Anda di halaman 1dari 13

CAPÍTULO

11
Doenças exantemáticas

Os mecanismos de agressão a pele são: 1. invasão


Doenças exantemáticas e multiplicação direta na própria pele (ex.: varicela,
herpes); 2) ação de toxinas (ex.: escarlatina, estafilo-
As doenças exantemáticas são, em sua maio- coccias); 3) ação imunoalérgica com expressão na pele
ria infectocontagiosas, sistêmicas, acompanhadas de (ex.: algumas viroses exantemáticas); 4) dano vascu-
manifestações cutâneas agudas (rash) e sendo grande lar, podendo causar extravasamento capilar, obstru-
parte delas acompanhadas de febre. A erupção cutâ- ção e necrose da pele (ex.: meningococcemia). Geral-
nea se deve a uma ação direta do agente causador ou mente estes mecanismos coexistem, mas suas reações
de seus produtos. O diagnóstico diferencial da febre aparecem na pele como lesões distintas.
com erupção na pele é extremamente amplo. Entre- Quando se descrevem as lesões de pele, conven-
tanto, muito frequente na faixa etária pediátrica, ciona-se a utilização dos seguintes termos que defi-
alguns quadros apresentam particularidades que po- nem as lesões dermatológicas elementares. Assim, de
dem tornar o diagnóstico dependente apenas de da- acordo com o tamanho, conteúdo e cor tem-se:
dos epidemiológicos e da história natural da doença
(contato, tempo de incubação, pródromo e manifesta- � máculas: áreas de coloração diferente, circunda-
ção), dinamizando a terapêutica, facilitando a orienta- das por pele sem alteração do seu plano ou da
ção aos pais e contactantes e permitindo ao profissio- sua superfície. Não são palpáveis e podem ser
nal de saúde interromper ou diminuir a propagação de hipercrômicas ou hipocrômicas. Nesse capítu-
surtos. Outros quadros serão apenas diagnosticados lo, atenção especial será dada para a coloração
precisamente com exames laboratoriais. Para facilitar róseo-avermelhada das lesões, que são mais co-
o estudo deste tema, é fundamental a definição dos muns nos exantemas.
termos empregados para definir a alteração dermato- � pápulas: são lesões pequenas, circunscritas, ge-
lógica e o seu mecanismo de lesão. O exantema é uma ralmente de consistência sólida que fazem rele-
erupção aguda na pele, também muitas vezes referida vo e são perceptíveis ao tato com até 1 cm de
como um rash cutâneo. Um enantema é uma erupção diâmetro;
que ocorre me mucosas. Quase todas as doenças exan- � nódulos: são lesões perceptíveis ao tato, maio-
temáticas clássicas se iniciam com um enantema, al- res de 1 cm de diâmetro, de consistência sólida;
guns inclusive patognomônicos, como o do sarampo.
Importante lembrar que no diagnóstico diferencial de � placas: confluência de pápulas ou nódulos
uma doença febril exantemática misturam-se doen- � vesículas: elevações circunscritas na pele, pe-
ças benignas, doenças infectocontagiosas ou doenças quenas, menores de 5mm, decorrentes de cole-
muito graves ameaçadoras à vida. ção de líquido seroso;
135
11 Doenças exantemáticas

� bolhas: lesões de conteúdo líquido com mais de ca, histórico de viagens, estação do ano, apresentação
5 mm de diâmetro; do período prodrômico e presença de sinais patogno-
� pústulas: lesões de conteúdo purulento, inde- mônicos. Também é importante conhecer os períodos
pendentemente do tamanho; de incubação e de transmissão das principais doenças
exantemáticas infecciosas.
Na prática clínica é comum a associação de le-
sões maculopapulosas, vesicobolhosas, vesicopapu- Num segundo passo, é importante avaliar o
lobolhosas, etc. Os exantemas podem ser eritema- exantema, suas características, distribuição, tempo de
tosos - róseos ou avermelhados e que desaparecem início e duração. De acordo com suas características,
à vitro/digitopressão - e purpúricos, quando há ex- os exantemas devem ser classificados em maculopa-
travasamento de sangue no vaso (não desaparece à pulares (os mais frequentes na prática clínica), pa-
vitro/digitopressão). As lesões desse último tipo de pulovesiculares e petequiais ou purpúricos. Cada um
exantema podem ser pequenas (petéquias) ou maio- desses tipos direciona para diferentes possibilidades
res (equimoses). A crosta é o ressecamento da secre- diagnósticas. Os exantemas maculopapulares, por sua
ção serosa, purulenta, sanguínea ou mista. A escoria- vez, são classificados em:
ção é uma lesão epidérmica decorrente dos arranhões � morbiliformes: pequenas maculopápulas aver-
ou do ato de se coçar; denuncia, portanto, o caráter
melhadas com preservação de áreas de pele sã
pruriginoso do exantema.
entremeadas pelas lesões (é o exantema típico
do sarampo)
� rubeoliforme: semelhante ao morbiliforme, po-
Abordagem da criança rém róseo, com lesões menores e menos pápu-
las (exantema típico da rubeola, por exemplo.)
com exantema � escarlatiniforme: eritema difuso, puntiforme,
vermelho vivo, sem áreas de pele são entremea-
À primeira vista, as doenças exantemáticas agu- das (exantema típico da escarlatina)
das são muito parecidas, o que dificulta o diagnóstico � urticariforme: erupção papuloeritematosa de
diferencial. Numa primeira etapa é importante va- contornos irregulares, com placas mais percep-
lorizar os dados característicos, como por exemplo,
tíveis, róseas ou avermelhadas
a idade do paciente, seu estado nutricional (quadros
são mais graves ou atípicos em pacientes desnutri- Na tabela 11.1, apresenta-se, de forma resumi-
dos), antecedentes de imunizações e de doenças exan- da as principais doenças exantemáticas na infância,
temáticas prévias, dados epidemiológicos positivos classificadas de acordo com o tipo de apresentação do
para doenças infectocontagiosas, evolução da curva exantema, separados por causas virais (bastante co-
térmica, uso de medicamentos, localização geográfi- muns) e outros agentes.

Etiologia viral Outras causas


Maculopapular Maculopapular
Sarampo Escarlatina
Rubéola Síndrome do choque tóxico
Eritema infeccioso Doença de Kawasaki
Exantema súbito Febre maculosa brasileira
Mononucleose infecciosa Reação medicamentosa
Exantemas por enterovírus Toxoplasmose
Citomegalovirose Eritema solar
Petequial Petequial
Sarampo atípico Febre maculosa brasileira
Febres hemorrágicas Meningococcemia
Rubeola congênita Coagulopatias
Escorbuto
Reação medicamentosa
Endocardite subaguda
Toxoplasmose congênita
Vesicular Vesicular
Varicela Impetigo
Herpes zoster Picada de inseto
Herpes simples Reação medicamentosa
Vírus coxsackie

Tabela 11.1 Principais doenças exantemáticas na infância, segundo etiologia viral e outras

SJT Residência Médica – 2016


136
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

Os dois maiores grupos de exantemas (maculo- contaminação de um indivíduo suscetível parece fa-
papulares e papulovesiculares), em pediatria, abran- zer-se quase exclusivamente através do contato direto
gem as doenças exantemáticas; entretanto, esses dois com pessoas doentes. A contagiosidade começa dois
tipos de erupção são encontrados em muitas outras dias antes do início do período prodrômico, alcança o
doenças além das infecciosas exantemáticas agudas. máximo durante a fase catarral e estende-se até qua-
Dentre os exantemas maculopapulares, encontram- tro dias após o aparecimento do exantema, diminuin-
-se os das cinco febres eruptivas clássicas: sarampo do de tal maneira que, após seis dias do seu início, o
(primeira moléstia), escarlatina (segunda moléstia), paciente não é mais contagioso. A disseminação má-
rubéola (terceira moléstia), eritema infeccioso (quinta xima do vírus dá-se por aspersão de gotículas durante
moléstia) e exantema súbito - roseola infantum (sexta o estágio catarral, havendo necessidade de isolamento
moléstia). A doença de Filatow, que seria a “quarta molés- respiratório do indivíduo infectado nesse período. O
tia”, hoje não é mais considerada uma entidade clínica (es- sarampo é muito contagioso, salientando-se que a in-
carlatina atípica). Entretanto, com o progresso dos conhe- trodução de um caso da doença no ambiente familiar
cimentos e, principalmente, das técnicas laboratoriais de faz com que cerca de 90% dos contatos familiares sus-
isolamento etiológico, muitas doenças tiveram seu agente cetíveis se contaminem. Raramente é subclínico.
conhecido e, atualmente, sabe-se que todas as doenças O sarampo é doença de notificação imediata e
que evoluem com vasculite, sejam infecciosas ou não, po- obrigatória; ou seja, diante de um caso suspeito, este
dem, em algum momento, apresentar erupção cutânea. deve ser notificado pelos profissionais que tiveram o
primeiro contato com o paciente.
A infecção pelo vírus do sarampo pode causar
uma variedade de síndromes clínicas, que incluem o
Sarampo sarampo clássico em pacientes imunocompetentes,
o sarampo modificado em pacientes com anticor-
O sarampo é uma doença viral exantemática pos pré-existentes, mas com incompleta proteção, as
aguda, altamente contagiosa, e que está em vias de síndromes neurológicas após a infecção do sarampo,
erradicação em nosso meio em virtude das estraté- incluindo a encefalomielite aguda disseminada e a pa-
gias de imunização, embora, até recentemente, ainda nencefalite subaguda esclerosante (PES) e sarampo
provoque alguns surtos. Assim, alguns países do mun- grave, em imunocomprometidos.
do ainda sofrem com esse problema e, em virtude de As manifestações clínicas do sarampo são, de
deslocamentos de uma sociedade globalizada, atenção modo geral, suficientemente características para per-
constante deve ser dada ao risco de propagação e rein- mitir o diagnóstico da doença sem o auxílio de qualquer
serção da doença. exame laboratorial. O período de incubação (entre con-
É causado por um vírus da família Paramyxoviri- tágio e primeiras manifestações clínicas) inicia-se após
dae (gênero Morbillivirus). a entrada do vírus pela mucosa respiratória ou conjun-
tiva e é de cerca de 10 dias. A disseminação do vírus do
Os anticorpos contra o sarampo, do tipo IgG,
sarampo nesse período, devido à viremia, com infecção
atravessam facilmente a barreira placentária. Os lac-
associada do endotélio, epitélio respiratório, monócitos
tentes adquirem imunidade por via transplacentária
e macrófagos, pode explicar a variedade de manifesta-
das mães que tiveram ou receberam imunização con-
ções clínicas e as complicações que podem ocorrer. Uma
tra o sarampo e as crianças nascem com título satis-
segunda viremia ocorre alguns dias após a primeira,
fatório de anticorpos e, portanto, protegidas. Essa
que coincide com o aparecimento de sintomas indicati-
proteção passiva vai desaparecendo à medida que os
vos do início da fase prodrômica.
anticorpos de origem materna vão sendo cataboliza-
dos. Essa imunidade é completa pelos primeiros 4 a 6 O período prodrômico, que dura cerca de três a
meses de vida e desaparece numa velocidade variável. quatro dias, caracteriza-se por febre, geralmente ele-
Assim, enquanto o sarampo é excepcional antes dos vada (muitas vezes excedendo 39ºC ou mesmo 40ºC),
seis meses de idade, por volta de um ano quase todas alcançando o máximo na época do aparecimento do
as crianças já são suscetíveis à doença. A imunidade exantema, para desaparecer, habitualmente em lise,
induzida é de longa duração, provavelmente persistin- dois ou três dias depois. Nessa fase, sintomas gerais
do por toda a vida. aparecem com grande frequência e variável intensi-
dade: anorexia, cefaleia, dores abdominais, vômitos,
A transmissão ocorre por via aérea, por meio de
diarreia, artralgias e mialgias, que associados a pros-
secreção ocular e das vias respiratórias do doente, por
tração e mesmo sonolência, que por vezes coexistem,
contato direto, pelas gotículas de Pflügge (gotículas
dão a impressão de doença grave. Sintomas oculares
de saliva que são expelidas durante a conversação) e
estão presentes. A conjuntivite traduz-se por fotofo-
por dispersão de gotículas com partículas virais no ar,
bia, edema palpebral, secreção ocular, congestão e la-
principalmente em ambientes fechados como creches, crimejamento. Todos esses sintomas geralmente são
escolas e meios de transporte (incluindo aviões). A

SJT Residência Médica – 2016


137
11 Doenças exantemáticas

associados a sintomas catarrais altos: coriza e espirros. hiperemiados, queixando-se de desconforto na cla-
A coriza é abundante, inicialmente mucosa e torna-se ridade, intensa rinorreia e tosse implacável. Para os
mucopurulenta, às vezes com laivos de sangue, irri- não familiarizados, a aparência é de doença grave
tando o nariz e o lábio superior. Atinge o máximo de (semelhante à toxemia de uma doença bacteriana).
intensidade ao tempo do aparecimento da erupção e Ressalta-se, nesta fase, o aparecimento da pneumo-
desaparece rapidamente após a defervescência. A tos- nite intersticial que cursa com pequenos focos de
se nunca falta. É inicialmente seca, intensa, contínua e condensação no interstício e nos alvéolos. Geralmen-
incomoda o paciente. Como as demais manifestações te tem evolução benigna e é provavelmente causada
do período prodrômico, atinge máxima intensidade à pelo vírus do sarampo.
época do aparecimento do exantema, mas, ao contrá- O exantema começa a esmaecer em torno do ter-
rio dessas, não desaparece quando surge erupção, po- ceiro ou quarto dia, na mesma sequência em que sur-
dendo persistir por até quase duas semanas. giu, com o aparecimento de descamação furfurácea e
Embora a coriza, a tosse e a conjuntivite muitas uma leve pigmentação acastanhada.
vezes confiram ao paciente um aspecto facial muito O quadro clínico, em geral, dura de uma a duas
sugestivo de acometimento pelo vírus do sarampo (fa- semanas. Desaparece rapidamente a febre, os sinto-
cies sarampenta), são as manchas de Koplik, o enan- mas oculares e catarrais altos e lentamente a tosse
tema que precede à erupção da pele, que confirma o e os sintomas brônquicos. A tosse pode persistir até
diagnóstico. O enantema é a primeira manifestação 1 ou 2 semanas após a infecção do sarampo. Febre
mucocutânea a aparecer e é característico. Em 50% a persistente além do terceiro ou quarto dia de erupção
80% dos casos, 2 a 3 dias depois do período prodrô- sugere complicação.
mico (catarral) aparece o característico sinal de Ko-
O diagnóstico, em geral, baseia-se no quadro clí-
plik (patognomônico do sarampo): há hiperemia da
nico; raramente há necessidade de confirmação labo-
orofaringe (com um salpicado vermelho na região de
ratorial. Elevação dos títulos de anticorpos é detectada
palato) e na região oposta aos dentes molares surgem
entre os soros das fases aguda e convalescente (aumen-
manchas branco-azuladas ou acinzentadas, pequenas,
to de pelo menos quatro vezes o título de IgG) ou, na
de cerca de 1 mm de diâmetro, com discreto halo eri-
presença de anticorpos da classe IgM, na fase aguda.
tematoso ao redor. Começam em pequeno número,
por vezes duas ou três apenas, só podendo ser, nes- Embora antigamente conhecida como uma do-
sa ocasião, visualizadas com uma boa iluminação da ença da infância, o sarampo não deve ser considerado
mucosa bucal. Entretanto, rapidamente aumentam uma moléstia banal. O número de complicações é gran-
de número a tal ponto que quando do aparecimento de e as principais são: otite média, pneumonia e en-
do exantema, podem ocupar toda a mucosa da boca e cefalite. A infecção pelo sarampo pode causar imunos-
mesmo parte dos lábios. Nessa ocasião, o aspecto da supressão transitória, com diminuição de resposta das
mucosa lembra grãos de açúcar (ou sal) espalhados so- células T. A anergia pode estar presente desde antes do
bre um fundo intensamente avermelhado. Aparecem aparecimento do exantema até vária semanas após. As
e desaparecem rapidamente, em geral, entre 12 e 18 complicações pelo sarampo são mais comuns nos paí-
horas (podem durar até 72 horas). O aparecimento do ses em desenvolvimento, onde descreve-se letalidade
exantema marca também o início do desaparecimento de 4 a 10%. A maioria das mortes se deve às compli-
das manchas de Koplik, e, por volta do terceiro dia a cações respiratórias ou encefalite. Os grupos de risco
mucosa tem aspecto normal. para complicações incluem os pacientes imunodepri-
O exantema inicia-se com tênues máculas atrás midos, desnutridos, indivíduos com deficiência de vi-
do pavilhão auricular, na região da mastoide, pró- tamina A e nos extremos de idade. Sendo o sarampo
ximo à raiz do couro cabeludo. Dissemina-se rapi- uma infecção disseminada, complicações em vários sí-
damente, em cerca de 24 horas, em sentido caudal tios orgânicos podem ocorrer. Quando há persistência
e centrífugo, para face, pescoço, tronco, braços e da febre após o 3º dia de exantema, deve-se suspeitar
atinge as extremidades inferiores por volta do ter- de complicação. Cabe ressaltar a gravidade do sarampo
ceiro dia. O exantema é maculopapular, eritematoso em crianças desnutridas. O mecanismo imunitário pri-
e morbiliforme, com maculopápulas avermelhadas, mordialmente envolvido no sarampo é o do tipo celular
isoladas umas das outras e circundadas por pele não (comprometido também no desnutrido). A incidência
comprometida. Como regra, as lesões podem confluir de complicações bacterianas é bem mais alta nesses
em algumas regiões e desaparecem à digitopressão. casos e a mortalidade se eleva. Crianças desnutridas
As áreas inicialmente atingidas (face e pescoço) são que até serem acometidas pelo sarampo mantinham-
as que revelam exantema de maior intensidade. Aí -se equilibradas podem apresentar piora do quadro
as lesões podem ser confluentes, formando exten- nutricional, em razão da diarreia, hipercatabolismo e
sas placas avermelhadas. As palmas das mãos e as hiporexia, levando ao aparecimento do edema e das
plantas dos pés são raramente envolvidas. O prurido carências alimentares latentes, entre a quais a hipovi-
é leve. Na fase do exantema a doença atinge o seu taminose A. O tratamento com vitamina A oral reduz
auge os sintomas catarrais se intensificam, ficando a morbidade e a mortalidade em crianças com sarampo
o paciente toxemiado, prostrado, febril, com olhos grave nos países em desenvolvimento.

SJT Residência Médica – 2016


138
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

As infecções respiratórias ocorrem com mais fre- o sarampo, mas mantém-se e recentemente ocorreram.
quência em pacientes com menos de 5 anos. O envol- Seu início caracteriza-se por deteriorização insidiosa
vimento pulmonar da infecção do sarampo pode con- e progressiva do comportamento, comprometimen-
sistir em broncopneumonia, laringotraqueobronquite to cognitivo e mudanças de personalidade (semanas a
ou bronquiolite. A otite média pode ocorrer. Deve-se anos). Evolui-se para torpor, marcha irregular, quedas
lembrar que a pneumonia pode ser devida ao próprio e crises mioclônicas. O diagnóstico é estabelecido pela
vírus do sarampo (pneumonia intersticial), porém a evolução clínica típica e detecção de anticorpos para
mais frequentemente identificada é a broncopneumo- sarampo no líquor. O EEG apresenta picos paroxísticos
nia pelo vírus e/ou associada a bactérias (S. aureus, regulares e diminuição da atividade geral. No soro, há
pneumococos e hemófilos). títulos altos de anticorpos do sarampo. A morte costu-
ma ocorrer no prazo de um a dois anos após o início dos
A encefalite aguda é uma complicação relativa-
sintomas. O curso implacável e fatal desta complicação
mente rara, mas grave. A incidência de encefalomielite
ressalta a importância da vacinação contra o sarampo,
é estimada em 1-2/1.000 casos notificados. Não há cor-
não só para a prevenção do sarampo, mas também para
relação entre intensidade do sarampo e a intensidade
a prevenção de sequelas neurológicas graves do que
do envolvimento neurológico ou a gravidade do pro-
pode acontecer.
cesso e o prognóstico final. Embora possa manifestar-
-se no período pré-eruptivo, comumente inicia-se dois As manifestações oculares do sarampo podem
a cinco dias após o aparecimento do exantema. A pre- incluir a ceratoconjuntivite e úlcera de córnea, consti-
sença de febre, vômito, cefaleia, sonolência alternando tuindo-se em importante causa de cegueira.
com irritabilidade, convulsões, coma ou alterações da Outro perigo em potencial é a exacerbação de tu-
personalidade determina a suspeita do acometimento berculose preexistente, em razão da anergia provocada
neurológico. Ela está associada a uma pleocitose liquó- pelo sarampo. A persistência do quadro pneumônico
rica (predomínio linfocitário), aumento dos níveis de após o adequado tratamento com antibióticos justifica
proteína e normalidade da glicorraquia. A maioria das a pesquisa da etiologia tuberculosa. Lembrar que o tes-
crianças se recuperam bem, cerca de 25% tem sequelas te tuberculínico, nesses casos, geralmente é negativo.
no desenvolvimento neurológico (atraso mental, con- O tratamento do sarampo sem complicações é
vulsões recorrentes, distúrbios de comportamento) e puramente sintomático e de sustentação. Baseia-se
cerca de 15% podem ter uma rapidamente progressiva basicamente em repouso relativo, antitérmicos para
e fatal. Em crianças menores de um ano e em desnutri- febre alta e mal-estar, higiene dos olhos, umidificação
das é causa não desprezível de óbito. Em adolescentes e das secreções das vias aéreas superiores (vaporização,
adultos a gravidade pode ser maior. inalação com soro fisiológico) e administração de vita-
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é mina A – 200.000 UI (menor de 1 ano: 100.000 UI), o
uma doença desmielinizante que se apresenta durante mais precoce possível, que reduz complicações e mor-
a fase de recuperação da infecção pelo sarampo, geral- talidade. É recomendada pela Organização Mundial de
mente dentro de duas semanas do exantema. Acredi- Saúde para todas as crianças com sarampo em países
ta-se que seja mais uma resposta de autoimunidade em desenvolvimento. É administrada uma vez ao dia
pós-infecciosa do que a atividade do vírus do sarampo por dois dias.
no sistema nervoso central. As principais manifesta-
ções incluem febre, cefaleia, rigidez nucal, convulsões
e alterações do estado mental (confusão e sonolência).
Outros achados podem incluir ataxia, mioclonia e si-
nais de mielite, com paraplegia, tetraplegia e altera- Escarlatina
ções de sensibilidade. A EMAD está associada a uma
A escarlatina é uma doença exantemática clássica,
mortalidade de 10 a 20%.
causada pela produção da exotoxina eritrogênica pelo
A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é Streptococcus pyogenes, ou beta-hemolítico do grupo
uma doença degenerativa fatal e progressiva do sistema A de Lancefield. A faringite causada pelo estereptoco-
nervoso central que ocorre de sete a dez anos após a in- co é uma infecção comum em Pediatria. Trata-se de
fecção natural pelo sarampo. É uma complicação rara e uma doença, em tese autolimitada, com melhora dos
tardia do sarampo, cuja patogênese não é bem compre- sintomas em dois a cinco dias. Entretanto, a antibioti-
endida. É uma infecção do SNC lentamente progressiva coterapia reduz a severidade e duração dos sintomas,
(diferentemente da encefalolomielite aguda dissemina- previne a disseminação do agente e diminui o risco de
da), causada pelo vírus (ou uma variante genética) que complicações causadas pela bactéria. Deve-se lembrar
progride lentamente no interior do sistema nervoso que existem uma série de complicações supurativas e
central. Cerca de metade dos pacientes com PEES tive- não supurativas da faringotonsilite pelo Streptococcus
ram sarampo antes de dois anos de idade. O número de pyogenes, resumidas na Tabela 11.2. A escarlatina é
casos caiu abruptamente com a cobertura vacinal para considerada uma das complicações não supurativas.

SJT Residência Médica – 2016


139
11 Doenças exantemáticas

Febre reumática
Escarlatina
Síndrome do choque tóxico estreptocócico
Glomerulonefrite pós-estreptocócica
Desordem neuropsiquiátrica pediátrica autoimune associada com o estreptococo A (PANDAS – Pediatric autoimune
neuropsychiatric disorder associated with group A streptococci)
Celulites e abscessos tonsilofaríngeos
Fasciite necrotizante
Bacteremia e sepse

Tabela 11.2 Complicações da faringotonsilite causada pelo estreptoco beta hemolítico A.

Para que ocorra escarlatina é preciso que o in- mente, poupadas. A área ao redor da boca também é
divíduo infectado não tenha imunidade antibacteria- poupada (palidez perioral) sinal conhecido como sinal
na contra o estreptococo, nem imunidade antitóxica de Filatov). As dobras profundas podem conter listras
contra a exotoxina eritrogênica (essa imunidade é lineares, às vezes de característica petequial, que não
tipo-específica, pois existem alguns tipos de toxina). empalidecem com a digitopressão (sinal de Pastia – li-
A transmissão se faz por conta do contato próximo nhas vermelhas na fossa antecubital). As áreas mais
com pessoas doentes, através da projeção de gotas de acometidas e onde o rash é mais observado, são a re-
secreção respiratória contendo bactérias. O período gião inguinal, axilar, antecubital, abdome e pontos da
de maior contágio da faringite e escarlatina é durante pele que estão sob pressão e o exantema é maculopa-
o estágio agudo da doença. A terapêutica antibiótica pular, avermelhado, empalidece à digitopressão e não
suprime rapidamente e, se continuada, erradica o es- deixa área de pele sã (escarlatiniforme). O exantema
treptococo do trato respiratório superior, de tal forma alcança sua intensidade máxima por volta do terceiro
que após o segundo ou terceiro dia de tratamento o ao sétimo dia e desaparece lentamente, quatro a cinco
paciente não pode mais ser considerado contagiante. dias depois, quase sempre provocando fina descama-
Além do quadro clássico de faringotonsilite, quan- ção (em farelo ou furfurácea) ou lamelar, especialmen-
do os estreptococos infectantes elaboram toxina eritro- te na margem das unhas, na ponta dos dedos e nas
gênica, para a qual o hospedeiro não produziu anticor- dobras cutâneas profundas, que pode durar até seis
pos específicos, aparecem as manifestações típicas da semanas. O exantema em si, consequente à ação da to-
escarlatina, que é uma erupção eritematosa difusa. xina eritrogênica, é um pontilhado finamente papular
(ou puntiforme) que na maioria das vezes, em alguns
Acomete geralmente crianças entre 3 e 12 anos de pacientes é mais facilmente palpável do que visto, com
idade. O período de incubação varia de um a sete dias, a textura de pele de ganso ou de lixa.
com média de três dias. O início é agudo, com febre
alta, calafrios, cefaleia, vômitos, mal-estar, anorexia e Em geral, a temperatura aumenta abruptamen-
dor de garganta. Dor abdominal pode estar presente. te e se normaliza num prazo de cinco a sete dias no
Um a dois dias após tem início o exantema. Durante o paciente não tratado; comumente, retorna à normali-
desenvolvimento da erupção cutânea, as mucosas po- dade 12 a 24 horas após o início da terapia com peni-
dem também ser acometidas (enantema). As amígdalas cilina. Além das manifestações tóxicas da escarlatina
estão aumentadas de volume, hiperemiadas, com áreas (cefaleia, dor abdominal, vômitos e febre), os efeitos
irregulares de exsudato mucopurulento e a faringe en- sistêmicos da toxina eritrogênica podem comprome-
contra-se hiperemiada. O palato geralmente apresenta ter os rins (causando hematúria), as articulações (ar-
eritema puntiforme e eventualmente algumas peté- trite) ou o coração (miocardite).
quias. A borda livre do palato e a úvula estão hipere- Na escarlatina a porta de entrada mais frequente
miadas e edemaciadas. A língua adquire uma aparência é a faringe. Ocasionalmente, no entanto, a escarlatina
característica, com papilas vermelhas e proeminentes, pode suceder infecções de feridas, queimaduras ou in-
que sobressaem em uma superfície difusamente cober- fecção cutânea estreptocócica. Nessas circunstâncias,
ta por uma camada branca (saburrosa) e que, quatro a pode desenvolver-se a chamada escarlatina cirúrgica,
cinco dias após, quando ocorre a descamação, aparece com as mesmas manifestações clínicas descritas ante-
uma superfície profundamente avermelhada, verme- riormente, mas as tonsilas e a faringe não costumam
lho-rutilante, com as papilas hipertrofiadas e edemato- ser acometidas.
sas (língua morango-vermelho ou framboesa). Pode ha- O diagnóstico da escarlatina é fundamentalmen-
ver também adenopatia cervical anterior e mandibular. te clínico, embora em alguns casos possa ser isolado o
O exantema inicia-se em cabeça e pescoço, ex- estreptococo beta-hemolítico do grupo A da orofarin-
pandindo-se rapidamente para o tronco, até as extre- ge, nasofaringe ou de uma ferida infectada. A eleva-
midades; palma das mãos e planta dos pés são, comu- ção do título de antiestreptolisina O (ASLO) durante a

SJT Residência Médica – 2016


140
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

convalescença é indicativa de infecção estreptocócica. teriores. A rubéola no início da gravidez pode causar
Porém, a erradicação precoce dos estreptococos hemo- anomalias congênitas graves, com comprometimento
líticos por terapêutica antimicrobiana pode suprimir de múltiplos sistemas, amplo espectro de expressão
o desenvolvimento de anticorpos. O hemograma pode clínica e longo período pós-natal de infecção ativa com
mostrar leucocitose, neutrofilia e desvio à esquerda, excreção de vírus. Neste capítulo nos limitaremos a
especialmete nos primeiros dias de infecção. comentar a rubéola adquirida. A rubéola é causada por
É importante lembrar que, a terapêutica da infec- vírus da família Togaviridae.
ção estreptocócica objetiva, além da melhora clínica e O maior número de casos de rubéola ocorria na
redução do tempo dos sintomas, a redução da incidên- primavera e no inverno, sendo relativamente raros os
cia das complicações e diminuição da transmissão do casos de rubéola no verão, fato que tem considerável
agente (erradicação). Melhora clínica é observada em importância, já que infecções por enterovírus, que po-
mais precocemente (48h) em indivíduos tratados com dem originar quadros clínicos muito semelhantes aos
antibióticos. As opções terapêuticas para o tratamen- da rubéola, ocorrem predominantemente nos meses de
to da infecção estreptocócica incluem as penicilinas (e verão. A infecção é transmitida de pessoa a pessoa pela
seus derivados ampicilina e amoxicilina), cefalospori- via respiratória, por meio de gotículas contaminadas.
nas, macrolídeos e clindamicina. Embora o estrepto- O período de incubação varia de 14 a 21 dias. A
coco do grupo A seja sensível a vários antibióticos, a fase prodrômica de sintomas catarrais leves é mais
penicilina continua sendo a droga de primeira escolha curta que a do sarampo e pode ser tão leve que pas-
para tratar pacientes não alérgicos a ela. A penicilina sa despercebida, principalmente nas crianças meno-
benzatina intramuscular garante o tratamento, evita res, mas em adolescentes e adultos o exantema pode
as complicações e erradica o agente. Não há vantagens ser precedido por um ou dois dias de mal-estar, febre
e, sim, potenciais desvantagens no uso de outros anti- baixa, dor de garganta e discreta coriza. O sinal mais
microbianos de amplo espectro. É condição necessária característico é adenopatia retroauricular cervical
para erradicação dos organismos infectantes mante- posterior e occipital dolorosa, presente em quase to-
rem níveis sanguíneos adequados por pelo menos dez dos os casos. A linfadenopatia é generalizada, afeta
dias e essa deve ser a duração do tratamento com peni- principalmente os gânglios suboccipitais, cervicais e
cilina por via oral (a prescrição mais clássica é de amo- retroauriculares, aparecendo desde 5 a 7 dias antes do
xicilina 50mg/kg/dia). Deve-se lembrar que as taxas exantema, podendo persistir até o seu desaparecimen-
de transmissão de um indivíduo infectado para conta- to em uma semana ou mais. Nenhuma outra doença
tos íntimos (família ou escola) é de aproximadamente causa o aumento doloroso desses linfonodos no grau
35%. Portanto, o isolamento nas 24 horas é medida da rubéola.
importante, após o início do tratamento.
O exantema começa na face sob a forma macu-
Pode haver colonização do estreptococo beta lopapular rósea, se espalha rapidamente, atingindo o
hemolítico do grupo A na orofaringe de portadores pescoço, o tronco, os membros superiores e inferiores
assintomáticos. Em climas temperados, durante o in- em menos de 24 horas. As lesões da face começam a
verno e na primavera, até 20% das crianças em idade desaparecer no segundo dia, quando as maculopápu-
escolar podem ser portadores assintomáticos. Os por- las do tronco podem coalescer. Na maioria dos casos, a
tadores tem baixa probabilidade de disseminar a bac- erupção permanece por três dias, justificando o antigo
téria e têm risco muito baixo risco muito baixo para nome dado à doença de sarampo de três dias. O exan-
o desenvolvimento de complicações supurativas ou tema não é pruriginoso e não é seguido de descama-
febre reumática aguda. Portanto, em geral, os porta- ção. A mucosa faríngea e as conjuntivas ficam pouco
dores de estreptococos não necessitam de terapia an- inflamadas; não há fotofobia e a febre é ausente ou
timicrobiana. Assim, diante de um caso de escarlatina, baixa durante o exantema e persiste por poucos dias.
não é necessária a investigação e tratamento de con- Metade dos casos apresenta esplenomegalia discreta.
tactantes, a não ser em circunstâncias especiais, como Especialmente em meninas maiores e mulheres, pode
manifestação de febre reumática e situações de surtos ocorrer poliartrite e artralgias.
de infecção pelo estreptococo. Muitas infecções são subclínicas, com uma pro-
porção de infecção inaparente para doença de 2:1.
Às vezes, é difícil diagnosticá-la clinicamente, pois
exantemas enterovirais e outros podem produzir
Rubéola aparência semelhante.
Felizmente, uma ótima notícia sobre a rubéola
A rubéola é uma doença contagiosa, caracteriza- em nosso meio ocorreu recentemente. Em abril de
da por sintomas leves, um exantema semelhante ao 2015, a Região das Américas foi declarada pelo Co-
do sarampo leve e aumento e dor à palpação dos linfo- mitê Internacional de Doenças Exantemáticas - OMS
nodos pós-occipitais, retroauriculares e cervicais pos- como a primeira região do mundo livre da transmissão

SJT Residência Médica – 2016


141
11 Doenças exantemáticas

endêmica da Rubéola e da Síndrome da Rubéola Con- aumentando de tamanho, deixando a região central
gênita. Em 2 de dezembro de 2015, o Brasil recebeu da mais pálida, conferindo-lhe um aspecto rendilhado,
OPAS/OMS o Certificado de Eliminação da Rubéola. bastante característico da doença. Geralmente a pal-
Os dados epidemiológicos avaliados evidenciaram a ma das mãos e a planta dos pés são poupadas. Essa
ausência da transmissão endêmica do vírus da rubéo- segunda fase da erupção persiste em média por dez
la por cinco anos consecutivos em território nacional. dias, salientando-se que durante esse período o exan-
tema pode apresentar períodos de nítida exacerbação,
desencadeados por exposição da pele ao calor, frio, es-
tresse, luz do sol ou durante exercícios físicos. Não há
Eritema infeccioso – descamação residual.

quinta moléstia Uma interessante característica da doença


é que mesmo após o completo desaparecimento
da erupção esta pode reaparecer, dias ou semanas
O eritema infeccioso é uma doença exantemática após, provavelmente desencadeada pelos mesmos
febril aguda causada por um vírus pertencente à família fatores acima citados.
Parvoviridae: parvovírus B19. As infecções clinicamen-
A evolução é, em geral, afebril; contudo; apesar de
te evidentes são mais prevalentes em escolares, com
ter uma evolução benigna na maioria dos casos, com-
70% dos casos acometendo crianças de 5 a 15 anos de
plicações são descritas. Pode haver hidropsia ou morte
idade. O eritema infeccioso tende a ocorrer em peque-
fetal quando o vírus acomete grávidas. Crises de ane-
nos surtos familiares ou em epidemias localizadas. Não
mia aplástica são descritas em pessoas com distúrbios
são conhecidos os mecanismos de transmissão, embora
hemolíticos crônicos (anemia falciforme, talassemia,
tudo leve a crer que o agente é disseminado por meio de
esferocitose etc.). A parada transitória da eritropoese
gotículas de Pflügge. Acredita-se ser a imunidade então
e a reticulocitopenia absoluta induzida pela infecção
induzida permanente já que, só excepcionalmente adul-
pelo B19 levam a uma queda brusca da hemoglobina
tos contraem o eritema infeccioso.
sérica. À diferença das crianças com eritema infeccio-
O alvo primário da infecção do vírus é a linha- so, esses pacientes mostram-se enfermos, com febre,
gem de células eritroides. O vírus causa lise dessa mal-estar, letargia e exibem sinais e sintomas de ane-
célula, resultando em depleção progressiva e parada mia, como palidez, taquicardia e taquipneia. O exan-
transitória da eritropoese. Não possui efeito aparente tema raramente está presente. Infecções crônicas pelo
sobre a linhagem mieloide. Os indivíduos com distúr- vírus (em indivíduos com comprometimento imuno-
bios associados à hemólise crônica são muito susce- lógico) manifestam-se comumente com anemias crô-
tíveis às perturbações da eritropoese. A infecção por nicas, às vezes acompanhadas de outras citopenias ou
parvovírus B19 acarreta parada transitória da produ- supressão completa da medula óssea.
ção de hemácias e queda brusca da hemoglobina sérica As crianças com eritema infeccioso provavel-
e baixa de reticulócitos (aplasia seletiva de linhagem mente não são contagiosas no momento da apresen-
vermelha). O aparecimento das imunoglobulinas es- tação porque o exantema é fenômeno pós-infeccioso
pecíficas controla a infecção, resultando em reticuloci- imunomediado. O isolamento e a exclusão da escola
tose e elevação da hemoglobina. ou creche são desnecessários. As crianças com crise
Muitas infecções são clinicamente inaparentes. A aplásica são infecciosas quando se apresentam e de-
manifestação clínica mais comum do parvovírus B19 vem ser isoladas.
é o eritema infeccioso. Em geral, não há pródromos e Não existe tratamento específico, somente sin-
o primeiro sinal costuma ser o exantema. O exante- tomático.
ma inicia na face (rubor facial) como maculopápulas
que confluem tornando-se uma placa vermelho-rubra,
com concentração principalmente em região de bo-
chechas, poupando a região perioral, a testa e o nariz,
conferindo um aspecto de asa de borboleta, semelhan-
Exantema súbito –
te ao observado no lúpus eritematoso, dando às crian- quinta moléstia
ças aspecto de cara esbofeteada. A erupção facial per-
siste por um a quatro dias, empalidecendo em seguida. Também conhecida como “febre dos três dias” ou
Um a quatro dias depois, o exantema evolui, aco- “roseola infantum” (pediatras antigos a chamam ainda
metendo os membros superiores e inferiores, inicial- de roseola), trata-se de uma doença exantemática fe-
mente em sua face extensora e, mais tarde, em um ou bril, aguda, causada principalmente pelo herpesvírus
dois dias também as superfícies de flexão são compro- humano 6 (HHV-6) seguido, com menor frequência,
metidas, o mesmo sucedendo com o tronco e as náde- pelo herpesvírus 7 (HHV-7). O HHV-6 se constitui em
gas. A lesão de pele inicia-se como uma mácula que vai um dos oito herpesvírus humanos. Deve-se lembrar

SJT Residência Médica – 2016


142
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

que a principal característica do grupo de herpesvírus O exame físico revela poucos dados importantes, sa-
é a sua capacidade de permanecer em estado de latên- lientando-se, porém, a frequência do encontro de lin-
cia, podendo, eventualmente, reativar-se em situações fonodos um pouco aumentados de volume; pode haver
de imunodepressão. a presença de adenomegalia cervical, retroauricular ou
A patogênese da roséola é desconhecida. A vire- occipital. É comum a hiperemia de membrana timpâ-
mia ocorre nos dois primeiros dias de doença, antes nica (80-90%), levando à confusão diagnóstica com
do aparecimento do rash. No quinto dia de doença, uma otite média. (lembrar que atualmente o principal
menos de 10% das crianças são virêmicas. A benigni- achado otoscópico para o diagnóstico de otite média
dade da doença e o habitual não isolamento do agente aguda é o abaulamento).
etiológico são responsáveis pela relativa ausência de A irritabilidade, presente em algumas crianças,
dados sobre a patogênese e patologia do exantema sú- pode levar a um diagnóstico diferencial com um qua-
bito. Altos níveis de anticorpos em adultos, excreção dro de irritação meníngea. O enantema em junção
viral frequente na saliva e detecção de ácido nucleico uvulopalatoglossal (palato mole), de aspecto macular
viral nas glândulas salivares e células mononucleares é conhecido como “pontos de Nagayama” e ocorre em
no sangue periférico em crianças e adultos soroposi- cerca de 80% das crianças.
tivos falam em favor de um estado prolongado de la- A febre cede por crise (abruptamente) no 3º e 4º
tência viral do HHV-6. A natureza da doença de reati- dias e, quando a temperatura retorna ao normal, uma
vação em crianças maiores e adultos, especialmente os erupção macular ou maculoppular rosada surge no
imunocomprometidos, está começando a ser reconhe- corpo, começando pelo tronco e pescoço, estendendo-
cida (quadros febris em transplantados e em pacientes -se aos braços e envolvendo a face e os membros infe-
com supressão medular). riores com menor intensidade. Pode ser discreto, com-
A maioria dos recém-nascidos é soropositiva posto de poucos elementos esparsos ou então denso e
para o HHS-6, em decorrência dos anticorpos trans- confluente. Entretanto, mesmo quando os membros
placentários. As taxas de soropositividade caem entre são atingidos pelo exantema, encontram-se aí apenas
4 e 6 meses de idade, seguindo-se a aquisição rápida algumas máculas, restritas às coxas e braços. A erup-
de anticorpos. Entre um e dois anos de idade, mais de ção é de curta duração. Pode aparecer à noite e já ter
90% dos lactentes são soropositivos. Portanto, o exan- desaparecido pela manhã, passando assim totalmente
tema súbito é uma doença incomum no primeiro tri- despercebida, como pode também esvaecer em um a
mestre de vida, com incidência máxima aos 6-12 me- dois dias. Não há descamação ou alteração de colora-
ses de idade e 90% dos casos nos primeiros dois anos ção da pele após o término do exantema. O exantema
de vida. A absoluta raridade da doença antes dos seis não é pruriginoso.
meses e depois dos três anos sugere que as crianças Durante a fase febril da doença, o diagnóstico
maiores e os adultos têm imunidade adquirida e que a é muito difícil de ser cogitado. Entretanto, a doença
criança nasce com proteção fornecida por anticorpos deve ser lembrada em todo lactente de mais de seis
maternos transmitidos pela placenta. Acredita-se, por meses, com febre alta, excelente estado geral e exa-
isso, que até os três anos de idade praticamente todas me físico pobre em dados positivos, com exceção de
as crianças tiveram contato com os agentes causado- adenopatia. A defervescência súbita e o aparecimento
res da doença, mas apenas uma pequena parcela (cerca do exantema tornam mais fáceis o diagnóstico. Exa-
de 30%) desenvolveu o quadro clínico característico. mes laboratoriais são frequentemente desnecessários,
Cerca de um terço das crianças apresenta o exantema quando se considera o aparecimento do exantema; são
súbito, com ambos os sexos igualmente acometidos, justificados na investigação de uma febre sem sinais de
em todas as épocas do ano. localização, particularmente em lactentes pequenos.
O modo de aquisição do vírus ainda é desconhe- No primeiro dia de febre o hemograma pode revelar
cido, mas a sua detecção frequente na saliva humana uma discreta leucocitose, mas logo em seguida instala-
sugere propagação por secreções orais. Acredita-se -se leucopenia, podendo a contagem leucocitária cair a
que a doença seja menos contagiosa que as outras do- menos de 3.500/mm3, sendo a principal característica
enças exantemáticas da infância. da contagem diferencial uma acentuada neutropenia
A roséola do lactente caracteriza-se por um iní- (nadir no terceiro ao quinto dia de doença). A conta-
cio súbito, com febre alta (até 39ºC-40ºC), podendo gem leucocitária rapidamente retorna ao normal após
ocorrer convulsões febris (considerada uma das cau- o aparecimento do exantema. Crianças com roséola
sas mais comuns dessa condição). Embora a mucosa podem apresentar leucocitúria (10%).
faríngea possa estar hiperemiada e ocorra coriza leve Testes diagnósticos para o HHV-6 permitiram a
(sinais respiratórios em cerca de 25% dos casos), não definição de várias síndromes associadas ao vírus em
há sinais diagnósticos, pois se trata de um período lactentes com doenças febris agudas, sugerindo que
pré-eruptivo. Em geral, a criança mostra-se relativa- esse agente pode ser responsável por até 50% da pri-
mente bem apesar do grau da febre (não há toxemia). meira doença febril na infância.

SJT Residência Médica – 2016


143
11 Doenças exantemáticas

O tratamento é apenas sintomático, ressaltando- nas crianças maiores. A febre tem duração média de
-se a necessidade de baixar a febre alta, especialmente três dias e, em alguns casos, é bifásica: ocorre por um
em crianças suscetíveis a convulsões febris. dia, está ausente por dois a três dias e então recorre
por mais dois a quatro dias. Pode haver náuseas, vô-
mitos ou dor abdominal leve, com algumas evacuações
Outros exantemas virais amolecidas. Os achados no exame físico são benignos
e não há alteração significativa no hemograma.
Ao lado dos exantemas típicos ou característicos Rash petequial e/ou purpúrico tem sido descrito
das febres eruptivas clássicas, são observados outros, descrito com o echovirus 9 e coxsackie A9; quando es-
nem sempre precedidos ou acompanhados de mani- sas erupções com componente hemorrágico ocorrem
festações que possibilitem a sua identificação. São há bastante confusão diagnóstica com a doença me-
ningocócica, especialmente se uma meningite assépti-
exantemas considerados atípicos ou incaracterísticos,
ca ocorre concomitantemente. Meningites assépticas
como, por exemplo, os das enteroviroses. Os enteroví-
(virais) ocorrem em indivíduos de todas as idades,
rus não-polio representam um grande grupo de vírus mas é particularmente mais comum em bebês meno-
(coxsackievirus, echovirus, enterovirus) – mais de 100 res de um ano de vida. Os enterovírus causam mais
– e são responsáveis por um amplo espectro de doen- de 90% desses casos nessas crianças, sendo a grande
ças em pessoas de todas as idades, embora ocorram maioria relacionados ao coxsackievirus B e echovirus.
principalmente em bebês e crianças pequenas. Outro Encefalites, conjuntivites, pleurodinia, miocardites,
grupo de vírus, os parechovírus, tem algumas carac- pericardites e infecções respiratórias são outras apre-
terísticas biológicas, clínicas e epidemiológicas seme- sentações clínicas relacionadas aos enterovírus.
lhantes aos enterovírus.
As maiores taxas de infecção desses vírus ocor-
rem no verão e no outono. Alguns possuem transmis-
são fecal-oral e respiratória, podendo também disse-
Doença mão-pé-boca
minarem-se por água contaminada, comida e fômites. Doença aguda em crianças, é mais frequentemen-
O contato com fraldas e fezes (papel dos cuidadores) te causada pelo coxsackie A16. O período prodrômico
pode facilitar a transmissão em crianças pequenas, geralmente começa com febre baixa, irritabilidade, mal-
ressaltando-se a higienização das mãos como medida -estar, anorexia, dor na boca e as lesões ocorrem um a
fundamental para controle dessas viroses. três dias após o início da febre comprometendo a boca
A doença causada por cada sorotipo desses vírus e depois a pele, que nem sempre é atingida. Aparecem
varia consideravelmente, podendo causar doenças em lesões vesiculares na boca que rapidamente erodem,
transformando-se em úlceras dolorosas de tamanho
surtos. Muitas das infecções causas pelos enterovírus
variável. As lesões na mucosa oral são constituídas
não-polio são assintomáticas e passam desapercebi-
por pequenas úlceras. As lesões nas extremidades são
das. A doença febril não específica a manifestação mais
constituídas por pequenas papulovesículas e acometem
comum dessas infecções virais. Algumas síndromes principalmente dedos, dorso e palma das mãos e plan-
clínicas, como meningite viral e alguns exantemas são tas dos pés. Perduram cerca de uma semana e depois de-
causados por muitos sorotipos de enterovírus; outras, saparecem. Lesões perianais e nas nádegas também são
como miocardites, são causadas por sorotipos mais observadas em lactentes e se mantêm como máculas,
especificamente por um determinado sorotipo (coxsa- raramente evoluindo para vesículas. As lesões desapa-
ckievirus B). recem sem deixar cicatrizes (duração do quadro de dois
Coxsackievirus, echovirus e parechovirus cau- a três dias). A doença mão-pé-boca é moderadamente
sam uma variedade de exantemas por vezes associa- contagiosa e os vírus persistem sendo eliminados nas
dos à enantemas. Com exceção da doença mão-pé-bo- fezes após a melhora clínica do paciente (importância
ca, esses quadros eruptivos não são suficientemente epidemiológica na disseminação). A herpangina e a do-
ença mão-pé-boca ocorrem frequentemente no verão.
distintos em sua apresentação, dessa forma, não per-
mitindo o diagnóstico etiológico. Os exantemas po-
dem ser virtualmente de qualquer tipo descrito, desde
o clássico maculopapular, até vesicular, morbiliforme,
petequial ou mesmo urticariforme. Essa diversidade
das manifestações exantemáticas faz com que as en-
Mononucleose infecciosa
teroviroses sejam incluídas no diagnóstico diferencial Hoje entendida como uma síndrome tem o vírus
de praticamente todas as outras enfermidades que Epstein-Barr (EBV) relacionado a 80% dos casos. A
cursam com exantema. ocorrência de erupção cutânea não excede 10% a 15%
O início da infecção costuma ser abrupto e sem dos casos, exceto quando se administra ampicilina (ou
pródromos. Nas crianças pequenas o achado inicial é outros antibiótiocos) ao paciente, quando o exantema
de febre e mal-estar; cefaleia e mialgia podem advir se torna bastante comum.

SJT Residência Médica – 2016


144
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

As infecções primárias ocorrem, na maior


parte das vezes, em fase precoce da infância e usu- Varicela e Herpes-Zoster
almente são assintomáticas, podendo estar asso-
O vírus varicela-zoster (VVZ), que participa da
ciadas com sintomas comuns a inúmeros outros
família Herpesviridae, é o responsável pelos quadros
processos infecciosos virais. Observam-se, assim,
de varicela (infecção primária) e herpes-zoster (reati-
episódios leves de infecção respiratória alta (farin-
vação endógena de infecção latente).
gites, amigdalites), rash cutâneo, linfadenopatia e
hepatoesplenomegalia. A infecção por esse vírus A varicela é uma doença cosmopolita e a gran-
pode expressar-se por apresentações crônicas, com de maioria dos indivíduos (90%-95%) adquire o
VVZ na infância quando há predominância da do-
possibilidade de associação com linfomas (Burkitt),
ença (em indivíduos não vacinados). É rara em lac-
de carcinoma (nasofaringe) e doenças linfoprolife-
tentes de menos de três meses de idade, sugerindo
rativas em imunossuprimidos. Atinge todas as fai-
algum grau de proteção pela passagem placentária
xas etárias, sendo que em países mais desenvolvi-
de anticorpos maternos.
dos o grupo mais acometido é o de adolescentes. Na
idade adulta, 50% a 90% das pessoas apresentam Ocorre mais no final do inverno e início da pri-
sorologia positiva para este vírus. mavera. O herpes-zoster não apresenta nenhuma va-
riação sazonal porque decorre da reativação do vírus
No quadro clássico, após um período prodrômico latente. As taxas de transmissão domiciliar são de
(dois a cinco dias) em que há mal-estar acompanha- 80% a 90% (é altamente contagiosa); um contato mais
do ou não de febre, aparecem os sinais e sintomas da casual, como a exposição numa sala de aula escolar,
enfermidade, variáveis, porém mais leves em crianças está associado a taxas de 30% ou menos. A varicela é
de pouca idade. Observa-se dor de garganta em 80% contagiosa desde 24 a 48 horas antes do aparecimen-
a 85% dos casos, com enfartamento ganglionar e fe- to do exantema até que todas as vesículas encrosta-
bre. Pode-se evidenciar desde eritema leve de faringe das estejam presentes (três a sete dias). A transmissão
até tonsilite grave, com exsudato branco-acinzentado. ocorre em hospedeiros suscetíveis através do contato
Pode ocorrer enantema em palato (50% dos casos) com gotículas de aerossol de secreções nasofaríngeas
com petéquias. A adenopatia envolve principalmente de um indivíduo infectado ou pelo contato cutâneo di-
os linfonodos cervicais anteriores e posteriores, mas reto com o líquido das vesículas de lesões de pele.
pode acometer qualquer cadeia ganglionar. Sua in- O período de incubação médio da varicela é de 15
volução é lenta, podendo levar semanas. Observa-se dias, embora o intervalo pode variar de 10 a 21 dias.
esplenomegalia em até 50% dos casos, hepatomegalia O herpes zoster resulta da reativação de uma in-
(30% a 50%) e edema periorbitário em até um terço fecção latente pelo VVZ. O paciente portador de her-
dos pacientes acometidos (sinal de Hoagland). A febre pes zoster é contaminante, podendo determinar casos
é mais frequente em adolescentes, podendo ser bas- de varicela em pacientes suscetíveis; entretanto, a con-
tante elevada, persistindo por uma a duas semanas. tagiosidade do zoster é bem menor que a da varicela,
Acompanha-se de mal-estar generalizado e fraqueza. possivelmente porque a transmissão do VVZ nesses
Em crianças, estas queixas são pouco comuns e a febre casos ocorre quase exclusivamente por contato direto
tende a ser de curta duração, com picos mais baixos. com vesículas infectadas. A doença pode aparecer em
O tipo de exantema é variável, sendo na maioria das qualquer idade, mas a máxima incidência é em pacien-
vezes maculopapular, com predomínio nas raízes dos tes de mais de 50 anos, sendo bastante rara antes dos
membros, mas podendo ser petequial, papulovesicul dez anos de idade, exceto naquelas crianças que rece-
ou urticariforme. O exantema pode se manifestar beram terapia imunossupressora, as que têm infecção
em 70% a 100% dos casos quando inadvertidamente pelo vírus da imunodeficiência humana e as que foram
infectadas in utero ou durante o primeiro ano de vida.
se utiliza ampicilina ou amoxicilina. No hemograma
Ao contrário do que ocorre com os adultos, quando o
pode haver leucocitose com linfocitose e a clássica ma-
zoster ocorre em crianças, frequentemente não existe
nifestação da atipia linfocitária (mais de 10% de linfó-
história anterior de varicela, acreditando-se que nes-
citos atípicos ou, em número absoluto, mais de 1.000/ ses casos tenha ocorrido infecção pelo VVZ, seja no
mm3). O diagnóstico consiste em testes sorológicos útero ou nos primeiros meses de vida, sendo o quadro
específicos para o EBV. clínico clássico da varicela mascarado pela presença de
Deve-se lembrar que, existem outras condições anticorpos maternos.
relacionadas ao diagnóstico diferencial da síndrome Frequentemente, o exantema é a primeira mani-
da mononucleose infecciosa (síndrome mono-like): ci- festação da varicela, mas pode haver um curto período
tomegalovirose, infecção pelo Toxoplasma gondii, he- prodrômico, geralmente de menos de 24 horas de du-
patites virais A e B (formas anictéricas), adenoviroses, ração, constituído de febre baixa, anorexia, cefaleia e
rubéola e a infecção aguda pelo HIV. discreto mal-estar.

SJT Residência Médica – 2016


145
11 Doenças exantemáticas

As lesões cutâneas difusas surgem quando a in- A varicela primária em crianças é geralmente
fecção entra numa fase virêmica. A erupção cutânea uma doença leve em comparação com formas mais
da varicela é muito característica, tanto em seu aspec- graves em adultos e pacientes imunocomprometidos
to como na rapidez de sua progressão. As lesões são de qualquer idade.
inicialmente máculas, intensamente pruriginosas que
Após a cura da varicela há remissão total do qua-
envoluem para pápulas, vesículas e finalmente há a
dro e o vírus permanece em estado latente nas células
formação de crostas. A passagem do estágio da mácula
dos gânglios das raízes dorsais em todos os indivídu-
para o início da formação de crostas é muito rápida. As
os que contraem a infecção primária. Sua reativação
vesículas têm um aspecto comparado classicamente à
resulta no quadro de herpes-zoster, um exantema
gota de orvalho (exantema em gota de orvalho sobre
uma pétala de rosa!). São localizadas superficialmente vesiculoso e localizado que costuma envolver a distri-
na pele, são circundadas por um halo eritematoso e buição do dermátomo de um único nervo sensitivo.
têm paredes finas, facilmente rompidas. Iniciam-se no Geralmente, a causa da reativação da infecção não é
couro cabeludo, face ou tronco. A turvação e a umbi- conhecida. Outras vezes, porém, estão presentes con-
licação da lesão ocorrem em 24-48 horas, evoluindo dições que deprimem a imunidade celular: linfomas,
para a formação de crostas. O processo de formação da leucemias e o uso de drogas imunossupressoras. As
crosta inicia-se no centro da vesícula, o que lhe confe- lesões cutâneas do zoster aparecem após um período
re uma discreta depressão central e, portanto, nessa de quatro a cinco dias de dor ao longo do dermátomo
fase uma aparência umbilicada. acometido, hiperestesias, prurido e febre baixa. Em
adultos, principalmente em idosos, a dor é frequen-
As crostas costumam se resolver em sete dias,
mas podem persistir por até três semanas, particular- te, pode ser extremamente violenta e é acompanhada
mente se houver contaminação bacteriana secundária de grande comprometimento do estado geral, mas em
da lesão. crianças a dor é geralmente discreta. A resolução com-
pleta ocorre em uma a duas semanas. O aspecto mais
As lesões aparecem em surtos, durante três a característico da erupção cutânea é a sua distribuição:
cinco dias, e acometem, predominantemente, o tron- é quase sempre unilateral; em crianças, os dermáto-
co (distribuição centrípeta), seguindo-se o pescoço, a
mos mais frequentemente atingidos são os correspon-
face e os segmentos proximais dos membros, poupan-
dentes aos nervos do segundo dorsal ao segundo lom-
do a palma das mãos e a planta dos pés. Há também
bar. O acometimento do quinto par craniano é comum
vesículas nas mucosas, especialmente a bucal, mas aí
em adultos, mas bastante raro em crianças. Por isso,
elas rapidamente se rompem, dando origem a úlceras
uma das formas mais temidas do zoster, o oftálmi-
rasas, indistinguíveis das encontradas em uma esto-
matite herpética. Lesões ulcerativas em orofaringe, co, com eventual conjuntivite, queratite e iridociclite
mucosa nasal e vagina são comuns e podem ocorrer é pouco conhecida na infância. Também o zoster dos
também lesões em pálpebras e conjuntiva. nervos facial e auditivo (síndrome de Ramsay-Hunt)
com paralisia facial e sintomas auditivos é muito raro
O surgimento das lesões em surtos sucessivos no grupo etário pediátrico.
justifica uma das mais importantes características do
exantema da varicela: o polimorfismo regional, isto é, a A varicela normalmente apresenta característica
presença em uma mesma área de lesões em todos os es- de benignidade ao acometer crianças eutróficas e sa-
tágios de desenvolvimento: máculas, pápulas, vesículas dias, mas, em certos grupos de alto risco, pode apre-
e crostas estão presentes próximas umas das outras. A sentar grande letalidade. A disseminação visceral do
intensidade do exantema é muito variável: pode haver vírus sucede a incapacidade das respostas do hospe-
apenas algumas poucas lesões, surgidas de um único sur- deiro de eliminar a viremia, o que acarreta infecção
to, ou o corpo todo pode cobrir-se de inúmeras lesões, nos pulmões, fígado, cérebro e outros órgãos. As com-
que surgem em cinco ou seis surtos, no decurso de uma plicações mais comuns, com suas frequências diminuí-
semana. O número médio de lesões da varicela é 300, das após a introdução da vacina, são as superinfecções
porém crianças sadias podem ter menos de dez a mais bacterianas, particularmente na pele e nos pulmões.
de mil. Nos casos domiciliares secundários e em crianças A infecção de pele é a complicação mais frequente nos
maiores, maior duração e maior quantidade de lesões são quadros de varicela em crianças. A varicela está asso-
prováveis. A hipopigmentação dos locais das lesões per- ciada a um aumento de incidência de infecção pelo es-
siste por dias ou semanas em algumas crianças. treptococo beta hemolítico do grupo A (Streptococcus
A febre em geral é baixa ou inexistente e sua in- pyogenes); as complicações infecciosas incluem celuli-
tensidade acompanha a da erupção cutânea, sendo tes, miosites, fasciite necrotizante e síndrome do cho-
tanto mais alta quanto mais extenso for o exantema. que tóxico. As complicações neurológicas (encefalites
Quando presente, e acompanhada de outros sintomas e, mais no passado, Síndrome de Reye) são as mais
sistêmicos, persiste durante os primeiros dois a qua- graves alterações relacionadas à infecção pelo VVZ,
tro dias após início da erupção cutânea. embora hoje sejam raramente observadas.

SJT Residência Médica – 2016


146
Pediatria geral, emergências pediátricas e neonatologia

A encefalite responde por cerca de 20% das in- Na grande maioria dos casos de varicela e zoster, em
ternações por complicações de varicela. Duas distin- crianças, o tratamento é sintomático. O prurido, frequen-
tas formas de encefalite são descritas: ataxia cerebelar temente presente nas lesões de varicela, pode ser aliviado
aguda e encefalite difusa. Essas situações tipicamente com o uso de calamina tópica e, nos casos de maior inten-
se desenvolvem após a primeira semana de exantema. sidade, com o uso de anti-histamínicos por via oral. Aten-
Ataxia cerebelar aguda apresenta-se com perturbações ção especial deve ser dedicada para evitar-se a infecção
da marcha, ataxia e nistagmo e ocorre mais comumen- bacteriana secundária das lesões. Mantêm-se as unhas da
te em crianças (1:4000). É auto-limitada e evolui com criança curtas e limpas, evitando-se a coçadura contínua.
recuperação total. A recuperação clínica é tipicamente O tratamento sintomático da febre pode ser realizado com
rápida (24-72 h) e costuma ser completa. A encefalite paracetamol ou dipirona. O uso de antibióticos será neces-
difusa na maioria das vezes ocorre em adultos, que po- sário somente naqueles casos de impetigos secundários.
dem evoluir com sequelas. O aciclovir é um antiviral que inibe a replicação
A Síndrome de Reye pode se desenvolver durante dos herpesvírus humanos e se constitui uma terapêu-
o curso da infecção de varicela em crianças. Geralmen- tica efetiva e bem tolerada para a varicela primária em
te apresenta-se com uma constelação de sintomas, in- indivíduos saudáveis e imunocomprometidos. O VVZ
cluindo náusea, vômito, dor de cabeça, hiperexcitabili- é menos suscetível ao aciclovir quando comparado ao
dade, delírio com evolução frequente ao coma. Como o vírus herpes simples (HSV). A decisão de usar ou não
uso de salicilato foi identificado como um importante o aciclovir no tratamento da varicela dependerá do
fator precipitante para o desenvolvimento da síndro- tempo de apresentação do quadro, das características
me de Reye, essa complicação virtualmente desapare- do hospedeiro e da presença de outras comorbidades.
A orientação mais atual é de não tratar rotineiramente
ceu, concomitante com o alerta contra o uso de salici-
com aciclovir crianças saudáveis; o antiviral deve ser
latos em crianças febris. Pode haver uma hepatite na
utilizado em grupos de maior risco para doença mode-
varicela, geralmente subclínica.
rada ou grave, que são crianças maiores de 12 anos de
A varicela, em pelo menos duas situações, as- idade, pacientes com doenças cutâneas e cardiopulmo-
sume grande importância: quando acomete crianças nares crônicas, imunossuprimidos e imunodeprimidos
internadas, pois nesses casos disseminam-se com e pacientes que fazem uso crônico de salicilatos. Nos
grande rapidez pelas enfermarias (risco de microepi- pacientes imunossuprimidos e com quadros graves de
demias), e nos pacientes imunodeprimidos. As ma- varicela, inclusive encefalite, realiza-se tratamento
nifestações clínicas no hospedeiro imunodeprimido parenteral com aciclovir. A profilaxia com imunoglo-
pode incluir o desenvolvimento contínuo de vesículas bulina antivaricela-zoster (VZIG) é recomendada às
ao longo de semanas, lesões grandes e hemorrágicas crianças imunocomprometidas, mulheres grávidas e
na pele, pneumonia ou doença generalizada com coa- RN expostos à varicela materna, fornecida até 96 ho-
gulação intravascular disseminada. ras ou, preferencialmente, 48 horas após a exposição.

SJT Residência Médica – 2016

Anda mungkin juga menyukai