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MSCI, HEGEMONIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

UM ENSAIO SOBRE O MÉTODO

Robert W. Cox

II algum tempo, comecei a ler os Cadernos do cárcere, de


111 ~ • Nesses fragmentos, escritos numa prisão fascista entre 19~?

I' 1'" () ex-líder do Partido Comunista Italiano estava preocupadó


1111 ti problema de entender as sociedades capitalistas das décadas de

1'11., 1930, e, principalmente, com o significado do fascismo e as


I" Ihllidades de construir uma forma alternativa de Estado e socie-
1 • .11 hnseada na classe operária. O que ele tinha a dizer girava em
'"1111 do Estado, da relação da sociedade civil com o Estado e da rela-

,111 \ política, da ética e da ideologia com a produção. Não é de sur-


1'" i-ndcr que Gramsci não tenha diretamente muito a dizer sobre
111.11,1 'S internacionais. Apesar disso, achei que seu pensamento aju-

oI1V.1 I compreender o significado da organização internacional com

1'111 ti eu estava ocupado naquela época. Particularmente valioso foi


, 1I I onceito de hegemonia, mas também foram valiosos vários con-

I I 11)$ correlatos que ele elaborou para si mesmo ou desenvolveu para

111111 os. Este ensaio mostra minha forma de entender o que Gramsci

'/I"'ria dizer com hegemonia e esses conceitos afins, e sugere como


1"" 'o que eles podem ser adaptados, preservando seu significado
I encial, para compreender os problemas da ordem mundial. Ele
11 I) pretende ser um estudo crítico da teoria política de Gramsci, e

11\ apenas uma derivação de algumas idéias dessa teoria política para
l
1IIIlU revisão da teoria corrente das relações internacionais.

• I\ste ensaio foi originalmente publicado em Millenium, v. 12, n. 2, p. 162-175,


1983.
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GRAMSCI,HEGEMONIA
E RELAÇOES
INTERNACIONAIS
102 • ROBERTW. Cox
oderia estar mais longe de suas intenções do q~e
Gramsci e hegemonia ,ltI I rlc te. Nada p dos textos sagrados, cujo
, represente uma exegese
1111 IIIl\rXISmo que , oral de categorias e con-
Os conceitos de Gramsci foram todos derivados da históri u ,1'1.llv seria refinar um conjunto atemp
tanto de suas reflexões sobre os períodos da história que ele acha ,111\ ,

que ajudavam a lançar uma luz explicativa sobre o presente quant


de sua própria experiência pessoal de luta política e social. Entre cl , Origens do conceito de hegemonia
há reflexões sobre o movimento dos conselhos operários do início li
, " levam à idéia gramsCla-
década de 1920, sua participação na Terceira Internacional e sua opu Existem duas correntes pnnClpals que b d T ceidInt~r-
sição ao fascismo. As idéias de Gramsci sempre estiveram relacion u , A imeira nasceu dos de ates a er
11 I ti ' hegemoma- P~, Revolu ão Bolchevique e da criação de
das ao seu próprio contexto histórico. Mais ainda; ele estava sempr 11,\1 onal sobre a estrategl,~ ~a ç da dos textos de Maquiavel.
ajustando seus conceitos a circunstâncias históricas específicas. N, ( 11111 li, tado socialista SOVletICO;a s~gun , mentaristas procuraram
é possível usar os conceitos de maneira frutífera se eles forem abstrai II seguir a primeira corrente, a gu~s co o de Lenin associando
dos de suas aplicações, pois ao serem assim abstraídos, suas diversa nto de GramsCl com ' ,
, 111 \ Irastar o pensame ia d letariado e Lenin, à dita-
utilizações parecem conter contradições ou ambigüidades." No pen , à idé duma hegemoma o pro ,
I 01 umsci a I ela e , t blinharam sua concor-
samento de Gramsci, um conceito é vago e flexível, e só adquire pre i iad Outros comentans as su
.1,11':\ do pro 1etana o, 'L ' e referia ao proletariado
são quando posto em contato com determinada situação que ele aju , " 5 O ' ortante e que enin s
d ncia básica. imp , to dirigente' o domínio
da a explicar - contato que também desenvolve o significado do con lasse dommante quan ,
IIIHSO tanto como uma c , _ ' li ndo liderança com o con-
ceito. Nisso reside a força do historicismo de Gramsci, assim como di d a direção imp ica
Illplicando ita ura, e, rinci almente o campesinato), Na
sua capacidade explicativa. Mas o termo "historicismo" costuma s 'r 1'lIlimento das classes al,ladas (dP P'd" corrente nos círculos da
mal-entendido e criticado por aqueles que procuram uma forma de , pnou-se e uma I ela
vI'l'dade, GramsCl apro , iam hegemonia sobre as
conhecimento mais abstrata, sistemática, universal e a-histórica.' ional: erános exercen
'I\'!' eira InternaClon . os op 1 "l'gas Mas essa idéia foi
Gramsci atrelou coerentemente seu pensamento ao objetivo , di d sobre as c asses num .
11\1 .ses alíadas, e íta ura '1 nte no que diz respeito à
prático da ação política. Em seus escritos da prisão, sempre se referia 't ' InternaClOna some
Iplicada pe 1a erceira 1 da classe operária na liderança de
ao marxismo como "a filosofia da práxis"" Poderíamos supor que, ao • lusse operária e expressava o pape t lvez alguns outros grupoS
menos em parte, isso se deve ao fato de querer enfatizar o objetivo , d ' ' s camponeses e, a, ,
lima aliança e o~eran~ , d ; formação revolucionária,6
revolucionário prático da filosofia. Em parte também pode ter sido pOlenClíalmente SImpatIzantes a trans' . "
para mostrar sua intenção de contribuir para uma corrente de pensa-
mento vigorosa, em processo de desenvolvimento, a qual recebeu seu 1 ca Gramsci inequivocamente na tradição
impulso, inicial de Marx, mas não está circunscrita para sempre à Huci-Glucksmann (1975) co o M iocchi (1974) contrastam
lli (1972) quanto acci ,
I .ninista. Tanto Porte 1 b d B '-Glucksmann é muito mais bem
, A u ver a o ra e UCl '
(;ramsci e Lenin. me , 1982
bé Mouffe 1979; SassoOn,' ,-
2 Esse parece ser o problema de Anderson (1976-1977), que afirma ter lIrticulada, Ver tam m , li - que Gramsci fez da sltuaçao
'bem com a ava iaçao , 'I
encontrado incoerências nos conceitos de Gramsci, " Iissa noção se 1rarrnomza 1 opera'ria sozinha era frági
. , " d dé d de 1920: a c asse
3 Sobre essa questão, ver Thompson (1978), que contrasta uma posição Ia Itália no micio a eca a dI-ao e só poderia fundar um novo
, t da a carga a revo uç d
historicista análoga à de Gramsci com o estruturalismo filosófico e abstrato demais para assumu o 'nato e alguns elementos a
'd
Fstado por meio e uma a Ia
r nça com o campesi
"derava o movimento de
de Althusser. Ver "Marxism is not Historicism", em Althusser e Balibar " 'N dade GramSCl consi
(1979), I equena burguesia- a ver 1 d' lid nça desse tipo de coalizão e suas
" ma escO a e 1 era , -
4 Afirma-se que, com isso, Gramsci quis evitar o confisco de suas notas pelo conselhos operanos u di izid à construção dessa coalizão.
censor da prisão, quem, se isso é verdade, devia ser particularmente obtuso, atividades antes de ser preso eram ingi as
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104 + ROBERT W. Cox

A originalidade de Gramsci consiste no viés que deu à primeh li 1IIIII'a política mais ampla. Portanto, a hegemonia da classe domi-
corrente: começou a aplicá-Ia à burguesia, ao aparato ou mecanisnu 111111(' ira uma ponte que unia as categorias convencionais de Estado
111 i .dade civil, categorias que preservavam certa utilidade analítica,
de hegemonia da classe dominante." Isso lhe permitiu distinguir \I
casos em que a burguesia havia alcançado uma posição hegemônh \\11\ que, na realidade, haviam deixado de corresponder a entidades
de liderança sobre as outras classes daqueles em que não havia al un I I' 11'6 veis.
Como dissemos acima, a segunda corrente que levou à idéia
çado. No Norte da Europa, nos países onde o capitalismo se estab '1,
1'1 unsciana de hegemonia percorreu um longo caminho desde Ma-
ceu ~rimeiro, a hegemonia burguesa foi a mais completa. Essa heg
morna envolveu necessariamente concessões para subordinar classe '1" uvcl,e ajuda a ampliar ainda mais o alcance potencial da aplicação
.111 l' nceito. Gramsci refletiu sobre o que Maquiavel havia escrito,
e~ troca da aquiescência à liderança burguesa, concessões que pode
1111 (icularmente em O príncipe, em relação ao problema de fundar
nam levar, em última instância, a formas de democracia social qu
11111 novo Estado. No século XV, Maquiavel estava interessado em
pre~ervam o capitalismo ao mesmo tempo em que o tornam mal
I IH ontrar a liderança e a base social de apoio para uma Itália unifi-
aceitável para os trabalhadores e a pequena burguesia. Como sua h '
I ItI 1. No século XX, Gramsci estava interessado em encontrar a lide-
gemonia estava firmemente entrincheirada na sociedade civil a bur
I Illça e a base de apoio para uma alternativa ao fascismo. Enquanto
guesia poucas vezes precisou, ela própria, administrar o Estado, Ari:
tocratas proprietários de terras na Inglaterra, os junkers na Prússia ou Mnquiavel considerara o príncipe individual, Gramsci considerava o
um pretendente renegado ao cetro de Napoleão I na França, todo 1" ncipe moderno: o partido revolucionário engajado num diálogo
I unstante e produtivo com sua própria base de apoio. Gramsci retirou
esses governantes serviam, desde que reconhecessem as estrutura
11(, Maquiavel a imagem do poder como um centauro, metade ho-
hegemônicas da sociedade civil como os limites básicos de sua açs (I
11\ .m, metade animal, uma combinação necessária de consentimen-
política.
Essa visão da hegemonia levou Gramsci a ampliar sua defini to e coerção." Enquanto o aspecto consensual do poder está em pri-
111 .iro plano, a hegemonia prevalece, A coerção está sempre latente,
ção de Estado. Quando o aparato administrativo, executivo e coerciti
IllUS só é aplicada em casos marginais, anômalos. A hegemonia é sufi-
vo do governo estava de fato sujeito à hegemonia da classe dirigente de
I I .nte para garantir o comportamento submisso da maioria das pes-
uma formação social inteira, não fazia sentido limitar a definição de
Estado àqueles elementos do governo. Para fazer sentido, a noção d ' oas durante a maior parte do tempo. A conexão com Maquiavelli-
Estado também teria de incluir as bases da estrutura política da socie I) .ra o conceito de poder (e o de hegemonia como uma forma de po-
dade civil. Gramsci pensava nessas bases em termos históricos con ti 'r) de um vínculo com determinadas classes sociais históricas e lhe.
eretos - a Igreja, o sistema educacional, a imprensa, todas as institui. permite uma esfera maior de aplicação às relações de domínio e.su-
ções que ajudavam a criar nas pessoas certos tipos de comportamento bordinação, inclusive, como vamos sugerir abaixo, às relações de or-
dem mundial. Mas isso não separa as relações de poder de sua base
e expectativas coerentes com a ordem social hegemônica. Por
exemplo, Gramsci dizia que as lojas maçônicas da Itália constituíam .ocial (isto é, no caso das relações de ordem mundial, transformando-
15 em relações entre Estados concebidas de forma estreita), dirigindo
um vínculo entre os funcionários do governo que entraram na ma.
quin~ria estatal depois da unificação da Itália, e, por isso, deviam ser °
sua atenção, ao contrário, para aprofundamento da consciência des-
consIderadas parte do Estado quando o objetivo fosse avaliar sua es- sa base social.

7 Ver Buci-Glucksmann, 1975, p. 169-190. K Gramsci, 1971, p. 169-190.


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111 1I políticas. Era uma defesa intelectual contra a cooptação pelo


hegemônica - uma sociedade na qual nenhuma classe dominam
conseguiu estabelecer a hegemonia no sentido gramsciano do terrnn 1llIlsformismo.
O bloco histórico é um conceito dialético no sentido de que
Hoje, essa noção de revolução passiva, combinada a seus componcn
I II -Iementos - que interagem entre si - criam uma unidade maior.
tes - o cesarismo e o transformismo - é particularmente pertinent
aos países do Terceiro Mundo em processo de industrialização.
v .zes, Gramsci falava desses elementos que interagem entre si co-
111110 subjetivo e o objetivo e, outras vezes, como superestrutura e in-

Bloco histórico II I ·strutura.


Estruturas e superestruturas de um "bloco histórico".
. Gramsci atribuía a origem de sua noção de blocco storico , Isso significa que o conjunto complexo, contraditó~io e
discordante das superestruturas é o reflexo do conjunto
Georges Sorel, embora Sorel nunca tenha usado o termo, ou qual
das relações sociais de produção. (Gramsci, 1971, p. 366)
quer outro, exatamente com o sentido que Gramsci lhe atribuiu. II
Mas Sorel de fato interpretou a ação revolucionária em termos de mi A justaposição e as relações recíprocas das esferas política, é.ti-
I 1i e ideológica de atividade com a esfera econômica evitam o reducio-
tos sociais por meio dos quais as pessoas engajadas na ação percebiam
um conflito de totalidades - em que viam uma nova ordem desafian Ii SI"\1O. Isso impede que tudo seja reduzido tanto à economia (econo-

do uma ordem estabelecida. No decorrer de um evento catastrófico, a IItl ismo) quanto às idéias (idealismo). No materialismo histórico de

ordem antiga seria derrubada como um todo, e a nova estaria livre pa (:ramsci (que ele tinha o cuidado de distinguir do que chamava de
ra se desenvolver. 13 Embora Gramsci não compartilhasse o subjetivis "I' 'onomicismo histórico", ou uma interpretação estreitamente eco-

mo dessa visão, compartilhava a visão de que Estado e sociedade jun- 11 mica da história), as idéias e as condições materiais andam sempre

tos constituíam uma estrutura sólida, e que a revolução implicava o de mãos dadas, influenciando-se mutuamente, e não podem ser re-
desenvolvimento, dentro dela, de outra estrutura forte o suficiente .luzidas umas às outras. As idéias têm de ser compreendidas em rela-
p'}ra substituir a primeira. Fazendo eco a Marx, ele achava que isso só I,.to às circunstâncias materiais, as quais incluem tanto as relaç.õesso-
aconteceria quando a primeira tivesse esgotado todo o seu potencial. lnisquanto os meios físicos de produção. Superestruturas de ideolo-
Quer d~minante, quer emergente, uma estrutura desse tipo é o que fila e de organização política moldam o desenvolvimento de ambos os
Gramsci chamava de bloco histórico. Ilspectosda produção e são por eles moldadas. .
.. Para Sorel, o mito social, uma forma muito potente de subje- Um bloco histórico não pode existir sem uma classe social.he-
tividade coletiva, obstruiria tendências reformistas e poderia atrair H 'mônica. Em um país ou em uma formação social ~m que ~ classe
operários, afastando-os do sindicalismo revolucionário e levando-os 11 'gemônica é a classe dominante, o Estado (no conceito ampliado de .,
ao sindicalismo "de resultados+ou a partidos políticos reformistas. O Cramsci) mantém a coesão e a identidade no interior do bloco por
mito era uma arma na luta, bem como um instrumento de análise. meio da propagação de uma cultura comum. Um novo bloco é for-
Para Gramsci, o bloco histórico também tinha uma orientação revo- mado quando uma classe subordinada (como os operários, por.exem-
lucionária por sua pressão sobre a unidade e a coerência de ordens 1'10) estabelece sua hegemonia sobre outros grupo~ s~bordlllados
(por exemplo, pequenos proprietários de terras, marglll~ls). Esse pro-
.csso requer um diálogo intensivo entre líderes e segUIdores dentro
12Gramsci, Quaderni, 1975, p. 2 e 632. da futura classe hegemônica. Gramsci pode ter contribuído para a
13y;er a d'iscussão de Sorel sobre mito e a "batalha napoleônica" na carta a
idéia leninista de um partido de vanguarda que assume a responsabi-
Daniel Halévy (Sorel, 1961).
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GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS
106 • ROBERT W. Cox
Na Rússia, o Estado era tudo, a s~ciedade civil_ era pri~
Guerra de movimento e guerra de posição , . Ocidente havia uma relaçao apro
"lil iva e gelat1l10Sa; no . d d : il quando o Estado va-
priada entre Estado e sOCldea e .c~ad:' civil revelava-se ime-
Pensando na primeira influência em seu conceito de heg 11\ .Ilnva a estrutura firme a SOCle
nia, Gramsci refletiu sobre a experiência da Revolução Bolcheviqu " , 238)
dlntamente. (Gramsci, 1971, p. _
procurou determinar que lições podiam ser tiradas dela para a t::lI . d' . guerra de movimento nao
Por isso é que GramsCl izia que a A' d Eu-
da revolução na Europa Ocidental." Chegou à conclusão de que d sociedades hegemomcos a
1111 I 1\ ser efetiva contra os E sta os- , . - ue len-
circunstâncias da Europa Ocidental eram muito diferentes daqucl
I, "I I ( ) 'idental. A estratégia alternatdiva e aI'guer:: ::!~i~~eO~~ novo
da Rússia. Para ilustrar as diferenças de circunstâncias e as com ,. fundamentos os a Icerc:
qüentes diferenças nas estratégias necessárias, recorreu à analogl 1 11111\(' constroi os id tal a luta tinha de servencidano seio da so-
militar de guerras de movimento e guerras de posição. A diferem I hulo. NaEuropaOCl en '1 E t do pudesse ter êxito. Uni:'
I "1 t ue um assa to ao s a
básica entre a Rússia e a Europa Ocidental estava nas forças relativ \ • .\11'\ 'CIVl, an es q . d a guerra de movimento,
do Estado e da sociedade civil. Na Rússia, o aparato administrativo I'"
ti I
. f
o
prema t uro a
Estado por meio e um
, . _ I
za da Oposlçao e evana a
., reimposição do domínio
coercitivo do Estado era formidável, mas vulnerável, enquanto a so li II'V .laria a raque ..' _ d . dade civil reafirmassem
11111 11 S, à medida que as lllstrtUlçoes a SOCle
ciedade civil era subdesenvolvida. Uma classe operária relativameut
pequena, liderada por uma vanguarda disciplinada, conseguiu derru Illlootrole. " d T e são claras, mas cheias
I\.simplicações estrateglcas esta ana is d d ma sociedade
bar o Estado numa guerra de movimento e não encontrou nenhum \ . s bases de um Esta o e e u
resistência efetiva do restante da sociedade civil. O partido de vali .\1 ti Ilculdades. Construir a d I erária significa criar ins-
guarda podia se dedicar à fundação de um novo Estado, combinando I V I 111te rnativos sob a liderança I a c as~e isdentrc da sociedade exis-
. telectuais a ternatrvos
a aplicação da coerção sobre os elementos recalcitrantes com a cons I11II ~ ( es e recursos III , . s e as outras classes subordi-

trução do consentimento entre os outros. (Essa análise dizia respeito, I1 III . 'construir pontes ~ntr~ os operano contra-hegemonia no in-
111111 IS. Significa constrUlr atlvbame~dteuma o mesmo tempo, aumentar
em parte, ao período da Nova Política Econômica, antes da coerç. o l a, e, a
monia esta e eci
começar a ser aplicada em escala maior contra a população rural.) I1 I \)r d,euma h ege t 0- es de recair na busca de
• A' t s pressões e as ten aç
Por outro lado, a sociedade civil da Europa Ocidental, sob \ I li' Istencla con ra a b lt os no seio das estruturas
. . a grupos su a ern
hegemonia burguesa, estava muito mais plenamente desenvolvida (' 1\.111 1I0s lllcr~mentals par 'linha ue separa a guerra de posição,
assumiu múltiplas formas. Uma guerra de movimento poderia muito '\,1 11 'gemoma ~urguesa ..Ess,a ~ a 1 ~ razo, e a democracia social,
d
bem, em condições de revolta excepcional, permitir que uma van 1111110 estratégIa revoluClonar: ~ O~g ~~ ordem estabelecida. "
1111\10 política para obter gan os en ro
guarda revolucionária tomasse o controle do aparato de Estado; mas,
devido à capacidade de recuperação da sociedade civil, uma façanha
Revolução passiva
desse tipo estaria, a longo prazo, fadada ao fracasso. Gramsci descre
veu o Estado na Europa Ocidental (nessa descrição, devemos enten
todas as sociedades da Europa Ocidental eram
der o Estado em seu sentido limitado de aparato administrativo, go- Co~tudo, nem ranisci distinguia dois tipos de sociedade.
vernamental e coercitivo, e não pelo conceito ampliado de Estado 111'1\ .momas burguesas. G I - social completa e desen-
havi do por uma revo uçao
mencionado acima) como "uma trincheira avançada por trás da qual \ 1111 tipo avia passa ..A' novos modos de produ-
.' te suas consequenClas em
há um poderoso sistema de fortalezas e casamatas". vIII vcu mteIrame~ . .do a ln laterra e a França foram os
1,Iio c relações SOClalS.N.esse se:~o ~e a !aioria dos outros países. O
I lHOS que chegaram mais long q im dizer tinham importa-
9 O termo "Europa Ocidental" refere-se, aqui, à Inglaterra, França, Alemanha
IIIItl'Otipo eram as sociedades que, por assi ,
e Itália das décadas de 1920 e 1930.
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GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS
108 • ROBERT W. Cox

1 I unstituía os quadros da nova burocracia estatal e dos novos parti-


do, ou lhes haviam sido impostos, aspectos de uma nova ordem cri 111 111
II1 I olíticos e tornou-se intermediária entre os vários grupos da po-
no estrangeiro, sem que a antiga ordem tivesse sido substituída. l\.
,l\ill,~':10 e o Estado. A falta de qualquer participação popular prolon-
segundo tipo entrou numa dialética de revolução-restauração qu
,d I 'amplamente disseminada no movimento de unificação explica
ten~eu a ~er bloqueada, pois nem as novas forças nem as antigas pu I . d
_11111 ler de "revolução passiva" que teve o seu resultado. Na esteira a
denam tnunfar. Nessas sociedades, a nova burguesia industrial n (
1'1 1\1 .ira Guerra Mundial, a ocupação de fábricas e terras por operá-
chegou'
.. a h egemoma.. O'impasse resultante com as classes sociais tr I
I II 'camponeses mostrou a existência de uma força suficientemen-
dicionalmente dominantes criou as condições do que Gramsci chu
li I onsiderável para ameaçar o Estado existente, mas não para desalo-
mou de "revolução passiva": a introdução de mudanças que não en
I I,).Aconteceu então o que Gramsci chamou de "deslocamento da
volveram nenhuma sublevação de forças populares."
lill (' do Estado"!' rumo à pequena burguesia, a única classe presente
De acordo com a análise gramsciana, um exemplo típico d
I 1I1 Iodo o país, e que se tornou a âncora do poder fascista. O fascismo
revoluçã? passiva é o cesarismo: um homem forte intervém para re
d"1I ontinuidade à revolução passiva, defendendo a posição das anti-
solv~r.o Im~asse entre forças sociais equivalentes e opostas. Gramsd
t' -I asses proprietárias, mas não conseguiu o apoio de grupos subal-
admitia a existência tanto de formas progressistas quanto reacionária
IIIIIOS como os operários ou os camponeses.
de cesaris.mo: progressistas, quando o governo forte preside um pIO
Além do cesarismo, a segunda característica mais importante
cesso mais ordenado de criação de um novo Estado; reacionárias,
,li r volução passiva da Itália é o que Gramsci chamou de transformis-
~uando estabiliza o poder existente. Napoleão I foi um caso de cesa
//11I, exemplificado na política italiana por Giovanni Giolitti, que
nsmo progressista, mas Napoleão Ill - o exemplo clássico de cesaris
1"'0 urou fazer uma coalizão de interesses mais ampla pos~ível e que
~o reacionário - era mais representativo do tipo com maior probabi
d iminou a cena política nos anos que precederam o fascísmo Por
hdade de surgir no decorrer de uma revolução passiva. Aqui a análise
I x .mplo, ele pretendia formar uma frente única entre os operários
de Gramsci é praticamente idêntica à de Marx em O dezoito brumário
.lus fábricas do Norte e os industriais por meio de uma política prote-
de Luís Bonapatte: a burguesia francesa, incapaz de governar direta-
, (mista. O transformismo trabalhava para cooptar líderes potenciais
mente com seus próprios partidos políticos, contentou-se em desen-
,I ' grupos sociais subalternos. Por extensã.o, 0_ tran~fo,~mismo p~de
volver o capitalismo sob um regime político que tinha sua base social
ervir de estratégia de assimilação e domestlcaçao de idéias potenCIal-
no campesin~to, classe social desarticulada e desorganizada, cujo re-
111 inte perigosas, ajustando-as às politicas da coalizão dominante e
presentante virtual Bonaparte podia alegar ser.
pode, dessa forma, obstruir a formação de uma oposi~ãO organi~ada,
Na Itália do final do século XIX, a burguesia industrial do Nor-
\ orn base na classe, ao poder social e político estabeleCIdo. O fasc~smo.
te, a classe que mais tinha a ganhar com a unificação do país, não esta-
ti 'U continuidade ao transformismo. Gramsci interpreta o corporati-
va em condições de dominar a península. A base para o novo Estado
vlsmo do Estado fascista como uma tentativa malograda de introduzir
passou a ser uma aliança entre a burguesia industrial do Norte e os
.dgumas das práticas industriais mais avançadas d~ ca~italismo nor-
proprietários de terra do Sul- uma aliança que também oferecia be-
I '-americano sob a égide da antiga administração italiana.
nefícios à pequena burguesia dependente (principalmente do Sul)
O conceito de revolução passiva é uma contrapartida do con-
'cito de hegemonia por descrever a condição de uma sociedade não-
lOGram~ci tom~u o termo "revolução passiva" emprestado do historiador
na?ol~tano Vm.cenzo Cuocco (1770-1823), que esteve em atividade nos
pn,m:Iros estágios do Risorgimento. Segundo a interpretação de Cuocco, os
,. Buci-Glucksmann, 1975, p. 121.
exércitos de Napoleão levaram a revolução passiva para a Itália.
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GRAMSCI,HEGEMONIA
E RELAÇOES
INTERNACIONAIS
112 • ROBERTW. Cox
I [rnmsci, é uma "passagem da estrutura para a esfera das superestru-
lidade de liderar uma classe operária imatura, mas só como um ,
turas complexas"; com isso ele queria dizer passar dos interesses es-
pecto de uma guerra de movimento. Como, para Gramsci, a estrat ~I
I'l' íficos de um grupo ou classe para a construção de instituições e a
de uma guerra de posição era necessária nos países ocidentais, o pap I
,.1iboração de ideologias. Se essas instituições e ideologias refletem
do partido devia ser o de liderar, intensificar e melhorar o diálogo 11
II ma hegemonia, terão uma forma universal, isto é, parecerão ser de
seio da classe operária e entre a classe operária e outras classes subo:
urna determinada classe e darão alguma satisfação aos grupos subor-
dinadas que poderiam chegar a fazer uma aliança com ela. Nesse s '11
,Iinados, mas sem solapar a liderança ou os interesses vitais da classe
tido, a "campanha de massa" como técnica de mobilização desenvol
vida pelo Partido Comunista Chinês é coerente com o pensamento d 11 'gemônica.
Gramsci.
Hegemonia e relações internacionais
Os intelectuais desempenham papel-chave na construção d
um bloco histórico. Os intelectuais não são um estrato distinto e relu
Agora podemos fazer a transição do que Gramsci disse a respe~-
tivamente fora das classes sociais. Gramsci os via como organicamen
to de hegemonia e conceitos afins para as implicações desses concei-
te conectados a uma classe social. Realizam a função de criar e susten
tos nas relações internacionais. Mas, antes, seria bom vermos quão
tar as imagens mentais, tecnologias e organizações que mantêm co '
pouco o próprio Gramsci falou a respeito de relações internacionais.
sos os membros de uma classe e de um bloco histórico ao redor de
Vamos começar com o seguinte trecho:
uma identidade comum. Os intelectuais burgueses fizeram isso .para
a totalidade de uma sociedade em que a burguesia era hegemônica, As relações internacionais precedem ou derivam (logi-
camente) de relações sociais fundamentais? Não há dúvida
Os intelectuais orgânicos da classe operária desempenhariam um
de que derivam. Qualquer inovação orgânica da estrutura
papel semelhante na criação de um novo bloco histórico, sob a hege-
social, por meio de suas expressões técnico-militares, tam-
monia da classe operária, dentro dessa sociedade. Para isso, teriam de bém modifica organicamente relações absolutas e relativas
desenvolver claramente uma cultura, uma organização e uma tecno- no campo internacional. (Gramsci, 1971, p. 176)
logia distintas, e fazer isso em interação constante com os membros
Com "orgânico" Gramsci estava se referindo àquilo que é es-
do bloco emergente. Para Gramsci, todos têm o seu lado intelectual
t rutural, de longo prazo ou relativamente permanente, em oposição
embora só alguns realizem a função social de um intelectual em regi-
aO curto prazo ou "conjuntural". Estava dizendo que as mudan?as
me de tempo integral. Nessa tarefa, o partido era, segundo sua concep-
básicas nas relações de poder internacional ou de ordem mundIal,
ção, um "intelectual coletivo".
vistas como mudanças no equilíbrio militar-estratégico e geopo~ítico;
N o movimento rumo à hegemonia e à criação de um bloco
podem remontar a mudanças fundamentais nas relações sociais. .
histórico, Gramsci distinguia três níveis de consciência: o econômi-
Gramsci não ignorava de forma alguma o Estado, nem dimi-
co-corporativo, no qual determinado grupo tem conhecimento de
nuía sua importância. Para ele, o Estado continuava sendo a entidade
seus interesses específicos; a solidariedade ou consciência de classe,
básica das relações internacionais e o lugar onde os conflitos sociais
que se estende a toda uma classe social, mas continua num nível pu-
acontecem _ portanto, também é o lugar onde as hegemonias das
ramente econômico; e o hegemônico, que harmoniza os interesses da
classes sociais podem ser construídas. Nessas hegemonias das classes
classe dirigente com os das classes subordinadas e incorpora esses
sociais, as características particulares das nações se combinam em
outros interesses numa ideologia expressa em termos universais
formas originais. A classe operária, que pode ser considerada interna-
(Gramsci, 1971, p. 180-195). O movimento rumo à hegemonia, diz
(;1 AMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS • 115
114 • ROBERT W. COX

11II 'XI) de processos internacionais que transmitem suas cor-


cional num sentido abstrato, nacionaliza-se no processo de (lll 11
"I, 111\gi as à periferia" (ibid., p. 116).
sua hegemonia. O surgimento de novos blocos liderados pelos 111'
II1 18 ircunstâncias, o grupo portador de novas idéias não é
rios no plano nacional precederia, de acordo com essa linha d ' 1II
1111''' o ial autóctone ativamente engajado em construir uma
cínio, toda e qualquer reestruturação básica das relações intcnuu
I I1I~I \" nômica com uma nova estrutura de relações sociais. É
nais. Mas o Estado, que continua sendo o foco principal da lula 11
I I1iI11In lelectual que aproveita idéias originadas de uma revolu-
e a entidade básica das relações internacionais, é o Estado amplilk a
,"11 mica e social ocorrida anteriormente no estrangeiro. Por
que inclui sua própria base social. Essa visão deixa de lado a 01\1
11111'11
nrnento desse grupo assume uma forma idealista, sem raí-
ção estreita ou superficial de Estado que o reduz, por exemplo, à luu
1111111
jll'ocesso econômico de seu país, e sua concepção do Esta.1°
cracia da política externa ou às suas capacidades militares.
11111I forma de "um racional absoluto" (ibid., p. 117). Gramsci
Graças à sua perspectiva italiana, Gramsci tinha uma pC11 I
11,111111
pensamento de Benedetto Croce, a figura dominante do es-
ção aguda do que hoje chamaríamos de dependência. Ele sabia q 111 I
I I 1111/('/11 intelectual italiano de sua época, por apresentar esse tipo
acontecimentos ocorridos na Itália haviam sofrido grande influ 11 1
de forças externas. No nível exclusivo da política externa, as graml I IIII~' O.

potências têm uma liberdade relativa de determinar suas política, «


Hegemonia e ordem mundial
ternas em resposta a interesses nacionais; as potências menores I I

menos autonomia (Gramsci, 1971, p. 264). A vida econômica das 11I t ) conceito gramsciano de hegemonia pode ser aplicado ao pla-
ções subordinadas é invadida pela vida econômica de nações pOd~'11I
ti I!lI'I'nacional ou mundial? Antes de tentar sugerir como isso po-
sas, e a ela se entrelaça, processo que se complica ainda mais p\'1 I. I I l'r feito, seria bom excluir certos usos do termo, comuns nos
existência de regiões estruturalmente diferentes no interior dos llill
I I"Ios de relações internacionais. "Hegemonia" é freqüentemente
ses, regiões essas que têm tipos distintos de relações comas forças I'~
,I "I I para indicar o domínio de um país sobre outros, vinculando
ternas (ibid., p. 182). I 111() uso a uma relação exclusivamente entre Estados. Às vezes, o
Num nível ainda mais profundo, os Estados que têm poder, \I
I. 11110hegemonia é empregado como um eufemismo de imperialis-
exatamente aqueles que passaram por uma profunda revolução so '111 11111()uando os líderes políticos chineses acusam a União Sovi~tica
e econômica e elaboraram de forma mais plena as conseqüên j I I, "li \ remonismo", parecem ter em mente uma combinação qual-
dessa revolução na forma do Estado e das relações sociais. A Revolu '11111desses dois conceitos. Esses significados diferem tanto do senti--
ção Francesa foi o caso sobre o qual Gramsci refletiu, mas podemo
.\" W\'tnsciano do termo que, neste ensaio, é melhor, por uma questão
pensar no desenvolvimento do poder nos Estados Unidos e na Uniüo
.\, Ilureza, usar o termo "domínio" em seu lugar.
Soviética nos mesmos termos. Todos esses foram desenvolvimento Ao aplicar o conceito de hegemonia à ordem mundial, é im-
com base na nação que transbordaram para além das fronteiras na
1"llllnte determinar quando começa e quando termina um período
cionais, tornando-se fenômenos de expansão internacional. Outro .\1 11'gemonia. Um período em que uma hegemonia mundial já foi
países receberam o impacto desses processos de forma mais passiva,
11I,Ibclecida pode ser chamado de hegemônico, e de não- hegemônico,
um exemplo do que Gramsci descreveu no plano nacional como r '
111111"0
período em que prevaleça um domínio de tipo não-hegemôni-
volução passiva. Isso acontece quando o ímpeto para mudar não sur I 11. Para exemplificar, vamos considerar os últimos cento e cinqüenta
ge de "um vasto desenvolvimento econômico local [... ] sendo, ao COl1
118 • ROBERT W. COX GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS • 119

terminada hegemonia prevalece). O conceito hegemônico de ordcu 11",.11,11


se expressa em normas, instituições e mecanismos univer-
mundial não se baseia apenas na regulação do conflito interestado '1' Il' estabelecem regras gerais de comportamento para os Estados
mas também numa sociedade civil concebida globalmente, isto I II I os forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras na-
num modo de produção de extensão global que gera vínculos entre I I", II S - regras que apóiam o modo de produção dominante.
classes sociais dos países nela incluídos.
Historicamente, hegemonias desse tipo foram fundadas pu ( )s mecanismos da hegemonia: organizações internacionais
Estados poderosos que passaram por uma revolução social e econ
mica completa. A revolução não só modifica as estruturas econôml Um dos mecanismos pelos quais as normas universais de urna
cas e políticas internas do Estado em questão, como também lib 'I I" 11'111 nia mundial se expressam são as organizações internacionais.
energias que se expandem além das fronteiras do Estado. Portanto, II , v .rdade, as organizações internacionais funcionam do mesmo
uma hegemonia mundial é, em seus primórdios, uma expansão p:1I 11111110
que o processo por meio do qual as instituições da hegemonia
o exterior da hegemonia interna (nacional) estabelecida por Ulll I I 111' ideologia são desenvolvidas. Entre as características da organiza-
classe social dominante. As instituições econômicas e sociais, a 111 , " Internacional que expressam seu papel hegemônico, temos as se-
tura e a tecnologia associadas a essa hegemonia nacional tornam 1" ntcs: 1) corporifica as regras que facilitam a expansão das ordens
modelos a serem imitados no exterior. Essa hegemonia expansiva 1111I ndiais hegemônicas; 2) é, ela própria, produto da ordem mundial
imposta aos países mais periféricos como uma revolução passiva. E 1II'f\'l11ônica; 3) legitima ideologicamente as normas da ordem mun-
ses países não passaram pela mesma revolução social completa, nem li 111;4) coopta as elites dos países periféricos; e 5) absorve idéias con-
têm suas economias desenvolvidas da mesma forma, mas procuram 11" hegemônicas.
incorporar elementos do modelo hegemônico sem que as antigas 'H As instituições internacionais corporificam regras que facili-
truturas de poder sejam afetadas. Embora os países periféricos possam t un a expansão das forças econômicas e sociais dominantes, mas per-
adotar alguns aspectos econômicos e culturais do núcleo hegemôni mirem simultaneamente aos interesses subordinados fazerem ajus-
co, têm menos condições de adotar seus modelos políticos. Assim co 11" om um mínimo de desgaste. As regras que controlam o mundo
mo o fascismo se tornou a forma de revolução passiva na Itália do pc ruonetário e as relações comerciais são particularmente importantes,
ríodo entre guerras, várias formas de regime militar-burocráti u " basicamente organizadas para promover a expansão econômica. Ao
supervisionam revoluções passivas nas periferias atuais. No modelo '" .smo tempo, admitem exceções e minimizações para resolver si-
hegemônico mundial, a hegemonia é mais intensa e coerente no cen t Ilações problemáticas, e podem ser revistas caso as circunstâncias se
tro e tem muito mais contradições na periferia. .nodifiquem. As instituições de Bretton Woods ofereceram mais sal-
Portanto, a hegemonia no plano internacional não é apenas v iguardas aos interesses sociais nacionais, como o do desemprego, do
uma ordem entre Estados. É uma ordem no interior de uma econo que o padrão-ouro, com a condição de que as políticas nacionais fos-
mia mundial com um modo de produção dominante que penetra '111coerentes com os objetivos de uma economia mundial liberal. O
todos os países e se vincula a outros modos de produção subordina- istema atual de taxas de câmbio flutuantes também dá espaço para as
dos. É também um complexo de relações sociais internacionais que uções nacionais, ao mesmo tempo em que mantém o princípio de
une as classes sociais de diversos países. A hegemonia mundial pode 11111
compromisso prioritário para harmonizar as políticas nacionais
ser definida como uma estrutura social, uma estrutura econômica e com os interesses de uma economia mundial liberal.
uma estrutura política, e não pode ser apenas uma dessas estrutura : Em geral, as instituições e regras internacionais se originam
tem de ser todas as três ao mesmo tempo. Além disso, a hegemonia do Estado que estabelece a hegemonia. No mínimo, têm de ter o apoio
116 • ROBERT W. COX GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS • 117

anos como uma fase que poderia ser dividida em quatro períodos dis- No segundo período (1875-1945), todas essas características
tintos, aproximadamente, 1845-1875, 1875-1945, 1945-1965 e de 1965 1'"'1\111
invertidas. Outros países desafiaram a supremacia britânica. O
até o presente. 14 "ljuilibrio de poder na Europa desestabilizou-se, levando a duas guer-
O primeiro período (1845-1875) foi hegemônico: havia uma IIIS mundiais. O livre-comércio foi suplantado pelo protecionismo, o
economia mundial com a Inglaterra no centro. Doutrinas econômi- pud rão-ouro acabou sendo abandonado, e a economia mundial frag-
cas coerentes com a supremacia britânica, mas universais em sua for- uu-ntou-se em blocos econômicos. Foi um período não-hegemônico.
ma - vantagem comparativa, livre-comércio e o padrão-ouro -, dis- No terceiro período, na esteira da Segunda Guerra Mundial
seminaram-se aos poucos da Grã-Bretanha. O poder de coerção ga- ( 11)1\5-1965),os Estados Unidos fundaram uma nova ordem mundial
rantia essa ordem. A Grã-Bretanha determinava o equilíbrio de poder 11('~el11ônica,semelhante, em sua estrutura básica, àquela dominada .
na Europa, evitando assim qualquer desafio à sua hegemonia por for- p,'la Grã-Bretanha em meados do século XIX, mas com instituições e
ças baseadas em outro território. A Grã-Bretanha reinava soberana no doutrinas ajustadas a uma economia mundial mais complexa e a so-
mar e tinha capacidade de obrigar os países periféricos a obedecerem I lcdades nacionais mais sensíveis às repercussões políticas das crises
às regras do mercado. 1'\ onômicas,

Em algum momento entre o final da década de 1960 e o início


.111 década de 1970, tornou-se evidente que essa ordem mundial ba-
'4 As datas são tentativas e teriam de ser refinadas por uma pesquisa sobre as rnda nos Estados Unidos já não estava mais funcionando bem. Nos
características estruturais próprias de cada período, bem como sobre os fato- rnomentos de incerteza que se seguiram, três possibilidades de trans-
res destinados a constituir a linha divisória entre um período e outro. Essas lurmaçâo estrutural da ordem mundial manifestaram-se: a recons-
datas são apresentadas aqui como meras anotações para uma revisão dos estu-
II lição da hegemonia com a ampliação de uma gerência política de
dos históricos acadêmicos com a finalidade de levantar algumas questões so-
bre hegemonia e as estruturas e os mecanismos que a acompanham. I~ordo com as linhas propostas pela Comissão Trilateral; o aumento
O imperialismo, que assumiu formas diferentes nesses períodos, é uma ques- dll [ragmentaçâo da economia mundial, que giraria em torno de esfe-
tão intimamente relacionada. No primeiro, o da pax britannica, embora al-
I,IS econômicas centradas em grandes potências; e a possível afirma-
guns territórios fossem administrados diretamente, o controle das colônias
parece ter sido mais incidental do que necessário à expansão econômica. A \ 11() de uma contra-hegemonia baseada no Terceiro Mundo, precedida
Argentina, país formalmente independente, teve essencialmente a mesma pcla exigência de uma Nova Ordem Econômica Internacional (Noei).
relação com a economia inglesa que o Canadá, uma ex-colônia. Isso, como Com base nessas observações preliminares, parece que, histo-
observou George Lichtheim, pode ser chamado de fase do "imperialismo libe-
uramente, para se tornar hegemônico, um Estado teria de fungar e"
ral". No segundo período, o chamado "novo imperialismo" deu mais ênfase
ao controle político direto. Viu também o crescimento das exportações de proteger uma ordem mundial que fosse universal em termos de con- .,
capital e do capital financeiro identificadas por Lenin como a própria essên- , rpção, isto é, uma ordem em que um Estado não explore outros Es-
cia do imperialismo. No terceiro período, que poderia ser chamado de neoli-
íudos diretamente, mas na qual a maioria desses (ou pelo menos a-
beral ou de imperialismo Iiberal-rnonopolista, a internacionalização da pro-
dução surgiu como forma predominante, apoiada também por novas formas qucles ao alcance da hegemonia) possa considerá-Ia compatível com
de capital financeiro (bancos e consórcios multinacionais). Parece não fazer rus interesses. Essa ordem dificilmente poderia ser concebida ape-
muito sentido tentar definir uma essência imutável do imperialismo; talvez IIIlS em termos interestados, pois isso provavelmente traria para pri-
seja mais proveitoso descrever características estruturais do imperialismo que
urciro plano os interesses opostos dos Estados. O mais provável seria
correspondem a ordens mundiais sucessivas, hegemônicas e não-hegemô-
nicas. Para uma discussão mais detalhada dessa questão relacionada à pax bri- IIII c enfatizasse as oportunidades para as forças da sociedade civil ope-
tannica e à pax americana, ver Cox, 1983. rurcm em escala mundial (ou na escala da esfera no seio da qual de-
GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇÚES INTERNACIONAIS • 121
120 • ROBERT W. COX

111tt'll'iconascente e contra-hegemônico -, a participação poderá


desse Estado. O Estado dominante encarrega-se de garantir a aqule
1'11 cntar uma ameaça real. A cooptação de figuras de proa das peri-
cência de outros Estados de acordo com uma hierarquia de podei
III Inrna isso menos provável.
no interior da estrutura de hegemonia entre os Estados. Alguns pai
() transformismo também absorve idéias potencialmente con-
de segundo escalão são previamente consultados para que seu apol
'I I 111'1\ 'mônicas e faz elas se tornarem coerentes com a doutrina he-
seja assegurado. O consentimento de ao menos alguns dos pai.
I 111 lii a. A noção de auto-suficiência, por exemplo, começou como
mais periféricos é solicitado. A participação formal pode pesar em I,
IIIIIt'Hlí.lção à economia mundial, defendendo um desenvolvimento
vor das potências dominantes, como no Fundo Monetário Interna
IlIdl'pendente endogenamente determinado. O termo agora foi trans-
cional e no Banco Mundial, ou pode basear-se em um voto por Estado,
""III,ldo, significando apoio dos órgãos da economia mundia\:,~~s :
como na maioria das principais instituições internacionais. Exist
IIIIII{I"I mas previdenciários do tipo faça-você- mesmo dos p~íses pen-
uma estrutura informal de influência que reflete os diferentes nível
" I 106. Essesprogramas visam capacitar as populações rurais a serem
do verdadeiro poder político e econômico por trás dos procedimento
11111\ suficientes, impedir o êxodo rural para as cidades e, desse modo,
formais de decisão. II1II ('I'maior grau de estabilidade social e política entre aquelas popu-
As instituições internacionais também desempenham um p"
\.\11 's que a economia mundial não é capaz de integrar. O significado
pel ideológico. Elas ajudam a definir diretrizes políticas para os Esta
II IlIsformado de auto-suficiência torna-se complementar e apóia os
dos e a legitimar certas instituições e práticas no plano nacional, refle
111l) 'I ivos hegemônicos da economia mundial e lhes dá apoio.
tindo orientações favoráveis às forças sociais e econômicas dominan Portanto, uma tática para introduzir mudanças na estrutura
tesoA Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
I1Iordem mundial pode ser descartada como total ilusão. Há pouca
(OCDE), ao recomendar o monetarismo, endossou um consenso
I"obabilidade de uma guerra de movimento no nível internacional,
dominante no pensamento político dos países centrais e fortaleceu
por meio da qual os radicais se apropriariam do controle ~a super~s-
aqueles determinados a combater a inflação dessa maneira, em detri-
II'lIlUfa das instituições internacionais. Apesar de Daniel Patnck
mento de outros que estavam mais preocupados com o desemprego.
Moynihan, os radicais do Terceiro Mundo não controlam instituições
Ao defender o tripartismo, a Organização Internacional do Trabalho
IIlernacionais. E mesmo que controlassem, não conseguiriam nada
(OIT) legitima as relações sociais surgi das nos países centrais como
10m isso. Essas superestruturas não estão adequadamente vinculadas
modelo ideal a ser imitado. I nenhuma base política popular. Estão vinculadas às classes nacio-
O talento da elite dos países periféricos é cooptado para as ins-
nais hegemônicas dos países cent~ais e, com a intermediação dessa.s
tituições internacionais no estilo do transformismo. Indivíduos de
classes,têm uma base mais ampla nesses países. Nas periferias~ estão
países periféricos, embora entrem em instituições internacionais
nssociadas apenas à revolução passiva.
com a idéia de trabalhar, de seu interior, para modificar o sistema, são
condenados a trabalhar dentro das estruturas da revolução passiva.
No melhor dos casos, vão ajudar a transferir elementos de "moderni- As perspectivas da contra-hegemonia
zação" para as periferias, mas apenas aqueles coerentes com os in-
As ordens mundiais - para retomar a afirmação de Gramsci
teresses dos poderes locais estabelecidos. A hegemonia é como um
citada anteriormente neste ensaio - baseiam-se em relações sociais.
travesseiro: absorve os golpes e, mais cedo ou mais tarde, o suposto
Portanto, uma mudança estrutural significativa da ordem mundial
assaltante vai achar confortável descansar sobre ele. Só quando a re-
estaria, provavelmente, ligada a uma mudança fundamental nas rela-
presentação nas instituições internacionais está firmemente enraiza-
ções sociais e nas ordens políticas nacionais que correspondem às es-
da num desafio social e político articulado à hegemonia - de um blo-
• 123
GRAMSCI, HEGEMONIA E RELAÇOES INTERNACIONAIS
122 • ROBERT W. COX

I I uunis, entre os quais a nacionalização de indústrias. Na per~feria:


truturas nacionais de relações sociais. No pensamento gramsciaru
II 1111 I 'n do nacionalismo e do socialismo poderia então ser aliada a
isso poderia acontecer com o surgimento de um novo bloco histórico
hllll'llção da revolução passiva sob novo disfarce.
Precisamos retirar das instituições internacionais o problem
lI.m síntese, a tarefa de mudar a ordem mundial começa com o
da transformação da ordem mundial, colocando-o nas sociedades na
It ti 1111 • trabalhoso esforço de construir novos blocos históricos dentro
cionais. A análise que Gramsci fez da Itália é mais válida ainda quan
do aplicada à ordem mundial: só uma guerra de posição tem condi
"I iI'o[1teiras nacionais.

ções, a longo prazo, de realizar mudanças estruturais, e uma guerr


de posição implica a construção de uma base sociopolítica para a mu
dança, com a criação de novos blocos históricos. O contexto nacional
continua sendo o único lugar no qual um bloco histórico pode ser
criado, embora a economia mundial e as condições políticas globais
influenciem substancialmente as perspectivas de tal empreitada .
.N prolongada crise da economia mundial (cujo início remon-
ta ao final da década de 1960 e inícios da década de 1970) foi propícia
para alguns processos que poderiam levar a um desafio contra-hege-
mônico. Nos países centrais, as políticas que se traduziram em cortes
na transferência de recursos para grupos sociais que sofrem privações
e que geraram muito desemprego abriram as perspectivas de uma
grande aliança entre os desfavorecidos e contra os setores do capital c
do trabalho que se apoiavam na produção internacional e na ordem
mundialliberal-monopolista. É muito provável que a base política
dessa aliança seja pós-keynesiana e neomercantilista. Nos países pe-
riféricos, alguns Estados são vulneráveis à ação revolucionária, como
sugerem os eventos no Irã e na América Central. No entanto, o prepa-
ro político da população, com a profundidade necessária, pode não
ser suficiente para acompanhar o ritmo da oportunidade revolucioná-
ria, o que diminui a perspectiva de um novo bloco histórico. É necessá-
ria uma organização política eficaz (o príncipe moderno de Gramsci)
para reunir as novas classes operárias criadas pela produção interna-
cional e para construir uma ponte que leve aos camponeses e aos
marginalizados urbanos. Sem isso, só é possível imaginar um proces-
so no qual as elites políticas locais, mesmo algumas que são produto
de sublevações revolucionárias abortadas, protegeriam seu poder
dentro de uma ordem mundialliberal-monopolista. Uma hegemonia
liberal monopolista reconstruída teria muita força para praticar o
transformismo, ajustando-se a diversos tipos de instituições e práticas
pensamentO!;dtico GRAMSCI,
7 MATERIALISMO ,HISTÓRICO
E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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