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O fato do autor
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Dando seguimento aos debates acerca da queima de arquivos relativos à escravatura no Brasil, dialogando
com os textos já publicados anteriormente¹, hoje trago à reflexão dos nossos leitores os textos de decisões
administrativas que serviram de base para as medidas draconianas baixadas por Ruy Barbosa, apresentando
algumas das razões que podem subjazer à decisão ministerial a que se aludirá abaixo.
Avalanche indenizacionista
Após a quartelada a que o povo assiste impotente e “bestializado”, o país viveria um período tumultuado
relativamente às questões relacionadas com a lavoura e a abolição da escravatura. Após a abolição, vários
foram os projetos “indenizaconistas” – propostos, por exemplo, por Coelho Rodrigues, Cotejipe e João
Alfredo² -, somente arrefecendo com a proclamação da república e, especialmente, com a atuação firme e
decidida de Ruy Barbosa.
A resposta aos “aristocratas mendicantes”, que pleiteavam alguma forma de compensação pela abolição
imediata e sem indenização, articulada no requerimento firmado por Anfriso Fialho e outros, viria em forma
de despacho ministerial:
Requerimentos despachados:
De José Porfírio Rodrigues de Vasconcelos e seus filhos, José Melo Alvim e o Dr. Andriso
Fialho, apresentando as bases para a fundação de um banco encarregado de indenizar os ex-
proprietários de escravos ou seus herdeiros, dos prejuízos causados pela lei de 13 de maio de
1888, deduzidos 50% de seu valor em favor da República,
Mais justo seria, e melhor se consultaria o sentimento nacional, se se pudesse descobrir meio de
indenizar os ex-escravos, não onerando o Tesouro. Indeferido. (Diário Oficial. Rio de Janeiro, 12
de novembro de 1890, p. 5.216, col. 2).
Mas as medidas tomadas pelo Ministro da Fazenda não se deteriam ali. Logo a seguir, a 14 de dezebro de
1890, Rui Barbosa proferiria uma decisão polêmica, cujo texto integral é este:
https://cartorios.org/2010/01/25/penhor-de-escravos-e-queima-de-livros-de-registro/ 1/8
23/09/2018 Penhor de escravos e queima de livros de registro | Observatório do Registro
Ruy Barbosa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e presidente do Tribunal
do Tesouro Nacional:
Considerando que a nação brasileira, pelo mais sublime lance de sua evolução histórica,
eliminou do solo da pátria a escravidão — a instituição funestíssima que por tantos anos
paralisou o desenvolvimento da sociedade, inficionou-lhe a atmosfera moral;
Considerando, porém, que dessa nódoa social ainda ficaram vestígios nos arquivos públicos da
administração;
Considerando que a República está obrigada a destruir êsses vestígios por honra da Pátria, e em
homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de
cidadãos que pela abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira;
Resolve:
2º — Uma comissão composta dos Srs. João Fernandes Clapp, presidente da Confederação
Abolicionista, e do administrador da Recebedoria desta Capital, dirigirá a arrecadação dos
referidos livros e papéis e procederá à queima e destruição imediata deles, que se fará na casa da
máquina da Alfândega desta capital, pelo modo que mais conveniente parecer à comissão.
Capital Federal, 14 de dezembro de 1890 — Ruy Barbosa. (Obras completas de Rui Barbosa,
Vol. XVII, 1890, tomo II, pp. 338-40).
Vimos no artigo Soriano Neto, Machado, Ruy e a queima de arquivos que outra disposição incendiária de
Ruy seria veiculada em 1891 por meio do Decreto 370, cujo parágrafo único do art. 11 registrava:
Paragrapho unico. Os livros do registro sob o n. 6, nos quaes era transcripto o penhor de
escravos, serão incinerados, e si delles constarem outros registros, estes serão transportados com
o mesmo numero de ordem para os novos livros de ns. 2, 4 ou 5.
A resposta que se fez corrente é: eliminar os comprovantes fiscais que se achavam no Ministério da Fazenda
e que poderiam servir de base e fundamento à onda indenizacionista.
O texto da decisão de 14 de dezembro de 1890 parece centrar o seu foco nos arquivos da administração
fazendária.
Segundo Francisco de Assis Barbosa, os objetivos de Ruy Barbosa (e de seu sucessor, Alencar Araripe) se
resumiriam a eliminar o comprovante fiscal da propriedade servil, esboroando a evidência da propriedade do
escravo:
É importante insistir no objetivo determinante dos atos, tanto o de Rui Barbosa, como do seu
sucessor Alencar Araripe, que era o de eliminar o comprovante fiscal da propriedade servil, para
assim evitar, como salientamos, a situação de fato, sempre questionada na época, em torno da
https://cartorios.org/2010/01/25/penhor-de-escravos-e-queima-de-livros-de-registro/ 2/8
23/09/2018 Penhor de escravos e queima de livros de registro | Observatório do Registro
propriedade do escravo, desde que a entrada de africanos fora considerada ilegal pela lei de 7 de
novembro de 1831, assinada por Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça, declarando livres
todos os escravos vindos de fora do Império e impondo penas aos importadores dos mesmos
escravos. Lei que, seguida do Decreto de 12 de abril de 1832 e assinada ainda por Feijó,
regulamentou a anterior sobre o tráfico de africanos”. (BARBOSA. Francisco de Assis.
Apresentação in Rui Barbosa e a queima de arquivos. LACOMBE. Américo Jacobina. SILVA.
Eduardo, BARBOSA. Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988,
p. 19).
Como se vê, a entrada ilegal de escravos deixou um rastro probatório que os republicanos gostariam de
apagar, desfalcando seus antagonistas de um poderoso foco de tensão política, livrando muitos dos que já se
alinhavam em suas fileiras – à parte o comprometimento do orçamento com o pagamento de indenizações.
Mas e a disposição do Regulamento Hipotecário? Essa disposição descansou na remansosa irrelevância das
questões técnicas e jurídicas. Não há registros desse dispositivo legal nos acesos debates sobre a queima de
arquivos e em seus livros.
Américo Jacobina Lacombe encerra o seu texto lembrando o verso do poeta hispano-americano: crimen fué
del tiempo, no de España (op. cit. p. 39).
Com isso absolve Ruy Barbosa pelo cometimento que não hesitou em qualificar de “pedra de escândalo” da
nossa história cultural. Aliás, diga-se de passagem que Lacombe faz uma defesa paradoxal de Ruy, pois não
hesita em qualificar o ato ministerial de “espetáculo inquisitorial”, “desvario”, “espantosa obnubilação do
pensamento nacional”, “espantoso ato de vandalismo”, “malefício” – vituperando o ato realmente
abominável.
Muito mais lúcida, sem dúvida, terá sido a voz dissonante de Francisco Coelho Duarte Badaró (MG), que em
sessão que aprovaria a moção de apoio à iniciativa de Ruy Barbosa ousou discordar de seus pares:
“Sr. Presidente, não quero que ninguem entenda que, ao levantar para pronunciar-me contra esta
moção, eu pretenda condemnar a obra meritoria dos abolicionistas. O que faço é protestar contra
o acto de cremação de todo o archivo da escravidão no Brazil, porque envolve interesse
historico. Nós, em vez de procurarmos destruir, o que é uma obra de verdadeiros iconoclastas,
deviamos ter a nossa Torre do Tombo, um edificio destinado a recolher os papeis de todos os
archivos do paiz.
Somos um povo novo que corremos o risco de ter difficuldades para escrever a nossa historia,
porque é deploravel o que se observa em todas as municipalidades e nas repartições das antigas
provincias: por toda a parte o mesmo abandono, o mesmo descuido, e por ultimo o facto de
mandar-se queimar grande numero de documentos que podiam servir para se escrever com
exactidão a historia do Brazil, no futuro. (Muito bem; muito bem.)”. (Diário de Notícias, Rio de
Janeiro, 22.12.1890, p. 1).
https://cartorios.org/2010/01/25/penhor-de-escravos-e-queima-de-livros-de-registro/ 3/8
23/09/2018 Penhor de escravos e queima de livros de registro | Observatório do Registro
Apesar do “desvario” barbosiano, suas determinações ministeriais não se concretizariam plenamente – apesar
das fogueiras acendidas em 1891 no Rio de Janeiro e em 1893 na Bahia.
Saúdam os defensores de Ruy Barbosa que a sua criticada decisão não se cumpriria por uma triste sina da
administração pública brasileira – afinal, neste país nem todas as leis e decisões são feitas para serem
cumpridas! Fosse de outra forma e “a nossa emperrada máquina burocrática terá funcionado eficazmente
pela primeira vez, para nossa infelicidade”. (LACOMBE. Américo Jacobina. op. cit. p. 35).
Seja como for, as decisões dos primeiros republicanos não foram atendidas. Comprova-os arquivos dos
Registros de Imóveis espalhados por todo o país, que mantiveram, diligentemente, os seus livros de registro
intactos e preservados do incêndio republicano.
Notas
¹ Confira: Soriano Neto, Machado, Ruy e a queima de arquivos e Memorial de Ayres, texto do Dr. Ermitânio
Prado.
https://cartorios.org/2010/01/25/penhor-de-escravos-e-queima-de-livros-de-registro/ 4/8
23/09/2018 Penhor de escravos e queima de livros de registro | Observatório do Registro
² A reprodução dos projetos referidos podem ser apreciados no livros Rui Barbosa e a queima dos arquivos.
LACOMBE. Américo Jacobina, SILVA. Eduardo, BARBOSA. Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Fundação
Casa de Rui Barbosa. 1988, p. 51 et seq.
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Muito bom! Será que a intenção era somente evitar uma onda de indenização? Você que tem
acompanhado o assunto vê alguma outra motivação?
Abs
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3. Os números de 2010 | Observatório do Registro disse:
4 de janeiro de 2011 às 10:38 pm
[…] Penhor de escravos e queima de livros de registro janeiro, 2010 2 comentários 5 […]
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https://cartorios.org/2010/01/25/penhor-de-escravos-e-queima-de-livros-de-registro/ 5/8
23/09/2018 Penhor de escravos e queima de livros de registro | Observatório do Registro
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Além de evitar uma onda indenizatória, os atos do Escravocrata Rui Borbosa tinham por finalidade, a
perpetuação da Escravidão, afanando assim a autoestima e identidade cultural de vários povos
africanos, ou seja, um ato de má fé, praticado por meio de engenharia social oligárquica estatal, da
qual a o clã Rui Barbosa ainda hoje é integrante.
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6. Cadu disse:
19 de janeiro de 2016 às 11:30 am
Parabéns pela pesquisa! Excelente. Vale ressaltar que tivemos um excelente segundo reinado. É sabido
que este era o legítimo regime brasileiro onde enfim, após a proclamação da independência, nosso país
se formou. Não é com cotas em universidades que vamos resolver essa questão ainda pertinente
abandonada pela República. Mas as coisas estão caminhando…
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