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Prof. GIOVANNE SCHIAVON, Dr. ghbs2002@yahoo.com.br direito, em termos de linguagem e método, com uma visão preliminar
das partes que o compõem e de sua complementaridade, bem como
– Ponto 01 – de sua situação na história da cultura 4.
Em resumo, teoria do direito é disciplina introdutória que visa
Conceito de Razão 1 apresentar conceitos necessários ao conhecimento do direito. Esse
Giovanne Henrique Bressan Schiavon 2 curso é dividido em 8 aulas. A primeira lição especula a respeito do
tema da razão e das suas implicações para o conhecimento jurídico.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Estudo e a Razão. 3 A Bom estudo.
Filosofia e o Direito. (a).- Conceito de filosofia do direito.
(b).- Os desdobramentos da filosofia do direito. (I).- Teorias de 2 O Estudo e a Razão
fundamentação com orientação de origem. (II).- Teorias de
justificação com orientação histórico-cultural. (III).- Teorias de Ao dar início a esta nova etapa de sua formação acadêmica,
justificação formal ou procedimental. 4. Semiologia. 4.1 do ensino superior, o estudante deve perceber de que se encontra
Como fazer coisas com as palavras? Os atos de diante de exigências específicas para a continuidade dos seus
fala. 5 Pretensões de validade. estudos. Novas posturas frente a novas tarefas ser-lhe-ão solicitadas.
Daí a necessidade de assumir prontamente esta nova situação e de
1 A INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO tomar medidas apropriadas para melhor aproveita-la. No conjunto, as
suas posturas de estudo devem ser adaptadas à nova realidade
Teoria do Direito é a disciplina destinada a introdução ao aproveitando tudo aquilo que de correto aprendeu em seus estudos
estudo das noções e dos princípios jurídicos fundamentais, anteriores.
indispensáveis ao raciocínio jurídico, bem como noções sociológicas, Em primeiro lugar, é preciso que o estudante se conscientize
históricas e filosóficas necessárias à compreensão do direito na de que o resultado do processo dependerá fundamentalmente dele.
totalidade de seus aspectos. Objetiva fornecer uma visão global de Seja pelo seu próprio desenvolvimento, seja pela própria natureza do
conjunto, bem como as possíveis raízes sociais e históricas do direito processo educacional deste nível, as condições de aprendizagem se
e o seu fundamento filosófico 3. transformam no sentido de exigir do estudante maior autonomia na
Vale destacar que, tradicionalmente, este estudo aparece com efetivação da aprendizagem, maior independência em relação aos
o nome de “Introdução ao estudo do direito” e, assim, alcança o subsídios da estrutura do ensino e dos recursos institucionais que
conjunto de conhecimentos, recebidos de múltiplas fontes de são oferecidos. O aprofundamento da vida científica passará a exigir
informação, destinado a oferecer elementos essenciais ao estudo do do estudante uma postura de auto-atividade didática que será, sem
1
Material elaborado pelo professor Giovanne Schiavon para servir ao estudo complementar. Possui
dúvida, crítica e rigorosa. Todo o conjunto de recursos que estão à
propósitos didáticos, resulta de trabalho de investigação em curso para posterior publicação definitiva base do ensino superior não poderá ir além de sua função de
e não pode ser comercializado de nenhuma maneira. Sua autoria e origem devem ser citadas em fornecer instrumentos para uma atividade criadora.
qualquer uso que se faça desse.
2
Giovanne Henrique Bressan Schiavon é doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa
Em segundo lugar, convencido da especificidade desta
Catarina (2010), mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (2006), situação, deverá o estudante empenhar-se num projeto de trabalho
especialista em Filosofia Política pela UEL e bacharel em direito pela UEL (1996). Ex-professor do altamente individualizado, apoiado no domínio e na manipulação de
curso de graduação em direito da Faculdade Paranaense (2000-2009); professor do curso de direito
da UEL (1999- ) e da Pontifícia Católica do Paraná (2007- ). Seu currículo atualizado pode ser uma série de instrumentos que devem estar contínua e
consultado na plataforma lattes disponível no sítio: www.cnpq.br permanentemente ao alcance de suas mãos. É com o auxílio destes
3
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense,
4
2000, p. 19. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 11.
2
instrumentos que o estudante deverá se organizar na sua vida de necessários, contudo, neste momento de iniciação, sobretudo para
estudo e disciplinar sua vida científica. Este material didático e complementar as exposições dos professores em classe, para servir
científico servirá de base para o estudo pessoal e para a de base de comparação com algum texto porventura utilizado pelos
complementação dos elementos adquiridos no decurso do processo professores, enfim, para fornecer o primeiro instrumental de trabalho
coletivo de aprendizado em sala de aula. nas várias áreas, o vocabulário básico das várias disciplinas.
Dado o novo estilo de trabalho a ser inaugurado pela vida Naturalmente, à medida do avanço e do aprofundamento do estudo,
universitária, a assimilação de conteúdos não pode mais ser feita de eles irão sendo progressivamente substituídos pelos textos
maneira passiva e mecânica. Não basta mais a presença física às especializados, pelos estudos monográficos resultantes das
aulas e o cumprimento forçado de tarefas mecânicas: é preciso pesquisas elaboradas pelos vários especialistas com quais o
dispor de um material de trabalho específico à sua área e explorá-lo estudante deverá conviver por muito tempo, com textos escritos pelos
adequadamente. grandes autores. Numa fase mais avançada de seus estudos e,
A assimilação destes elementos é feita através do ensino em sobretudo durante sua vida profissional, serão estes os textos que
classe propriamente dito, nas aulas, mas é garantida pelo estudo formarão a biblioteca do estudante, lançando as linhas mestras do
pessoal de cada estudante. E é por isso que precisa ele dispor dos seu pensamento científico organicamente estruturado. Nesse
devidos instrumentos de trabalho que, no estudo do direito, são momento, os textos gerais introdutórios só serão utilizados para cobrir
fundamentalmente bibliográficos. eventuais lacunas do processo seqüencial de aprendizagem.
Nessa linha, o estudante precisa assim começar a formar sua Por fim uma advertência, as disciplinas não se isolam no
biblioteca pessoal, consultando, de maneira bem sistemática, os contexto teórico: se o curso de direito objetiva formar profissionais
livros fundamentais para o desenvolvimento de seu estudo. Esta para a área jurídica, é de se notar que ninguém será um bom
biblioteca deve ser especializada e qualificada. As obras de profissional sem situar-se no contexto que o envolve. Assim, os
referência geral, os textos clássicos esgotados, são encontrados nas ambientes cultural, político, econômico ... interagem com o jurídico
bibliotecas das Universidades, das várias Faculdades ou de outras exigindo posicionamentos do estudante. De modo que, sua formação
instituições. E no momento oportuno, estas bibliotecas devem ser exigirá igualmente uma abertura de complementação para áreas afins
devidamente exploradas pelo estudante. Pessoalmente, o estudante para ampliação de seu referencial teórico. Por isso é importante
precisa munir-se de textos básicos para o estudo de sua área também ir se familiarizando com material relativo a estas disciplinas
específica, tais como um bom Dicionário, uma boa Introdução, um afins. Assim, não só textos básicos mas também revistas de áreas
bom texto de História, algum possível Tratado mais amplo, algumas complementares à da sua especialização devem também ser
Revistas especializadas, todas obras específicas à sua área de consultados.
estudo e a áreas bem afins. Posteriormente, na medida em que o
curso for avançando, deve ir adquirindo os textos monográficos e 3 A Filosofia e o Direito
especializados referentes à matéria.
Cumpre esclarecer que estes textos básicos aqui assinalados Desde a Antiguidade, os filósofos estudam as condições que
têm por finalidade única criar um contexto geral, um quadro teórico permitem o conhecimento. Platão, para ilustrar o tema, conta em sua
geral a partir do qual poderá desenvolver sua aprendizagem assim “República” a estória de um grupo de prisioneiros confinados numa
como a maturação de seu próprio pensamento. Estes textos caverna. Tudo o que veem é o movimento de sombras na parede, o
exercerão, portanto, um papel meramente propedêutico, situando-se reflexo de objetos que não podem apreender. Nesse relato, apenas o
numa etapa provisória de iniciação. Não se trata de maneira alguma filósofo termina por sair da caverna e enxergar as coisas como
de restringir-se o estudo aos manuais ou às apostilas. Eles se fazem realmente são por ter vislumbrado o sol. Daí porque, o problema
3
relatado por Platão refere-se a peculiar maneira de se responder as caminho da indução ou da dedução, a exemplo do estudo
perguntas: “o que eu conheço?” “Quais são os limites ao meu desenvolvido por Immanuel Kant. Enquanto que, pelo princípio do
conhecimento?” e estabeleceu o estudo que conhecido por “filosofia”. movimento, Hegel cuidou de conhecer as condições que tornam
A partir de então, os estudos filosóficos são marcados pela possível dedução ou indução. Isso porque, partindo do princípio da
tradição de se definir conceitos a partir das suas próprias identidade, o conhecimento é “a priori”, uma vez que “o ser é”. Pelo
implicações, vai da verdade “sensível” em busca da verdade princípio do movimento, apresenta-se a dialética. A dialética opera por
“inteligível”. Tal postura crê que, mesmo de modo inconsciente, cada meio da afirmação do ser a partir do seu contrário, pela síntese dos
época possui conceitos próprios ao seu modo de viver e que o contrários, do conhecimento “a posteriori”.
sentido compartilhado pelos sujeitos revela a “racionalidade” Neste sentido, a filosofia definiu que o conhecimento é
universalizada e que influencia a compreensão dos indivíduos, posto composto por dois caminhos de raciocínio: dedutivo e indutivo.
que estes interpretam sua realidade a partir dessa compreensão. Através do raciocínio dedutivo, o dado sistema é coerente quando
Vale esclarecer, Sócrates, Platão e Aristóteles apresentaram-se todas as informações constantes daquele são deriváveis de alguns
como amigos da sabedoria na busca do conhecimento objetivamente princípios gerais, tal como a lei geral e abstrata. Pelo raciocínio
“verdadeiro”. Platão, no texto “Protágoras” discorda ser o indivíduo “a indutivo o conteúdo derivado da experiência do caso concreto é
medida de todas as coisas” e trata das lições sobre ser o justo e o utilizado para a construção de conceitos sempre mais gerais (e
injusto vinculados à opinião geral e pública. Afirma Platão que classificações ou divisões da matéria inteira) como sistema.
Protágoras explica o conhecimento determinado subjetivamente, o O primeiro caminho possibilita o desenvolvimento analítico dos
que impediria a existência de “verdades” no campo ético-político. princípios apontados como “verdadeiros”. Enquanto que no segundo
Então sugere a separação de duas realidades: um mundo visível caminho se reúnem os dados fornecidos pela experiência, com base
(sensível) ou mundo dos reflexos e o mundo invisível (inteligível) ou nas semelhanças, para formar conceitos sempre mais gerais até
mundo das ideias. As ideias contém o aspecto objetivo da realidade. alcançar aqueles conceitos generalíssimos que permitam unificar
No pensamento platônico, os deuses não são os legisladores do todo o material dado em leis unificadoras do conhecimento 6.
mundo, pois até mesmo estes se vinculam às ideias, verdades Com esses contornos, razão é sobretudo uma força de
racionais de justiça. reorganização do mundo, no plano social e também no plano
De modo que, no pensamento filosófico compartilhado por científico. Como percebido por Max Weber, o modelo de
Sócrates, Platão e Aristóteles a ideia revela princípio que torna racionalidade informado pelo princípio da identidade possibilitou a
possível a inteligibilidade do real. Encontram-se nesta conceituação afirmação de uma razão prática auto-referente, de modo que as
duas perspectivas metodológicas inauguradas com os sofistas ações ou objetos encerravam em si sua própria explicação 7. Ou seja,
gregos: a do princípio de identidade de Parmênides (“o que está fora no contexto da razão orientada por mitos quando alguém se
do ser, não é o ser; o não-ser é nada, portanto o ser é um”) e a do perguntava: “o que devo fazer?” Os critérios que poderiam justificar a
princípio do movimento de Heráclito (“nunca nos banhamos duas resposta eram: (a) a crença mágica atribuída a certos
vezes no mesmo rio” de modo que, o ser não é mais que o não-ser) 5. comportamentos, como a imposição das mãos sobre a cabeça do
Assim, pelo princípio da identidade há referência a um sujeito ungido (cuja palavra, então, adquiria a força da responsabilidade); (b)
transcendental que provê uma “identidade” ao que é afirmado pelo a crença de que a lei é depositária de determinado conteúdo

5
vd. MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia: Lições preliminares. 8 ed. Trad. 6
Guilhermo de la Cruz Coronado. São Paulo: Mestre Jou, 1980, pp. 70-4; WELZEL, Hans. BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Rev. Cláudio De
Introducción a la filosofía del derecho: Derecho natural y justicia material. Trad. Felipe González Cicco. 6 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 77-9.
7
Vicen. 2. ed. Madrid: Aguilar, 1974. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo, 1989, p. 316.
4
reconhecido (justiça, moral, ...); (c) crença no carisma, ou respeito Na seqüência, a atitude filosófica, implica no questionamento:
pelo chefe que falava a lei. O que é? Como é? Por que é?. Ou seja, a atitude filosófica (que
Essas ações são compreensíveis porque ajustadas a um dado inspira questões sobre a essência, a significação ou a estrutura e a
conceito de normalidade. Nessa linha, o conhecimento técnico é origem de todas as coisas) resulta em reflexão, que significa
espécie de conhecimento cuja validade resulta de uma certeza movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno sobre
objetiva. Por exemplo, o pensamento econômico quanto à si mesmo. Para esclarecer a postura filosófica, Tercio Sampaio Ferraz
conveniência ou não do aumento da taxa de juros em um período de Jr. formula o seguinte exemplo:
recessão. Esse conhecimento técnico surge de uma reflexão
sistemática, melhor dizendo, de um estudo a partir de conhecimentos Sócrates estava sentado à porta de sua casa. Neste
construídos de modo organizado a partir de princípios comuns que momento passa um homem correndo e atrás dele
permitem afirmações tidas por verdades empíricas 8. Consoante a vem um grupo de soldados. Um dos soldados então
isso, o pensamento de Max Weber considera a racionalização do grita: agarre este sujeito, ele é um ladrão! Ao que
conhecimento técnico, o direito inclusive, exclusivamente sob o responde Sócrates: que você entende por ladrão?
aspecto de racionalidade para a obtenção de fins práticos. Notam-se aqui dois enfoques: o do soldado que
Em síntese, para compreender a relevância de uma “filosofia do parte da premissa de que o significado de ladrão é
direito”, apresenta-se um conceito de filosofia do direito (a) e as uma questão já definida, uma “solução” já dada,
perspectivas de tal abordagem (b). sendo seu problema agarrá-lo; o de Sócrates, para
quem a premissa é duvidosa e merece um
(a).- Conceito de Filosofia do Direito questionamento prévio. Os dois enfoques estão
Precariamente indica-se que a filosofia busca encontrar uma relacionados, mas as conseqüências são diferentes.
explicação para as coisas, visa determinar sua “razão”. Melhor Um, ao partir de uma solução já dada e
dizendo, o pensamento filosófico trabalha os conceitos desde seus pressuposta, esta preocupado com um problema de
pressupostos até a busca de seu sentido. Tal já pode ser percebido ação, de como agir. Outro, ao partir de uma
na origem do termo, no grego, filosofia significa “amor à sabedoria”, interrogação, está preocupado com um problema
pois na Grécia antiga a filosofia floresceu quando o homem passou a especulativo, de questionamento global e
interrogar-se do por que das coisas e dos seus fins. progressivamente infinito das premissas 10.
Então, essa revela, de diferentes modos e formas, que o
desejo da verdade é próprio do ser humano. Daí porque Marilena Em tal argumento pode ser percebida uma diferenciação
Chauí responde à pergunta “O que é filosofia?” dizendo: a decisão de essencial entre a argumentação científica e filosófica. Enquanto a
não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as ciência é descritiva (o que “é”, sob termos da experiência), a filosofia
situações, os valores, os comportamentos da existência cotidiana, investiga os fundamentos que sustentam a descrição do objeto
para ela, jamais deve-se aceitá-los sem antes havê-los investigado e (reflete sobre a possibilidade do conhecimento) e o que caracteriza a
compreendido 9. filosofia em geral é constituir-se em auto-reflexão sem qualquer
limitação, por não ser limitável o pensamento. Tendo esses conceitos
8
Tal conceito de sistema é imputado remotamente à Kant por Canaris, vd. KANT, I. Metaphysische em vista, Paulo Dourado de Gusmão conceitua a filosofia do direito
Anfangsgründe der Naturwissenschaft, 1a. (1786), preâmbulo, p. IV apud CANARIS, C.-W.
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste como “o conhecimento resultante da auto-reflexão sobre o ser, o
Gulbenkian, 1996, p. 9-10.
9
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12a. ed., São Paulo: Ática, 1999; e, EWING, A. C. As Questões
10
Fundamentais da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984, pp. 11-25. FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do direito. 2 ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 40.
5
sentido, o fundamento, a finalidade e os valores do direito, sem
deixar de ser o tribunal do direito positivo” 11. O problema da justiça é o problema da
Por conseguinte, a filosofia do direito é a própria filosofia correspondência ou não da norma aos valores
voltada para o estudo do direito. Importante esclarecer, que embora a últimos ou finais que inspiram um determinado
filosofia do direito tenha por objeto os problemas surgidos da prática ordenamento jurídico [...] todo ordenamento jurídico
do direito, essa não possui um problema filosófico distinto em si dos persegue determinados fins [...] No caso de se
outros ramos da filosofia. Os temas estudados por essa não são de considerar que existam valores supremos,
sua exclusividade. Para ilustrar, quando se destacam as ideias de: objetivamente evidentes, a pergunta se uma norma
“culpa”, “falta”, “intenção” e “responsabilidade”, a filosofia do direito é justa ou injusta equivale a perguntar se é apta ou
compartilha seu objeto com os estudos da ética, da filosofia da não a realizar esses valores. Mas, também no caso
consciência e ação. de não se acreditar em valores absolutos, o
Enfim, o estudo da filosofia do direito convive com a problema da justiça ou não de uma norma tem um
diversidade de posicionamentos e afirmações a respeito de questões sentido: equivale a perguntar se essa norma é apta
morais, éticas e pragmáticas (políticas e técnicas), todavia nem ou não a realizar os valores históricos que inspiram
sempre com a suficiente garantia ou profundidade. O estudo certo ordenamento jurídico concreto e
filosófico jurídico se incumbe, nessa linha, de aprofundar alguns historicamente determinado 12.
temas essenciais, investigando a própria teoria do direito.
Partindo dessas teses várias teorias foram formuladas, as
(b).- Os desdobramentos da filosofia do direito quais podem ser classificadas: (I).- teorias de fundamentação com
Tradicionalmente, a filosofia do direito reflete a respeito do orientação de origem metafísica; (II).- teorias de justificação com
que é o justo, ou de qual conteúdo material que deve nortear a orientação histórico-cultural, por exemplo a afirmação de “direitos
atividade jurídica. Na obra “Introdução à Metafísica dos Costumes”, humanos” positivamente estabelecido; e (III).- teorias de justificação
por exemplo, Kant trata da relação da lei moral e liberdade humana. com orientação formal ou procedimental, por exemplo pela sua
Se a lei incidir sobre a conduta humana, sobre a liberdade no seu uso associação à noção de soberania popular ou democracia.
externo, ela será jurídica; se incidir sobre o pensamento ou vontade,
a liberdade no seu uso interno, será moral. A diferenciação kantiana
do direito e da moral, ao final, torna a fundamentação do direito como (I).- Teorias de fundamentação com orientação de origem
um caso da moral. metafísica
Vale esclarecer, a filosofia do direito estuda a idealização do A primeira teoria formulada, a teoria jusnaturalista e a
ordenamento anterior à sua instituição real. Abrange os aspectos fundamentação metafísica do poder, afirma a origem dos motivos da
político, filosófico, econômico, entre outros, com o objetivo de ação, a constituição do que deve ser feito a partir de argumentos
fundamentar (ou conferir origem) ao poder jurídico expresso pelo indisponíveis para ser modificados pela vontade humana. Desse
Estado. Consoante a isso busca esclarecer se há vínculo entre modo, a existência da norma jurídica é associada a sua
direito, moral e política e de que espécie. Com esses objetivos correspondência a um conceito de justiça afirmado de modo objetivo,
estuda, dentre outros argumentos, os “direitos humanos” liberais e os não redutível à vontade humana, então, o direito e o estado podem
“valores” comunitários. Na explicação de Norberto Bobbio: são conceitos “naturais” ou “divinos”.
11 12
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.
21. Bauru: Edipro, 2001, p. 46.
6
Porém, com o fortalecimento do pensamento político pois “só pode ter como conteúdo aquilo que todos, no uso da razão,
“constitucional”, as teorias com perspectiva de “fundamentação” podem querer ao defenderem seus respectivos interesses” 14.
cederam espaço para a linha filosófica da institucionalização do Nestes termos, a doutrina política de Thomas Hobbes
poder social seja sob argumentos dos direitos humanos estabelece que não existe outro critério do justo e do injusto fora da
positivamente estabelecidos ou das teorias dos freios e dos lei positiva, quer dizer, fora do estabelecido pelo soberano. Por isso
contrapesos (da separação dos poderes) e democráticas. sustenta que é justo o que é comandado, somente pelo fato de ser
comandado; é injusto o que é proibido, somente pelo fato de ser
(II).- Teorias de justificação com orientação histórico-cultural proibido. Resulta que o indivíduo se vê ante a seguinte escolha: a
A segunda teoria supõe que a liberdade humana confere liberdade ou o estado? A solução parece ser o estado. Por isso, trata
origem às ações e o critério da justiça termina por ser definido não de demonstrar que o direito de castigar do estado não agride o direito
com recurso à sua origem, mas sob critério da universalidade. Norma da própria conservação do indivíduo. Pois, não seria coerente
justa é a posta a ser obedecida por todos igualmente detentores de sustentar que no “contrato social” o homem houvesse renunciado à
obrigações e direitos na ordem civil. Então, os ganhos substanciais sua própria preservação. O direito de castigar, então funda-se no fato
no estado de direito são oriundos da igualdade de todos sob as de que a organização política ao elevar o direito acima de tudo e
formas do direito constitucionalmente determinadas. todos, adquiriu a faculdade de defender com os meios mais aptos a
A afirmação de direitos humanos universalmente garantidos é segurança e a prosperidade gerais 15.
uma das ideias que sustentam a teoria do direito presente no Os estudos hobbesianos exemplificam como o direito e o
pensamento de Miguel Reale. Como identificado por Gerson Luiz estado são compreendidos naquele período. Isso porque, se não é
Carlos Branco em estudo crítico: [segundo o culturalismo de Reale] “o mais possível fundamentar o poder do Estado no direito natural,
futuro se contém, até certo ponto, no passado”... Por conseguinte, o transfere-se esse papel para o contrato social um elemento
sentido do trabalho jurídico não é buscado no nada, mas nas procedimental justificado na utilidade do Estado em fornecer a paz e
estruturas sociais lapidadas pelos homens no curso da história: “A prosperidade para os seus cidadãos. O Estado tudo pode para
substância de um Código (legal) deriva da consolidação legislativa desempenhar o papel de pacificar a sociedade 16.
dos valores já reconhecidos e aceitos numa determinada Por meio da segurança jurídica, Thomas Hobbes, assegura a
comunidade”13. existência do indivíduo, todavia, o subordina ao soberano. Posto que,
Consoante a isso, a promessa da instituição das regras elimina para o indivíduo o espaço de crítica cidadã. Em outras
jurídicas de modo geral e abstrato parece ser suficiente para garantir palavras, descreve um Estado no qual as pessoas transferem sua
a instituição de um direito justo. Uma vez que justiça significa ser liberdade ao soberano, para a segurança de seus direitos. Nesse
detentor de igual respeito e consideração, paradoxalmente, as passo, explicará o direito como composto por normas jurídicas gerais
Constituições terminaram por implantar um Estado de Direito em aptas a garantir, aos súditos, as condições propícias para a
moldes da vontade estatal contraposta à vontade individual, no qual acumulação de riqueza, sem vinculação a nenhum conteúdo
justiça parece ser uma utopia. específico, constitui-se no “meio” de garantia dos espaços de ação do
Senão veja-se, a idéia mais generalizada parece ser de que o indivíduo.
“contrato social” constitui-se em um procedimento no qual todos são 14
representados, apto a justificar moralmente a legalidade em formas HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vol. II, p. 238.
do poder positivo coercitivamente imposto. Isso por meio da razão, 15
vd. COSTA, Fausto. El delito y la pena en la historia de la filosofía. Trad. Mariano Ruiz-Funes. Cidade do
México: Uteha, 1953, p. 73.
13 16
MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São vd. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.
Paulo: Saraiva, 2002, p. 4. Bauru: Edipro, 2001, p. 59-60.
7
Constata-se aqui que ocorre a eliminação da necessidade de realidade) se dá por meio de um procedimento universal: o imperativo
fundamentação das liberdades subjetivas, essas são justificadas no categórico. Tal possibilita a afirmação de que o acesso ao
interesse que visam proteger. Cabe ao soberano garantir a paz e a conhecimento do justo é igualmente franqueado a todos, o que não
defesa comum de todos, enquanto que, os súditos - com intuito de permite distinções entre indivíduos seja no que tange ao respeito
lucro - agem racionalmente realizando sempre o cálculo de utilidade, pessoal, ou à participação no espaço público. Então, o conceito de
custo e benefício. Nas palavras de Habermas: “A fundamentação moralidade adotado pela metafísica pode ser alargado.
utilitarista da ordem burguesa dos direitos privados, ou seja, a de que Realmente, ao se considerar que a moral é composta de
‘o maior número possível se sinta bem durante o tempo em que for valores que devem ser encontrados a partir de uma razão
possível’, atribui justiça material ao poder de um soberano que não culturalmente situada, ou estática em projetos de “vida boa”, não há
pode infligir injustiça por simples razões conceituais” 17. saída para a vinculação da política à moral. Esta crítica pode ser
De um lado, há aqueles que continuam a crer na possibilidade percebida na sociologia de Weber, na política de Maquiavel e mesmo
do direito prover paz social sob argumento das suas qualidades na filosofia de Hegel. Cumpre observar que, ante ao ceticismo sobre
formais. De outro, há autores que revendo os pressupostos da a possibilidade de se tratar do tema da justiça, em meados do século
Modernidade discutem os meios (e conteúdos) de formalização das XX após as duas grandes guerras, John Rawls reavivou o tema
regras jurídicas a partir da deliberação social. quando argumentou com os utilitaristas que as boas ações poderiam
decorrer de um “egoísmo racional”. Um egoísta pode assumir que é
(III).- Teorias de justificação com orientação formal ou do seu interesse agir de modo correto. Então, descreve uma
procedimental sociedade que permite aos seus integrantes um espaço de
A terceira classe de argumentos aparece na filosofia com a participação, de modo a que todos os interesses possam ser
percepção de que as teorias de fundamentação sob orientação considerados em um debate público, afirma a existência de
substancial parecem ter esgotado sua capacidade utópica. Os ideais “consenso” por “sobreposição” ou “entrecruzamento”. No mesmo
da modernidade persistem como argumentos técnicos, mas distantes sentido, mas buscando o “entendimento” no lugar do “consenso”,
dos indivíduos que pretendem incorporar à procedimentos de origem, Jürgen Habermas afirma a existência de uma “esfera pública” na qual
modificação e aplicação do direito. A superação da ideia do soberano os indivíduos apresentam francamente argumentos aptos a propiciar
somente vinculado ao seu próprio arbítrio, segundo Jean Jacques a aceitação geral. Tal concordância deve-se dar a partir do
Rousseau na obra “O Contrato Social”, só é possível transferindo a conhecimento das consequências e efeitos colaterais que
soberania para o povo. De modo que, o povo não abusaria de si previsivelmente resultarem para a satisfação dos interesses de cada
próprio18. Na mesma ordem de ideias pode-se resgatar o princípio da um dos indivíduos do fato de ela ser universalmente seguida e que
legalidade kantiano, para o qual, a razão (a compreensão da ainda assim possam ser aceitos por todos os concernidos (e
preferidos a todas as consequências das possibilidades alternativas e
17
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno conhecidas de regulação).
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I, p. 123-4. Seguindo o argumento, a obediência ao
Estado pode ser explicada também como resultado de um “interesse” do indivíduo na existência do direito, tal Rawls e Habermas argumentam a respeito dos “princípios”
como expresso pela sociologia de Max Weber. A obediência ao direito é estruturada na sua “autoridade”. A que vigorariam numa sociedade “bem ordenada”. Desta sorte,
crítica ao formalismo desse argumento não é nova. No Brasil, Miguel Reale com a teoria tridimensional do
direito a expressa sob o argumento de que a prática jurídica deve compatibilizar: fato, valor e norma, enquanto princípios, enquanto cláusulas abertas, podem ser entendidos como
perspectivas complementares do fenômeno do direito. Contudo, essa teoria não se fez acompanhar da possibilidades de inserção das questões publicamente relevantes ao
conseqüente “teoria da argumentação jurídica”. Reale esboçou o que seria a sua teoria da argumentação na
obra: REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: Para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: ambiente da política e do direito. Um direito aberto às considerações
Saraiva, 1994. da esfera pública e com poderes para domesticar a política e a
18
BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait, 3ª ed., Brasília: economia. Para que tal conceito de moral se aperfeiçoe é importante
Universidade de Brasília, 1995, p. 15-6.
8
aprimorar os mecanismos de participação da sociedade no âmbito esclarece os motivos, ou interesses aptos para fundar a sua
das discussões jurídicas, tais como ação popular e prestação de existência; ao tempo em que, a perspectiva de justificação procura na
contas da administração ao tempo em que os mecanismos já moral elementos que permitam definir a estrutura dos processos
existentes devem ser mais freqüentemente utilizados tais como inerentes à prática jurídica, como por exemplo, o procedimento
referendos e plebiscitos. legislativo.
Nessa linha, no século XX, a filosofia deu continuidade ao Nesse passo, apresenta-se a reflexão a respeito da razão
questionamento dos gregos e estabeleceu o caráter comunicativo do comunicativa e as pretensões de validade presentes na linguagem.
conhecimento. A “guinada linguística” ocorrida no século XX sugeriu
que as condições de possibilidade do conhecimento podem e dever 4 Semiótica
ser identificadas nos contornos da linguagem. De sorte que, razão é
explicada como um conceito referido ao entendimento (imagem) a O estudo sobre o sistema geral dos signos lingüisticos
que chega o ouvinte quando recebe a mensagem do falante. Algo recebeu o nome de semiótica. Tal estudo foi organizado em três
como um raciocínio de causa e efeito aplicado à comunicação. níveis: sintática, semântica e a pragmática.
Consoante a isso, um conceito, o sentido atribuído a um sinal, é O primeiro tipo de análise é a sintática. Na busca do sentido
obtido a partir da semântica da comunicação própria da da frase através da sintática, observa-se como é construído um
comunicação. enunciado, como é estruturado. De sorte que o significado decorre da
Enquanto a filosofia reflete sobre as condições e pressupostos função exercida na frase por cada palavra (ex. o verbo indica ação, o
do conhecimento, pela ciência expressa pela linguagem, a descrição adjetivo uma qualidade...). Ou mais exatamente, cuida do sentido
desse saber, a partir do século XX, a filosofia do conhecimento trouxe expresso no próprio objeto.
que os sujeitos capazes de linguagem e ação, na perspectiva de O segundo, a semântica, estuda o sentido originário das
suas relações cotidianas (do mundo da vida compartilhado), devem palavras. Ou seja, para a análise semântica a toda palavra
poder “se relacionar” “com algo” no mundo objetivo, quando for corresponde um objeto, de sorte que, na teoria da linguagem remete
necessário se entender (estabelecer consenso) entre si “sobre algo” a um sentido originário. Exemplo, qual imagem vem quando se
na comunicação, ou conseguirem “algo” nas relações práticas. Para pronuncia a palavra chapéu? Em outras palavras, a semântica é o
que possam se relacionar com algo, seja na comunicação sobre fatos nível da análise semiológica preocupado com a relação entre os
ou nas relações práticas com pessoas e objetos, devem – cada um signos e os objetos a que se referem.
por si, mas em concordância com todos outros – partir de um O terceiro tipo de análise é a pragmática. Na análise
pressuposto pragmático. Supõem “o mundo” como a totalidade de pragmática parte-se de que o sentido das palavras é construído no
objetos existentes independentemente, que podem ser julgados ou discurso. Uma palavra com o sentido originário conhecido, pode na
tratados. “Julgáveis” são sobretudo todos os objetos a respeito dos conversa receber um novo sentido. Esclarece Reyes que, as palavras
quais podem ser afirmados fatos. Mas somente objetos identificáveis podem assumir um significado para o falante, o qual pode se opor ao
espaço-temporalmente podem ser “tratados” no sentido de uma significado convencional – sintático - que é o que as expressões
manipulação eficaz em relação a fins 19. possuem por convenção, o que compartilha toda a comunidade de
Em síntese: a perspectiva de fundamentação enaltece a falantes e está registrado em gramáticas, dicionários e estudado pela
possibilidade da moral ser apontada como origem da existência da semântica. “Problemas como a ambiguidade e a polissemia de certas
norma jurídica. Enquanto a perspectiva de justificação substancial expressões correspondem ao campo de estudo da semântica. Em um
sentido mais estrito, a semântica estuda a correspondência entre as
19
HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e razão destrancendentalizada. Trad. Lucia Aragão. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro: 2002, p. 39.
9
orações e o mundo, vale dizer, as condições orientadoras que devem se pode ignorar que a linguagem (e os seus significados) constitui os
cumprir-se para que uma oração seja verdadeira ou falsa.” 20 objetos e as ações.
Eis que, com o uso da linguagem se produzem significados Se um tratado de física constitui exemplo característico do uso
que ultrapassam o valor convencional das orações. Estes novos da linguagem com função descritiva, uma música constitui exemplo
significados são objeto de estudo da pragmática, por muitos, tida da linguagem com função expressiva, um conjunto de regulamentos
como um complemento da semântica e parte da linguística 21. constitui exemplo da linguagem sendo utilizada com função
No exemplo de Reyes, se alguém bate na porta e diz “abre, prescritiva. Tais exemplos já apresentam um início de distinção. Sem
sou eu” deve-se reconhecer a voz para decidir se se abre ou não a esgotar o assunto, aqui basta dizer que a função descritiva, própria
porta, já que a palavra “eu” não remete a nenhuma pessoa da linguagem científica, consiste em dar informações, em comunicar
específica, mas que meramente assinala ao que fala. Eu e outras aos outros certas notícias. Em suma, em fazer conhecer. A função
expressões similares deixam de referir-se ao mundo quando se lhes expressiva, própria da linguagem artística, consiste em evidenciar
tira do contexto: sem um ponto de origem (um falante em seu lugar e certos sentimentos e em tentar evocá-los, de modo a fazer participar
tempo, dotado de intenção comunicativa) resultam vazias 22. os outros de certa situação sentimental. A função prescritiva, própria
Ou seja, se as palavras significam por si mesmas, e, sem da linguagem normativa, consiste em dar comandos, conselhos,
embargo, a comunicação exige muito mais que traçar significados recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e
pré-estabelecidos, é importante frisar a presença do intérprete, modificá-lo, em suma, no fazer fazer 25.
daquele que faz uso do sinal alterando-o a fim de adequá-lo ao A racionalidade artística, encontrada na linguagem expressiva,
contexto ou interpreta-lo de forma diferente à luz de contextos manifesta um sentimento; a racionalidade teórica, expressa na
diferentes.23 Então, há na pragmática a preocupação com o sentido linguagem descritiva, busca ser uma representação do que é; a razão
das palavras considerando-se o contexto do proferimento 24. prática, por sua vez, surge na forma de prescrição e expressa a
O ato de fala produz efeitos sociais conforme o contexto de pretensão de modificar o comportamento alheio.
proferimento. Dizer “sim” numa cerimônia de casamento pode Ao estudo do direito, interessa de modo particular a linguagem
significar a alteração do estado jurídico da pessoa, em outro contexto prescritiva. Embora se possa conceber que a linguagem descritiva
o mesmo “sim” pode significar uma demonstração de disponibilidade, também influi sobre o comportamento alheio. Como, por exemplo,
como o “pois não” dito por um prestador de serviço. É possível quando se pergunta a indicação de uma rua, a resposta induz a
considerar que o sentido emprestado ao sim (ou ao não) no exemplo andar em uma direção ao invés de em outra. A influência da
anterior, não se trata de uma questão intersubjetiva, mas de algo informação sobre o comportamento é indireta, enquanto a influência
determinado pela lei (de modo objetivo) ou mesmo da percepção de da prescrição é direta26.
um sentido próprio da fala (pelo sujeito, de modo subjetivo). Mas não De sorte que, quanto à função, pode-se diferenciar as funções
da linguagem, com a observação de que, na vertente prática, a
20
REYES, Graciela. El abecé de la pragmática. 3 ed., Madrid: Arco Libros, 1998, p. 9.
linguagem descritiva informa e a linguagem prescritiva pretende
21 determinar um comportamento.
Ibid
22
Ibid., p. 9-10.
23
ALONSO, Loar Chein. Erro pragmático? Que bicho é esse? Letras de Hoje, v. 18, n. 4, p. 63
[s.d.]
24 25
Eis que, com o uso da linguagem se produzem significados que ultrapassam o valor convencional BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
das orações. Estes novos significados constituem-se em objeto de estudo da pragmática, por muitos, Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 77-8.
26
tida como um complemento da semântica, cf. REYES, Graciela. El abecé de la pragmática. 3 ed., BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Madrid: Arco Libros, 1998, p. 9. Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 80.
10
Descritiva: objetiva descrever o que “é” se um preceito é verdadeiro ou falso, tem sentido perguntar se é justo
(informar) ou injusto29.
Logo, pode-se afirmar que as linguagens descritiva e
Quanto à função Prescritiva: objetiva influenciar o prescritiva possuem uma diferença essencial, no sentido em que uma
comportamento (o que “deve ser” e outra pertencem a duas ordens diversas (a ordem das relações
causais e a ordem das relações imputativas). Quando o problema
Expressiva: objetiva manifestar disser respeito à questões passíveis de comprovação por meio da
sentimento experiência, estar-se-á diante de uma descrição da realidade, ou de
uma proposição descritiva. Enquanto que a prescrição é entendida
Quanto ao critério de validade, frente a uma proposição dita como uma proposta de como a realidade “deve ser”.
com função descritiva, observa-se o consentimento do destinatário
quando este a crê verdadeira. Em uma proposição prescritiva, ao Descritiva: verdadeira/falsa
contrário, o consentimento do destinatário se manifesta pelo fato de Quanto à Expressiva: sincero/não sincero
que a executa, a cumpre. Em outras palavras, pode-se diz que a pretensão validade Prescritiva: legítimo/ilegítimo
prova da aceitação de uma informação é a crença (um
comportamento mental), a prova da aceitação de uma prescrição é a Um terceiro critério de distinção refere-se à conseqüência pela
execução (um comportamento prático, ainda que a distinção entre transgressão, a proposição prescritiva admite transgressão, enquanto
comportamento mental e comportamento prático seja muito a inobservância de uma proposição descritiva, uma lei física, por
duvidosa)27. exemplo, é cientificamente inadmissível. Se a violação de uma
Para Bobbio esse é o caráter distintivo decisivo entre as prescrição somente pode acarretar numa punição ao infrator, a
funções da linguagem. Sobre as proposições descritivas, pode-se inobservância da proposição descritiva acarreta a sua refutação, pois
dizer que são verdadeiras ou falsas; sobre as prescritivas, não. As a lei física só vale enquanto constatada sua observância.
proposições prescritivas não são nem verdadeiras nem falsas, no Em tempo, uma manifestação expressiva que não seja sincera
sentido em que não estão sujeitas à valoração de verdade e não acarreta conseqüências para terceiros. A linguagem expressiva
falsidade. Há sentido em perguntar se a asserção: “Curitiba é a tem a pretensão de indicar somente um estado pessoal, nesse
capital do Paraná” é verdadeira ou falsa; não há sentido em particular, a falta de sinceridade de alguém sobre seu sentimento é
perguntar se o preceito “Deve-se limpar os sapatos antes de entrar” é indiferente para outras pessoas. De sorte que se houver uma poesia
verdadeiro ou falso. Verdade e falsidade não são atributos das que indique sentimentos tristes, é irrelevante para o leitor que o poeta
proposições prescritivas, mas somente das descritivas 28. seja efetivamente infeliz. Deve-se notar que, se uma manifestação
Os critérios de valoração com base nos quais se aceita ou expressiva não existe para produzir efeitos sobre terceiros, somente
rejeita uma prescrição são outros. A propósito das normas jurídicas, para indicar um estado próprio, ou um sentimento próprio, nesse
espécie de linguagem prescritiva, por exemplo, pode-se avaliá-las sentido, deixa-se essa pretensão da linguagem de lado, em prol
segundo a justiça e a injustiça, mas nunca se são verdadeiras ou daquelas que interessam mais ao estudo do direito 30.
falsas. Então pode-se dizer que, enquanto não tem sentido perguntar
29
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
27
Norberto Bobbio indica que esse critério foi sistematizado por Hare na obra HARE, R. M. “The Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 81.
Language of Morals”. Oxford: Clarendon Press, 1952 (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 30
Não se ignora que a um sentimento podem ser atribuídos efeitos jurídicos, por exemplo, no direito
Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 81). penal pune-se diferente àquele que cometeu a infração sob forte emoção, (vd. Código Penal, art. 65,
28
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno III, “c”). Contudo, se alguém faz uso de seus sentimentos para influenciar os outros, essa
Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 81. manifestação desempenha função prescritiva ou descritiva, conforme o caso.
11
Paulo Dourado de Gusmão diferencia os efeitos da norma Prescritiva: prevê o descumprimento e
técnica da lei científica, explica o jurista que uma exprime uma determina conseqüências para quando
opinião e outra uma verdade. Aqui não se faz tal distinção por ocorrer.
entender que ambos, as leis da ciência e o conhecimento técnico,
são modalidades condizentes com a razão prática. Ou seja, decorrem A norma jurídica disciplina fatos e atos que dependem da
da experiência subjetiva e observação, podem ser alteradas à medida vontade humana, daí ser expressão de linguagem prescritiva.
que o desenvolvimento dessa experiência evolua. Nesse sentido Considerando-se que a linguagem prescritiva admite a transgressão
embora sejam mais objetivas, as leis científicas, não exprimem uma e que a vida em sociedade implica na existência de padrões de
verdade absoluta, mas relativa, o que equivale dizer que podem sim condutas estáveis. A teoria do direito contempla que suas prescrições
ser reunidas normas técnicas e científicas como sub-ramos do podem ser desobedecidas e atribui conseqüências jurídicas para
conhecimento prático 31. forçar seu cumprimento. É por este motivo que são acompanhadas
Norberto Bobbio esclarece que, ser de ordem diversa significa de sanção.
que a diferença, entre a verificação das proposições descritivas e a
justificação das proposições prescritivas, está na maior objetividade
da primeira em relação à segunda. Enquanto a primeira tem como
último ponto de referência o que é observável e pertence ao domínio
da percepção, a segunda encontra o seu último ponto de referência
no que é desejado, objeto de tendência ou inclinação. Pode-se dizer,
para marcar esta diferença, que a verdade de uma proposição
científica, pode ser demonstrada, enquanto sobre a justiça de uma
norma, pode-se somente procurar persuadir os outros 32. LEITURA COMPLEMENTAR
Dessa forma, tem-se duas categorias de linguagens com o
objetivo de influenciar os outros. Uma que influencia de modo direto, O conteúdo físico das proposições geométricas
linguagem prescritiva, e outra que influencia de modo indireto,
linguagem descritiva. Há três espécies de manifestação: a que admite Em seus dias de escola, prezado leitor, certamente você
a transgressão (jurídica, ética, religiosa, costumes, técnica), a que a entrou em contato com a soberba construção da geometria de
insinceridade é irrelevante (música, poema) e a cuja violação é, Euclides, e talvez se lembre, mais com respeito que com prazer,
cientificamente, inconcebível (lei científica). desse imponente edifício cujas alturas mestres compenetrados
levavam-no a percorrer durante horas e horas. Por força desse
Quanto à possibilidade Descritiva: não admite o descumprimento passado, certamente você haveria de dedicar um gesto de desprezo
de descumprimento Expressiva: o descumprimento é a qualquer um que ousasse declarar errada mesmo a mais
irrelevante insignificante proposição dessa ciência. Mas tal sentimento de
orgulho e segurança talvez o abandonasse logo que alguém lhe
fizesse esta pergunta: “O que você entende quando afirma que essas
proposições são verdadeiras?” Detenhamo-nos um pouco nesta
31
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense, questão.
2000, p. 76-77. A geometria parte de certas noções fundamentais, como
32
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno plano, ponto, reta, com as quais somos capazes de associar idéias
Sudatti. Bauru: Edipro, 2001, p. 82-3.
12
mais ou menos claras, e de certas proposições simples (axiomas), saber, que a dois pontos de um corpo praticamente rígido sempre
que com base nessas idéias sentimo-nos inclinados a considerar corresponde a mesma distância (segmento de reta), quaisquer que
como “verdadeiras”. Depois, com base em um método lógico cuja sejam as mudanças de posição a que o corpo seja submetido —,
justificação nos sentimos compelidos a reconhecer, todas as demais então as proposições da geometria euclidiana passam a ser
proposições são referidas àqueles axiomas, isto é, são proposições sobre a possível posição relativa de corpos praticamente
demonstradas. Uma proposição é correta ou “verdadeira” quando é rígidos33. Completada desta maneira, a geometria deveria passar a
derivada dos axiomas da maneira geralmente aceita. A questão da ser tratada como um ramo da física.
“verdade” das diversas proposições geométricas nos leva, portanto, Agora poderíamos nos interrogar com razão a respeito da
de volta à questão da “verdade” dos axiomas. Ora, há muito se sabe “verdade” das proposições geométricas interpretadas assim, pois
que esta última pergunta não pode ser respondida pelos métodos da podemos perguntar se aquelas proposições são válidas para aqueles
geometria e, mais do que isso, que em si ela não possui sentido objetos reais que associamos aos conceitos geométricos. De maneira
nenhum. Não podemos nos interrogar se é verdade que por dois não muito rigorosa, podemos dizer, portanto, que uma proposição
pontos passa uma única reta. Podemos apenas dizer que a geométrica será “verdadeira”, neste sentido, se ela puder ser
geometria de Euclides trata de figuras, por ela chamadas de “retas”, construída com régua e compasso.
às quais atribui a propriedade de serem determinadas univocamente Evidentemente, a convicção da “verdade” das proposições
por dois de seus pontos. O conceito de “verdadeiro” não se aplica geométricas, neste sentido, repousa apenas em experiências
aos enunciados da geometria pura, porque com a palavra bastante imperfeitas. Por enquanto, haveremos de supor que as
“verdadeiro” nós costumamos, em última análise, designar a proposições geométricas são “verdadeiras”, para mais tarde, na
correspondência com um objeto “real”; porém, a geometria não se última parte de nossas considerações (quando tratarmos da Teoria da
ocupa com a relação entre seus conceitos e os objetos da Relatividade Geral), verificarmos que esta verdade tem seus limites,
experiência, mas apenas com os nexos lógicos desses conceitos que então precisaremos quais são. (EINSTEIN, Albert. A teoria da
entre si. relatividade especial e geral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Rio de
É fácil explicar o fato de, apesar de tudo, nos sentirmos Janeiro: Contraponto, 1999, p. 11-13)
impelidos a considerar as proposições da geometria como
“verdadeiras”. Aos conceitos geométricos correspondem, de maneira Questões:
mais ou menos exata, objetos na natureza, que sem dúvida são a
única razão de aqueles conceitos haverem surgido. Visando a 1 – Como você percebeu o conceito de razão?
conferir ao seu edifício o máximo de coerência lógica possível, a 2 – O que estuda a filosofia do direito? Quais são seus principais
geometria evita falar nesses termos; mas está profundamente temas?
enraizado em nosso pensamento o hábito, por exemplo, de 3 – Quais teorias filosóficas foram apresentadas no texto?
reconhecermos um segmento quando vemos dois pontos marcados 4 – Diferencie perspectiva de fundamentação da perspectiva de
sobre um corpo praticamente rígido. Além disso, estamos justificação?
acostumados a considerar três pontos como estando em linha reta 5 – O que é semiologia?
quando, por uma escolha adequada do lugar de observação,
podemos, fechando um olho, fazer com que suas posições aparentes 33
Com isso, a linha reta passa a ser considerada como um objeto natural.
coincidam. Três pontos A, B, C de um corpo rígido estão situados então sobre uma reta
Seguindo nossos hábitos de pensamento, se acrescentarmos se, dados os pontos A e C, o ponto B é escolhido de tal forma que a soma
às proposições da geometria euclidiana uma única proposição — a das distâncias AB e BC seja a menor possível. Embora incompleta, esta
indicação é suficiente neste contexto.
13
6 – Como o estudo das pretensões de validade auxilia na
compreensão do direito?
7 – Por quê Albert Einstein coloque aspas no uso da expressão
verdadeiras? Em que sentido ele usa a expressão “verdade”?
8 – Existe diferença entre “descrever algo” e “expressar uma
vontade”? Explique.

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