Robert W. Cox
111111 os. Este ensaio mostra minha forma de entender o que Gramsci
11\ apenas uma derivação de algumas idéias dessa teoria política para
l
1IIIlU revisão da teoria corrente das relações internacionais.
A originalidade de Gramsci consiste no viés que deu à primeh li 1IIIII'a política mais ampla. Portanto, a hegemonia da classe domi-
corrente: começou a aplicá-Ia à burguesia, ao aparato ou mecanisnu 111111(' ira uma ponte que unia as categorias convencionais de Estado
111 i .dade civil, categorias que preservavam certa utilidade analítica,
de hegemonia da classe dominante." Isso lhe permitiu distinguir \I
casos em que a burguesia havia alcançado uma posição hegemônh \\11\ que, na realidade, haviam deixado de corresponder a entidades
de liderança sobre as outras classes daqueles em que não havia al un I I' 11'6 veis.
Como dissemos acima, a segunda corrente que levou à idéia
çado. No Norte da Europa, nos países onde o capitalismo se estab '1,
1'1 unsciana de hegemonia percorreu um longo caminho desde Ma-
ceu ~rimeiro, a hegemonia burguesa foi a mais completa. Essa heg
morna envolveu necessariamente concessões para subordinar classe '1" uvcl,e ajuda a ampliar ainda mais o alcance potencial da aplicação
.111 l' nceito. Gramsci refletiu sobre o que Maquiavel havia escrito,
e~ troca da aquiescência à liderança burguesa, concessões que pode
1111 (icularmente em O príncipe, em relação ao problema de fundar
nam levar, em última instância, a formas de democracia social qu
11111 novo Estado. No século XV, Maquiavel estava interessado em
pre~ervam o capitalismo ao mesmo tempo em que o tornam mal
I IH ontrar a liderança e a base social de apoio para uma Itália unifi-
aceitável para os trabalhadores e a pequena burguesia. Como sua h '
I ItI 1. No século XX, Gramsci estava interessado em encontrar a lide-
gemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil a bur
I Illça e a base de apoio para uma alternativa ao fascismo. Enquanto
guesia poucas vezes precisou, ela própria, administrar o Estado, Ari:
tocratas proprietários de terras na Inglaterra, os junkers na Prússia ou Mnquiavel considerara o príncipe individual, Gramsci considerava o
um pretendente renegado ao cetro de Napoleão I na França, todo 1" ncipe moderno: o partido revolucionário engajado num diálogo
I unstante e produtivo com sua própria base de apoio. Gramsci retirou
esses governantes serviam, desde que reconhecessem as estrutura
11(, Maquiavel a imagem do poder como um centauro, metade ho-
hegemônicas da sociedade civil como os limites básicos de sua açs (I
11\ .m, metade animal, uma combinação necessária de consentimen-
política.
Essa visão da hegemonia levou Gramsci a ampliar sua defini to e coerção." Enquanto o aspecto consensual do poder está em pri-
111 .iro plano, a hegemonia prevalece, A coerção está sempre latente,
ção de Estado. Quando o aparato administrativo, executivo e coerciti
IllUS só é aplicada em casos marginais, anômalos. A hegemonia é sufi-
vo do governo estava de fato sujeito à hegemonia da classe dirigente de
I I .nte para garantir o comportamento submisso da maioria das pes-
uma formação social inteira, não fazia sentido limitar a definição de
Estado àqueles elementos do governo. Para fazer sentido, a noção d ' oas durante a maior parte do tempo. A conexão com Maquiavelli-
Estado também teria de incluir as bases da estrutura política da socie I) .ra o conceito de poder (e o de hegemonia como uma forma de po-
dade civil. Gramsci pensava nessas bases em termos históricos con ti 'r) de um vínculo com determinadas classes sociais históricas e lhe.
eretos - a Igreja, o sistema educacional, a imprensa, todas as institui. permite uma esfera maior de aplicação às relações de domínio e.su-
ções que ajudavam a criar nas pessoas certos tipos de comportamento bordinação, inclusive, como vamos sugerir abaixo, às relações de or-
dem mundial. Mas isso não separa as relações de poder de sua base
e expectativas coerentes com a ordem social hegemônica. Por
exemplo, Gramsci dizia que as lojas maçônicas da Itália constituíam .ocial (isto é, no caso das relações de ordem mundial, transformando-
15 em relações entre Estados concebidas de forma estreita), dirigindo
um vínculo entre os funcionários do governo que entraram na ma.
quin~ria estatal depois da unificação da Itália, e, por isso, deviam ser °
sua atenção, ao contrário, para aprofundamento da consciência des-
consIderadas parte do Estado quando o objetivo fosse avaliar sua es- sa base social.
do uma ordem estabelecida. No decorrer de um evento catastrófico, a IItl ismo) quanto às idéias (idealismo). No materialismo histórico de
ordem antiga seria derrubada como um todo, e a nova estaria livre pa (:ramsci (que ele tinha o cuidado de distinguir do que chamava de
ra se desenvolver. 13 Embora Gramsci não compartilhasse o subjetivis "I' 'onomicismo histórico", ou uma interpretação estreitamente eco-
mo dessa visão, compartilhava a visão de que Estado e sociedade jun- 11 mica da história), as idéias e as condições materiais andam sempre
tos constituíam uma estrutura sólida, e que a revolução implicava o de mãos dadas, influenciando-se mutuamente, e não podem ser re-
desenvolvimento, dentro dela, de outra estrutura forte o suficiente .luzidas umas às outras. As idéias têm de ser compreendidas em rela-
p'}ra substituir a primeira. Fazendo eco a Marx, ele achava que isso só I,.to às circunstâncias materiais, as quais incluem tanto as relaç.õesso-
aconteceria quando a primeira tivesse esgotado todo o seu potencial. lnisquanto os meios físicos de produção. Superestruturas de ideolo-
Quer d~minante, quer emergente, uma estrutura desse tipo é o que fila e de organização política moldam o desenvolvimento de ambos os
Gramsci chamava de bloco histórico. Ilspectosda produção e são por eles moldadas. .
.. Para Sorel, o mito social, uma forma muito potente de subje- Um bloco histórico não pode existir sem uma classe social.he-
tividade coletiva, obstruiria tendências reformistas e poderia atrair H 'mônica. Em um país ou em uma formação social ~m que ~ classe
operários, afastando-os do sindicalismo revolucionário e levando-os 11 'gemônica é a classe dominante, o Estado (no conceito ampliado de .,
ao sindicalismo "de resultados+ou a partidos políticos reformistas. O Cramsci) mantém a coesão e a identidade no interior do bloco por
mito era uma arma na luta, bem como um instrumento de análise. meio da propagação de uma cultura comum. Um novo bloco é for-
Para Gramsci, o bloco histórico também tinha uma orientação revo- mado quando uma classe subordinada (como os operários, por.exem-
lucionária por sua pressão sobre a unidade e a coerência de ordens 1'10) estabelece sua hegemonia sobre outros grupo~ s~bordlllados
(por exemplo, pequenos proprietários de terras, marglll~ls). Esse pro-
.csso requer um diálogo intensivo entre líderes e segUIdores dentro
12Gramsci, Quaderni, 1975, p. 2 e 632. da futura classe hegemônica. Gramsci pode ter contribuído para a
13y;er a d'iscussão de Sorel sobre mito e a "batalha napoleônica" na carta a
idéia leninista de um partido de vanguarda que assume a responsabi-
Daniel Halévy (Sorel, 1961).
• 107
GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS
106 • ROBERT W. Cox
Na Rússia, o Estado era tudo, a s~ciedade civil_ era pri~
Guerra de movimento e guerra de posição , . Ocidente havia uma relaçao apro
"lil iva e gelat1l10Sa; no . d d : il quando o Estado va-
priada entre Estado e sOCldea e .c~ad:' civil revelava-se ime-
Pensando na primeira influência em seu conceito de heg 11\ .Ilnva a estrutura firme a SOCle
nia, Gramsci refletiu sobre a experiência da Revolução Bolcheviqu " , 238)
dlntamente. (Gramsci, 1971, p. _
procurou determinar que lições podiam ser tiradas dela para a t::lI . d' . guerra de movimento nao
Por isso é que GramsCl izia que a A' d Eu-
da revolução na Europa Ocidental." Chegou à conclusão de que d sociedades hegemomcos a
1111 I 1\ ser efetiva contra os E sta os- , . - ue len-
circunstâncias da Europa Ocidental eram muito diferentes daqucl
I, "I I ( ) 'idental. A estratégia alternatdiva e aI'guer:: ::!~i~~eO~~ novo
da Rússia. Para ilustrar as diferenças de circunstâncias e as com ,. fundamentos os a Icerc:
qüentes diferenças nas estratégias necessárias, recorreu à analogl 1 11111\(' constroi os id tal a luta tinha de servencidano seio da so-
militar de guerras de movimento e guerras de posição. A diferem I hulo. NaEuropaOCl en '1 E t do pudesse ter êxito. Uni:'
I "1 t ue um assa to ao s a
básica entre a Rússia e a Europa Ocidental estava nas forças relativ \ • .\11'\ 'CIVl, an es q . d a guerra de movimento,
do Estado e da sociedade civil. Na Rússia, o aparato administrativo I'"
ti I
. f
o
prema t uro a
Estado por meio e um
, . _ I
za da Oposlçao e evana a
., reimposição do domínio
coercitivo do Estado era formidável, mas vulnerável, enquanto a so li II'V .laria a raque ..' _ d . dade civil reafirmassem
11111 11 S, à medida que as lllstrtUlçoes a SOCle
ciedade civil era subdesenvolvida. Uma classe operária relativameut
pequena, liderada por uma vanguarda disciplinada, conseguiu derru Illlootrole. " d T e são claras, mas cheias
I\.simplicações estrateglcas esta ana is d d ma sociedade
bar o Estado numa guerra de movimento e não encontrou nenhum \ . s bases de um Esta o e e u
resistência efetiva do restante da sociedade civil. O partido de vali .\1 ti Ilculdades. Construir a d I erária significa criar ins-
guarda podia se dedicar à fundação de um novo Estado, combinando I V I 111te rnativos sob a liderança I a c as~e isdentrc da sociedade exis-
. telectuais a ternatrvos
a aplicação da coerção sobre os elementos recalcitrantes com a cons I11II ~ ( es e recursos III , . s e as outras classes subordi-
trução do consentimento entre os outros. (Essa análise dizia respeito, I1 III . 'construir pontes ~ntr~ os operano contra-hegemonia no in-
111111 IS. Significa constrUlr atlvbame~dteuma o mesmo tempo, aumentar
em parte, ao período da Nova Política Econômica, antes da coerç. o l a, e, a
monia esta e eci
começar a ser aplicada em escala maior contra a população rural.) I1 I \)r d,euma h ege t 0- es de recair na busca de
• A' t s pressões e as ten aç
Por outro lado, a sociedade civil da Europa Ocidental, sob \ I li' Istencla con ra a b lt os no seio das estruturas
. . a grupos su a ern
hegemonia burguesa, estava muito mais plenamente desenvolvida (' 1\.111 1I0s lllcr~mentals par 'linha ue separa a guerra de posição,
assumiu múltiplas formas. Uma guerra de movimento poderia muito '\,1 11 'gemoma ~urguesa ..Ess,a ~ a 1 ~ razo, e a democracia social,
d
bem, em condições de revolta excepcional, permitir que uma van 1111110 estratégIa revoluClonar: ~ O~g ~~ ordem estabelecida. "
1111\10 política para obter gan os en ro
guarda revolucionária tomasse o controle do aparato de Estado; mas,
devido à capacidade de recuperação da sociedade civil, uma façanha
Revolução passiva
desse tipo estaria, a longo prazo, fadada ao fracasso. Gramsci descre
veu o Estado na Europa Ocidental (nessa descrição, devemos enten
todas as sociedades da Europa Ocidental eram
der o Estado em seu sentido limitado de aparato administrativo, go- Co~tudo, nem ranisci distinguia dois tipos de sociedade.
vernamental e coercitivo, e não pelo conceito ampliado de Estado 111'1\ .momas burguesas. G I - social completa e desen-
havi do por uma revo uçao
mencionado acima) como "uma trincheira avançada por trás da qual \ 1111 tipo avia passa ..A' novos modos de produ-
.' te suas consequenClas em
há um poderoso sistema de fortalezas e casamatas". vIII vcu mteIrame~ . .do a ln laterra e a França foram os
1,Iio c relações SOClalS.N.esse se:~o ~e a !aioria dos outros países. O
I lHOS que chegaram mais long q im dizer tinham importa-
9 O termo "Europa Ocidental" refere-se, aqui, à Inglaterra, França, Alemanha
IIIItl'Otipo eram as sociedades que, por assi ,
e Itália das décadas de 1920 e 1930.
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GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS
108 • ROBERT W. Cox
menos autonomia (Gramsci, 1971, p. 264). A vida econômica das 11I t ) conceito gramsciano de hegemonia pode ser aplicado ao pla-
ções subordinadas é invadida pela vida econômica de nações pOd~'11I
ti I!lI'I'nacional ou mundial? Antes de tentar sugerir como isso po-
sas, e a ela se entrelaça, processo que se complica ainda mais p\'1 I. I I l'r feito, seria bom excluir certos usos do termo, comuns nos
existência de regiões estruturalmente diferentes no interior dos llill
I I"Ios de relações internacionais. "Hegemonia" é freqüentemente
ses, regiões essas que têm tipos distintos de relações comas forças I'~
,I "I I para indicar o domínio de um país sobre outros, vinculando
ternas (ibid., p. 182). I 111() uso a uma relação exclusivamente entre Estados. Às vezes, o
Num nível ainda mais profundo, os Estados que têm poder, \I
I. 11110hegemonia é empregado como um eufemismo de imperialis-
exatamente aqueles que passaram por uma profunda revolução so '111 11111()uando os líderes políticos chineses acusam a União Sovi~tica
e econômica e elaboraram de forma mais plena as conseqüên j I I, "li \ remonismo", parecem ter em mente uma combinação qual-
dessa revolução na forma do Estado e das relações sociais. A Revolu '11111desses dois conceitos. Esses significados diferem tanto do senti--
ção Francesa foi o caso sobre o qual Gramsci refletiu, mas podemo
.\" W\'tnsciano do termo que, neste ensaio, é melhor, por uma questão
pensar no desenvolvimento do poder nos Estados Unidos e na Uniüo
.\, Ilureza, usar o termo "domínio" em seu lugar.
Soviética nos mesmos termos. Todos esses foram desenvolvimento Ao aplicar o conceito de hegemonia à ordem mundial, é im-
com base na nação que transbordaram para além das fronteiras na
1"llllnte determinar quando começa e quando termina um período
cionais, tornando-se fenômenos de expansão internacional. Outro .\1 11'gemonia. Um período em que uma hegemonia mundial já foi
países receberam o impacto desses processos de forma mais passiva,
11I,Ibclecida pode ser chamado de hegemônico, e de não- hegemônico,
um exemplo do que Gramsci descreveu no plano nacional como r '
111111"0
período em que prevaleça um domínio de tipo não-hegemôni-
volução passiva. Isso acontece quando o ímpeto para mudar não sur I 11. Para exemplificar, vamos considerar os últimos cento e cinqüenta
ge de "um vasto desenvolvimento econômico local [... ] sendo, ao COl1
118 • ROBERT W. COX GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS • 119
anos como uma fase que poderia ser dividida em quatro períodos dis- No segundo período (1875-1945), todas essas características
tintos, aproximadamente, 1845-1875, 1875-1945, 1945-1965 e de 1965 1'"'1\111
invertidas. Outros países desafiaram a supremacia britânica. O
até o presente. 14 "ljuilibrio de poder na Europa desestabilizou-se, levando a duas guer-
O primeiro período (1845-1875) foi hegemônico: havia uma IIIS mundiais. O livre-comércio foi suplantado pelo protecionismo, o
economia mundial com a Inglaterra no centro. Doutrinas econômi- pud rão-ouro acabou sendo abandonado, e a economia mundial frag-
cas coerentes com a supremacia britânica, mas universais em sua for- uu-ntou-se em blocos econômicos. Foi um período não-hegemônico.
ma - vantagem comparativa, livre-comércio e o padrão-ouro -, dis- No terceiro período, na esteira da Segunda Guerra Mundial
seminaram-se aos poucos da Grã-Bretanha. O poder de coerção ga- ( 11)1\5-1965),os Estados Unidos fundaram uma nova ordem mundial
rantia essa ordem. A Grã-Bretanha determinava o equilíbrio de poder 11('~el11ônica,semelhante, em sua estrutura básica, àquela dominada .
na Europa, evitando assim qualquer desafio à sua hegemonia por for- p,'la Grã-Bretanha em meados do século XIX, mas com instituições e
ças baseadas em outro território. A Grã-Bretanha reinava soberana no doutrinas ajustadas a uma economia mundial mais complexa e a so-
mar e tinha capacidade de obrigar os países periféricos a obedecerem I lcdades nacionais mais sensíveis às repercussões políticas das crises
às regras do mercado. 1'\ onômicas,
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