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Doenças exantemáticas
� bolhas: lesões de conteúdo líquido com mais de ca, histórico de viagens, estação do ano, apresentação
5 mm de diâmetro; do período prodrômico e presença de sinais patogno-
� pústulas: lesões de conteúdo purulento, inde- mônicos. Também é importante conhecer os períodos
pendentemente do tamanho; de incubação e de transmissão das principais doenças
exantemáticas infecciosas.
Na prática clínica é comum a associação de le-
sões maculopapulosas, vesicobolhosas, vesicopapu- Num segundo passo, é importante avaliar o
lobolhosas, etc. Os exantemas podem ser eritema- exantema, suas características, distribuição, tempo de
tosos - róseos ou avermelhados e que desaparecem início e duração. De acordo com suas características,
à vitro/digitopressão - e purpúricos, quando há ex- os exantemas devem ser classificados em maculopa-
travasamento de sangue no vaso (não desaparece à pulares (os mais frequentes na prática clínica), pa-
vitro/digitopressão). As lesões desse último tipo de pulovesiculares e petequiais ou purpúricos. Cada um
exantema podem ser pequenas (petéquias) ou maio- desses tipos direciona para diferentes possibilidades
res (equimoses). A crosta é o ressecamento da secre- diagnósticas. Os exantemas maculopapulares, por sua
ção serosa, purulenta, sanguínea ou mista. A escoria- vez, são classificados em:
ção é uma lesão epidérmica decorrente dos arranhões � morbiliformes: pequenas maculopápulas aver-
ou do ato de se coçar; denuncia, portanto, o caráter
melhadas com preservação de áreas de pele sã
pruriginoso do exantema.
entremeadas pelas lesões (é o exantema típico
do sarampo)
� rubeoliforme: semelhante ao morbiliforme, po-
Abordagem da criança rém róseo, com lesões menores e menos pápu-
las (exantema típico da rubeola, por exemplo.)
com exantema � escarlatiniforme: eritema difuso, puntiforme,
vermelho vivo, sem áreas de pele são entremea-
À primeira vista, as doenças exantemáticas agu- das (exantema típico da escarlatina)
das são muito parecidas, o que dificulta o diagnóstico � urticariforme: erupção papuloeritematosa de
diferencial. Numa primeira etapa é importante va- contornos irregulares, com placas mais percep-
lorizar os dados característicos, como por exemplo,
tíveis, róseas ou avermelhadas
a idade do paciente, seu estado nutricional (quadros
são mais graves ou atípicos em pacientes desnutri- Na tabela 11.1, apresenta-se, de forma resumi-
dos), antecedentes de imunizações e de doenças exan- da as principais doenças exantemáticas na infância,
temáticas prévias, dados epidemiológicos positivos classificadas de acordo com o tipo de apresentação do
para doenças infectocontagiosas, evolução da curva exantema, separados por causas virais (bastante co-
térmica, uso de medicamentos, localização geográfi- muns) e outros agentes.
Tabela 11.1 Principais doenças exantemáticas na infância, segundo etiologia viral e outras
Os dois maiores grupos de exantemas (maculo- contaminação de um indivíduo suscetível parece fa-
papulares e papulovesiculares), em pediatria, abran- zer-se quase exclusivamente através do contato direto
gem as doenças exantemáticas; entretanto, esses dois com pessoas doentes. A contagiosidade começa dois
tipos de erupção são encontrados em muitas outras dias antes do início do período prodrômico, alcança o
doenças além das infecciosas exantemáticas agudas. máximo durante a fase catarral e estende-se até qua-
Dentre os exantemas maculopapulares, encontram- tro dias após o aparecimento do exantema, diminuin-
-se os das cinco febres eruptivas clássicas: sarampo do de tal maneira que, após seis dias do seu início, o
(primeira moléstia), escarlatina (segunda moléstia), paciente não é mais contagioso. A disseminação má-
rubéola (terceira moléstia), eritema infeccioso (quinta xima do vírus dá-se por aspersão de gotículas durante
moléstia) e exantema súbito - roseola infantum (sexta o estágio catarral, havendo necessidade de isolamento
moléstia). A doença de Filatow, que seria a “quarta molés- respiratório do indivíduo infectado nesse período. O
tia”, hoje não é mais considerada uma entidade clínica (es- sarampo é muito contagioso, salientando-se que a in-
carlatina atípica). Entretanto, com o progresso dos conhe- trodução de um caso da doença no ambiente familiar
cimentos e, principalmente, das técnicas laboratoriais de faz com que cerca de 90% dos contatos familiares sus-
isolamento etiológico, muitas doenças tiveram seu agente cetíveis se contaminem. Raramente é subclínico.
conhecido e, atualmente, sabe-se que todas as doenças O sarampo é doença de notificação imediata e
que evoluem com vasculite, sejam infecciosas ou não, po- obrigatória; ou seja, diante de um caso suspeito, este
dem, em algum momento, apresentar erupção cutânea. deve ser notificado pelos profissionais que tiveram o
primeiro contato com o paciente.
A infecção pelo vírus do sarampo pode causar
uma variedade de síndromes clínicas, que incluem o
Sarampo sarampo clássico em pacientes imunocompetentes,
o sarampo modificado em pacientes com anticor-
O sarampo é uma doença viral exantemática pos pré-existentes, mas com incompleta proteção, as
aguda, altamente contagiosa, e que está em vias de síndromes neurológicas após a infecção do sarampo,
erradicação em nosso meio em virtude das estraté- incluindo a encefalomielite aguda disseminada e a pa-
gias de imunização, embora, até recentemente, ainda nencefalite subaguda esclerosante (PES) e sarampo
provoque alguns surtos. Assim, alguns países do mun- grave, em imunocomprometidos.
do ainda sofrem com esse problema e, em virtude de As manifestações clínicas do sarampo são, de
deslocamentos de uma sociedade globalizada, atenção modo geral, suficientemente características para per-
constante deve ser dada ao risco de propagação e rein- mitir o diagnóstico da doença sem o auxílio de qualquer
serção da doença. exame laboratorial. O período de incubação (entre con-
É causado por um vírus da família Paramyxoviri- tágio e primeiras manifestações clínicas) inicia-se após
dae (gênero Morbillivirus). a entrada do vírus pela mucosa respiratória ou conjun-
tiva e é de cerca de 10 dias. A disseminação do vírus do
Os anticorpos contra o sarampo, do tipo IgG,
sarampo nesse período, devido à viremia, com infecção
atravessam facilmente a barreira placentária. Os lac-
associada do endotélio, epitélio respiratório, monócitos
tentes adquirem imunidade por via transplacentária
e macrófagos, pode explicar a variedade de manifesta-
das mães que tiveram ou receberam imunização con-
ções clínicas e as complicações que podem ocorrer. Uma
tra o sarampo e as crianças nascem com título satis-
segunda viremia ocorre alguns dias após a primeira,
fatório de anticorpos e, portanto, protegidas. Essa
que coincide com o aparecimento de sintomas indicati-
proteção passiva vai desaparecendo à medida que os
vos do início da fase prodrômica.
anticorpos de origem materna vão sendo cataboliza-
dos. Essa imunidade é completa pelos primeiros 4 a 6 O período prodrômico, que dura cerca de três a
meses de vida e desaparece numa velocidade variável. quatro dias, caracteriza-se por febre, geralmente ele-
Assim, enquanto o sarampo é excepcional antes dos vada (muitas vezes excedendo 39ºC ou mesmo 40ºC),
seis meses de idade, por volta de um ano quase todas alcançando o máximo na época do aparecimento do
as crianças já são suscetíveis à doença. A imunidade exantema, para desaparecer, habitualmente em lise,
induzida é de longa duração, provavelmente persistin- dois ou três dias depois. Nessa fase, sintomas gerais
do por toda a vida. aparecem com grande frequência e variável intensi-
dade: anorexia, cefaleia, dores abdominais, vômitos,
A transmissão ocorre por via aérea, por meio de
diarreia, artralgias e mialgias, que associados a pros-
secreção ocular e das vias respiratórias do doente, por
tração e mesmo sonolência, que por vezes coexistem,
contato direto, pelas gotículas de Pflügge (gotículas
dão a impressão de doença grave. Sintomas oculares
de saliva que são expelidas durante a conversação) e
estão presentes. A conjuntivite traduz-se por fotofo-
por dispersão de gotículas com partículas virais no ar,
bia, edema palpebral, secreção ocular, congestão e la-
principalmente em ambientes fechados como creches, crimejamento. Todos esses sintomas geralmente são
escolas e meios de transporte (incluindo aviões). A
associados a sintomas catarrais altos: coriza e espirros. hiperemiados, queixando-se de desconforto na cla-
A coriza é abundante, inicialmente mucosa e torna-se ridade, intensa rinorreia e tosse implacável. Para os
mucopurulenta, às vezes com laivos de sangue, irri- não familiarizados, a aparência é de doença grave
tando o nariz e o lábio superior. Atinge o máximo de (semelhante à toxemia de uma doença bacteriana).
intensidade ao tempo do aparecimento da erupção e Ressalta-se, nesta fase, o aparecimento da pneumo-
desaparece rapidamente após a defervescência. A tos- nite intersticial que cursa com pequenos focos de
se nunca falta. É inicialmente seca, intensa, contínua e condensação no interstício e nos alvéolos. Geralmen-
incomoda o paciente. Como as demais manifestações te tem evolução benigna e é provavelmente causada
do período prodrômico, atinge máxima intensidade à pelo vírus do sarampo.
época do aparecimento do exantema, mas, ao contrá- O exantema começa a esmaecer em torno do ter-
rio dessas, não desaparece quando surge erupção, po- ceiro ou quarto dia, na mesma sequência em que sur-
dendo persistir por até quase duas semanas. giu, com o aparecimento de descamação furfurácea e
Embora a coriza, a tosse e a conjuntivite muitas uma leve pigmentação acastanhada.
vezes confiram ao paciente um aspecto facial muito O quadro clínico, em geral, dura de uma a duas
sugestivo de acometimento pelo vírus do sarampo (fa- semanas. Desaparece rapidamente a febre, os sinto-
cies sarampenta), são as manchas de Koplik, o enan- mas oculares e catarrais altos e lentamente a tosse
tema que precede à erupção da pele, que confirma o e os sintomas brônquicos. A tosse pode persistir até
diagnóstico. O enantema é a primeira manifestação 1 ou 2 semanas após a infecção do sarampo. Febre
mucocutânea a aparecer e é característico. Em 50% a persistente além do terceiro ou quarto dia de erupção
80% dos casos, 2 a 3 dias depois do período prodrô- sugere complicação.
mico (catarral) aparece o característico sinal de Ko-
O diagnóstico, em geral, baseia-se no quadro clí-
plik (patognomônico do sarampo): há hiperemia da
nico; raramente há necessidade de confirmação labo-
orofaringe (com um salpicado vermelho na região de
ratorial. Elevação dos títulos de anticorpos é detectada
palato) e na região oposta aos dentes molares surgem
entre os soros das fases aguda e convalescente (aumen-
manchas branco-azuladas ou acinzentadas, pequenas,
to de pelo menos quatro vezes o título de IgG) ou, na
de cerca de 1 mm de diâmetro, com discreto halo eri-
presença de anticorpos da classe IgM, na fase aguda.
tematoso ao redor. Começam em pequeno número,
por vezes duas ou três apenas, só podendo ser, nes- Embora antigamente conhecida como uma do-
sa ocasião, visualizadas com uma boa iluminação da ença da infância, o sarampo não deve ser considerado
mucosa bucal. Entretanto, rapidamente aumentam uma moléstia banal. O número de complicações é gran-
de número a tal ponto que quando do aparecimento de e as principais são: otite média, pneumonia e en-
do exantema, podem ocupar toda a mucosa da boca e cefalite. A infecção pelo sarampo pode causar imunos-
mesmo parte dos lábios. Nessa ocasião, o aspecto da supressão transitória, com diminuição de resposta das
mucosa lembra grãos de açúcar (ou sal) espalhados so- células T. A anergia pode estar presente desde antes do
bre um fundo intensamente avermelhado. Aparecem aparecimento do exantema até vária semanas após. As
e desaparecem rapidamente, em geral, entre 12 e 18 complicações pelo sarampo são mais comuns nos paí-
horas (podem durar até 72 horas). O aparecimento do ses em desenvolvimento, onde descreve-se letalidade
exantema marca também o início do desaparecimento de 4 a 10%. A maioria das mortes se deve às compli-
das manchas de Koplik, e, por volta do terceiro dia a cações respiratórias ou encefalite. Os grupos de risco
mucosa tem aspecto normal. para complicações incluem os pacientes imunodepri-
O exantema inicia-se com tênues máculas atrás midos, desnutridos, indivíduos com deficiência de vi-
do pavilhão auricular, na região da mastoide, pró- tamina A e nos extremos de idade. Sendo o sarampo
ximo à raiz do couro cabeludo. Dissemina-se rapi- uma infecção disseminada, complicações em vários sí-
damente, em cerca de 24 horas, em sentido caudal tios orgânicos podem ocorrer. Quando há persistência
e centrífugo, para face, pescoço, tronco, braços e da febre após o 3º dia de exantema, deve-se suspeitar
atinge as extremidades inferiores por volta do ter- de complicação. Cabe ressaltar a gravidade do sarampo
ceiro dia. O exantema é maculopapular, eritematoso em crianças desnutridas. O mecanismo imunitário pri-
e morbiliforme, com maculopápulas avermelhadas, mordialmente envolvido no sarampo é o do tipo celular
isoladas umas das outras e circundadas por pele não (comprometido também no desnutrido). A incidência
comprometida. Como regra, as lesões podem confluir de complicações bacterianas é bem mais alta nesses
em algumas regiões e desaparecem à digitopressão. casos e a mortalidade se eleva. Crianças desnutridas
As áreas inicialmente atingidas (face e pescoço) são que até serem acometidas pelo sarampo mantinham-
as que revelam exantema de maior intensidade. Aí -se equilibradas podem apresentar piora do quadro
as lesões podem ser confluentes, formando exten- nutricional, em razão da diarreia, hipercatabolismo e
sas placas avermelhadas. As palmas das mãos e as hiporexia, levando ao aparecimento do edema e das
plantas dos pés são raramente envolvidas. O prurido carências alimentares latentes, entre a quais a hipovi-
é leve. Na fase do exantema a doença atinge o seu taminose A. O tratamento com vitamina A oral reduz
auge os sintomas catarrais se intensificam, ficando a morbidade e a mortalidade em crianças com sarampo
o paciente toxemiado, prostrado, febril, com olhos grave nos países em desenvolvimento.
As infecções respiratórias ocorrem com mais fre- o sarampo, mas mantém-se e recentemente ocorreram.
quência em pacientes com menos de 5 anos. O envol- Seu início caracteriza-se por deteriorização insidiosa
vimento pulmonar da infecção do sarampo pode con- e progressiva do comportamento, comprometimen-
sistir em broncopneumonia, laringotraqueobronquite to cognitivo e mudanças de personalidade (semanas a
ou bronquiolite. A otite média pode ocorrer. Deve-se anos). Evolui-se para torpor, marcha irregular, quedas
lembrar que a pneumonia pode ser devida ao próprio e crises mioclônicas. O diagnóstico é estabelecido pela
vírus do sarampo (pneumonia intersticial), porém a evolução clínica típica e detecção de anticorpos para
mais frequentemente identificada é a broncopneumo- sarampo no líquor. O EEG apresenta picos paroxísticos
nia pelo vírus e/ou associada a bactérias (S. aureus, regulares e diminuição da atividade geral. No soro, há
pneumococos e hemófilos). títulos altos de anticorpos do sarampo. A morte costu-
ma ocorrer no prazo de um a dois anos após o início dos
A encefalite aguda é uma complicação relativa-
sintomas. O curso implacável e fatal desta complicação
mente rara, mas grave. A incidência de encefalomielite
ressalta a importância da vacinação contra o sarampo,
é estimada em 1-2/1.000 casos notificados. Não há cor-
não só para a prevenção do sarampo, mas também para
relação entre intensidade do sarampo e a intensidade
a prevenção de sequelas neurológicas graves do que
do envolvimento neurológico ou a gravidade do pro-
pode acontecer.
cesso e o prognóstico final. Embora possa manifestar-
-se no período pré-eruptivo, comumente inicia-se dois As manifestações oculares do sarampo podem
a cinco dias após o aparecimento do exantema. A pre- incluir a ceratoconjuntivite e úlcera de córnea, consti-
sença de febre, vômito, cefaleia, sonolência alternando tuindo-se em importante causa de cegueira.
com irritabilidade, convulsões, coma ou alterações da Outro perigo em potencial é a exacerbação de tu-
personalidade determina a suspeita do acometimento berculose preexistente, em razão da anergia provocada
neurológico. Ela está associada a uma pleocitose liquó- pelo sarampo. A persistência do quadro pneumônico
rica (predomínio linfocitário), aumento dos níveis de após o adequado tratamento com antibióticos justifica
proteína e normalidade da glicorraquia. A maioria das a pesquisa da etiologia tuberculosa. Lembrar que o tes-
crianças se recuperam bem, cerca de 25% tem sequelas te tuberculínico, nesses casos, geralmente é negativo.
no desenvolvimento neurológico (atraso mental, con- O tratamento do sarampo sem complicações é
vulsões recorrentes, distúrbios de comportamento) e puramente sintomático e de sustentação. Baseia-se
cerca de 15% podem ter uma rapidamente progressiva basicamente em repouso relativo, antitérmicos para
e fatal. Em crianças menores de um ano e em desnutri- febre alta e mal-estar, higiene dos olhos, umidificação
das é causa não desprezível de óbito. Em adolescentes e das secreções das vias aéreas superiores (vaporização,
adultos a gravidade pode ser maior. inalação com soro fisiológico) e administração de vita-
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é mina A – 200.000 UI (menor de 1 ano: 100.000 UI), o
uma doença desmielinizante que se apresenta durante mais precoce possível, que reduz complicações e mor-
a fase de recuperação da infecção pelo sarampo, geral- talidade. É recomendada pela Organização Mundial de
mente dentro de duas semanas do exantema. Acredi- Saúde para todas as crianças com sarampo em países
ta-se que seja mais uma resposta de autoimunidade em desenvolvimento. É administrada uma vez ao dia
pós-infecciosa do que a atividade do vírus do sarampo por dois dias.
no sistema nervoso central. As principais manifesta-
ções incluem febre, cefaleia, rigidez nucal, convulsões
e alterações do estado mental (confusão e sonolência).
Outros achados podem incluir ataxia, mioclonia e si-
nais de mielite, com paraplegia, tetraplegia e altera- Escarlatina
ções de sensibilidade. A EMAD está associada a uma
A escarlatina é uma doença exantemática clássica,
mortalidade de 10 a 20%.
causada pela produção da exotoxina eritrogênica pelo
A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é Streptococcus pyogenes, ou beta-hemolítico do grupo
uma doença degenerativa fatal e progressiva do sistema A de Lancefield. A faringite causada pelo estereptoco-
nervoso central que ocorre de sete a dez anos após a in- co é uma infecção comum em Pediatria. Trata-se de
fecção natural pelo sarampo. É uma complicação rara e uma doença, em tese autolimitada, com melhora dos
tardia do sarampo, cuja patogênese não é bem compre- sintomas em dois a cinco dias. Entretanto, a antibioti-
endida. É uma infecção do SNC lentamente progressiva coterapia reduz a severidade e duração dos sintomas,
(diferentemente da encefalolomielite aguda dissemina- previne a disseminação do agente e diminui o risco de
da), causada pelo vírus (ou uma variante genética) que complicações causadas pela bactéria. Deve-se lembrar
progride lentamente no interior do sistema nervoso que existem uma série de complicações supurativas e
central. Cerca de metade dos pacientes com PEES tive- não supurativas da faringotonsilite pelo Streptococcus
ram sarampo antes de dois anos de idade. O número de pyogenes, resumidas na Tabela 11.2. A escarlatina é
casos caiu abruptamente com a cobertura vacinal para considerada uma das complicações não supurativas.
Febre reumática
Escarlatina
Síndrome do choque tóxico estreptocócico
Glomerulonefrite pós-estreptocócica
Desordem neuropsiquiátrica pediátrica autoimune associada com o estreptococo A (PANDAS – Pediatric autoimune
neuropsychiatric disorder associated with group A streptococci)
Celulites e abscessos tonsilofaríngeos
Fasciite necrotizante
Bacteremia e sepse
Para que ocorra escarlatina é preciso que o in- mente, poupadas. A área ao redor da boca também é
divíduo infectado não tenha imunidade antibacteria- poupada (palidez perioral) sinal conhecido como sinal
na contra o estreptococo, nem imunidade antitóxica de Filatov). As dobras profundas podem conter listras
contra a exotoxina eritrogênica (essa imunidade é lineares, às vezes de característica petequial, que não
tipo-específica, pois existem alguns tipos de toxina). empalidecem com a digitopressão (sinal de Pastia – li-
A transmissão se faz por conta do contato próximo nhas vermelhas na fossa antecubital). As áreas mais
com pessoas doentes, através da projeção de gotas de acometidas e onde o rash é mais observado, são a re-
secreção respiratória contendo bactérias. O período gião inguinal, axilar, antecubital, abdome e pontos da
de maior contágio da faringite e escarlatina é durante pele que estão sob pressão e o exantema é maculopa-
o estágio agudo da doença. A terapêutica antibiótica pular, avermelhado, empalidece à digitopressão e não
suprime rapidamente e, se continuada, erradica o es- deixa área de pele sã (escarlatiniforme). O exantema
treptococo do trato respiratório superior, de tal forma alcança sua intensidade máxima por volta do terceiro
que após o segundo ou terceiro dia de tratamento o ao sétimo dia e desaparece lentamente, quatro a cinco
paciente não pode mais ser considerado contagiante. dias depois, quase sempre provocando fina descama-
Além do quadro clássico de faringotonsilite, quan- ção (em farelo ou furfurácea) ou lamelar, especialmen-
do os estreptococos infectantes elaboram toxina eritro- te na margem das unhas, na ponta dos dedos e nas
gênica, para a qual o hospedeiro não produziu anticor- dobras cutâneas profundas, que pode durar até seis
pos específicos, aparecem as manifestações típicas da semanas. O exantema em si, consequente à ação da to-
escarlatina, que é uma erupção eritematosa difusa. xina eritrogênica, é um pontilhado finamente papular
(ou puntiforme) que na maioria das vezes, em alguns
Acomete geralmente crianças entre 3 e 12 anos de pacientes é mais facilmente palpável do que visto, com
idade. O período de incubação varia de um a sete dias, a textura de pele de ganso ou de lixa.
com média de três dias. O início é agudo, com febre
alta, calafrios, cefaleia, vômitos, mal-estar, anorexia e Em geral, a temperatura aumenta abruptamen-
dor de garganta. Dor abdominal pode estar presente. te e se normaliza num prazo de cinco a sete dias no
Um a dois dias após tem início o exantema. Durante o paciente não tratado; comumente, retorna à normali-
desenvolvimento da erupção cutânea, as mucosas po- dade 12 a 24 horas após o início da terapia com peni-
dem também ser acometidas (enantema). As amígdalas cilina. Além das manifestações tóxicas da escarlatina
estão aumentadas de volume, hiperemiadas, com áreas (cefaleia, dor abdominal, vômitos e febre), os efeitos
irregulares de exsudato mucopurulento e a faringe en- sistêmicos da toxina eritrogênica podem comprome-
contra-se hiperemiada. O palato geralmente apresenta ter os rins (causando hematúria), as articulações (ar-
eritema puntiforme e eventualmente algumas peté- trite) ou o coração (miocardite).
quias. A borda livre do palato e a úvula estão hipere- Na escarlatina a porta de entrada mais frequente
miadas e edemaciadas. A língua adquire uma aparência é a faringe. Ocasionalmente, no entanto, a escarlatina
característica, com papilas vermelhas e proeminentes, pode suceder infecções de feridas, queimaduras ou in-
que sobressaem em uma superfície difusamente cober- fecção cutânea estreptocócica. Nessas circunstâncias,
ta por uma camada branca (saburrosa) e que, quatro a pode desenvolver-se a chamada escarlatina cirúrgica,
cinco dias após, quando ocorre a descamação, aparece com as mesmas manifestações clínicas descritas ante-
uma superfície profundamente avermelhada, verme- riormente, mas as tonsilas e a faringe não costumam
lho-rutilante, com as papilas hipertrofiadas e edemato- ser acometidas.
sas (língua morango-vermelho ou framboesa). Pode ha- O diagnóstico da escarlatina é fundamentalmen-
ver também adenopatia cervical anterior e mandibular. te clínico, embora em alguns casos possa ser isolado o
O exantema inicia-se em cabeça e pescoço, ex- estreptococo beta-hemolítico do grupo A da orofarin-
pandindo-se rapidamente para o tronco, até as extre- ge, nasofaringe ou de uma ferida infectada. A eleva-
midades; palma das mãos e planta dos pés são, comu- ção do título de antiestreptolisina O (ASLO) durante a
convalescença é indicativa de infecção estreptocócica. teriores. A rubéola no início da gravidez pode causar
Porém, a erradicação precoce dos estreptococos hemo- anomalias congênitas graves, com comprometimento
líticos por terapêutica antimicrobiana pode suprimir de múltiplos sistemas, amplo espectro de expressão
o desenvolvimento de anticorpos. O hemograma pode clínica e longo período pós-natal de infecção ativa com
mostrar leucocitose, neutrofilia e desvio à esquerda, excreção de vírus. Neste capítulo nos limitaremos a
especialmete nos primeiros dias de infecção. comentar a rubéola adquirida. A rubéola é causada por
É importante lembrar que, a terapêutica da infec- vírus da família Togaviridae.
ção estreptocócica objetiva, além da melhora clínica e O maior número de casos de rubéola ocorria na
redução do tempo dos sintomas, a redução da incidên- primavera e no inverno, sendo relativamente raros os
cia das complicações e diminuição da transmissão do casos de rubéola no verão, fato que tem considerável
agente (erradicação). Melhora clínica é observada em importância, já que infecções por enterovírus, que po-
mais precocemente (48h) em indivíduos tratados com dem originar quadros clínicos muito semelhantes aos
antibióticos. As opções terapêuticas para o tratamen- da rubéola, ocorrem predominantemente nos meses de
to da infecção estreptocócica incluem as penicilinas (e verão. A infecção é transmitida de pessoa a pessoa pela
seus derivados ampicilina e amoxicilina), cefalospori- via respiratória, por meio de gotículas contaminadas.
nas, macrolídeos e clindamicina. Embora o estrepto- O período de incubação varia de 14 a 21 dias. A
coco do grupo A seja sensível a vários antibióticos, a fase prodrômica de sintomas catarrais leves é mais
penicilina continua sendo a droga de primeira escolha curta que a do sarampo e pode ser tão leve que pas-
para tratar pacientes não alérgicos a ela. A penicilina sa despercebida, principalmente nas crianças meno-
benzatina intramuscular garante o tratamento, evita res, mas em adolescentes e adultos o exantema pode
as complicações e erradica o agente. Não há vantagens ser precedido por um ou dois dias de mal-estar, febre
e, sim, potenciais desvantagens no uso de outros anti- baixa, dor de garganta e discreta coriza. O sinal mais
microbianos de amplo espectro. É condição necessária característico é adenopatia retroauricular cervical
para erradicação dos organismos infectantes mante- posterior e occipital dolorosa, presente em quase to-
rem níveis sanguíneos adequados por pelo menos dez dos os casos. A linfadenopatia é generalizada, afeta
dias e essa deve ser a duração do tratamento com peni- principalmente os gânglios suboccipitais, cervicais e
cilina por via oral (a prescrição mais clássica é de amo- retroauriculares, aparecendo desde 5 a 7 dias antes do
xicilina 50mg/kg/dia). Deve-se lembrar que as taxas exantema, podendo persistir até o seu desaparecimen-
de transmissão de um indivíduo infectado para conta- to em uma semana ou mais. Nenhuma outra doença
tos íntimos (família ou escola) é de aproximadamente causa o aumento doloroso desses linfonodos no grau
35%. Portanto, o isolamento nas 24 horas é medida da rubéola.
importante, após o início do tratamento.
O exantema começa na face sob a forma macu-
Pode haver colonização do estreptococo beta lopapular rósea, se espalha rapidamente, atingindo o
hemolítico do grupo A na orofaringe de portadores pescoço, o tronco, os membros superiores e inferiores
assintomáticos. Em climas temperados, durante o in- em menos de 24 horas. As lesões da face começam a
verno e na primavera, até 20% das crianças em idade desaparecer no segundo dia, quando as maculopápu-
escolar podem ser portadores assintomáticos. Os por- las do tronco podem coalescer. Na maioria dos casos, a
tadores tem baixa probabilidade de disseminar a bac- erupção permanece por três dias, justificando o antigo
téria e têm risco muito baixo risco muito baixo para nome dado à doença de sarampo de três dias. O exan-
o desenvolvimento de complicações supurativas ou tema não é pruriginoso e não é seguido de descama-
febre reumática aguda. Portanto, em geral, os porta- ção. A mucosa faríngea e as conjuntivas ficam pouco
dores de estreptococos não necessitam de terapia an- inflamadas; não há fotofobia e a febre é ausente ou
timicrobiana. Assim, diante de um caso de escarlatina, baixa durante o exantema e persiste por poucos dias.
não é necessária a investigação e tratamento de con- Metade dos casos apresenta esplenomegalia discreta.
tactantes, a não ser em circunstâncias especiais, como Especialmente em meninas maiores e mulheres, pode
manifestação de febre reumática e situações de surtos ocorrer poliartrite e artralgias.
de infecção pelo estreptococo. Muitas infecções são subclínicas, com uma pro-
porção de infecção inaparente para doença de 2:1.
Às vezes, é difícil diagnosticá-la clinicamente, pois
exantemas enterovirais e outros podem produzir
Rubéola aparência semelhante.
Felizmente, uma ótima notícia sobre a rubéola
A rubéola é uma doença contagiosa, caracteriza- em nosso meio ocorreu recentemente. Em abril de
da por sintomas leves, um exantema semelhante ao 2015, a Região das Américas foi declarada pelo Co-
do sarampo leve e aumento e dor à palpação dos linfo- mitê Internacional de Doenças Exantemáticas - OMS
nodos pós-occipitais, retroauriculares e cervicais pos- como a primeira região do mundo livre da transmissão
endêmica da Rubéola e da Síndrome da Rubéola Con- aumentando de tamanho, deixando a região central
gênita. Em 2 de dezembro de 2015, o Brasil recebeu da mais pálida, conferindo-lhe um aspecto rendilhado,
OPAS/OMS o Certificado de Eliminação da Rubéola. bastante característico da doença. Geralmente a pal-
Os dados epidemiológicos avaliados evidenciaram a ma das mãos e a planta dos pés são poupadas. Essa
ausência da transmissão endêmica do vírus da rubéo- segunda fase da erupção persiste em média por dez
la por cinco anos consecutivos em território nacional. dias, salientando-se que durante esse período o exan-
tema pode apresentar períodos de nítida exacerbação,
desencadeados por exposição da pele ao calor, frio, es-
tresse, luz do sol ou durante exercícios físicos. Não há
Eritema infeccioso – descamação residual.
que a principal característica do grupo de herpesvírus O exame físico revela poucos dados importantes, sa-
é a sua capacidade de permanecer em estado de latên- lientando-se, porém, a frequência do encontro de lin-
cia, podendo, eventualmente, reativar-se em situações fonodos um pouco aumentados de volume; pode haver
de imunodepressão. a presença de adenomegalia cervical, retroauricular ou
A patogênese da roséola é desconhecida. A vire- occipital. É comum a hiperemia de membrana timpâ-
mia ocorre nos dois primeiros dias de doença, antes nica (80-90%), levando à confusão diagnóstica com
do aparecimento do rash. No quinto dia de doença, uma otite média. (lembrar que atualmente o principal
menos de 10% das crianças são virêmicas. A benigni- achado otoscópico para o diagnóstico de otite média
dade da doença e o habitual não isolamento do agente aguda é o abaulamento).
etiológico são responsáveis pela relativa ausência de A irritabilidade, presente em algumas crianças,
dados sobre a patogênese e patologia do exantema sú- pode levar a um diagnóstico diferencial com um qua-
bito. Altos níveis de anticorpos em adultos, excreção dro de irritação meníngea. O enantema em junção
viral frequente na saliva e detecção de ácido nucleico uvulopalatoglossal (palato mole), de aspecto macular
viral nas glândulas salivares e células mononucleares é conhecido como “pontos de Nagayama” e ocorre em
no sangue periférico em crianças e adultos soroposi- cerca de 80% das crianças.
tivos falam em favor de um estado prolongado de la- A febre cede por crise (abruptamente) no 3º e 4º
tência viral do HHV-6. A natureza da doença de reati- dias e, quando a temperatura retorna ao normal, uma
vação em crianças maiores e adultos, especialmente os erupção macular ou maculoppular rosada surge no
imunocomprometidos, está começando a ser reconhe- corpo, começando pelo tronco e pescoço, estendendo-
cida (quadros febris em transplantados e em pacientes -se aos braços e envolvendo a face e os membros infe-
com supressão medular). riores com menor intensidade. Pode ser discreto, com-
A maioria dos recém-nascidos é soropositiva posto de poucos elementos esparsos ou então denso e
para o HHS-6, em decorrência dos anticorpos trans- confluente. Entretanto, mesmo quando os membros
placentários. As taxas de soropositividade caem entre são atingidos pelo exantema, encontram-se aí apenas
4 e 6 meses de idade, seguindo-se a aquisição rápida algumas máculas, restritas às coxas e braços. A erup-
de anticorpos. Entre um e dois anos de idade, mais de ção é de curta duração. Pode aparecer à noite e já ter
90% dos lactentes são soropositivos. Portanto, o exan- desaparecido pela manhã, passando assim totalmente
tema súbito é uma doença incomum no primeiro tri- despercebida, como pode também esvaecer em um a
mestre de vida, com incidência máxima aos 6-12 me- dois dias. Não há descamação ou alteração de colora-
ses de idade e 90% dos casos nos primeiros dois anos ção da pele após o término do exantema. O exantema
de vida. A absoluta raridade da doença antes dos seis não é pruriginoso.
meses e depois dos três anos sugere que as crianças Durante a fase febril da doença, o diagnóstico
maiores e os adultos têm imunidade adquirida e que a é muito difícil de ser cogitado. Entretanto, a doença
criança nasce com proteção fornecida por anticorpos deve ser lembrada em todo lactente de mais de seis
maternos transmitidos pela placenta. Acredita-se, por meses, com febre alta, excelente estado geral e exa-
isso, que até os três anos de idade praticamente todas me físico pobre em dados positivos, com exceção de
as crianças tiveram contato com os agentes causado- adenopatia. A defervescência súbita e o aparecimento
res da doença, mas apenas uma pequena parcela (cerca do exantema tornam mais fáceis o diagnóstico. Exa-
de 30%) desenvolveu o quadro clínico característico. mes laboratoriais são frequentemente desnecessários,
Cerca de um terço das crianças apresenta o exantema quando se considera o aparecimento do exantema; são
súbito, com ambos os sexos igualmente acometidos, justificados na investigação de uma febre sem sinais de
em todas as épocas do ano. localização, particularmente em lactentes pequenos.
O modo de aquisição do vírus ainda é desconhe- No primeiro dia de febre o hemograma pode revelar
cido, mas a sua detecção frequente na saliva humana uma discreta leucocitose, mas logo em seguida instala-
sugere propagação por secreções orais. Acredita-se -se leucopenia, podendo a contagem leucocitária cair a
que a doença seja menos contagiosa que as outras do- menos de 3.500/mm3, sendo a principal característica
enças exantemáticas da infância. da contagem diferencial uma acentuada neutropenia
A roséola do lactente caracteriza-se por um iní- (nadir no terceiro ao quinto dia de doença). A conta-
cio súbito, com febre alta (até 39ºC-40ºC), podendo gem leucocitária rapidamente retorna ao normal após
ocorrer convulsões febris (considerada uma das cau- o aparecimento do exantema. Crianças com roséola
sas mais comuns dessa condição). Embora a mucosa podem apresentar leucocitúria (10%).
faríngea possa estar hiperemiada e ocorra coriza leve Testes diagnósticos para o HHV-6 permitiram a
(sinais respiratórios em cerca de 25% dos casos), não definição de várias síndromes associadas ao vírus em
há sinais diagnósticos, pois se trata de um período lactentes com doenças febris agudas, sugerindo que
pré-eruptivo. Em geral, a criança mostra-se relativa- esse agente pode ser responsável por até 50% da pri-
mente bem apesar do grau da febre (não há toxemia). meira doença febril na infância.
O tratamento é apenas sintomático, ressaltando- nas crianças maiores. A febre tem duração média de
-se a necessidade de baixar a febre alta, especialmente três dias e, em alguns casos, é bifásica: ocorre por um
em crianças suscetíveis a convulsões febris. dia, está ausente por dois a três dias e então recorre
por mais dois a quatro dias. Pode haver náuseas, vô-
mitos ou dor abdominal leve, com algumas evacuações
Outros exantemas virais amolecidas. Os achados no exame físico são benignos
e não há alteração significativa no hemograma.
Ao lado dos exantemas típicos ou característicos Rash petequial e/ou purpúrico tem sido descrito
das febres eruptivas clássicas, são observados outros, descrito com o echovirus 9 e coxsackie A9; quando es-
nem sempre precedidos ou acompanhados de mani- sas erupções com componente hemorrágico ocorrem
festações que possibilitem a sua identificação. São há bastante confusão diagnóstica com a doença me-
ningocócica, especialmente se uma meningite assépti-
exantemas considerados atípicos ou incaracterísticos,
ca ocorre concomitantemente. Meningites assépticas
como, por exemplo, os das enteroviroses. Os enteroví-
(virais) ocorrem em indivíduos de todas as idades,
rus não-polio representam um grande grupo de vírus mas é particularmente mais comum em bebês meno-
(coxsackievirus, echovirus, enterovirus) – mais de 100 res de um ano de vida. Os enterovírus causam mais
– e são responsáveis por um amplo espectro de doen- de 90% desses casos nessas crianças, sendo a grande
ças em pessoas de todas as idades, embora ocorram maioria relacionados ao coxsackievirus B e echovirus.
principalmente em bebês e crianças pequenas. Outro Encefalites, conjuntivites, pleurodinia, miocardites,
grupo de vírus, os parechovírus, tem algumas carac- pericardites e infecções respiratórias são outras apre-
terísticas biológicas, clínicas e epidemiológicas seme- sentações clínicas relacionadas aos enterovírus.
lhantes aos enterovírus.
As maiores taxas de infecção desses vírus ocor-
rem no verão e no outono. Alguns possuem transmis-
são fecal-oral e respiratória, podendo também disse-
Doença mão-pé-boca
minarem-se por água contaminada, comida e fômites. Doença aguda em crianças, é mais frequentemen-
O contato com fraldas e fezes (papel dos cuidadores) te causada pelo coxsackie A16. O período prodrômico
pode facilitar a transmissão em crianças pequenas, geralmente começa com febre baixa, irritabilidade, mal-
ressaltando-se a higienização das mãos como medida -estar, anorexia, dor na boca e as lesões ocorrem um a
fundamental para controle dessas viroses. três dias após o início da febre comprometendo a boca
A doença causada por cada sorotipo desses vírus e depois a pele, que nem sempre é atingida. Aparecem
varia consideravelmente, podendo causar doenças em lesões vesiculares na boca que rapidamente erodem,
transformando-se em úlceras dolorosas de tamanho
surtos. Muitas das infecções causas pelos enterovírus
variável. As lesões na mucosa oral são constituídas
não-polio são assintomáticas e passam desapercebi-
por pequenas úlceras. As lesões nas extremidades são
das. A doença febril não específica a manifestação mais
constituídas por pequenas papulovesículas e acometem
comum dessas infecções virais. Algumas síndromes principalmente dedos, dorso e palma das mãos e plan-
clínicas, como meningite viral e alguns exantemas são tas dos pés. Perduram cerca de uma semana e depois de-
causados por muitos sorotipos de enterovírus; outras, saparecem. Lesões perianais e nas nádegas também são
como miocardites, são causadas por sorotipos mais observadas em lactentes e se mantêm como máculas,
especificamente por um determinado sorotipo (coxsa- raramente evoluindo para vesículas. As lesões desapa-
ckievirus B). recem sem deixar cicatrizes (duração do quadro de dois
Coxsackievirus, echovirus e parechovirus cau- a três dias). A doença mão-pé-boca é moderadamente
sam uma variedade de exantemas por vezes associa- contagiosa e os vírus persistem sendo eliminados nas
dos à enantemas. Com exceção da doença mão-pé-bo- fezes após a melhora clínica do paciente (importância
ca, esses quadros eruptivos não são suficientemente epidemiológica na disseminação). A herpangina e a do-
ença mão-pé-boca ocorrem frequentemente no verão.
distintos em sua apresentação, dessa forma, não per-
mitindo o diagnóstico etiológico. Os exantemas po-
dem ser virtualmente de qualquer tipo descrito, desde
o clássico maculopapular, até vesicular, morbiliforme,
petequial ou mesmo urticariforme. Essa diversidade
das manifestações exantemáticas faz com que as en-
Mononucleose infecciosa
teroviroses sejam incluídas no diagnóstico diferencial Hoje entendida como uma síndrome tem o vírus
de praticamente todas as outras enfermidades que Epstein-Barr (EBV) relacionado a 80% dos casos. A
cursam com exantema. ocorrência de erupção cutânea não excede 10% a 15%
O início da infecção costuma ser abrupto e sem dos casos, exceto quando se administra ampicilina (ou
pródromos. Nas crianças pequenas o achado inicial é outros antibiótiocos) ao paciente, quando o exantema
de febre e mal-estar; cefaleia e mialgia podem advir se torna bastante comum.
As lesões cutâneas difusas surgem quando a in- A varicela primária em crianças é geralmente
fecção entra numa fase virêmica. A erupção cutânea uma doença leve em comparação com formas mais
da varicela é muito característica, tanto em seu aspec- graves em adultos e pacientes imunocomprometidos
to como na rapidez de sua progressão. As lesões são de qualquer idade.
inicialmente máculas, intensamente pruriginosas que
Após a cura da varicela há remissão total do qua-
envoluem para pápulas, vesículas e finalmente há a
dro e o vírus permanece em estado latente nas células
formação de crostas. A passagem do estágio da mácula
dos gânglios das raízes dorsais em todos os indivídu-
para o início da formação de crostas é muito rápida. As
os que contraem a infecção primária. Sua reativação
vesículas têm um aspecto comparado classicamente à
resulta no quadro de herpes-zoster, um exantema
gota de orvalho (exantema em gota de orvalho sobre
uma pétala de rosa!). São localizadas superficialmente vesiculoso e localizado que costuma envolver a distri-
na pele, são circundadas por um halo eritematoso e buição do dermátomo de um único nervo sensitivo.
têm paredes finas, facilmente rompidas. Iniciam-se no Geralmente, a causa da reativação da infecção não é
couro cabeludo, face ou tronco. A turvação e a umbi- conhecida. Outras vezes, porém, estão presentes con-
licação da lesão ocorrem em 24-48 horas, evoluindo dições que deprimem a imunidade celular: linfomas,
para a formação de crostas. O processo de formação da leucemias e o uso de drogas imunossupressoras. As
crosta inicia-se no centro da vesícula, o que lhe confe- lesões cutâneas do zoster aparecem após um período
re uma discreta depressão central e, portanto, nessa de quatro a cinco dias de dor ao longo do dermátomo
fase uma aparência umbilicada. acometido, hiperestesias, prurido e febre baixa. Em
adultos, principalmente em idosos, a dor é frequen-
As crostas costumam se resolver em sete dias,
mas podem persistir por até três semanas, particular- te, pode ser extremamente violenta e é acompanhada
mente se houver contaminação bacteriana secundária de grande comprometimento do estado geral, mas em
da lesão. crianças a dor é geralmente discreta. A resolução com-
pleta ocorre em uma a duas semanas. O aspecto mais
As lesões aparecem em surtos, durante três a característico da erupção cutânea é a sua distribuição:
cinco dias, e acometem, predominantemente, o tron- é quase sempre unilateral; em crianças, os dermáto-
co (distribuição centrípeta), seguindo-se o pescoço, a
mos mais frequentemente atingidos são os correspon-
face e os segmentos proximais dos membros, poupan-
dentes aos nervos do segundo dorsal ao segundo lom-
do a palma das mãos e a planta dos pés. Há também
bar. O acometimento do quinto par craniano é comum
vesículas nas mucosas, especialmente a bucal, mas aí
em adultos, mas bastante raro em crianças. Por isso,
elas rapidamente se rompem, dando origem a úlceras
uma das formas mais temidas do zoster, o oftálmi-
rasas, indistinguíveis das encontradas em uma esto-
matite herpética. Lesões ulcerativas em orofaringe, co, com eventual conjuntivite, queratite e iridociclite
mucosa nasal e vagina são comuns e podem ocorrer é pouco conhecida na infância. Também o zoster dos
também lesões em pálpebras e conjuntiva. nervos facial e auditivo (síndrome de Ramsay-Hunt)
com paralisia facial e sintomas auditivos é muito raro
O surgimento das lesões em surtos sucessivos no grupo etário pediátrico.
justifica uma das mais importantes características do
exantema da varicela: o polimorfismo regional, isto é, a A varicela normalmente apresenta característica
presença em uma mesma área de lesões em todos os es- de benignidade ao acometer crianças eutróficas e sa-
tágios de desenvolvimento: máculas, pápulas, vesículas dias, mas, em certos grupos de alto risco, pode apre-
e crostas estão presentes próximas umas das outras. A sentar grande letalidade. A disseminação visceral do
intensidade do exantema é muito variável: pode haver vírus sucede a incapacidade das respostas do hospe-
apenas algumas poucas lesões, surgidas de um único sur- deiro de eliminar a viremia, o que acarreta infecção
to, ou o corpo todo pode cobrir-se de inúmeras lesões, nos pulmões, fígado, cérebro e outros órgãos. As com-
que surgem em cinco ou seis surtos, no decurso de uma plicações mais comuns, com suas frequências diminuí-
semana. O número médio de lesões da varicela é 300, das após a introdução da vacina, são as superinfecções
porém crianças sadias podem ter menos de dez a mais bacterianas, particularmente na pele e nos pulmões.
de mil. Nos casos domiciliares secundários e em crianças A infecção de pele é a complicação mais frequente nos
maiores, maior duração e maior quantidade de lesões são quadros de varicela em crianças. A varicela está asso-
prováveis. A hipopigmentação dos locais das lesões per- ciada a um aumento de incidência de infecção pelo es-
siste por dias ou semanas em algumas crianças. treptococo beta hemolítico do grupo A (Streptococcus
A febre em geral é baixa ou inexistente e sua in- pyogenes); as complicações infecciosas incluem celuli-
tensidade acompanha a da erupção cutânea, sendo tes, miosites, fasciite necrotizante e síndrome do cho-
tanto mais alta quanto mais extenso for o exantema. que tóxico. As complicações neurológicas (encefalites
Quando presente, e acompanhada de outros sintomas e, mais no passado, Síndrome de Reye) são as mais
sistêmicos, persiste durante os primeiros dois a qua- graves alterações relacionadas à infecção pelo VVZ,
tro dias após início da erupção cutânea. embora hoje sejam raramente observadas.
A encefalite responde por cerca de 20% das in- Na grande maioria dos casos de varicela e zoster, em
ternações por complicações de varicela. Duas distin- crianças, o tratamento é sintomático. O prurido, frequen-
tas formas de encefalite são descritas: ataxia cerebelar temente presente nas lesões de varicela, pode ser aliviado
aguda e encefalite difusa. Essas situações tipicamente com o uso de calamina tópica e, nos casos de maior inten-
se desenvolvem após a primeira semana de exantema. sidade, com o uso de anti-histamínicos por via oral. Aten-
Ataxia cerebelar aguda apresenta-se com perturbações ção especial deve ser dedicada para evitar-se a infecção
da marcha, ataxia e nistagmo e ocorre mais comumen- bacteriana secundária das lesões. Mantêm-se as unhas da
te em crianças (1:4000). É auto-limitada e evolui com criança curtas e limpas, evitando-se a coçadura contínua.
recuperação total. A recuperação clínica é tipicamente O tratamento sintomático da febre pode ser realizado com
rápida (24-72 h) e costuma ser completa. A encefalite paracetamol ou dipirona. O uso de antibióticos será neces-
difusa na maioria das vezes ocorre em adultos, que po- sário somente naqueles casos de impetigos secundários.
dem evoluir com sequelas. O aciclovir é um antiviral que inibe a replicação
A Síndrome de Reye pode se desenvolver durante dos herpesvírus humanos e se constitui uma terapêu-
o curso da infecção de varicela em crianças. Geralmen- tica efetiva e bem tolerada para a varicela primária em
te apresenta-se com uma constelação de sintomas, in- indivíduos saudáveis e imunocomprometidos. O VVZ
cluindo náusea, vômito, dor de cabeça, hiperexcitabili- é menos suscetível ao aciclovir quando comparado ao
dade, delírio com evolução frequente ao coma. Como o vírus herpes simples (HSV). A decisão de usar ou não
uso de salicilato foi identificado como um importante o aciclovir no tratamento da varicela dependerá do
fator precipitante para o desenvolvimento da síndro- tempo de apresentação do quadro, das características
me de Reye, essa complicação virtualmente desapare- do hospedeiro e da presença de outras comorbidades.
A orientação mais atual é de não tratar rotineiramente
ceu, concomitante com o alerta contra o uso de salici-
com aciclovir crianças saudáveis; o antiviral deve ser
latos em crianças febris. Pode haver uma hepatite na
utilizado em grupos de maior risco para doença mode-
varicela, geralmente subclínica.
rada ou grave, que são crianças maiores de 12 anos de
A varicela, em pelo menos duas situações, as- idade, pacientes com doenças cutâneas e cardiopulmo-
sume grande importância: quando acomete crianças nares crônicas, imunossuprimidos e imunodeprimidos
internadas, pois nesses casos disseminam-se com e pacientes que fazem uso crônico de salicilatos. Nos
grande rapidez pelas enfermarias (risco de microepi- pacientes imunossuprimidos e com quadros graves de
demias), e nos pacientes imunodeprimidos. As ma- varicela, inclusive encefalite, realiza-se tratamento
nifestações clínicas no hospedeiro imunodeprimido parenteral com aciclovir. A profilaxia com imunoglo-
pode incluir o desenvolvimento contínuo de vesículas bulina antivaricela-zoster (VZIG) é recomendada às
ao longo de semanas, lesões grandes e hemorrágicas crianças imunocomprometidas, mulheres grávidas e
na pele, pneumonia ou doença generalizada com coa- RN expostos à varicela materna, fornecida até 96 ho-
gulação intravascular disseminada. ras ou, preferencialmente, 48 horas após a exposição.