Brasil Arcaico
I. Archaic Brazil
Resumo
Este artigo procura estudar de forma sintética como se construíram e perpetuaram os mitos funda-
dores da nacionalidade brasileira como parte dos projetos políticos da Monarquia e República.
O
conceito de nação 1 é relativamente recente, fruto do processo
de desintegração do Antigo Regime europeu e, portanto, asso-
ciado ao pensamento iluminista e às revoluções americana e francesa.
Da mesma forma, o conceito é tributário das transformações ocorridas no iní-
cio do século XIX como resultado do processo de industrialização. As monar-
quias do Antigo Regime constituíam-se a partir de famílias dinásticas que
mediante casamentos, alianças e mesmo conflitos diplomáticos ou armados
ocupavam o poder nos principais Estados europeus, sem que isso necessaria-
mente significasse a obrigatoriedade de ser o governante nascido em tal ou qual
reino. O poder dinástico, portanto, independia das suas nacionalidades.
Benedict Anderson (1989) lembra, a propósito, que é típico que não tenha
havido uma dinastia inglesa governando em Londres desde o século XI (se
*
Professor da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras FAPA. E.mail
:ricardo.fitz@pop.com.br
1
Hugh Seton-Watson entende que não se pode estabelecer nenhuma definição científica de
nação, contudo, o fenômeno tem existido e continua a existir. Citado por ANDERSON,
Benedict. Nação e consciência nacional.São Paulo: Ática, 1989.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 11
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
2
Bossuet, Política. Citado por CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel
a nossos dias., p. 89.
3
Idem, p.88.
4
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária.São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2000.
12 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005/
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
5
Chauí, op. cit., p 16.
6
Hobsbawm, Eric. Nações e nacionalismo desde 1870: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1990.
7
Chauí, op. cit., p. 17.
8
Chauí, op. cit., p. 19.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 13
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
Mito
Para os gregos, a palavra mythos designava uma palavra formulada
quer se trate de um diálogo, uma enunciação, um projeto não contrastando
inicialmente com o que se definia por logoi. Entre os séculos VIII e IV a.C.,
uma série de condições históricas foi cavando um abismo entre duas formas
distintas de narrativa: mythos e logos. A primeira, associada à palavra falada,
transmite aos ouvintes narrativas concernentes aos deuses e heróis, inserindo-
se assim na categoria dos hieroi logoi, discursos sagrados. A segunda, associada à
palavra escrita, assumiu o valor de uma racionalidade demonstrativa, procuran-
do encontrar o verdadeiro após investigação escrupulosa. São essas característi-
cas, por exemplo, que distinguem as obras de Homero e Heródoto.
Do ponto de vista do receptor da narrativa, o mito enfatizando o
dramático, o maravilhoso opera uma ação mimética (mimêsis) com forte ape-
lo à participação emocional (sympatheia). O logos renuncia a tudo isso, apelan-
do para a inteligência crítica do leitor com a finalidade de ganhar na ordem do
verdadeiro, porém perdendo na ordem do agradável, do emocionante, do dra-
mático.
Agindo dessa forma, o mito cumpre funções pedagógicas na medida em
que se torna uma narrativa exemplar de ação ou conduta proposta à imitação
humana. Assume, assim, um caráter paradigmático, constituindo um
modelo de referência que permite situar, compreender e julgar o fei-
to celebrado no canto. Ao se refratar através das aventuras lendárias
dos heróis ou dos deuses é que os atos humanos, pensados na catego-
ria da imitação, podem marcar seu sentido e situar-se na escala de
valores.9
9
VERNANT, Jean Pierre. Mito e sociedade na Grécia Antiga. Rio de Janeiro: José Olympio,
1992, p. 180.
14 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005/
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
10
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno: arquétipos e repetição. Lisboa: Edições 70, 1971.
11
Chauí, op. cit., p. 9.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 15
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
12
PINTO, Júlio Pimentel. Todos os passados da memória. CIDADE: Editora, ano.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º. Centenário do descobrimento do Brasil: come-
13
15
PROST, op.cit, p 10.
16
PROST, op.cit, p 11.
17
NORA, Pierre apud POSSAMAI, Rita Rosane. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, 1993. Citado por POSSAMAI, Zita Rosane. Patrimônio
e museu: história e memórias da cidade. Anos 90. Porto Alegre, n.14, 2000.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 17
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
18
Op. cit. nota 13.
19
Idem, p. 9.
20
Idem, p. 10
18 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005/
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
21
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Vanrhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2002, p. 15.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 19
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
22
CHAUÍ, p. 57-67.
20 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005/
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
23
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. 500 anos do descobrimento do Brasil: experiências e expec-
tativas. Aula Inaugural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, 13 de abril de
1999.
24
MARTIUS, Karl Von. Como se deve escrever a História do Brasil. Citado por SCHWARCZ,
Lilia Moritz In: SIMAN, Lana Mara de Castro e FONSECA, Thais Nívea de Lima (org.) Inaugu-
rando a História e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de História. Belo Horizonte,
Autêntica, 2001, p. 9.
25
Idem, p. 9.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 21
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
26
MOTTA, Marly Silva da. A nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da independên-
cia. Rio de Janeiro: Ed. Da Fundação Getúlio Vargas CPDOC, 1992, p. 13.
27
Idem, p. 13.
22 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005/
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
28
Citado por MOTTA, op. cit., p. 14.
29
Citado por MOTTA, p. 15.
30
MOTTA, p. 16.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.9-24, jan./jun. 2005 23
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>
Abstract
These article intents to make a synthetic study of the way the founding myths of the Brazilian
nationality were built and perpetuated as part of the political projects of Monarchy and Republic
periods.
Bibliografia
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º Centenário do descobrimento do Brasil: come-
morar, celebrar, refletir. Bauru: EDUSC, 1999.
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2000.
CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro:
Agir, 1980.
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno: arquétipos e repetição. Lisboa: Edições 70, 1971.
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1870: programa, mito e realidade. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1990.
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. 500 anos do descobrimento do Brasil: experiências e expectati-
vas. Aula Inaugural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, 13 de abril de
1999.
PINTO, Júlio Pimentel. Todos os passados da memória. CIDADE: EDITORA, ANO. ???
POSSAMAI, Zita Rosane. Patrimônio e museu: história e memórias da cidade. Anos 90. Porto
Alegre, n.14, 2000.
PROST, Antoine. Como a história faz o historiador? Anos 90. Porto Alegre, n. 14, 2000.
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Vanrhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2002.
SIMAN, Lana Mara de Castro e FONSECA, Thais Nívea de Lima (org.) Inaugurando a História
e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de História. Belo Horizonte, Autêntica,
2001.
VERNANT, Jean Pierre. Mito e sociedade na Grécia Antiga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.