimento desse organismo. As reações adversas podem ser alérgicas,
biológicas ou tóxicas e o espetro de ação pode ser largo ou estreito.
Em quimioterapia fala-se também muito de resistências, uma vez que há um rápido
desenvolvimento/aquisição desta ou, por vezes, pode mesmo ser intrínseca. A maioria
dos mecanismos de resistência são específicos para um dado grupo. Um dos mais
comuns é a alteração do efluxo (ou “uptake”) do fármaco.

BEATRIZ BALDAQUE 32
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Outro conceito que está muito intrínseco à quimioterapia é o de terapêuticas de


combinação, no qual se gera um efeito sinérgico (ocorre quando a adição dos dois
fármacos tem um efeito superior à soma dos dois efeitos individualmente).

2.1. SULFAMIDAS

Atualmente, as sulfamidas têm muito baixa relevância clínica. Tiveram uma importância
histórica gigante e a sua química é muito relevante, no entanto, em termos de expressão
farmacológica estão limitadas.

PERSPETIVA HISTÓRICA

Naquela altua, as infeções eram uma grande causa de morte, que dizimavam
populações. A revolução industrial trouxe química orgânica e química dos corantes,
houve uma grande exploração destas áreas. Paul Ehrlich começou a estudar corantes
que fixavam particularmente uma determinada parte do organismo e não a célula.
Então pensou “se houver um corante que é seletivo para este organismo invasor e no
entanto não danifica a célula e é tóxico para este organismo invasor, vamos ter um
quimioterápico”. Surge, então, o conceito de quimioterápico como algo que é seletivo
para o agente invasor. O 1º que surge é o vermelho de triptano (azocomposto), que na
altura não tinha eficácia clínica, isto é, ele era seletivo mas também era muito pouco
tóxico. Então, a sua ideia foi juntar o arsénio (na altura já se usavam composto arsenicais
com toxicidade) ao vermelho de triptano, e deu então origem ao 1º quimioterápico,
designado de Salvarsan, que na
altura era eficaz contra a sífilis. Em
1935, ao realizar síntese de corantes
para aplicar como antibacterianos,
é descoberto o Prontosil, que foi
muito importante porque tinha Figura 46 - Prontosil
atividade contra Streptococcus. Até 1948 surge o “boom” das sulfamidas: estavam
introduzidas no mercado 4500 novas sulfamidas com atividade antibacteriana. A síntese
foi em grande escala por ser bastante simples.

(NOTA: azocomposto são aqueles corantes que foram primerio sintetizados)

BEATRIZ BALDAQUE 33
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Verificou-se mais tarde que o


composto não tinha atividade
in vitro, apenas in vivo, o que
significa que o Prontosil rubro
sofria uma metabolização por
azorredutases e originava a
sulfanilamida (fármaco ativo).
Surge então o primeiro pró-
fármaco quimioterápico, não
Figura 47 – Metabolização do Prontosil rubro
por drug design.

SULFAMIDA

Figura 48 - Sulfamida

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Após uma grande descoberta é necessário “procurar” análogos, através de


modificações. Estas modificações moleculares tinham como objetivo melhorar as
propriedades farmacocinéticas, aumentar a atividade, diminuir a toxicidade, alargar o
espetro de ação e conferir maior especificidade à molécula.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

É essencial ter o grupo amino do anel aromático numa posição para em relação ao
grupo sulfonamida. Este grupo amino pode ser substituído desde que seja reversível, isto
é, desde que haja metabolização
in vivo (pró-fármaco).
Relativamente ao grupo
sulfonamida, ela deve ser
primária ou secundária, ou seja,
só pode haver uma substituição Figura 49 – Relação estrutura - atividade

BEATRIZ BALDAQUE 34
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

em R2. Este substituinte, que pode ser um heterociclo ou um aromático, influencia,


principalmente, propriedades farmacocinéticas (ligação a proteínas plasmáticas, tempo
de semi-vida, solubilidade).

Em função dos substituintes e do tempo de semi-vida, dividimos as sulfamidas em três


grandes classes. A 1ª classe são as de rápida ação e possuem em R2 um anel aromático
heterociclo. São rapidamente absorvidas e eliminadas, porque se ligam pouco às
proteínas plasmáticas. A 2ª classe são as de longa duração e distinguem-se da classe
anterior, já que o anel aromático em R2 teve a introdução de grupos lipofílicos, o que
aumenta a ligação às proteínas plasmáticas e, consequentemente o tempo de semi-
vida. Estes fármacos têm pouca expressão, foram sendo substituídos por antibióticos,
porque apresentavam alguma toxicidade (relacionado com o facto de serem pouco
solúveis e cristalizarem a nível renal  toxicidade renal). A 3ª classe corresponde aos pró-
fármacos e o que influencia não é o R2, mas a substituição do grupo amina para
aromático (R1). Temos, portanto, grupos que sofrem hidrólise e são libertados. Estes últimos
são mais utilizados para infeções do trato gastro-intestinal, já que são pouco absorvidos.
Porquê? Porque o R1 vai ser muito polar, logo, será pouco absorvido.

METABOLIZAÇÃO DAS SULFONAMIDAS

As sulfonamidas sofrem acetilação em R2. Este acetilado, especificamente o sulfatiazol,


vai ser altamente insolúvel em água e, a nível renal, como não ioniza, forma cristais,
gerando o bloqueio dos túbulos renais e toxicidade. O sulfatiazol não é, então, usado na
terapêutica, devido à sua toxicidade, e foi substituído pela sulfadiazina. Esta última, ao
contrário do sulfatiazol, tem um anel que é básico (piperidina), que leva a que, quando
há acetilação, a amina secundária
(que está depois do anel piperidínico)
é ionizada, isto é, perde o protão (que
é mais acídico devido ao anel
básico). A sulfadiazina vai ser
encontrada nesta forma ionizada, ou
seja, vai ser solúvel em água e,
portanto, gera maior solubilidade e
menor toxicidade. Figura 50 – Sulfatiazol e Sulfadiazina

BEATRIZ BALDAQUE 35
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

MECANISMO DE AÇÃO

Como é que as sulfamidas são seletivas para a bactéria e não são tóxicas para o
hospedeiro? As sulfamidas possuem propriedades bacteriostáticas, isto é, impedem o
crescimento das bactérias (elas atuam inibindo a formação dos ácidos folínicos). É a
partir deste ciclo (dos folatos) que se introduz uma unidade metilénica nas bases que são
constituintes do DNA e do RNA. Por isso, são necessários os co-fatores, como o ácido tetra-
hidrofólico (FAH4), que é o precursor dessas unidades metilénicas para as bases dos DNA
e RNA. Estes precursores provêm da dieta através do ácido fólico. No entanto, as
bactérias, vão buscar este FAH4 aos precursores da guanosina, porque têm uma enzima
que o hospedeiro não possui – di-hidropteroato sintetase – e a partir do ácido p-
aminobenzóico (PABA) sintetizam o ácido di-hidropteridóico, que é um precursor dos
ácidos folínicos. Ou seja, a via metabólica é distinta  seletividade. Quando essa enzima
é inibida, as bactérias poderiam ir “buscar” o ácido fólico ao hospedeiro, mas isso não
acontece, pois o ácido fólico é transportado no hospedeiro por carregadores
específicos.
Em suma, os fármacos (sulfamidas) inibem a di-hidropteroato sintetase (inibidor
competitivo), que só existe nas bactérias, e, assim, não é possível atingir o precursor tetra-
hidrofolato (FAH4), que é essencial para a síntese das bases púricas e pirimidínicas, pelo
que as bactérias não crescem.

BACTÉRIA

HOMEM

Figura 51 – Mecanismo de ação das sulfamidas

BEATRIZ BALDAQUE 36
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Portanto, o que contribui para esta toxicidade seletiva é a enzima que as bactérias têm
que não está presente no hospedeiro e a falta do carregador específico do ácido fólico
nas bactérias  diferenças qualitativas.
A maioria dos fármacos que atuam inibindo um metabolito (algo que é gerado por
reação enzimática) e que mimetizam e são
análogos estruturais do metabolito designam-se de
antimetabolitos.
As sulfonamidas são análogos estruturais do PABA,
apresentando não só similaridades estruturais como
também eletrónicas, pelo que as sulfonamidas são
antimetabolitos clássicos. Ou seja, as sulfamidas
bloqueiam a enzima porque mimetizam a interação
com o subtrato PABA. Figura 52 – PABA e sulfonamida

INTERAÇÕES COM O RECETOR

As interações estabelecidas com o


recetor são de hidrogénio (na amina),
iónicas (grupo sulfato) e de
transferência de carga (anel).
Figura 53 – Interação com o recetor

RESISTÊNCIAS

As resistências ocorrem quando a produção de PABA aumenta (1), o qual vai competir
pelo local ativo de ligação ao substrato com as sulfonamidas. Também podem ocorrer
resistências quando se verificam mutações que modificam a di-hidropteroato sintetase
(2), retirando-lhe a afinidade para as sulfonamidas, ou quando a permeabilidade
membranar para as sulfonamidas diminui (3), impedindo a sua passagem. Por este
motivo, é comum usar-se uma combinação de sulfametoxazol e trimetoprim (ou co-
trimoxazole ou Bactrim®). O trimetoprim vai bloquear uma etapa diferente, minimizando
a ocorrência de resistências: bloqueia a di-hidrofolato redutase que converte o ácido di-
hidrofólico (FAH2) em ácido tetra-hidrofólico (FAH4). Esta enzima está presente tanto nas
bactérias como no hospedeiro, no entanto, o co-trimoxazole reconhece e inibe a enzima
nas bactérias mais fortemente. Isto é um exemplo de bloqueio sequencial (sinergismo).

BEATRIZ BALDAQUE 37
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA E EFEITOS ADVERSOS

As sulfonamidas são utilizadas para infeções urinárias, oculares, das mucosas e intestinais.
No entanto, não são utilizados em situações muito graves, pois possuem efeitos adversos
bastante sérios (cristalúria, reações hematológicas e de hipersensibilidade, náuseas,
vómitos, diarreia, diurese, etc.) e têm uma eficácia bastante reduzida,
comparativamente com os antibióticos, mas ainda têm o seu lugar na terapêutica. Com
a observação clínica dos resultados das sulfonamidas, houve uma otimização seletiva
dos efeitos secundários (SOSA). Como se verificou que um dos efeitos secundários era
convulsões por hipoglicemia, realizaram algumas modificações moleculares que deram
origem às sulfamidas hipoglicemiantes. Outro dos efeitos secundários observados era a
diurese e a alcalinidade da urina, pelo que surgiram também as sulfamidas diuréticas por
modificações moleculares.

Figura 54 – Sulfamidas como fármacos

BEATRIZ BALDAQUE 38
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

2.2. ANTIBIÓTICOS

Antibióticos são compostos químicos específicos, derivados de organismos vivos ou


produzidos por eles, bem como análogos estruturais obtidos por síntese, capazes de inibir,
em baixas concentrações, processos vitais de outros microrganismos. Inicialmente foram
sintetizadas as sulfamidas e só mais tarde se introduziram os antibióticos. Os primeiros que
surgiram foram as penicilinas (anos 40). Os antibióticos podem ser classificados quanto à
sua química ou ao seu mecanismo de ação. No entanto este capítulo divide-os quanto
à sua química (β-lactâmicos clássicos e não clássicos, glicopeptídeos, aminoglicosídeos,
tetraciclinas, macrólidos, cloranfenicol, quinolonas e oxazolidinonas). Os mecanismos de
ação destes compostos são variados, ou seja, os alvos são múltiplos.

2.2.1. β – Lactâmicos Clássicos

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese da parede celular das


bactérias.

2.2.1.1. Penicilinas

A penicilina entrou para a terapêutica como produto de semissíntese e de isolamento e


atualmente ainda é sintetizada. As primeiras penicilinas a serem isoladas foram a F, G
(benzilpenicilina), X, K e V. Normalmente, toda a
atividade das penicilinas são relativas à penicilina G.
Também nessa altura, foi isolado o ácido 6-
aminopenicilâmico, também designado de 6-APA,
que tinha uma fraca atividades antibacteriana. No
entanto, este ácido tem uma enorme importância
pois veio a ser o precursor de inúmeras penicilinas de
semissíntese. Figura 55 – 6-APA

Figura 56 – Origem das penicilinas

BEATRIZ BALDAQUE 39
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Pensa-se que as penicilinas resultem da biossíntese de dois aminoácidos: a cisteína e a


valina. Assim, as penicilinas vão ser moléculas polares,
ou seja, com dificuldade em permear. No entanto, o
facto de terem esta estrutura faz com que se pense
que “aproveitam” o transporte dos aminoácidos e daí
alguma facilidade para serem absorvidas. As
penicilinas apresentam, como está representado na Figura 57 – Numeração das penicilinas
Figura 56, um anel β-lactama e um núcleo tiazolidina, formando um penamo, que é o
núcleo principal das penicilinas. A substituição mais simples deste núcleo origina o ácido
penicilânico. A nomenclatura destes compostos não é dada pelo nome IUPAC, mas sim
pelo nome vulgar. É comum usar o ácido penicilânico e a partir dele referimos todas as
substituições, por exemplo na posição 6 as alquilpenicilinas. Quimicamente, as penicilinas
possuem características físico-químicas e de atividade muito particulares, de realçar o
anel β-lactama, o anel tiazolidina, a cadeia lateral em C6 (que todas possuem, exceto o
ácido penicilânico) e a estereoquímica cis dos
hidrogénios (5R, 6R), que é essencial para a atividade.
Em termos de tridimensionalidade, a penicilina é como
se fosse um livro, isto é, possui um anel de 117º, pelo que
apresenta uma grande tensão anelar conferida pelo
anel β-lactâmico (também é importante para a
atividade), ou seja, a ligação entre C5 e C6 é não
coplanar. As modificações moleculares que têm vindo a Figura 58 – Tensão anelar
ser realizadas foram desplotadas por essa tensão anelar.

Efetivamente, esta é uma estrutura muito instável, porque o carbonilo do anel β-


lactâmico é muito suscetível a ataque por um nucleófilo. Mas ao contrário de uma amida
“normal”, esta é muito eletrofílica. Porquê? Porque numa amida que não esteja restrita
num ciclo podemos ter a possibilidade de ressonância, havendo estabilização da
estrutura e, neste caso, o facto de existir aquele ângulo e a tensão anelar, não permite a
partilha do par de eletrões do nitrogénio, impedindo que se forme a estrutura de
ressonância. Isto traz consequências: um composto com esta reatividade, em meio
ligeiramente ácido ou ligeiramente básico, vai ser suscetível a ataque por substâncias
nucleofílicas. Por exemplo, a água, em meio ácido, hidrolisa o anel β-lactâmico (abertura
do anel), ou seja, há hidrólise mesmo com um nucleófilo tão fraco como é a água.

BEATRIZ BALDAQUE 40
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

A abertura do
anel causa
inatividade do
composto
como
antibiótico.
Figura 59 – Hidrólise do anel β-lactâmico pela água em meio ácido

No entanto, também a presença de um grupo acilamino (na posição 6) prejudica a


estabilidade das penicilinas. Esta cadeia lateral é também um nucleófilo, ou seja, a
própria cadeia lateral acilamino vai atacar o carbono eletrofílico da lactama. Como
ocorre? Há o ataque do carbonilo (da cadeia acilamino) ao carbono eletrofílico da
lactama, levando à formação de outro
anel. Se o meio for ácido, há o ataque e
a abertura do anel β-lactâmico e, depois,
por desprotonação ocorre um rearranjo e
podemos ter dois tipos de compostos: os
ácidos penicilínicos e os ácidos
penicilénicos, ambos inativos.
Em meio ácido forma-se essencialmente
Figura 60 – Influência da cadeia acilamino
o ácido penílico e em meio básico forma-
se principalmente o ácido penicilóico (produtos de degradação das penicilinas). Em
meio ácido pode formar-se também a penicilamina, que pode ser usada para a artrite
reumatóide e como quelante.
In vivo, ocorre exatamente este mecanismo, ou seja, as penicilinas não tinham atividade
oral, dado que eram degradas a nível estomacal (meio ácido). Na presença de
transpeptidases (alvo destes compostos), de β-lactamases (não são o alvo destes
compostos) ou de uma cadeia lateral acilamino em C6, ocorre degradação (em meio
básico) no nosso organismo.

SÍNTESE DO 6-APA

O 6-APA pode ser obtido a partir da benzilpenicilina por fermentação (via enzimática).
Isto tem limitações: além do baixo rendimento da reação, os elevados tempos de
fermentação, por isso existe outra via de obtenção do 6-APA a partir da benzilpenicilina.

BEATRIZ BALDAQUE 41
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Esta via (por síntese


química) tem também
uma limitação: como tem
de se hidrolisar a cadeia
lateral acilamino, qualquer
hidrólise vai provocar
também a hidrólise do anel
β-lactâmico.
Para contornar este
problema, deve proteger- Figura 61 – Síntese do 6-APA
se por esterificação o ácido carboxílico e, como só queremos hidrolisar a cadeia lateral
acilamino, deve ser aumentada a reatividade desse grupo acilamino. Para isso realiza-se
uma cloração, formando-se uma imina, depois é metilada essa imina, ficando o grupo
acilamino muito mais suscetível a hidrólise do que o β-lactamo. No final, há uma
“desproteção” do ácido carboxílico por hidrólise.
Com a possibilidade de síntetizar o 6-APA, foi possível, também por fermentação na
presença de ácidos ou por via química, obter várias penicilinas, como a ampicilina.

 Vantagens da obtenção do 6-APA por síntese química:


- Eliminação da manipulação com microrganismos;
- Redução da duração do processo de obtenção;
- Aumento do rendimento.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

Tanto a estereoquímica do anel como o próprio anel β-lactâmico são essenciais para a
atividade, pelo que não devem sofrem modificações moleculares. No sistema biciclo
(dois anéis), quanto maior a tensão, maior vai ser a atividade mas também maior vai ser
a instabilidade/reatividade. Quanto ao ácido carboxílico em C3, deve estar livre na
forma ativa, porque é nesta forma ionizada que interage com o local ativo, no entanto,
iremos ver muitos pró-fármacos nesta zona. A cadeia lateral acilamino também é
essencial para a atividade destes compostos, não devendo sofrer modificações
moleculares, no entanto, as variações vão existir no R desta cadeia.

BEATRIZ BALDAQUE 42
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

O que impulsionou estas modificações moleculares para a obtenção de análogos foi a


existência de alguns “problemas”: pretendia-se diversificar a via de administração
(inicialmente só eram injetáveis, devido ao pH gástrico), melhorar as propriedades
farmacocinéticas, aumentar a resistência a pH gástrico (relacionado com a via de
administração), aumentar a resistência às β-lactamases (porque na década de 60 surgiu
um mecanismo de resistência às penicilinas devido ao uso exagerado de penicilina G,
existia cerca de 80% de resistência a penicilinas) e alargar o espetro de ação (porque as
primeiras penicilinas tinham apenas ação contra gram positivo). Por isso, e tendo em
conta a relação estrutura-atividade, as modificações moleculares que se realizaram
foram essencialmente ao nível do ácido carboxílico, mas de maneira a que na forma
ativa pudesse atuar no recetor, e ao nível do substituinte R da cadeia acilamino (houve
introdução de: grupos volumosos, que por impedimento estérico promoveram a
resistência às enzimas β-lactamases; grupos eletrofílicos, que aumentaram a estabilidade
pH, pois foi reduzida a nucleofilicidade da cadeia lateral e portanto impedido o ataque
ao anel por essa cadeia; grupos hidrofílicos, que possibilitou o aumento do espetro de
ação, dado que permitiu o permeio através dos canais porina, que também são
hidrofílicos, das bactérias gram negativo).

 PENICILINAS DE ADMINISTRAÇÃO ORAL


A “lógica” desta modificação molecular foi a introdução de um grupo eletrofílico,
retirador de eletrões, que diminui a nucleofilicidade do carbonilo (da cadeia lateral
acilamino) e, consequentemente, impede o seu ataque ao anel β-lactama.
Normalmente, um oxigénio, retirador de
eletrões, entre a cadeia benzil é o
suficiente para resolver esta resistência a
pH gástrico.
Figura 62 - Fenoximetilpenicilina

Também pode ser introduzido


no Cα da cadeia acilamino um
retirador de eletrões (NH2, Cl,
PhOCONH ou um heterociclo).
Figura 63

BEATRIZ BALDAQUE 43
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

 PENICILINAS RESISTENTES ÀS β-LACTAMASES


Esta modificação molecular consistiu na introdução de um grupo volumoso na
cadeia acilamino, que, por impedimento estérico, não dificulta o acesso das β-
lactamases, mas tem no entanto limitações, como uma maior dificuldade de
acesso/interação com o recetor (PBP - penicillin binding proteins). Atualmente a
espécies já são resistentes à meticilina (MRSA). É muito utilizada como padrão para
avaliar as resistências.

Figura 64 - Meticilina Figura 65 - Nafcilina

 PENICILINAS RESISTENTES ÀS β-LACTAMASES E AO pH ÁCIDO


A estratégia para criar estas penicilinas é introduzir simultaneamente um grupo que
seja volumoso e eletrofílico. O grupo isoxazolilo foi um que se verificou ser bastante
adequado para o efeito pretendido. Reparou-se também que se substituíssemos o R1
e o R2 por halogénios havia uma
alteração das propriedades
farmacocinéticas da molécula
(aumento da biodisponibilidade dos
fármacos). Estes compostos são muito
usados contra infeções de S. aureus.

Figura 66

 PENICILINAS DE LARGO ESPETRO DE AÇÃO


As primeiras penicilinas tinham outra limitação que era serem apenas ativas para
bactérias de gram positivo (estreito espetro de ação). No entanto, verificou-se que a
penicilina N (penicilina natural, isolada de um fungo) tinha uma atividade para
bactérias gram negativo superior às restantes penicilinas. O mesmo acontecia com a
penicilina T. Reparou-se que na cadeia lateral possuiam um grupo carbonilo, mas
também um grupo amina (que in vivo iria ionizar e ser hidrofílico). Ou seja, para termos

BEATRIZ BALDAQUE 44
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

uma penicilina de largo espetro é necessário introduzir um grupo hidrofílico. Se o grupo


hidrofílico está em α relativamente ao carbonilo, há um aumento da atividade para
bactérias gram negativo. Percebeu-se também
que quando se aumentava a atividade gram
negativo diminuia-se a atividade gram positiva
e vice-versa.

Figura 67 – Penicilina N e Penicilina T, respetivamente

Dentro das penicilinas de largo espetro temos 3 classes:

 Aminopenicilinas

A ampicilina e a amoxicilina são exemplos de aminopenicilinas.


A ampicilina é resistente a pH gástrico, dado que possui um grupo eletrofílico (NH2)
no carbono α da cadeia lateral acilamino, é não resistente às β-lactamases (pelo
que é administrada com um inibidor das β-lactamases – ácido clavulânico),
porque não apresenta um grupo volumoso (daquele exemplos que vimos
anteriormente) no substituinte da cadeia
lateral, e é de largo espetro, pois possui um
grupo hidrofílico (NH2) no carbono α da
cadeia lateral acilamino. No entanto,
apresenta baixa biodisponibilidade oral.
Este composto não é muito utilizado, uma
vez que é suscetível a ataque por β-
Figura 68 – Ampicilina e amoxicilina lactamases.
Para melhorar a biodisponibilidade oral, veio a amoxicilina (grande aplicação
terapêutica, porque não são tóxicos), que apresenta todas as características
anteriormente descritas para a ampicilina, mas possui um OH, no anel aromático,
que confere esta melhoria da biodisponibilidade oral. Apesar desta melhoria,
apresentava uma fraca absorção a nível intestinal, por ser um composto muito
polar, pelo que se desenvolveram pró-fármacos. Os pró-fármacos criados (da
ampicilina) são classificados como pró-fármacos com carregador tripartido
(porque o éster não está diretamente ligado ao ácido carboxílico). O pró-

BEATRIZ BALDAQUE 45
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

fármaco das penicilinas tem de ser tripartido,


porque se o éster fosse ligado diretamente, o
anel β-lactâmico causava impedimento
estérico, impossibilitando a ação das esterases in
vivo.

Figura 69 – Alguns pró-fármacos


Figura 70 – Hidrólise de pró-fármacos in vivo
da ampicilina

O objetivo da criação destes pró-fármacos foi aumentar a lipofilia, o que levou a


uma melhoria da absorção oral. Outra estratégia passava por criar um pró-
fármaco em que o carregador fosse um aminoácido. Porquê? Porque a molécula
iria aproveitar os carregadores de aminoácidos que existem na barreira intestinal
e atravessaria essa barreira por via destes carregadores por transporte ativo. No
entanto, esta estratégia é “académica” e não está na terapêutica.

 Carboxipenicilinas

Nas carboxipenicilinas, em vez de um grupo α-


amino há um grupo α-carboxílico, que é ionizável,
pelo que possuirão largo espetro de ação. As
carboxipenicilinas são resistentes a pH gástrico,
porque o grupo carboxílico é eletrofílico, e são
Figura 71 - Carboxipenicilinas não resistentes às β-lactamases, porque, mais
uma vez, não possuem um grupo volumoso, pelo que são administradas
conjuntamente com um inibidor das β-lactamases (ácido clavulânico). O centro
estereogénico é essencial para a atividade, a configuração tem de ser aquela.
Surge, então, a ticarcilina por isosterismo anelar (modificação molecular). Estes
compostos não estão na terapêutica em Portugal, porque apresentam alguma
toxicidades e foram ultrapassados pelas fluoroquinolonas.
Quando a substituição no grupo carboxílico é um fenil, por exemplo, vai funcionar
como pró-fármaco, porque vai ocorrer hidrólise, são usados ésteres arílicos para
facilitar esta hidrólise.

BEATRIZ BALDAQUE 46
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 72 - Ticarcilina Figura 73 – Pró-fármacos das carboxipenicilinas

 Ureídopenicilinas

Estas penicilinas possuem um substituinte ureído (=ureia) em α relativamente ao


carboxilo, que poderá ter diferentes substituintes (heterociclos). Estas
ureídopenicilinas são muito utilizadas na terapêutica porque são mais ativas do
que as carboxipenicilinas contra Streptococcus e Haemophillus. A piperacilina é
a mais comum em Portugal. No
entanto, a sua conjugação
com o tazobactam traz
vantagens, uma vez que este é
um fármaco sentinela, ou seja,
vai bloquear o transporte e
eliminação destes antibióticos a
nível renal, o que diminui a
clearance e favorece a sua Figura 74 - Ureídopenicilinas
biodisponibilidade.

Podemos ainda ter modificações moleculares no carboxilo em C3, formando sais ou


ésteres (pró-fármacos), tal como já tinha sido referido anteriormente.
A estratégia mais utilizada é a formação de sais. Quando o fármaco é um ácido, a
administração é feita em forma de sal. Se o sal for formado com uma base inorgânica
(sódica e potássica), a molécula irá ser rapidamente absorvida, porque o sal é dissociado
muito rapidamente in vivo; se o sal for formado com uma base orgânica (procaína e
benzatína: como são anestésicos vão ajudar a combater a dor na injeção) vai haver uma
limitação da solubilidade, pelo que a dissociação vai ser mais lenta e vão ser formadas
as formas “depôt” ou latenciação.
A utilização de ésteres dá origem a pró-fármacos que in vivo irão sofrer a ação das
esterases.

BEATRIZ BALDAQUE 47
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 75 – Sais de bases orgânicas

EFEITOS LATERAIS

- Reações alérgicas (reações anafiláticas graves);


- Reações de hipersenibilidade cutânea;
- Toxicidade hepática e renal;
- Perturbações gastro-intestinais.

CONCLUSÃO: As penicilinas, por terem largo espetro de ação, são, para infeções a nível
do trato respiratório superior, fármacos de eleição, mas a sua administração, por ser na
maioria das vezes injetável, faz com que não seja muitas vezes a primeira escolha de
tratamento.

2.2.1.2. Cefalosporinas

As cefalosporinas foram isoladas de um fungo, Cephalosporium acremonium. Percebeu-


se até que a Cefalosporina P1 era esteroídica e não possuia atividade antibacteriana.
Mais tarde, isolou-se e estudou-se a Cefalosporina N, que veio a ser designada de
Penicilina N por causa da sua estrutura. Por fim, foi isolada a Cefalosporina C, que tinha
atividade antibacteriana, tal como a N, mas possuia um anel 2,2-di-hidrotiazina em vez
do anel tiazolidina, pelo que foi considerado o composto líder das cefalosporinas.
As cefalosporinas apresentam, como está representado na Figura 76, um anel β-lactama
e um núcleo 2,2-di-hidrotiazina, formando um cefamo, que é o núcleo principal das
cefalosporinas. A substituição mais simples deste núcleo origina o ácido cefalosporânico.

BEATRIZ BALDAQUE 48
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 76 – Origem das cefalosporinas

Foi também isolado o ácido 7-aminocefalosporânico,


designado por 7-ACA, que veio a ser o precursor de
inúmeras cefalosporinas.
Figura 77 – 7-ACA

Devido à cadeia lateral que as cefalosporinas apresentam (ácido aminoadípico), estes


compostos irão apresentar uma maior atividade para gram negativo do que as
penicilinas. Além disso, vão ser mais resistentes a β-lactamases e ao pH gástrico. Uma
grande vantagem das cefalosporinas relativamente às penicilinas é a diminuição de um
efeito lateral: as reações alérgicas.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

Cadeia acilamino
Anel di-hidrotiazina

Cadeia acetoximetilo

Anel β-lactama

Verifica-se que apresentam uma estereoquímica cis (6R, 7R) essencial para a atividade,
assim como o ácido carboxílico, o sistema de anéis e a cadeia acetoximetilo. O facto de
o anel tiazina ser di-hidrotiazina diminui a reatividade e a tensão do anel. Os pontos de
modificações moleculares serão o substituinte da cadeia acilamino (tal como nas
penicilinas), mas também a cadeia acetoximetilo e o H em C7.

BEATRIZ BALDAQUE 49
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Uma limitação das cefalosporinas


relativamente às penicilinas era que,
enquanto que inicialmente para as
penicilinas foi possível sintetizar o 6-APA a
partir da benzilpenicilina, no caso do 7-ACA
não foi possível, isto é, não era possível obter
o 7-ACA por fermentação da cefalosporina
C. Por isso, apenas quando surge a hidrólise Figura 78

química é possível sintetizar cefalosporinas a partir do 7-ACA.

REAÇÕES DE INATIVAÇÃO E OBTENÇÃO DO 7-ACA

O mecanismo é idêntico ao das


penicilinas: em meio ácido ocorre a
hidrólise da cadeia lateral acilamino e
do anel β-lactama, obtendo-se
conjuntos de derivados que poderão
sofrer lactonização (relacionado com o
anel tiazina de 6 lados). No entanto,
todos estes produtos são inativos. Assim,
Figura 79 – Reações de inativação as modificações moleculares tiveram o
mesmo objetivo que nas penicilinas: aumentar a estabilidade a pH gástrico, aumentar a
resistência a β-lactamases e alargar o espetro de ação. Tal como nas penicilinas mantêm-
se a dificuldade de hidrolisar a cadeia acilamino para obter o 7-ACA sem danificar e
hidrolisar o anel β-lactâmico. O que se faz é converter o grupo amino num iminoéter, que
irá ser mais susceptível a hidrólise em condições suaves, obtendo-se o 7-ACA e a partir
dele todas as outras cefalosporinas.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

 SUBSTITUIÇÕES EM C3
Se o substituinte for um carbamoiloximetilo, há um aumento da estabilidade
metabólica e um aumento dos níveis séricos. Se o substituinte for um grupo metilo, há
também um aumento da estabilidade metabólica e um aumento da absorção oral.

BEATRIZ BALDAQUE 50
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Se o substituinte for um piridínio, o facto de ser um zweterião, permitiu que houvesse


uma maior solubilidade em água, uma maior estabilidade metabólica, uma menor
ligação às proteínas plasmáticas e uma menor absorção a nível intestinal. Se o
substituinte for um S-nucleófilo, que é muito comum, haverá uma maior duração de
ação (maior tempo de semi-vida). O exemplo do metilo e do piridínio já vimos no caso
da 1ª geração.

 SUBSTITUIÇÃO EM C7 DA CADEIA LATERAL


Se o substituinte for um fenilglicilo, devido à amina, há maior absorção oral e também
maior resistência ao pH ácido. Se o substituinte for um iminometoxilo (ocorre nas
cefalosporinas de 3ª e 4ª gerações) há maior estabilidade a alguma enzimas β-
lactamases.

 SUBSTITUIÇÃO EM C7α

Se houver um substituinte metoxilo nesta posição, verifica-se que há uma maior


resistência a algumas enzimas β-lactamases, devido ao impedimento estérico
causado.

 CEFALOSPORINAS DE 1ª GERAÇÃO
A primeira cefalosporina a ser introduzida no mercado foi a Cefalotina, apesar de já não
existir na terapêutica. A modificação molecular relativamente às cefalosporinas naturais
foi a alteração do grupo acilamino para um grupo retirador de eletrões. No entanto, este
composto tem uma limitação que é ter baixa biodisponibilidade e uma atividade
diminuída devido ao grupo
acetoximetilo ser facilmente
hidrolisado (esterases). A estratégia
passou por colocar na posição 3 um
grupo com características de
abandonador mas que fosse estável
a esterases (piridínio), dando origem
à Cefaloridina. Outra estratégia foi
Figura 80 – Cefalosporinas de 1ªgeração colocar o metilo, no entanto, este
prejudicava a atividade pois não é um grupo abandonador mas favorecia bastante a
administração oral (Cefalexina). Estas cefalosporinas descritas formam a classe das

BEATRIZ BALDAQUE 51
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Cefalosporinas de 1ª Geração. Também a Cefazolina faz parte desta classe e é


recomendada para uso profilático. Neste composto, houve uma substituição em C3 por
um S-nucleófilo, originando uma maior duração de ação e, consequentemente, uma
maior estabilidade metabólica.

 CEFALOSPORINAS DE 2ª GERAÇÃO (Cefamicinas)


A presença do grupo ureído em C3 permitiu aumentar a estabilidade metabólica às
esterases. Outra modificação foi a introdução do grupo metoxilo na posição 7 que, por
impedimento estérico, favoreceu o aumento da resistência às β-lactamases.
(NOTA: Esta modificação em C7 nas penicilinas
faz com que o composto seja inativo, o que não
acontece nas cefalosporinas).
Um exemplo é a Cefoxitina.
Esta classe é considerada de largo espetro, com
ação para gram negativo e positivo.
Figura 81 – Cefalosporinas de 2ª geração

 CEFALOSPORINAS DE 3ª GERAÇÃO (oximinocefalosporinas)


Nesta geração houve a substituição em C7 por um grupo oximino, o que aumentou
significativamente a resistência a β-lactamases.
Esta classes também mostrou ter uma grande
atividade para gram negativo, devido ao anel
aminotiazol que aumentou a facilidade de
penetração destas cefalosporinas na
membrana externa das bactérias gram Figura 82 – Cefalosporinas de 3ª geração
negativo. Um exemplo é a Ceftriaxona, que é muito polar. Estes compostos são mais
usados a nível hospitalar.

 CEFALOSPORINAS DE 4ª GERAÇÃO
Na Cefepima houve a introduçaõ de um grupo hidrófilo na posição 3, além do grupo
oxima em C7 que já tinha sido introduzido na 3ª geração, e que é carregado
positivamente, ou seja, forma o zweterião e, portanto, é muito solúvel em água (pelo que
não pode ser administrado por via oral, tem de ser por via injetável). Este composto é,
efetivamente, muito potente para gram negativo.

BEATRIZ BALDAQUE 52
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 83 – Cefalosporinas de 4ª geração

 CONCLUSÃO: O que distingue as classes de cefalosporinas umas das outras é a


resistência a β-lactamases e o espetro de ação para gram negativo, dado que
cada vez houve preocupação nas novas gerações de aumentar a resistência às
β-lactamases e aumentar a sua ação para gram negativo.

 SUBSTITUIÇÃO ISOSTÉRICA
A Moxalactama pode ser considerada uma cefalosporina ou um β-lactâmico não
clássico, uma vez que resulta de um substituição isostérica de uma cefalosporina e
não possui o núcleo típico desta classe. Esta substituição dá-se ao nível do enxofre do
núcleo tiazina da cefalosporina, que passa a oxigénio. O que acontece é que, como
o enxofre é mais lipófilo, esta cefalosporina que tem o oxigénio irá ser mais polar. Esta
Moxalactama, quimicamente, pertence à classe dos oxacefemos, ou seja, o anel não
se designa de cefamo, mas sim cefemo. Há também um aumento da tensão anelar,
o que conduziu a um aumento da atividade para gram negativo. O metoxilo presente
em C7 irá aumentar a resistência às β-lactamases. O composto é relamente muito
polar, devido à porção ionizável que contém, pelo que a sua administração tem de
ser injetável. Esta porção
ionizável é o que lhe confere
o espetro para gram
negativo. Este fármaco é
usado em casos de
meningite. Figura 84 - Moxalactama

RESISTÊNCIA ÀS CEFALOSPORINAS

As resistências às cefalosporinas são cada vez mais, devido ao uso exagerado dos
antibióticos. Há uma diminuição da habilidade para atingir a enzima alvo, da
estabilidade para cada β-lactamase e da afinidade das cefalosporinas para a enzima

BEATRIZ BALDAQUE 53
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

alvo. Devido a estas resistências começa já a surgir uma 5ª geração de cefalosporinas,


como a Ceftarolina, mas que para já é apenas de uso hospitalar. Nota-se cada vez mais
que as resistências não estão apenas cingidas há produção de β-lactamases que levam
a fenómenos de resistência, estão também relacionadas com mutações existentes nas
transpeptidases (PBP).

2.2.2. β - Lactâmicos Não Clássicos

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese da parede celular das


bactérias.

2.2.2.1. Carbapenemos

Os carbapenemos obedecem ao núcleo das penicilinas mas possuem uma dupla


ligação no anel, daí carbapenemos. Além disso, possuem uma substituição isostérica do
enxofre pelo carbono. A dupla ligação entre C2 e C3 tem o papel de aumentar a tensão
anelar e, consequentemente, a reatividade e a atividade. Esta classe veio revolucionar
a relação estrutura-atividade que se pensava existir: nesta classe a estereoquímica cis já
não é essencial para a atividade do composto; os carbapenemos possuem uma
estereoquímica trans nos carbonos 5 e 6, sendo esta a configuração ativa. Além disso, foi
o primeiro composto descrito sem a cadeia acilamino que era ativo.
A tienamicina é um produto
natural, que foi isolado de
uma bactéria, Streptomyces
cattleya, em 1976. Possui
resistência às β-lactamases
que é conferida pela cadeia
lateral em C6, largo espetro
Figura 85 - Tienamicina conferido pela própria
estrutura. Este composto não está na terapêutica devido à tensão existente no anel, o
que causa uma grande instabilidade química e metabólica. Como é um composto muito
polar, não é absorvido pela via gastrointestinal. Assim, foram construídos análogos, que
estão na terapêutica e são utilizados como antibióticos de reserva a nível hospitalar.

BEATRIZ BALDAQUE 54
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

ANÁLOGOS DA TIENAMICINA

O Imipenemo apresenta um N-formidilo na cadeia lateral, que veio melhorar a


estabilidade deste composto. A grande desvantagem deste composto é o baixo tempo
de semi-vida, pois é degradado pelas desidropeptidases a nível renal. Para resolver este
problema, pode ser administrado conjuntamente com a Cilastatina (fármaco sentinela),
que inibe as desidropeptidases,
aumentando o tempo de semi-vida deste
carbapenemo. Este fármaco possui largo
espetro de ação e resistência às β-
lactamases, devido à cadeia lateral da
Figura 86 - Imipenemo
posição 6.

O Meropenemo é um fármaco muito ativo


contra Pseudomonas. A grande vantagem
relativamente ao Imipenemo é a resistência
às desidropeptidases, que lhe é conferida
pelo substituinte aminoacilpirrolidina que se
encontra ligado ao enxofre na cadeia lateral.
Também este é um fármaco de largo espetro
Figura 87 - Meropenemo de ação e com resistência às β-lactamases,
tal como já foi referido anteriormente para o
Imipenemo.

O Ertapenemo também apresenta


resistência às desidropeptidases devido ao
impedimento estérico criado pelo metilo na
posição 1. O substituinte aromático na
cadeia lateral levou a um maior tempo de
semi-vida deste composto relativamente
aos anteriores, porque melhorou a ligação
às proteínas plasmáticas, levando assim a
outra vantagem: a administração deste Figura 88 - Ertapenemo
fármaco ser de toma única.

BEATRIZ BALDAQUE 55
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

2.2.2.2. Monobactâmicos

Os monobactâmicos vieram revolucionar aquilo que se conhecia de relação estrutura-


atividade, uma vez que o seu núcleo central consiste apenas num anel β-lactâmico.
A Nocardicina A é um produto natural, que foi isolado de um fungo, que revelou ter um
estreiro espetro de ação para gram
negativo e baixa toxicidade. Pensa-se
que o mecanismo de ação possa ser
distinto dos outros β-lactâmicos, daí não
ser essencial o núcleo central fundido. Figura 89 – Nocardicina A

Por modificações moleculares deste composto,


surge o Aztreonamo que está na terapêutica.
Devido à sua elevada polaridade ele é ativo para
gram negativo, particularmente para aeróbios.

Figura 90 - Aztreonamo

2.2.2.3. Ácido Clavulânico e Sulfonas

Ambos os compostos podem ser classificados como β-lactâmicos não clássicos, no


entanto, não apresentam grande atividade antibiótica per si.
O ácido clavulânico foi o primeiro oxapenemo a ser isolado e é também um produto
natural, isolado de uma bactéria, Streptomyces clavuligerus. Foi o primeiro composto
com esta estrutura descoberto, não possuindo qualquer tipo de substituição em C6.
Apresenta um éter enólico, com uma
ligação dupla que pode conjugar.
Este fármaco veio solucionar o
problema das resistências: é um
inibidor das enzimas β-lactamases e
possui fraca atividade
Figura 91 – Ácido clavulânico
antibacteriana. Do estudo deste
composto, surge uma relação estrutura-atividade para inibidores das β-lactamases.
Verificou-se que a tensão no núcleo central fundido era essencial para a atividade, assim
como a configuração em Z da dupla ligação, a presença do éter enólico, a ausência de
uma cadeia lateral em C6, a estereoquímica (2R, 5R) e a presença do ácido carboxílico.

BEATRIZ BALDAQUE 56
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O sulbactam e o tazobactam (sulfonas) são fármacos sentinela, porque atuam como


inibidores das β-lactamases, não têm atividade
antibacteriana, mas basta a sua presença para que o
fármaco aumente a sua atividade antibiótica. Estes
compostos não possuem um expressão terapêutica tão
elevada como a do ácido clavulânico mas têm
praticamente a mesma atividade e o mesmo espetro de
ação. Figura 92 - Sulfonas

Algumas combinações mais frequentes são: ácido clavulânico+amoxicilina, ácido


clavulânico+ticarcilina, sulbactam+ampicilina, tazobactam+piperacilina.

MECANISMO DE AÇÃO

Normalmente os inibidores irreversíveis são


tóxicos, porque se ligam covalentemente
ao alvo, destruindo-o. Quando o alvo faz
parte do hospedeiro, verifica-se toxicidade
para este. Como neste caso o alvo são as
β-lactamases, não há toxicidade para o
hospedeiro. Os inibidores irreversíveis têm
uma clearance elevada e também um
longo tempo de semi-vida. Geralmente
existe um resíduo de serina no local ativo
das β-lactamases, dado que a serina é um
nucleófilo e os inibidores irreversíveis são
eletrófilos. Assim sendo, a serina irá atacar o
carbonilo do anel β-lactama, levando à Figura 93 – Mecanismo de ação
abertura do anel. Este mecanismo é também estabilizado por uma interação com um
resíduo de histidina. Os inibidores irreversíveis são considerados fármacos suicídas, já que
são destruídos ao atuarem (devido à abertura do anel).
A diferença entre o mecanismo de ação do ácido clavulânico e o das penicilinas para
as β-lactamases é que o ácido clavulânico sofre dois “ataques”, enquanto que as
penicilinas apenas sofrem um, daí a ligação do ácido clavulânico com o recetor ser
irreversível.

BEATRIZ BALDAQUE 57
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Mecanismo de ação dos β – Lactâmicos

O mecanismo de ação as penicilinas contra β-lactamases é reversível, ou seja, depois de


haver hidrólise há libertação da penicilina degradada. Ao contrário das transpeptidases
(alvo das penicilinas), as β-lactamases são capazes de hidrolisar mil moléculas de
penicilina por segundo, pelo que são muito eficazes. No entanto, as β-lactamases
evoluiram por mutações das transpeptidases.
Os β-lactâmicos, mais em concreto, as penicilinas atuam num alvo que não existe no ser
humano, a parede celular, mais concretamente, a camada de peptidoglicano da
parede celular. Esta é constituída por NAM (ácido N-acetilmurâmico) e NAG (ácido N-
acetilglucosamina). As transpeptidases (alvo) são enzimas que apenas existem na
bactéria e que são úteis na síntese da parede celular. Na última fase da síntese da parede
celular, há uma ligação
cruzada entre um resíduo
D-alanil-D-alanina e um
resíduo de serina (cross-
linking), que é feita por
estas transpeptidases.
Como há uma
similaridade estrutural
entre a penicilina e o
resíduo D-alanil-D-alanina,
pensa-se que o
Figura 94 – Mecanismo de ação das penicilinas
mecanismo de ação das
penicilinas passe por uma mimetização deste composto para que ocorra a ligação ao
local ativo das transpeptidases, inibindo esta enzima, o que faz com que a parede celular
da bactéria fique instável e cause desregulação da pressão osmótica, levando à lise
celular, daí os β-lactâmicos serem bactericidas (levam à morte da bactéria).
As transpeptidases são proteases de serina e o ser humano possui muitas proteases (não
exatamente a referida). Pensa-se então que o facto de estas transpeptidases
reconhecerem D-aminoácidos faça com que sejam seletivas (o ser humano apenas
possui L-aminoácidos), ou seja, as nossas proteases não reconhecem as penicilinas por
estas se assemelharem a D-aminoácidos.
Tal como acontece nos inibidores irreversíveis (página anterior), a serina que é um
nucleófilo irá atacar o carbono eletrofílico do núcleo β-lactâmico da penicilina. Este

BEATRIZ BALDAQUE 58
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ataque também existe com a D-alanil-D-alanina, mas como o substrato é linear, após a
hidrólise liberta-se a cadeia peptídica e depois ocorre a hidrólise do resíduo que foi ligado
à serina. No caso das penicilinas, primeiro há a ligação covalente ao resíduo de serina e
abertura do anel. Para haver o bloqueio é também fundamental que ocorra uma
interação iónica com um resíduo de lisina (interage com o ácido carboxílico da
penicilina), porque irá estabilizar a molécula no local ativo e impedir a entrada de água
(se houver entrada de água, poderia haver hidrólise da ligação e libertação da
penicilina). Este é um mecanismo de ação irreversível, não é competitivo.
As transpeptidases estão na membrana interna das bactérias, isto é, para um β-lactâmico
atuar tem de atravessar e penetrar a membrana e a parede celular das bactérias. Nas
bactérias de gram positivo, elas libertam β-lactamases, mas há uma entrada das
penicilinas. A eficácia é maior em gram positivo, pois as β-lactamases são segregadas
para o exterior. Nas bactérias de gram negativo, além de possuirem membrana exterior,
que impede a entrada de muitas das penicilinas, as que entram vão ficar retidas no
espaço periplasmático. Tal como nas
de gram positivo também há
segregação de β-lactamases, mas
como existe a membrana externa, elas
permanecem no espaço
periplasmático (a sua concentração
neste espaço é muito elevada), pelo
que aumenta a degradação dos β-
lactâmicos. Por este motivo, é mais
difícil regular infeções por bactérias de Figura 94 – Mecanismo a nível celular
gram negativo.
(NOTA: Os antibióticos não atuam em micoplasmas, pois estes não possuem parede
celular.)

Mecanismos de Resistência aos β – Lactâmicos

- Produção de β-lactamases;
- Alteração das PBP (ou transpeptidases), que altera a afinidade com as penicilinas;
- Alteração da membrana exterior (bomba de efluxo);
- Mutações na bactéria.

BEATRIZ BALDAQUE 59
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2.2.3. Glicopeptídeos

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese da parede celular das


bactérias.

O primeiro antibiótico glicopeptídico a ser introduzido na terapêutica foi a Vancomicina,


em 1959, e foi isolado de uma bactéria, Streptomyces orientalis. Este antibiótico apresenta
uma estrutura muito complexa, pois apresenta vários centros estereogénicos e tem
elevado peso molecular, por isso apenas na década de 80 foi possível a elucidação da
estrutura deste antibiótico. No entanto, a vancomicina tem uma grande importância,
principlamente a nível hospitalar (só usada neste meio). Começou a ser produzida
quando surgiram as resistências às penicilinas e atualmente é apenas usado para
bactérias resistentes à meticilina (última linha de tratamento). Devido à sua lipofilia, não
é absorvida oralmente, pelo que a sua administração deve ser injetável, com a exceção
do tratamento de colites.

BIOSSÍNTESE

A Vancomicina é um derivado biossintético de um heptapeptídeo linear (flexível),


constituído por 7 resíduos de aminoácidos, 5 anéis aromáicos que sofrem acopolamento
oxidativo, o que lhe irá conferir uma conformação rígida e fixa que será essencial para a
atividade. Existem, ainda, na sua biossíntese, reações de cloração em que há a
incorporação de átomos de Cl na sua estrutura, assim como hidroxilações e glicosilações.

Figura 95 – Passagem de heptapeptídeo linear a Vancomicina

A vancomicina é bactericida mas apresenta um espetro estreito, isto é, só é eficaz para


infeções causadas por bactérias de gram positivo. Como sabemos, há diferenças
morfológicas entre as bactérias de gram positivo e as de gram negativo: as de gram

BEATRIZ BALDAQUE 60
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

positivo possuem uma parede celular mais espessa que as de gram negativo e estas
últimas apresentam uma membrana celular externa. Assim, como a vancomicina é uma
molécula muito complexa e que apresenta elevado peso molecular, não vai ter a
capacidade de penetrar nas membranas (externa e parede celular) das bactérias de
gram negativo. No entanto, também não é capaz de atravessar a membrana
citoplasmática das bactérias de gram positivo, o que não é importante tendo em conta
o seu mecanismo de ação (a vancomicina atua no espaço periplasmático).

MECANISMO DE AÇÃO

A parede celular bacteriana (peptidoglicano) é


constituída por cadeias lineares adjacentes, de dois
açúcares, o NAM (ácido N-acetilmurâmico) e o NAG
(ácido N-acetilglucosamina), alternados, que estão
unidos entre si por ligações glicosídicas. As cadeias de
açúcares estão ligadas entre si por pontes peptídicas.
Cerca de 30 enzimas estão envolvidas na síntese desta Figura 96 – Parede celular
parede, destacando-se duas: a transpeptidase e a D-alanilcarboxipeptidase, que são
essenciais para a formação das ligações cruzadas (cross-linking) na parede celular.
Na formação da parede celular, os precursores apresentam uma subunidade D-alanil-D-
alanina terminal, que vai ser essencial para a formação da nova cadeia.
Ao contrário do ser humano, as bactérias possuem D-aminoácidos.
Os glicopeptídeos vão ligar-se à porção terminal D-alanil-D-alanina dos precursores que
vão formar a parede celular, e como a vancomicina é uma molécula volumosa (com
conformação rígida e fixa), por impedimento estérico, vai bloquear o acesso das enzimas
transpeptidase e transglicosidase, ou
seja, interfere na etapa de
transglicosidação (formação das
ligações glicosídicas entre os açúcares) e
transpeptidação (formação das ligações
cruzadas entre as cadeias). Este bloqueio
é feito por interações com o terminal D-
alanil-D-alanina, impedindo a atuação
das outras enzimas. As interações que se
Figura 97 – Atuação da Vancomicina no alvo

BEATRIZ BALDAQUE 61
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

estabelecem são de hidrogénio, com grupos


pertencentes à cadeia heptapeptídica da
vancomicina.
Além disso, ocorre também dimerização, isto é, duas
moléculas de vancomicina vão ter a capacidade de
estabelecer interações entre si, pelo que o
impedimento
estérico será ainda
Figura 98 – Interações a nível molecular
maior. Entre estas moléculas de vancomicina há o
estabelecimento de 4 interações de hidrogénio para a
formação do dímero. Com este impedimento estérico, tal
como já foi referido, as enzimas são impedidas de atuar,
Figura 99 - Dimerização pelo que a parede celular fica fraca e não consegue
controlar a entrada e saída de água, ocorrendo osmólise e, consequentemente, lise
celular.

OUTROS GLICOPEPTÍDEOS

A Teicoplanina é também, à semelhança da


vancomicina, uma molécula extremamente
complexa. Este composto foi isolado da
bactéria Actinoplanes teichomyceticus.
Contrariamente à vancomicina, esta
molécula não é capaz de dimerizar, uma vez
que a longa cadeia alquílica vai ancorar a
teicoplanina à parede celular, permitindo a
interação com o resíduo D-alanil-D-alanina.
O mecanismo de ação é semelhante ao da Figura 100 - Teicoplanina
vancomicina.
Outro exemplo é a Ristocetina, que atualmente já não
é usada na terapêutica, devido aos seus efeitos
secundários (trombocitopenia e aglutinação
plaquetar). Tal como os anteriores, também possui uma
estrutura muito complexa.
Figura 101 - Ristocetina

BEATRIZ BALDAQUE 62
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

EFEITOS SECUNDÁRIOS

- Ototoxicidade;
- Erupção cutânea (para resolver devem ser administradas lentamente soluções
muito diluídas);
- Toxicidade renal.

RESISTÊNCIA

Estes antibióticos foram desenvolvidos com o intuito de tentar resolver o problema das
resistências, no entanto em 1996 foi identificada resistência a estes glicopeptídeos. Estas
resistências deveram-se a uma modificação genética que as bactérias passaram a ter
no aminoácido terminal D-alanina, que passou a D-ácido lático. Assim, em vez de uma
amida temos um éster, o que veio afetar as interações que a vancomicina é capaz de
estabelecer com esse terminal. Ou seja, em vez de uma interação de hidrogénio passou
a haver uma interação repulsiva. Consequentemente, a vancomicina deixou de ser
eficaz.

Figura 102 – Resistências aos glicopeptídeos, neste caso, à vancomicina

APLICAÇÕES ANALÍTICAS DOS GLICOPEPTÍDEOS

Outra aplicação para além do seu efeito biológico é serem usadas como ferramentas
cromatográficas (ex: constituintes de fases estacionárias), devido à sua quiralidade, ou
seja, elas podem criar fases estacionárias quirais baseadas em antibióticos macrocíclicos.

BEATRIZ BALDAQUE 63
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2.2.4. Tetraciclinas

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese proteíca por ligação aos
ribossomas.

A Clortetraciclina (primeiramente designada


de aureomicina) foi a primeira tetraciclina a
ser isolada, em 1948, a partir da bactéria
Streptomyces aureofaciens. Algumas
vantagens desta classe de antibióticos são o
seu largo espetro de ação, a baixa toxicidade
Figura 103 - Clortetraciclina
e apresentam um custo relativamente baixo.
Com todas estas vantagens, houve um consumo/administração exagerada destes
antibióticos, levando a problemas de resistências.

CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS

As tetraciclinas são derivados do octa-hidronaftaceno e são constituídas por 4 anéis


fundidos, sendo o anel D aromático. Possuem vários centros estereogénicos e têm a
possibilidade de ter várias substituições (R1 a R5). Devido aos grupos funcionais que
apresentam, conseguem estabelecer ligações de hidrogénio intra e intermoleculares.
Além disso, possuem propriedades quelantes, conseguindo quelatar com cálcio e
magnésio, pelo que pode ocorrer alguma acumulação de tetraciclinas. Na sua estrutura
existem dois grupos cromóforos (C1 a C3 e C10 a C12) e têm um carácter anfotérico, devido
aos grupos fenol-ceto-enol, dimetilamino e tricarbonilmetano, que são responsáveis pelo
seu pKa.

Figura 104 – Características das Tetraciclinas

Estes compostos cristalinos são de cor amarela, sensíveis à luz e formam sais de ácidos e
de bases.

BEATRIZ BALDAQUE 64
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

A pH intermédio pode ocorrer


epimerização em C4, que leva a uma
diminuição da atividade, mais
concretamente menos 5% de atividade.
Conclui-se, assim que a estereoquímica
Figura 105 – Epimerização das tetraciclinas
em C4 é importante para a atividade
antibacteriana das tetraciclinas.

Verificou-se que, sobretudo nas tetraciclinas naturais, que possuem um OH em C6,


ocorria, quer em meio ácido quer em meio básico, a inativação das tetraciclinas, o que
irá condicionar a administração das tetraciclinas por via oral.
Em meio ácido, o álcool terciário na posição 6 vai captar um protão e formar um bom
grupo abandonador, originando um carbocatião terciário. O protão em C5a sai e o par
de eletrões vai deslocar-se para haver a formação da dupla ligação. O carbonilo que
existia na posição C11 vai polarizar e captar um protão. Assim, passa-se a ter dois anéis
aromáticos, formando um composto que é inativo.
Em meio básico, há um tautomerismo no enol, que faz com haja um ataque nucleofílico
do par de eletrões do grupo hidroxilo em C6. Este vai atacar o carbono do carbonilo,
resultando a formação de uma lactona, dando origem à isotetraciclina, que é um
composto inativo.

Figura 106 – Inativação das Tetraciclinas

Assim, as tetraciclinas naturais apresentam dois problemas: um relacionado com serem


inativos quer a pH ácido quer a pH básico, devido à presença do grupo OH em C6, e
outro referente à curta duração de ação, pois apresentam substituintes muito polares
(hidrofílicos). Para resolver estes problemas devem ser feitas modificações moleculares

BEATRIZ BALDAQUE 65
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

nas tetraciclinas naturais, de modo a obter análogos que não apresentem esses
problemas, ou seja, obtenção de tetraciclinas de semissíntese. O objetivo destas
modificações é uma melhoria das suas propriedades farmacocinéticas, de maneira
apoder ser efetuada uma administração oral e possuirem um maior tempo de semi-vida.
Desta forma, surgiram as tetraciclinas de média e de longa duração de ação.

 TETRACICLINAS DE CURTA DURAÇÃO DE AÇÃO


Todas elas apresentam um OH em C6 (R3) pelas razões que já foram discutidas
anteriormente. Além disso, os restantes substituintes são bastante polares, o que
significa que vão ter uma curta duração de ação.

 TETRACICLINAS DE SEMISSÍNTESE (6-DESOXITETRACICLINAS)


Pretendeu-se que as tetraciclinas possuissem grupos mais apolares (lipofílicos), pelo
que passariam a ser mais estáveis em meio ácido e em meio básico, absorvidas por
via oral e com maior tempo de semi-vida. De destacar a introdução do grupo
dimetilamino introduzido em R1, que é um grupo lipofílico e que faz com que a
Minociclina possa ser utilizada por exemplo para o tratamento de meningites, porque
apresenta a capacidade de atingir o SNC.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

Apresentam um arranjo linear de 4 anéis que é essencial. Tem que haver integridade do
mesmos, não pode haver abertura de nenhum anel, nem formação de outro aromático.
É importante a
manutenção da
configuração destes
centros estereogénicos

4 anéis

Se houver monoalquilação
Se houver alquilação
da amida, há uma aumento
há perda de atividade
da solubilidade;
Se houver ums dissubstituição
Essencial para a atividade da amida, há perda de
atividade.

BEATRIZ BALDAQUE 66
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

É importante a manutenção dos sistemas cromóforos, pois se houver um encurtamento


ou uma extensão destes grupos crómoforos vai haver interferências na atividade. A
amina em C4 (dimetilamino) é importante, porque vai criar o zweterião, tornando a
partícula anfotérica. Se os substituintes em C4a e em C12a, que estão em cis, passarem
a trans, verifica-se uma diminuição da atividade, ou até mesmo a perda dela.

Outra tetraciclina é a Sanciclina, que


corresponde ao grupo farmacofórico mínimo
das tetraciclinas. Estamos, portanto, na
presença de uma tetraciclina ativa, que forma
quelatos com magnésio, que serão importantes
no transporte das tetraciclinas para o interior da Figura 107 - Sanciclina
célula (através dos canais de porina).

Por vezes, as tetraciclinas apresentam alguns problemas relacionados com a sua fraca
solubilidade em água. Uma resolução para esse problema é o desenvolvimento de pró-
fármacos. Dois exemplos de pró-fármacos diferentes de tetraciclinas são a Limeciclina e
a Rolitetraciclina, que já possuem características que lhes permitem ser solúveis em água,
pelo que já podem ser administrados por via parenteral.

Figura 108 – Limeciclina e Rolitetraciclina

Para tentar solucionar o problema das resistências, começaram a ser desenvolvidos


novos análogos. A primeira estratégia foi a substituição em C9 por vários grupos
diferentes. Inicialmente experimentou-se os grupos nitro, amino ou hidroxilo, só que
apresentavam menor atividade. Seguidamente, substituiu-se pelo grupo 9-acilamido,
que tinha atividades mas não tinha atividade contra organismos resistentes às
tetraciclinas. Para contornar o problema introduziu-se, novamente em C9, um grupo N,N-
dialquilglicilamido, dando origem às gliciltetraciclinas. Este grupo de tetraciclinas
manteve a atividade antibacteriana, mas também possuiram atividade contra bactérias

BEATRIZ BALDAQUE 67
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

portadoras de genes responsáveis pelo efluxo


dos fármacos e pela proteção ribossomal (ou
seja, contra bactérias resistentes às
tetraciclinas). Verificou-se, ainda, que o N
básico nesse substituinte era essencial para a
atividade e que a substituição por outro
aminoácido gerava perda de atividade.

Figura 109 - Gliciltetraciclinas

MECANISMO DE AÇÃO

Como já foi referido, as tetraciclinas causam uma inibição da síntese proteíca bacteriana.
Esta inibição deve-se à ligação destas à subunidade 30S do ribossoma bacteriano, o que
impede a associação do aminoacil-tRNA ao complexo ribossomal ou mRNA. Dessa
forma, vai ser inibida a interação codão-anticodão no local A dos ribossomas, impedindo
que ocorra a formação das cadeias peptídicas, pelo que as tetraciclinas apresentam
uma ação bacteriostática. Estas
moléculas também possuem uma
toxicidade seletiva, pois as bactérias
têm a capacidade de acumular mais
rapidamente no seu interior as
tetraciclinas, comparativamente com
as células dos mamíferos.
As gliciltetraciclinas vão ligar-se ao

Figura 110 – Mecanismo de ação das tetraciclinas


mesmo local que as tetraciclinas
(subunidade 30S do ribossoma), mas verifica-se que apresentam uma afinidade para o
ribossoma 5 vezes superior que as tetraciclinas, o que poderá estar relacionado com o
grupo volumoso que possuem em C9, que faz com que a molécula se oriente numa
posição ligeiramente diferente, levando a uma ligação mais eficiente com o ribossoma.
Como um dos mecanismos de resistência das bactérias é a proteção ribossomal, este

BEATRIZ BALDAQUE 68
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

facto poderá ser a causa da eficácia das gliciltetraciclinas no combate às resistências às


tetraciclinas.

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA

- Mecanismo efetivo de efluxo, em que proteínas que estão inseridas na membrana


plasmática bombeiam o fármaco para fora da célula (bactéria);
- Alterações no ribossoma bacteriano, provocando menor afinidade para as
tetraciclinas (como foi explicado do tópico anterior).

EFEITOS SECUNDÁRIOS

- Irritação gastrointestinal, relacionada com a distribuição da flora saprófita;


- Desmineralização óssea, devido às propriedades quelantes;
- Hipoplasia da coroa e descoloração dos dentes, devido às propriedades
quelantes;
- Problemas no crescimento, pelo que não devem ser administrados a grávidas e
crianças.
- Super-infeções;
- Hepatotoxicidade;
- Toxicidade renal.

2.2.5. Cloranfenicol

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibe a síntese proteíca por ligação aos
ribossomas.

O Cloranfenicol foi, inicialmente isolado da bactéria


Streptomyces venezualae, mas atualmente é obtido por
síntese. Possui dois centros estereogénicos, ou seja, quatro
estereoisómeros, no entanto, apenas o D-(-)-treo-isómero é
ativo. Assim, o eutómero é o D-(-)-treo-cloranfenicol.

Figura 111 - Cloranfenicol

BEATRIZ BALDAQUE 69
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

SÍNTESE

A síntese deste composto não é simples, pois tem várias etapas. De destacar duas delas:
a separação do eritro e do treo, pois há a formação dos dois isómeros que necessitam
de ser separados. Como não são enantiómeros, podem ser separados por cromatografia
preparativa ou cristalização, uma vez que têm propriedades físico-químicas diferentes.
Numa etapa posterior vai ser necessário separar os enantiómeros e para isso será feita
uma cromatografia quiral ou formam-se os diasterioisómeros. No final, obtém-se o
eutómero.

Figura 112 – Síntese do Cloranfenicol

O cloranfenicol é um antibiótico de largo espetro de ação, ou seja, ativo para bactérias


de gram positivo, de gram negativo e anaeróbios estritos. É usado para infeções oculares
e febre tifóide, essencialmente. Um grave efeito adverso que possui é provocar
alterações hemáticas, que causam anemias aplásicas.

Este grupo é essencial para a


MODIFICAÇÕES MOLECULARES atividade da molécula, assim
como a sua configuração
Confere sabor (R,R-propanodiol)
amargo e a sua
redução a NO
conduz a uma
perda de atividade

CH2N3: uso
oftálmico

A substituição do grupo nitro por –COCH3 (cetofenicol) ou por –SOCH3 (tianfenicol)


provoca alterações na atividade do composto.

BEATRIZ BALDAQUE 70
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Para mascarar o sabor do cloranfenicol e melhorar as suas propriedades


farmacocinéticas, uma das estratégias usadas é a obtenção de pró-fármacos. Estes,
relativamente ao fármaco ativo, apresentam um aumento da lipofilia, o que diminui a
sua solubilidade em água, diminuindo a sua afinidade para os recetores do sabor. Sofrem
depois hidrólise no trato gastro-intestinal para dar origem ao composto ativo
(cloranfenicol). Outros pró-fármacos podem ser desenvolvidos, mas com o objetivo de
aumentar a solubilidade em água, para que possa ser efetuada uma administração
parenteral e oftálmica.

MECANISMO DE AÇÃO

O Cloranfenicol, tal como as tetraciclinas, é um inibidor da síntese proteíca, mas neste


caso liga-se à subunidade 50S do ribossoma (em vez de ser à 30S como acontece com
as tetraciclinas), inibindo a transpeptidase e, consequentemente, impede a
transpeptidação (impede a incorporação de novos aminoácidos na cadeia peptídica
em formação). A sua ação é bacteriostática e uma inibição estereoespecífica, isto é,
apenas um dos isómeros é ativo.

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA

- Impermeabilização da membrana citoplasmática;


- Mutação ribossómica, isto é, diminuem a afinidade do cloranfenicol para o
ribossoma;
- Inativação enzimática.

EFEITOS ADVERSOS

- Alterações hemáticas;
- Hipersensibilidade;
- Perturbações gastrointestinais.

BEATRIZ BALDAQUE 71
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2.2.6. Quinolonas

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese de ácidos nucleícos


(afetam a função e estrutura do DNA).

As quinolonas foram obtidas por síntese (antibióticos


sintéticos). A primeira quinolona desenvolvida foi o ácido
nalidíxico, que é um subproduto da cloroquina (agente
antimalárico). No entanto, este fármaco apresenta já
muitas resistências e um espetro de ação curto. Portanto,
apesar de ser o protótipo desta classe, apresenta várias
Figura 113 – Ácido nalidíxico
resistências, pelo que foram sintetizados alguns análogos
(por exemplo: ácido oxolínico, ácido piromidínico, ácido pipemídico), mas que não
apresentaram vantagens relativamente ao ácido nalidíxico.

Figura 114 – Análogos do ácido nalidíxico Figura 115

O núcleo 4-Piridona (Figura 115) é comum tanto ao ácido nalidíxico como aos seus
análogos.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Na década de 80, a Enoxacina veio revolucionar esta classe de antibióticos. Este


composto apresentava a introdução de um átomo de flúor em C6, que provocou um
aumento da atividade e facilitou a entrada do fármaco na célula, e de um anel
piperazínico em C7, que aumentou a absorção por via oral, a distribuição tecidual e a
estabilidade metabólica. Com este fármaco surgiram antibióticos com um espetro de
ação mais alargado (contra bactérias de gram
positivo e de gram negativo). Estes novos compostos
são muito usados contra infeções urinárias e
sistémicas. Formou-se, então, o grupo das 6-
fluorquinolonas. Figura 116 - Enoxacina

BEATRIZ BALDAQUE 72
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

6-FLUORQUINOLONAS

A Ciprofloxacina, em comparação com a enoxacina, teve a substituição do N em C8


por um C, o que levou a uma diminuição significativa das reações adversas e a um
aumento da atividade contra Staphylococcus aureus. Além disso, possui um ciclopropilo
em N1 que é responsável pelo alargamento do espetro de ação deste fármaco. Outros
exemplos de 6-fluorquinolonas são a Norfloxacina e a Ofloxacina. Esta última era
administrada sob a forma de racemato, mas atualmente é comercializado sob a forma
de enantiómero puro (levofloxacina). Outro exemplo ainda é a Moxifloxacina.

Figura 118 - Moxifloxacina


Figura 117 – 6-fluorquinolonas

GERAÇÕES DE QUINOLONAS

 QUINOLONAS DE 1ª GERAÇÃO
Corresponde ao ácido nalidíxico e aos seus
análogos. Possuem ação contra enterobactérias
e são usadas em infeções do trato urinário.

Figura 119 – 1ª geração

 QUINOLONAS DE 2ª GERAÇÃO (6-FLUORQUINOLONAS)


Possuem um espetro de ação mais amplo
que a geração anterior.

Figura 120 – 2ª geração

BEATRIZ BALDAQUE 73
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 QUINOLONAS DE 3ª GERAÇÃO
Atuam contra bactérias de gram negativo. São
usadas para tratamentos sistémicos.

Figura 121 – 3ª geração

 QUINOLONAS DE 4ª GERAÇÃO
Têm um espetro de ação ainda mais amplo.

Figura 122 – 4ª geração

MECANISMO DE AÇÃO

As quinolonas, nas bactérias de gram negativo, ligam-se à DNA-girase bacteriana


(=topoisomerase II) e, nas bactérias de gram positivo, ligam-se à topoisomerase IV,
impedindo a replicação do DNA bacteriano. A topoisomerase é uma enzima que torna
o DNA mais compacto e biologicamente ativo. Como tal, se esta enzima for inibida (por
formação de um complexo não intercalante do fármaco, enzima e DNA), não haverá
separação das cadeias de DNA, pelo que há diminuição do super-enrolamento e o DNA
irá ocupar a maioria do espaço intracelular da bactéria. Consequentemente, as
extremidades livres do DNA vão provocar uma síntese descontrolada de mRNA e de
proteínas, levando mesmo à morte da bactéria. Assim, as quinolonas possuem uma ação
bactericida. Estes fármacos apresentam toxicidade seletiva, uma vez que inibem a
topoisomerase humana apenas em
concentrações muito elevadas. Todas as
porções destacadas na Figura 123 são
essenciais para a formação do
complexo intercalante referido
anteriormente.
Figura 123 – Complexo não intercalante

BEATRIZ BALDAQUE 74
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE O carboxilato é essencial,


porque faz a interação
com a enzima.

Flúor – aumenta
a lipofilia
Região
quelatogénica

Interagem com a enzima

Piperazino – amplia o
espetro de ação

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA

- Bomba de efluxo;
- Modificações nos canais de porina da membrana externa;
- Mutações cromossómicas nos genes responsáveis pelas enzimas alvo.

BEATRIZ BALDAQUE 75
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EFEITOS LATERAIS

- Perturbações digestivas;
- Rash cutâneo.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Devem-se, essencialmente, a problemas de quelatação, uma vez que os quelantes


levam a uma diminuição da absorção e da biodisponibilidade do fármaco.

2.2.7. Oxazolidinonas

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese proteíca por ligação aos
ribossomas.

Esta classe de antibióticos foi descoberta muito recentemente e são designados de


“super-antibióticos”. Um exemplo destes fármacos é a Linezolida, que só é utilizada em
casos extremos de resistência das bactérias a outros fármacos. Este composto foi
sintetizado em 2000/2001 e é utilizado para infeções do trato respiratório baixo, nos
tecidos moles e na pele e em infeções por enterococcus. Contrariamente às outras
classes de antibióticos, atuam na fase inicial de organização do ribossoma. Por este
motivo, ainda não existem resistências conhecidas a estes antibióticos. No entanto,
devido à sua ação bacteriostática, virão a ser desenvolvidas resistências.

MECANISMO DE AÇÃO

Estes fármacos ligam-se e fixam-se à subunidade 50S do ribossoma, impedindo a


formação do complexo
70S, que é essencial na
transcrição, pelo que a
síntese proteíca será
bloqueada.

Figura 124 – Mecanismo de ação

BEATRIZ BALDAQUE 76
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

2.2.8. Macrólidos

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese proteíca por ligação aos
ribossomas.

Os macrólidos são assim designados devido à sua estrutura, uma vez que são constituídos
por um anel macrocíclico de lactona, ao qual se ligam um ou mais açúcares.

ESTRUTURA

Genericamente, são constituídos por uma


lactona macrocíclica com 12,14, 15 ou 16
elementos no anel e um grupo carbonilo em
C1. Além disso, possuem um ou dois
aminoaçúcares ligados glicosidicamente ao
anel (têm um grupo dimetilamino ligado a um
resíduo de açúcar) e um açúcar neutro ligado
também glicosidicamente ao anel.
Figura 125 - Eritromicina

PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS

- Sólidos cristalinos;
- Bases fracas;
- Baixa solubilidade em água;
- Formam sais solúveis em água e habitualmente são administrados nesta forma;
- Sensíveis a ácidos;
- Estáveis em soluções neutras.

A Eritromicina, representada na Figura 125, foi o primeiro macrólido a ser isolado (a partir
de uma bactéria, Streptomyces erythreus) e corresponde ao composto líder desta classe
de antibióticos. É constituída por 14 elementos no anel lactónico e possui dois açúcares:
um aminado (desosamina) e um neutro (cladinose). É utilizada pra infeções do trato
respiratório e no tratamento do acne. A sensibilidade da eritromicina aos ácidos deve-se
à presença de grupos hidroxilo em C6 e em C12, que irão atacar nucleofilicamente o

BEATRIZ BALDAQUE 77
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carbonilo em C9, formando-se um cetal.


Análogos deste composto, que
apresentem o hidroxilo em C6 substituído
por um grupo metoxilo, irão ser mais
resistentes a meio ácido.

Figura 126 – Sensibilidade da eritromicina aos ácidos

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Os principais objetivos destas modificações moleculares eram tornar os novos análogos


mais estáveis a pH gástrico, sendo possível a sua administração oral, e aumentar a sua
solubilidade hidro ou lipofílica, consoante o efeito pretendido. Uma ds estratégias
utilizadas foi o desenvolvimento de formas farmacêuticas com revestimento entérico ou
de libertação prolongada. Outras estratégias, tendo em conta os objetivos destas
modificações moleculares, foram a criação de sais, ou seja, de pró-fármacos que a nível
intestinal libertam o fármaco (por exemplo o estearato, em que há ligação do grupo
dimetilamina com o ácido esteárico), e de ésteres, também pró-fármacos, em que há
absorção a nível gastrointestinal e hidrólise aquando da distribuição (por exemplo o
etilsuccinato, em que há esterificação do grupo hidroxilo com o ácido etilsuccínico). Por
vezes, produtos dessa hidrólise podem aumentar o peristaltismo, levando a efeitos
gastrointestinais.

A Midecamicina é um macrólido natural, isolado de Streptomyces mycarofaciens, que


quando sofre acetilação dá origem à Miocamicina (lactona com 16 átomos), que é um
análogo de semissíntese. A midecamicina, comparativamente com a eritromicina,
apresenta o mesmo espetro de ação mas é menos potente.

Figura 127 – Midecamicina e Miocamicina

BEATRIZ BALDAQUE 78
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

A Claritromicina é um derivado de semissíntese da eritromicina, com 14 elementos no


anel, e apresenta um grupo metoxilo em C6, o
que lhe confere uma maior estabilidade a pH
gástrico, melhorando também a sua absorção
oral. Comparativamente com a eritromicina,
apresenta potência semelhante e maior tempo
de semi-vida. É usada para infeções do trato
respiratório e para úlceras causadas pelo
Helicobacter pylori.
Figura 128 - Claritromicina

A Espiramicina é um macrólido natural, isolado de uma bactéria, Streptomyces


ambofaciens, com 16 elementos no anel
e dois aminoaçúcares. É utilizada
sobretudo para o tratamento de
infeções da cavidade oral, porque se
verifica que apresenta elevada
concentração salivar.
Figura 129 - Espiramicina

Surgiu então uma 2ª geração de macrólidos, com o intuito de aumentar a atividade


antibacteriana, melhorar as propriedades farmacocinéticas (aumentar o tempo de semi-
vida e aumentar a estabilidade a pH gástrico) e diminuir os efeitos gastrointestinais. Fazem
parte desta segunda geração a Roxitromicina, a Azitromicina e a Telitromicina.

A Roxitromicina apresentou a substituição do grupo carbonilo em C9 por um grupo


oximino, que é um grupo volumoso e lipofílico, tendo como consequências: um aumento
do tempo de semi-vida, maiores
concentrações séricas e tecidulares, uma
diminuição dos problemas gastrointestinais e
maior potência que a eritromicina mas
semelhante espetro de ação.

Figura 130 - Roxitromicina

BEATRIZ BALDAQUE 79
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

A Azitromicina é um dos fármacos mais


comercializados a nível mundial. Possui 15
elementos no anel e foi incluído um
nitrogénio no próprio anel, que aumenta a
basicidade. Já há quem defenda que este
composto deveria estar integrado numa
nova classe de antibióticos, designada de
“azalídeos”. Tem um espetro de ação
semelhante ao da eritromicina mas uma
Figura 131 - Azitromicina
maior atividade para bactérias de gram negativo. Há uma diminuição dos efeitos
gastrointestinais, sendo este fármaco muito usado para infeções do trato respiratório.

Outro análogo é a Telitromicina, que é um “cetolídeo”, pois apresenta um grupo


carbonilo em C3 em vez do açúcar (cladinose), que
se percebeu não ser essencial para a atividade.
Além disso, o grupo carbonilo introduzido parece
impedir a indução de resistências aos macrólidos.
Em C6, tal como a claritromicina, apresenta um
grupo metoxilo em vez do hidroxilo, o que lhe
confere maior resistência gastrointestinal. Outra
modificação é a formação do ciclocarbamato em
C11/C12, que é um grupo muito volumoso e parece
Figura 132 - Telitromicina
estar associado à menor metilação ribossomal, pelo
que há um aumento da atividade e uma melhoria das propriedades farmacocinéticas.

MECANISMO DE AÇÃO

Os macrólidos ligam-se reversivelmente à subunidade 50S do ribossoma, bloqueando o


local P e irão prejudicar a transpeptidação e a translocação, ou seja, toda a síntese
proteíca. Assim, estes fármacos têm uma ação bacteriostática.

BEATRIZ BALDAQUE 80
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA

- Impermeabilização da membrana exterior (nas bactérias de gram negativo);


[NOTA: Os macrólidos são moléculas moderadamente lipofílicas com um
coeficiente de partilha incompatível com os canais de porina e, por isso, os
microrganismos de gram negativo apresentam uma resistência intrínseca aos
macrólidos.]
- Metilação dos ribossomas, ou seja, há uma alteração do local de ligação dos
ribossomas, porque há uma enzima que metila a adenina da porção 23S da
subunidade 50S dos ribossomas, dificultando então a ligação do antibiótico ao
ribossoma;
- Inativação por via enzimática dos macrólidos, por hidrólise, glicosilação ou
fosforilação;
- Efluxo, muito comum à maior parte dos antibióticos;
- Proteção ribossomal.

EFEITOS SECUNDÁRIOS

- Perturbações do trato gastrointestinal, como náuseas, vómitos e diarreia;


- Hepatotoxicidade;
- Perda de audição transitória, quando administrados em altas doses;
- Hipersensibilidade
- Colite pseudo-membranosa.

2.2.9. Aminoglicosídeos

Classificação quanto ao mecanismo de ação: inibem a síntese proteíca por ligação aos
ribossomas.

Os aminoglicosídeos basicamente são constituídos por açúcares com grupos amina, ou


não, ligados entre si por ligações glicosídicas. Estes antibióticos surgiram em 1943, isolados
de Streptomyces griseus. A Estreptomicina foi o primeiro aminoglicosídeo a ser isolado
daquele microrganismo e o primeiro a ser utilizado na terapêutica.

BEATRIZ BALDAQUE 81
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

ESTRUTURA

A Estreptomicina é constituída por três


subunidades diferentes: a N-metil-L-
glucosamina, a Estreptose e a
Estreptidina. Este antibiótico pode ser
associado a outros agentes e ser
comercializado como tuberculostático.

Figura 133 - Estreptomicina

Os aminoglicosídeos, em geral, são constituídos por três


anéis: um derivado do 1,3-diaminociclo-hexano, outro que
é uma pentose sem grupo amino e uma aminohexose.

Figura 134 - Aminoglicosídeo

PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS

- Características básicas;
- A pH fisiológico existem como policatiões;
- Formam sais cristalinos de ácidos inorgânicos (sulfatos e cloridratos);
- Não são absorvidos no trato gastrointestinal.

 CONSEQUÊNCIAS PARA A ATIVIDADE


A membrana externa das bactérias de gram negativo possui vários grupos
carregados negativamente (lipossacarídeos, fosfolípidos e proteínas), os quais
deslocam iões de cálcio e de magnésio. Estes iões atuam como pontes entre as
moléculas lipossacarídeas adjacentes e os seus deslocamentos resultam em
rearranjos destas moléculas para produzirem poros através dos quais os fármacos
podem passar. Para haver uma interação iónica dos compostos com a membrana é
necessário que estes possuem carga iónica, daí a importância de a pH fisiológico
existirem como policatiões. O fármaco tem ainda de atravessar a membrana celular

BEATRIZ BALDAQUE 82
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

para entrar na célula e isto é um processo dependente da energia. Uma vez


atravessada a membrana, fica retido no interior da célula, atingindo assim altas
concentrações.

OUTROS AMINOGLICOSÍDEOS

A Neomicina foi desenvolvida em 1949, que


possui um NH2 em R1, e em 1956 foi desenvolvida
a Paromomicina, que apresenta um OH em R1. A
neomicina tem como problema o facto de sofrer
ataques enzimáticos e a paromomicina foi criada
na tentativa de resolver esse problema.

Figura 135 – Neomicina e Paromomicina

Em 1957 surgem as Canamicinas (A, B e C), que


possuem substituintes polares, pelo que vão possuir
administração oral, mas estes grupo continuam a ser
susceptíveis a ataques enzimáticos.
Figura 136 - Canamicinas

As Gentamicinas começaram a ser desenvolvidas


em 1964, isoladas de Microsmonospora sp., e
apresentam um largo espetro de ação. São
usadas para infeções sistémicas

Figura 137 - Gentamicinas

MECANISMO DE AÇÃO

Os aminoglicosídeos ligam-se à subunidade 30S do ribossoma, induzindo uma leitura


errada da mensagem codificada no mRNA, formando proteínas defeituosas. Estas
proteínas irão integrar a membrana citoplasmática da bactéria e alterar-lhe a
permeabilidade, levando à lise da célula e morte da bactéria. Assim, estes fármacos
apresentam uma ação bactericida.

BEATRIZ BALDAQUE 83
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 138 – Mecanismo de ação dos aminoglicosídeos

Estes fármacos podem também ser


responsáveis por perturbações do
metabolismo celular, resultando na
formação de radicais hidroxilo
letais.

Figura 139 – Mecanismo de ação dos


aminoglicosídeos

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA

- Absorção diminuída do fármaco, devido a uma impermeabilização da


membrana;
- Inativação enzimática, vai levar à formação de uma nova estrutura que passa a
apresentar uma menor afinidade para a subunidade 30S ribossomal;
- Modificação do ribossoma alvo, devido à metilação ribossomal;
- Efluxo.

 INATIVAÇÃO ENZIMÁTICA
Existem enzimas que podem inativar estes antibióticos, sendo o principal mecanismo
de resistência encontrado clinicamente. Estas reações de inativação podem ser de
três tipos: fosforilação, adenilação ou acetilação. Estes fármacos vão então ser
alterados e apresentar menor afinidade para o ribossoma. Criam-se, assim,
resistências aos aminoglicosídeos. Estas resistências dependem de vários fatores, tais
como: microrganismos, estirpe individual, quantidade de enzima produzida,

BEATRIZ BALDAQUE 84
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

eficiência catalítica, tipo de


aminoglicosídeo. Habitualmente,
apenas as fosfotransferases estão
associadas a elevados níveis de
resistências. Pode ocorrer uma O-
fosforilação no OH em 3’, com a
formação de um grupo fosfato.
Devido à presença da amina,
esta pode ser acilada, ocorrendo
Figura 140
uma N-acilação. Ou pode ainda
ocorrer uma O-adenilação no OH.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Os objetivos destas modificações moleculares foram a obtenção de novas estruturas


moleculares resistentes às enzimas bacterianas, aumentar a atividade antibacteriana e
diminuir a toxicidade dos fármacos. Para isso, as estratégias passaram por eliminar alguns
dos grupos funcionais sensíveis ao ataque enzimático (como vimos anteriormente) e por
introduzir grupos que inibissem o acesso de algumas dessas enzimas, por impedimento
estérico.
Um exemplo dessas
modificações é a Netilmicina
(composto de semissíntese), que
foi sintetizada a partir da
Tobramicina (composto natural).
Pode verificar-se que o OH
passou para uma posição axial
Figura 141 - Netilmicina (estava em equatorial), pelo que
as nucleotidiltransferases deixaram de poder atuar. Outra modificação neste composto
foi a substituição de uma amina por uma amina muita mais volumosa, que por
impedimento estérico, não permite a atuação das aminoacetiltransferases. Outra
alteração ainda foi a inclusão de uma dupla ligação no anel, perdendo o OH, passando
a não permitir a atuação das fosfotransferases e das nucleotidiltransferases. Este fármaco
é utilizado para infeções sistémicas.

BEATRIZ BALDAQUE 85
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Outro exemplo de modificações


moleculares é a Amicacina, que foi
obtida por semissíntese da Canamicina
A. A substituição mais relevante foi a
introdução de uma amina volumosa (4-
amino-2-hidroxibutirilo) que impede o
acesso das enzimas à molécula. Para
além disso, apresenta menor toxicidade,
Figura 142 - Amicacina
maior duração de ação e um maior
espetro de atividade.
A Isepamicina é outro análogo
formado por modificação molecular.
Apresenta uma estrutura muito
semelhante à da amicacina. Também
possui um largo espetro de ação, muito
estável às enzimas inativantes, baixa
toxicidade renal e do ouvido interno e
só deve ser utilizado nas infeções por Figura 143 - Isepamicina
microrganismos resistentes à amicacina.

RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

Importante para a atividade


1º alvo pra inativação enzimática
NH2 em C6’ e C2’ são importantes
Metilação em C6’ ou 6’-NH2 ->
atividade semelhante
Resistência a nível do 6’-NH2
OH em C3’ e C4’ não são importantes

Grupos menos sensíveis


2’’-OH se passar a:
→ 2’’-desoxi → diminui a atividade
→ 2’’-NH2 → aumenta a atividade
3’’-NH2, quer seja amina primária ou Permite poucas modificações
secundária não interfere na atividade Acilação em 1-NH2 -> atividade
4’’-OH axial é semelhante a equatorial semelhante

BEATRIZ BALDAQUE 86
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

EFEITOS ADVERSOS

- Nefrotóxicos;
- Ototóxicos;
- Erupção cutânea e raramente febre.

NOTA: Devido à sua toxicidade só são utilizados em casos de resistências às β-lactamases.

BEATRIZ BALDAQUE 87
ANEXOS
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Glucocorticóides
MODIFICAÇÕES MOLECULARES
Dupla ligação no anel A  Torna-o mais plano,
melhora a interação com o recetor  Aumento
da atividade glucocorticóide
Flúor em C9  Aumenta a atividade anti-
inflamatória
Metilo em C16  Protege estericamente o grupo
em C17  Impede interação com o recetor
mineralocorticóide  Aumenta a atividade anti-
inflamatória e diminui a atividade
mineralocorticóide
Grupos volumosos em C17α  Impedimento estérico  Impede ataque das enzimas

Aumenta a lipofilia  Aumenta a afinidade para os recetores  Aumenta tempo ½

Aplicação tópica
Anel “extra” entre C16 e C17  Dificulta a interação com o recetor mineralocorticóide

(pró-fármaco) Anula os efeitos mineralocorticóides

OH em C11  Interação de H extra com o recetor


C21  Pró-fármacos

Mineralocorticóides

Espironolactona – Antagonista da aldosterona


e tem administração oral.

BEATRIZ BALDAQUE ii
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Androgénios

Testosterona

CH3 em C17α

Stanozolol e
Dromostanolona,
respetivamente.

A espironolactona (antagonista da aldosterona) também pode ser um antiandrogénio.

O Finasteride é um inibidor da 5α-redutase


(antiandrogénio) e um 4-azasteróide.

BEATRIZ BALDAQUE iii


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Estrogénios

Estradiol

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

OH em C3 e em C17  ésteres/éteres (pró-fármacos)  aumento do tempo ½


Grupo etinilo em C17α  protege o OH em C17  administração por via oral
Introdução de grupos volumosos  efeito antagonista

Progestagénios

Progesterona

C19-nor  Aumento da atividade progestagénica


Grupo etinilo em C17α  Aumento da lipofilia

Protege o grupo carbonilo de C17  Administração por via oral
Grupo volumoso em C11β  efeito antagonista

BEATRIZ BALDAQUE iv
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Sulfamidas

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

Heterociclo em R2  baixa
ligação às proteínas plasmáticas
 rapidamente absorvidas e
eliminadas
Grupos lipofílicos em R2 
elevada ligação às proteínas plasmáticas  aumento do t ½
Grupos polares (pró-fármacos) em R1  pouco absorvidos
A amina que possui R2 deve ser primária ou secundária, pelo
que apenas pode ter um substituinte.

Interações com o recetor

ALVO : di-hidropteroato sintetase


AÇÃO: bacteriostática
MECANISMO DE AÇÃO: Impedem o crescimento das bactérias (elas atuam inibindo a
formação dos ácidos folínicos).
É a partir do ciclo dos folatos que se introduz uma unidade metilénica nas bases que são
constituintes do DNA e do RNA. Por isso, são necessários os co-fatores, como o ácido tetra-
hidrofólico (FAH4), que é o precursor dessas unidades metilénicas para as bases dos DNA
e RNA. No homem, estes precursores provêm da dieta através do ácido fólico. No
entanto, as bactérias, vão buscar este FAH4 aos precursores da guanosina, porque têm
uma enzima que o hospedeiro não possui – di-hidropteroato sintetase – e a partir do ácido
p-aminobenzóico (PABA) sintetizam o ácido di-hidropteridóico, que é um precursor dos
ácidos folínicos. Ou seja, a via metabólica é distinta  seletividade. Os fármacos
(sulfamidas) inibem a di-hidropteroato sintetase (inibidor competitivo), que só existe nas
bactérias, e, assim, não é possível atingir o precursor tetra-hidrofolato (FAH4), que é
essencial para a síntese das bases púricas e pirimidínicas, pelo que as bactérias não
crescem.

BEATRIZ BALDAQUE v
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Penicilinas

MODIFICAÇÕES MOLECULARES
Quanto maior a tensão,
maior a atividade

NH2, Cl, heterociclos, permitem


a administração oral

Deve estar livre, pois


interage com o recetor
na forma ionizada
Grupos eletrofílicos –
administração oral
Grupos volumosos –
resistência às β-lactamases
Grupos hidrofílicos – aumento
do espetro de ação

Pró-fármacos com carregador tripartido, porque o éster não está diretamente ligado ao
C=O. O objetivo foi aumentar a lipofilia e a administração oral com estes pró-fármacos.
Substituição de α-amino por α-carboxílico (na cadeia lateral)  ionizável  hidrofílico 
largo espetro de ação ↓
Grupo eletrofílico  resistentes a pH gástrico via oral

ALVO : PBP
AÇÃO: bactericidas
MECANISMO DE AÇÃO: inibem a síntese
da parede celular das bactérias.
Mimetizam a D-alanil-D-alanina (devido
às semelhanças estruturais), ligando-se
ao local ativo da transpeptidase, pelo
que inibem esta enzima, fazendo com
que a parede celular da bactéria fique
instável e cause deregulação da
pressão osmótica, levando à lise celular
e morte da bactéria.

BEATRIZ BALDAQUE vi
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Cefalosporinas
Metoxilo: maior resistência
a β-lactamases
MODIFICAÇÕES MOLECULARES Carbamoiloximetilo: aumento da
estabilidade metabólica
Metilo: aumento da estabilidade
metabólica e da absorção oral
Piridínio: aumento da estabilidade
metabólica e da solubilidade em água
S-nucleófilo: maior duração de ação

Fenilglicilo: maior absorção oral


e resistência a pH ácido.
Iminometoxilo: maior
estabilidade a β-lactamases
Oximino: maior resistência a β-
lactamases
Anel aminotiazol: maior
atividade para gram negativo

Substituição Isostérica no Anel: Passou de S a O  Aumento da tensão anelar 


aumento da atividade para gram negativo

ALVO : PBP
AÇÃO: bactericidas
MECANISMO DE AÇÃO: inibem a síntese
da parede celular das bactérias.
Mimetizam a D-alanil-D-alanina (devido
às semelhanças estruturais), ligando-se
ao local ativo da transpeptidase, pelo
que inibem esta enzima, fazendo com
que a parede celular da bactéria fique
instável e cause deregulação da
pressão osmótica, levando à lise celular
e morte da bactéria.

BEATRIZ BALDAQUE vii


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Carbapenemos

Dupla ligação entre C2 e C3  aumenta


a tensão anelar
Elevada polaridade  não é absorvido
pela via gastrointestinal
Cadeia lateral em C6  resistência às β-
lactamases
Largo espetro
Aminoacilpirrolidina em C3  resistências às desidropeptidases
Metilo em C1  resistência às desidropeptidases
Aromático em R  maior tempo ½

Monobactâmicos

Apenas um anel β-lactâmico


Espetro de ação para gram negativo

BEATRIZ BALDAQUE viii


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Glicopeptídeos

Elevada lipofilia  absorção oral

Apenas eficazes para gram positivo

Longas cadeias alquílicas impedem a dimerização

Usados como fases estacionárias quirais

ALVO : Transpeptidase e transglicosidase


AÇÃO: bactericidas
MECANISMO DE AÇÃO: inibem a síntese da parede celular das bactérias. Os
glicopeptídeos vão ligar-se à porção terminal D-alanil-D-alanina dos precursores que vão
formar a parede celular, e como a vancomicina é uma molécula volumosa (com
conformação rígida e fixa), por impedimento estérico, vai bloquear o acesso das enzimas
transpeptidase e transglicosidase, ou seja, interfere na etapa de transglicosidação
(formação das ligações glicosídicas entre os açúcares) e transpeptidação (formação das
ligações cruzadas entre as cadeias), pelo que a parede celular fica fraca e não
consegue controlar a entrada e saída de água,
ocorrendo osmólise e, consequentemente, lise celular.

BEATRIZ BALDAQUE ix
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Tetraciclinas
Dimetilamino – aumenta a lipofilia

Combater as resistências: grupo N,N – dialquilglicilamido em C9, manteve a atividade


antibacteriana, mas também possuiu atividade contra bactérias resistentes às
tetraciclinas (por efluxo e proteção ribossomal)  Gliciltetraciclinas.

ALVO : Subunidade 30S do ribossoma


AÇÃO: bacteriostática
MECANISMO DE AÇÃO: ligam-se à subunidade 30S do ribossoma bacteriano, o que
impede a associação do aminoacil-tRNA ao complexo ribossomal ou mRNA. Dessa
forma, vai ser inibida a interação codão-anticodão no local A dos ribossomas, impedindo
que ocorra a formação das cadeias peptídicas

BEATRIZ BALDAQUE x
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Cloranfenicol

CH2N3 – uso oftálmico

Largo espetro de ação.

Usado para infeções oculares e febre tifóide.

Apenas o estereoisómero D-(-)-treo-isómero é ativo.

Pró-fármacos aumentam a lipofilia.

ALVO : Subunidade 50S do ribossoma


AÇÃO: bacteriostática
MECANISMO DE AÇÃO: liga-se à subunidade 50S do ribossoma (em vez de ser à 30S como
acontece com as tetraciclinas), inibindo a transpeptidase e, consequentemente, impede
a transpeptidação (impede a incorporação de novos aminoácidos na cadeia peptídica
em formação). A sua ação é bacteriostática e a inibição estereoespecífica.

Oxazolidinonas

ALVO : Subunidade 50S do ribossoma


AÇÃO: bacteriostática
MECANISMO DE AÇÃO: ligam-se e fixam-se à
subunidade 50S do ribossoma, impedindo a formação do complexo 70S, que é essencial
na transcrição, pelo que a síntese proteíca será bloqueada. Atuam na fase inicial de
organização ribossomal.

BEATRIZ BALDAQUE xi
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Quinolonas

Flúor – aumenta a atividade


e facilita a entrada do
fármaco na célula

Ciclopropilo: alaragamento
do espetro de ação

Se em vez de N for C:
diminuição das reações
adversas

Piperazina - aumenta a
absorção por via oral, a
distribuição tecidual e a
estabilidade metabólica

6-fluorquinolonas  usadas para infeções urinárias

ALVO : Topoisomerase II e Topoisomerase IV


AÇÃO: bactericida
MECANISMO DE AÇÃO: A topoisomerase é uma enzima que torna o DNA mais compacto
e biologicamente ativo. Como tal, se esta enzima for inibida (por formação de um
complexo não intercalante do fármaco, enzima e DNA), não haverá separação das
cadeias de DNA, pelo que há diminuição do super-enrolamento e o DNA irá ocupar a
maioria do espaço intracelular da bactéria. Consequentemente, as extremidades livre
do DNA vão provocar uma síntese descontrolada de mRNA e de proteínas, levando
mesmo à morte da bactéria.

BEATRIZ BALDAQUE xii


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Macrólidos

OCH3 em C6  Maior estabilidade a pH gástrico  Maior absorção oral


Grupo oximino em C9  grupo volumoso e lipofílico  aumento do t ½  maiores
concentrações séricas e tecidulares  diminuição dos problemas gastrointestinais
N na posição 10 (no anel)  aumenta a basicidade  maior atividade para bactérias
gram negativo  diminuição dos efeitos gastrointestinais
Carbonilo em C3  impede a indução de resistências
Ciclocarbamato em C11/C12  grupo volumoso  menor metilação ribossomal 
aumento da atividade

ALVO : Subunidade 50S do ribossoma


AÇÃO: bacteriostática
MECANISMO DE AÇÃO: ligam-se reversivelmente à subunidade 50S do ribossoma,
bloqueando o local P, prejudicando a transpeptidação e a translocação, ou seja, toda
a síntese proteíca.

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA: impermeabilização da membrana exterior, metilação dos


ribossomas, inativação por via enzimática, efluxo, proteção ribossomal.

BEATRIZ BALDAQUE xiii


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Aminoglicosídeos

Dupla ligação: não


permite a atuação das
fosfotransferases e das
nucleotidiltransferases

OH axial: impede a
atuação das
nucleotidiltransferases

NHCH2CH3: amina mais


volumosa, por impedimento
estérico, impede a atuação
das aminoacetiltransferases

Se a amina for muito volumosa no anel II, permite uma maior duração de ação, um maior
espetro de atividade e menor toxicidade.

USOS: Infeções sistémicas

ALVO : Subunidade 30S do ribossoma


AÇÃO: bactericida
MECANISMO DE AÇÃO: ligam-se à subunidade 30S do ribossoma, induzindo uma leitura
errada da mensagem codificada no mRNA, formando proteínas defeituosas. Estas
proteínas irão integrar a membrana citoplasmática da bactéria e alterar-lhe a
permeabilidade, levando à lise da célula e morte da bactéria.

MECANISMOS DE RESISTÊNCIA: absorção diminuída, inativação enzimática, modificação


do ribossoma alvo, efluxo.

BEATRIZ BALDAQUE xiv


QUÍMICA FARMACÊUTICA II
PARTE 2
3º ANO – 1º SEMESTRE

Beatriz Baldaque | FFUP | 2015/2016


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

ÍNDICE

Capítulo 3 – Antivíricos………………………………………………………………..........................90
3.1. Generalidades……………………….……………………………………………………90
3.2. Vírus Herpes (Herpesvirinae)....…………………………………………………………95
3.3. Vírus Influenza…………………………………………………………………………….102
3.3.1. Adamantanos e derivados da Adamantanamina……………….....104
3.3.2. Inibidores da Neuraminidase……………………………………………...104
3.3.3. Inibidores da Desidrogenase do Monofosfato de Inosina…………..107
3.3.4. Inibidores nucleosídeos da RNA polimerase…………………………...108
3.3.5. Inibidores não nucleotídeos……………………………………………….108
3.4. Família Retroviridae……………………………………………………………………..109
3.4.1. Inibidores da Transcriptase Reversa……………………………………..110
3.4.2. Inibidores da Protease……………………………………………………...114
3.4.3. Inibidores da Integrase……………………………………………………..120
3.4.4. Inibidores da fusão…………………………………………………….........121
3.5. Vírus da Hepatite C……………………………………………………………………...122
3.5.1. Inibidores da Protease……………………………………………………...122
3.5.2. Inibidores da Replicase…………………………………………………….123
Capítulo 4 – Anticancerígenos……………………………………………………………………...125
4.1. Quimioterapia convencional………………………....………………………………128
4.1.1. Fármacos com atuação direta no DNA………………………………..128
4.1.1.1. Agentes alquilantes……………………………………………..128
I. Mostardas Nitrogenadas……………………………………..129
II. Mitomicina C…………………………………………………..132
III. Metanossulfonatos…………………………………………...133
IV. Nitrosureias……………………………………………………133
V. Carbazinas…………………………………………………….133
VI. Cis-Platina e derivados……………………………………..134
4.1.1.2. Agentes intercalantes…………………………………………..135
I. Acridinas………………………………………………………...136
II. Antraciclinas…………………………………………………...136

BEATRIZ BALDAQUE 88
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

III. Antraquinonas.………………………………………………..138
IV. Actinomicinas………………………………………………...139
Agentes Não Intercalantes……………………………………139
4.1.1.3. Agentes degradantes…………………………………………..140
4.1.2. Fármacos com intervenção na síntese do DNA………………………141
4.1.2.1. Inibidores da di-hidrofolato redutase……………………......141
4.1.2.2. Inibidores da aminofosforibosiltransferase………………….143
4.1.2.3. Inibidores da sintetase do timidilato…………………………144
4.1.2.4. Inibidores da DNA polimerase………………………………...146
4.1.2.5. Inibidores da redutase do ribonucleótido…………………..146
4.1.3. Fármacos que têm como alvo o aparelho mitótico…………………147
4.1.3.1. Derivados da podofilotoxina……………………………….....147
4.1.3.2. Alcalóides da vinca……………………………………………..147
4.1.3.3. Taxol e derivados………………………………………………...148
4.1.4. Fármacos com atuação em recetores hormonais esteroídes..……149
4.2. Terapêutica alvo-dirigida (não convencional).…………………………………..150
4.2.1. Inibidores de anticorpos monoclonais………..…………………………151
4.2.2. Inibidores de pequenas moléculas / cinases de proteínas…………152
4.2.2.1. Inibidores competitivos do substrato…………………………153
4.2.2.2. Inibidores irreversíveis…………………………………………...153
4.2.2.3. Inibidores alostéricos…………………………………………….153
4.2.2.4. Inibidores competitivos do ATP……………………………….156
4.2.3. Cinases-alvo e inibidores…………………………………………………..157
4.2.3.1. Cinases de recetores ligados à membrana……………….157
4.2.3.2. Cinases intracelulares…………………………………………..157
4.2.4. Inibidores da desacetilase da histona (HDAC)……………………….160
4.2.5. Inibidores do sistema ubiquitina-proteossoma………………………..160

BEATRIZ BALDAQUE 89
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CAPÍTULO 3 – ANTIVÍRICOS

3.1. GENERALIDADES

Vírus são pequenos agentes infecciosos (submicroscópicos) que apresentam genoma


constituído por uma ou várias moléculas de ácido nucleico (DNA ou RNA), as quais
possuem cadeia simples ou dupla. Os ácidos nucleicos dos vírus geralmente apresentam-
se revestidos por um invólucro proteíco formado por uma ou várias proteínas, o qual pode
ainda ser revestido por um complexo envelope formado por uma bicamada lipídica. São
estruturas simples, quando comparados a células, e não são considerados organismos,
pois não possuem organelos ou ribossomos, e não apresentam todo o potencial
bioquímico (enzimas) necessário à produção de sua própria energia metabólica. São
considerados parasitas intracelulares obrigatórios (característica que os impede de serem
considerados seres vivos), pois dependem de células para se multiplicarem. Além disso,
contrariamente aos organismos vivos, os vírus são incapazes de crescer em tamanho e
de se dividir. A partir das células hospedeiras, os vírus obtêm: aminoácidos e nucleotídos;
maquinaria de síntese de proteínas (ribossomos) e energia metabólica (ATP). Fora do
ambiente intracelular, os vírus são inertes. Porém, uma vez dentro da célula, a
capacidade de replicação dos
vírus é surpreendente: um único
vírus é capaz de multiplicar, em
poucas horas, milhares de novos
vírus. O virião corresponde à
partícula vírica completa. Os vírus Figura 144 – Estrutura do virião e nucleocápside
podem ser classificados em vírus DNA ou vírus RNA, de acordo com o seu genoma.
Há vírus para os quais a melhor estratégia terapêutica é a vacinação. Normalmente, a
vacina é um fragmento do vírus que não é virulento (atenuado) que irá provocar uma
resposta imunológica por parte do hospedeiro, ou seja, os antigénio presentes na vacina
promoverão a formação de anticorpos no hospedeiro, criando “resistências” a esse vírus.
A vacinação é efetiva contra a maioria dos vírus, mas é pouco efetiva contra vírus que
sofrem rapidamente mutações. Outra alternativa são os antivíricos, que são úteis em
doenças víricas onde não existem vacinas ou onde as infeções já tenham acontecido,
pelo que a vacina já não é eficaz.

BEATRIZ BALDAQUE 90
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CICLO DE VIDA DO VÍRUS

Os fármacos irão atuar em diferentes fases deste ciclo de vida do vírus. A primeira etapa
é designada de absorção, em que ocorre o reconhecimento molecular entre recetores
da membrana do hospedeiro e as partículas víricas. A segunda etapa é a penetração
do vírus na célula, que pode ocorrer por endocitose ou por fusão da membrana do vírus
com a membrana da célula, havendo posteriormente libertação do conteúdo do vírus
no citoplasma ou no núcleo da célula (descorticação). Seguidamente há a replicação
e a transcrição (alvo muito comum) e a associação das macromoléculas seguida da sua
saída para o exterior da célula. A
saída pode ser efetuada por dois
processos: os vírus sem envelope
rebentam a célula do hospedeiro
e os vírus com envelope saem por
um processo similar à exocitose,
designado de budding. Por fim, há
a libertação dos viriões. Figura 145 – Ciclo de vida do vírus

Uma proteína para ser um potencial alvo deve: ser importante para o ciclo de vida do
vírus, de forma a que a inibição tenha um profundo efeito na infeção; ter poucas
semelhanças com as proteínas humanas (toxicidade seletiva); ter uma região comum a
uma variedade de vírus diferentes, para que se possam desenvolver fármacos com larga
atividade antivírica. Contrariamente ao que acontece com os antibióticos, os antivíricos
atuam no início do ciclo de vida do vírus, pois este usa a energia do hospedeiro e
pretende-se evitar o desgaste do hospedeiro ao máximo.
A descoberta dos antivíricos foi complexa, por um lado devido à falta de tecnologia
disponível e por outro lado devido às poucas proteínas existentes nos vírus (falta de
variedade de alvos). Na década de 80 há um boom na descoberta de novos agente
antivíricos, devido ao aparecimento da SIDA.

CARACTERÍSTICAS DE UM ANTIVÍRICO IDEAL

Um agente antivírico ideal deve apresentar, como qualquer outro quimioterápico, uma
boa biodisponibilidade. Além dessa carcterística devem ter um entrada facilitada na
célula infetada, possuir largo espetro de ação, ter especificidade para as enzimas víricas

BEATRIZ BALDAQUE 91
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

ou induzidas por vírus, possuir potência suficiente para a inibição completa da replicação
vírica, não desenvolver resistências (vamos verificar muitos casos de combinação), exibir
um mínimo de toxicidade para a célula hospedeira, não interferir com os mecanismos
normais de defesa celular e não suprimir o processo normal de desenvolvimento da
imunidade ativa do hospedeiro.

PLANEAMENTO DE AGENTES ANTIVÍRICOS

Os agentes antivíricos irão estar classificados em grupos, mas essencialmente existem dois
grandes grupos: os análogos de nucleosídeos e os não nucleosídeos. As enzimas alvo mais
comum são normalmente a DNA polimerase (nos vírus DNA), a protease, a transcriptase
reversa (nos vírus RNA) ou a integrase. Na terapêutica existe ainda um terceiro grupo que
é o dos oligonucleotídeos. Este grupo usa muito a terapêutica anti-sense, em que
sequências de RNA complementar ao RNA vírico vão ligar-se a esse RNA vírico por
complementaridade e bloquear a tradução do RNA vírico e a síntese proteíca. Estes
fármacos têm a vantagem de serem extremamente específicos e seletivos, no entanto
apresentam muito baixa biodisponibilidade, uma vez que são contituídos por nucleósidos
e o ser humano possui nucleases que os degradam rapidamente. O Formivirsen é um
exemplo destes fármacos e apresenta uma fosforilação. No entanto, esta fosforilação
não é feita por um grupo fosfato como seria de esperar, mas por um grupo fosfotioato, o
que aumenta a estabilidade metabólica do composto. Isto deve-se a uma modificação
por isosterismo, o que irá aumentar a lipofilia do composto e, consequentemente, o
tempo de semi-vida do composto. A estabilidade metabólica está relacionada com o
reconhecimento, pois o fosfotioato não é tão reconhecido como o fosfato, pelo que não
ocorre a sua hidrólise.

NOMENCLATURA DE NUCLEOSÍDEOS

Existem 5 bases, duas delas púricas (adenina e guanina) e três delas pirimidínicas (citosina,
timina e uracilo). Os nucleosídeos são constituídos por uma dessas bases e por uma ribose
(se nos estivermos a referir ao RNA) ou uma desoxiribose (se nos estivermos a referir ao
DNA). É importante distinguir um nucleotídeo de um nucleosídeo. Os nucleotídeos
correspondem ao nucleosídeos fosforilado e são os que aparecem nos ácidos nucleícos.

BEATRIZ BALDAQUE 92
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 146 – Nomenclatura de nucleosídeos Figura 147 – Nomenclatura dos açúcares

ATIVAÇÃO DE NUCLEOSÍDEOS

Para haver crescimento da cadeia de DNA


ou RNA, os nucleosídeos devem sofrer
fosforilação pela cinase, mais precisamente
trifosforilação.
Figura 148 – Trifosforilação

Os nucleosídeos irão ser modelos para fármacos, pelo


que deve ter-se em atenção as porções que são
essenciais para a atividade (quer para as cinases quer
para a DNA polimerase). Os grupos essenciais são o
Figura 149 - Nucleosídeo hidroximetilo, pois é ele que vai ser fosforilado, e a base
(púrica ou pirimidínica), já que é ela que estabelece as interações no DNA. Assim, as
modificações moleculares serão limitadas. Apenas poderão ocorrer no espaçador, que
é um açúcar com configuração cis e que tem como função manter as duas unidades
estruturais fundamentais para o reconhecimento molecular na orientação correta.
A DNA polimerase tem como função o elongamento da cadeia de DNA.

ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS

Os vírus têm de ser classificados em dois tipos: os que codificam as próprias cinases e os
que não. O passo limitante do reconhecimento molecular é a monofosforilação. Então o
candidato a fármaco sofre fosforilação por uma cinase vírica, caso o vírus a possua, ou

BEATRIZ BALDAQUE 93
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

por uma cinase


celular, caso não
possua. Depois de
o análogo do
nucleosídeo já
Figura 150 – Monofosforilação do análogo do nucleosídeo
estar trifosforilado
podemos ter duas situações: ou inibe o DNA/RNA polimerase do hospedeiro e é tóxico ou
inibe apenas a DNA/RNA polimerase vírica e é o fármaco ideal. Assim, todos os análogos
de nucleosídeos necessitam de sofrer uma metabolização in vivo, pelo que serão todos
pró-fármacos. Deste modo, existirão pró-pró-fármacos, isto é, pró-fármacos de pró-
fármacos.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES

 MODIFICAÇÕES NOS AÇÚCARES


As posições que são mais modificadas
nos açúcares são essencialmente a 2 e a
3, uma vez que possuem quatro
substituintes e estereoquímica, pelo que
a diversidade de modificações é maior.
Uma das modificações é a introdução
de uma ligação duplas entre C2 e C3,
outra é a remoção do OH em C3. Estas
duas estratégias vão dar origem a
fármacos que são terminadores de
cadeia, pois não possuem um OH em 3’,
pelo que a cadeia não cresce. Também
irão existir 2’-desoxiaçúcares ou
arabinoaçúcares, em que o OH em 2’ Figura 151 – Modificações nos açúcares
está na configuração oposta. Outros análogos são os isósteros do oxigénio, que
podem ter configuração oposta à natural (L). Modificações mais drásticas são a
diminuição ou aumento do heterociclo. A síntese destes análogos de nucleosídeos é
feita com o que há disponível na natureza, pelo que os cuidades necessários são
apenas relacionados com a estereoquímica.

BEATRIZ BALDAQUE 94
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

 MODIFICAÇÕES NAS BASES


Esta é uma região, que tal como já foi referido anteriormente, não pode sofrer muitas
alterações, pois é a zona que
estabelece interações com o DNA.
Ou seja, se houver modificações
nesta região não haverá
reconhecimento molecular, não
sendo possível a criação desse
antivírico. As modificações que se
podem efetuar são a introdução
de um halogéneo ou a alteração Figura 152 – Modificações nas bases
por um isóstero.

 MODIFICAÇÕES NO FOSFATO
Já foi referido anteriormente que o fosfato era uma zona essencial. Ocorre nos
análogos de nucleótidos, que iremos ver mais à frente, pois os nucleósidos não
possuem grupo fosfato. Nos monofosfatos de nucleósideos ou temos a substituição do
O por um C, que confere resistência e estabilidade metabólica por já não ser
suscetível à hidrólise, ou a criação de pró-fármacos. Estes análogos de nucleótidos
são maioritariamente usados para vírus que não possuem cinases, já que o passo
limitante já não necessita de ocorrer porque o composto já está fosforilado.

3.2. VÍRUS HERPES (HERPESVIRINAE)

Na família Alphaherpesvirinae, o vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1) é o herpes labial, o


vírus herpes simplex tipo 2 (HSV-2) é o herpes genital e o vírus varicela zoster (VZV) está
associado à varicela e à zona. Na família Betaherpesvirinae, exitem o citomegalovirus
(CMV), o vírus herpes humano tipo 6 (HHV-6) e o vírus herpes humano tipo 7 (HHV-7), que
estão associados ao papiloma humano. Na família Gamaherpesvirinae, existem o vírus
Epstein-Barr (EBV) e o vírus herpes humano tipo 8 (HHV-8).

BEATRIZ BALDAQUE 95
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CICLO DE VIDA DO VÍRUS HERPES

Estes vírus possuem o ciclo de vida que já foi explicado no tópico 3.1., mas é de realçar
que a sua penetração dá-se por fusão e a sua libertação dá-se por budding.Além disso
possuem as suas próprias cinases e DNA polimerase.

ALVOS PARA VÍRUS HERPES

Um grande avanço dos antivíricos é o facto de eles codificarem para cinases víricas que
são diferentes das humanas, o que faz com que muitos dos antivíricos só sejam ativados
no interior das células que estão infetadas. Os alvos serão então a DNA polimerase,
porque tem também propriedades diferentes da DNA polimerase humana, e a cinase da
timidina. Nos antivíricos para a família de Herpes, os fármacos serão análogos de
nucleosídeos, análogos de fosfonatos de nucleosídeos e não nucleosídeos.

ANÁLOGOS NUCLEOSÍDEOS

O Aciclovir foi descoberto por screening de compostos e foi


o primeiro antivírico seguro e não tóxico, devido à sua
seletividade. É usado para o tratamento do herpes simplex 1
e 2 e do varicela zoster. No
entanto, possui baixa
Figura 153 - Aciclovir biodisponibilidade oral, o que
permitiu realizar modificações moleculares. Reparando na sua
estrutura, verifica-se que este fármaco é um análogo acíclico Figura 154 – 2’-desoxiguanosina
da 2’-desoxiguanosina. Como não possui um OH em 3’ irá ser um terminador de cadeia.
O alvo deste fármaco irá ser a DNA polimerase. Ele sofre a primeira fosforilação por
cinases do vírus, a segunda e a terceira fosforilações já são por cinases celulares. Na
forma trifosforilada, ele é incorporado na cadeia de DNA, pelo reconhecimento pela
DNA polimerase. Uma vantagem deste fármaco é que mesmo nas células infetadas ele
tem uma afinidade para a DNA polimerase vírica 50 vezes superior à afinidade para a
DNA polimerase humana, daí ser tão seletivo e tão pouco tóxico. O mecanismo de ação
deste fármaco é competitivo reversível como inibidor da DNA polimerase vírica. Este
composto só atua nas células não infetadas porque só estas é que o bioativam, ele não

BEATRIZ BALDAQUE 96
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

é substrato das cinases celulares, só é substrato das cinases víricas, pelo que só pode exibir
toxicidade nas células que possuem o vírus.

Figura 155 – Mecanismo de ação do aciclovir

Como a sua biodiponibilidade oral é muito reduzida, a sua aplicação é maioritariamente


tópica. Como tal, houve o desenvolvimento de pró-fármacos: Valaciclovir e Desciclovir.
O desciclovir é um pró-fármaco bioprecursor, pois sofre biotransformação pela xantina
oxidase, pelo que é mais apolar. No entanto, possui alguma toxicidade, pelo que não
tem grande expressão terapêutica. O valaciclovir é um pró-fármaco com carregador,
que melhorou a biodisponibilidade oral do fármaco, pois o aminoácido adicionado vai
ser reconhecido pelos carregadores peptídicos da membrana intestinal. No entanto, este
mecanismo só funciona com a L-valina, a D-valina não é reconhecida pelos
transportadores. Não
esquecer que a
quiralidade é
importante no
reconhecimento
molecular!

Figura 156 – Pró-fármacos do aciclovir

Um análogo muito semelhante ao aciclovir, que surge posteriormente, é o Ganciclovir. A


única diferença é a presença do grupo hidroximetileno. Assim, o ganciclovir não será
terminador de cadeia, pois apresenta este grupo está a mimetizar a posição 3’ do

BEATRIZ BALDAQUE 97
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

açúcar. Este fármaco tem uma grande importância, pois,


contrariamente ao aciclovir, ele é reconhecido também pelas
cinases do citomegalovírus. No entanto, tal como o aciclovi, possui
baixa biodisponibilidade oral e possui um pró-fármaco com L-valina
(Valganciclovir).
Figura 157 - Ganciclovir

O Famciclovir, que também é um análogo da 2’-desoxiguanosina, é um pró-fármaco que


por ação de esterases irá originar o Penciclovir, que tem maior potência e maior duração
de ação que o aciclovir. No entanto, mantém a baixa biodisponibilidade oral.

Figura 158 – Famciclovir e Penciclovir

ANÁLOGOS DA 2’-DESOXIADENOSINA

A Vidarabina foi um dos primeiros fármacos que foi amplamente utilizado como antivírico
para Herpe e que atualmente praticamente não tem expressão. Este composto foi
isolado de produtos marinhos. É de realçar que não deveria ser um terminador de cadeia,
mas que no entanto o açúcar é uma arabinose em que o 2’-
OH se encontra em trans relativamente ao 3’-OH, pelo que
irá causar impedimento estérico e inibição da DNA
polimerase, e vai funcionar como terminador de cadeia. Daí
ele ser um inibidor e não um mero substrato. A
Figura 159 - Vidarabina
monofosforilação deste composto não é seletiva para
as cinases do vírus, ele é igualmente fosforilado por
cinases celulares, ou seja, é tóxico, razão pela qual não
é muito usado na terapêutica. Este análogo funciona Figura 160 – 2’-desoxiadenosina
como inibidor reversível competitivo da DNA polimerase vírica.

ANÁLOGOS DA 2’-DESOXIURIDINA
A Idoxuridina e a Trifluorotimidina são dois compostos que praticamente não têm
relevância terapêutica e possuem apenas aplicação tópica, uma vez que não

BEATRIZ BALDAQUE 98
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

apresentam toxicidade seletiva. Também


estes compostos são ativados por cinases
celulares, isto é, não há seletividade para
cinases víricas. Assim, eles sofrem fosforilação
pelas cinases quer nas células infetadas quer
Figura 161 – Idoxuridina e Trifluorotimidina
nas células não infetadas. O mecanismo de
ação é idêntico ao anterior, ou seja, são inibidores da DNA polimerase, mas neste caso
não são terminadores de cadeia, pois, enquanto que na vidarabina o OH causa
impedimento estérico e permite esse mecanismo, nestes
compostos existe o 3’-OH. Estes compostos apresentam um
espetro mais alargado, pelo facto de não serem seletivos
(maior toxicidade), o que também faz com que sejam
Figura 162 – 2’-desoxiuridina
apenas de uso tópico.
O Zonavir, a Sorivudina e a Brivudina são fármacos que não se encontram na
terapêuticas em Portugal e possuem alguma toxicidade, uma vez que são substrato de
cinases celulares e de cinases víricas. No entanto, eles podem ser usados para a varicela
zoster (VZV), pois são bons substratos para cinases deste vírus. Assim, em situações de
resistências ao aciclovir, estes fármacos podem ser administrados. O zonavir é um dos
poucos casos que possui modificações moleculares na base: tem um alcino na uridina.
Este fármaco, por ter a particularidade de ser muito seletivo para VZV, acabou por ter
muitos análogos (como a sorivudina e a brivudina). A brivudina é um dos primeiros
açúcares em que começa
a alteração do açúcar por
isósteros. Este fármaco
apresenta, no entanto,
alguma toxicidade pois há
formação de uma base (ler Figura 163 – Análogos da 2’-desoxiuridina
tópico seguinte), o que limita a sua aplicação terapêutica.

METABOLISMO DOS NUCLEOSÍDEOS

Todos os análogos de nucleosídeos que falamos são suscetíveis a uma metabolização


extensa, uma vez que são blocos que em muito se assemelham a substratos endógenos
que o ser humano possui. Como são moléculas relativamente polares, irá ocorrer

BEATRIZ BALDAQUE 99
2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

essencialmente a glucuronação
(conjugação com o ácido glucurónico),
que é frequente na posição terminal do
açúcar (OH-C-5’). Também pode ocorrer
desaminação oxidativa no carbonilo, por
isso é que os derivados da adenosina são
escassos, encontramos mais derivados
da inosina. Outra modificação passível
de ocorrer é a fosforilação, em que há a
quebra da ligação entre o açúcar e a Figura 164 – Metabolismo dos nucleosídeos
base, sendo que a base que fica livre é altamente tóxica.

RESISTÊNCIAS

Estes compostos ainda existem e estão na terapêutica devido a problemas de


resistências. Os mecanismos de resistência mais comuns para o aciclovir são as mutações
da cinase da timidina vírica e mutações na DNA polimerase vírica. Assim, justifica-se a
continuidade destes fármacos. Estes problemas são mais avassaladores em doentes
imunossuprimidos, pelo que há a necessidade de criação de novos fármacos e novos
alvos.

REAÇÕES ADVERSAS

- Náuseas, vómitos e diarreia;


- Erupções cutâneas;
- Maior produção de enzimas hepáticas;
- Reações inflamatórias após administração intravenosa.

NÃO NUCLEOSÍDEO

O Foscarnet Sódico é um dos raros exemplos de fármacos em que só temos o fosfato


modificado. É pouco utilizado na terapêutica, sendo apenas usado em casos de infeções
em doentes imunossuprimidos ou em infeções com resistência ao aciclovir. A estratégia
deste fármaco era atuar em vírus que não codificassem cinases, isto é, que tivesse um

BEATRIZ BALDAQUE 100


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

espetro de ação superior. Este fármaco inibe a DNA


polimerase vírica. sem ter que existir uma monofosforilação.

Figura 165 – Foscarnet

ANÁLOGOS FOSFONATOS DE NUCLEOSÍDEOS (OU ANÁLOGOS DE NUCLEOTÍDEOS)

Com a esta ideia de estratégia usada pelo Foscarnet, surge uma nova geração de
agentes antivíricos. A estratégia passa por fazer uma hibridação, em que há a fusão da
ideia do análogo nucleosídeos acíclico com um monofosfato (Foscarnet). Este composto
irá ter menor reconhecimento pelas fosforilases, logo, maior estabilidade molecular. O
primeiro deste fármacos foi o Cidofovir. Estes compostos apresentam um largo espetro,
pois não precisam de ser monofosforilados (que é o passo limitante), pelo que irão ter
atividade em vírus com e e sem cinases (pelo que são menos seletivos, levando a alguma
toxicidade). Apesar disso, apresentam uma
elevada seletividade para a DNA
polimerase, mas baixa biodisponibilidade
oral (devido à sua elevada polaridade).
Também possuem alguma toxicidade renal
e, para resolver esse problema, podem ser
Figura 166 – Cidofovir + probenacide
administrados conjuntamente com o
probenacide (fármaco transportado pelos túbulos renais – fármaco sentinela), o que
acaba por melhorar o perfil farmacocinético deste composto.
Devido às resistências, existem outros análogos anti-herpes (não nucleosídeos) em
desenvolvimento. Nos últimos anos, o Maribavir foi o que teve mais avanços, no entanto,
não apresentou grande atividade, pelo que foi abandonado. Este fármaco inibe cinases
de proteína UL97 (que o acilovir não era capaz). Outros fármacos que têm evoluido
bastante são os derivados tiazolifenilo que são inibidores da helicase primase (esta
enzima facilita a replicação do DNA e atua antes da DNA polimerase).

BEATRIZ BALDAQUE 101


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3.3. VÍRUS INFLUENZA

Ao contrário do Herpes (que era DNA), este é um vírus RNA, de cadeia simples. Este vírus
é o responsável pela gripe e afeta as
células epiteliais do trato respiratório
superior. Na sua constiuição apresenta,
além da cápside, uma membrana
exterior. Codifica a RNA polimerase,
neurominidase (NA) e hemaglutinina
(HA). Estas duas últimas são
glicoproteínas que estão à superfície da
membrana e funcionam como
Figura 167 – Vírus influenza
antigenes que definem as estirpes de
cada vírus. (NOTA: é importante saber o que o vírus codifica, porque normalmente serão
os alvos para os antivírcos). A Hemaglutinina é responsável pelo reconhecimento celular
das células do hospedeiro e aglutina os eritrócitos (daí o seu nome). A Neuraminidase (ou
sialidase) quebra unidades de ácido siálico (que está presente nas células epiteliais, no
muco e nas secreções).
Exitem três tipos de “vírus da gripe”: o A, o B e o C, sendo que o mais comum é o A. Neste
vírus ocorrem inúmeras mutações, pelo que todos os anos se tem de desenvolver novas
vacinas, pelo que é difícil, mesmo com a vacinação, combater este vírus. No ser humano,
os mais comuns são o H1N1 e o H3N2 (NOTA: As letras H e N remetem para as
glicoproteínas referidas anteriormente). Coloca-se então a questão: se há vacinação,
qual a necessidade de anti-víricos? A vacinação é profilática e funciona, mas não
protege totalmente devido às mutações antigénicas, ou seja, há situações em que é
necessário o tratamento e aí entram os antivíricos. As mutações
podem ser pequenas variações de antigénios (só dentro do vírus),
designadas de drift, ou podem ser mais acentuadas (mutações entre
antigénios do vírus e do hospedeiro), designadas de shift. A maioria
destes antivíricos foi descoberta por cristalografia de “raios-X”.
Ao longo dos anos já ocorreram algumas pandemias causadas por
este vírus. Uma delas foi a espanhola, porque houve transmissão do
vírus do animal para o homem, havendo o shift, levando a um
aumento de virulência do vírus.

Figura 168 – Pandemia espanhola

BEATRIZ BALDAQUE 102


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CICLO DE VIDA DO VÍRUS

Inicialmente, para o vírus atingir as células epiteliais tem de atravessar uma barreira física
(secreções, constituídas por
glicopeptídeos que possuem
terminalmente o ácido siálico).
Neste passo, a neuraminidase
tem um papel fundamental,
pois cliva o ácido siálico
terminal e solidifica as
secreções. A hemaglutinina irá
ser reconhecida por
glicoproteínas da membrana
das células do hospedeiro que
contêm ácido siálico na sua Figura 169 – Ciclo de vida do vírus Influenza
extremidade (não existindo aqui clivagem do mesmo, há um processo de endocitose).
Nesta fase, há uma diminuição brusca do pH, alterando-se a conformação das
glicoproteínas que estão na membrana (hamglutinina), libertando assim o material
genético do vírus (RNA) para o citoplasma. Ocorre, depois, a transcrição deste RNA e,
consequentemente, a RNA polimerase vai transformá-lo em RNA mensageiro que
codificará as proteínas do vírus. No final, a partícula vírica completa (virião) terá de ser
libertada da célula. Para isso, terá de haver síntese de hemaglutinina e neuraminidase,
que se irão acumular na região próxima do budding, havendo a libertação da partícula
com as proteínas do hospedeiro. No entanto, para haver esta libertação, a
neuraminidase terá que hidrolisar uma molécula de ácido siálico da membrana da célula
dos hospedeiro.
Os fármacos irão atuar em diferentes alvos: uns irão atuar na fase de libertação do
material genético do vírus para o citoplasma da célula do hospedeiro, inibindo este
processo, outros inibem o processo de transcrição da inosina monofosfaro desidrogenase,
outros são inibidores da RNA polimerase e ainda outros que inibem a neuraminidase.
Realmente, ao inibir a neuraminidase (alvo mais frequente), a entrada e principalmente
a saída do vírus da célula do hospedeiro irá ser dificultada.

BEATRIZ BALDAQUE 103


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3.3.1. Adamantanos e derivados da Adamantanamina

Estes fármacos atuam no processo de libertação do material genético do vírus para o


citoplasma da célula epitelial do hospedeiro. Quimicamente, estes compostos são
aminas e têm uma estrutura em gaiola. A
Amantadina foi descoberta por screening ao
acaso e, posteriormente, surge a
Rimantadina. O seu mecanismo de ação
consiste no bloqueio (relacionado com o
elevado volume destes compostos) do canal Figura 170 – Amantadina e Rimantadina
da proteína M2 ou matrix M2 (responsável pela entrada do protão H + para o interior do
endossoma, que faz com que o pH dessa célula diminua), por interação com o mesmo,
a baixas concentrações. Quando estamos na presença de altas concentrações, estes
fármacos apresentam um mecanismo de ação múltiplo, isto é, eles tamponam o meio,
ou seja, como eles são aminas irão neutralizar o pH do endossoma e, pelas duas razões,
impedem a deslocação do material genético do vírus para o citoplasma. Devido a
problemas de resistências a estes fármacos, têm sido desenvolvidos análogos. Estes
compostos são ativos para vírus Influenza A, mas inativos para Influenza B, já que este não
possui proteína M2. Essencialmente, são usados para tratamento, não tanto para
profilaxia. O seu uso é limitado devido a alguns problemas de resistências.

3.3.2. Inibidores da Neuraminidase

Estes compostos, basicamente, impedem a libertação do virião. Como? Ligam-se ao


local ativo da neuraminidase, impedindo que esta quebre os resíduos de ácido siálico
nos recetores da célula do hospedeiro, não permitindo a libertação de novos viriões. A
neuraminidase tem preferência por uma clivagem de glicopéptidos que existem no trato
respiratório superior.
A neuraminidase é uma glicoproteína tetramérica, ancorada na membrana vírica por
uma sequência única hidrofóbica de 29 aminoácidos. Esta é fácil de critalizar, já que
consegue isolar-se da partícula vírica (sem perda de atividade). Outra característica que
a torna interessante como alvo é o facto de ela ser constante no local ativo, ou seja,
facilmente há mutações nesta enzima mas não na região do local ativo. Esta enzima é
bastante distinta no hospedeiro.

BEATRIZ BALDAQUE 104


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RECONHECIMENTO MOLECULAR

Há quatro zonas essenciais. A bolsa


onde se liga o ácido siálico é
hidrofóbica e estabelece interações
iónicas e de hidrogénio, entre o
carboxilato do ácido siálico e a Arg-
371, o que posiciona a molécula no
local ativo. Além disso, para a
interação com o recetor, também é
importante a cadeia lateral glicerol e o
Figura 171 – Interações do ác. siálico no local ativo grupo acetamido (interações
hidrofóbicas e de hidrogénio). Os OH na posição 2 e na posição 4 estabelecem
interações de hidrogénio, sendo que o da posição 2 passa de equatorial para axial, de
modo a poder interagir com a Asp-151.

MECANISMO DE HIDRÓLISE

O ácido siálico não é o substrato, é o produto.


Primeiro, é necessário haver uma ionização
do ácido siálico, havendo a ligação aos
resíduos de arginina. Forma-se um
intermediário do estado de transição (catião
sialosil endocítico), que possui uma
conformação pseudo-barco. (NOTA: Não é
preciso saber em detalhe este mecanismo,
apenas é necessário saber que os análogos
Figura 172 – Intermediário de transição
foram desenvolvidos a partir do intermediário
do estado de transição, pois é este quem estabelece mais interações com o recetor).

O primeiro análogo a ser desenvolvido foi para mimetizar o intermediário do estado de


transição e a sua conformação. Surgiu o Neu5Ac2eno tinha atividade in vitro mas não
tinha qualquer atividade in vivo e também não era seletivo para o vírus. Por estudos de
docking verificou-se que um grupo amino na posição 4 permitia a atividade in vivo e mais

BEATRIZ BALDAQUE 105


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

tarde o grupo guanidino preencheu o pocket com maior afinidade (atividade 100x
superior), surgindo o Zanamivir. Assim, percebeu-se que o que era essencial para a
atividade era o ácido carboxílico, o glicerol, o grupo acetilamido e na posição 4 o
guanidino. Este Zanamivir tem atividade para vírus Influenza A e B, mas possui uma grande
limitação: tem baixa biodisponibilidade oral, porque é muito polar, pelo que é de
inalação. Esta limitação
conduziu ao Oseltamivir
(Tamiflu), que já apresenta
administração oral. Para
isso foram necessárias 4
alterações fundamentais. A
primeira está relacionada
Figura 173 – Zanamivir e Oseltamivir
com o grupo na posição 4,
em que voltamos à amina. A segunda é uma substituição isostérica do oxigénio por
metileno, para gerar maior hidrofobicidade. Como foi removido o grupo retirador de
eletrões, surge a terceira modificação que é a introdução de um grupo retirados de
densidade eletrónica (éter), que se verificou que com o aumento do número de
carbonos no éter (até ao propil), aumentava a atividade. Verificou-se também que a
cadeia ramificada dietil (no éter) era a que apresentava maior atividade. A última
substituição foi a criação de pró-fármacos no grupo carboxilato.
Por estudos do complexo com o recetor, percebeu-se que a cadeia do éter estabelecia
uma linteração hidrofóbica com o recetor, ligando-se ao pocket 2 (local hidrofóbico),
pelo que o Oseltamivir possui uma atividade superior.
O uso destes fármacos gerou o desenvolvimento de resistências, mas o estranho é que
as reistências são maiores para o Oseltamivir. Porquê? Porque, como o zanamivir não
apresenta a cadeia ciclopentilo (éter), é muito mais semelhante com o substrato, pelo
que quando se liga ao local ativo não há uma alteração da conformação do local ativo
da enzima. Já quando o oseltamivir se liga, vai haver necessidade de haver uma rotação
do aminoácido para que este fármaco consiga interagir no local ativo. Assim, a enzima
mutou essa região, causando impedimento estérico que impede a rotação do
aminoácido, não conseguindo ligar-se o oseltamivir.

BEATRIZ BALDAQUE 106


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Por isso, será melhor desenvolver análogos do zanamivir. Surge, então, o laninamivir, em
que as alterações em
relação ao zanamivir são,
essencialmente, ao nível da
cadeia lateral. Ele existe
como pró-fármaco, para
permitir a administração por
inalação (mas tem boa Figura 174 – Lanamivir e o seu pró-fármaco
biodisponibilidade oral).
Outros análogos surgiram da constrição do anel central, pois o
que é importante não é a estrutura do anel mas o forma como
posiciona os seus substituintes que são essenciais para a
atividade (ácido carboxílico, glicerol ou cadeia éter, guanidino
ou amino e o grupo acetamido). Assim, estes análogos possuem
esses substituintes, mas com constrição do anel. Um dos que está
Figura 175 - Peramivir na terapêutica é o Peramivir, que é um análogo estrutural do
ciclopentano.

3.3.3. Inibidores da Desidrogenase do Monofosfato de Inosina

A Ribavirina é um exemplo destes inibidores e que foi muito usada contra a Hepatite C. É
um dos poucos anti-víricos de largo espetro.
A enzima que inibe é responsável pela
transcrição e síntese de RNA. Possui um
mecanismo de ação múltiplo e pode ainda
ser utilizado em combinação. Um pró-
fármaco deste composto é a Viramidina.
Para a criação destes fármacos, as Figura 176 – Ribavirina e Viramidina
modificações moleculares acentuaram-se
na base.

BEATRIZ BALDAQUE 107


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

3.3.4. Inibidores nucleosídeos da RNA polimerase

Um exemplo destes fármacos é o Favipiravir, que é um


potente inibidor da RNA polimerase do vírus Influenza in vivo.
Ele é normalmente uma base e precisa de sofrer fosforilação
não por uma cinase mas por uma fosforibosil transferase, que
Figura 177 - Favipinavir irá introduzir a ribose e o monofosfato diretamente no
fármaco. Também possui alguma ação como inibidor da desidrogenase do monofosfato
de inosina, mas é um inibidor competitivo da RNA polimerase do vírus Influenza.

3.3.5. Inibidores não nucleotídeos

Estes fármacos estão em investigação, mas não estão na terapêutica. Não é conhecido
o seu mecanismo de ação.

Figura 178 – Inibidores não nucleotídeos

Terapêutica de combinação

Esta terapêutica existe por um mecanismo sinérgico, para evitar que se criem resistências,
porque se a atuação for em vários alvos, o desenvolvimentos de resitências pelos agentes
antimicrobianos é menor. Assim, é necessária uma menor dose, pelo que a toxicidade
também será menor (menos efeitos adversos).

BEATRIZ BALDAQUE 108


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3.4. FAMÍLIA RETROVIRIDAE

Dentro desta família temos o vírus da imunodeficiência humana HIV-1 e HIV-2, em que o
hospedeiro é o homem, e ainda o vírus da imunodeficiência simiana (SIV), em que o
hospedeiro é o macaco.

ESTRUTURA DO VIRIÃO HIV

Este vírus é do tipo RNA de duas cadeias e possui


uma transcriptase reversa, com função de
polimerase, e uma integrase para fazer a integração
do DNA que foi convertido a partir do RNA. Outro
aspeto importante é o facto de não codificar
cinases de timidina. Na sua estrutura, para além da
cápside possui o envelope. Esta estrutura em
envelope apresenta duas glicoproteínas que são
essenciais no processo de infeção e de adsorção do
vírus: glicoproteína 120 e glicoproteína 41. Estas irão
ser reconhecidas pelos recetores CD4 dos linfócitos T Figura 179 - Retroviridae
do hospedeiro (alvo).

CICLO DE VIDA DO VÍRUS HIV

No processo de adsorção, o que é fundamental é a glicoproteína 120 e 41, que ao serem


reconhecidos pelos recetores CD4 alteram a sua conformação, permitindo a fusão da
membrana do envelope do vírus com a
membrana do linfócito T do hospedeiro.
Após esta entrada, liberta-se o RNA do
vírus, ocorrendo a sua conversão em DNA
pela transcriptase reversa. A cadeia dupla
de DNA que se forma pode ser integrada
Figura 180 – Ciclo de vida do HIV no DNA do hospedeiro, pela integrase. O
gene do vírus fica adormecido até haver a sua codificação, levando à transcrição. As
poliproteínas que se formam (env, poli, gen). A protease quebra então os polipéptidos
formados, originando as proteínas funcionais da partícula vírica. As glicoproteínas

BEATRIZ BALDAQUE 109


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

deslocam-se para a membrana do hospedeiro e ocorre o processo de budding, com


consequente libertação do virião.

 Atualmente não há cura para a SIDA, mas consegue-se um alívio dos sintomas e o
tratamento é crónico.

Além dos fatores que já vimos que um antivírico ideal deve ter, um antiretrovírico ideal
deverá ter efeito sinérgico e compatível com outros fármacos usados para tratar as
doenças oportunistas e poder ser administrado por via oral, com a mínima frequência de
doses.

ALVOS PARA A QUIMIOTERAPIA ANTI-HIV

A transcriptase reversa é um bom alvo, uma vez que apresenta toxicidade seletiva (não
existe nos humanos), mas como este vírus não apresenta cinases da timidina, os fármacos
irão ter de ser ativados por cinases celulares. Outros alvos muito utilizados são a protease
e a integrase. Alvos menos comuns são as glicoproteínas.

TRANSCRIPTASE REVERSA DO HIV

Esta enzima tem uma função similar à da DNA polimerase e irão existir essencialmente
duas classes: inibidores da transcriptase reversa do tipo competitivo (são aqueles que se
ligam ao local ativo, reversíveis ou não) e inibidores da transcriptase reversa do tipo
alostérico (normalmente não nucleosídicos e não nucleotídicos e reversíveis não
competitivos). O local alostérico é o local adjacente ao local ativo e é altamente
hidrofóbico.

3.4.1. Inibidores da Transcriptase Reversa

Os inibidores da transcriptase reversa, por um lado competem com


o substrato nucleósido para o local ativo da transcriptase reversa
(TR), por outro lado ligam-se, porque mimetizam esse substrato
nucleósido, à cadeia de DNA em crescimento. Para isso
Figura 181 – Inibidor da TR
necessitam de ser trifosforilados por cinases celulares, uma vez que
a enzima não codifica cinases. Assim, o inibidor da Figura 181 será irreversível (porque é

BEATRIZ BALDAQUE 110


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

terminador de cadeia) e competitivo, pois compete com o substrato quer para a cadeia
quer para a TR.

 ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS (INTR)


Como análogos da 2´-desoxitimidina surgiu o AZT (Zidovudina),
que foi descoberto inicialmente como anticancerígeno, mas
apresentava toxicidade e era inibidor da DNA polimerase, foi
estudado como antivírico. Foi descoberto por screening para HIV
e tinha forte atividade como inibidor da TR, no entanto com Figura 182 - AZT
alguma toxicidade para DNA polimerase. Possui uma estrutura 3’-azido-3’-
desoxitimidina, pelo que é um terminador de cadeia. Tem que
sofrer trifosforilação pelas cinases celulares. Este fármaco é
seletivo para a TR, ou seja, ele é muito mais seletivo para a TR do
que para a DNA polimerase. Atualmente, é pouco utilizado, pois
Figura 183 - Estavudina leva a situações de resistência, mas também anemias. Foi sem
dúvida um composto líder. Posteriormente, surge a Estavudina, que também é um
análogo da 2´-desoxitimidina. Neste análogo, as modificações dão-se no açúcar
(dupla ligação entre 2’ e 3’), sendo também um terminador de cadeia. Este
composto tem ação para HIV, mas atualmente é usado para tratamento da Hepatite
B.
Nos análogos da citidina, as modificações no açúcar são poucas (não temos
análogos acíclicos), pelo que é mais fácil a fosforilação. Todos eles são inibidores
irreversíveis (terminadores de cadeia). Um destes análogos é a Zalcitabina, que é
utilizada em casos de Hepatite B e apresenta alguma toxicidade, pelo que não é
muito utilizada (já que o tratamento para HIV é crónico). Atualmente na terapêutica
temos a Lamivudina e a Emtricitabina. Ambos fazem parte dos oxatiolamos, que
possuem uma substituição isostérica no anel (do açúcar). Também em ambos, o
açúcar está na forma L,
o que é responsável por
uma menor toxicidade,
uma vez que são menos
reconhecidos pela DNA
polimerase e por
Figura 184 – Análogos da citidina
hidrolases. A lamivudina também é usada para tratamento contra Hepatite B. A
emtricitabina também apresenta um F no anel pelo que é um isóstero da lamivudina.

BEATRIZ BALDAQUE 111


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Existem também análogos da inosina, que são muito pouco frequentes, uma vez que
a inosina não incorpora o DNA. No entanto, a inosina in vivo origina a adenosina.
Assim, a Didanosina irá ser um pró-fármaco, que irá sofrer
ação da 5´-nucleotidase. Foi um dos primeiros fármacos a
ser desenvolvido, mas atualmente não é praticamente
usado, devido à sua toxicidade. Figura 185 - Didanosina
O Abacavir é um análogo da guanosina, utilizado em crianças, uma
vez que é muito seguro. Este composto apresenta uma modificação
molecular na aminae tem também alguma utilização para Hepatite B.

Figura 186 - Abacavir

Existem outros inibidores em estudo, mas que têm como grande


limitação o desenvolvimento de resistências. O Racivir é administrado na forma
racémica, o que tem a
grande vantagem de ser
menos susceptível a
mutações, já que “confunde”
o vírus, pois é como se
estivessem a ser
administrados dois fármacos Figura 187 – Inibidores em estudo
diferentes. Assim, este fármaco irá ser eficaz em casos de resistências.

 ANÁLOGOS DE NUCLEOTÍDEOS (INtTR)


São compostos monofosforilados, ou seja, já não é necessária a primeira
monofosforilação (passo limitante), o que é importante, já que a enzima não
apresenta cinases. Estes compostos serão fosfonatos,
porque em vez do oxigénio existe um carbono, que irá
impedir a hidrólise por esterases, levando a uma maior
estabilidade e, consequentemente, a um maior tempo
de semi-vida. Dois exemplos destes fármacos que estão
na terapêutica são o Adefovir e o Tenofovir. Este último é Figura 188 – Análogos de
atualmente dos fármacos mais utilizados. Ambos são nucleotídeos
terminadores de cadeia e pró-fármacos com carregador. Os substituintes em R’
causam um grande aumento de lipofilia, oque permite que o antivírico tenha uma

BEATRIZ BALDAQUE 112


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

toma diária. Quanto ao mecanismo de ação estes fármacos são inibidores


competitivos e irreversíveis (terminadores de cadeia) da TR.

 NÃO NUCLEOSÍDEOS (INNTR)


A Nevirapina foi o 1º fármaco a ser utilizado com este
mecanismo e foi descoberta por screening ao acaso. Para
desenvolver este fármaco realizaram-se modificações
isostéricas anelares, o que causou uma interação adicional de
hidrogénio com o recetor. Estes inibidores (alostéricos), por um
Figura 189 - Nevirapina
lado, são muito mais seguros, porque há uma especificidade
maior (bolsa característica de TR), mas por outro lado, são muito mais susceptíveis a
fenómenos de resistência, porque o local alostérico não é necessário para a função
catalítica da enzima, pelo que o vírus muta. Assim, têm surgido com mais facilidade
resistências para estes inibidores. A resistência mais comum a estes fármacos (não é
um mecanismo de resistência muito comum) é a substituição de um aminoácido
volumoso por um mais pequeno, normalmente lisina por asparagina (K103N). A partir
da nevirapina percebeu-se qual era o local ativo e por
structure based design surge um fármaco com uma
estrutura completamente diferente: a Delavirdina, que
também foi desenvolvida por screening. Surge numa 2ª
fase de 1ª geração. Este composto adopta muitas
Figura 190 - Delavirdina conformações no local alostérico da enzima, pelo que
tem várias posições de interação, pelo que é menos
susceptível a resistências. Está na terapêutica mas não é dos
mais usados. Numa 2ª geração existe o Efavirenz, que
também foi descoberto por estudos cristalográficos e é muito
usado em terapêutica de combinação. Tem também
Figura 191 - Efavirenz
situações de reistência pela mutação K103N, mas há um menor efeito de mutação
nestes aminoácidos, devido às diferentes conformações que pode apresentar no
local alostérico. É um fármaco muito seguro, pelo que está a ser usado
beneficamente na terapêutica. Todos estes fármacos atuam nos mesmos resíduos.

BEATRIZ BALDAQUE 113


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Outros compostos que


começam também a ser
muito utilizados são a
Etravirina, a Rilpivirina e a
Dapivirina. Estes três
compostos têm uma
Figura 192 – Outros INNTR
estrutura comum: um anel
heterociclo de nitrogénio central, substituído com dois aromáticos e os alcinos são
também frequentes neste tipo de compostos. Estão na terapêutica dada a sua
segurança (mecanismo bastante seletivo para TR).

3.4.2. Inibidores da protease

Esta enzima é muito diferente das proteases humanas, pelo que foi um alvo de sucesso.
Ela é responsável pela clivagem da cadeia polipeptídica primeiro formada que depois
irá dar origem a todas as proteínas funcionais do vírus. Tem uma atividade autocatalítica.
É uma enzima aspartil-protease, porque tem os resíduos de aspartato, que são essenciais,
no local ativo. É constituída por duas proteínas idênticas e simétricas (interação proteína-
proteína), que é uma característica que não existe nas proteases humanas. O local ativo
irá ser, portanto, na interface dessas duas proteínas e este também é simétrico. O facto
de quebrar ligações peptídicas próximas de resíduos de prolina também a torna única. É
facilmente cristalizada, pelo que fármacos poderão ser desenvolvidos por denovo
design.
A água é importante para estabelecer uma interação de hidrogénio entre o substrato
(péptido) e o local ativo (dois resíduos de aspartato – região catalítica).
O mecanismo de ação destes inibidores não é necessário saber em detalhe mas é
importante perceber que o intermediário tetraédrico (estado de transição) é o que mais
interações estabelece com o recetor, logo, será o mais favorável para formar análogos.
Assim, os fármacos irão mimetizar este estado de transição.
A estratégia mais plausível para as modificações seria o isosterimo (amida). Vantagens?
Aumentam a estabilidade do composto. Um fator importante nestes compostos (isósteros
da hidroxietilamina) é a esterioquímica (R), que é importante para a atividade.
O Saquinavir, que foi o composto líder dos vários inibidores da protease. Estes inibidores
eram baseados em péptidos naturais.

BEATRIZ BALDAQUE 114


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

 DESENVOLVIMENTO DO SAQUINAVIR
Começou-se pelo pentapéptido (análogo pentapeptídico
com o isóstero hidroxietilamina), mas a grande
desvantagem deste fármaco era ser um péptido, pelo que
tinha fraca biodisponibilidade oral. Assim, o desafio passava

Figura 193 - Pentapéptido pela descoberta de um antiretrovírico que tivesse


biodisponibilidade oral. Percebeu-se que o pentapéptido que se ligava de S3 a S2’era
importante para a atividade. Por isso, iniciou-se a modificação molecular isostérica do
estado de transição de forma a que este composto pudesse ligar-se mais fortemente e
funcionar como inibidor. Forma-se um isóstero do pentapéptido, que era realmente ativo,
mas era um inibidor fraco. No entanto, continuavamos com um péptido com elevado
peso molecular e, por isso, sem biodisponibilidade oral. Seguidamente, pensou-se então
em diminuir o peso molecular, surgindo o dipéptido, apesar de o espaço preenchido ser
importante. Esse dipéptido é uma combinação de prolina com fenilalanina, pois essa
quebra dá-se no local ativo (a atividade catalítica é a quebra desta amida). Converteu-
se, então, o isóstero do hidroxietileno e colocou-se grupos protetores na extremidade dos
aminoácidos, havendo uma melhoria da atividade, mas que continuava a ser fraca.
Assim, aumentou-se um pouco as interações com os pockets laterais, uma vez que o
dipéptido apenas interagia em S1 e S1’. Como? Colocando um grupo hidrofóbico mas
que não fosse de natureza peptídica (benzil), o que resultou numa atividade muito
superior deste inibidor. Posteriormente, o grupo protetor foi substituído por um grupo
hidrofóbico (quinolina), ou seja, diminuiu-se o caráter peptídico à molécula, verificando-
se que o derivado era muito
mais potente. No final,
adicionou-se, em vez da prolina
(que é um aminoácido), uma
unidade decalina, que é um
grupo ainda mais hidrofóbico,
isto é, menos peptídico. Criou-
se, assim, um derivado muito
potente, com um IC50 abaixo
do nanomolar, 60 vezes mais
potente, ao qual se deu o
Figura 194 – Desenvolvimento do Saquinavir
nome de Saquinavir.

BEATRIZ BALDAQUE 115


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 SAQUINAVIR
Este composto ocupa os 5 locais/pockets da enzima. É de realçar que a porção terc-
butilamida estabelece interações hidrofóbicas, que são importantes para a
atividade. Com este composto verificaram que a esterioquímica S não era ativa e
que a R seria importante para a atividade. Há ainda interações de hidrogénio entre
o OH da hidroxietilamida e resíduos catalíticos de aspartato. No entanto, neste
momento o Saquinavir não está na terapêutica, uma vez que tem fraca
biodisponibilidade oral e sofre rapidamente resistência (o vírus HIV muta com
facilidade), pelo que muitos derivdos já o ultrapassaram. Mesmo assim, este é o
composto líder dos inibidores da protease.

 RITONAVIR E LOPINAVIR
Havia, então, a necessidade de melhorar a biodisponibilidade oral, surgindo o
Ritonavir e o Lopinavir. A estratégia utilizada foi design de novo, isto é, olhando para
o local ativo, foi desenhada uma nova molécula, com base em estudos de
mobilização molecular. Utilizou-se também a estratégia de design de inibidores
simétricos (algo raro), uma vez que não há locais ativos simétricos, pelo que a
molécula será muito seletiva. O terceiro objetivo do desenvolvimento destes
derivados foi o aumento da resistência às peptidases (aumentar a estabilidade
metabólica, diminuir o caráter peptídico).
O que se pensou foi começar
novamente no dipéptido
(combinação de prolina e
fenilalanina) e, uma vez que o
resíduo benzílico era importante
para a atividade e tem
características hidrofóbicas
(não peptídicas), mimetizou-se

Figura 195 – Desenvolvimento de derivados


essa porção do saquinavir
(duplicação). No entanto o diol geminal é altamente instável, pelo que foi convertido
num álcool, para que fosse quimicamente estável. Este composto, apesar de ter
atividade, esta era fraca. Assim, aumentaram-se as interações com os pockets laterais
(P2 e P2’), para que pudessem interagir com S2 e S2’. A estratégia inicial para isso foi
colocar um resíduo de valina e protegê-lo com grupos protetores, para reduzirem o
caráter peptídico da molécula. Surge o A74704 que tem atividade potente como

BEATRIZ BALDAQUE 116


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

antiretrovírico inibidor da protease. Por cristalografia de raio-x, estudou-se esse


análogo, verificando-se que mimetizava as posições à semelhança do saquinavir,
existindo na mesma a interação com uma molécula de água. No entanto,
observaram que também o álcool estabelecia interações de hidrogénio com resíduos
de aspartato do local ativo. Mas, essas interações faziam com que as interações entre
a glicina e a amida ficassem restritas e impedidas estericamente. Assim, a estratégia
seguinte passava por alargar o espaço entre estas interações. O que fizeram foi, em
vez de terem um diol geminal, colocaram um diol vicinal, sendo que o derivado teve
uma atividade relativamente idêntica e continuava com fraca biodisponibilidade
oral. Posteriormente, substituiu-se o grupo uretano por um grupo ureia, que é muito
solúvel em água (no entanto, não foi melhorada a biodisponibilidade oral, explicação
mais à frente). Além disso, colocou-se um heteroátomo no anel benzénico, de forma
a melhorar a solubilidade, aumentar a polaridade (isto foi feito de forma simétrica).
Mais tarde, percebeu-se que não era necessário o diol e este foi simplificado a álcool,
o que melhorou a potência. No sentido de melhorar a biodisponibilidade, retirou-se o
resíduo de valina (é aminoácido, pelo que é facilmente reconhecido por enzimas
hidrolíticas) e converteu-se
o grupo ureia em uretano
(se por um lado a ureia
melhora a solubilidade em
água, o uretano melhora a
ligação às proteínas
plasmáticas e
consequentemente o
tempo de semi-vida e a
biodisponibilidade oral). O
baixo tempo de semi-vida
que se verificou, está
relacionado com o
heteroátomo presente no
anel benzílico ser muito
suscetível a N-oxidação. A
modificação molecular
Figura 196 – Desenvolvimento do Ritonavir e do Lopinavir
seguinte vem no sentido de
aumentar essa estabilidade metabólica, surgindo o isóstero anelar do tiazoil. Por fim,

BEATRIZ BALDAQUE 117


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

essas modificações para aumentar a estabilidade metabólica fizeram-se também na


outra extremidade da molécula, originando o Ritonavir. Este fármaco é efetivamente
muito potente, muito superior ao Saquinavir, no entanto, também conduziu à
presença de resistências. Desta forma, surge o Lopinavir, que por restrição
conformacional consegue diminuir as resistências ao Ritonavir. Essa diminuição das
resistências está relacionada com uma interação de valina-82 na região do P3. Assim,
com a restrição conformacional, o composto ficou muito mais ativo e deixou de
necessitar da interação que estabelecia com a valina. Este fármaco tinha tempo de
semi-vida de praticamente 1 dia, o que foi uma revolução.

 INDINAVIR
Este composto é bastante utilizado na terapêutica como fármaco sentinela dos
inibidores da protease. Porquê? (Todos os compostos anteriores são substrato do
CIP3A4 – isoforma que mais metaboliza, em termos de oxidação, os fármacos que nós
conhecemos) Porque, apesar de o Indinavir ter atividade inibidora da protease, ele é
muito metabolizado para a isoforma CIP3A4, pelo que aumenta muito o tempo de
semi-vida dos inibidores da protease. Como foi desenvolvido? Foi encontrado um
derivado muito potente (L685 434) mas que não tinha biodiponibilidade oral e era
hepatotóxico. Usou-se, então,
uma estratégia de hibridização:
retiraram a porção mais
peptídica e mantiveram a porção
de caráter menos peptídico,
utilizando a porção que tinha
resultado no saquinavir (deca-
hidroisoquinolina) no local da
porção peptídica que retiraram.
Mais tarde, houve necessiade de
Figura 197 – Desenvolvimento do Indinavir
otimizar esta molécula em termos
de biodisponibilidade oral e de potência, pelo que se usou uma estratégia de
simplificação molecular quiral, isto é, modificação molecular da deca-
hidroisoquinolina que tem centros estereogénicos, havendo a sua substituição por um
anel piperazina que não tem esses centros e por um anel piridina, ou seja, há uma
simplificação dos centros estereogénicos. A piridina é solúvel em água e estendeu a
molécula para S3, pelo que aumentou a potência da molécula. O Indinavir está a ser

BEATRIZ BALDAQUE 118


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

usado em terapêuticas de combinação mas pelas suas características se fármaco


sentinela.

 NELFINAVIR E PALINAVIR
Havia novamente um
peptidominético muito potente
mas sem biodisponibilidade oral.
Aqui a estratégia foi modificar
substituintes de forma a
aumentar a potência e facilitar
a biodisponibilidade oral. Para
aumentar a potência,
mimetizaram novamente o
saquinavir. O Palinavir está na
terapêutica e foi usado o Figura 198 – Nelfinavir e Palinavir
mesmo princípio (diminuir o caráter peptídico).

 AMPRENAVIR E DARUNAVIR
O composto líder é o Saquinavir,
que tem baixa biodisponibilidade
oral, pelo que a ideia passou por
diminuir-lhe o caráter peptídico.
Também aqui houve a
preocupação de diminuir os
centros estereogénicos /
quiralidade. Assim, há a
substituição da decalina (=deca-

Figura 199 – Amprenavir e Darunavir hidroisoquinolina) por um grupo


sulfonamida (que é um grupo privilegiado, dadas as interações adicionais que pode
estabelecer e pela sua farmacocinética). Seguidamente, para aumentar a afinidade,
há a introdução de outro grupo (tetra-hidrofurano), que aumentou a solubilidade em
água. O pró-fármaco do Amprenavir é o Fosamprenavir, que está na terapêutica e
apresenta tempos de semi-vida elevados. O Darunavir surge por otimização por
grupo hidrofóbico.

BEATRIZ BALDAQUE 119


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

É nos antivíricos que surge a estratégia das sulfamidas, uma vez que aumentou não só as
interações de hidrogénio com o recetor, mas também melhorou muito a farmacocinética
(grupo relativamente polar, solúvel em água).

 ATAZANAVIR E TIPRANAVIR
Estes fármacos já pertencem a uma 2ª gerção de inibidores da protease, pois já não
derivam tanto do Saquinavir e provêm de outras estratégias. O Atazanavir é
importante porque tem uma dose diária. O Tipranavir vem de uma estratégia
completamente diferente (screening ao acaso), pois descobriu-se que a varfarina
tinha alguma atividade retrovírica, pelo que se estudaram os análogos da varfarina.
No entanto, este fármaco apresenta alguma toxicidade, não sendo muito utilizado,
só em casos de resistência.

Figura 200 – Atazanavir e Tipranavir

Os inibidores da protease têm algumas limitações, apesar de serem seletivos para este
tipo de enzima: aumentam o risco de sangramento e baixam os níveis de açúcar no
sangue.

3.4.3. Inibidores da integrase

A integrase é um alvo único, pois irá integrar o RNA no material genético do hospedeiro.
O primeiro inibidor a ser encontrado foi o Raltegravir, que bloqueia a transferência de
DNA vírico para o material genético do hospedeiro. Estes inibidores têm de apresentar
um grupo quelante, uma vez que a integrase necessita do co-fator magnésio, ou seja, os
inibidores irão quelatar estes iões magnésio. Atualmente, o Raltegravir e o Elvitegravir
fazem parte do regime terapêutico para doentes com SIDA. Também na terapêutica está
o Dolutegravir (relativamente recente) e o Carbotegravir está em ensaios clínicos com
nanotecnologia (está previsto um tempo de semi-vida de 3 meses - revolucionário).

BEATRIZ BALDAQUE 120


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 201 – Inibidores da Integrase

3.4.4. Inibidores da Fusão

O primeiro inibidor da fusão encontrado foi o Enfuvirtide, mas atualmente não é usado
para tratamento de primeira linha. Este inibidor da fusão basicamente impede o
fenómeno da fusão do reconhecimento da glicoproteína 120 (da gp41) com a CD4
(recetor), porque este Enfuvirtide é uma porção da gp41, isto é, ele é um polipéptido de
36 aminoácidos que é o C-terminal da gp41, pleo que será reconhecido pela CD4,
bloqueando o acesso dessa glicoproteína vírica. Tem como limitações não ter
biodisponibilidade oral (já que é um péptido) e ser caro, pelo que não é administrado a
nível hospitalar, logo, não é de primeira linha. Outra limitação é o facto de a sua síntese
requerer muitas etapas, pelo que é cara e difícil.
Outro exemplo de um inibidor da fusão que surge na terapêutica são os antagonistas da
CCR5. (Não é necessário reter a estrutura). Estas moléculas não são péptidos, são
pequenas moléculas e o seu mecanismo de ação não é diretamente na glicoproteína
mas em recetores (CCR5 e CXCR4). Estes compostos são antagonistas destes recetores,
que são adjacentes da glicoproteína 120. Quando há o reconhecimento da CD4 pela
gp120, estes recetores (CCR5 e CXCR4) irão alterar a conformação, impedindo o
processo de fusão. Estes são fármacos típicos inibidores da interação proteína-proteína,
isto é, eles impedem a interação entre os co-recetores e as proteínas do vírus. Esta
estratégia teve dificuldade em ser desenvolvida porque eles causavam cardiotoxicidade
nos canais ERG.
As vantagens de uma terapêutica de combinação são o facto de reduzir a carga vírica,
de retardar o aparecimento de resistências e de reduzir a toxicidade medicamentosa.

BEATRIZ BALDAQUE 121


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3.5. VÍRUS DA HEPATITE C

A Hepatite C é uma doença que afeta milhões de pessoas a


nível mundial, sendo silenciosa, isto é, normalmente é
assintomática. O tratamento para a hepatite C é
farmacológico, contrariamente ao da hepatite B, para a qual
existe muita terapêutica de vacinação.
Este vírus é um vírus com envelope e com cadeia RNA simples
(+), havendo dois alvos que deram origem a novos fármacos: a
replicase (RNA polimerase) e a protease.
Ao longo dos anos, otratamento que era utilizado era com
interferão PEGilado, com ribavirina. A ribavirina é um fármaco
de largo espetro, pelo que é útil no tratamento, no entanto, a
sua grande limitação é que apenas reverte 50% dos casos.
(ATENÇÃO: esta doença, contrariamente à SIDA, tem cura). Este
tratamento era de primeira linha até 2011, quando surge o
primeiro antivírico anti-Hepatite C. Hoje em dia existem múltiplos
fármacos, não existem só inibidores da protease mas também
Figura 202 – Ciclo de vida
do vírus da Hepatite C da RNA polimerase.

3.5.1. Inibidores da protease

O alvo destes fármacos é o complexo HCV NS3/4A protease (é um complexo de


proteases). Como é que se desenvolveram estes inibidores? Primeiro foram analisar o
substrato (que é um polipéptido) e depois mimetizaram esse substrato. Como um péptido
não é fácil de utilizar como fármaco, teve de ser desenvolvido um análogo (neste caso,
um isóstero planeado de uma
amida) que foi uma
cetoamida. Seguidamente,
testou-se o isóstero e
percebeu-se que era ativo,
mas carecia de
biodisponibilidade oral. Assim,
diminuiu-se o caráter peptídico
da cadeia, formando-se um
Figura 203 – Desenvolvimento do Boceprevir
análogo truncado (eliminação

BEATRIZ BALDAQUE 122


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

de alguns aminoácidos deixando apenas aquilo que é essencial). Depois, houve a


introdução de resíduos de prolina com características drug-like, permitindo a
biodisponibilidade oral. Então, de um processo de simplificação desses análogos surge o
Boceprevir, verificando-se que a cetoamida terminal era benéfica para a atividade. Este
fármaco está na terapêutica.

 MECANISMO DE AÇÃO
Os alvos são proteases de serina,
portanto a hidrólise do polipéptido
irá ser efetuada no aminoácido de
serina. No caso dos inibidores, como
em vez de amida se tem
cetoamida, faz com que a ligação
não seja clivável, criando uma
ligação covalente com a enzima. Figura 204 – Mecanismo de ação
Este é um caso de inibidores covalentes reversíveis.

Em Portugal, existe ainda o


Telaprevir com este
mecanismo de ação (para
além do Boceprevir).

Figura 205 – Boceprevir e Telaprevir

3.5.2. Inibidores da replicase

O alvo destes inibidores é a HCV NS5B polimerase (complexo de polimerases), que é


responsável pela replicação da cadeia de RNA. Um exemplo destes inibidores é o
Sofosbuvir, que é um análogo de nucleótido (devido ao
fosfato) e que é um pró-fármaco (éster na cadeia lateral
do fosfato). O design deste fármaco foi muito similar ao
dos outros antivíricos, isto é, como vamos inibir uma RNA
polimerase, vamos criar análogos de nucleósidos. A ideia
Figura 206 - Sofosbuvir inicial era partir da 2’-F,2’-C-Metiluridina, pois já existiam
alguns derivados da 2’-F,2’-C-Metilcitidina, mas os análogos deste composto
apresentavam tempos de semi-vida muito curtos, pelo que se pensou que os análogos

BEATRIZ BALDAQUE 123


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

da 2’-F,2’-C-Metiluridina apresentassem melhores


propriedades. No entanto, o passo de fosforilação
deste composto era muito limitante, pelo que
quase que não sofria a monofosforilação
necessária para ser ativo. Assim, a estratégia
seguida foi a mostrada na Figura 207.
Este fármaco em vez de ser um fosfonato como
outros antivíricos que estudámos, é um
Figura 207 – Desenvolvimento do Sofosbuvir
fosforamidato. O fósforo é um centro
esteriogénico, apresenta quiralidade (diferente daquela a que estamos habituados),
sendo o enantiómero Sp o mais ativo. Este composto é administrado na forma
enatiomericamente pura.
O pró-fármaco foi desenvolvido para permitir a biodisponibilidade oral e um aumento do
tempo de semi-vida, aproveitando o efeito da primeira passagem (após a passagem a
nível hepático há a libertação do carregador, gerando-se um fosforamidato ativo).
Como mecanismo de ação (múltiplo), este inibidor pode competir reversivelmente com
a RNA polimerase e/ou incorporar-se na cadeia de RNA.

BEATRIZ BALDAQUE 124


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

CAPÍTULO 4 - ANTICANCERÍGENOS

Sendo o cancro a segunda causa de morte a nível mundial, a sua cura/tratamento é


muito ambicionada e investigada. Neoplasma corresponde ao crescimento de novas
células e deveria ser usado este termo quando nos referimos a cancro. Um tumor pode
ser classificado em benigno, que não é metastizável, e em maligno, que é metastizável
(cancro). Quando nos referimos a cancro não é uma doença, são mais de 200, daí a
grande dificuldade na descoberta de um tratamento. Esta situação ocorre quando há
um crescimento anormal das células, quando não há um equilíbrio entre “nascimento” e
morte (por apoptose ou necrose) celular. Quem controla estes fenómenos é o ciclo
celular, a apoptose e as vias de transdução de sinal. Em casos de cancro não há
equilíbrio entre estes processos.
As neoplasias podem ter origem externa ou interna. De origem externa essencialmente
um grande fator de risco é o tabaco, assim como hábitos alimentares.
Os fármacos oncológicos são os que mais falham os ensaios clínicos, porque é
multidisciplinar, têm de atingir vários objetivos que não são fáceis. O grande desafio passa
pela toxicidade seletiva, pois não estamos a falar de bactérias, nem de vírus, nem de
parasitas, estamos a falar de células humanas, mas que estão mutadas. As diferenças
entre as células normais e tumurais são “subtis”. O desafio das resistências, no entanto,
não foi ainda ultrapassado, o que se torna numa das grandes limitações, porque os
doentes desenvolvem resistência ao tratamento. Esses mecanismos de resistência são
imensos (saber relacionar os mecanismos de ação dos fármacos com os seus
mecanismos de resistência): alterações no uptake do fármaco (diminuição da entrada
do fármaco na célula porque aumento o seu efluxo); reparação do DNA; alteração da
capacidade de apoptose; alterações no ciclo celular; o metabolismo; a sequestração
vesicular (efluxo); mutações no alvo. O mais estudado dos mecanismos de resistência é
o das bombas de efluxo, nomeadamente o da glicoproteína P.
Até ao ano de 2000 apenas existia a quimioterapia convencional (=citotóxicos), que
corresponde a fármacos que atuam por uma toxicidade seletiva baseada em diferenças
cinéticas, isto é, atuam em células cancerígenas e em células normais em rápido
crescimento, pelo que vão levar muito mais à morte dessas células do que das células
normais. Basicamente atuam mais a nível daquilo que ocorre mais nas células tumorais
(mitose, síntese de DNA, sistemas de reparação). Esta estratégia é ainda utilizada na
terapêutica, principalmente emesquemas de combinação.

BEATRIZ BALDAQUE 125


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Nestes últimos anos tem surgido, então, a terapêutica alvo-dirigida (ou não
convencional), por contraste à quimioterapia convencional. Estes fármacos são muito
mais citostáticos, isto é, eles diminuem o crescimento celular, atuando na proliferação
celular, na apoptose, na angiogénese, na invasão e nas metástases. Quem regula são as
vias de transdução de sinal, existindo vários alvos nestas vias (as vias não é necessário
saber!). Como é que surgiu? Esta terapêutica começou, essencialmente, ao nível de
linfomas, estando os recetores CD20 sobrexpressos, o que levava a que houvesse
anticorpos que se dirigiam a estes recetores transmembranares que eram seletivos para
este tipo de células. Estes fármacos não são desprovidos de toxicidade, mas é diferente
da toxicidade da quimioterapia convencional.

 FONTES, MÉTODOS E ESTRATÉGIAS DOS ANTICANCERÍGENOS


Os produtos naturais foram o marco dos anticancerígenos
convencionais. A trabectedina é um produto natural marinho,
que foi descoberto muito recentemente e introduzido na
terapêutica. É uma molécula complexa, pelo que o
mecanismo de ação é inédito:
provoca uma torção anormal na

Figura 208 - Trabectedina molécula de DNA. Outro exemplo


de uma fonte é a talidomida (fármaco já existente). O que
se pensou foi: se este composto causa tratogénese, então Figura 209 - Talidomida
irá atuar no primeiro trimestre do embrião, ou seja, na inibição da formação dos
membros, que é um processo onde ocorre essencialmente angiogénese. Assim, se
inibe a angiogénese, poderá ter potencial como anticancerígeno. Atualmente, a
talidomida é primeira linha de tratamento para mieloma múltiplo em Portugal. No

BEATRIZ BALDAQUE 126


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

entanto, há duas novas moléculas na terapêutica (lenalidomida e pomalidomida)


que têm um menor efeito secundário tratogénico que a talidomida.
Um exemplo de serendipismo é a descoberta da cis-platina, que se descobriu inibir o
crescimento, primeiro das bactérias, e mais tarde das células tumorais. Também o
conceito de rastreio ao acaso é associado à descoberta de anticancerígenos, pois,
devido à falta de anticancerígenos que havia e à grande necessidade dos mesmos,
todos os compostos eram testados em bioensaios independentemente das suas
estruturas. Posteriormente, seguiu-se para o rastreio não casual, baseado em
semelhanças estruturais com compostos que revelaram pouca atividade no rastreio
casual.
Passando às estratégias, o structure based
design foi revolucionário na descoberta da
terapêutica alvo-dirigida. Um exemplo de
sucesso desta estratégia foi o caso dos
inibidores da sintetase do timidilato.
Basicamente o monofosfato de desoxiuridilato

Figura 210 incorpora um metilo, proveniente do ciclo dos


folatos, orginiando o monofosfato de
desoxitimidilato, que será incorporado no DNA.
Há fármacos que inibem essa enzima, ligando-se
ao substrato (5-Fluorodesoxiuridilato), mas
também foram desenvolvidos fármacos que
inibem o co-fator (CB3717), que vem dos ácidos Figura 211
folínicos e que por isso tem uma estrutura pteroídica no core central. Existia então o
CB3717 que estava em ensaios clínicos e parecia ser promissor. O que a indústria
pretendia era criar um inibidor na região
do co-fator. Para isso, a enzima (sintetase
do timidilato) em si é cristalizada (foi
produzida em E. coli) e foi cristalizada com
o composto que estava em ensaios
clínicos. Percebeu-se que as interações de
hidrogénio eram importantes e que o anel
Figura 212 central estava numa bolsa hidrofóbica.

BEATRIZ BALDAQUE 127


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Passou-se, então, para o de novo design. Primeiro decidiram ocupar a bolsa


hidrofóbica com um anel hidrofóbico (naftaleno), mas este não estabelecia
interações, pelo que se
adicionou a amida (que já
estabelecia duas interações
de hidrogénio com o co-
fator). No entanto, havia
espaço para outra interação
de hidrogénio, ou seja, podia
colocar-se uma cadeia com
um carbono ou com um
Figura 213 – De novo design
nitrogénio. Mas, o raciocínio foi: coloca-se o nitrogénio porque este permite mais
substituições e não forma centros estereogénicos. Surge, então, um composto com
uma elevada lipofilia. Para melhorar a biodisponibilidade colocaram um grupo
sulfamida (boas características de solubilidade) e testaram esse composto formado.
Verificaram que o ajuste não era o melhor e, por modelação, modificaram a amida
por uma amina e um heterociclo de nitrogénio, originando um composto 100 vezes
mais ativo que o composto que estava em ensaios clínicos.

4.1. QUIMIOTERAPIA CONVENCIONAL

4.1.1. Fármacos com atuação direta no DNA

4.1.1.1. Agentes alquilantes

 PERSPETIVA HISTÓRICA
O primeiro anticancerígeno surge por serendipismo: percebeu-se que o gás
mostarda causava leucopenia, aplasia óssea, dissolução do tecido linfóide e
ulceração do trato gastrointestinal. Na altura pensou-se que era necessário baixar os
leucócitos na leucemia, ou seja, era útil algo que provocasse leucopenia.
Obviamente era extremamente tóxico.

Um agente alquilante é então um composto, altamente eletrofílico, capaz de substituir


um átomo de hidrogénio por um
grupo alquilo em condições
fisiológicas. Figura 214

BEATRIZ BALDAQUE 128


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

O nosso organismo tem inúmeros nucleófilos, sendo o tiol o


mais reativo/potente, pelo que a velocidade reacional é
maior. Nas bases de DNA, a posição N-7 da guanina é o
mais reativo, sendo que essa reatividade está expressa em
termos de nucleofilicidade e é controlada por efeitos
estéricos, eletrónicos e por ligações de hidrogénio.

Figura 215 – Locais de alquilação no DNA

I. MOSTARDAS NITROGENADAS
As primeiras mostardas a serem desenvolvidas eram umas aloalquilaminas
(mecloretamina), que não chegaram a estar na terapêutica, porque eram muito
tóxicas. O mecanismo de ação deste composto (mecloretamina) baseia-se no
princípio da formação de uma
espécie altamente eletrofílica.
Essa mostarda nitrogenada sofre
o efeito do ião vizinho (=efeito
antimérico), pois o cloro é um
bom grupo abandonador e o par
de eletrões não compartilhado
do nitrogénio irá facilitar esse
abandono do cloro. Assim,
forma-se o ião aziridínio, que é
altamente eletrofílico, muito Figura 216 – Mecanismo de ação
reativo, pelo que reage facilmente com nucleófilos. A reação deste ião com o N-7
da guanina irá ser uma reação de substituição nucleofílica do tipo 2, levando à
formação de um ião na base de
DNA. Este agente é bifuncional, pois
forma o ião aziridínio e a ligação
covalente deste ao DNA, mas
também pode fazer na outra cadeia
da molécula, ou seja, ligar-se a duas
moléculas de DNA (ligação cruzada
intercadeias).
Figura 217 - Ligação ao DNA

BEATRIZ BALDAQUE 129


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

O facto de formarmos um ião na molécula de guanina irá levar a um equilíbrio ceto-


enólico na guanina, que se desloca no sentido do álcool, ou seja, vai haver um erro
de emparelhamento, isto é, em vez de emparelhar com a citosina vai emparelhar
com a timina, logo, irão existir erros na replicação. Por outro lado, a própria ligação e
a formação do ião leva à abertura da base, ou seja, o núcleo de purina é destruído,
podendo até levar à quebra do açúcar. Tudo isto leva a erros de replicação e
consequente morte celular. O agente alquilante pode não se ligar só ao DNA,
também se pode ligar a uma proteína (ligação cruzada DNA-proteína). As ligações
cruzadas podem ser intercadeias ou intracadeias.
Estes fármacos apresentam toxicidade seletiva e atuam em células em rápida divisão
e proliferação. Os próprios fármacos são mutagénicos e carcinogénicos, ou seja, um
tratamento longo pode levar ao aparecimento de tumores. De realçar, ainda, que a
eficácia destes agentes alquilantes depende de fatores farmacocinéticos, tais como:
a solubilidade lipídica, a facilidade de pentração no SNC, as propriedades de
transporte através das membranas, as reações de destoxificação e as reações
enzimáticas específicas de reparação dos locais alquilados.
O primeiro fármaco (Mecloretamina) foi introduzido em 1942 e chegou a ser usado na
doença avançada de Hodkgins em terapêutica de combinação. Este fármaco tinha
de ser preparado no momento da administração, devido ao seu caráter reativo.
Dada esta instabilidade e à necessidade de administração de uma concentração
elevada (já que o fármaco reagia com muitas moléculas e era muito suscetível a
hidrólise), realizaram-se modificações moleculares.

 MODIFICAÇÕES MOLECULARES
A estratégia passou por diminuir a eletrofilicidade, colocando um grupo
retirador de eletrões, de forma a diminuir a basicidade do nitrogénio.
Primeiramente, adicionou-se um aromático (1), que permitia alguma
ressonância. Realmente, houve uma diminuição da nucleofilicidade do
nitrogénio, da velocidade de formação do ião aziridínio e da reatividade, mas
apresentava uma baixa solubilidade em água, pelo que não era possível a sua
administração IV (tinha absorção oral, mas após administração havia uma
extensa alquilação, logo, não tinha grande eficácia). A segunda modificação
foi a introdução de ácidos carboxílicos no aromático (2). No entanto, a
diminuição de reatividade foi tanta, que o composto perdeu atividade.
Seguidamente, tentou-se quebrar a ressonância do ácido carboxílico com o

BEATRIZ BALDAQUE 130


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

aromático com a adição de uma cadeia metilénica (3). Surge dessa estratégia
o Clorambucilo, que teve
grande eficácia na terapêutica.
Depois, com base nesta
molécula, surgem outras ideias. Figura 218 - Clorambucilo
Uma delas foi o facto de a fenilalanina ser produzida em excesso nos
melanomas, por ser o aminoácido percursor da melanina. Assim, juntou-se a
fenilalanina com o agente alquilante, aparecendo o Melfalano (que tem 3
formas: mistura racémica, enatiómero L e enantiómero D), que está na
terapêutica em Portugal. No entanto, a estratégia não funcionou, ou seja, ele
não era ativo para melanomas, mas apresentava biodisponibilidade oral
(devido ao aminoácido) para outros cancros.

Figura 219 - Melfalano


 PRÓ-FÁRMACOS
Percebeu-se que as
fosforamidases estão
sobrexpressas nas células
tumorais, pelo que se
desenvolveram pró-
fármacos que fossem
hidrolisados e ativados por
estas enzimas, surgindo o
Figura 220 – Pró-fármacos
Fosfato de estramustina, a
Ciclofosfamida, a Ifosfamida e a Bendamustina. A estratégia era criar pró-
fármacos que tivessem um fósforo/fosfato que pudesse ser hidrolisável e ativasse
o fármaco no interior destas células tumorais com fosforamidases.
O fosfato de estramustina que é constituído por uma molécula de estradiol,
havendo um importe maior nas células que têm recetores de estrogénios, sendo
usado em carcionmas de próstata que não respondem a tratamento hormonal.
Estes compostos, por serem pró-fármacos, são menos tóxicos, no entanto, a
seletividade não aumentou. A ciclofosfamida, para gerar o agente alquilante,
necessita de uma hidroxilação e a sua hidrólise ocorre a nível hepático,

BEATRIZ BALDAQUE 131


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

formando um 4-hidroxiderivado (carbinolamina). Este fármaco é normalmente


administrado com o sulfonato de sódio de 2-mercaptoetano ou N-acetilcisteína
que irá neutralizar a acroleína (muito tóxica) originada durante o processo de
formação do ião aziridínio.

Figura 221 – Mecanismo reacional


da ciclofosfamida

II. MITOMICINA C
A Mitomicina é um produto natural, antibiótico, isolado de Streptomyces spp. e tem
a particularidade de ser seletivo para os tumores que têm um ambiente de hipóxia
(baixa concentração de oxigénio). Porquê? Porque o mecanismo de ativação deste
composto é de alquilação redutora, pelo que primeiro tem que sofrer uma redução.
Este mecanismo consiste basicamente na conversão de uma quinona a hidroquinona
por uma reação de redução e,
a partir do momento que se
forma esta hidroquinona há a
saída espontânea de metanol e
a abertura do anel aziridinio,
originando a espécie altamente
reativa, carbinolamina-vinilo
Figura 222 – Mecanismo de formação do agente
(agente alquilante), sendo
alquilante
depois alquilada pelo DNA. Seguidamente, pode ocorrer alquilação intercadeias de
resíduos diferentes de guanina, o que origina a inibição da replicação do DNA e da
divisão celular. Também este é um agente bifuncional.

BEATRIZ BALDAQUE 132


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

III. METANOSSULFONATOS
O mais utilizado e único em
Portugal é o Bussulfano. O
grupo –OSO2CH3 é um bom
grupo abandonador, tornando
a espécie reativa. Este grupo
sofre o ataque da guanina, na
posição “privilegiada” (N-7). As
alquilações são intercadeias.

Figura 223 – Mecanismo reacional dos Metanossulfonatos

IV. NITROSUREIAS
Os derivados têm origem na N-metilnitrosureia, que se percebeu ter elevada
citotoxicidade, surgindo os análogos 2-cloroetilnitrosureias. Estes fármacos são muito
lipofílicos, pelo que são preferencialmente utilizados para tumores cerebrais, dado
que atravessam a barreira hemato-encefálica. Estes compostos apresentam elevada
toxicidade, porque
formam isocianatos. O
mecanismo de ação é
múltiplo, pois, por um
lado, temos um agente
alquilante (muito similar
Figura 224 – Mecanismo reacional das Nitrosureias
ao que vimos para as
mostardas), e por outro lado temos o isocianato, que é um agente carbamoilante
(introduz o carbamoilo nas proteínas). Neste caso, as ligações intercadeias são entre
O-6-guanina – O-6-guanina ou O-6-guanina – N-3-citosina.

V. CARBAZINAS (DACARBAZINAS E PROCARBAZINA)


Estes fármacos estavam a ser testados inicialmente como antidepressivos, mas
percebeu-se que eram citotóxicos, daí o seu desenvolvimento como
anticancerígenos. São pró-fármacos pois necessitam de uma ativação hepática,
que gera uma desmetilação na amina terminal (N-desmetilação oxidativa), que é
catalisada pelo citocromo P450.

BEATRIZ BALDAQUE 133


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Figura 225 - Carbazinas

VI. CIS-PLATINA E DERIVADOS


Este composto é inorgânico e não é bem um agente alquilante (é um agente
metalante), mas é dos anticancerígenos mais utilizados. Tem um espetro de ação
largo, mas é utilizado em alguns tumores em particular.
No interior celular a
concentração de iões
cloreto está diminuída,
pelo que após o
Figura 226 fármaco entrar na célula
ocorre a substituição dos cloretos por duas moléculas de água (hidratação da
molécula), tornando-se esta
espécie altamente eletrofílica e
irá reagir com o DNA. A platina,
por saída de água, liga-se
covalentemente ao DNA, o que
faz com que ele se dobre. Isto
causa a quebra das interações de
hidrogénio, o desenrolamento do
DNA e consequentemente a Figura 227
inibição da transcrição. Estes fármacos são muitas vezes administrados com
Ondansetron, para evitar os vómitos. Mais tarde surgiram análogos da cis-Platina. A
carboplatina e a oxaliplatina são dos mais utilizados, pois ambos têm um melhor perfil
para resistências. Mesmo assim, hoje em dia continuam a ser pesquisados novos
derivados.

BEATRIZ BALDAQUE 134


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

 MECANISMOS DE RESISTÊNCIA DOS AGENTES ALQUILANTES


 Diminuição da entrada do fármaco para as células;
 Aumento de enzimas que degradam os agentes alquilantes – nucleófilos
(glutationa-S-transferase);
 Aumento dos mecanismos de reparação do DNA.

 CARACTERÍSTICAS DOS AGENTES ALQUILANTES


 Inibidores irreversíveis (ligam-se covalentemente ao DNA);
 Pode ocorrer uma grande variedade de alquilações no DNA/RNA;
 Reagem com outras biomoléculas (proteínas);
 Muitos agentes alquilantes são mutagénicos e/ou carcinogénicos;
 Geralmente bloqueiam a síntese do DNA;
 São monofuncionais ou bifuncionais (CROSS-LINKERS);
 Os locais mais comuns de alquilação são o N-7 da guanina e o N-3 da guanina e
adenina;
 Atuam por mecanismos de SN1 ou SN2;
 Nas reações de SN1, a eliminação ocorrer antes do ataque nucleofílico e a
velocidade da reação é independente da concentração do nucleófilo;
 Substituição nucleofílica bimolecular em SN2, N é o nucleófilo e inclui o complexo
ternário ativado.

4.1.1.2. Agentes Intercalantes

Os agentes intercalantes são moléculas coplanares com 3 a 4 anéis (28Å), que são
frequentemente aromáticos ou heteroaromáticos, ou seja, grupos cromóforos. Estes
compostos intercalam no DNA por ligações não covalentes, nas quais o fármaco é retido
perpendicularmente ao eixo da hélice. Por vezes estas interações não são suficientes,
pelo que além do reconhecimento molecular ser realizado por interações de
transferência de carga (entre os aromáticos e as bases), existem grupos responsáveis por
estabilizar essa interação (ligações de H, empilhamento π-π, ligações eletrostáticas e
hidrofóbicas). A nível celular a consequência é a distorção do esqueleto fosfato-açúcar,
dado que há um afastamento das bases, e ao ser alterada a forma da dupla hélice, a
ligação das enzimas (DNA polimerase e DNA topoisomerase) ao DNA será afetada. Assim,
indiretamente, estes agentes são inibidores destas enzimas.

BEATRIZ BALDAQUE 135


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

I. ACRIDINAS
Foram os primeiros compostos a ser desenvolvidos. São
corantes devido aos grupos cromóforos presentes. A proflavina
foi um composto de síntese de sucesso usado na 1ª Guerra
Mundial e a aminoacridina na 2ª Guerra Mundial. Atualmente
não são usados na terapêutica. Mas foi apartir destes
compostos derivados da aminoacridina que se começaram a
desenvolver os agentes intercalantes, pois percebeu-se que
estes compostos apresentavam atividade citotóxica. Um dos
mais promissores era um derivado 3,4-diamino, mas que era
instável, pois sofria oxidação. Daí surge a necessidade de
Figura 228 – Proflavina, modificação molecular. O grupo
Aminoacridicina e
derivado 3,4-diamino sulfonamida foi dado como uma solução
de dador de eletrões e diminuição de toxicidade, surgindo então
o composto líder. O que está na terapêutica é a Ansacrina, que
possui o grupo sulfonamida, para
Figura 229 –
diminuir a oxidação do composto, e Composto líder

um grupo metoxilo que está relacionado com


propriedades da molécula (logP, pKa, …) que são
importantes para a atividade. O sistema tricíclico desta
molécula intercala no sulco maior do DNA e o grupo
sulfonamida intercala no sulco menor do DNA. Têm sido
Figura 230 - Ansacrina estudados derivados com maior solubilidade e largo
espetro, sendo que estes possuem um grupo –CONHCH3, no anel aromático do
sistema tricíclico.

II. ANTRACICLINAS
Estes compostos são produtos naturais, aminoglicosídeos
de antraquinonas, isolados de Streptomyces spp. O
fármaco de eleição é a Doxorrubicina (R1-OH, R2-
metoxilo). Outro produto natural é a Daunorrubicina (R1-
H, R2-metoxilo) e depois temos análogos como a
Idarrubicina (R1-H, R2-H), que não apresenta o metoxilo, o
que tornou o composto mais polar e por isso com maior
Figura 231 – Doxorrubicina, Daunorrubicina e Idarrubicina

BEATRIZ BALDAQUE 136


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

tempo de semi-vida, e a Epirrubicina, que também está na terapêutica. Ogrande


problema destes compostos é a sua toxicidade cardíaca.

 MECANISMO DE AÇÃO
A nível celular, o fármaco intercala na dupla hélice do DNA, formando um complexo
ternário (fármaco/DNA/topoisomerase II) que inibe a replicação e a transcrição.
Mecanismo de ação a nível molecular: O sistema
cromóforo tetracíclico orienta-se e intercala-se
(interações de transferência de carga) no sulco
maior (entre as citosinas e as guanosinas), o grupo
amino do aminoaçúcar vai estar na forma ionizada,
estabelecendo interações iónicas com os grupos
fosfato da desoxirribose. Além disso o complexo é
estabilizado por interações de H, devido ao OH e ao
carbonilo existentes no 4ºanel. Pensava-se que o
Figura 232 – Regiões importantes
aminoaçúcar era o responsável pela carga e
toxicidade, pelo que foram desenvolvidos bastantes análogos (antraquinonas).
O mecanismo de ação da Doxorrubicina também é múltiplo, isto é, ele não é só um
agente intercalante inibidor da topoisomerase, tem também outros mecanismos de

Figura 233 – Mecanismo do “radical-induzido”


ação. Um deles é designado de “radical-induzido”, que basicamente ocorre por
reações redox de transferências de eletrão, formando-se um radical semiquinona. O
superóxido que também se
forma, pode depois reagir com
hidrogénio ou peróxido de
hidrogénio formando o radical
hidroxilo (reações radicalares)
que irá danificar o DNA. Pensa-se Figura 234 – Química de Fenton

BEATRIZ BALDAQUE 137


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

que este mecanismo esteja associado à carga-toxicidade do composto, o que limita


tratamentos de longa duração. Outro mecanismo está relacionado com reações de
oxidação-redução, também designado como química de Fenton, em que o
superóxido reage com complexos que o composto forma com o ferro. Esta reação
gera espécies reativas do radical hidroxilo, o que mais uma vez irá danificar o DNA.
Este mecanismo também está muito relacionado com a sua cardiotoxicidade. Outro
mecanismo de ação é, ainda, o facto de este composto ser também um agente
alquilante. Primeiro o fármaco sofre redução, originando a antraquinona reduzida,
que por ressonância sofrerá a fácil
saída do açúcar. Ao sair o açúcar,
forma-se um carbocatião altamente
eletrofílico que vai sofrer adição do
DNA (reação de alquilação por
adição).

Figura 235 – Mecanismo de alquilação


As antraciclinas são a primeira
formulação de lipossomas, o que diminui a toxicidade e as resistências
(nanotecnologia).

III. ANTRAQUINONAS
Tal como já foi referido anteriormente pensava-se que o
aminoaçúcar das antrociclinas era o responsável pela sua
cardiotoxicidade, pelo que foram desenvolvidos análogos, neste
caso, antraquinonas. Uma das mais utilizadas, também de largo
espetro, é a Mitoxantrona, que apresenta menor cardiotoxicidade
que a Doxorrubicina, por isso é muitas vezes utilizada em vez desta,
para doentes mais comprometidos. O mecanismo de ação é
Figura 236 - idêntico ao das antrociclinas. O sistema tricíclico planar é essencial
Mitoxantrona
para a atividade e os grupos rodeados (farmacóforo) vão
estabelecer interações de H ou iónicas. Além disso, a molécula é simétrica (mais fácil
de sintetizar).

BEATRIZ BALDAQUE 138


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

IV. ACTINOMICINAS
As actinomicinas são também
produtos naturais e foram isolados de
Streptomyces spp. A Dactinomicina é
um glicopéptido (constituído por
vários aminoácidos), que deriva do
anel fenoxazona com 2 cadeias
lactónicas pentacíclicas. É um
fármaco altamente tóxico, usado em
última linha. São duas moléculas
deste composto que intercalam com Figura 237 - Dactinomicina
o DNA. Em termos celulares, o mecanismo passa novamente por inibir a síntese do
DNA, acabando por bloquear o elongamento e a replicação. O resíduo de Tirosina
presente na molécula liga-se a um resíduo de guanina, por interação de H, e há
interações intramoleculares entre dois resíduos de Valina, que são importantes para
a estabilização do complexo.

 MECANISMOS DE RESISTÊNCIA DOS AGENTES INTERCALANTES


 Efluxo / MDR (Multi drug resistence), pela glicoproteína P;
 Aumento da atividade reparadora da topoisomerase II (está sobrexpressa nas
células tumorais);
 Aumento da produção da glutationa (relacionado com as reações de radicais
livres).

 EFEITOS LATERAIS
 Náuseas, vómitos;
 Depressão medular;
 Alopécia (queda de cabelo);
 Cardiomiopatia;
 Muscosite.

AGENTES NÃO INTERCALANTES


Também estes compostos são inibidores da topoisomerase esão considerados venenos
porque não se ligam diretamente à topoisomerase.

BEATRIZ BALDAQUE 139


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

A podofilotoxina é um inibidor do fuso acromático e não


está na terapêutica, mas os seus derivados, que são
análogos de um isómero da podofilotoxina, são
inibidores da topoisomerase. É importante para a
atividade ter o OH livre no anel aromático em 4’ (entre
os metoxilos) e pode estar relacionado com o
mecanismo radicalar. Também o açúcar é importante
para a atividade e para esse mecanismo.
A sua ação acaba por ser indireta no DNA, formando um Figura 238 – Podofilotoxina e
derivados
complexo ternário (DNA / topoisomerase / composto).
Basicamente, estabilizam o intermediário formado entre o DNA quebrado e a
topoisomerase II, o que impede a formação da ligação fosfodiéster. O mecanismo
também é radicalar.
Os mecanismos de resistência conhecidos para estes derivados são o aumento da
expressão da bomba de efluxo e mutações na topoisomerase II. Existe uma toxicidade
seletiva baseada em diferenças cinéticas, na medida em que temos maior expressão da
topoisomerase II nas células cancerígenas do que nas células normais.
A camptotecina também não está na terapêutica,
mais uma vez, mas sim os seus derivados. A
camptotecina é um inibidor da topoisomerase I, no
entanto é muito tóxico, não podendo ser utilizado na
terapêutica, além de também apresentar uma
solubilidade muito reduzida. Este composto possui uma
lactona, que é importante para a atividade, torna o
composto mais ativo. Os análogos surgiram por
modificações nos anéis A e B, o que aumenta a forma
Figura 239 – Camptotecina e
da lactona fechada. Dentro desse análogos temos o
derivados
Topotecan e o Irinotecan (pró-fármaco), que foram desenvolvidos para aumentar a
solubilidade dos compostos.

4.1.1.3. Agentes Degradantes

O mecanismo de ação destes compostos é basicamente por produção de radicais livres,


que causa stress oxidativo e, consequentemente, morte celular (apoptose). Na
terapêutica, existem poucos fármacos com esta atividade. As Bleomicinas são produtos

BEATRIZ BALDAQUE 140


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

naturais, glicopéptidos, isolados de Streptomyces spp. São importantes os três grupos


básicos (o anel pirimidina, o
anel imidazol e a região
bitiazólica), sendo que a
porção éster da região
bitiazólica vai ser a porção
intercalante. A porção
aromática vai intercalar no
Figura 240 - Bleomicinas
DNA e gerar radicais OH que
levam à quebra oxidativa da cadeia de DNA. Têm também mecanismo de ação duplo,
sendo o outro mecanismo de ação por inibição da DNA ligase (enzima importante na
reparação do DNA). É necessário haver formação do composto ternário (Bleomicina /
ferro / oxigénio), que é ativo e que se liga diretamente ao DNA. Os mecanismos de
resistência destes agentes passam pelo aumento do catabolismo do fármaco, ou seja,
aumenta a expressão da bleomicina hidrolase (aminopeptidase) que quebra a molécula
e impede que ela tenha atividade.

4.1.2. Fármacos com intervenção na síntese do DNA

Estes fármacos são antimetabolitos, isto é, análogos estruturais do metabolito que


competem com o substrato ou co-fator, inibindo o mecanismo de ação. Vão, portanto,
atuar na síntese do DNA, na maioria das situações na biossíntese das purinas e das
pirimidinas. Estes fármacos são específicos de fase, pois param a célula na fase S,
atuando na fase G1 do ciclo celular. O mecanismos de ação destes compostos é muito
semelhante com o dos antivíricos, isto é, eles mimetizam o metabolito, incorporam-se no
DNA, levando à síntese de proteínas anómalas ou parando o processo de síntese. A
toxicidade seletiva também se baseia nestas diferenças cinéticas.

4.1.2.1. Inibidores da di-hidrofolato redutase

Esta enzima é uma das mais importantes no ciclo do folato. O ácido fólico e os seus
análogos, que são muito idênticos ao ácido
fólico, apresentam um anel pteridóico. Ácido
Fólico (R1-OH, R2-H), Metotrexato (R1-NH2, R2-
Figura 241 – Ácido fólico e derivados CH3), Aminopterina (R1-NH2, R2-H). O grupo
amina nos análogos do ácido fólico irá permitir uma interação adicional com o recetor.

BEATRIZ BALDAQUE 141


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

O metotrexato irá sofrer transporte ativo pelos transortadores dos ácidos folínicos, por isso
é dos fármacos que consegue atuar ao nível do SNC, o que lhe confere uma grande
vantagem. Além disso, é de largo espetro, dada esta biodisponibilidade. No entanto,
apresenta toxicidade e atua em células em rápida divisão. É útil a administração destes
compostos com ácido fólico (não
em simultâneo), porque este
compensa a inibição nas células
normais. Em termos de mecanismo
de ação, sabe-se que estes
fármacos atuam na formação do
co-fator (tetra-hidrofolato) que
introduz bases metilénicas nas bases

Figura 242 – Ciclo do folato do RNA e do DNA. O facto de os


derivados do ácido fólico apresentarem uma amina, que irá estabelecer interações de
H ou iónicas, faz com que a ligação do fármaco à enzima seja muito superior do que
entre o ácido fólico e a enzima. Assim, há uma inibição da síntese do tetra-hidrofolato e
dos co-fatores, inibindo a transferência de uma unidade metilénica na síntese da base e,
consequentemente, inibindo a síntese dos ácidos nucleícos. São inibidores competitivos
reversíveis (ocupam a enzima porque têm maior
afinidade).
Outro derivado é o
Figura 243 - Pralatrexato Pralatrexato, que é
usado para linfomas e não está na terapêutica em
Portugal. O Pemetrexed está na terapêutica em Portugal
mas é usado apenas em combinação. Poderá substituir o Figura 244 - Pemetrexed
Metotrexato em situações de resistência. Este composto além de atuar nesta enzima,
atua ainda numa outra (não é necessário saber qual) e o facto de ter este mecanismo
de ação múltiplo gera menos fenómenos de resistência.
Todos estes fármacos, quando no interior celular, eles vão sofrer adição de várias
unidades de glutamato, que são muito carregados eletricamente, não permitindo a
saída da célula. Assim, a toxicidade seletiva deve-se a esta retenção dos poliglutamatos
no interior da célula. Os mecanismos de resistência são o aumento dos níveis de
glutamato e mutações na enzima.

BEATRIZ BALDAQUE 142


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4.1.2.2. Inibidores da aminofosforibosiltransferase

Desta classe, estão na terapêutica dois fármacos,


análogos de purina: o 6-Mercaptopurina e o 6-
Tioguanina, que possuem estruturas muito similares.
Estes compostos não são apenas usados como
anticancerígenos, têm muita utilização em
Figura 245
doenças auto-imunes, na doença de Crohn e na colite ulcerosa. Estes compostos são
pró-fármacos e têm que ser bioativados pela hipoxantina-xantina fosforribosiltransferase
(HGPRT - que introduz nas purinas a ribose monofosfato). Depois, nesta forma, vão ser
análogos de purinas e competir e ser inibidores reversíveis da aminofosforibosiltransferase
(que transfere o grupo amina para as purinas). Assim, há inibição da biossíntese do DNA.
Por outro lado, (outro mecanismo de ação) quando já estão monofosfatadas têm de
sofrer di e tri-fosforilação para
serem incorporadas no DNA e
RNA, produzindo proteínas
anómalas.
A azatioprina é um pró-pró-
fármacos (dado que estes
compostos são já pró-fármacos) e
quando bioativado origina a 6-
Mercaptopurina.
A toxicidade seletiva destes
Figura 246 – Mecanismo de ação e bioativação
compostos deve-se à deficiência
em xantina oxidase nas células tumorais, uma vez que esta enzima gera 8-hidroxi
derivados que são pouco ativos.
Além disso, existem também os análogos da guanosina, sendo que o primeiro a ser
desenvolvido foi o ara-G. Este fármaco é terminador de cadeia (em vez da ribose temos
a arabinose, que causa o impedimento estérico). A ação deste composto é seletiva para
células T (e não para as células B), o que está relacionado com a sua metabolização: ele
acumula-se muito mais nas células T
(toxicidade seletiva). Este fármaco era
muito hidrossolúvel, pelo que houve a
necessidade de criar um pró-fármaco, o
Figura 247 – Nelarabine e ara-G

BEATRIZ BALDAQUE 143


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Nelarabine. A modificação molecular é o metoxilo na base púrica. A sua bioativação é


feita por uma adenosina desaminase.

4.1.2.3. Inibidores da sintetase do timidilato

Esta enzima tem uma enorme importância, dado que é ela quem transfere o metilo para
as bases. Um fármaco, também chave e de largo espetro e de ampla
utilização é o 5-Fluorouracilo (5-FU), que apresenta a citotoxicidade
clássica e está na terapêutica. Este composto foi desenvolvido tendo
por base a grande acumulação do uracilo em células tumorais. O
raciocínio foi, portanto, usar um análogo do uracilo (modificação
Figura 248 – 5-FU
isostérica). Este composto atua, então, no ciclo do folato, inibindo a sintetase do
timidilato. A ação deste fármaco e do Metotrexato é sinérgica (bloqueio sequencial), pois
apresentam mecanismos de ação distintos. O 5-FU é muito polar,
tendo sido desenvolvido um derivado, que já está na
terapêutica, a Capecitabina. Este composto é um pró-fármaco
do 5-FU, no entanto, é difícil de classificar, já que ele sofre 3
reações de bioativação (não é preciso saber essas reações). Este
fármaco tem excelente biodisponibilidade oral.
Figura 249 - Capecitabina
Como atua NORMALMENTE a enzima sintetase do timidilato?
Há um ataque de um resíduo de cisteína do substrato endógeno à posição 4 da base,
havendo necessidade do co-fator N5, N10 – Metilenotetra-hidrofolato (que é o dador da
unidade metilénica). Posteriormente, há o ataque de um enol do substrato ao co-fator e
forma-se um complexo ternário. Para a reação prosseguir e o metileno ficar no substrato
é necessário a saída do protão, pelo que o metileno fica no substrato, libertando o co-
fator na forma de hidrofolato e prossegue a reação.
O 5-FU, primeiramente, tem de ser bioativado por fosforibosiltransferases. Como é um
inibidor competitivo da RNA
polimerase, pode ser incorporado
no RNA. Mais tarde sofre ação ds
ribonucleotidoredutase (passa de
ribose a desoxiribose), passando
desta forma a ser também um
inibidor competitivo do DNA, Figura 250 – Bioativação do 5-FU

BEATRIZ BALDAQUE 144


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

podendo incorporar-se no DNA e


originar as proteínas anómalas. Este
composto não é um terminador de
cadeia.
Na forma ativa, vai inibir a sintetase
do timidilato. Como? Depois de
formar o complexo ternário, e dada
a eletronegatividade do flúor, não
irá haver a destabilização do
Figura 251 – Mecanismo de ação do 5-FU complexo (mecanismo irreversível).
A seletividade está relacionada com a rápida divisão das células, pelo que a enzima
sintetase do timidilato está sobrexpressa nestas células. Outro fator, é o facto de as
enzimas que degradam o 5-FU estarem em maior quantidade nas células normais do que
nas células cancerígenas.
Mais à frente iremos falar de inibidores da ribonucleotidoredutase. Estes inibidores nunca
serão usados em combinação com o 5-FU, uma vez que este necessita desta enzima
para ser bioativado.
Os mecanismos de resistência estão na maioria das vezes relacionados com o aumento
da síntese da enzima ou com mutações na mesma, que causam o aumento da afinidade
para o monofosfato de desoxiuridilato. Outros mecanismos são a diminuição das
ribonucleotidoresutases e das fosforibosiltransferases ou por feedback negativo aumentar
o substrato (monofosfato de desoxiuridilato), que leva a uma maior competição, pelo
que o fármaco não é tão eficaz.
Outro modo de inibição desta enzima é
alostericamente, usando análogos dos ácidos
folínicos, como o Ralitrexed, que é um análogo do
co-fator. No entanto, mostrou logo o
desenvolvimento de mecanismos de resistência,
Figura 252 - Ralitrexed relacionados com a folilpoliglutamato sintetase,
que é responsável pela poliglutamação dos inibidores
da di-hidrofolato redutase. Um fármaco que está em
desenvolvimento é o ZD 9331, que ainda não tem
descritos mecanismos de resistência.

Figura 253 – ZD 9331

BEATRIZ BALDAQUE 145


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4.1.2.4. Inibidores da DNA polimerase

Estes inibidores são análogos de nucleósidos. A Citarabina


(Ara-C) e a Fludarabina (análogo de nucleótido) foram
ambos investigados com antivíricos, no entanto, eram
muito tóxicos para o efeito, pelo que são utilizados como

Figura 254 - Citarabina anticancerígenos. Ambos são análogos de nucleósidos e


terminadores de cadeia. Apresentam a toxicidade
clássica. Tal como já vimos nos antivíricos, estes fármacos
necessitam primeiro de sofrer uma monofosfatação por
uma cinase e, depois, di e trifosforilação. Dessa forma,
inibem competitivamente a DNA polimerase e também
Figura 255 - Fludarabina são incorporados na cadeia.
Os mecanismos de resistência destes fármacos estão muito relacionados com a
alteração da afinidade para a DNA polimerase e com a diminuição da enzima de
ativação (cinase da desoxicitidina).
Devido a estes mecanismos de resistência, há uma constante
procura de novos fármacos. Um desses exemplos é a
Clofarabina, que surgiu por modificação molecular da
Fludarabina. Essa modificação consistiu na troca do hidroxilo
da arabinose por um flúor, que provocou uma diminuição da Figura 256 - Clofarabina
hidrólise do açúcar. Substituiram também o flúor da base pelo cloro, que levou a uma
diminuição da toxicidade (substituição isostérica).
Mais tarde, surge a Gencitabina, que tem menos efeitos
laterais que a Citarabina e é bastante eficaz para cancros
muito agressivos. A modificação molecular passou pela
introdução dos flúores e é um análogo de uma base de
Figura 257 - Gencitabina
citosina. Este fármaco não é só inibidor da DNA pollimerase
mas também inibidor da ribonucleótido redutase.

4.1.2.5. Inibidores da ribonucleótido redutase

Esta enzima, como já foi referido anteriormente, é necessária para a


ativação do 5-FU. Para além disso, ela converte o açúcar no
desoxiaçúcar. Um inibidor desta enzima é a Hidroxiureia, que atua
Figura 258 - Hidroxiureia

BEATRIZ BALDAQUE 146


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

por um mecanismo mais radicalar. Atua por estabilização do co-fator (ferro), que se liga
à enzima, formando radicais livres. É extremamente tóxico.
Esta enzima tem um inibidor endógeno, a adenosina. Se houver um
excesso de adenosina, por feedback negativo, não iremos ter a
ribonucleótido redutase (RNR) tão ativa. Assim, é possível inibir a RNR se
aumentarmos a adenosina. Como? Inibindo a enzima que metaboliza a
adenosina (adenosina desaminase), ou seja, estes serão inibidores
indireos da RNR. Um destes inibidores é a Pentostatina, que é um produto
natural isolado se Streptomyces spp, usado como antileucémico. Este Figura 259 - Pentostatina
composto mimetiza o intermediário de transição.

4.1.3. Fármacos que têm como alvo o aparelho mitótico

Os microtúbulos formam-se quando as unidades α e β tubulina cpolimerizam, existindo um


equilíbrio dinâmico entre as unidades de tubulina livre e o conjunto dos microtúbulos. Uma
grande variedade de fármacos interfere neste processo ou por se ligarem à tubulina e
inibirem a polimerização ou por se ligarem aos microtúbulos, estabilizando-os e inibindo a
despolimerização. De qualquer das formas, o equilíbrio é interrompido, o que origina um
efeito tóxico e a célula não se consegue dividir.
Os microtúbulos têm como funções movimentar os cromossomas durante a mitose,
regular a morfologia da célula, secretar hormonas, transportar entre os diversos organelos
intracelulares, ser “ancoradouro” dos recetores na membrana e fazer a mobilidade
celular.

4.1.3.1. Derivados de podofilotoxina

Estes compostos são inibidores da topoisomerase II e formam um complexo com a


tubulina prevenindo a síntese de microtúbulos. No entanto, não se encontram a
terapêutica.

4.1.3.2. Alcalóides da vinca

Os alcalóides são produtos naturais com um nitrogénio básico, que será importante para
o mecanismo de ação, e com inúmeros centros estereogénicos (complexidade
estrutural). São citotóxicos que estão a cair em desuso, devido a resistências. Três desss

BEATRIZ BALDAQUE 147


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

compostos são a Vimblastina, a Vincristina e a


Vindesina, sendo análogos estruturais entre eles.
Estão todos na terapêutica atualmente.
Alguns análogos de semissíntese são a Vinflunina
e a Vinorelbina, que vieram reverter a
toxicidade, uma vez que a resistência a estes
compostos deve-se ao aumento da expressão
da glicoproteína P. Estes derivados estão a
substiuir os anteriores. Particularmente, estes
Figura 260
compostos, ao
contrário do taxol, inibem a
polimerização, isto é, ligam-se às
unidades livres de α e β tubulina e
impedem a formação do fuso
Figura 261 - Vinflunina
acromático, formando agregados com essas unidades. Figura 262 - Vinorelbina
Interrompem a divisão celular em metafase. Além disso, alteram o transporte celular.

4.1.3.3. Taxol e derivados

O Taxol veio revolucionar o mundo dos


anticancerígenos, devido ao seu mecanismo de ação
inédito. Além disso, é um fármaco de largo espetro.
Este composto surge do esquema clássico (referido no
início deste capítulo) de procura de anticancerígenos
em todo o tipo de compostos. Apresenta um núcleo

Figura 263 - Taxol taxano e 9 centros estereogénicos. Era difícil obter


este composto por síntese total, pelo que se obtinhado Taxus
brevifolia. O problema é que era necessário abater inúmeras
árvores desta espécie para ter um rendimento muito baixo.
Procurou-se o composto noutras espécies de Taxus e encontrou-
se na Taxus baccata a 10-Desacetilbacatina III, que tinha uma
atividade 50 vezes menor, permitindo a síntese de análogos do
Figura 264 – 10-Desacetilbacatina II
taxol. Percebeu-se que a cadeia lateral era importante para a atividade. Este percursor
biossintético dos análogos do taxol estava presente nas folhas, não sendo necessário

BEATRIZ BALDAQUE 148


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abater árvores. O Docetaxel é o análogo do Taxol cuja


cadeia laeral em vez de ter o fenilo tem o terc-butilo.

Figura 265 - Docetaxel


 MODIFICAÇÕESSS MOLECULARES

 MECANISMO DE AÇÃO
O mecanismo de ação é por inibição da despolimerização dos microtúbulos, ou seja,
interrompe a dinâmica necessária à mitose, o que pode induzir a apoptose. Mais
tarde começaram a surgir mecanismos de resistência, como por mutações da
tubulina e por sobrexpressão da glicoproteína P (efluxo). Daí surgem os taxanos de 2ª
geração. Um dos princípios destes compostos é evitar a resistência à glicoproteína P
e outro é aumentar a biodisponibilidade em água.

4.1.4. Fármacos com atuação em recetores hormonais esteroídes

Terapêuticas baseadas em hormonas são usadas contra cancros que são hormono-
dependentes. Se a célula cancerígena requere uma hormona especifica, então uma
certa hormona com um efeito contrário pode ser administrada. Alternativamente,
hormonas antagonistas podem ser usadas para bloquear a acção da respectiva
hormona. As hormonas usadas são glucocorticóides, progestagénios, estrogénios,
androgénios, antiestrogénios e antiandrogénios. Além disso, também podem ser usados
inibidores da enzima aromatase. Esta enzima encontra-se sobrexpressa em cancros

BEATRIZ BALDAQUE 149


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

mamários no período pós-menopausa. Ela é responsável pela biossíntese de estrogénios


e pela aromatização do anel A na última etapa dessa biossíntese (na conversão de
androgénios em estrogénios). Ela é um complexo constituída por CYP19 (com um grupo
heme) e uma redutase.
Existem dois tipos destes inibidores: tipo I e tipo II. Os do tipo II são considerados reversíveis
e são não esteroídicos. Todos
possuem um N com caraterísticas
básicas que se ligam ao grupo
heme da enzima (interagem com o
ferro do heme). Este mecanismo
Figura 266 – Inibidores da aromatase do tipo II impede a ligação ao substrato
esteroídico e a formação de esteróides. A aminoglutetamida não está na terapêutica
devido à sua toxicidade e baixa seletividade. Os outros dois estão na terapêutica e são
de 2ª linha, apenas usados quando há
resistências ao Tamoxifeno. Os do tipo I
são considerados irreversíveis e
apresentam núcleo esteroídico. O 4-
Hidroxiandrostenediona não está na
terapêutica, mas o Exemestano está.
Figura 267 – Inibidores da aromatase do tipo I
Relativamente aos do tipo II, são muito
seletivos e potentes mas têm como desvantagem terem efeitos androgénios. No entanto,
a 2ª geração deste tipo já tem menos efeitos androgénicos.

4.2. TERAPÊUTICA ALVO-DIRIGIDA

Nesta última década, com o surgimento desta terapêutica, houve um aumento


exponencial de fármacos anticancerígenos. Esta estratégia mostrou aumento de
sobrevivência para cancros que antes se pensava não ser possível.
Enqunato que a terapêutica convencional assenta na toxicidade seletiva baseada em
diferenças cinéticas em células em rápida divisão, a terapêutica alvo-dirigida é para um
alvo sobrexpresso, mutado ou novo. Os regimes de dosagem da terapêutica alvo-dirigida
ainda está a ser estudada (terapêutica individualizada). Estes fármacos vão ser
citostáticos, eles atrasam o crescimento do tumor. Na terapêutica convencional, a
administração é intravenosa, pelo que a adesão à terapêutica é controlada, enquanto
que na alvo-dirigida ainda não há dados para fazer esse controlo (administração oral).

BEATRIZ BALDAQUE 150


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Existem fármacos que atuam nas vias de transdução do sinal, em concreto nas cinases
de recetores ligados à membrana, na via PI3K7/AKT/mTOR, na via Ras/Raf/MEK/Erk e na
Src. Por outro lado, os fármacos também atuam no campo da epigenética (alvos da
metilação do DNA e da desacetilação da histona).

Figura 268 – Vias da transdução do sinal

 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
As cinases de tirosina podem ser inibidas por anticorpos monoclonais ou por pequenas
moléculas. Os inibidores dos anticorpos monoclonais terminam em –ab, os inibidores
das cinases de pequenas moléculas acabam em –inib.

4.2.1. Inibidores de anticorpos monoclonais

Inicialmente os anticorpos monoconais eram de murinos e de outras espécies, pelo que


tinham alguma toxicidade relacionada com a resposta imunológica. Atualmente na
terapêutica estão anticorpos monoclonais humanos. Eles atuam sendo reconhecidos por
anticorpos (alvos que estão sobrexpressos nos tumores), ao ligarem-se vão gerar
citotoxicidade celular, porque vão induzir essa resposta, mas o mecanismo também pode
ser feito por ativação do complemento.

BEATRIZ BALDAQUE 151


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

4.2.2. Inibidores de pequenas moléculas / cinases de proteínas

As cinases de tirosina são a maior família de proteínas do organismo humano (518


proteínas). Podem ser de dois tipos: transmembranares, que têm a função de recetor e
no interior têm o local ativo (catalítico de cinases), ou intracelulares. A grande vantagem
deses fármacos (inibidores das cinases de tirosina) em relação aos anticorpos
monoclonais, é o facto de atuarem não só nas cinases recetores transmembranares mas
também nas intracelulares. A limitação dos anticorpos monoclonais é, portanto, o alvo
(só extracelular). As pequenas moléculas têm biodisponibilidade oral, contrariamente aos
anticorpos monoclonais (elevado peso molecular). No entanto, os anticorpos
monoclonais são extremamente seletivos, enquanto que as pequenas moléculas não
(podem atuar em várias cinases).

 ASPETOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DAS CINASES


A maioria destes fármacos foi desenvolvida por structure based design, pois as cinases
de tirosina são facilmente cristalizáveis. A função de uma cinase é fosforilar proteínas,
ativando-as, para haver transmissão do sinal, com gasto de ATP. Existem três tipos de
cinases: de tirosina (fosforilam resíduos fenóis), de serina-treonina (que fosforilam
aminoácidos que são álcoois) e de
histidina (que fosforilam o nitrogénio).
A região ativa da cinase tem 3
regiões: a de ligação do substrato, a
de ligação do ATP (pocket da
adenina e opocket da ribose) e a de
ligação do trifosfato. No local do ATP,
há uma região designado pocket de Figura 269 – Regiões das cinases
especificidade com um resíduo designado gatekeeper, que apresenta um tamanho
diferente dependendo da cinase, o que permitiu a seletividade dos compostos para
determinada cinase. Estruturalmente as cinases possuem dois lóbulos: o C e o N, que
têm entre eles uma dobradiça.
Todas as cinases podem estar numa
de duas formas: a ativa e a inativa.
Na forma inativa ela não tem
capacidade de cinase, necessita
de ser fosforilada por outra cinase
Figura 270 – Ativação das cinases

BEATRIZ BALDAQUE 152


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

para ser ativa. Além disso, possuem um loop de ativação, que quando a cinases está
na forma inativa ele está a tapar o local ativo e a expor uma região hidrofóbica.
Quando ela é ativada, ele desloca-se e expõe o local ativo.

Os inibidores das cinases podem, portanto, ser de dois tipo: tipo I (ligam-se às cinases na
conformação ativa e no local de ligação do substrato ou do ATP) e tipo II (ligam-se na
forma inativa, estabilizando a conformação da enzima).
Os dois primeiros compostos introduzidos foram o Imatinib (tipoII) e o Gefinitib (tipo I).
Assim, os fármacos que estão na terapêutica ou são competitivos do ATP ou são
alostéricos (=de ativação).

Figura 271 – Genfinitib e Imatinib, respetivamente

4.2.2.1. Inibidores competitivos do substrato

Esta estratégia não tem sucesso. Pensa-se que se deve ao facto de o local ativo do
substrato ser muito mais hidrofílico, o que não permite seletividade. No entanto, estão a
ser desenvolvidas algumas pequenas moléculas, mas ainda nada com sucesso.

4.2.2.2. Inibidores irreversíveis

Uma das grandes devantagens detes compostos é a sua toxicidade (pois a ligação é
covalente), mas tem como vantagem a sua clearence, pois são
fármacos muito eficazes, porque ligam-se covalentemente,
destroem a enzima, pelo que tem tempos de semi-vida e eficácia
superiores. Um desses compostos é a Wortmanina.
Figura 272 - Wortmanina

4.2.2.3. Inibidores alostéricos

Como surge o Imatinib? Descobriu-se que num tipo de leucemia (mielóide crónica) há
uma translocação entre o cromossoma 9 e o cromossoma 22, formando-se um
cromossoma híbrido (cromossoma Filadélfia). Esta translocação está relacionada com

BEATRIZ BALDAQUE 153


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

um gene (híbrido), que foi designado de BCR-ABL. Este gene codifica para uma proteína
(BCR-ABL), que passou a ser única no cancro. Este alvo único torna-o muito promissor,
descobrindo-se o Imatinib, primeiro inibidor deste alvo BCR-ABL e extremamente seguro
para a leucemia mielóide crónica.
O Imatinib foi descoberto através de um rastreio ao acaso, pois a indústria andava à
procura nas bases de dados de inibidores de cinases de serina-treonina (PKC). Por
modificações moleculares no esqueleto que encontraram, foram sintetizando análogos,
e perceberam que possuir uma amida na região terminal lhes conferia uma atividade
mista, isto é, eram inibidores de cinases de serina-treonina e de cinases de tirosina.
Exploraram, depois, a substituição dessa amida para verificar qual o mais promissor. Mais
tarde, descobriu-se que a introdução do grupo metilo perdesse toda a atividade como
inibidor de cinases de serina-treonina e passasse a ter apenas atividade como inibidor de
cinases de tirosina. Porquê? Porque o metilo causa impedimento estérico, ajudando a
posicionar toda a molécula no local de interação (nas cinases de tirosina).
Posteriormente, para chegar ao Imatinib, houve a preocupação de introduzir um
substituinte que lhe conferisse hidrossolubilidade, de modo a melhorar as propriedades
farmacocinéticas e permitir biodisponibilidade oral. Para isso foi introduzido um anel
piperazina. Este anel não está ligado ao aromático, pois podia originar anilinas que muitas
vezes dão origem a metabolitos reativos.

Figura 273 – Desenvolvimento do Imatinib

BEATRIZ BALDAQUE 154


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

O Imatinib estabelece interações não no local ativo da enzima, não no local do ATP, mas
numa região próxima do ATP e do gatekeeper. Estabelece interações de H primeiro
posicionando-se na amida (posição central entre o glutamato e o aspartato). Outras
interações de H são na amina e no anel piridina. O metilo posiciona-se próximo do
gatekeeper e é ele que depois da interação posiciona toda a molécula para que se ligue
no local de ligação e o grupo
introduzido para melhorar a
farmacociética estabelece
uma interação iónica. O
imatinib não é seletivo para a
cinase BCR-ABL, mas
também atua noutras
cinases como a cKit e a Figura 274 – Interações do Imatinib com o recetor
PDGFR (cinase de fator de crescimento de plaquetas).
O mecanismo de ação deste fármaco é do tipo I alostérico, de fit induzido, isto é, ele liga-
se na bolsa hidrofóbica (do local alostérico) induzindo a alteração da conformação do
loop de ativação, que estava fechado e vai rodar, dando a informação à cinase de
“não atives, eu já estou a ativar” e, ao passar da conformação inativa para ativa, a
cinasevai achar que o local de ligação para ativação já está ocupado quando na
verdade não está, pelo que não vai ser fosforilada para poder fosforilar. Assim, ele é um
modulador alostérico ou inibidor de ativação.
O local mais frequente para a ocorrência de resistências a este fármaco é o resíduo de
treonina315, que é um dos resíduos do gatekeeper. Quando ocorre mutação neste
resíduo, o Imatinib não se consegue ligar e atuar na enzima. A mutação consiste na
transformação deste resíduo num de isoleucina315, sendo que a isoleucina tem uma
cadeia lateral de tamanho superior, causando impedimento estérico, não permitindo a
ligação do fármaco. A enzima não sofre inativação porque este não é um local de
ligação do ATP, pelo que o ATP consegue ligar-se e a enzima consegue exercer a sua
função de cinase. Outro mecanismo de resistência é o efluxo pelas bombas, como a
glicoproteína P. Com o aparecimento de resistências, surge a necessidade de
desenvolver fármacos que possam ser ativos para cancros refratários, ou seja, surge a 2ª
geração destes fármacos. Estes fármacos apresentam, a maioria deles, anéis piridínicos,
isto é, com nitrogénio básico na sua estrutura. Alguns deles são o Desatinib, o Nilotinib, o
Ponatinib e o Rebastinib. O desatinib é um inibidor misto, o que significa que tanto inibe
competitivamente o ATP como também inibe a conformação inativa (semelhante ao

BEATRIZ BALDAQUE 155


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

imatinib). Assim, tem várias


posições nas quais se pode
colocar nas cinases. Além disso,
não atua apenas numa única
cinase. O rebastinib apresenta
uma ureia na sua estrutura e é
um inibidor do tipo III, isto é, nem
se liga competitivamente ao
Figura 275 – Inibidores alostéricos de 2ªgeração
local do ATP, nem se liga na
conformação inativa (como o imatinib), ele é um inibidor controlador do switch (inibidor
alostérico – liga-se num local alostérico/hidrofóbico da enzima, impedindo a sua
ativação).

4.2.2.4. Inibidores competitivos do ATP

Todos os primeiros inibidores competitivos do ATP são 4-anilinoquinazolinas. Estes


compostos apresentam uma relação estrutura-atividade conhecida e podem ligar-se às
cinases transmembranares (recetores extracelulares) e às cinases intracelulares. O
mecanismo de ação destes fármacos é competitivo do ATP mas também pode ser
alostérico.
 RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE

Figura 276

Na generalidade das cinases, para desenvolvermos um


inibidor competitivo do ATP, temos a região de ligação da
adenina e as regiões de ligação do tipo I e do tipo II. Estas
duas últimas são ambas hidrofóbicas e diferem de cinase

Figura 277

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2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

para cinase, pelo que conferem elevada afinidade e seletividade, pois não são
conservadas.
Um destes inibidores é o Erlotinib e verifica-se que o local
de ligação do ATP e o local de ligação do Erlotinib ão
sobreponíveis, muito próximos.
Figura 278 - Erlotinib

4.2.3. Cinases-alvo e inibidores

4.2.3.1. Cinases de recetores ligados à membrana

Existem três famílias detes tipos de recetores (ligados à membrana): HGF, HER (inclui HER2
e EGFR) e IGFR.
Da classe dos inibidores dos recetores HER surge a primeira estratégia de medicina
personalizada, ou seja, só em cancros da mama com HER2 sobrexpresso é que estes
fármaos são aplicados.

4.2.3.2. Cinases intracelulares

 Inibidores do Src
Um destes fármacos é o Desatinib (já foi referido anteriormente para tumores
refratários), que é um inibidor de várias cinases. Outro fármaco é o Bosutinib, que
também além de inibir esta cinase inibe outras cinases.

 Inibidores mTOR (da via MAP – vias de transdução do sinal)


Existem vários destes inibidores na terapêutica, o Temsirolimus, a
Rapamicina, o Everolimus e o Deforolimus. A Rapamicina é usada
também como imunosupressor e
imunomodulador. Este composto
aparenta ser um macrólido e os
seus derivados na terapêutica são

Figura 279 - Rapamicina pró-fármacos. É um exemplo de


um produto natural que é usado na terapêutica alvo-
dirigida. A síntese deste composto foi um desafio.

Figura 280 – Derivados da Rapamicina

BEATRIZ BALDAQUE 157


2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

Ao ser estudado o mecanismo de ação imunomodelador da Rampamicina


descobriu-se o alvo. Isto é um exemplo de quimiogenética.
A Rampamicina faz uma inibição do tipo proteína-proteína, isto é, há uma interação
entre o fármaco e a cinase (constituída por duas porções: mTOR e FKB12) e impede,
ao interagir com as duas porções desta cinase, que haja a ativação do mTOR pelos
seus co-fatores.

 Inibidores Raf (da via MAPK – vias de transdução do sinal)


A enzima farnesiltransferase é responsável pela transferência de unidades farnesil, que
são isoprénicas.
Dentro destes inibidores, é de destacar o Sorafenib, que gerou uma nova série de
inibidores que contêm ureia. A descoberta deste composto começou com uma
química combinatória de inúmeros compostos e depois um ensaio HTS para cinases,
sendo que para a cinase Raf foi descoberto a 3-tienil-ureia (composto líder), que tinha
atividade muito promissora como inibidor dests cinase. Seguidamente, realizaram-se
modificações moleculares, para otimizar a estrutura, chegando-se à conclusão que
o melhor substituinte era o metilo no anel aromático. Seguidamente fez-se uma síntese
em paralelo de bis-aril-ureias, ou seja, modificaram os substituintes laterias da ureia,
chegando ao 3-amino-isoxazole. Depois, voltaram às modificações moleculares
clássicas, substituindo o anel aromático por um isóstero 4-piridilo. Este composto
mostrou melhor atividade para Raf mas também permitiu a solubilização em água e
atividade promissora in vivo. As modificações seguintes até chegar ao composto que
está na terapêutica tiveram como objetvo melhorar as propriedades
farmacocinéticas e o matabolismo (ADMET).

Figura 281 – Desenvolvimento do Sorafenib

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2015/2016 QUÍMICA FARMACÊUTICA II

O Sorafenib é um inibidor do tipo alostérico, ligando-se à conformação inativa e


impedindo a ativação da enzima, de uma forma próxima à do Imatinib. A unidade
ureia deste composto é
essencial para fazer as
interações com os
resíduos de aspartato e
glutamato. Os anéis
aromáticos ligam-se
aos pockets (regiões
hidrofóbicas), um deles
Figura 282 – Interação do Sorafenib com o recetor próximo do ATP.
Os novos inibidores da Raf foram descobertos por planeamento baseado em
fragmentos (ver química
farmacêutica I). O primeiro
destes fármacos a ser
desenvolvido foi o
Vemurafenib. Mais tarde
Figura 283 – Novos inibidores da Raf
surgiu o Dabrafinib. Estes
inibidores vieram a ser usados para inibir uma Raf mutada, que existe num melanoma
refratário.

 Inibidores VEGF/VEGFR
O primeiro destes compostos a entrar na terapêutica foi o Sunitinib.

Figura 284 – Inibidores VEGF/VEGFR

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4.2.4. Inibidores da desacetilase da histona (HDAC)

A desacetilase da histona desacetila e fica o DNA compactado. Quando inibimos esta


enzima, há uma extensão da cadeia de DNA, ocorrendo a transcrição e tradução dos
genes supressores tumorais, formando proteínas reparadoras do DNA, que controlam o
ciclo celular.
A desacetilase da histona é uma metaloproteina e possui zinco no seu local ativo, pelo
que se procura um composto que coordene com o zinco. Um desses inibidores é o
Vorinostat, que é um ácido hidroxâmico. O canal da
enzima é muito estreito, devido à interação com o
zinco, pelo que é necessário um grupo que coordene
Figura 285 - Vorinostat
com o zinco e uma cadeia lipofílica para permitir a
entrada nesse desfiladeiro.

4.2.5. Inibidores do sistema ubiquitina-proteossoma

Este sistema faz a ubiquitinação das proteínas e a sua


posterior degradação. Há fármacos que atuam neste
sistema, designadamente o Bortezomib. Este fármaco é 1º
ou 2ª linha para mieloma múltiplo e linfoma. A estrutura de
ácido borínico permite-lhe ter um mecanismo de ação
irreversível, ao inibir o proteossoma, impede a
degradação das proteínas. Esta molécula é também um
exemplo de um peptidomimético. O Carfilzomib é
também um peptidomimético e inibidor irreversível.

Figura 286

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