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radamanto deuscanino
WU N DERBLOGS.COM
Copyright©2004 Os Autores
Todos os direitos desta edição reservados à Editora Barracuda.
ISBN 85-98490-04-0
04-3951 CDD-004.693
1. • edição, 2004
RADAMANTO Radamanto
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Sobre os autores 29 1
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Notícias do Bloguistão
Ivan L essa
Não há nada de errado com seu computador. Não é preciso dar nem safanão nem chamar o
técnico. É assim mesmo. Também não há nada de errado com este livro. Ele simplesmente não
tem áudio e nem precisa escrolar para cima, apesar de seu tempo real ser relativo como a teoria
de Einstein. O que houve, neste caso, que acredito primeiro e único em brasileiro, é que tanto
computador quanto livro deram uma bela congelada (friso, lato senso, o termo) e agora aí está
para a apreciação daqueles que ainda não se atrevem, ou não sabem como - coitados! - singrar
as singulares águas agitadas da Net.
Blogue é diário, registro. Mas não é só diarista, não se limita ao registrado. Ele vai mais além.
Em primeiro lugar, não há primeiro lugar. Tudo são algoritmos. Algoritmos aleatórios. Você,
depois de comprar ou ganhar (embora roubar seja o ideal) seu primeiro computador, aprendeu
a dar as primeiras braçadas e, após sair na mão, ou atravessar um mar de encrencas, sem dormir
ou sonhar talvez (blogar - ou é bloguear? - exige muito jogo de cintura com citações cifradas),
tacou lá na pastinha dos favoritos o que há e não há na linha, inclusive boy e boi. Você grampeou
a coisa, moreno. Daí que, de uns tempos para cá, surgiram os blogues. Blogue tem que ser espon
tâneo e passado de boca em boca. Não vale tacar bandeirinha nele ou anunciar em outros veícu
los de comunicação (mídia é a mãe. O pai é desconhecido. Que reine a bastardia) . Este livro é uma
contradição em termos. Um purista talvez chegasse a afirmar tratar-se de contrafação. Devagar.
O objetivo é não chegar a lugar algum, ficar exatamente onde se está. Daí então, claro, traçar o
mapa, explicar o que, como e quando está acontecendo.
PR E FAC I O 7
Capaz de brasileiro ter nascido para bloguear bem. Não vivem dizendo que nosso fôlego
literário é curto? Que nosso negócio é o conto ou a crônica? Dalton, Rubens Braga e Fonseca?
Que jamais chegaremos ao catatau? À Piada Infinita do David Poster Wallace (não se preocupem,
blogueiro manja)? Então, pô?
Sem blague, mas com jogo de palavra, que eu sou antigão: eu caço blogues. Quero-os distantes
e difíceis. Mas que não me lembrem nada da chatice insuportável que leio nos jornais que Dona
Anete (pegamos intimidade) me oferece todo dia, como uma dona de pensão distribuindo mar
mita. Dos blogues, quero esquecê-los cinco minutos depois de digeri-los. Tal como deve ser. Somos
todos passageiros, à exceção de condutor e do motorneiro, como na época do bonde da Light.
Aqui no Reino Unido, deixei de acompanhar a "Belle de Jour", supostamente uma dona de casa
classe média, fazendo um programinha nas horas vagas das tardes chuvosas de Londres. Prefiro
Bridget Jones ou Catherine Deneuve. O Saiam Pax, lá de Bagdá, foi ótimo enquanto o pau comia
no Iraque e antes de assinar coluna em jornal inglês de esquerda. Agora, prefiro a France Press ou
a UPI.
Sou a favor da entusiástica, da embevecida, da erudita e até mesmo pretensiosa contemplação
de nossos próprios umbigos e sua subseqüente descrição, contanto que o processo seja feito com
originalidade, verve e falte sistematicamente com a verdade. Mentir é o melhor remédio. Mentir
é a única literatura. Um computador é o melhor plano de fuga do mundo. Releiam a frase, dêem
uma parada e (sei que é duro) pensem no que acabou de ser dito. Depois, para variar, esqueçam.
O distinto e a distinta estão diante de um livro semovente ou de um sítio virtual paraplégico.
Escolham. Trata-se de uma amostra gutenberguiana dos Wunderkinder, apesar de todos já terem
idade para (espero) anular seus votos. Parabéns a todos. Estou sempre em torno de vosso sítio,
sem sitiar mas apenas (apenas?) urubuservando. (Site, sítio, penas, urubu. Sacaram? Há que se
prestar atenção, gente.)
E agora que a vaidade de todos foi satisfeita, se não for pedir demais, volta todo mundo a fol
gar no espaço virtual, combinado? O importante, sabemos, é o desencontro passageiro.
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ALEXANDRE SOARES SILVA soaressilva.wunderblogs.com
MÉTODO
A preguiça resolve problemas. Quando estou cheio de coisas pra fazer, deito no chão com um
livro e fico assim durante dois ou três dias. De vez em quando paro pra ouvir Gilbert e Sullivan.
Não falha: algumas coisas se resolveram sozinhas, outras chegaram a uma crise que já não precisa
da minha intervenção, e quase sempre algum amigo meu, que havia pedido um favor, deixou de
se considerar amigo meu, e portanto o favor não precisa mais ser feito. Tente, old boy. > (03/12/
2002 18h54)
OUTSIDER MATH
Noto que agora já não se diz Arte Primitiva, nem Arte Naif, agora é Outsider Art. Ah, certo. Será
que existe Outsider Math? O molequinho fazendo conta errada, o caboclo na sua casinha, tiran
do bicho-do-pé com canivete e cavando equações erradas de segundo grau num pedaço de
madeira. "É a matemática do nosso povo, tudo erradinho, que bonito!" O matemático de
Cambridge parando na beira da estrada pra ver o vendedor de pamonha que faz Outsider Math.
> (1 7112/2002 03h21)
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CIRURGIA NAI F
"Gente, diz que você deita no chão de barro, vem o seu Aldair, abre você com um facão, chupa
as suas banhas através de um bambu, e cospe tudo numa lata de soja. É supertosco!!!! Genial!" -
Do documentário Seu Aldair, 25 Anos de Medicina Naif. > (1 7112/2002 03h21)
A VI DA SEM ELA
Amantes jovens às vezes dizem, depois da separação, que "a vida vai ser impossível sem ela". Os
outros riem disso, e eles mesmos riem, passados dois ou três anos. Mas acho que estavam certos
antes, e ficaram errados depois. No momento da separação, viam com clareza algo; passados dois
ou três anos, se esqueceram desse algo. Mas estavam certos antes. > (02101/2003 Olh31)
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- Que mingau, mamãe? Devemos distinguir quatro tipos de mingau ... (etc. etc.)
Meu problema com filosofia é que eu não consigo ler sobre uma distinção sem pegar no sono.
Quando tinha insônia na adolescência, pedia ao meu irmão Ricardo que fizesse uma distinção,
uma distinção qualquer, (desde que meticulosa) para que eu pegasse no sono. Ele começava:
"Devemos distinguir quatro tipos de sonhos quanto à roupa que estamos usando, 1 ) os sonhos
em que estamos pelados, 2) aqueles em que estamos de cueca, 3) aqueles em que estamos com
pletamente vestidos, mas com as roupas do sexo oposto, ou curiosamente não-apropriadas, como
por exemplo jogando frescobol com roupas de garçom, ou remando numa trirreme usando um
avental branco manchado de produtos químicos .. :' - e imediatamente eu estava babando e ron
cando. > (16101/2003 00h1 4)
O QU E QU ERO DA CRÍTICA
Vou lhe dizer o que eu espero de uma crítica: a reação de uma pessoa inteligente a uma obra de
arte. É exatamente isso que eu quero, como leitor: as impressões de um homem inteligente. Não
gráficos; não teorias científicas ou políticas; só quero que diga como se sentiu; que associações fez;
onde estava quando viu tal filme, leu tal livro; na companhia de quem. O melhor momento na
descrição que Mencken fez de uma luta entre Jack Dempsey e Georges Carpentier é quando ele
fala de uma mulher linda sentada atrás dele: "torceu por Carpentier em francês e aceitou o
nocaute com heróica resignação". Fale disso - onde você estava e o que pensou quando viu o que
viu - como estava se sentindo - e se um pensamento irrelevante, mas curioso, passou pela sua
cabeça durante uma peça ou uma sinfonia, fale dele. Pelo amor de Deus, seja um ser humano. Não
tenha medo de ser irrelevante - seja irrelevante. Não pense, se seu assunto é Goethe: "meu Deus,
estou me juntando à centenária discussão sobre Goethe - tenho que dizer algo relevante sobre ele,
ou não falar nada': Não se junte à discussão relevante, naquele cômodo do inferno em que
Edmund Wilson discursa para sempre sobre Goethe de modo muito relevante. Seja violenta
mente irrelevante e fale como se sentiu e onde estava quando leu sobre o país onde floresce o
limoeiro. E acima de tudo: nenhuma menção a mímese, catarse, peripécia, carnavalização, Propp,
Bakhtin, Marx, Freud - ou a qualquer outro científico filisteu que já tenha cunhado um científi-
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co jargão neste mundo. Eles todos ardem agora num muito científico e relevante círculo do infer
no. > (2110112003 02h06)
ACADEMIA
Percebi que havia algo errado com a universidade quando, no primeiro dia, a professora de
crítica literária ficou repetindo o Décio isso, o Décio aquilo, querendo se referir ao Décio Pignatari.
Senti no baixo ventre o soco de gancho da desilusão profunda. Cuspi esperanças no chão da
melancolia. E no meu caderno escrevi: meu deus meu deus meu deus meu deus meu deus jesus jesus
jesus jesus jesus. Curioso como a universidade me levou aos braços de Cristo.
Alguns poucos segundos depois, a professora disse: "para vocês acabou hoje toda e qualquer
leitura descompromissada e ingênua': Mais uma vez invoquei o sangue de Cristo no caderno.
Depois me desenhei enforcado. Não contente com isso, desenhei uma faca no meu peito: além de
enforcado, por favor, esfaqueado; qualquer coisa, menos aquilo, aquela aula.
A sala sem janela, os alunos (com uma exceção sublime) feios - tão feios que nem acreditavam
mais na possibilidade de que uma roupa boa os melhorasse, e se vestiam desenxabidamente -
completamente massacrados pela vida, pelos próprios cérebros, e pelas próprias caras amassadas
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- uma senhora japonesa encurvadinha, que não tinha mais como empregar as manhãs - gente
que trabalhava Joyce, trabalhava Pound, trabalhava Saramago - e uma professora que, na vida
toda, para cada página de teoria literária havia lido meia linha de literatura, entendendo tudo
errado, sob o ângulo de Barthes: eis o retrato da academia. E eu que tinha ido para lá sonhando
em ser uma caricatura de professor distraído, usando um paletó com remendo de couro no
cotovelo. Citando The Hunting of the Snark de memória para alunas lindas de dezoito, que se
deixariam ficar pra trás no final da aula, pra tirar uma dúvida. Uma de cada vez: e uma delas seria
estranhamente parecida com Katie Holmes. Mas divago.
Aula atrás de aula, as coisas que anotei nas margens do caderno são expressões ridículas de ódio
e desconforto. Socorro, so-cor-ro, help oh Lord, que imbecila, what the hell am I doing here, I could
be sleeping, I could be reading Jane Austen, vixe, socorro .. Ah, o estudo das anotações feitas nas
.
margens dos cadernos por alunos comuns: eis algo que provavelmente a academia tem medo de
estudar. Assim no mundo todo, enquanto cada professor fala, são insultados minunciosamente,
uma letra entre cada volta da espiral do caderno: F- U-C-K-I-N-G-1-M-B-E-C-I-L-E... �
(01/02/2003 02h13)
Quantos homens que não gostam de futebol ficam vendo a Soninha falar de futebol durante
longos minutos? Eu fico. Quantos homens que odeiam política latino-americana ficam vendo a
Patricia Janiot falar de política latino-americana? Eu fico - olhos fixos no biquinho-de-viúva (há
algo de suicida em mim que me faz amar as mulheres com biquinho-de-viúva).
Se, em 1 939, uma alemã linda, morena, de olhos azuis, fazendo cafuné em você, dissesse que é
nazista, você ficaria embaraçado, mas no final só diria isto:
- Não sei muito sobre o assunto, mas tenho que confessar que não concordo com algumas
coisas que os nazistas fazem.
- Ah, por quê, liebchen?
- Não sei...
(beijinhos)
Há mulheres que são tão lindas que chegam a ser místicas. Você sente uma vergonhosa, mas
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profunda, vontade de se ajoelhar e beijar os pés delas. (Não me digam que sou só eu.)
Lembro que uma vez, na adolescência, estava passando por uma banca, e vi uma capa de revista
com uma modelo linda. Subitamente senti a dor de descobrir que, acontecesse o que acontecesse,
eu nunca teria todas as mulheres bonitas do mundo. Era uma ladeira; continuei subindo a ladeira
sentindo essa dor que era tão forte quanto uma angina. Um quarteirão depois minha mente,
sempre otimista, havia tido uma visão do paraíso muçulmano, e a dor passou.
O paraíso muçulmano existe para isso mesmo e ele é real, real, ouviram? Todas as mulheres
bonitas vão para lá e as que eram feias ficam bonitas.
E você é o único homem naquele palácio gigantesco de mármore rosa, que fica no centro de
um oásis, que fica no centro de um deserto. As vezes vocês ouvem trombetas, e vão até um bal
cão ver o Profeta passar montado num elefante. As mulheres batem palminhas e algumas delas
(as árabes) ululam arabicamente. Depois que o Profeta passa, vocês voltam aos seus, digamos,
jogos venéreos, e às suas intrincadas batalhas de almofadas de seda.
Isso dura uma eternidade; e você nunca cansa. O sentimento é sempre, sempre, o de início de
férias. > (04/02/2003 00h40)
Bestalhões (que se lhes vê nas caras) que nunca leram coisa alguma que preste discutindo "políti
cas governamentais de estímulo à leitura': Quer uma boa política de estímulo à leitura? Vai você
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pra casa ler um pouco.
Mas sempre falam as mesmas coisas: a aparência do livro tem que ser melhor (mais parecida
com uma bruschetta? Como assim, "a aparência do livro tem que ser melhor"?), o livro é muito
caro ( mesma coisa que um CD, os adolescentes se entopem de CDs) , doações a bibli otecas (certo,
as que eu conheço só têm milhares, desincentiva muito os molequinhos que queriam milhões de
livros) , encontros do escritor com o leitor ( mas não há ONG de proteção a autores, meu Deus?),
e - e - e (nessa altura tem sempre alguém que gagueja) "ah, sei lá, uma série de medidas a serem
elencadas pelos profissionais do livro': Juro que vejo essas coisas e sinto vontade de sair dando
bengaladas.
"Mas qual a sua solução, Alexandre?" - perguntará você. (Vamos, pergunte, ou não posso con
tinuar.)
- Mas qual a sua solução, Alexandre?
- Simples. Lê quem quer. Agora vai todo mundo pra casa ler um pouco. Recomendo Jane
Austen: ]-A-N-E-A- U-S-T-E-N... > (07/03/2003 Olh04)
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KARAN DIROOH
Karandirooh (EUA, 1 942) Comédia amalucada de Howard Hawks, com roteiro de Ben
- -
Hecht. Karandirooh foi o quinto e último filme da dupla Cary Grant / Katherine Hepburn, e narra
a história de Oswald Truegood (Grant), um colecionador de ovos de avestruz que é julgado e
preso no Brasil por não saber dançar samba. Não perca a cena em que Grant e Hepburn escapam
da prisão disfarçados de gorila. E, aconteça o que acontecer, não veja a refilmagem feita por
Hector Babenco (2003) , com Rodrigo Santoro no papel de Katherine Hepburn. > (15104/2003
Ol h52)
COISAS INTERESSANTES
No meio de guerreiros bêbados (eis como começou a literatura, suponho) um poeta subia
numa das mesas, e começava a falar de algo que prendesse a atenção de todos. Não dá para ima
ginar Flaubert subindo na mesa e prendendo a atenção de vikings dizendo que ia falar sobre uma
empregada velhinha chamada Félicité e sua fixação com um papagaio empalhado.
Coisas interessantes, sim - isto é uma defesa das coisas interessantes na literatura. Pode parecer
que ninguém é contra isso, mas na prática um monte de gente é.
Sobre isso, dois pontos de vista. O primeiro: o dos épicos, do romantismo, dos escritores poli
ciais, da ficção científica e fantasia: que existem coisas interessantes no Universo e que é preciso
escrever e ler sobre isso. Dragões, lutas de espada, tempestades no mar; deuses, demônios, anjos.
Se vai reclamar disso, reclame de Homero, de Shakespeare, de Melville.
O outro ponto de vista é que não é preciso escrever sobre coisas interessantes, e que é melhor
escrever interessantemente sobre qualquer coisa. Nem todo mundo que defende isso é idiota -
nem todos são cronistas desocupados sentados num banco de praça, falando sobre cocô de
pomba - mas sinceramente acho que essa visão da literatura, adotada por absolutamente todos
os escritores brasileiros, é responsável pelo fato de que nenhum moleque ou moleca quer ler,
preferindo ver Bubblegum Crisis Tokyo 2040 na tevê.
Isso que digo é infantil, deliberadamente infantil - na literatura, como na maior parte das
coisas, os gostos de um moleque são quase sempre superiores aos gostos de um adulto. Nenhum
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moleque vai fingir que está interessado na Macabéia. Nenhum moleque vai fingir que está inte
ressado no problema da incomunicabilidade humana (um assunto que nunca preocupou auten
ticamente ninguém) .
Manda o bom senso que e u diga, e veja, estou dizendo, que uma ditadura d e coisas interessantes
na literatura seria opressiva e vil. Sim, seria. É preciso deixar Flaubert continuar com a sua
história, que afinal é perfeita, sobre uma velhinha que (vejo-o respondendo aos vikings entedia
dos) não, não é uma bruxa, e que tem uma obsessão por um papagaio empalhado que não, não
tem poderes mágicos para prever o futuro ou derrotar esquadras inimigas.
Mas vivemos hoje numa ditadura das coisas desinteressantes ditas interessantemente - uma
Ditadura de Félicité, uma Ditadura de Macabéia - e, senhores, isso é mui vil, e alguns de nós sufo
camos. > (27104/2003 07h20)
LITERATU RA
A literatura pertence às artes visuais. As palavras são o meio. As imagens, o fim. Um romance
está mais perto de um quadro ou de um DVD do que de um livro de filosofia. Ponha um ao lado
do outro, e parecem iguais. Mas um tem dentro dele uma tempestade em Hong Kong.
Escritores interessados em palavras à exclusão de tudo o mais são como massagistas interes
sadas nas próprias mãos à exclusão de tudo o mais.
O que é que sobra de um romance, cinco minutos depois de terminado? Não são palavras - são
imagens, sons, emoções, talvez até sensações táteis. Mas não palavras. O que sobra principalmente
é uma estrutura no ar - uma imagem da estrutura do romance - com imagens específicas nos
cantos: uma fábrica, uma piscina de hotel - até mesmo alguma coisa de tato - a sensação de um
roupão usado num hotel em Frankfurt... Tudo isso é palavras no romance, mas uma vez lido, as
palavras se descolam da estrutura e o que sobra é a estrutura do romance, não-verbal, cheia de
imagens, cheiros, gostos - a Imaginação.
Como, então, é possível que "não haja nada fora do texto"? Um romance é uma estrutura não
verbal no ar antes de ser palavras, e depois de ser palavras. > (29/04/2003 Ol h02)
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QUE ESPÉCIE DE ARG U M ENTO É U MA BUNDA?
Todas as causas que são defendidas por pessoas peladas em parques são erradas. Nenhuma
causa certa é defendida por pessoas peladas em parques. Ninguém fica pelado pelo capitalismo,
note. Ninguém fica pelado para protestar contra as cotas raciais. Que espécie de pessoa acha que
ficar pelado é um argumento? As mesmas pessoas que são contra Washington, Israel e o Papa.
Ninguém fica nu pelo Papa ... Me arrisco a dizer que jamais houve um protesto de católicos pela
dos pela volta da missa em latim; que jamais uma senhora flácida de Ottawa tirou seu vestido de
bolinhas para pedir que os padres voltem a ficar de costas para o público durante a missa. Isso
prova que todas essas coisas são certas - o capitalismo, Washington, Israel, o Papa, e a missa em
latim com o padre de costas - porque as pessoas que defendem essas coisas usam roupa.
Regra número um da argumentação: primeiro põe a calça.
O que me lembra: nobres pacifistas, se dependesse de vocês Saddam ainda estaria lá. Agora vis
tam-se e tomem vergonha.
Houve milhões de pessoas protestando a favor da guerra, só que protestaram em casa, cada uma
na sua poltrona, comendo cornflakes e lendo Roger Scruton. Talvez pelados, mas caramba,
estavam em casa.
Acho que o uso da nudez argumentativa não foi previsto pelos retóricos romanos; ou será que
Cícero alguma vez... ?
Mas sério, pacifista. Põe pelo menos a cueca. > (01105/2003 Olh03)
AS QUATRO SALAS
Todos os assuntos do mundo são discutidos em quatro salas: a dos chatos burros, a dos chatos
inteligentes, a dos divertidos burros e a dos divertidos inteligentes.
Sempre foi assim. Quatro salas, ao longo de milhares de anos.
Por vaidade, acho que estou na dos divertidos inteligentes. Todo mundo acha que está na dos
divertidos inteligentes. Menos os chatos burros, que se orgulham da própria chatice; mas esses
também se enganam ao achar que estão na sala dos chatos inteligentes.
Uma coisa sobre a hierarquia das salas: a mais respeitada é a dos chatos inteligentes. Porque os
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chatos fundamentam tudo o que dizem, e fundam sistemas e são coerentes.
Freqüentemente, nesta que eu acho que é a sala dos divertidos inteligentes, digo casualmente
alguma coisa sobre, digamos, a lei. Não fundamento nada, porque não quero ser chato. Uma regra
para não ser chato: chute. Nenhum chato chuta o que diz. E ninguém que chuta é chato.
Mas daí aparece alguém e diz: lá na sala dos chatos inteligentes já refutaram isso que você disse
faz tempo, ó.
Entro na sala dos chatos inteligentes para perguntar se é verdade. Um grupinho de homens
(homens são mais chatos que mulheres. São mesmo) está conversando, digo, monologando em
turnos, com vozes lentas e pastosas. Espero por uma pausa para poder fazer a minha pergunta,
mas não há pausa. Alguém me faz um gesto para que eu sente; eu sento.
Por acaso, o sujeito gordo que está falando ( canetas no bolso. Chatos têm canetas no bolso) está
falando exatamente sobre lei. Está se aproximando do exato tópico em que supostamente fui refu
tado. Mas ele fala pau-sa-da-men-te, entre uma palavra e outra engole e dá para ouvir o som do
ventilador e de um carro passando na rua, e eu tiro um cochilo, e acordo, e ele ainda está no
mesmo período começado lá atrás com um outrossim.
Todo debate sério é feito nessa sala. São inteligentes, mas me fazem dormir. Pessoas caídas nos
cantos acordam de vez em quando e prestam atenção no que está sendo dito, e comentam: ''Ah,
você ouviu o que o gordinho disse?': E você só é respeitado intelectualmente se passar por esse ri
tual, e ficar anos e anos estirado ali no chão, lutando contra a narcolepsia como Dostoiévski
lutando contra um ataque epiléptico.
Voltei para a minha sala, seja ela qual for, porque não quero ficar ali estirado no chão dormin
do. Quer saber? Ninguém está certo por ser chato. Ninguém está errado por ser divertido. E acima
de tudo, ninguém está certo porque é tão chato que ninguém ficou acordado tempo suficiente
para refutá-lo.> (05/05/2003 02h15)
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feias são inegavelmente mulheres. Nem de virilidade; não estou dizendo que certas mulheres na
verdade são homens. Estou dizendo que certas mulheres - como por exemplo aquelas que traba
lham nas secretarias de faculdades - são uma coisa à parte, como potes de iogurte, xaxins ou
girinos.
Sim, o tipo a que me refiro é invariavelmente burocrático - um ser humano sem pênis, às vezes
até mãe, freqüentemente tia, que se recusa a carimbar o seu papelzinho porque falta outro
papelzinho, e que ri com desprezo da sua tragédia burocrática - sim, aposto que na secretaria da
sua faculdade a pessoa que atende é assim (ela e um rapazinho usando dreadlocks, cara de per
cussionista, provavelmente chamado Tim) . Reparem no sorriso de desprezo dela, como ela acha
engraçado que você não saiba que a secretaria do SACSP não abre às quartas ou que para obter
um cadastro de aluno especial classe 4 você precisa de um folheto verde preenchido, anexado a
um boleto de pagamento e duas fotos. E você já está saindo da secretaria quando ela diz: "Mas o
prazo venceu ontem, viu?".
Vocês estão vendo - não estão? - a cara amassada, o cabelo ruim, o penteado de Gal Costa circa
1 983, o paletó bege com as mangas arregaçadas, o cigarro comprido? Estão ouvindo a voz ras
cante, mandona?
E isso é uma mulher? Como Louise Brooks era uma mulher? > (18105/2003 06h15)
O SENTIDO DA VI DA
Você aprende a distinguir o que é bom e o que é mau. Daí você passa a procurar o que é bom
e a evitar o que é mau. Até ir dar no lugar onde tudo é bom e nada é mau. Até ficar de frente com
aquele que é inteiramente bom e nem um pouco mau. > (24/05/2003 06h12)
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O QUE A LITERATU RA NÃO t: StRIA
O que escritores não querem dizer, sobretudo os mais pomposos, é que o que fazem é uma
variante de moleques brincando com bonequinhos, fazendo o som do soco, pshhhhh; as histórias
podem ter ficado mais complexas e menos físicas, os bonequinhos passaram a existir só mental
mente, pode ser que não haja soco, mas é isso. Ana Karênina era um bonequinho que se atirou
debaixo de um trem, piuiiiii, tchrammm ... , fez Tolstoi na sua escrivaninha, só que de modo mais
sutil; e é isso, escritores vestem ternos e enchem o peito e falam em simpósios, e se metem a falar
de política, mas basicamente são brincadores de bonequinhos internacionais, que brincam tão
bem que foram arrastados de seus quartos de Trinidad Tobago ou de Mensk ou de Tatuí, e se
tornaram conhecidos; mas por mais fátuos e pomposos que sejam, por mais que falem da iden
tidade européia ou da narrativa metalingüística, ainda têm os bolsos cheios de bonequinhos.
Durante os simpósios intermináveis, em que homens solenes se caceteiam em tcheco, os melhores
metem as mãos nos bolsos para sentir que os bonequinhos ainda estão ali, e dizem olá. >
(25105/2003 14h42)
A L E X A N D R E S O A R E S S I LVA 2 1
homem ficou em silêncio como se tivesse sido insultado; depois suspirou e disse baixinho: "Ai,
Senhor, dai-me .. .':
Diz a história que nesse ponto o irmão fez um trocadilho com "paciência': que só tem sentido
em alemão medieval, e nem em alemão medieval tem muito sentido; e aí o homem olhou incré
dulo para o irmão, branco de horror, e cobriu devagar o rosto com as mãos como se sofresse
muito, e foi tombando no chão, e morreu no meio das galinhas.
Todos sabemos que há chineses que usam trocadilhos para golpear inimigos à distância - tro
cadilhos são feitos de chi maligno. Uma técnica muito pior, no entanto, vem do arnis, uma arte
marcial filipina, e envolve o uso indiscriminado de aspas.
·
Faça uma experiência: fique de pé na frente da tela, braços relaxados, um leve sorriso no rosto,
e leia estas frases tiradas de um folheto que me veio pelo correio: Promoção "Imperdível"!
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Não sei você, mas eu vi luzes vermelhas piscando na retina. Mestres de arnis podem matar bois
com o uso aleatório de aspas. (Na falta de papel, usam-se os dedos indicador e médio das duas
mãos para fazer o gesto de aspas no ar e mandar o chi maligno para a vítima.)
Mestres trocadilhistas e aspistas se enfrentaram uma vez, nos arredores da cidade de Manila.
Enquanto eles se atacavam todas as mariposas e libélulas de Manila caíram mortas. Sobreviveu
apenas um homem, um leiteiro de Makati. Ele fazia trocadilhos e aspas com os dedos, dizia men
sagens positivas e *AlTerNava* *leTRas* *mA.iúsCulaS* e *MiNúSculAs*.
( Foi morto anos mais tarde, no entanto, quando outro mestre de arnis deixou um comentário
no seu blog dizendo: "Ae cara como vc é mala! ! ! ! Se liga! ! ! ! ". Humm.) :::i> (1 110612003 03h19)
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O primeiro dia de emprego na vida de uma pessoa é o dia em que ela ficou menor. As pessoas
voltam do primeiro dia do primeiro emprego e vão direto para a cama, arrasadas, desesperadas,
repetindo mentalmente Deus Deus Deus Deus Deus, como se tivessem sido curradas num terreno
baldio. Minto?
E o tempo todo ela tem que se mostrar agradecida porque pelo menos não está desempregada
etc. E olhe, não é verdade que o emprego não vem atrás de você se você não fizer nada. Todos os
trabalhos que tive me foram oferecidos através de telefonemas indesejados que recebi enquanto
via Os Sopranos ou algo assim. E depois sorri no telefone, para ficar com aquela autêntica voz de
quem está sorrindo, e agradeci, "puxa, que bom, fico contente, ufa", mas desligado o telefone
lagriminhas vinham-me aos olhos, distorcendo a paisagem de New Jersey na tevê. O pior de rece
ber um emprego é ter que agradecer ainda por cima.
Um estudante lia, na Internet, uma lista das profissões que poderia seguir; e acabou escolhen-
do a última delas, saltar da varanda.
"Ganhar o pão do seu dia
com o suor do seu rosto...
"
A L EXA N D R E S O A R E S S I LVA 2 3
que! Perdão por maculá-lo com a minha presença!':
Você ficará de bem com ele enquanto só ler fotonovelas e definir o seu blog como tranqueira,
podreira etc. - definições humildes que são como uma bandeirinha branca saindo de trás de uma
trincheira.
Tudo isso nasce por desconforto, ele se tortura a cada nome novo que ouve, recebe uma flecha
da: é o São Sebastião da falta de cultura. )> (05107/2003 Ol h21)
FIQUEM IRRITADOS AÍ
Percebi outro dia que tenho passado tempo demais no messenger quando uma amiga disse uma
piada e eu ri espetando o ar com os dois indicadores, escrevendo hahahahahahaha no espaço em
cima da sopa de cebola. Quando percebi o gesto - a risada escrita na fumaça da sopa - aliás um
gesto discreto, minha amiga nem percebeu - recolhi os braços imediatamente. Mas credo.
Estávamos conversando sobre pedofilia. Ela disse que Germaine Greer está lançando um livro
erótico com fotos de garotinhos pelados. Perguntada sobre o que a atraía em garotinhos,
Germaine Greer disse: "Sperm that runs like tap water will do". Foi ai que eu ri com os dedos.
Depois eu disse que qualquer garotinho de onze anos que fique chocado com os avanços se
xuais de uma mulher de quarenta é bicha. Me lembro dos meus amigos aos onze - se alguém
viesse dizer chorando que uma mulher abusou dele, seria ridicularizado durante anos.
Bateríamos nele. Invejaríamos sua sorte.
Agora vou dizer o que acho do homossexualismo. Acho...
- Mas ninguém perguntou.
Nisso você está enganada, voz na minha cabeça; a minha amiga perguntou. Eu disse que acho
levemente, apenas levemente, ridículo: como um pum. Condenação a um pum ou orgulho de
pum ou excesso de vergonha de pum me parecem fora de proporção; se você tem gases, seja dis
creto; se fazem piada com os seus gases, ria também, porque é de fato engraçado. Caramba, um
homem e uma mulher juntos já são engraçados - quanto mais dois homens. Não pode ser peca
do - nada que dois vendedores das Casas Bahia trancados num quarto possam fazer um com o
outro pode ser um pecado. ''Ah é, um não pode matar o outro?': a minha amiga perguntou; mas
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daí eu disse que dois vendedores das Casas Bahia se matando um ao outro era até engraçado, era
um subpecado.
Eu disse essas coisas - sem saber se estava certo. Nunca sei, é claro. Não cometeria a gafe de estar
certo, de propósito, num jantar. Meu método é dizer o que me passa pela cabeça, e descobrir se
disse a verdade pela reação dos outros: se me xingam, estou certo. No caso a minha amiga riu, o
que provavelmente quer dizer que estou enganado de novo, but what the hell.
Me acusam de querer a "polêmica fácil': Ué, mas é claro. Mania que as pessoas têm de querer
tudo difícil; agora até polêmica tem que ser difícil. Não se pode mais querer zangar as pessoas
falando sobre gays ou pedófilos; agora você tem que tentar zangar as pessoas com um assunto
bem difícil de zangar um ser humano, como a construção de pagodes com palitinhos de sorvete,
ou o hábito que a maresia tem de ir enferrujando os móveis - és contra ou a favor? Não, não, vou
falar de gays.
- Mas já falou.
Ok, então de touradas. Sou vegetariano e a favor das touradas. Tenho uma certa convicção de
que se os animais fossem escolher, escolheriam morrer brigando. Gosto de touradas, não perco
uma; mas não como um animal desde os dezessete. Bom, eu como peixe, é verdade.
(Bolas, estraguei a polêmica com essa concessão final.)
- Perguntaram para o touro?
- O quê?
- Se ele quer morrer?
Sim. Em ídiche. Sabe-se que os touros só entendem ídiche. Na entrada da arena fica um rabi
no que pergunta para o touro se ele quer morrer ou prefere viver mais um pouco. Quando o
touro responde em ídiche que quer viver mais um pouco, ele é retirado da arena e levado para
um kibbutz e coisa e tal.
Eu disse mais cinco coisas chocantes durante o prato principal - elas vão bem com vinho tinto.
Ouvi outras dez coisas chocantes de volta. Se algo não é pelo menos um pouquinho chocante,
nem vale a pena falar.
Alguns dos sujeitos da mesa ao lado olhavam estranho, e percebi que, escondidas na caixinha
A L EXA N D R E S O A R E S S I LVA 2 5
de comentários, seriam o tipo de pessoas que deixam mensagens como: "Cara, e daí??? Patético o
seu blog, nunca mais voltarei. Beijokas, Kakau".
Os rudes, os rudes. Os rudes vêem os filmes de Hannibal Lecter achando que não seriam comi
dos, e rindo do Dr. Chilton. Humm. > (1 6107/2003 04h01)
O mundo está cheio de gente que lamenta e parabeniza e francamente isso dá nojo. Parabenizo
e felicito: as pessoas estão sempre "felicito-o neste auspicioso momento", ou felicitando jornais
("jornais! Jornais, Dona Gertrudes! Há pessoas que felicitam jornais!") pela sensível reportagem
que enfoca o problema dos etc. etc. "Fui alertado para o já então sensível problema dos ciganos
leprosos pelo saudoso Dr. Almeidinha... [ ... ] Resta-me apenas parabenizar este jornal por sua
arrojada iniciativa de..." Um tipo assim é capaz de assinar dando a profissão, a marca registrada
do canalha: Ass. Desembargador Figueirinha de Mello, ou Ass. Arquiteto Pereira Bastos da
Fonsequinha etc. ("Mas como ficar calmo, Dona Gertrudes? Há pessoas que felicitam jornais!")
Quer dizer - se vão escrever assim, que pelo menos deixem crescer um bigodinho, e usem muita
brilhantina no cabelo penteado pra trás, e usem ternos brancos, e falem como personagens de
Nelson Rodrigues ("Olha aqui, Mascarenhas - mas essa sua cunhadinha é um pitéu, está ouvin
do? Um pitéu!").
E essas pessoas muitas vezes têm vinte anos. São mo-le-qui-nhos! E escrevem como o saudoso
Dr. Bastos Pedroso Gorgulhão Filho, que tão fortemente se distinguiu nas lides do prelo e do
fórum - dir-se-ia mesmo, nas lides da vida! Céus! > (23/07/2003 04h41)
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CONTOS POPU LARES DO ESTADO D E SÃO PAULO
Deixamos de acreditar no saci, mas acreditamos nas maldades dos estados unidos. Todos os
dias alguém tenta me convencer de que os estados unidos somem com pequenos objetos soltos
pela casa, e entram nos estábulos à noite e amarram os rabos dos cavalos. Uma preta velha de
beiço grande, chamada Noam Chomsky, me disse que eles colocam sal no leite assim que lhes
viramos as costas. Disse isso com os olhões arregalados na carantonha preta. Ela mesma nunca
tinha visto isso não senhor, mas a mãe dela, de menina, sempre via os americaninhos correndo
pelos campos ou puxando o rabo da vaca, dando risadinhas cheias de maldade.
- Como era a risadinha, tia Chomsky?
- Assim: nhi nhi nhi nhi nhi nhi nhi nhi. > (31107/2003 Ol h37)
(De Causos de Tia Chomsky e outras Crendices, São Paulo, Editôra Passos, 1975. Prefácio e notas introdutórias de Câmara Cascudo. Fora
do prelo.)
A L EXA N D R E S O A R E S S I LVA 2 7
Também queria a volta dos soldadinhos de chumbo. Way cooler than bloody transformers.
Polêmico, hein? Um post defendendo a volta dos soldadinhos de chumbo? Fala a verdade! Ah,
vou agora defender a volta das polainas.
- Quem liga? As Guerras Gays sendo travadas, e você aí falando de polainas!
(Meu monóculo cai diante de tanta rudeza.) Sobre certos assuntos não falo. Não falo em
Matrix, por exemplo. Sou conhecido do Aconcágua à Prússia por minha resistência em falar de
Matrix. Homens mais rijos do que eu já fraquejaram ...
Posso, no entanto, falar de Monica Bellucci. Querem que fale de Monica Bellucci? Gosto até de
falar o nome dela. Manica Bellucci. Ela...
- Fale sobre o espancamento de gays! Não seja omisso!
(Pondo o monóculo para examinar pessoa tão grosseira.) Espancamento de gays - você diz
com escovas de prata, bastões de cricket, essas coisas? Humm, kinky, very kinky. Se eles gostam, I
say, jolly good, jolly good.
- Céus, você tem geléia no lugar de cérebro? Diga alguma coisa relevante sobre os gays!
Posicione-se!
(Suspirando.) Mas não posso simplesmente ficar repetindo o nome de Monica Bellucci? Ok,
vou dizer o que acho dos gays. Acho que são uma raça superior. Acho que deviam matar todo
mundo e depois ficar dançando "Everybody Dance Now': Eu por mim seria gay, mas me ocorre
que tenho nojo de homem. Sei intuitivamente que a boca de um homem é suja, por exemplo.
Todos sabemos, porque víamos os nossos colegas de escola puxando catarro ou falando com
pontes de saliva no canto da boca ou comendo comida que caiu no chão. Francamente não sei
como os gays se esquecem disso, devem ser sujos também. Glauco Mattoso e todos aqueles sone
tos ·sobre chupar pés de homem. Há comparação entre um pezinho de mulher e um pé de
homem? Como os gays não percebem isso? Merecem ser espancados.
- Você se contradiz, seu direiteca festivo, homófobo metido a aristocrata!
Que bom. Mas me diga, quem é festivo entre a direiteca? Sempre procuro blogs de direita que
sejam festivos, mas acabo me desapontando. E juro que acho vocês gays uma raça superior.
Imagine uma sala cheia de Oscar Wildes, Noel Cowards, Cole Porters. Qualquer um teria que sen-
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tir seus joelhos se dobrarem de inferioridade. Só espero que não se dobrem demais, hahaha.
(Batendo na própria coxa sem conseguir conter o riso.) Mas eu dizia, são uma raça superior -
menos os gays brasileiros, porque os gays brasileiros deram errado. (Percebe o trocadilho
involuntário e bate na coxa de novo, desta vez rindo em silêncio.) Deram muito errado. Gays
brasileiros são burros.
- Como assim, seu direiteca homófobo metido a lorde?
Nada, nada. > (12108/2003 OOhOB)
FI DELI DADE
Uma mulher é fiel a você; amanhã será fiel a outro.
Mas uma mulher infiel! Hoje é infiel a você; amanhã será infiel com você. E só as mulheres
infiéis têm esse tipo de fidelidade. > (1 6108/2003 04h27)
Toda explicitação do implícito é uma grosseria. A dança é uma explicitação da música. Toda
dança é uma grosseria. A dança está para a música como o arroto para a comida. > (02/09/2003
02h23)
A arte no século XX foi um longo insulto à burguesia. No XXI vai ser um pedido formal de des
culpas. > (2010912003 05h25)
MEU NOME É ALEXAN DRE E EU TEN H O M E DO DOS SENTIMENTOS EXCESSIVAMENTE LIN DOS
A esquerda é uma contínua competição para ver quem tem os sentimentos mais lindos da sala.
Sua concepção de beleza, em termos de sentimento, é nouveau-riche: os sentimentos que brilham
mais. Gostam dos espelhos, do ouro e das lantejoulas da alma.
Esses sentimentos excessivamente lindos sempre terminam em ódio a quem tem sentimentos
discretos. O homem vestido de oncinha na alma quer matar o homem vestido de cinza. O homem
que se baba todo de amor aos pobres quer matar o homem que dá esmola e fica quieto. A esquer
da é um ódio à discrição dos sentimentos. > (0611 012003 03h09)
A L EXA N D R E S O A R E S S I LVA 2 9
ATORES E FLU I DOS
Quando um pai ouve os filhos dizerem que querem fazer teatro, ele sabe que na verdade o filho
só está esperando uma oportunidade de se travestir e beijar um homem na boca. E pressente que
a filha vai acabar fazendo sexo oral num ator argelino, num desses filmes franceses que querem
mostrar o tédio do sexo e a falta de comunicação num mundo regido pelos valores de mercado.
Se os filhos tivessem seguido uma carreira em banco, quais as chances que acabassem travesti
dos ou fazendo sexo oral em público? Existem, mas são poucas. E outro dia desses ouvi falar de
uma produção de Shakespeare em que os atores fazem xixi num potinho. Meu coração sangra por
todos os pais que ouvem os filhos dizerem que querem fazer teatro. Por um segundo horrível eles
vêem os filhos fazendo xixi num potinho...
Tenho certeza que muitos pais, uma vez tendo visto o filho fazendo xixi no palco, até se
esforçam para dizer alguma coisa boa quando entram no camarim. "Belíssimo xixi, Marcos Pau
lo!" E a mãe diz, "Não estava um pouquinho escuro não?'', pedindo pra ver o pote. E Marcos Paulo
revira os olhos, porque pô, a mãe sempre vê defeito em tudo... ''A senhora não me apóia em
·
nada .. : '
Atores gostam de fluidos corporais. É um fato da vida. Filme brasileiro, por exemplo, sempre
tem um jeito de colocar gente fazendo xixi. E notoriamente eles babam nas pessoas sentadas na
primeira fila. Ouvi falar de outros fluidos sendo jogados nas pessoas da primeira fila, e de um ator
que apanhou depois. Suponho que essa atração por fluidos tem a ver com uma coisa artaudiana,
entende? Ah, que dor no coração um pai deve sentir quando ouve sua filhinha, delicada,
inteligente - tão boa em matemática!... - dizendo que quer fazer teatro, meu Deus. > (13101/2004
1 9h 1 8)
SER FRANdS
Ser francês é complicar as coisas, como por exemplo escrever livros sobre "a narrativa'', "o
lazer'', "o olhar''. Um bom anglo-saxão tiraria o cachimbo da boca e diria que narrativa é só uma
historinha, lazer é bom, e olhar é só olhar, que é que tem?
O francês pega um pouco de água com a mão, e começa a dizer para a classe, "O que é isto, esta
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imagem, esta mão contendo em sua superfície uma porção de água como um lago? Podemos a
princípio pensar.. :: e continua falando sobre isso muito depois que a mão está seca.
Capítulos de Bachelard sobre "o fogo': "a lareira': "a idéia de domesticidade". Eles podem falar
horas sobre qualquer assunto, andando de triciclo e mantendo cinco bolinhas de borracha no ar
enquanto fumam Gitanes.
E eis o método francês de escrever: eles pensam enquanto escrevem. A prova disso é a sucessão
de sinônimos ou quase sinônimos, como se eles estivessem procurando a expressão exata às apal
padelas: "a figura do maldito, do pária, do condenado pelo tribunal invisível da sociedade, daque
les que são enforcados no rito diário da sociedade civilizada, dos cafés, do trabalho, do amor -
disso que chamamos amor, que chamamos casamento, na cidade burguesa que é uma vasta teia
de aranha e onde nós somos a aranha e as moscas, que é um coliseu eterno onde somos cristãos
e leões a um só tempo .. .':
Escrevem por associação de idéias, entram num transe.
Sim, ser francês é pensar enquanto se escreve, é pensar tarde demais; se os franceses parassem
pra pensar antes de escrever, todos os seus livros teriam um só capítulo, e o resto seria "e bibibi
bobobó".
- Gaston Bachelard, sobre o que é o seu livro?
- Sobre o fogo e umas coisas assim. Sei lá eu.
- Bernard-Henri Lévy, sobre o que é o seu livro?
- Ah, era uma coisa sobre liberdade, não era?
- Jean-Paul Sartre, o que nos diz o seu livro sobre essa admirável figura de maldito, Jean Genet?
- Esqueci, era sobre Genet, eu dizia umas coisas sobre Genet, não dizia? Uma figura, sei lá, meio
mártir, meio palhaço... Que era um maldito, e um santo, e bibibi bobobó ... > (20101/2004 03h06)
VIVER
Filmes em que garotas retardadas ensinam uma lição de vida aos parentes - porque estão aber
tas para o amor! e para a vida!
Decidi portanto sair para ver o que era a tal de vida, e tudo que encontrei foi uma banca 24
A L EXA N D R E S O A R E S S I LVA 3 1
horas onde serviam café. Tomei café.
Ué, é isso a vida? Parecia tão mais atraente quando vista da minha varanda, a vida: todas aque
las luzes. Mas desci no meio das luzes e mui pífio foi o espetáculo, senhores.
Agora vejo a propaganda de um filme em que uma garota retardada, entre choros e risos, está
aberta para o amor! e para a vida!, e faço pfui.
Nos filmes sempre torço para o loiro emocionalmente travado que será invariavelmente derro
tado por uma mulher vulgar que o abrirá para o amor! e para a vida! Termina o filme com o cara
aprendendo as alegrias do rock'n'roll, dançando pelado de avental, declarando seu amor no meio
do Super Bowl, ou qualquer outra estupidez assim.
Como há gente defendendo a abertura descontrolada dos sentimentos grotescos. Queria uma
vez na vida ver um filme em que uma mulher latina, cafona e caliente, aprendesse com um alemão
rígido as alegrias da repressão emocional.
E tem mais, não há "vida"; eu desci lá e não tinha nada. Agora que voltei a subir, olho de novo
da minha varanda - décimo nono andar - e mais uma vez parece que a vida está lá embaixo, no
meio daquelas luzes todas. Mas é uma ilusão; um truque pra vender capuccino na banquinha 24
horas.
Por mais que você, olhando a cidade iluminada do alto de uma varanda, faça para encontrar a
tal de vida, pode no máximo (digamos) descer e ir para uma festa, onde vai encontrar pessoas
suadas que também saíram de suas varandas para ver a tal de vida - mas só viram você.
Ou talvez (estou só chutando) "vida" seja uma latina cafona e caliente, de vestido vermelho e
mouche no lábio, que fica andando como uma desvairada pelas ruas e cafés, procurando enge
nheiros gentis e travadinhos para ensiná-los a "viver a vida intensamente". É um tipo de estupro,
um estupro brega. A vida é um estupro brega.
Oh, sei lá eu o que é a vida. Mas vou até a varanda, e a cidade vista de cima fica me pedindo
insistentemente, insistentemente, para descer e fazer alguma coisa, alguma coisa; mas eu não sei
o que é. > (1 1102/2004 04h25)
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ALEXANDRI NAS alexandrinas.wunderblogs.com
ZONA N EUTRA
Eu sou do tempo da Zona Neutra. Lembra? Se você, como eu, sempre adorou ficar olhando
mapas, vai lembrar sim. Era aquele pequeno losango arenoso que ficava entre a Arábia Saudita e
o Iraque. Um de seus ângulos resvalava no Kuwait. Na minha infância de nerd, sempre me
intriguei com aquele pedacinho de deserto que, aparentemente, não era de ninguém. Ninguém o
queria? Era mais um estorvo que um domínio? E os pobres nômades que eventualmente
nascessem, de passagem, em algum oásis da Zona Neutra? De que país seriam nacionais? (Sim,
ela tinha alguns oásis. Eu os localizei após uma árdua procura, no melhor e mais detalhado atlas
que encontrei - até hoje, por sinal: o da Encyclopaedia Britannica.)
Oh, dúvidas de menino. Lembrei-me delas vendo o mapa gigante da National Geographic deste
mês (claro que eu leio, todos os meses) e vejo que a Zona Neutra, de repente, sumiu. Aliás, nem
tão de repente assim. Ninguém mais notou, mas eu venho notando: sumiu já há algum tempo.
Os mapas mais recentes não trazem mais a Zona Neutra. Aparentemente, ela foi dividida entre
Arábia Saudita e Iraque. Mas só acreditei mesmo quando até a National Geographic mostra que
ela já não existe mais. (Afinal, os outros mapas podem estar errados. But in NGS we trust. )
Com certeza foi assinado algum tratado entre os dois países a respeito daquele território. Um
acontecimento diplomático dessas dimensões e, aqui no Brasil, nenhum jornal noticiou. Tss, tss.
> (1211 012002 19h41)
A L EXA N D R I N A S 3 3
idéia - ao menos é o que diz aquele filminho meia-boca - que enfim veio, na forma de notáveis
contribuições à teoria dos jogos. Eu também passei um bom tempo esperando a minha grande
idéia chegar; e, para o bem do meu país, ela também veio, durante uma prosaica conversa com
meu amigo Paulo Polzonoff [ www.polzonoff.com.br] .
(Se eu fosse você, aproveitava este último link para dar o fora daqui, agora. Se quiser continuar
lendo, o problema é seu.)
Todos aqueles que pegam ônibus sabem que o principal problema de saúde pública do traba
lhador brasileiro é a falta de sono. Não é possível sentar-se no banco de um coletivo às sete da
manhã sem que ao menos um cambaleante vizinho, piscando e oscilando como um joão-bobo,
ameace dormir e babar no seu ombro a viagem inteira. Na volta do trabalho, lá pelas 19h, é a
mesma coisa. Os ônibus brasileiros estão repletos de zumbis, lutando contra o sono, aguardando
pelo ponto final em franca e deplorável agonia.
A mais óbvia causa disso é o excesso de programas interessantes na TV às duas da madrugada,
horário em que muitos trabalhadores acordam para fazer pipi e assistir um pouco de televisão
enquanto o sono não volta. Por que não, portanto, apresentar nesse horário reality shows soporí
feros, inspirados na Casa dos Artistas, que arremessem o espectador de volta para os braços de
Morfeu?
Eu sugeriria que o novo Ministério da Saúde, em consórcio com o Ministério das Comuni
cações, convocasse os presidentes das redes de TV do país e organizasse um pool de emissoras
cidadãs engajadas na tarefa de restabelecer o sono durante as madrugadas. Cada rede de televisão
apresentaria um diferente reality show, compatível com seu perfil institucional, para impedir o
insone renitente de zapear pelo controle remoto à procura de uma alternativa.
Uma possível distribuição seria a seguinte:
a) Cultura - Casa dos Economistas - imagine juntar numa mesma casa o Pedro Malan, a Maria
da Conceição Tavares, o Delfim Netto, o Celso Furtado, o Gustavo Franco ... Discutindo a con
juntura nacional e os desafios da política econômica por intermináveis quadrissemanas. Nem
precisaria mais do Roda Viva. Os principais atritos seriam por conta da Conceição, lógico. Vejo
ª berrando pela casa, queixando-se de que s ó ela cozinha e que o Delfim só come. Mas o progra-
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ma alcançaria os maiores índices do lbope quando aparecesse a Zélia de biquíni, insinuando-se
para o Armínio Fraga na beira da piscina.
b) Globo Casa dos Meteorologistas não teria muita graça; seria só pelo insólito de ver a
- -
Sandra Annemberg, a Patrícia Poeta, a Mariana Godoy, a Letícia Levy, a Fabiana Scaranzi e
outras gostosas presas numa casa, todas juntas com o Feliz, aquele que apresentava o Aqui Agora
("E piririm, e pororom") . Alguém pode objetar que essas pessoas todas não são meteorologistas,
mas simples apresentadores de boletins do tempo. Eu respondo que se trata de uma licença poéti
ca, exatamente como na Casa dos Artistas.
c) Record Casa dos Adventistas na verdade reuniria também presbiterianos, batistas, con
- -
gregacionistas, pentecostais, deus-é-amor (não sei como se adjetiva esse termo), luteranos,
candomblecistas, mórmons e testemunhas-de-jeová. Eu, por mim, convidaria ainda o padre Que
vedo. Juntos eles animariam as madrugadas com um debate teológico que arrastaria o pobre te
lespectador por todos os círculos dos infernos.
d) MTV Casa dos Tribalistas o único interesse desta Casa para alguns espectadores seriam
- -
as cenas quentes do ménage a trois que obviamente rolaria entre os integrantes da nova banda.
Mas eu acho que o tempo que eles passariam cantando no chuveiro seria suficiente para fazer
qualquer espectador dormir. Causaria alguma discussão a enquete feita junto ao público, nove
meses depois, na Casa dos Tribalistas II: "Como deve se chamar o filho que Marisa Monte teve
com Carlinhos Brown?': Eu proporia o nome de Mano Fatumbi. Mano Fatumbi do Monte Brown
- para ficar tribalista mesmo.
e) Bandeirantes Casa dos Comentaristas esse seria um pouco diferente. Prenderia na mesma
- -
casa, meses a fio, Juarez Soares, Casagrande, Pelé, Rivelino, Gérson, Dadá Maravilha, Roberto
Avallone, Chico Lang, Gato Mestre e, claro, Galvão Bueno. E os deixaríamos lá. Sem comida e sem
água, só uma garrafa de rum. O show terminaria quando não fosse mais possível realizar um Casa
dos Comentaristas II. Que tal? Não acham que agora é a nossa vez de vibrar? É éééééééééééééééééé
do Brasil! ! ! ! »- (07101/2003 21 h37)
A L EX A N D R I N A S 3 5
COI NCID�NCIAS
Há recordações que partilhamos com muita gente; em reuniões entre amigos da mesma gera
ção, invariavelmente são lembrados os programas de TV, os doces e as músicas da infância de
todos; quando os amigos cresceram na mesma cidade, sempre se celebram nostalgicamente os
lugares comumente freqüentados na infância ou adolescência, especialmente os já fechados ou
totalmente alterados. ( É verdade que o simples fato de não serem mais freqüentados por nós já os
transforma insuportavelmente, como no caso do colégio em que estudamos.) Mas há outras que
não compartilhamos com mais ninguém. Por algum motivo havia - sempre havia - programas
de TV a que, aparentemente, só você assistia. Fatos e ocorrências teoricamente públicos que mar
caram sua alma - mas a de ninguém mais.
Da minha cota de recordações exclusivas, já falei aqui sobre a Zona Neutra entre o Iraque e a
Arábia Saudita. Agora, enquanto arrumava meu armário, recuperei do fundo de uma caixa a
minha coleção completa da revista Limite, editada por Mauro Martinez dos Prazeres, hoje dono
da Livraria Devir aqui em São Paulo.
Não que seja uma façanha possuir todas as edições. Essa revista só foi até o número 3. Tratava
de ciências. Era bimestral e foi publicada no final do annus terribilis de 1993 e no começo de 1994.
O primeiro número custou CR$ 350,00 (CR$ significava "cruzeiros reais" [sic] , a "moeda" da
época). O segundo, CR$ 630,00. O terceiro, CR$ 1 .800,00. A inflação disparava, o país afundava
na recessão, ninguém estava nem aí para ciências, iniciativas como essa revista eram muito mal
divulgadas. Tudo mais ou menos como hoje. A Limite não agüentou. Aparentemente, eu fui o
único comprador dessa revista. No Brasil inteiro.
Naquele tempo eu tinha quinze anos e estava no auge de minha idade influenciável. Parece
ridículo afirmar-se influenciado por uma revista desconhecida que só durou três números, mas
no colégio me ensinaram que o romantismo brasileiro foi lançado por uma revista que só chegou
até o número 2. Isso em 1 836, quando também o Brasil, aos catorze anos, estava na idade influen
ciável. Compreendam, pois.
Essa revista não era como a Scientific American. Ela tratava menos dos grandes e óbvios desen
volvimentos recentes do que dos problemas negligenciados, das antigas pesquisas abandonadas,
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das perguntas raramente formuladas que permanecem sem resposta. Era uma revista provocado
ra e original, dedicada a impertinências científicas. Mas ela não descambava para a apelação irra
cionalista. Sua continuidade teria proporcionado à comunidade científica deste país um sem
número de sugestões de pesquisas interessantes. Mas estamos no Brasil.
Um exemplo entre muitos: no número 2 saiu uma fascinante matéria, da autoria de um certo
Serafim Pereira, sobre os incipientes esforços de construção de uma Teoria Geral das Coinci
dências. Um biológo austríaco, o dr. Paul Kammerer ( 1 880- 1 926), intrigado com as pequenas e
grandes coincidências que marcam a vida de todo mundo, começou a registrá-las no seu diário.
Alguns excertos:
"- 4 de novembro de 1 9 10. Meu cunhado foi a um concerto. Possuía o bilhete de número 9. Ao
deixar seu casaco na chapelaria, na entrada do teatro, recebeu um tíquete que também tinha o
número 9.
- 5 de novembro de 1 9 1 0. Meu cunhado foi a outro concerto com um bilhete de número 2 1 .
Na chapelaria também recebeu o número 2 1 .
[. .]
.
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vezes .em que a coincidência se repetia, de modo que o "caso Schwalbach" era uma simples coin
cidência de primeira ordem, enquanto o caso dos números do concerto, por ter ocorrido em duas
noites seguidas, era uma coincidência de segunda ordem, e por aí vai) e pela sua força (que sig
nifica o número de atributos comuns em uma coincidência. O exemplo dado pelo artigo é o
seguinte: o esbarrão entre dois homens na rua, ambos usando chapéu preto, tem uma certa força.
Se além disso ambos tiverem a mesma altura e carregarem, cada qual, um pacote no braço direi
to, a força dessa coincidência é maior. Ela cresce ainda mais se, além disso tudo, ambos se
chamarem "Pedro" e forem filhos de mulheres de nome "Maria': Ou seja: quanto mais pro
priedades comuns têm os elementos de uma coincidência, mais forte ela é.} .
Analisando suas observações, Kammerer notou que o s eventos coincidentes s e distribuíam em
ondas. Durante as observações no parque, por exemplo, às vezes era muito comum a passagem
de pessoas com embrulhos nas mãos; depois passavam levas de homens sem chapéu, ou de
mulheres com bolsas pretas. Conversando com pessoas que jogavam na roleta, Kammerer perce
beu que estas compartilhavam da mesma impressão. Elas relatavam a existência de "marés de
sorte" e de "marés de azar". Para um grande número de observações, é possível dizer estatistica
mente que as quantidades de números pares e ímpares obtidos numa roleta tendem a ser iguais.
Mas enquanto se procedem a essas observações, é comum e significativa a ocorrência de levas de
números pares, seguidas de ondas de números ímpares ...
Em 1919 o dr. Kammerer reuniu suas meditações sobre o assunto no livro Das Gesetz der Serie
("A Lei da Série") . Nessa obra, lida e elogiada por Albert Einstein, que a considerava "original e
nem um pouco absurda': Kammerer afirmava que as coincidências observáveis eram demasiada
mente fortes e freqüentes para serem explicadas - como o faz o senso comum - como "meras
coincidências': A seu ver, devia existir alguma lei desconhecida que descrevesse satisfatoriamente
as repetições aparentemente aleatórias de fenômenos. Essa "Lei da Serialidade" seria, assim, aná
loga às Leis da Mecânica e da Termologia que explicam os movimentos, a gravitação universal e
o calor; contudo, as causas a que essa lei atribuiria as coincidências não seriam diretamente
observáveis ou mensuráveis, como, digamos, a massa e a distância no caso da Lei de Gravitação
Universal. A intuição levou Kammerer a ensaiar a seguinte definição para a Lei da Serialidade:
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fenômenos similares tendem a se atrair no tempo e no espaço. Ocorrências que possuam a mesma
forma ou função atraem-se entre si. Portanto, a Lei da Gravidade seria um simples caso particu
lar da Lei da Serialidade: não apenas massa atrairia massa, mas pessoas atrairiam pessoas, núme
ros atrairiam números, em síntese formas atrairiam formas na razão direta de sua semelhança. A
Lei da Serialidade funcionaria o tempo todo e seria a responsável por uma parte expressiva -
talvez a mais expressiva - daquilo que denominamos "a ordem do mundo': As "coincidências" que
nos chamam a atenção seriam, simplesmente, as manifestações demasiado óbvias desse Princípio
Serial universal. Mas "coincidências" mais sutis ocorreriam o tempo todo, em toda parte. São elas
que dariam ao cosmos sua relativa estabilidade e previsibilidade.
Kammerer tinha consciência de que isso era apenas um esboço, uma intuição mais filosófica
que científica, e que muitos detalhes adicionais deveriam ser satisfatoriamente descritos até que
a Lei da Serialidade pudesse ser incorporada à ciência. Infelizmente os elogios de Einstein não
significaram uma efetiva continuidade desses estudos. Kammerer suicidou-se poucos anos
depois, envolvido num escândalo de falsificação de evidências experimentais que sustentavam
um artigo sobre genética de sua autoria ( Kammerer era lamarckista em pleno começo do século
XX, e pretendia demonstrar a possibilidade de transmissão genética de caracteres adquiridos).
Uma investigação levada a cabo décadas depois por Arthur Koestler concluiu que Kammerer era
inocente; seu auxiliar de laboratório é que teria forjado as provas, sem seu conhecimento. Seja
como for, nem o próprio Kammerer nem ninguém mais levou para a frente as intuições sobre a
Lei da Serialidade, com as possíveis exceção de Carl Gustav Jung no campo da psicologia (a hi
pótese da sincronicidade seria, em parte, uma recuperação das idéias de Kammerer) e Wolfgang
Pauli no da física. E o próprio Koestler, por coincidência - ou não, como podemos supor agora -
tratou de suicidar-se também, algum tempo depois.
Assim era a Limite. Durante míseros três números, tratou de brindar seus leitores (i.e., eu) com
fascinantes indagações, reescavadas dos subterrâneos da ciência.
É deplorável que tão pouca gente tenha ficado sabendo disso.
Mas assim é a vida. Se entre mais de um milhão de blogs (só no Blogger*) o leitor veio parar
justo no meu, e por acaso também lia a Limite, e ainda por cima se lembra da Zona Neutra, não
A L E X A N D R I N A S 3 9
resista à Lei da Serialidade: aproxime-se, meu caro. Deixe um comentário aí embaixo. Se for mu
lher e solteira, aproxime-se mais; meu e-mail está ao lado. Vai ser divertido descobrirmos mais
coincidências juntos. > (12101/2003 15h06)
• Onde o Alexandrinas se hospedava na época deste post.
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Diga-se desde logo que Sócrates é um homem espiritual. Sua defesa, portanto, é essencialmente
sacra - mais precisamente, profética - e qualquer interpretação materialista ou cética que se lhe
dê, ainda que agrade mais ao gosto moderno, é irremediavelmente falsa.
Sócrates, profeta-intelectual, justifica-se perante seus juízes declarando que sua missão de filó
sofo lhe foi confiada por Deus. Ele a exerceu interrogando as pessoas e questionando-as sobre sua
aparente sabedoria, não por sentir prazer nisso, nem por obter dinheiro em troca (ao contrário
dos sofistas seus contemporâneos), mas porque isto era o seu dever vocacional. Ele lhe foi revela
do de muitas formas, desde a infância; a mais notória delas foi o oráculo de Delfos, que o decla
rou o mais sábio dos homens. Logo a ele, que não se julgava detentor de sabedoria alguma - até
atinar que era isso mesmo que o distinguia dos demais homens e o tornava, nalgum sentido, mais
sábio que eles. Desde então Sócrates se pôs a dialogar com todos os homens que encontrava, espe
cialmente aqueles que se consideravam portadores de alguma ciência, e tomou por sua missão
verificar se essa ciência era real ou imaginária, para assim testar aquele oráculo. Invariavelmente,
Sócrates desmascarava seus interlocutores e demonstrava aos ouvintes que aqueles, na verdade,
nada sabiam. Não é difícil imaginar que esse exercício lhe rendeu inúmeros inimigos - e uns tan
tos admiradores. Longe dele, contudo, o prazer sofístico de "derrotar adversários" - Sócrates se
enojava com essa motivação vaidosa e considerava indigno da vida intelectual quem fosse movi
do por ela. Seu propósito era remover das mentes das pessoas a crosta de pseudociência, pedan
tismo e preconceitos que recobria seu entendimento, e assim abrir o espírito do interlocutor à
única forma de sabedoria cujo valor está acima de qualquer possibilidade de crítica: o cuidado
com a alma, o zelo pela justiça e pela probidade, o aperfeiçoamento na virtude. Certamente nem
todos os submetidos ao exame socrático se conformavam com essa finalidade, o que explica o
clima de boatos maliciosos e denúncias que se formou em torno de Sócrates e, em última instân
cia, sua condenação e execução.
Quem amar o intelecto e a vida espiritual, acompanhará o mais sábio dos homens em sua
paixão e morte. Tudo nele é coerência e dignidade. O leitor será tocado pela sagacidade com que
ele põe a nu as contradições e absurdos das acusações que Meleto lhe dirige; pela coragem com
que ele afirma aos juízes, várias vezes ao longo do processo, que não abandonará a filosofia, nem
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modificará seu procedimento, "ainda que tenha de morrer muitas vezes"; e pela sinceridade com
que ele se dirige aos juízes quando fala que são eles, e não Sócrates, que verdadeiramente sairiam
perdendo caso ele fosse condenado. Mas deixemos todos esses exemplos - e mais a renúncia a
usar de artifícios demagógicos, como trazer os filhos para o Tribunal; e mais a suprema integri
dade (ou "audácia': segundo seus algozes) de propor aos juízes o seu sustento no Pritaneu
(prêmio vitalício concedido por Atenas aos seus campeões olímpicos) , como a única "pena" digna
dele ... - deixemos tudo isso para você e sua própria leitura da obra. E voltemos a nossa atenção
aos acusadores de Sócrates.
Quem são Ãnito, Meleto e Lícon? Mais - ou menos - do que indivíduos, segundo as palavras
do próprio Sócrates; são tipos emblemáticos, os três inimigos permanentes da sabedoria. Ãnito,
rico industrial e poderoso político do partido democrata, era provavelmente o cabeça da
acusação. Ele é o reformador social, o homem que se ampara nas eternas expectativas populares
para galgar postos na cidade e deter para si o poder; mas Sócrates desmascara suas propostas, espe
cialmente na medida em que se revestem de um verniz "científico'; e condena a ambição pessoal
travestida de solidarismo utópico. Meleto, um poeta, é o acusador mais evidente. Seu ódio por
Sócrates vem do fato deste ter demonstrado que o dom artístico e expressivo não é uma forma
especial de sabedoria, mas um talento mais ou menos mecânico que, por si só, não qualifica o seu
titular sequer a compreender sua própria obra, quanto mais a opinar sobre os problemas fundamen
tais da existência. (Voltarei ao assunto noutra oportunidade. Por ora é significativo notar que
quem mais se enraiveceu com essa lição não foi um grande poeta, mas o medíocre Meleto. Mesmo
Aristófanes, que em suas Nuvens ridiculariza um Sócrates caricatural, parece ter sido admirador
e amigo do Sócrates real.) Lícon, que é apenas mencionado, era um sofista e retórico de prestígio.
O que Sócrates condena nele é o relativismo moral que, em seu caso, se manifesta no uso e ensino
da retórica para quaisquer fins que se desejem ou, em outras palavras, a reflexão sobre as técnicas de
persuasão desacompanhada da reflexão sobre os fins da persuasão - considerados "subjetivos" e dei
xados ao arbítrio do retor.
Aos olhos de seus acusadores e inimigos, Sócrates parece insuportavelmente arrogante e pre
tensioso. Ao reivindicar para si, como profeta-intelectual, o papel de juiz e instrutor que é seu por
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eleição divina, Sócrates necessariamente é tido por petulante por todo aquele que rejeite o pri
mado da consciência individual ou o interprete mal. E, quanto maior a dignidade com que se
defende, tanto mais insolente Sócrates parece ser.
Após ser condenado à morte, o profeta dirige-se àqueles que o condenaram e vaticina: eles não
se livrarão de ser examinados por homens de Espírito, outros se seguirão a Sócrates e os ques
tionarão da mesma forma. E, corno não poderia deixar de ser (já que a Apologia é livro sacro,
quase cristão, e deve ser lida com seriedade bíblica) , a profecia se cumpriu: o mesmo Deus que
assinalou Sócrates não deixou de investir outros tantos homens, em todos os tempos e lugares, da
mesma missão e da mesma autoridade. E não deixará jamais de fazê-lo. Você pode reconhecê-los
no meio da multidão de insignificâncias intelectuais por três sinais simples, todos evidentes na
Apologia: (i) não apenas crêem em Deus, mas O experimentam em sua vida interior, e é em Seu
nome, explícita ou discretamente, que exercem sua missão profética e intelectual; (ii) não se enga
jam na vida política e fogem, tanto quanto possível, dos encargos do poder temporal, nos quais é
quase impossível apelar à consciência individual, única instância pensante da vida humana; é à
intimidade individual, e não a massas, partidos ou assembléias que o homem de Espírito se dirige;
(iii) são constantemente ridicularizados, incompreendidos, caluniados e perseguidos, particular
mente pelo tom vaidoso e arrogante de suas prédicas, mas fazem pouco caso. disso, e prosseguem
sua missão sem outro medo que não o de cometer alguma injustiça.
Ânito, Meleto e Lícon também não nos abandonaram. Nem o farão algum dia. É destino de
Sócrates, de fato, "morrer muitas vezes". > (1 1102/2003 1 1 h27)
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to do vizinho ou no seu. Sirenes: polícia, bombeiros, ambulância. Orangotangos e egüinhas pocotó
estacionam seus veículos com as portas abertas, exibindo a potência de seus amplificadores de
som, músicas grotescas (nunca vi tocarem Mahler) . Os ruídos domésticos, inevitáveis, da
máquina de lavar roupa e do forno de microondas. Barzinhos e casas noturnas cheios de gente
animada e sem nenhum isolamento acústico. Em qualquer escritório, loja, rua, cinema, teatro,
sala de concertos ou igreja toca um celular a cada quinze minutos. E as pamonhas, pamonhas,
pamonhas.
Uma cidade insuportavelmente barulhenta como esta, em que é impossível ler um livro sem
fechar as portas e janelas, está morta para a cultura. Até pode ainda surgir nela um ou outro
.
escritor de primeira, mas será quase invariavelmente um Edgar Allan Poe, um Augusto dos Anjos
ou alguma outra expressão melancolicamente refinada de nossos transtornos obsessivo-compul
sivos. De São Paulo não sairá jamais um Buffon, um Arnold Toynbee, um São Tomás de Aquino
ou qualquer realização intelectual assim disciplinada e ambiciosa, que exija pensamento sis
temático, meditação prolongada e cultura geral sólida. O nível máximo de decibéis compatível
com esse tipo de empreendimento já foi superado, sem chance de reabilitação.
E para cada escritor talentoso que ainda insiste em surgir nesta caixa acústica infernal,
irrompem pelo menos cem pagodeiros, grafiteiros e skatistas. > (12102/2003 1 0h07)
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concedeu-se muitas liberdades quanto aos pormenores - e mesmo, provavelmente, quanto a
algumas das idéias mais importantes discutidas no diálogo. Tal como na Apologia, isso não tem
importância nenhuma. Sócrates está na prisão, aguardando a execução iminente. Durante uma
madrugada recebe a visita de seu grande amigo Críton, ancião como ele, que aos cochichos lhe
propõe um plano de fuga. Alguns dos guardas da masmorra são subornáveis. Críton e outros
amigos juntaram um dinheiro considerável, suficiente para o suborno e a fuga para o estrangeiro.
Críton tem amigos na Tessália que acolheriam o filósofo em sua casa. Nenhum dos envolvidos
teme colaborar na evasão; temem muito mais a morte escandalosamente injusta de um amigo
sábio. Temem também, e bastante, o desprezo popular: Críton comenta com amargura que, caso
Sócrates fosse mesmo executado, no mesmo dia Atenas inteira já estaria boquejando que "seus
amigos, mesmo ricos e influentes, não mexeram uma palha para ajudá-lo". Tudo, enfim, está pron
to. Falta apenas o sim do principal beneficiário.
E a sua resposta é "não':
Mas não é um "não" rasgado, colérico, indignado - para usar a palavra que a ralé adora quan
do se discutem questões éticas. É um "não" socrático, arrancado pacientemente dos lábios do
próprio Críton, através de um debate afetuoso conduzido com inteligência pelo filósofo. Afinal,
o velho Críton nada mais é do que o homem comum, pessoa de vida honesta e decente, mas que
nas situações-limite está, sim, disposto a virar a mesa para impedir aquilo que julga ser o pior dos
males. Nada muito diferente de mim, e nem de você. E Sócrates é todo carinho e ternura com o
bom do Críton: o conduz pela mão através de um questionamento que o faz, paulatinamente,
co mpreender a imoralidade de sua proposta de fuga e desistir dela com sinceridade.
Só o efeito literário disso já vale a leitura desse livrinho. A situação, insólita e original, é das mais
comoventes: no corredor da morte, é o condenado - injustamente sentenciado - quem reconfor
ta e consola o seu visitante. Platão é um dos pouquíssimos filósofos que conseguem emocionar
todos os seus leitores inteligentes, inclusive aqueles que não têm particular propensão filosófica.
Sócrates começa tirando da cabeça de Críton a preocupação com aquilo que a turba vai dizer
ou pensar sobre ele e os demais amigos de Sócrates. A patuléia poderá, de fato, acusar Críton de
omissão. Mas em moral como em qualquer outro assunto não se deve dar atenção à opinião cor-
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rente entre o grande público, mas sim ao juízo esclarecido daqueles poucos que refletiram sobre
o assunto e realmente sabem do que estão falando. A voz de um único mestre vale muito, a de
quinhentos imbecis não vale nada. Argumento simplíssimo, mas muito verdadeiro, não? Lem
brar-se sempre disso faz bem para o caráter.
Críton pros�egue reafirmando, estimulado por Sócrates, a idéia de que se deve sempre agir de
maneira justa (isto é, virtuosa), independentemente de se estar recebendo de outras pessoas um
tratamento justo ou não. É que só a ação justa presta honra à dignidade do homem. Isso torna a
reciprocidade irrelevante. Se respondermos a uma injustiça com outra injustiça, a vergonha em
que incorre nosso agressor será nossa também. Manter um comportamento justo em qualquer
circunstância é, pois, a única alternativa de ação compatível com a decência. Sócrates também faz
Críton reconhecer que manter a decência é mais importante do que evitar qualquer dano provo
cado pela injustiça alheia: o máximo que um inimigo pode nos fazer é matar nosso corpo, o que
ainda é preferível à degradação da nossa alma. Cabe, portanto, ao homem ser incorruptivelmente
justo e virtuoso mesmo diante do perigo de morte.
(Para mim, honra é isso. Como soa este discurso para os ouvidos de hoje? Bom, esses conceitos
ainda oferecem o código ético de superproduções de sucesso como O Senhor dos Anéis e todo
mundo está mais ou menos familiarizado com elas. Porém, nesta era de descompromisso com o
modo de vida filosófico, essas idéias viraram uma espécie de lugar-comum teórico, muito repeti
das em academias, filas de cinema e mesas de bar, mas não assimiladas por quase ninguém. São
tratadas apenas como uma hipótese, tacitamente aceita como pouco séria, embora ninguém se
proponha a refutá-la de modo honesto. É o que de resto acontece com a filosofia antiga em geral:
ela não.é mais considerada como uma alternativa viável de vida, mas como uma relíquia históri
ca. Um snack erudito para salgar conversinhas regadas a chope.
Neste caso específico, a conseqüência trágica é a perda da verdadeira noção de honra, e dos
modos apropriados de dignificar com ela a sua vida. As pessoas então tentam encontrar a indis
pensável honra em lugares os mais improváveis e desastrosos.)
Resta examinar se é justo ou não corromper os guardas e fugir da cadeia, nas atuais circuns
tâncias. Sócrates convence Críton de que isso seria profundamente injusto: o filósofo está atado
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ao dever moral de permanecer e submeter-se à pena imposta pelo tribunal por dois motivos.
O primeiro é um dever incondicional de gratidão para com a pátria e suas instituições, ou Leis,
como são chamadas no diálogo. A Cidade (o Estado, diríamos hoje) é a mais elevada instância
social da vida humana. Mais ainda do que a família. Da Cidade e de suas Leis recebemos tudo: a
família nos proporcionou muitos benefícios, mas ela mesma foi constituída pela Cidade, através
das Leis que a regulam. Sócrates (na verdade, Platão, que punha suas idéias na boca de Sócrates)
também lembra que a educação - e, por meio dela, o exercício livre da consciência - foi-nos dada
pelas Leis. Platão parece sugerir que todos os instrumentos responsáveis pela emergência de nossa
consciência individual são direta ou indiretamente outorgados pelo Estado. Este, então, é mere
cedor da máxima gratidão e incondicional lealdade. A Cidade, que nos criou, pode nos aniquilar,
se entender que isso é necessário para sua própria preservação. O que cabe ao cidadão é ou per
suadir a Cidade do contrário, através dos meios legais - o que Sócrates tentou, sem êxito, em seu
julgamento - ou submeter-se com obediência ao seu império. Mas jamais tentar destruí-lo
através da insubordinação. Trata-se da mesma ordem natural pela qual o pai pode bater no filho,
mas não o contrário.
Claro que não é possível aderir a essa tese. Sem dúvida que tanto o Estado quanto a Família são
instituições destinadas ao bem comum de seus integrantes, particularmente dos mais fracos, mas
enquanto nas famílias o amor normalmente impele os pais a de fato zelarem pelo bem dos filhos
em primeiro lugar, na vida pública isso é uma exceção quase inédita. O poder sempre foi e con
tinuará sendo buscado basicamente para o proveito dos interesses particulares de seus ocupantes;
o berri comum, que nas famílias é em geral um objetivo vivo e atuante, na política é principal
mente um recurso retórico. Mas não é preciso concordar integralmente com Platão para reconhe
cer a dívida que todo homem tem para com o país em que nasceu, do qual recebeu, afinal de con
tas, muitos bens. E não é necessário que a nação seja grandiosa para que isso seja verdadeiro. A
mesquinha Atenas que executou Sócrates já era então uma apagada lembrança daquilo que havia
sido na juventude do filósofo. Nem por isso ele se sentiu menos grato à Cidade que o matava.
Sócrates, na verdade, fez questão de dar à sua pátria muito mais do que ela merecia; também nesse
ponto sua vida foi o modelo daquela de todos os homens de Espírito que viriam depois.
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A segunda fonte do dever de fidelidade à pátria e suas ordens vem da aceitação tácita e volun
tária das Leis do país. Atenas era uma democracia, que permitia livremente que seus cidadãos
maiores fossem embora, levando consigo seus bens. Ninguém era forçado a permanecer na
Cidade contra a sua vontade. Sócrates pondera que, nessas circunstâncias, permanecer é uma
óbvia aceitação das Leis que regem o país; quem não está contente com as Leis e as considera
injustas manifesta seu desagrado retirando-se. Se Sócrates não o fez, é porque as aceitou, con
siderou-as adequadas e seria sumamente injusto violar essa convenção que ele celebrou com a
Cidade em que vivia. Ou seria justo apenas aproveitar os benefícios que as Leis lhe concederam,
para fugir dos malefícios que vieram quando as Leis se voltaram contra ele? Não, isso não seria
conduta digna de um sábio. Além disso, as Leis que condenaram Sócrates à morte eram perfeita
mente justas; não há nada de absurdo nelas; equivocada foi a aplicação dessas Leis ao seu caso
concreto. Injustos foram os juízes, não as Leis; mas fugir da cadeia e da pena seria atacar as Leis,
não os juízes. E, se não se pode responder com uma injustiça a quem nos é injusto, muito menos
se pode ser injusto com instituições justas. Portanto, Sócrates conclui, cabe-lhe acatar a decisão
do Tribunal e morrer.
Essa lógica implacável não deixa de abrir brechas, aqui e ali, por meio das quais pode-se apreen
der o sentido último - e melhor - daquilo que Sócrates quer dizer. "Então, desiste, Críton; pro
cedamos daquela forma, porque tal é o caminho por onde a Divindade nos guia." Sócrates é o porta
voz, na Grécia, de um ensinamento tradicional presente em todas as linhagens espirituais do
mundo, segundo o qual o homem dev�sforçar-se por integrar-se ativamente na ordem divina,
enquanto contorna suavemente as contingências da ordem natural e histórica". Em outras
palavras, só é sábio quem dedica suas energias à conquista do mundo do Espírito, enquanto pere
grina por este mundo material causando a mínima perturbação possível. O leitor mais profundo
compreenderá pelo Críton a futilidade de todas as revoluções, insurreições e insubordinações, que
desonram a alma cujos cuidados são o que mais importa. Não é outra coisa senão o que séculos
mais tarde Jesus ensinaria a seus discípulos: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus': Isso inclui morrer, se for preciso, e com o mínimo de perturbação. Como, aliás, o próprio
Jesus também morreu.
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Junto com a Apologia, o Críton forma um Manifesto do Espírito. Para aqueles que não O enten
dem, é uma declaração inflexível das prerrogativas do sábio perante o mundo. E para aqueles que
querem seguir seus passos, é a codificação de seus deveres perante este mesmo mundo, e da me
lh� r forma de contornar suas dificuldades. Esses dois livrinhos compõem a Filocalia dos intelec
tuais. > (24/02/2003 22h53)
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os exageros e aberrações caricaturais que compõem a matéria mesma da comédia são governados
desde cima, muito discretamente, por um precioso e inesperado senso das proporções - nem
sempre mantido pelos poetas "sisudos': mesmo os melhores, que às vezes parecem esquecidos de
tudo o que não é transcendental, e menos ainda pelo humorismo vulgar dos cartunistas e cineas
tas do dia.
O ateniense Aristófanes viveu entre meados do séc. V e inícios do séc. IV a.C. Era uns 35 anos
mais jovem que Eurípides, uns vinte anos mais jovem que Sócrates e uns vinte e poucos mais
velho que Platão. Acredita-se que sua infância e adolescência se passaram parte em Atenas - então
no auge do seu esplendor - e parte em Egina, uma ilha agradável onde a família tinha pro
priedades rurais. Nada mal para um garoto. Mas, quando ele tinha uns vinte anos, começou a
prolongada e catastrófica Guerra do Peloponeso. Aristófanes viveria o suficiente para ver a
destruição de sua cidade por Esparta. Assistiria ainda às crises políticas do pós-guerra, ao julga
mento e execução de Sócrates e, enfim, à parcial reconstrução de Atenas.
Ele comentou essas e muitas outras coisas ao longo de sua carreira teatral. Lá pelos 23 anos fez
sua estréia nos festivais de Dionísio e desde então parece ter escrito uma comédia por ano, todos
os anos, até a morte. Foram ao todo umas quarenta peças. Dessas, onze chegaram até nós com
pletas. As Nuvens foi encenada em 423 a.C. Composta aos 27 anos, foi a sua quinta obra.
Conta a história de Estrepsíades, um velho ateniense de origem rural, mal-casado com uma
dondoca da cidade e endividado pelas extravagâncias de seu filho Fidipides, playboy mimado,
amante de cavalos de raça. Pensando num modo de se safar das dívidas, Estrepsíades procura seu
vizinho Sócrates - ele mesmo, o filósofo -, para aprender as técnicas da argumentação sofística e
assim conseguir engambelar os juízes nas cobranças judiciais que seus credores moverão contra
ele. Da Filosofia nada mais lhe interessa: cosmologia, gramática, poética, tudo isso para ele é só
chateação: o que ele quer aprender é a "arte do raciocínio forte e do fraco", principalmente o fraco,
com o qual ouviu dizer que é possível vencer nas causas mais injustas, como a sua, e assim dar
solução feliz aos seus problemas. Mas Estrepsíades já é velho e cabeça-dura demais para aprender
as sutilezas sofísticas; Sócr�tes acaba perdendo a paciência, e o velho convence o filho Fidípides a
assumir o seu lugar como aluno. Paro por aqui; se quer saber como a história prossegue, leia o livro.
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É verdade que, hoje, lê-lo já não é mais tão fácil. Passados 2 mil e quatrocentos anos, o leitor
tem que fingir algumas coisas para si mesmo. Eu, que não sei grego e li em traduções para o por
tuguês, tive que fingir que entendia no ato os inúmeros trocadilhos do original, que os tradutores
às vezes adaptam como podem e outras vezes simplesmente assinalam em nota de rodapé. (O que
é bem pouco divertido.) Também fiz de conta que compreendia as inúmeras referências a fatos
correntes - alusões aos políticos corruptos, aos pederastas notórios, aos medalhões e tram
biqueiros famosos que compunham a atualidade de Atenas em 423 a.C. Ouvi ainda ao meu lado
uma imaginária platéia grega que ria a todo instante, parando apenas para ouvir, enlevada, a
declamação de alguns versos belíssimos pelo coro - cujo lirismo ainda posso vislumbrar, muito
de leve, nas entrelinhas das deformantes versões em prosa disponíveis.
Que são apenas duas, ao que eu saiba. Uma mais antiga, de Gilda Maria Reale Starzynski, e
outra mais recente, de Mário da Gama Kury. A de Gilda é mais erudita; inumeráveis notas de
rodapé explicam ao leitor moderno cada uma das referências que ele tem o direito de ignorar, e
até as que ele não tem. A versão de Mário, por sua vez, tem uma linguagem menos pudica e mais
espirituosa; é talvez mais fiel. Ambos, porém, incorreram no mesmo pecado: preferiram o cami
nho mais fácil e verteram o texto em prosa, ao invés de reconstruir, em nossa língua, a estrutura
poética do original. (Todo o teatro grego, trágico e cômico, é rigorosamente versificado, não só
nos cantos corais como também nos diálogos.) O resultado lamentável é que o brilho propria
mente poético de Aristófanes fica quase apagado.
Mas esses são transtornos menores. Continua sendo possível se divertir com muitas das piadas
de Aristófanes, e mesmo as várias referências a fatos e pessoas da época não a tornam propria
mente uma peça atual - ou desatual, do nosso ponto de vista. As Nuvens têm interesse permanen
te, porque seu problema central é permanente: o pseudointelectual e sua influência. Aristófanes
nos apresenta um Sócrates que é o retrato imortal do estelionatário do pensamento. É notável que
seus traços típicos sejam sempre mais ou menos os mesmos em todas as épocas e lugares. Alguns
exemplos: Sócrates não crê em Zeus, nem nos demais deuses, porque conhece explicações físicas
para os fenômenos do mundo. Ele só crê nas Nuvens - que símbolo mais bem escolhido! -, umas
divindades naturais bastante fluidas, vaporosas e "elevadas': às quais Sócrates atribui os poderes
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intelectuais dos filósofos (eu me lembrei dos modelos matemáticos cultuados pelos cientistas de
hoje). Durante uma aula de gramática, muito engraçada mas difícil de traduzir, ele analisa a lin
guagem a partir de pressupostos arbitrários para daí deduzir algumas conseqüências paradoxais.
Por fim, Sócrates não tem qualquer preocupação moral e está pouco se lixando se Estrepsíades
pretende usar seus conhecimentos para dar o calote em seus credores. Afinal, despertar virtudes
no aluno era objetivo da obsoleta educação antiga; a educação moderna, da qual Sócrates é repre
sentante, prefere preparar o educando para satisfazer suas necessidades. Um dos momentos mais
hilariantes da peça é um debate entre o Raciocínio Justo e o Raciocínio Injusto (que comparecem
assim mesmo, personificados), no qual fica claríssimo que, malgrado o Raciocínio Justo leve um
sujeito à decência, à verdade e ao pudor, o Raciocínio Injusto é muito mais generoso: proporciona
dinheiro, fama e sexo. Com a vantagem adicional de não cheirar a mofo nem ser impopular, como
o Raciocínio Justo.
Não é nada difícil reconhecer nesse feio retrato os cientificismos, relativismos e pragmatismos
que infestam aquilo que hoje passa por alta cultura, tal como nos tempos de Aristófanes. O agnos
ticismo "científico" e uma amalucada filosofia da linguagem, o relativismo moral e o pragmatismo
educacional, muito daquilo que parece ser o conjunto de conquistas intelectuais da modernidade
não são senão reedições de antigas teses sofísticas das quais um comediógrafo ateniense já nos havia
feito gargalhar há 2 mil e quatrocentos anos. É tempo demais, porém - o suficiente para nos esque
cermos disso. O destino que deveríamos dar a essa produção incultura! é algo que Aristófanes tam
bém esclarece, no desfecho da peça - mas sua boa sugestão foi igualmente esquecida.
Devo terminar esta nota falando de um problema menor, que a miopia dos historiadores da
literatura teima em abordar como se fosse o ponto mais interessante da peça: as relações entre o
Sócrates de Aristófanes e o Sócrates histórico. Nove entre dez comentaristas escrevem coisas
como ''Aristófanes desmistifica a figura de Sócrates". É o efeito combinado da ignorância da
filosofia grega com a falta de senso de humor. Quem leu Platão sabe que é impossível levar a sério
o Sócrates das Nuvens. Este é uma simples construção cômica de Aristó fanes, a síntese teatral de
todos os sofistas gregos num único personagem: é possível apontar a correspondência entre cada
uma das falas de Sócrates na peça e o estilo de um determinado sofista famoso na época. De
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Sócrates, mesmo, o personagem não tem senão o nome - e, às vezes, alguns cacoetes. A leitura de
duas obras platônicas que já comentei aqui (a Apologia e o Criton) é suficiente para fazer perce
ber que, longe de se opor a Sócrates, Aristófanes é rigorosamente socrático na sua crítica
implacável à impostura intelectual. Esta peça, na verdade, é a representação humorística da
mesma mensagem anti-sofística que, sob forma um pouco mais séria, Sócrates ensinava pelas
ruas de Atenas. O motivo pelo qual Aristófanes fez de Sócrates o símbolo da sofística ateniense é
o fato de que ele era o mais famoso de todos os filósofos da época; a alusão a Sócrates teria obvia
mente mais punch do que a alusão a qualquer outro, e o público em geral não era suficientemente
conhecedor das suas peculiaríssimas opiniões e métodos para distinguí-lo da turba de sofistas que
infestava Atenas. É verdade que Aristófanes era amigo de Sócrates. Mas ele era daqueles que,
como diz o lugar-comum, perdem o amigo mas não perdem a piada.
Claro que ele não perdeu nem uma coisa nem outra. Platão deu testemunho no Banquete da
amizade que continuou a unir o filósofo ao comediante. Admiração da qual ele próprio compar
tilhava. Ao rei de Siracusa, que pedira à Academia um livro sobre as instituições políticas ate
nienses, Platão respondeu enviando-lhe uma cópia das comédias completas de Aristófanes. Em
seu leito de morte, Platão pediu que lhe trouxessem essas comédias, e as deixassem ao lado dele,
ao alcance da mão, para que ele as pudesse ler em seus momentos finais. E a Antologia Grega regis
tra um epigrama que Platão escreveu em alguma ocasião:
"As Graças procuravam um altar perene;
encontraram-no na inteligência de Aristófanes':
Esse era o reconhecimento que Platão dedicava ao homem que a crítica moderna acha que foi
responsável pela trágica morte de seu mestre. Ah, o sóbrio Platão tinha muito mais senso de
humor do que os críticos de hoje. > (16103/2003 1 7h15)
A L E X A N D R I N A S 5 3
a esquerda, a direita pró-Bush, a direita anti-Bush, o Mohammed al-Sahaf, eu, todo mundo enfim
deu seu palpite, e o tiroteio verbal fez seguramente mais vítimas que os tais Fedayin de Saddam.
Consegui concluir ao menos que este é um bom nome para uma bandinha de rock-garagem ou
um blog coletivo. Não acham? "Os Fedayin de Saddam." Fedayin ponto blogspot ponto com.
Doxa por toda parte. Mas a opinião que importa é a de Aristófanes.
Por uma feliz coincidência, li a Lisístrata no comecinho da guerra, quando o palpiteirismo esta
va no auge. Foi uma experiência, como direi?, revigorante. A engraçada lucidez de Aristófanes
aliviou o desespero com que eu buscava, entre páginas e páginas de jornais, uma opinião
confiável sobre a guerra. Hoje em dia é muito constrangedor não ter uma opinião formada sobre
os tais grandes acontecimentos geopolíticos. E ainda mais se não tivermos certeza de que nossa
opinião é a certa e justa. Mas quem tentou refletir sobre todos os 1 23 mil artigos de comentaris
tas políticos ficou tão confuso pelas inumeráveis complexidades em jogo que não percebeu o
lento apagar do próprio cérebro daqueles velhos truísmos que nos acompanham desde os cinco
anos de idade: a paz é melhor do que a guerra, os prazeres individuais simples são mais próprios
ao homem do que os grandes sacrifícios coletivos, e a amena companhia da mulher amada eleva
o sujeito a alturas maiores do que a de unknown soldiers morrendo no front, gloriosamente sua
dos. (''Ah, mas como é que você sabe disso? Você já lutou, por acaso?" Ai, Jesus. Não, nunca.
Dessas duas experiências eu só passei pela primeira. Mas não sinto nenhuma vontade de trocá-la
pela segunda. Você sente?)
É essa, só essa a idéia da Lisístrata, simplíssima e inevitável como um ovo de Páscoa: a paz é
feliz, a guerra é lamentável. Nenhuma grande elocubração, nenhuma revelação de verdades dia
bolicamente sutis, só o mais puro apelo à evidência e ao senso comum da humanidade. E com
que satisfação essa verdade óbvia e moribunda foi desenterrada de meu crânio pela leitura de
diálogos tão espirituosos e cenas tão engraçadas. Gostaria ainda de acrescentar: e versos tão pri
morosos; mas estes infelizmente não pude apreciar, porque as traduções para o português que eu
encontrei estão em prosa. Aristófanes escreveu todas as suas peças em poesia, que os helenistas
nos garantem ser da mais alta categoria, mas os nossos tradutores se acham no direito de
descaracterizar seus textos, prosificando-os. Ou prosaicizando-os. Sim, sem dúvida é mais difícil
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traduzi-los em versos. E mais ainda em versos apropriados à representação teatral do texto, à
maneira dos velhos autos lusitanos. Mas se o sujeito não se sente à altura da tarefa, então por que
se mete a fazê-la?
Seja como for, as traduções disponíveis cumprem a função de apresentar o leitor brasileiro a
Aristófanes. Encontrei duas: a de Millô r Fernandes e a de Mário da Gama Kury. A de Millôr é bem
melhor. Como era de se esperar, ela é muito engraçada, e se presta bem à encenação teatral. Já a
de Gama Kury, importante helenista que traduziu muitas obras clássicas para a nossa língua, é
uma das mais fracas de sua carreira. Burocrática e pouco inspirada, não faz justiça nem a
Aristófanes nem às demais traduções de sua lavra.
Quando Aristófanes escreveu e encenou esta comédia, em 4 1 1 a.C., a Guerra do Peloponeso já
se arrastava havia vinte anos. A cidade era habitada basicamente por velhos, crianças e viúvas. Os
gregos mais moços, em geral órfãos, nunca haviam conhecido a paz em suas vidas. A armada ate
niense havia sofrido uma decisiva catástrofe em Siracusa, e os sete anos seguintes seriam de inútil
e obstinada resistência até a derrota final. As instituições da cidade estavam dominadas por dema
gogos, a economia arruinara-se e a grandeza ateniense já era uma lembrança, exclusiva dos mais
velhos. É nesse cenário de desolação e abismo que Aristófanes, assumindo o involuntário encar
go de último baluarte do moral ateniense, dá voz às mulheres atenienses e dirige à platéia sua
engraçada e utópica proposta de paz.
Para não ter que falar muito da guerra propriamente dita - tema doloroso demais para uma
comédia, naquelas circunstâncias - ele tira o seu mote de uma outra, mais prosaica: a guerra dos
sexos. O conservador Aristófanes toma o partido das mulheres de Atenas. Não que ele prop onha
uma subversão da ordem ou um igualitarismo feminista; o caso aqui é antes o de um direito à
resistência civil (como diríamos no jargão político de hoje), permitido pelas circunstâncias excep
cionais. Assuntos da vida públü::a cabem por natureza aos homens, mas eles só estão fazendo
besteira. Basta de guerra, decidem as mulheres reunidas numa clandestina assembléia pan-helêni
ca, convocada pela ateniense Lisístrata. E como elas forçarão os homens gregos a celebrarem a paz
imediatamente e sem condições? Simples: fechando as pernas. Lisístrata faz as mulheres jurarem
que não farão mais sexo com seus maridos enquanto a paz não sair.
A L E X A N D R I N A S 5 5
Essas são as primeiras cenas da peça. O resto são peripécias que você preferirá descobrir por sua
conta. A meu ver a Lisístrata, hoje, é mais engraçada - e mais facilmente encenável - do que as
Nuvens. Há muito menos referências datadas. O autor já era um escritor maduro. Seu domínio
do humor vulgar estava próximo da perfeição. Não me lembro de nenhum outro autor que
soubesse usar palavrões, trocadilhos sexuais e outras obscenidades de modo realmente engraça
do. Tal como Camilo Castelo Branco e Rui Barbosa, os únicos que sabiam usar todos aqueles pre
ciosismos arcaicos sem se desviar um milímetro da mais estrita elegância, e tal como Guimarães
Rosa, o único imitador da fala das classes baixas capaz de extrair dela um sentido transcendente,
Aristófanes é a estrela solitária no reino do humor de baixo calão. Claro que, como os demais, ele
sofre até hoje o assédio de uma legião de imitadores, necessariamente incompetentes. Alguns são
ídolos de uma geração de escritorzinhos contemporâneos que se acham marginais, embora sejam
os únicos que conseguem publicar seus livros. Não; não tente copiá-lo nesse aspecto, meu amigo.
Não use palavrões nos seus textos, nem ponha por escrito aquelas piadas com referências sexuais.
Em mim e em você isso não fica engraçado; fica feio, falsamente íntimo, vil. Um pouquinho de
humildade é bom. Reconheça para si mesmo que só Aristófanes sabia fazer isso, e continue tendo
como modelo o finíssimo Machado de Assis.
Que, quero crer, também preferia as mulheres à guerra. > (06/05/2003 Ol h22)
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máquina ainda não nos leva ao futuro, só ao passado - exatamente ao contrário do que os físicos
dizem ser possível. Não consegui visitar a página do UOL da semana que vem para ver quais
números foram sorteados na Megasena desta semana, por exemplo.
Mas consegui reativar uma velha conta do Hotmail que eu supunha extinta há muito tempo.
Foi entediante fazer a limpeza da caixa postal, entupida por spams que se acumularam por sécu
los. Tinha de tudo, a começar por lendas urbanas que hoje não enganam mais ninguém, como
"Enc: Enc: complô judaico revelado! ! leia Protocolos_dos_Sabíos_de_Síao.zíp [attached] ': E
mails obviamente mal-intencionados, como aquele do "Fw: Lady Godiva pelada! !!" (se você o
abrisse, seu micro seria devastado pelo vírus Peste Negra). Emocionei-me de novo com
campanhas que não deram certo, como "Mande seu apelo para bedford@gentry.gov.uk e ajude a
salvar Joana d'Are da fogueira!". E recebi muito também aquela mensagem de "Criança desa
parecida - repassem pelo amor de Deus ! ! ! " com a foto do Infante D. Sebastião.
E esse Hotmail, antes da invenção da válvula, era ainda mais lerdo do que hoje.
Mas foi possível recuperar vários e-mails dos leitores mais antigos deste blog. Um deles é o meu
caro Bulan Obadiah, que acompanha meus garranchos de lá da distante Cazária. Ele me contou,
via WebICQ (que eu acessei pela Wayback Machine, naturalmente), como ele chegou até o
Alexandrinas; mas eu não entendi direito. O português dele é péssimo, parece o de um turco
recém-chegado ao Brasil; ele porém fala com fluência o cazar e o hebraico, e consegue se virar em
persa, bulgárico, árabe, eslavónico e grego. Mostrou-se impressionado com o fato de eu não falar
nenhum desses idiomas. Creio que ele me tomou por um ignorante.
Seja como for, satisfizemos muitas curiosidades recíprocas sobre nossos países e épocas.
Perguntei-lhe se era verdade aquela história de que o Rei Vladimir dos russos mandou uns emis
sários à Cazária para aprender o judaísmo. Ele me contou que os conhecera de vista; seu tio,
Baghatur Hezekiah, é (ou era? Não importa) rabino-chefe de Atil e foi ele quem os acolheu. Meus
muitos leitores eslavos vão se constranger ao saber que esses cavalheiros não deixaram boa
impressão. O rabbi achou a vodka muito forte; e, por sua vez, os russos deselegantemente zom
baram da sopa de matzah de dona Parsbit Hezekiah. "Por Porun, turcos fazendo matzah!': cochi
chavam entre risinhos. Dona Parsbit, que entende um pouco de eslavónico, não é do tipo que
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ouve quieta essas desfeitas. Ao arremessar uma travessa na direção dos emissários russos ela quase
provocou um incidente diplomático.
Não surpreende, pois, que os russos não tenham se convertido ao judaísmo. "Foi a Providência",
dirão alguns amigos. "Foi a travessa': diria dona Parsbit.
Afora as travessuras de sua tia, sem as quais hoje talvez meio mundo fosse judeu, o que teria
conseqüências que não me atrevo a prever, meu leitor Bulan pouco mais me contou. Ele preferiu
antes fazer-me perguntas, o que é justo, uma vez que por força do destino me encontro mil anos
à sua frente. Sua curiosidade se dirigia principalmente à literatura moderna. Quis saber o que
líamos, como escrevíamos, o que valeria a pena remeter-lhe por e-mail. Contei a ele que conheço
pouco literatura moderna, e que prefiro dedicar meu tempo livre a aprender algo da literatura
antiga; mas do pouco que li eu lhe falei. Senti que o deixei um tanto decepcionado.
Fiquei de lhe mandar umas cópias em formato .rar de A Montanha Mágica, Ficções, O Senhor dos
Anéis e A Coisa Não-Deus. Deste último eu não sei como vou fazer para arrumar uma cópia digi
talizada pirata; mas talvez uns amigos já tenham. Sugeri ainda Joyce, mas esse ele já leu. (Eu não
sou o único contato do Bulan com a pós-modernidade. ) Perguntei-lhe, curioso, o que tinha acha
do. Ele gostou mais ou menos; disse que há erros nas citações em bulgárico do Finnegans Wake.
No final da conversa, para tirar um sarro com meu amigo cazar, propus-me também a mandar
lhe poemas de Mário Chamie. Foi só falar e a conexão caiu. Mais tarde ele me mandou um e-mail
contando que a fama dele, dos irmãos Campos e de Décio Pignatari já chegou até a Cazária. Seus
livros são muito eficientes nas guerras contra os árabes. Contra os russos eles não têm o mesmo
efeito, porque a cavalaria cossaca contra-ataca com Maiakovski e Khlebnikov. Hoje se sabe que as
muralhas de Atil desabaram quando o príncipe Svyatoslav declamou ''A Plenos Pulmões" diante
do portão principal da cidade.
Segundo o Bulan, foi bem naquele verso: "Ta-ran-tin, ta-ran-tin, ta-ran-ten-n-n .. :: E pronto,
foi tudo pro chão. Levaria mais mil anos para os judeus conseguirem construir um novo Estado.
> (31/07/2003 23h35)
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TOLLE, LEGE, TOLLE, LEGE
É, meus caros, vocês podem até ser talentosos, mas o único escritor brasileiro vivo com fama
internacional é o Paulo Coelho.
Meus princípios me impedem de criticar um autor que nunca li. Mas ultimamente eu ando
muito crítico com relação aos meus princípios.
E além disso eu li, sim, um parágrafo do homem. Aqui em casa tem o Na Margem do Rio Piedra
Eu Sentei e Chorei (57• ed., 1 995). O livro começa assim:
"NA MARGEM DO RIO PIEDRA"
Não há mais nada na folha de rosto. É preciso que você vire a página para que o livro de fato
comece:
"eu sentei e chorei. Conta a lenda que tudo que cai nas águas deste rio - as folhas, os insetos, as
penas das aves - se transforma nas pedras do seu leito. Ah, quem dera eu pudesse arrancar o coração
do meu peito e atirá-lo na correnteza, e então não haveria mais dor, nem saudade, nem lembranças."
A essa altura meu coração explodiu e eu atirei meu exemplar nas águas revoltas do Piedra.
Não preciso, porém, prosseguir. Todos vocês repararam na influência de Joyce sobre nosso
Coelho, né? Aquele joguinho da primeira fr... Para que contar? Sim, sim. Todos notaram. Ah, bons
leitores.
Literatura mística pode ser tão boa ou tão ruim quanto qualquer outro gênero. Aliás, as pon
tas extremas do espectro da qualidade literária estão mesmo preenchidas por "poesia metafísica':
ou pelo que passa por isso. A differentia specifica dessa família literária é que ela sempre vende.
Há condições para que surja no Brasil urn escritor místico realmente bom? Um gênio, alguém
da mesma raça que Blake? E que nos redima da vergonha a que Paulo Coelho nos condena peran
te as duas ou três cabeças maciças que há lá fora? Não, nenhúma. Literatura mística autêntica
supõe experiência mística autêntica. E o Brasil é o país da pseudo-espiritualidade, das calcinhas
brancas no Reveillon, das pombas-giras e das Assembléias de Deus. Os medos básicos do
brasileiro são morrer e broxar na cama. E vergonha neste país é ser chifrado. O medo do Inferno,
a vergonha do pecado, essas coisas são incompreensíveis para nós.
Os ingleses vêem Deus como um juiz e deram ao mundo John Milton. Os italianos vêem Deus
A L E X A N D R I N A S 5 9
como um arquiteto e deram ao mundo Dante Alighieri. Os gregos viam Deus como um intelec
to e deram ao mundo Plotino. Nós brasileiros vemos Deus como um cantor breganejo. E demos
ao mundo Zíbia Gasparetto.
Não dá. Nesse clima não tem condições. Não é possível um Andrew Marvell espírita. Literatura
mística no Brasil é - e, talvez, sempre será - O Matuto. > (16109/2003 19h30)
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AQUA PE RMAN E NS aq uapermanens.wunderblogs.com
A VI DA DE OUTRA PESSOA
Já tinha ouvido a respeito das propriedades restauradoras, para a alma, do sono prolongado. O
que eu não esperava era que um sono acidentalmente prolongado pudesse provocar certo tipo de
meditação - neste caso, não inteiramente desejada. Fui obrigado a passar dias de cama por uma
gripe das fortes, o que trouxe certo distanciamento em relação à vida cotidiana.
Ao voltar às obrigações do trabalho, não há como evitar a pergunta: "Que vida é esta que mon
tei para mim mesmo?". O estranhamento é tão grande que chego a duvidar de que tenha sido eu
o autor da coisa toda. Onde eu pretendia chegar com isto, se é que isto chega a algum lugar?
A saída é continuar a farsa como se nada tivesse acontecido, pelo menos por enquanto. Mas
agora já sei: na primeira oportunidade, quando o capitão não estiver olhando, mudo a rota do
navio. Alguma coisa será perdida, mas nada que fará falta mais tarde. Nada me parece pior que
viver a vida de outra pessoa. > (1 7112/2002 1 8h l 0)
A Q UA P E R M A N E N S 6 1
will enslave ...
Frodo (interrupting) : Now, 1 don't see why anyone should risk their lives going into Mordor
only because you fancy it.
Elrond: If you let me continue, unless we do something Sauron will rule over all the Free
Peoples of Middle-Earth.
Frodo: Why are you so angry at Sauron anyway? What has he done to you?
Elrond: Don't you understand the seriousness of the situation? The Dark Lord is amassing a
huge army and already he has his Eye fixed on Rivendell!
Frodo: Now we're getting down to it. You want the Ring away from Rivendell so you can save
your own ass.
Elrond: I've never been so insulted in my entire life! Who does this hobbit...
Frodo: Oh, shut up.
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A I NVERSÃO DO SENSO COMUM
Onde foram parar as grandes verdades d o passado ninguém sabe, mas d e uma coisa todo
mundo garante ter certeza: acreditar numa verdade objetiva e universalmente válida é sinônimo
de autoritarismo e intolerância. Quando a realidade é exatamente o contrário.
Hoje, como sempre, a verdade liberta o indivíduo. Liberta de muitas coisas, inclusive de se
preocupar com o que os outros pensam. E como é que alguém pode ser autoritário, isto é, con
trolar a vida dos outros, e ao mesmo tempo não se preocupar com o que eles pensam? É , eu sei,
não faz sentido.
Um dado objetivo é diferente de uma opinião sobre esse dado, ora. Se eu entendo que algo é
objetivamente verdadeiro, isso significa que continuará sendo verdadeiro, quer você, a minha tia
Genoveva ou o presidente da República acreditem ou não - embora neste último caso seja
razoável não esperar grandes feitos intelectuais.
Para quem não acredita em verdades objetivas e universais, o que resta? Somente as opiniões.
E aí, é a minha contra a sua. O vencedor será escolhido por quaisquer meios não-racionais: argu
mentos do tipo "você é [insira seu adjetivo aqui] ': pulinhos raivosos ou porrada mesmo.
E agora, qual dos dois é o mais autoritário? O que quer convencer seu interlocutor impondo
sua opinião pessoal ou argumentando racionalmente? ::i>- (04/02/2003 1 8h57)
QU EM É FORTE, QU EM É FRACO
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente do Senado em exercício, rejeitou esta semana um
projeto de lei que flexibiliza a famosa CLT, a Convenção das Leis Trabalhistas. À parte os méritos
ou deméritos do projeto, quero comentar as declarações dadas por Paim a respeito da decisão.
São duas: a primeira, de que a revisão da CLT favoreceria, na prática, a "imposição do forte
sobre o fraco': A segunda, de que a revisão nas leis deveria ser feita com "a elevação efetiva do
salário mínimo e a distribuição de renda".
Em apenas duas declarações, está resumida toda a falta de visão da esquerda brasileira - a qual
deve corresponder a mais ou menos 99% da população letrada. É claro que o "forte" e o "fraco"
a que o senador se refere não são outros senão o "rico" e o "pobre': aqueles dois personagens que,
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garantem-nos, bastam para explicar todo o drama econômico. O único problema é: não bastam.
E o estado, senador? E o poder do estado? Será que o senhor já comparou friamente o poder de
um burocrata estatal - como aliás o senhor mesmo - com o de qualquer banqueiro? De quem a
população brasileira precisa ter medo? Dos empresários ricos ou do estado, que tem o monopólio
do uso da força e pratica o roubo sistemático chamado imposto?
Sem falar que, aqui, o Governo Federal é que decide quem é jornalista ou não, além do cur
rículo de todas as escolas, públicas ou privadas. E o serviço militar obrigatório já é tido como fato
consumado. Basta ver a polêmica que está causando nos EUA uma proposta de alistamento obri
gatório para ter uma idéia de como nos acostumamos a abrir mão de liberdades individuais.
Quanto ao absurdo da segunda declaração, é acima de tudo uma conseqüência da primeira.
Quanto mais o estado impõe penalidades aos empresários, mais impõe ·penalidades a toda a
economia. Aumentem o salário mínimo para R$ 500 e vejam os empregados saírem das empresas
como água dos rios. Diminuam os encargos trabalhistas e vejam as empresas contratando mais.
É simples assim. Mas nada é tão simples que não possa ser apagado da cabeça por alguns anos
de ensino universitário. > (08/02/2003 20h12)
MUTATIS MUTANDIS
Por que lemos livros, estudamos línguas, ficamos todos estudados e letrados? Qual o objetivo
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dessa coisa toda? Não, não me refiro ao que cada um quer. No que depender de mim, neguinho
(perdão, indivíduo de ascendência africana e idade e estatura reduzidas) pode fazer ísso só pela
bolsa de doutorado, não estou nem ligando. Mas mesmo os mais sinceros, o que estão b uscando?
Vou falar de santos, mas os ateus não precisam mudar de canal porque é só como exemplo.
Mutatis mutandis. Os ateus, essas criaturas que, segundo Chesterton, "acreditam em tudo':
São Serafim de Sarov* certa vez enfrentou uma pergunta difícil de seu discípulo Motovilov, que
perguntou ao mestre: "Qual é o objetivo da vida cristã?". Ou seja, por que as igrejas, por que os
padres, por que as liturgias, por que a oração, por que tudo isso? A resposta de São Serafim, que
o discípulo inicialmente não entendeu, foi: "O objetivo da vida cristã consiste na aquisição do
Espírito Santo': É isso. O cara não é santo à toa.
Se a religião tem um objetivo objetivo, por que a literatura não teria? Essa é a pergunta que colo
co a vocês. Vous voilà donc dans de beaux draps. > (15/05/2003 1 1 h50)
•um santo ortodoxo, aliás um dos maiores. Sou, contudo, da crença de que as vidas dos santos são de interesse de todos, não apenas dos
seguidores daquela religião. Mesmo dos ateus. Todos deveriam ler vidas de santos. Sem parar.
MELANCOLIA CARIOCA
Ao contrário da imagem comum que se faz dos cariocas como elfos felizes e pululantes, em
meio aos raios de sol e aos cocôs da praia de Ipanema, a verdade é que há em todos os cariocas
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uma melancolia básica, residual. Ou melhor: em todos, não. Só nos normais.
Por ironia do destino, foi justamente no império da pele bronzeada (e das mulheres que pas
sam água oxigenada com auxílio do palito do picolé nas pernas e nos braços para clarear os peli
nhos, mas pesadelos à parte) que a natureza colocou a melancolia mais profunda, aquela de
arrancar pedaço. Lá, e não aqui em São Paulo, terra dos céus cinzentos, aqueles que fazem lem
brar do couvercle noir de Baudelaire.
Pois existe melancolia mais profunda do que a dúvida que se estende para além das convenções
e normas sociais? O paulista, em seu desespero, se limita a pôr em cheque a "sociedade': deixan
do as estruturas mais básicas do ser humano em grande parte a salvo, certamente por ignorância,
por não se dar conta de que existem. Mas o carioca pretende conhecer o homem. Não a
"sociedade': mas o ser humano. Bem que me avisaram de que eles eram metidos.
Ser carioca é ter um capricho encravado: não se satisfazer com o humano, demasiado humano.
E quem não entender isso está por fora, dizem. > (03/06/2003 Ol h27}
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Os paleoconservadores, que sempre pareceram os mais sensatos, com sua defesa do estado
mínimo, do princípio da liberdade individual e baseados firmemente em autores como von Mises
e Hayek, tinham sido reduzidos a reclamões anacrônicos. Foi até surpreendente ver colunistas
como Bob Wallace e Llewellyn Rockwell, que eu sempre lia atentamente, defendendo posições
que pareciam tão claramente equivocadas.
Naquela época, tudo parecia tão certo: todos os imbecis estavam do outro lado da cerca, fazen
do protestos pela "paz': pedindo mais tempo para os inspetores de armas, colocando cartazes de
"suspendemos a venda de produtos norte-americanos" na vidraça do bar. E quando vimos as
imagens dos iraquianos festejando nas ruas de Bagdá, ladeados pelos soldados americanos, aí
tivemos certeza.
No final, a história se resumia assim: se a divisão interna da direita americana podia ter sido
difícil de entender, agora a diferença entre os dois lados era a mais simples possível. Os neocons
eram pró-guerra e os paleos eram contra. E isso dizia tudo.
E agora? Bom, agora ninguém encontrou armas de destruição em massa no Iraque. E também
não encontraram elo entre Saddam e a Al-Qaida. Peraí. Pensando bem, qual era mesmo o elo
claro, irrefutável entre a Al-Qaida e 1 1 -9?
Agora paira a sombra no ar: Bush mentiu? O que eu diria aos neocons é: das duas uma, meus
caros. Ou vocês acham que isso não tem importância, ou vocês negam a mentira. No primeiro
caso são loucos, porque foi exatamente uma mentira presidencial que causou todo o furor em
torno do governo anterior - com a diferença de que desta vez outros países estão envolvidos, não
apenas uma estagiária rechonchudinha. E no segundo, não adianta negar. A única coisa capaz de
apaziguar a opinião pública (e a minha, as a matter offact), seria uma ligação evidente entre o
Iraque e 1 1 -9 ou uma prova de que o regime de Saddam representava uma ameaça ao estado
americano.
Agora a razão voltou às mãos dos paleoconservadores. De onde se desconfia de que jamais
tenha saído. Pois essas perguntas podem ser incômodas, mas ninguém ainda me convenceu de
que não sejam necessárias. > (09/06/2003 22h49)
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DIREITO DO DIREITO DA GARANTIA
Li um assessor de imprensa da Parada Gay dizendo que o objetivo do evento é reinvindicar
"direito de cidadania" para os membros do grupo. Hm. "Cidadania" já é uma palavra estranha,
equívoca a mais não poder. "Direito de cidadania': então, é dez vezes mais.
Daqui a pouco vão começar a empilhar uma palavra em cima da outra. "Respeito da garantia
da alteridade do direito de cidadania"... A cada vez fazendo menos sentido. O que quer dizer: mais
sentido. Entenderam? > (23/0612003 03h28)
DU RAÇÃO � TUDO
A Viagem de Chihiro deveria ter no mínimo meia hora a mais de duração. Os 125 minutos não
são suficientes para o efeito "imersão total". Quero mais, muito mais. Entre a cena da "catarse
provocada por gohan" e a do Deus Fedido parece que fica faltando alguma coisa que nos convença
da fixação naquele mundo, que o dia-a-dia entrou na corrente sangüínea.
Existem duas (grandes) categorias de filmes: os que duram noventa minutos e os que duram
mais de 1 50. Tudo o mais que estiver no meio é imperfeito. Ou um filme é um diamante lapida
do, de onde não se tira nem se põe, ou é uma passagem para outro mundo, que você compra sem
esperança de volta.
ótimos exemplos de cada uma delas: Sanjuro, do Kurosawa, na primeira categoria. E, claro, os
dois filmes d'O Senhor dos Anéis na segunda. > (22/07/2003 02h54)
MAIS AUTOCRÍTICA
As mulheres paulistas são mais normais. Por conseqüência, os homens também.
Os cariocas são educados desde pequenos a fazer coisas contrárias à sua natureza em nome da
coletividade.
A verdade é algo de reconhecimento sempre individual; se um milhão de pessoas acreditam
numa bobagem, nem por isso deixa de ser bobagem.
Entender isso é mais fácil em São Paulo que no Rio. > (2710712003 03h12)
6 8 W U N O E R B L O G S . C O M
NÃO M U DOU NADA
"Não saberíamos dizer se estávamos no Céu ou na Terra, pois certamente não há na Terra esplen
dor e beleza como aqueles. Não o podemos vos descrever. Só isto sabemos: que lá, Deus habita entre
os homens, e que os ofícios deles superam a adoração oferecida em todos os outros lugares. Pois não
podemos esquecer aquela beleza."
Emissários do príncipe Vladimir, da Rússia, relatando sua experiência da Divina Liturgia na
Igreja da Sagrada Sabedoria (Hagia Sophia) , em Constantinopla, no ano de 987. > (31107/2003
06h00)
CRISTÃOS NO I RAQU E
Bilhetinho recebido pela minoria cristã no Iraque (com erros de inglês suprimidos na
tradução) :
"Esperamos que o líder desta família alinhe-se com o grupo 'Irmãos dos Muçulmanos' e siga as
regras básicas islâmicas do uso do véu e do ensino do Islã, que os muçulmanos mantiveram de épocas
antigas. Nós somos o povo iraquiano, o povo muçulmano que não tolera erros.
Caso contrário, se a mensagem não for seguida, tomaremos as seguintes medidas:
1. Matar.
2. Seqüestrar.
3. Queimar a casa com os ocupantes ou explodi-la. "
Para os que vêem nos neoconservadores americanos os últimos defensores do Cristianismo: é
melhor ver de novo. A situação dos cristãos iraquianos, últimos restantes da Igreja Assíria, talvez
fique pior agora do que jamais esteve durante a ditadura de Saddam Hussein.
É o que diz o último artigo de Glen Chancy no LewRockwell.com
[http://www.lewrockwell.com/orig3/chancy3.html] . > (16109/2003 20h18)
A Q UA P E R M A N E N S 6 9
"O único problema do poder é que ele é grande demais:'
- libertário anônimo
"O único problema do poder é que eu não estou lá:'
- esquerdista anônimo > (1 7109/2003 1 7h32)
A BU RRICE TOTAL
É isto. Este é o momento que eu tanto esperava. Aquele momento em que a burrice nacional
subiria tanto que entraríamos no terreno da imponderabilidade total. O limbo mental. Cães e
gatos vivendo juntos.
A edição comemorativa dos 35 anos da revista Veja republicou uma entrevista concedida à
revista em 1979 pelo economista austríaco Friedrich Hayek. Até aí vamos bem. A loucura está na
notinha incluída na edição atual: "Hoje, governos de direita e de esquerda, de José Maria Aznar a
Luiz Inácio Lula da Silva, baseiam suas políticas na idéia da qual Hayek foi o profeta e Thatcher,
a executora: o liberalismo econômico':
Sim, a Veja chamou o Lula de liberal, o que seria mais ou menos a mesma coisa que chamar um
hamster de primata. E de seguidor de Hayek - logo ele, que era radicalmente contra a própria
idéia de planejamento central da economia. Logo ele, que achava difícil que houvesse políticos
7 0 W U N D E R B L O G S . C O M
corajosos o suficiente para colocar em prática as soluções que ele considerava corretas. Uma coisa
é certa: no Brasil nunca os houve, e muito menos o nosso amado presidente é um deles.
Essa nota foi escrita por alguém que ignora inteiramente o que é o liberalismo ou quem é
Hayek, e foi publicada para ser lida por pessoas mais ignorantes ainda. Pois só mesmo assim é que
se pode entender uma coisa dessas. O efeito disso é uma multiplicação quase miraculosa da
ignorância, pois os leitores que não sabem o que é liberalismo e que dificilmente terão aberto um
livro escrito por um economista liberal (quase a totalidade deles) fecharão a revista certos de que,
agora, têm ao menos uma idéia do assunto, com o selo de garantia da revista Veja. "Eu não sei o
que é esse negócio de liberalismo, mas que o Lula é um liberal, ah, isso é:'
E o pior de tudo é que esse comentário foi incluído juntamente com a entrevista. Cacete, bas
taria ao sujeito ler o que estava nas páginas seguintes para ver que estava dizendo uma insanidade.
Para ser sincero, há ainda uma outra maneira pela qual se pode entender que alguém diga uma
coisa dessas. É a possibilidade de que o editor saiba muito bem o que está fazendo, para que o
leitor tire a seguinte conclusão: "Lula é um liberal agora, mas antes ele não era. Portanto, pre
cisamos de um presidente verdadeiramente de esquerda': É uma possibilidade nada remota, num
país onde os políticos se estapeiam em debates na televisão, cada um querendo provar que é mais
socialista do que o adversário. > (2210912003 1 8h25)
A Q UA P E R M A N E N S 7 1
- I beg your pardon?
- [tu tu tu tu tu]
Sim, nossa jornada em busca do lar prometia fazer inveja a Ulisses. Mas mal podíamos imagi-
nar o que nos esperava na segunda tentativa.
- "Hospedagem e responsabilidade social': boa tarde?
- Uh ... Estou procurando um serviço de hospedagem para o meu site. É o wunderblogs.com.
- Aqueles religiosos malucos? Escuta, passa na filial da Universal que fica aqui do lado e vê se
eles podem te ajudar, tá legal?
- Mas, minha senhora, no nosso site tem até ateus! Alguns de meus melhores amigos são ...
- [tu tu tu tu tu]
A esta altura já havia ficado claro que, se nós éramos odiados, certamente éramos bem conhe-
cidos.
- Boa tarde?
- Boa tarde. Que planos de hospedagem vocês têm?
- Ah, sim. Temos um inicial por R$ 20 mensais e um mais avançado por R$ 1 00 mensais.
- Ótimo. Eu nunca tinha ouvido falar de vocês. Que sites vocês hospedam?
- Ah, temos sites muito importantes conosco! O senhor conhece o Centro de Mídia Inde-
pendente? E o blog do Kolima?
- [tu tu tu tu tu]
Afinal, depois de muita cara na porta, chegamos à Lunarpages, uma empresa de família, de
sobrenome quatrocentão e kosher - e, além de tudo, indiferente à política, do jeito que nós gosta
mos. Agora todo mundo pode ter certeza de que estamos mancomunados com o capital ameri
cano. Hm ... se bem que, neste caso, o capital é nosso. Mas ninguém vai se importar com um deta
lhezinho como esse. > (1411 012003 1 6h37)
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DEIXANDO ALGUMAS COISAS CLARAS
Um artigo recente conseguiu resumir alguns dos melhores argumentos contra a idéia da
"unidade transcendente das religiões" e, de quebra, ainda tomou a decisão acertada de se eximir
de qualquer ligação com esse... movimento, por falta de termo melhor. Muito bem matada a cobra.
Dos argumentos apresentados, o melhor na minha opinião é o de que nenhuma das autoridades
reconhecidas de nenhuma das "grandes religiões" jamais afirmou tal "unidade transcendente". Ou
seja, ao subscrever essa tese, qualquer cristão passa, no mesmo ato, a ser menos cristão, quer seja
ortodoxo ou católico. A coisa toda vem revestida com uma bela aparência de "tudo é válido': o
que é ainda pior. "Tudo é válido", eu responderia, "menos você pertencer à sua religião e dizer
.
essas c01sas.
))
Ou seja, quem acredita realmente nisso acaba pertencendo a uma religião acima de todas as
outras - a qual se chama Frithjof Schuon. É como um revestimento fino e impermeável por sobre
a alma do sujeito, que o tornará incapaz de pôr a sua vida nas mãos da Igreja, aquela simples
capacidade que é pré-requisito para qualquer ato cristão digno desse nome.
Sim, é preciso que tudo isso fique claro, incluída aí a concepção guenoniana de que as religiões
seriam meras expressões de uma mesma "Tradição" primordial, cujo arauto seria - adivinharam?
- o próprio René Guénon.
Por que a idéia de que todas as religiões teriam a mesma essência costuma parecer tão interes
sante e agradável, em vez de ser rejeitada como a bobagem completa que realmente é? Se alguém
diz que uma árvore e uma cadeira partilham da mesma essência, o absurdo fica mais patente. "Por
que, então, a árvore não é cadeira ou vice-versa?': é o que perguntaria qualquer pessoa normal.
Pois o absurdo é o mesmo no caso das religiões, sem tirar nem pôr. Tentar reduzir a distância
entre as religiões a simples "diferenças acidentais" é tão absurdo quanto dizer que um gato não é
uma porta porque o primeiro é menos liso que a segunda.
As religiões têm essências diferentes, isso é outra coisa que precisa ficar clara. Negar isso é rele
gar à categoria de meros acidentes a Encarnação do Verbo e a Ressurreição, os dois eventos cen
trais do Cristianismo.
No fim das contas, as concepções guenoniana e schuoniana não passam de modalidades do
A Q UA P E R M A N E N S 7 3
velho ecumenismo - a "heresia das heresias': segundo definiu Vladika Metropolita Vitaly, pri
meiro hierarca da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio até 200 1 . > (0211 1/2003 22h5B)
IGNORANCE IS BLISS
Foi abrir a Igreja, porque estava na hora. Antes mesmo de pôr a chave na fechadura, sentiu o
cheiro residual das velas e do incenso e seus pensamentos desapareceram, deixando apenas aque
la sensação de presença que sempre o acompanhava durante os ofícios. Isso e uma imensa saudade
dos ícones, nem parecia que os vira naquela mesma manhã, nem parecia que os via todos os dias.
Viu o interior sem luz, o contorno negro da iconóstase contra a luz já pálida. Teve um pouco
de vergonha, como se interrompesse alguma coisa. Acendeu as luzes sem pressa, limpou rapida
mente o balcão onde vendiam-se as velas.
Olhou para o chão, viu que precisava pegar a vassoura. "Quantas folhas", pensou, e lembrou do
vento que fazia lá fora. Resolveu limpar com o máximo de cuidado, tirou todas elas, todas as
safadas, traquinas e vagabundas.
Viu o chão limpo e gostou, porque as pessoas iam chegar. Mas não chegaram muitas, menos de
cinco, nem o seu Igor veio hoje. Ficou no lugar de sempre, de pé, fez o sinal-da-cruz e as pros
trações acompanhando a Vigília durante duas horas.
No início da terceira hora, não sabendo o porquê, olhou para o pé esquerdo e a viu ali, semi-
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pisada, mas duvidou. Tirou o pé, olhou mais de perto, já sem ouvir a oração que o Padre
continuava. Era uma folha, mas como, se tinha tirado todas, disso tinha certeza?
Muito menos esperava que algo lhe tocasse a nuca, mas foi o que aconteceu. Olhou para cima
para ver as folhas impossíveis que caíam do teto e do nada, carregadas por uma brisa igualmente
impossível.
Enquanto isso, no Paraíso, Ambrósio e Gregório, igualmente anjos, conversavam à sombra das
árvores, que eram ipês, apesar de a cidade se chamar Quaresmeiras Roxas. Conversavam tanto,
mas tanto, que mal percebiam as folhas que voavam no espaço entre seus rostos. "Se eles
soubessem': disse Gregório, sem saber que dizia uma verdade universal, como era tudo o mais que
dizia. > (12/12/2003 20h05)
A Q UA P E R M A N E N S 7 5
CENAS QU E GOSTARÍAMOS DE VER
- Está aberta a sessão. O sr. Altamirando tem uma queixa contra o sr. Stanislaw, taxista. Pois
então, de que se trata a ocorrência?
- Estava eu vindo atrás dele quando ele resolveu virar à direita, estando na faixa da direita.
- Mas isso não é o certo?
- Sim, meritíssimo, mas ele é taxista. Um taxista deve comportar-se como tal, ficando na faixa
da esquerda quando pretende virar à direita.
- Humm.
- Do contrário estará enganando o consumidor.
- Humm. [ Comenta com o jurista ao lado. ] Há precedentes?
- Positivo, meritíssimo. O público deve saber o que esperar do produto oferecido.
- Muito bem, está deferida a petição. Próximo? > (2410312004 12h22)
Naquela época, disseram a Ele que era proibido realizar curas no sábado. Hoje, perguntariam
se Ele tem registro no CRM. > (28/03/2004 22h30)
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DIES IRAE mozart.wunderblogs.com
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A I LHA PARADISÍACA
Era bela a ilha: um pequeno pedaço de terra cercado de coqueiros por todos os lados, decre
tando não apenas o isolamento de seus habitantes, mas também a impossibilidade da prática da
pesca, de forma que a alimentação era restringida, basicamente, a coco e sua água.
Em virtude de tão desbalanceada dieta, a expectativa de vida era baixa, sendo a população
quase toda composta por jovens - em sua maioria deficientes, com mãos, braços ou pernas defor
mados pelo parentesco.
E, graças à evidente deterioração cerebral, eram todos bastante felizes; mesmo a crosta de sujei
ra que já não mais descolava da pele não era ruim, pois a protegia de queimaduras - como fazia
questão de repetir o chefe da ilha, o mais feliz e orgulhoso de todos, que fora o último vencedor
do sazonal teste de força e velocidade, obtendo, destarte, a honra de ser guardião e manejador da
pedra de abrir cocos.
Entretanto, de alguma forma, após fortes chuvas, curiosas plantas em forma de chapéu começa
ram a ornar o monte de fezes acumulado na ponta oeste da elíptica ilha. Passado o susto inicial,
que obrigou os nativos a defecarem por quase uma semana na outra ponta da ilhota, e fez dois se
atirarem do alto de um coqueiro, a curiosidade, aumentada pela necessidade de "enterrar" os sui
cidas, em avançado estado de decomposição, no monturo, forçou-os a tomar uma atitude.
O chefe, crendo-se autoridade suprema na ocorrência, resolveu comer um dos "chapéus'� Nada
sentindo a princípio, e sendo rara a oportunidade de saborear algo diferente, anunciou aos
demais que comessem a enorme quantidade que se ali juntara.
Após muita alegria, vômitos por toda parte, além da morte de crianças menores e um bebê. E,
D I E S I R A E 7 7
como se não bastasse, em meio às alucinações, consentimento geral, o chefe arremessara a pedra
do alto de um coqueiro para além-árvores.
Na manhã seguinte, veio a discussão, que, inflamada, rapidamente se tornou briga, e, numa
divisão natural, os não-deformados, apesar de em menor número, conseguiram facilmente, fosse
no corpo-a-corpo ou à distância - atirando metades vazias de cocos - subjugar os outros, que,
por serem traidores, foram canibalizados. Com os ossos à mão, a surpresa: perceberam que alguns
serviam bem à função de abrir cocos, o que restabeleceu a harmonia na ilha, e trouxe a confiança
de que havia sido tomada a decisão correta.
A partir de então, os cogumelos passaram a ser consumidos com maior parcimônia, e, sempre
que nascesse alguém deformado, era imediatamente morto e deglutido. E assim teria sido até o
final dos tempos, não fosse a ainda maior redução de diversidade genética ter provocado, em não
longo prazo, o fim do nascimento de bebês normais, o que só não tornou a ilha novamente deser
ta, porque Deus, em sua suprema sabedoria, apagou os vestígios e, de uma costela do último
homem vivente, fez, novamente, uma perfeita mulher... > (1 1105/2002 08h58)
NOITES N ITEROIENSES
E porque era sexta, e nada melhor ou pior havia, pus minha velha camisa breves tempos (dois
dias? dois meses?) em que pertencera à Medicina-USP - camiseta bem medicina mesmo, daque
las com letras garrafais e em cores berrantes, extremamente chamativas, que os discípulos de
Hipócrates, pedra fundamental do mercado de auto-ajuda, pensam que tirar nota boa numa
prova primária é sinal de inteligência, e precisam ostentar -, e aceitei o convite de um amigo para
ir à chopada da medicina da UFF.
Que comentar? Talvez fosse mais edificante e interessante ter ido a uma reunião de numis
matas, gagos ou ventríloquos. Música horrível, até um jogral de papagaios seria mais suportável,
ornejos por toda parte, pouca cerveja, homem demais, gente chata, "fútil, quotidiana, tributável"
e metida a besta, com cara de que está se divertindo, enfim: uma porcaria completa sob toda
aquela fumaça desprovida de graça ou sentido.
Antes das onze, a rebarba da cerveja estava quente, deixamos a massa pra trás e tocamos pro
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bar do Cerol, que era mais negócio - muito embora tenha precisado pagar o táxi, pois meu amigo
só tinha vale-transporte. Fiquei com seus vales, fazer o quê?, mas tendo certeza da premeditação
- o sujeito não anda de ônibus ... Lá chegando, a mesma coisa de sempre pelo menos, e meu
dinheiro esvaindo-se líquidamente. Talvez por isso tenha decidido ir pra casa mais cedo - "pra
pegar o treino de Fórmula 1 ", então de madrugada.
Rumei para o ponto como quem marcha ao cadafalso, o fim da noite chegara, aquela merda,
sem dinheiro, um bode ... Felizmente, porém, o verdinho chegou rápido; fiz sinal, subi e nem pre
cisei pular a catraca - costume das horas tardas, quando nos unimos contra as grandes corpo
rações e economizamos deixando um trocado pro frango ou café da dupla -, pois estava pleno
dos malditos vales, a segunda moeda nacional. Tive sorte, o último da noite, com alguma gente,
mas ainda arrumei um lugar para sentar-me próximo ao motorista - quando pequeno, minha
mãe dizia pra eu ir perto do motorista; não consigo ir em outra parte do bólide sem me sentir em
risco iminente. O motorista ia conversando com o trocador aos berros, pois amortecimento não
era um dos predicados do veículo, e já estávamos no Caio Martins - sacro palco dos jogos do glo
rioso (atualmente, está sem energia por falta de pagamento) -, quando um sujeito na cadeirinha
pra aleijados puxou a corda.
Parecia meio bêbado, a maneira estabanada como se levantou, saiu do ônibus às pressas. Mal
saiu, aliás, o ônibus ia dando partida e o sujeito atravessou na frente. Foi um milagre não o ter
mos alvejado, escapou por centésimos, devido à brecada do motorista, e tudo pra ser atirado aos
ares por um Gol velho, em alta velocidade, que a Mercedes tirara de seu campo áudio-visual (mas
quem imaginaria que poderia estar passando um carro por trás do ônibus? Deus é realmente
justo, e verdadeiro).
A frenagem desesperada do automóvel, um barulho seco e o sujeito voando. Foi lindo - na ver
dade, não foi nem um pouco bonito, mas foi a expressão que me veio -; vi-o de camarote, e agora
o pessoal esticava o pescoço, alvoroçado, a fim de saber o que ocorrera. Burburinho; o motorista
se virou pra gritar ao cobrador: ... mas não gritou. Olhou pra minha discreta camisa e soltou uma
frase que jamais me esquecerei enquanto ainda restar um pingo de inteligência e remorso em meu
espírito: "Você faz medicina?". Foi horrível. E logo eu, que detesto perguntas diretas, nunca con-
D I E S I RA E 7 9
sigo respondê-las - não que goste de mentir, é incontrolável, simplesmente detesto responder a
perguntas secas, sou insubordinado por natureza -, e foi por isso que, num ato-reflexo, minha
boca proferiu o infeliz "Posso dar uma olhada; mas eu só tenho treinamento básico':
Poderia dizer que demorou muito, e que minha vida passava pela minha mente ou olhos, mas,
enquanto as pessoas derredor digitavam furiosamente seus celulares, em busca de bombeiros,
hospitais ou o que fosse, só deu tempo de xingar-me algumas vezes por colocar-me, gratuita
mente, em tal situação, culpar alguns amigos canalhas e torcer para que, oximoramente, o sujeito
estivesse ou bem, ou bem morto.
A primeira coisa que vi, ou de que me recordo, foi o pescoço todo ensanguentado. -Imbecil
filho-de-puta miserável por que você está fazendo isso comigo?-
Havia vida no corpo, posso afirmar. E por sorte havia muita. O sangue que vira se originara de
um corte superficial (quero crer) na cabeça ("dura-máter", balbuciei em algo pouco maior que
um sussurro, sem absolutamente nenhuma convicção, mas querendo infundir um mínimo de
respeito, para não ser pego como mentiroso e irresponsável - se é pra fazer a merda, façamo-la
completa), o sujeito havia passado a mão ali e depois esfregara no pescoço.
Olhava-nos arregaladamente o acidentado, mas, ao contrário do motorista do Gol, com sur
preendente calma - talvez estivesse em estado de choque, algo que nunca compreendi muito bem.
O fato é que lá estava eu, e, sem saber muito o que fazer, dispondo apenas do vasto conhecimen
to congênito que possuo, num gesto patético, ergui três dedos, para ver se ele os acompanhava, e
perguntei quantos eram.
Acertou. Alívio. Minha pergunta seguinte foi por seu nome e onde morava; disse que estava
indo para um endereço ali perto. A esta altura, é claro, todos já estavam em volta, e dois senhores
dispuseram-se a ir até o local citado. Parecia que a coisa terminaria bem; disse para que ficasse
como estava, deitado - eu que não me responsabilizaria por uma tetraplegia; sou doido mas não
sou burro, já me bastariam os anos por exercício ilegal da medicina, falsidade ideológica e
aparentados -, o motorista do Gol já estava mais preocupado com estado do carro que com o
coitado, quando uma voz feminina - mas nada feminina; na verdade, velha, suja, pobre e mor
bidamente gorda - irrompeu:
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ELE TÁ PERDENDO SANGUE. TÁ PERDENDO SANGUE. ELE VAI MOOORRERRR.
Puta-que-pariu, sussurrei, e numa tranqüilidade irritada e controlada, típica de quem está com
medo, disse "Calma, minha senhora, nem toda nuvem tempestades engendra':
SE FOSSE MEU FILHO . . .
Felizmente, um sujeito grande pôs a mulher em seu lugar, i.e.: no ônibus, dizendo para que não
olhasse ou passaria mal, que o rapaz estava bem.
ELE VAI MOOORRERRR.
Comecei a ficar mais nervoso e irrequieto; - Por que os anjos do asfalto estão demorando?, há
um hospital a menos de seis quadras daqui -, e todos em volta sem saber o que fazer, olhando
pro sujeito ali estirado, com um bafo de cana que só eu sei, e, de repente, salvo pela sereia mági
ca. Ao fundo a escutava, os paramédicos chegavam para me socorrer, fiquei extático contemplan
do aquela visão beatífica de uma ambulância. Respondi vagamente ao que me perguntavam,
"concussão", "perdeu algum sangue': "sem muitas dores corporais': "não fiz nada, só .. :'.
E, antes que me desse conta, já estava retornando ao ônibus, infinitamente grato por não ter
sido levado para o hospital acompanhar meu paciente, ou, tampouco, para um inquérito. Seus
conhecidos chegavam rapidamente, e com o retorno dos passageiros que haviam se deslocado,
seguimos para nossos destinos, não tão confiantes na vida assim, mas buscando algo em que nos
apoiarmos, como a estupidez e imprudência do culpado.
Apertei o botão sinalizando que chegara a meu ponto e desci triunfalmente, desejando uma
boa noite ao motorista. Adentrei o prédio, o elevador esperava-me, - Eu mereço -, e com ébrias
dificuldades abri a porta da cozinha, já pensando em que salgados fritar para sublimar a inde
fessável larica, quando minha irmã anunciou: "Acabou o treino; tá chovendo, Rubinho foi pole".
"Merda". Aquele dia, o azarado fora eu, mas não tinha do que reclamar; não tinha do que recla
mar, até porque possuía em mim a certeza de que salvara uma vida, a minha, e que, no dia seguinte,
o Schumi, como o Rubinho, não me faltariam, e foi o que aconteceu ... > (1 710512002 10h34)
EUREKA
Há 8 mil anos, o homem inventava a cerveja, i.e.: muito antes da escrita, do arado ou do sabão
O I E S I R A E 8 1
- para não mencíonar os cosméticos. Quer dizer: sempre tivemos nossas prioridades. >
(22/05/2002 02h29)
U N I FORME DE FÓRUM
O uso de terno nos fóruns, mais que tradição, é uma tentativa vã de fazer aquilo parecer sério...
Curioso é que terno, o próprio nome diz, são três peças: paletó, calça e colete. Aqui, já que o
colete é quase sempre um desconforto, uns desculpam-se dizendo que a gravata é a terceira peça...
Aliás, a coisa toda é ridícula: paletot era a jaqueta campesina lá na França, e gravata refere-se a
uma tira de pano que usavam os croatas (hrvatas) para identificarem-se durante certa guerra
maltrapilha de séculos passados.
Escuto Ricardinho convocado... a coerêncía...
Tornando ao terno enquanto seriedade, porém, é impossível deixar de pensar em uma série de
outros exemplos, tais como os capelos, as perucas judiciais, a barbicha de rabinos, hábitos, fardões
e demais trajes para cerimônias em geral, além daquele sobretudo dos gângsteres. E óculos
enquanto sinal de inteligência, claro, problema sério de visão. > (02/06/2002 l l h25)
Sou, sempre fui e continuarei sendo um otimista, mas nem por isso acho que as coisas irão me
lhorar. > (07/06/2002 1 0h41)
A SOLUÇÃO É SIMPLES
O Brasil precisa de mudança, e é por isso que preparo minhas malas. Mas sério, a solução existe
e é simples: basta que todos nos unamos, mas que nos unamos contra o Brasil.
Se todos os brasileiros começassem a especular forte contra o nosso país - algo que compro
vadamente dá dinheiro -, quebraríamos o Estado, e ainda sairíamos com uns bons trocados. >
(2310712002 10h44)
MISANTROPIA (X)
Quando ingressei na "Medicina-USP': no sábado anterior ao início das aulas houve uma
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excursão para reconhecimento da Universidade, a fim de encetar a integração dos calouros. No
mesmo dia, havia uma prova de Patologia do terceiro ano, e três idiotas a caminho do exame
pararam pra tirar um sarro, olho no olho:
- De onde você é, bixo?
- Minas.
- Um mineiro, hein? (rindo pros outros) Mas de que lugar de Minas?
- Governador Valadares.
- Governador Valadares? Governador Valadares? E por que cê tá aqui na USP? Por que não foi
lá pros Estados Unidos?
- Porque eu sou medíocre.
Sem resposta. Foi bem engraçado; ainda mais considerando-se que sou natural de Petrópolis.
,... (05/08/2002 03h36)
.
PENSAMENTOS MIOCARDÍACOS
Há uns anos, quando Havana era capital de um país, e não só marca de charuto, havia aquela
musiquinha: "O Japão vai lançar um foguete, Cuba também vai lançar.. :'; Cuba é lixão, mas o
Japão é outra porcaria: as pessoas moram em caixas-de-fósforo, têm suas crianças perdidas na
rede metroviária por anos, são acometidas o tempo inteiro por furacões, tsunamis, terremotos,
mortstros alienígenas, e ainda adoram o deus-empresa. Não é à toa que lá existe o maior comér
cio sexual do mundo. > (22109/2002 l l h03)
D ! E S I RA E 8 3
RESPOSTA DE SAU RON
Recebi um e-mail de meu amigo Sauron. Milorde Sauron é o cara mais sábio que já conheci, e
sempre que me esqueço de ajoelhar e dizer isso em sua presença, Sauron esfola minha rótula
direita e escarra. Uma vez, arremessou-me de peito e cara na seção de cactos do Jardim Botânico.
Mas milorde é muito piedoso para com minhas falhas. Disse-lhe que as eleições mostravam
alguns sinais de que a crença na democracia ainda era possível. A resposta veio junto com um
vírus que quase destruiu meu tocador de CDs.
"Monte de asnice e falsa analogia. Porém, antes de mais nada, anátema, procure separar seus
parágrafos com linhas duplas em branco, para facilitar a leitura - sim, é uma ordem, hápax da
dislexia; e evite usar o termo 'galera' quando referir-se a mim, não sou remador escravo de em
barcações idiotas.
Pois bem, vamos à Verdade: a única qualidade da democracia é evitar déspotas completamente
debilóides ou insanos, que desejem apenas seu bem e estejam pouco se fodendo para a nação. De
resto, é uma ineficiência só ... Entretanto, como, segundo os pseudopsicólogos, o poder corrompe,
não seria lá muito fácil obter déspotas esclarecidos - não no sentido original, mas literal da
expressão -, e fica parecendo que a democracia é um grande negócio.
Contudo, em nosso país, até os tiranos são de meia-tigela. Não dá pra comparar nossos
Médicis, Geisels e Figueiredos a um Idi Amin Dadá ou a um Stálin. É outro nível... além disso, os
generais daqui costumam ficar no poder menos tempo que certos presidentes eleitos ...
Portanto, seu boçal, a melhor solução para o Brasil chama-se Despotismo Esclarecido. Pode-se
muito bem elaborar uma constituição para que o tirano não seja uma divindade, sendo forçado
a obter certos avanços, não podendo matar quem bem desejar, esse tipo de bobagem que atra
palharia a gestão. Claro que se o sujeito for bom e sábio, não precisaremos desses dispositivos
legais, mas, caso seja um Calígula, teremos nossa constituição para nos livrarmos do mala.
Essa é a minha opinião, e a única opinião possível a qualquer pessoa inteligente.
E tire o cavalinho da precipitação, que além de meu olor ser melhor que o teu, o candidato a
imperador já sou eu. Toda morte será pequena comparada à infligida por minhas justas e infini
tas mãos. Sem contar as mordidas de jegue de meus servos." > (09/1 012002 10h25)
8 4 W U N O E R B LO G S . C O M
RETORN ETERNO
A pedra angular de toda a filosofia de Nietzsche foi o trocadilho.
Há quem assevere as entrelinhas mais importantes que os objetos tratados em suas sentenças,
que sequer seriam objetos; há quem mencione metáforas fundamentais, e subtítulos, e uma vaca
colorida. Enfim: há um bom material... Indo contra minha natureza, entretanto, não zombarei do
estilista por trás do bigode e da camisa-de-força. Devido à sua prolixidade, os resumões que nos
remetem aos trechos principais, com interpretações e comentários diversos, já o liquidaram;
transformaram-no mesmo em ídolo e profeta decadente. Só não superou ainda o Che nas
Humanas devido à sua deselegância, além daquela história de até boa idade o brinquedo preferi
do da irmã serem suas gónadas ... > (1511 0/2002 10h15)
W. SHACKSPEARE
Muito se ouve falar de William Shakespeare, e seu grande LEGADO À HUMANIDADE, e falam
de Hamlet, e de MacBeth, e dos Sonetos etc. Contudo, do trecho mais memorável ninguém diz
nada, e é justamente o que transcrevo. Direto do testamento do cisne de Avon:
"Item: I gyve unto my wief my second best bed, with the furniture."
Quer dizer: à humanidade, uma obra inigualável; à esposa, sua segunda melhor cama ... with the
furniture! Que timing, e ainda há quem seu gênio conteste ... > (1 711 0/2002 1 0h09)
O I E S I R A E 8 5
sobremesa, o Estagirita relata a existência de quatro tipos de churrascos:
(i) os barbarismos; churrascos estrangeiros constituídos por carne moída ou salsicha;
(ii) o espeto corrido; que é barato e destina-se ao empanturramento e taxidermia em geral;
(iii) o churrasco entre amigos; de qualidade duvidosa, que serve como aperitivo e desculpa para
beber cerveja, além de auxiliar a retenção de líquidos;
(iv) o rodízio em si; este deveria ser apreciado, bem pago, e comentado com os amigos ou nas
altas esferas, o que fosse mais conveniente.
Diógenes del Ocho, num acesso de fúria contra o cartesianismo aristotélico, inventou o chur
rasquinho grego, e assim nasceu aquela aberração que até hoje pode ser encontrada nas ruas mais
movimentadas das grandes capitais (com um suco de brinde), e, por incrível que pareça, na
Grécia.
Devido à humilhação pública de sua sabedoria, Aristóteles passou doze anos sem experimen
tar o churrasquinho grego - que teria enriquecido Diógenes se este tivesse o cuidado de registrar
uma patente, muito embora sua alcunha (cínico) pudesse atrapalhar -, dizendo aos próximos que
se tratava de moda passageira, e de forma alguma rasuraria sua obra, porém teve de ser operado
do apêndice, tamanha sua revolta interior.
O armistício só teve lugar quando Aristóteles, por razões até hoje incertas, começou a escrever
a primeira parte de sua fabulosa Literatura de Banheiro, em que consagrava Homero e afirmava
que "a qualidade de um livro é inversamente proporcional a seu odor". Os dois fizeram as pazes,
e, numa homenagem póstuma, na segunda edição de A Mesa com Ari constava o "churrasquinho
grego propriamente dito", que sugeria servido isoladamente, qual uma ilha, ou o criador. >
(01/02/2003 15h10)
8 6 W U N D E R B LO G S . C O M
tada em seu total ou por partes, porém isso não me interessa, pois lembrei-me de uma afirmação
mais curiosa: o homem é o único animal que mata o seu semelhante*. Vocês já devem ter ouvi
do isso**, e soa-me certamente refutável***, bastando pesquisar um pouco****.
(') por razões que não sejam a própria sobrevivência;
( .. ) arianos consideravam negros ou judeus seus semelhantes?
( .. •) além de chauvinismo não reconhecer na própria espécie as raízes de seu infortúnio, ou em si.
( .... ) que os animais matam e mutilam por diversão, já verifiquei inúmeras vezes; eu mesmo puxei o rabo de um gato certa vez, para
ver se era divertido.
Pois bem: além de munir-me de almanaques, utilizei o método Stanislavski, e assisti a Zoolander
para trazer-lhes a SEGUINTE INFORMAÇÃO: se o macho alfa de uma alcatéia apenas bane o
seu semelhante, por outro lado, o joão-de-barro mata a mulher e o amante quando descobre ser
corno.
Sim, é uma lenda, mas estava com preguiça de pesquisar. Sei, entretanto, que a abelha rainha
ordena às súditas que destruam o casulo das semelhantes quando nasce. Conquanto a maior
parte dos animais não mate seu igual*, há inúmeras exceções por aí. Assim como a morte por
diversão ou treino não justificam a caça à raposa - da qual, aliás, sou praticante, muito embora,
na falta, só cace gambás -, a informação de que matar o semelhante seja natural também não
prova nada. A verminose é natural, e nem por isso eu vou comer com as mãos sujas e ficar bar
rigudinho... acredito que alberto caeiro e seus apóstolos tenham morrido assim. > (24/0212003
10h31)
(') usei o exemplo do lobo apenas devido àquele ditado.
D I E S I R A E 8 7
mostarda, quem sabe? O melhor, porém, estava à entrada de certo campo de concentração:
Arbeit Macht Frei: "O Trabalho Te Libertará". > (18/0312003 1 7h03)
"O LEARN TO READ WHAT SILENT LOVE HATH WRIT: TO H EAR WITH EYES BELONGS TO LOVE'S
FI N E WIT"
Assim como sucede aos trocadilhos, sutileza tem limites. Trocadilhos demais cansam rapida-
8 8 W U N D E R B L O G S . C O M
mente; sutileza excessiva faz com que eu me desinteresse do assunto.
Há autores que parecem se comprazer em tornar a leitura um ato doloroso e enfadonho. Cada
sentença tem de ser analisada com muito cuidado, numerosas vezes, existindo uma (falsa) multi
versidade de significados, metáforas e aplicabilidades, que talvez denotem o caos universal, a falta
de sentido da vida, a preguiça do autor em organizar de forma coerente suas idéias, a mente de
deus, ou qualquer outra coisa.
Releituras são sempre aprazíveis, encontrar novos sentidos, redescobrir passagens a princípio
sem importância, mas se for pra tornar a leitura um exercício de paciência, ou admirar quebra
cabeças idiotas, charlatães, ainda prefiro a velha e boa cruzadinha da Coquetel. Ou estudar
matemática. Ou jogar Imagem & Ação bêbado. > (30/04/2003 OOhl 7)
"O HOMEM É O LOBISOMEM DO PRÓPRIO HOMEM", THOMAS HOBBES (ou Cuidado com citações
de obras que não conheceis)
Todos sabem que Thomas Hobbes usou certa frase ao início da obra intitulada De Cive, e que
se tratava de um popular provérbio romano, Homo Homini Lupus, com mais de 2 mil anos. Pior
que citar o ditado com autoria incorreta, porém, é conhecer o trecho em que Thomas Hobbes o
diz:
"To speak impartially, both sayings are very true; That Man to Man is a kind of God; and that
Man to Man is an arrant Wolfe. The first is true, if we compare Citizens amongst themselves; and
the second, if we compare Cities."
E um ditado romeno pra finalizar: Lupul isi schimbã pãrul, dar nãravul ba. "O lobo pode perder
os dentes, porém sua natureza jamais." > (09/05/2003 04h12)
D I E S I RA E 8 9
Por que os programas humorísticos são tão ruins? Os humoristas não são nenhuma maravilha,
concordo, nem muito criativos, mas há um outro fator: eles lidam com aquilo diariamente, e,
desta forma, valorizam coisas que sequer percebemos. Para eles, aquela chatura muitas vezes é
engraçada - se não a mais engraçada possível, pelo menos aceitável. Notem que disse "muitas
vezes", nas outras é para encher espaço mesmo...
Teorema: quanto mais se escreve, menos bobagem se fala.
Corolário: imaginem o que certas pessoas falariam se não escrevessem ... » (1 1105/2003 Ol h05)
LAPIDlMO-LO
Reclamam do mau gosto musical dos jovens. Como não gostariam das bandas? Letras que
expressam, pela primeira vez, o que pensam; sons simples, até repetitivos, é claro - ninguém gosta
ou entende, a princípio, algo complexo e tortuoso. Bem mais grave que o inevitável apreço por
algo vulgar, é não conseguir gostar de algo sofisticado, não avançar.
Meu deus, como proust é enfadonho; é muito esnobe gostar de proust. Como alguém que apre
ciava tanto a descrição podia ter um bigode horroroso como o estampado na primeira folha de
minha edição? � um paradoxo... Heptalogia por heptalogia, prefiram a do potter. Por quê? Porque
jamais aconselharia proust a outrem. » (12105/2003 13h10)
9 0 W U N D E R B LO G S . C O M
Definido dessa maneira um tanto quanto contestável, é possível até fazermos um testinho de
internet para ver quanto livre-arbítrio temos - mas isso fica a cargo do leitor, proponho somente
a seguinte experiência:
Escreva uma lista das cinco piores coisas que jamais faria. Diga a si mesmo: eu tenho livre
arbítrio, eu conseguirei realizar ao menos uma. Após desistir, com uma desculpa qualquer, faça
uma lista das dez piores; e então uma das vinte, das trinta, até resolver ignorar as listas e fazer algo
simples, que normalmente não faria, porque considera ruim ou burro - mas nada que vá te
matar. e.g.: enfiar o polegar no nariz enquanto dá uma coletiva de imprensa, assistir à Xuxa e os
Duendes etc.
Veja até onde consegue levar este tipo de atitude insana, e terá uma boa noção de quanto livre
arbítrio possui. Mas atenção: se cumprir os desafios da segunda ou terceira lista, não é nenhum
virtuose do livre-arbítrio, e sim um masoquista, precisa de ajuda especializada.
E, se fizer algo da primeira lista, por favor, esqueça que um dia visitou meu blog, não quero ser
responsabilizado por nada - exceção: caso resolva doar todo seu patrimônio, por favor entre em
contato através da caixa de comentários ... Nem ia publicar esta porcaria, mas, livre como um
ábaco, fi-lo; agora é convosco. > (18105/2003 12h51)
D ! E S ! R A E 9 1
(iv) Hardcover. A capa deve ser sóbria, tons frios; ela pode ser poética, porém não melosa. O
filósofo de antolhos tentou refutar-me certa vez dizendo que "um mesmo livro pode ter muitas
capas': ao que respondi: "vale a da primeira edição, ou uma com aquarelas do autor, trouxa''.
(v) O nome do autor. O nome do autor é extremamente importante para saber se gostarás de
um livro; procura-o na capa ou lombada.
(vi) Orelhas e afins. Prefira livros sem nada escrito a respeito, abomine os que contenham fra
ses atribuídas a jornais. Os livros com orelhas são melhores, pois marca-páginas costumam vir
com frases bregas e propagandas inestéticas. E jamais se case com alguém que dobre a ponta da
página para marcar onde está.
Paro por piedade. Digo apenas que a forma utilizada, a existência de figuras, a organização do
frontispício, o primeiro parágrafo e o peso são muito importantes, bem como a densidade - vale
a pena mergulhar certos volumes num rio para ver qual afunda mais depressa. Aliás, é por isso
mesmo que meu primeiro livro será totalmente de plástico, e passível de leitura na piscina ou
banheira. Se for comprar de papel, prefira os de pH neutro ou levemente alcalino. > (24/05/2003
1 7h14)
9 2 W U N D E R B L O G S . C O M
moleque dando cartão amarelo pro juiz* perdeu a única cena louvável dessa Taça Toyota da
América. E ainda dizem que o gol é o grande momento do futebol.
Espero que o atleta não sej a punido, seria uma vergonha, e um atentado contra a liberdade de
expressão*. Na verdade, acho que os capitães deveriam entrar em campo com cartões; em vez de
perderem tempo reclamando, simplesmente mostrariam um cartão ao árbitro, num ato de solene
reprovação.
Aliás, já devem ter reparado, o árbitro jamais mostra um cartão de forma natural; prefere fazer
uns gestos circenses ao exibi-lo . . . e ainda trajam uniforme colorido, como demandar respeito? >
(04/07/2003 J 3h56)
D I E S I R A E 9 3
Desiludido, espero me formar em numerologia (desde que não dependa da base) até. o fim
deste, ou dedicar-me à ornitorrincomancia. > (28/07/2003 07h04)
G EOGRAFRIA
"Estou partindo para o México. Essas propostas da Europa são sempre irrecusáveis:' (Valdson,
ex-zagueiro do Flamengo, a respeito de sua contratação pelo Queretaro.)
Mas o rapaz não é caso isolado, pelo contrário: a história da geografia nacional registra diver
sos episódios de incompetência ímpar, desde nossa formação:
(i) Pedro Alvares Cabral, tentando chegar às Índias, aporta ao sul da Bahia;
(ii) insatisfeito com sua proeza longitudinária, Cabral conclui que o Brasil é uma ilha; passam-
9 4 W U N O E R B LO G S . C O M
se três anos até que alguém perceba o equívoco e altere o nome de Ilha para Terra de Vera Cruz;
(iii) pra ficar apenas num caso local, cito o Rio de Janeiro. Nossos ancestrais, geógrafos por
natureza, observando as belas águas da baía de Guanabara, acharam que se tratava de um rio.
Confundiram uma baía com um rio; daí o nome desta esbórnia - além da história do menino rei...
Não foi à toa, portanto, que precisaram chamar o Papa a fim de demarcar as fronteiras - depois
ignoradas. Geography, thy name is (dentre outras mil, patriamada) Brazil. > (30/07/2003 04h08)
D I E S I R A E 9 5
REMIN ISCENCIAS
Possuía um cão em infância, cocker spaniel que atendia por Bach; não apenas bobo, como cheio
de problemas. A família passava por dificuldades financeiras, de modo que chegou o inevitável
dia em que papai me informou de que teríamos de nos livrar do infame animal.
Muito genial, meu pai não usou termos tais; em vez disso, falou-me que libertaríamos o cão; e,
a despeito dos frágeis protestos infantis, lá fomos nós, na estropiada Belina vermelha, rumo à
estrada, levando o cão a seu habitat natural.
Paramos no acostamento e deixamos o pobre animal numa pequena mata-clareira. Tiramos a
coleira, e ele saltou um pouco para lá e cá, atrás de insetos; aparentemente feliz, como papai
ressaltou.
Despedi-me do bicho, que se aproximara, e fomos para o carro, enquanto ele tornava a saltar.
Quando ruidosamente ligamos o veículo, creio que meu cão não entendeu bem o que ocorreria a
seguir, pois parou junto ao meio-fio e ficou nos observando partir, parado, com a língua pra fora.
Ainda correu um pouco em nossa direção, antes que desaparecesse na curva. ;i;.. (25/08/2003 14h12)
Aliás, Kant podia saber muito de metafísica, mas se alguém aparecesse com uma prova
irrefutável de que sujava as calças, estaria tudo perdido. Os livros de "lógica" podem dizer o que
bem entenderem, mas o ad hominem ainda é a melhor solução.
Até porque todo mundo tem seu calcanhar de Aquiles; eu, por exemplo, sou hidrômano. Nada
a ver com banho, o caso é que há muitos piromaníacos por aí, e alguém tem de equilibrar a coisa.
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Se virem um sujeito saindo com um balde d'água de casa para molhar um local público, podem
saber que sou eu.
Nem sempre fui tão malvado, a culpa é toda da tevê. Os desenhos animados politicamente cor
retos são muito ruins, jamais educaram alguém; o pouco que aprendemos foi por meio de per
sonagens da laia do Pica-Pau. Com uma frase, "Vodu é pra jacu", o maligno personagem con
venceu-me de aquela religião não prestar pra nada.
Também me ensinou que a formiguinha operária é mal-intencionada, e muitas outras coisas,
como avisar à polícia caso algo de estranho ocorra na vizinhança, cantar o Fígaro, pôr sal na
cauda de aves, não consertar o encanamento sozinho para economizar.
O Gato Félix só me incitou a odiar todos os valores que pregava. É provavelmente o pior
desenho da história, e nem menciono a dublagem. > (29/08/2003 14h58)
D I E S I R A E 9 7
A sociedade quer o meu sangue novamente; doaria com o maior gosto, porém há um tempo
mínimo. Não pensem que seja altruísmo; doaria porque meu sangue é podre, e há sempre uma
possibilidade do teste falhar e uma parte de mim ter contribuído para a ruína de outrem. Imagi
ne: seu sangue ajudar a matar certos políticos, ou o dublador do Ursinho Pooh, ou um vizinho
chato; é tentador.
Agora, uma confissão sórdida: só confio em enfermeiras gordas e de tez escura. Deve ser
influência do cinema estadunidense, mas esta é a grande verdade, e tamanha é minha confiança
em tal categoria, que Freud diria que elas substituem minha mãe quando estou no hospital, e
aconselharia médicos e faxineiros a ficarem longe.
A melhor parte de doar sangue, porém, é a hora do lanche; não devido à gororoba-em-si, mas
porque, após recebê-la, abaixo a cabeça, fecho os olhos, e fico escutando a reação das pessoas
derredor.
"O senhor está bem?"
Aceno que sim. Dez segundos se passam.
"Você está se sentido bem?"
Aceno que sim. Vagarosamente. Mais vinte segundos. Tensão na lanchonete.
"O senhor quer se deitar?"
Levanto a cabeça; segurando o riso:
"Não, obrigado, estava só orando:'
Cai a cortina. > (23/09/2003 l l h53)
9 8 W U N D E R B LO G S . C O M
MOZART DO NATAL PASSADO
Planeta, a Terra; Bairro, Santa Rosa; como todas as crianças terrenas, fui acometido naquele
natal pelo maior inimigo da infância: um brinquedo para induzir-me a uma profissão. E, apesar
dos esforços de todos os educadores de rádio, chegará o dia em que os pais, os avós e os tios serão
letais para qualquer forma criativa de vida; quem poderá intervir?
Sobrevivi, todavia, ao episódio do kit médico playmobil, embora tenha gasto algum tempo na
medicina... Um amigo passou com louvor: o pai, que trabalhava na indústria pesqueira, dera-lhe
uma lancha do playmobil; dias depois, a lancha esborrachava-se após "transformada'' num avião...
Na verdade, é bastante inútil tal tipo de intervenção no futuro de outrem; se desse certo, não
haveria tanto advogado - segundo um amigo, não existe jogo de advogado. E haveria muito mais
cientistas, haja vista as vendas de Alquimia, Jovem Cientista, Lunetas etc.
De todos os jogos infantis, o que me dava mais desgosto era o Jogo da Vida. Como era chato, e
que roleta patética. Era começar o Jogo da Vida, e eu ia para o meu canto curtir um saudável
autismo.
Penso, hoje, em criar o Jogo da Morte. Ganha quem morrer por último, ou quem chegar ao
final, que recebe uma injeção letal e morre de forma indolor. O jogador começaria com uns qui
nhentos pontos de sanidade, e lançaria dois d6 (o seis é uma caveirinha) por rodada; cada casa,
uma desgraça.
"Parabéns, você teve siameses, eles morreram na separação e tua mulher no parto. Você passou
uma semana escutando Dean Martin cantar 'That's Amoré': menos vinte pontos:'
''A árvore que plantaram no dia em que você nasceu secou; jogue mais uma vez."
Não espero fama nem fortuna, mas gostaria de vender mais que o Lango-Lango e o Pula-Pirata.
)> (28/09/2003 08h33)
D I E S I R A E 9 9
saúde, todavia, e como o mundo não espera, nem avança, seguiu para trás, levando a tevê ao quar
tinho de empregada, por meio de sucessos como o Cidade Alerta, o Ràtinho, ou o Liberace.
A pergunta, porém, era onde iria parar a tevê brasileira: não sei, mas imagino que daí só possa
ir pro banheiro. A minha esperança é a de que não seja o banheiro de empregada ... Na Alemanha,
país muito mais avançado, os irmãos Schumacher lideram um movimento para que a tevê vá para
a varanda, junto com o frigobar, mas nem lá a coisa tem dado muito certo - a copa, por exemplo,
só foi transmitida pelas redes fechadas. > (2011012003 07h1 0)
dias, ou foi por este tomado. Com licença, mas isso é mais patético que Lulinha paz e amor ...
As pessoas criticavam Boris Canabrava Yeltsin, mas se Stálin fosse obrigado a cantar em públi
co uma música escolhida pelos camaradas uma vez por ano, talvez a história fosse bem distinta.
Você aceitaria ordens de alguém que cantara "I Am a Rock (1 Am an Island)"* ao videokê num
dezembro passado? Vamos falar sério ... por isso não espezinho o efelentífimo quando faz as de
bufão por aí. > (2111 0/2003 13h12)
( ' ) l've built wa/ls/ A fortress deep and mighty! That none may penetrate/ I have no need offriendship/ Friendship causes pain/ lt's laugh
ter and it's loving I disdain ...
1 0 0 W U N D E R B LO G S . C O M
sofá de meus avós e atear fogo ao colchão. Logo me tornei leninista, porém, um "revolucionário
em termos".
Um episódio marcante de minha infância ocorreu durante um dos recreios ao início da
primeira série. Começávamos a jogar bola no pátio de areia - eu não muito, pois era o goleiro -,
tranqüilamente, em uma das extremamente disputadas balizas, quando um ínfero (não em
estatura todavia) apareceu em minha visão periférica, correndo desenfreadamente em nossa
direção, uma bola debaixo do braço, nada na cabeça, e seus comparsas já surgindo ao horizonte.
Tentei ignorar aquilo e me concentrar na partida que iniciáramos, porém foi difícil, vez que o
sujeito iniciou um estranho ritual: pegou sua bola e a fez colidir contra um dos postes três vezes;
atingiu em seguida o travessão, e, finalmente, a trave antípoda.
Desnecessário dizer que o jogo já fora interrompido, diante daquela cena bizarra, e inútil, mas
antes que pudéssemos perguntar que diabos era aquilo, o rapazinho estufou o peito, e, sem que
houvesse tirado água do joelho, disse na minha cara:
''A baliza é nossa; eu batizei primeiro."
Ao que retruquei gesticulando:
"Meus pais não me batizaram, eu não tenho que batizar isso:'
Até hoje considero meu argumento bom, mas, como eram maiores, começou o empurra
empurra, apartado pelo inspetor, que redefiniu as convenções locais: "Quem chegou primeiro?
Então é sua."
Rindo prosseguimos nossa partida; um de nós ainda fez uma careta muito zombeteira, cena que
ficou marcada em nossas memórias. No ano seguinte, já éramos algozes. »- (0511 112003 07h01)
A CU LPA É DO MONTÃO
Meu grupo de amigos mais antigo é composto por um bêbado, um recluso, um mulherengo e
um ómega - alvo de recorrentes piadas.
Ou será apenas uma imposição de papéis? Quase todos os grupos possuem tais componentes,
e o interessante é que, na maior parte das vezes, nenhuma das pessoas é mulherenga, bêbada,
reclusa ou otária; simplesmente, destaca-se um pouco em relação aos demais em tal quesito.
D I E S I RA E 1 O 1
Uma pessoa considerada bêbada num grupo poderia ser vista como reclusa no outro, ou
mulherenga. Portanto, se você não gosta de sua imagem atual, não se esforce para mudar, ponha
a culpa nos amigos. > (1411 1/2003 l l h21)
E há nossa vocação intelectual, devido ao charme ... Vida boêmia, discussões prazerosas, sem
medo de aplicação, música agradável, e trabalho em casa. Quem não desejaria ser um? É o sonho
de consumo da nação* ... e "a educação é a chave pro futuro':
(*) outra vantagem é que tuas obras (livros ou pinturas por exemplo) não vendem, e sempre tens com que presentear outrem - e é algo
sem preço...
Além disso, "somos um país jovem': "o carnavalesco tem sempre razão" e "basta marcar o
jogador, e não a bola"; "tem que dar certo': Penso, é claro, a curto prazo. O mavioso Estado, por
mais coercivo que seja, não durará a eternidade, não o modelo hodierno; o destino ruma ao
inevitável. Pouco após a eutanásia compulsoaleatória tornar-se o esporte mundial, teremos a
primeira fase da queda, o auge, a fusão das nações: Antilhas Holandesas e Suíça serão um*, o
Brasil não será mais que um estado, e enfim uma zona administrativa.
1 0 2 W U N D E R B L O G S . C O M
(") a Suíça, aliás, é composta por quatro federações . . .
( " ) a tevê diz até que a s religiões são u m a s ó...
( " ) exceto uma aldeia gaulesa irredenta, é claro.
Mais tarde, talvez devido à não-anexação da aldeia, ou à preguiça científica, não teremos um
programa decente que previna a colisão de aerólitos, e seremos esmagados por uma rocha celes
tial, quando estiolaremos nos subterrâneos. Filósofos da época dirão que é o fim do começo, e que
a reflexão tornará o futuro ainda mais promissor; jactar-nos- emos de nossa capacidade adaptati
va, etimólogos lembrar-nos-ão dos antropóides que somos, e os espeleólogos aparecerão toda
manhã na tevê. :l> (1511 1/2003 1 3h00)
D ! E S ! R A E 1 0 3
Minha primeira série chama-se Mesa de Bar, todas as telas têm uma mesa com quatro cadeiras.
O primeiro contém, além disso, uma tulipa pela metade; intitulei "Copo meio cheio ou meio
vazio - varia com o observador". Vejamos até onde o charlatanismo artístico irá.
E se p erguntam qual minha corrente, respondo sem hesitar: "o dinheiro tem sempre razão': :>
(1 0112/2003 1 6h 1 6)
EUTRÓPIA
O Carnaval é estranho em minha cidade: todos se dirigem para uma outra, pré-estabelecida, e
lá juntos se divertem ... Que saia mais caro e seja apenas uma vez por ano, em vez de algo barato
e com razoável regularidade, não lhes importa.
Se ltalo Calvino tivesse reduzido as Cidades Invisíveis a um quarto, teria gasto menos tempo,
vendido mais e feito um livro melhor. :> (13112/2003 14h37)
Não porque seja bitolado ou esteja mui inserido na cultura ocidental, mas por ser meu aniver
sário - ignorando eventuais correções devidas ao 1 /4 festa que se deveria celebrar a cada qua
-
tro anos, a fim de se conferir a devida importância. Mas o que Apollonius de Tyana espera de 2004
além de medalhas prateadas em Atenas?
Segundo a programação da tevê para esta madrugada, somente nomes mais belos para nossas
filhas, pois a novidade é a elfomania. E meus relevantes votos são de dedicar-me ao infinito*, não
comprar jornal algum, desconfiar da importância que se atribui a tantas coisas por aí, parar de
usar assoprões como forma de assepsia.
1 0 4 W U N O E R B LO G S . C O M
( ' ) não é preciso acreditar pra viver disso
Talvez comece a crer em meus livros de física e caminhe sobre brasas ardentes gritando "Efeito
Leidenfrost, Ativar". Enquanto isso não ocorre, porém, seguirei emitindo opiniões triviais ou
erradas sobre assuntos que desconheço, postergando tudo que não deveria, e tomando sidra no
Réveillon usando meu boné especial do Chaves - com canudos.
Ao leitor desconhecido, a mensagem rotineira: nada disso foi com você. > (31112/2003 1 0h51)
DITADURA NU NCA
Aproveitemos o final de ano e findemos também com o mito da Ditadura, que jamais esteve
presente em nossas plagas.
Que seja um mito é facilmente verificável por meio dos supostos livros de história, que não
conseguem sequer dizer em que dia exato a brincadeira começou.
O mesmo argumento prova a inexistência de Jesus e de Beethoven. > (3111212003 21 h03)
D I E S I R A E 1 0 5
os 365.25 dias do movimento de translação que faz a Terra girar.
E se amanhã a tevê me apresentar o primeiro bebê do ano, eu paro. > (31/12/2003 21h06)
Algumas referências ou notas de rodapé:
1 0 6 W U N D E R B L O G S . C O M
FAI LBETTER failbetter.wunderblogs.com
Posted by D a n i e l Pe llizzari
Ô ABRE-ALAS
Ipiaiô. Quem digita é Daniel Pellizzari, expoente do gnosticismo festivo, 2 112 dozen summers
against the world. Ao contrário daquele que me precedeu como novo membro deste escrete,
anunciado pelos profetas e pela própria voz como representante das forças da natureza, não
deposito confiança em nada que não tenha sido criado por engenho humano. Nem mesmo a
existência da Bauhaus, dos automóveis ou dos bonés sacode minha convicção. Tudo que é natu
ral - seja concreto ou abstrato - é, por si, abjeto, e só pode tornar-se bom e belo sob a perspecti
va de intervenção humana. Dedicarei este espaço a um elogio do artifício, à opção pelo não-suicí
dio e, claro, ao gênio do Dr. Pemberton, que há 1 1 7 anos teve a bondade de inventar meu tônico
predileto. > (27/06/2002 1 6h04)
- Só vô ir se tu for ir também.
- Mas tu vai ir, véi?
- Eu vô ir. Vô ir agora, na real.
- Então vamo, porra.
Oh, que obra-prima o mundo perdeu quando desisti pela enésima vez de publicar Tanso,
minha infame novelinha picaresca escrita em dialeto portalegrês.
E chora o cânone ocidental. > (28/06/2002 12h57)
O fim da esperança é o começo da vida. O suicídio não é o fim da esperança. No ato suicida
ainda há a esperança de um fim - fim do sofrimento, fim da existência. Ainda há esperança na
FA I L B E T T E R 1 0 7
desesperança.
O fim da esperança é sem esperança e sem desesperança. É vazio, e assim contém todos os instan
tes e possibilidades. Um só segundo de esperança condicionaria as possibilidades desse instante,
gerando inevitável sofrimento. Este exato segundo parece apenas mais um segundo: mas não o é.
E nunca esqueçam, infantes: neglect of the feet can cause Jungle Rot and make you a casualty. >
(12107/2002 1 8h54)
Sábado peguei um táxi pra ir até a casa dos meus pais. Paramos em frente ao prédio, de onde
saiu uma garota que desfilava predicados, digamos assim, deveras calipígios.
Até aí, tudo bem. Todos gostam de nádegas. Mas o taxista começou a ficar todo esbaforido e,
para encurtar a história, uns três minutos depois saí do táxi no compasso insaciável dos berros
do motorista:
"MAS VAI DIZER, ALI NAQUELE RABO NINGU ÉM COME SOZINHO, É OU NÃO É ?
UM SÓ NÃO DA CONTA DAQUELE CU, É OU NÃO É? MAS NA VIDA TEM QUEM PREFI
RA COMER CAMARÃO ACOMPANHADO DO QUE FEIJÃO E ARROZ SOZINHO, É OU
NÃO É?"
Eppur si muove! > (22/0712002 1 4h48)
Não posso ter certeza de nada, porque até meus nove anos eu passava os dias em grandes via
gens psicodélicas movidas a oxigênio e falta de paciência pra agüentar gente da minha idade,
aquele bando de crianças que, maldição profunda, nunca param de gritar, não gostam de ler enci
clopédias e, bem, só falam bobagem. > (15108/2002 20hl1)
Não fiz a primeira série, porque já sabia ler h á u m tempo. Fiz uns testes e fu i direto para a
segunda. Não tinha noção do que era uma chamada. Lembro até hoje do nervosismo que me deu
quando a professora começou a falar o nome de todo mundo em ordem alfabética, e todos -
todos! - tinham trazido o tal do presente. Eu nem sabia que tinha que levar presente. Minha mãe,
autoridade máxima, não tinha me dito nada sobre esse negócio de presente. Quando a professo-
1 0 8 W U N D E R B L O G S . C O M
ra chamou Daniel, respondi "Não trouxe, minha mãe não disse nada': quase vomitando de tanto
constrangimento.
Noutro dia a professora anunciou que faríamos uma composição (céus, isso parece algo tão
antigo quanto cabeçalhos) baseada nos recortes que ela tinha pedido para trazermos de casa.
Obviamente, eu não tinha prestado atenção quando ela fez o pedido. Provavelmente estava
decidindo ter aula de japonês enquanto tentava desesperado ler mais um mangá.
Incontinenti, tirei uma revistinha qualquer da mochila, enxerguei na contracapa a propaganda
do Torpedinho - um torpedo com boca de tubarão que saía espiroqueando pelo recinto quando
tu dava corda - e fiquei tranqüilo. Recortei o bicho, colei no papel almaço e comecei a escrever
uma composição sobre o papel dos submarinos alemães na Segunda Guerra Mundial, assunto
que então me fascinava e sobre o qual hoje cultivo apenas vagas lembranças. Para arrematar, botei
umas ilustrações de próprio punho: uma suástica, uma caveira (na minha cabeça, era o símbolo
das SS) e uma estrela dentro de um círculo (novamente, na minha cabeça, era o símbolo do
exército americano) .
N a semana seguinte, meus pais foram chamados a o colégio e precisaram explicar que não,
minha família não era nazista. E que não, as ilustrações não eram uma mensagem cifrada signifi
cando NAZISTAS (suásticas) MATAM (caveira) JUDEUS (estrela: fiz uma de seis pontas, porque
era a única que eu conseguia desenhar) .
Ahh, o mundo. Sempre pegando n o meu pé. > (16108/2002 14h05)
FA I L B E T T E R 1 09
Me veio uma idéia. Grandes confrontos imaginários entre figurinhas carimbadas das hagio
grafias ocidental e oriental. Para começar forte, precisaríamos de algo no estilo Rocky Balboa ver
sus Apolo, o Doutrinador. Minha sugestão, praticamente imbatível no quesito sucesso de público
· e afluência de devotos (inestimáveis para rolar aquele clima beligerante, cada um gritando sua
versão de Vai pro inferno! pro lado adversário), seria um Santo Antão versus Milarepa. Uau.
Estremeceria o octagon bento. > (3111 012002 00h54)
Em um plano além do imediato fugaz, não existe iluminação, existe ideal de iluminação. Não
existe redenção, não existe salvação. Tudo cessa. Há o caminho que sobe e o caminho que desce,
mas valem apenas para o tempo em que são percorridos. O destino de ambos é o mesmo, e nada
- entenda: nada - fará diferença alguma na hora da morte. Como em uma tragédia aristotélica,
todas as peripécias e reviravoltas de uma existência possuem .uma duração limitada e única, cujo
início e fim são sempre idênticos, intermediados por uma <luração completamente aleatória de
fatos na maioria das vezes desconexos. A vida nasce, consome energia e se torna morte. Não existe
opção. Não existe refúgio possível além da consciência da infalível miséria. O existir como
anátema do nada, abarcando a mais completa fragilidade. Ou você se distrai ou presta atenção,
mas no momento preciso do fim - a única das duas certezas realmente, absolutamente, inegavel
mente possíveis - isso de nada adiantará. O importante, principalmente para o humano e sua
consciência-de-apreender-fenômenos que insiste na própria individuação, é o que não está deter
minado: o miolo: o que se faz de forma a existir e transformar o sofrimento inerente em algo belo
pelo conhecimento e realização de sua finitude. A vida faz o que pode, e então cessa. Menos as
formigas, que nunca morrem. Agora vou ali tomar um café. Ontem choveu, hoje parece que vai
fazer sol. > (0111 112002 09h14)
Confesso que, vez que outra, quando faço coisas do tipo procurar no Google por "heidegger
aquinas': me sinto um pouco esquisito. > (30/1 112002 20h39)
Um italiano que fez as malas há 44 anos e disse a seus amigos que estava partindo para a América
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foi encontrado morto dentro de uma das paredes de sua casa hoje.
Que beleza. Esse era do tempo em que América era sinônimo de paraíso. Aposto que gostava
de Blake ( The Guardian Prince ofAlbion burns in his nightly tent, sullen fires across the Atlantic glow
to America 's shore) e Poe (I rapped heavily, with a cane which I held in my hand, upon that very por
tion of the brick-work behind which stood the corpse of the wife of my bosom). Um poeta, meus ami
gos, um po-e-ta. > (04112/2002 03h58)
Quando cansei de brigar com o parágrafo inicial de um mini-capítulo, desesperado por não
conseguir dar forma ao que parecia tão bem-acabado na minha cachola e em minhas anotações,
me escondi atrás da porta - para que tio Tolstói não viesse - e fui pedir conselhos pro tio
Turguêniev. Ele sorriu e me acusou de indolência eslava. Logo a mim, um sujeito a contragosto
tão latino. Pedi que desenvolvesse e ele desatou a falar, como um bom russo: "Esta é a questão da
indolência eslava, Daniil: enquanto a gente sonha com o trabalho, paira como a águia: é como se
pudesse mover o mundo; mas, quando passa à execução, a gente se sente fraco e cansado". Quando
ele parou de falar, cocei a barriga e pedi uma vodka. > (13112/2002 23h05)
Durante minha adolescência, quando eu estava convencido de que era uma espécie de santo
bizantino tardio disfarçado de vocalista de black metal, eu levava a sério o ideal de manter a cons
ciência desimpedida para que a Razão me ajudasse como fosse possível na construção de uma vi
da interior que não me envergonhasse. Isso me manteve longe do álcool e das drogas ilícitas até
os dezoito anos, quando os encantos satânicos da contracultura me fizeram criar o bordão "até
os dezoito anos você acumula conhecimento e só então pode usar alguma droga de modo con
trolado, porque estará instrumentalizado para retirar algo da experiência': Ah, as maravilhas da
racionalização pueril. Perdi alguns anos lendo bobagens completas sobre (ahem) enteógenos e
usando uma miríade de substâncias sobre as quais rabiscava extensas notas de puro auto-engano.
Em 1999, aos 25 (céus, aos 25!), acabei cansando e caindo no abismo do sensualismo hipertrofia
do durante alguns meses, mas consegui vencer o balrog* e voltei para encher o saco de vocês com
minha irredutível vocação para cagar regras. Hoje em dia, só agrido meu corpo com sedentaris-
F A I L B E TT E R 1 1 1
mo e comida gordurosa. Me agrada uma birita vezenquando, mas cada vez menos. E, de prefe
rência, longe da histeria triste dos bêbados festivos. > (0210112003 14h57}
•sim, leitor jovem e baladeiro, eu fiz uma referência ao universo do Tolkien. Ele se tornou um de meus ídolos a partir de 1 986, quando
comprei a tradução xexelenta que a Artenova fez d'O Hobbit. Na transição acima {meus malditos dezoito anos, quase trinta quilos atrás,
quando, confesso, eu tinha uma inimaginável cara de moça, cuidava obsessivamente do meu cabelo comprido e usava jóias de prata com
motivos célticos) comecei a deixar este nobre senhor.. um pouco de lado e até esqueci as poucas coisas que sabia falar em Sindarin e
Quenya. A garota que me ensinou essas coisas já morreu, e isso é algo que me irrita diariamente. Uma das coisas mais miseráveis da
existência é perder piadas internas por falta de interlocutor. !> como um idioma que morre. Voltando da digressão, confesso que esta
nota de rodapé - e talvez este post inteiro - está aqui apenas para que eu diga que As Duas Torres do Peter Jackson incomoda um pouco
pelo excesso de modificações na história, mas mesmo assim é muito bom e tem um impecável Gollum Sméagol. Também gostei bas
tante dos Rohirrim, e suspeito que o último filme vai ter quase quatro horas pra dar conta de tudo que falta. Forth, eorlingas!
Na época em que o mundo tinha outro tamanho e outras medidas, Santo Anselmo de Canter
bury - ou S. Anselmus Cantuariensis, nome que fornece mais imagens deliciosas para a cachola
- compilou o Elucidarium, que provavelmente é o protótipo da enciclopédia infantil. Uma boa
idéia: dar as bases de uma educação decente a uma criança, esse animalzinho remelento que ainda
permanece muito curioso quando o deixam ser - e especialmente quando seus responsáveis ali
mentam tal coceira sagrada.
Uma enciclopédia infantil (ahh, O Tesouro da Juventude, O Mundo da Criança) me parece es
sencial para a criaturinha ter um panorama do que foi feito pela humanidade, para começar a se
situar no meio da sopa de informação descartável em que estamos nos afogando. Depois disso, as
idades de dois dígitos, as fontes primárias, a boa literatura, o mundo todo se construindo aos
poucos na cabeça.
Ando um pouco angustiado, porque suspeito que as enciclopédias infantis não existem mais -
ou, se existem, há grandes chances de serem compêndios de mediocridade, tão úteis para embasar
o conhecimento quanto a programação do Cartoon Network. Minha progênie vai ter que se virar
com livros velhos. Hmm. Na verdade não parece tão ruim, desde que eu não lhes transmita minha
rinite alérgica. E nada contra a programação do Cartoon Network, mas tudo contra ela e ela
somente. > (0210112003 1 5h05)
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Não consigo entender a expressão - por sinal, já bem assentada no latifúndio dos clichês - "o
absurdo da guerra". Sempre me interessei por história bélica, tenho conhecimentos razoáveis
sobre os principais conflitos que assolaram nosso planetinha, mas não entendo isso de "o absur
do da guerra". O que há de absurdo em uma guerra? É a natureza humana em marcha, sob uma
das mais límpidas formas que consigo conceber. Se a civilização for mesmo repressão, a guerra é
a manifestação mais civilizada do instinto agressivo. De absurda, não tem nada. Tanto no geral
quanto no particular, a guerra costuma ser um processo simples de entender, em todas as suas
motivações e desdobramentos. Absurdo é todo o resto. > (05/01/2003 02h45)
Não consigo decidir o que me parece pior: confundir arte com entretenimento ou achar que
toda obra de arte deve trazer embutida a possibilidade de redenção ou, pior ainda, algum senti
do edificante intrínseco. Criadores em geral são, por princípio, moralistas, mas faz parte da
natureza paradoxal de sua atividade evitar ao máximo a armadilha de ser moralizante. É por isso
que o subtexto é tão importante, principalmente nas artes narrativas (literatura, cinema etc.), que
por sua própria natureza exigem a presença de uma certa ambigüidade para que possam fun
cionar. Subtexto não é uma moral da história, e muito menos uma mensagem. Subtexto é aquilo
que o autor diz, mas não mostra. Aquilo que o autor mostra, mas não descreve. Aquilo que o
autor descreve, mas não explica. O subtexto é o vácuo que cria a tensão necessária para a narra
tiva operar seus truques (ou sua mágica, se quisermos ser românticos) . Mas certo, deixa isso pra
lá. > (27101/2003 19h36)
Já que a ordem do dia parece ser mesmo falar sobre a Guerra-ou-não-Guerra no Iraque, me
rendo ao Coro e ofereço aqui os cinco centavos de um ávido leitor de história bélica. Quem dis
corda pode espernear, mas a guerra é mesmo uma coisa linda de se ler.
Creio que um bom parâmetro para julgar se uma guerra é ou não justificável é tentar imaginar
os livros que seriam escritos sobre ela. No caso deste imbroglio Bush-Hussein, é patente a pobreza
de elementos para um relato de uma boa briguinha em grande escala. Não estamos falando dos
trezentos de Esparta, das estripolias de Vercingetóri.x, da Guerra do Paraguai, do McDonald's de
FA I L B E T T E R 1 1 3
Verdun, do cerco de Stalingrado, do desembarque na Normandia ou da ofensiva do Tet*, estamos?
Esta Guerra do Golfo, como sua versão 1 .0, seria uma guerra fácil, relativamente limpa e provavel
mente rápida, ou seja, careceria de elementos dramáticos que justifiquem sua existência, a menos
que você seja um alegre leitor de Tom Clancy. Isto posto, creio que sou contra. > (20/02/2003
02h04)
"Antes que me incomodem, alerto que esta linha de tempo foi devidamente picotada com o nobre fim de fazer com que eu não soasse
como um maldito cronista. Todos sabem que o principal expediente dos malditos cronistas são aqueles arremedos de texto compostos
por listas cretinas sobre o mote escolhido, no estilo "Amar é suar o sol, chorar a lua, deixar o sorvete cair no chão, enfiar o polegar na
testa, [ ... ], e puxa, não é tão bom amar?". Mesmo que este rol de fatos bélicos memoráveis não se encaixe exatamente na mesma catego
ria, todo cuidado é pouco quando existe o risco de soar como um maldito cronista. Enxugando as lágrimas, agradeço a compreensão.
O mundo desapareceu, mas a janela continua no mesmo lugar. > (1 7103/2003 03h38)
CHI LI MONJOLENO
Atendendo a pedidos - é, esses leitores são loucos - lá vai a minha receita intuitiva de chili com
carne:
vocE VAI PRECISAR DO SEGUINTE
450g de feijão carioquinha
1 /2 cubo de caldo de bacon
250g de carne moída
1 xícara de lingüiça defumada cortada em tirinhas
2 tomates cortados em cubos, com pele e sementes
1 1 /2 cebola cortada em cubos
1/2 cabeça de alho picada
2 xícaras de polpa de tomate
4 pimentas vermelhas (frescas) cortadas em tirinhas (sem as sementes)
2 colheres de sopa de molho de pimenta jalapefia (Tabasco, Jimi)
1 colher de sopa de pimenta calabresa desidratada
1 /2 colher de sopa de vinagre
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manteiga
sal a gosto
F A I L B E T T E R 1 1 5
Fique atento. Se precisar mexer, faça-o com delicadeza. O ideal é que o feijão se desfaça um pouco,
engrossando o chili.
9. Passados os 45 minutos, se tudo estiver com cara de chili, tá feito o carreto. Pode comer. É
bom com cerveja. É ótimo usado como recheio de um pão francês, misturado com cubos de
cebola refogada e um pouco de cebolinha cortada em rodelas.
Dica: Não esqueça de lavar as mãos depois de manipular as pimentas vermelhas. Se esquecer de
lavar, evite enfiar o dedo no nariz. Estou avisando, hein. Olha lá. > (1 1104/2003 12h58)
OBSERVAÇÃO I N ÚTI L
Uma das obrigações mínimas de qualquer escritor com um mínimo de vergonha na cara é ter
um domínio técnico razoável, que lhe permita fazer o que quiser, quando quiser, do modo mais
adequado. Prosa espontânea e sincera? Escritores são, acima de qualquer outra coisa, mentirosos
profissionais. Compassivos, sim. Altruístas, pode ser. Visionários, vá lá. Mas sempre mentirosos,
sempre maquiavélicos, sempre com domínio de seu texto. A sinceridade pode ficar para panfle
tos ou, caso o sujeito tenha a inclinação, para o confessionário (religioso ou laico, excluindo-se
1 1 6 W U N D E R B L O G S . C O M
das possibilidades as mesas de bar). Já a espontaneidade não consigo imaginar para quê serviria,
seja na literatura ou fora dela. Constranger os convivas, talvez.
Mesmo tendo isso em mente, admito ser perigoso estabelecer regras rígidas sobre o que é ou
não literatura, e sobre como um autor deve ou não se portar ao fazer seu trabalho. Reconhecer
literatura não é tarefa difícil, e pouco tem a ver com critérios objetivos ou impressionistas. Basta
ter lido algumas centenas, talvez milhares, de obras de ficção. É uma espécie adestrada de intui
ção. Fica muito fácil perceber o que é literatura e o que é simulacro, sem ter que recorrer a
nenhum teórico para fundamentar o julgamento. Você pode não gostar de uma narrativa, pode
até abominá-la, mas será forçado a admitir que aquilo é, sim, literatura.
Não que alguém se importe com isso, é claro, mas o dever do ficcionista é exercer o inútil e me
encanta ser obediente aos ditames do ofício. > (2211 112003 12h09)
HORA DO ALMOÇO
No meu Paraíso (ou na minha Cocanha, escolha seu lado) , como no Tir na nó g céltico, os por
cos correrão pelos campos já assados, com facas espetadas no lombo. Poderia escolher meus com
panheiros de idílio dentre mortos e vivos, e trocá-los ao sabor de minha inconstância. Em cada
canto, roletes fumegantes com bois inteiros, talvez recheados com ovelhas. Seriam operados por
uma interminável equipe de serviçais, todos eles anões com trajes do século XIII. Teria uma só
mulher para o que me restasse de eternidade. O afresco do horizonte seria continuamente repin
tado por um exército de Giottos. De cada torneira onipresente jorraria, muito gelado, o bálsamo
borbulhante do Dr. Pemberton. Nenhum bêbado à vista. Livros, muitos livros, nanocomputa
dores intracranianos e um oceano feito de farofa. > (2211 1/2003 12h21)
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plo da assepsia urbana aplicada, com esse tipo de corcundas na cachola. Costumo ser convidado
com certa freqüência a debates como este último, onde o mote é invariavelmente algo que con
tém o adjetivo novo. (Pausa para um suspiro.)
De início posso dizer que cada escritor, ao dar início à sua obra, abre um novo caminho. Todo
autor que surge, se tiver um tantico de decência, traz consigo um novo universo a desbravar, um
jambalaya de linguagem, imaginação, influências, projeto de obra, porco, lagostas, a coisa toda. É
preciso pensar em novos caminhos além deste,"o óbvio irreparável? Não sei, mas já que precisei falar
sobre o assunto aproveito o blog para dividir alguns pontos com quem não pôde estar no debate.
Vivemos em tempos de certo modo complicados para os dez filadaputa que lê livro, é certo.
Com a ascensão abrutalhada e fascinante da narrativa audiovisual no último século, a literatura
perdeu evidência e saiu do posto privilegiado em que sempre estivera, de forma narrativa
primária. O que para muitos escritores pode parecer terrível, tenebroso - como de fato o é, mas
não completamente - a mim parece um convite à maior liberdade, ao completo abandono à
imaginação. Ninguém está olhando. Ninguém se importa. Ninguém está lendo. Que maravilha.
Estamos livres, os escritores, para trotar levantando poeira pelos tais novos caminhos. Um dos
novos caminhos mais interessantes, pelo que eu julgo, e costumo julgar bem, seria justamente o
velho caminho. Ei, não estou falando do realismo (seja naturalista, psicologista ou, valha-me
Abraxas, sociológico) . Depois de dois séculos de domínio, este me parece um tanto exausto, tendo
como única salvação a narrativa fragmentada. O que eu realmente gostaria ver de volta é a imagi
nação, a alegoria, a ficção pura e exuberante. Até algum maldito francês inventar que o que real
mente interessa são as picuinhas cotidianas do burguês (para mais tarde, degringolarmos nas
picuinhas cotidianas da rafaméia, tão poética que é, tão real etc.) a literatura se pautava pela
imaginação, pela criação desenfreada, pela denúncia da criatividade do autor. Pense no Gênesis. Na
ilíada. As Bacantes, as Metamorfoses. O Asno de Ouro. A Divina Comédia, Gargantua e Pantagruel, As
Viagens de Gulliver, Tales ofthe Grotesque and Arabesque. Maldoror, as Alices. Certo, vocês entenderam.
Com a ascensão do romance realista, o que eu enxergo como a principal qualidade da literatura
tornou-se artigo de segunda mão, limitado ou a guetos vanguardistas (surrealismo, anyone?) ou
à recém-criada literatura de gênero, que reúne narrativas de horror, fantasia, policiais e ficção
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científica (o pior rótulo jamais criado para qualquer coisa que tenha alguma vez pensado em exis
tir) . Sim, existiram Gógol e Kafka, Cortázar e Bulgakov, Borges e Kharms, e assim por diante.
Foram insurreições bem-sucedidas contra o status quo das narrativas interessantíssimos sobre a
vida íntima de quarentonas, mas sua influência mal chegou às letras brasileiras. Aqui, mesmo
depois do brilhantismo de um satirista como Machado de Assis, não nos restou mais que o
romance de 30, o sociologismo regionalista, as narrativas naturalistas sobre uma suposta reali
dade dos desfavorecidos, que seria A Realidade. E quem se importa com a, ahn, Verdadeira
Realidade? Eu me importo com o fato do humor, da sátira, da paródia, da ironia, ainda serem
considerados subliteratura (eu te odeio, Aristóteles) , enquanto qualquer narrativa que mostre
quão dura pode ser a vida para quem não tem dinheiro (e, tese mui querida pelos brasileiros,
quão sábia e superior pode ser a ignorância) ou as agruras de relacionamentos e da gente que
sofre por amor (amor, aqui, geralmente aparecendo como não mais que monomania, puro
transtorno de atenção) sej a considerada parâmetro de boa literatura.
Não é o caso de abandonar de vez o realismo em todas as suas facetas. Ele ainda pode render -
e rende - trabalhos excelentes, fazendo com que a convivência, mais que possível, seja desejável. Um
escritor sabe quando e como deve usar tal e tal tratamento para seu trabalho. Em arte, como em
todo o resto, a destruição e as posturas niilistas não passam de totalitarismo. Não precisamos de
ressentimento, precisamos de novas mitologias. Literatura não deveria ser caixa de recalques, mas
janela para o que o humano tem de melhor. Não creio que precisamos de mais denúncia social
estéril, mas sim da transcendência que denuncia a mediocridade. A melhor maneira de fazê-lo, a
meu ver, é integrando todos os elementos possíveis em uma nova literatura de imaginação, da mesma
forma que as tão desprezadas histórias em quadrinhos. Ninguém está olhando, ninguém se impor
ta, podemos fazer isso sem grande alarde até ser tarde demais para que os acadêmicos esperneiem.
O adorável é dar-se conta que, finalmente, o processo já começou. A
Divina Paródia, de Álvaro
Cardoso Gomes. Não Há Nada Lá e Hotel Hell, de Joca Reiners Terron. A Coisa Não-Deus, de
Alexandre Soares Silva. Húmus, de Paulo Bullar. Deixe o Quarto como Está, de Amílcar Bettega
Barbosa. Naquela Época Tínhamos um Gato e Subsolo Infinito, de Nelson de Oliveira. Não são os
únicos. Autores diversos, enfoques diferentes, tendo em comum em seu trabalho a primazia da
F A l L B E T T E R 1 1 9
imaginação sobre a ditadura do mesquinho. Novos caminhos, afinal.
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penúria mental em que vive uma boa parte dos membros da classe média e alta do Brasilzão Sol
& Mar. Ao contrário do que se pode dizer em defesa, ainda que discutível, dos desfavorecidos,
estes têm tempo e dinheiro de sobra para obterem alguma instrução, aprenderem mais sobre a
trajetória humana, refinarem sua percepção de mundo. Deveria ser um prazer, mas é uma obri
gação da qual se foge do jardim de infância até a caixa de apodrecer. Gente assim não só não tem
a mínima capacidade de entender ficção, mas também não presta para entender o mundo que os
rodeia. E, vejam só, é a maioria. E porque quer. Porque ser pseudo-intelectual é feio. Porque o sim
ples ato de saber e dividir o que se sabe é crime de arrogância. Porque todas as pessoas são iguais.
E é num país assim que muitos abnegados continuam a escrever, traduzir, editar. Que alguém
os canonize, pois diariamente seguem para o martírio com um sorriso extático no rosto, certos
da retidão de seu caminho. Amen.
Epílogo desútil
Mesmo com tudo que disse acima, ainda acredito que tema e/ou enredo são secundários em
literatura ou qualquer arte narrativa. Nunca condenaria uma obra simplesmente por ser realista
ou por lidar com a sarjeta. Quando produzidas pelas mãos de mestres (e eles existem}, são tão
sublimes quanto quaisquer outras, e podem ter valor até mesmo quando assinadas por sujeitos
não mais que competentes. O que me incomoda, acima de tudo, é a previsibilidade, a repetição
que leva à monotonia.
Narrativa é, antes de mais nada, linguagem (as in modo de narrar, estilo; não confundir com
descalabros semiológicos) . Uma história aparentemente prosaica, se narrada com gênio, torna
se formidável. Um enredo intrincado e imaginativo perde todo seu apelo se não vier servido em
uma forma interessante. Lembrem sempre que o tio Shakespeare usou enredos requentados na
maioria (ou todas? não lembro, confesso) de suas peças. Não era exatamente um sujeito original,
mas perdurou porque contou melhor. Aprendamos. > (2211 112003 1 8h05)
F A I L B E T T E R 1 2 1
dentais no sono de uma divindade absoluta perdida em Si Mesma, encantada em deleite indelével
por Sua própria majestade. O infinito Deus recurva-Se sobre Si Mesmo, em eterno êxtase, e não Tem
olhos nem ouvidos nem pensamentos para mais nada que não Sua excelsa glória imaterial. [... ] Todos
os mundos possíveis não passam de ficção em estado bruto, escrita pelo mesmo motivo por qual se
escalam montanhas ou se atritam mucosas.
Em riba um pedaço perdido e absurdamente descontextualizado do meu novo livro, uma nar
rativa longa que, com alguma sorte e paciência, publico no próximo ano. Os críticos dirão que seu
tema central é a criação movida apenas e somente pelo prazer da criação. Eu não direi que versa
sobre um dedo de negro com uma unha que, ao descobrir-se um dedo negro com unha, tenta
renunciar a qualquer privilégio concedido a minorias mas é frustrado em seu intento por uma
entidade que vive dentro d'Uma Máquina, mas poderia dizer (não o farei) que é sobre totinhas.
Grudo o fragmento para sofismar alguma coisa sobre a importância da inutilidade, à guisa de
remédio para a insônia. Chama-se de útil aquilo ou alguém que serve para alguma coisa defini
da, que traz vantagens específicas, que cumpre alguma função para a qual foi criado, que é pro
dutivo ou colabora para um aumento de produtividade. Algo assim. Não me estendo para não me
confundirem este post com algum pastiche de roteiro do Jorge Furtado (caso a Leandra Leal
venha junto, podem me confundir à vontade, e agradeço) .
Na vida, assim como n a literatura, n a culinária o u n a exploração d e pólos, a coisa mais fácil de
encontrar são defensores encarniçados do hedonismo (entreter-se à farta, de modo raso e
insaciável) e da constipação (levar tudo muito a sério em três vias carbonadas, e é melhor ter uma
ideologia por trás). Defendendo seus pontos de vista com ações, argumentos ou com um triple
hit combo, não importa, eles estão por todos os cantos. Difícil mesmo é ter a alegria de encontrar
se com os apóstolos da inutilidade, esses pândegas.
Uma literatura que, não, não, estou falando demais de literatura, vou perder leitores, que hor
ror. Sexo, então. Peço perdão aos ultramontanos e lembro aos demais que sexo bom é sexo inútil,
desprovido até o último gameta de seus fins reprodutivos. Uma relação sexual que não sirva para
os fins constipados da reprodução ou para a busca hedonista por um suposto prazer é totalmente
desnecessária, e é nisso que reside o seu encanto (assim como na literatura que, certo, certo, eu
1 2 2 W U N D E R B LO G S . C O M
paro). Você entende, não entende? Eu sei que entende. É inútil, é desnecessário, não serve a fim
algum; logo, é a essência do que o humano tem de melhor, por ser artificial e transcender a abo
minação chamada natureza que, como todos sabemos, é Má e, convenhamos, um tanto vulgar.
A literatura, o sexo, a culinária, a vida e a exploração de pólos ficam ainda mais inúteis, artifi
ciais e sublimes com a adição de camadas infinitamente superpostas de referências - que, por
apontarem para criações e percepções humanas e serem pós-naturais, são Boas. É nesse campo
que a desutilidade brilha com mais gosto. Se é bom quando um leitor entende algo que você
escondeu entre uma linha e outra - pisca, pisca - é melhor ainda quando uma senhorita coberta
de toda a inutilidade do mundo entende todas as suas desnecessárias piadas de alcova e ainda
colabora para ampliar o repertório. Cravar a bandeirola no exato centro da calota, sem mais
ninguém para assistir. Happy happy. joy joy.
Mas a vida é difícil, como é difícil. Ninguém me entende, tenho todos os motivos para me rebe
lar, virar romântico, criar um blog. Graças à minha boa educação, resisto. Sempre que eu digo
com toda a razão do mundo (como sempre) que Hitler era quase um comunista as pessoas ainda
fazem caretas. Grandes rivalidades só são possíveis entre semelhantes, tento argumentar, mas me
enchem de croques com os olhos. Me sinto um mujique ébrio, quase passo a dar cabeçadas na
parede, mas como ainda prezo a compostura (que é artificial, desnecessária, logo traz a essência
do melhor do humano, e assim transcende o horror da natureza etc.) apenas baixo os olhos por
um segundo, repito mentalmente optimism is true moral courage, sorrio com o peso de meus ócu
los e passo a discorrer sobre a primeira edição de Advanced Dungeons & Dragons ou meus tem
pos de escoteiro.
(Digitar a esmo, sem raciocínio prévio, é perfeitamente desútil. Continuo sem sono, mas
ganhei um sorriso besta. Aproveito a oportunidade para mandar uma banana póstuma para o
sujeito constipado que achou que colocar um losango amarelo em uma bandeira verde era uma
idéia formidável.) > (2711 112003 05h12)
AUTÓPSIA DE N ECROSADOS
Não é difícil perceber que l Grande Guerra do século passado, aquela que começou em 1 9 1 4 e
FA I L B E T T E R 1 2 3
terminou em 1 945, foi o tiro na cabeça da civilização ocidental (você sabe: aquela concebida pelos
gregos e posta em marcha pelos romanos com uma dose de malícia latina e um certo tempero
sincrético oriental).
É verdade, ela já sofrera alguns pequenos ajustes de rumo na Renascença. Nada de grave, ape
sar do Raffaello. A ascensão da burguesia ao fim do feudalismo trouxe alguns indícios de que as
coisas não iam bem, como o surgimento do protestantismo e a abertura para aquela imensíssima
patuscada conhecida como Revolução Francesa. Sim, aquela confusão sem pé nem cabeça que
não serviu para nada além de institucionalizar a política do ressentimento com bobagens do tipo
"todos os homens são iguais por natureza". Suspeito que este é o momento em que o Ocidente
começou a perder a noção das cousas.
Depois da Grande Guerra do século XX, fenômeno que inclui a Revolução Russa de 1 9 1 7, foi
inevitável o aniquilamento do legado civilizatório ocidental. Como queriam aqueles franceses
que não sabiam muito bem o que queriam, o final da Grande Guerra (apesar da retórica, um
embate de niilismos: viva o povo no poder, avante nacionalismo, um hurra para o estado gigan
tesco! ) trouxe um novo Ocidente - e, por decorrência, um novo mundo -, um Ocidente que só
não é tabula rasa por conta das migalhas que restaram de sua glória anterior. Como no século XIX
já haviam começado a perceber os decadentistas (verdadeiros estetas são os melhores arautos de
qualquer coisa) , a civilização ocidental já estava moribunda. A Grande Guerra apenas decidiu
qual dos vermes roeria seu cadáver inevitável.
O rabo do verme vencedor inoculou metade do "novo mundo" com um bacilo totalitarista, um
pesadelo que demorou quase meio século para terminar e do qual muitos - é inacreditável -
ainda não acordaram (aqui eu poderia fazer uma piadinha com Stephen Dedalus; não farei, e
agradeçam) . Já a cabeça, sempre mais forte, mergulhou o "novo mundo" em um devaneio de
luzes e velocidade no qual se inventaram abominações como a adolescência e os carros esporte e
do qual a cultura de massas e a contracultura são as pontas mais visíveis. Ambas, é inegável,
tiveram seus benefícios. O elixir do Dr. Pemberton, por exemplo. A criação e popularização do
computador pessoal e seus desdobramentos infinitos. O cinema. É uma boa lista, até, mas não
salva o dia.
1 2 4 W U N O E R B LO G S . C O M
Seria excesso de entressonho imaginar o que o outro verme faria se houvesse vencido. Como
escolher entre os criadores dos Einsatzgruppen ou os pais do Projeto Manhattan? Podemos
aplicar o Paradigma do Zohar ("Qualquer coisa que vá contra os judeus é automaticamente con
tra o Ocidente", uma das poucas coisas relevantes que já percebi enquanto dormia), mas é justo
conceder que poderia ser no mínimo tão bom e tão ruim quanto o que temos agora: um espec
tro indefinido, presa fácil para os mais variados tipos de barbarismo. O "novo mundo': que ainda
não é e talvez nunca será propriamente uma civilização, não passa de um rebanho de covardes
anônimos do qual é difícil escapar. O sentido heróico da existência, marca da antiga civilização
ocidental na mesma medida que a importância da Razão, a valorização do indivíduo e o cultivo
da beleza transcendente, deu lugar ao coletivismo disforme e insensato, à glorificação do
medíocre, ao "abaixa a cabeça aí e não ouse subir nos ombros de algum gigante".
É triste, é demasiado triste. Nem o cinismo serve mais de escudo, porque já foi cooptado. Das
defesas clássicas, talvez apenas a presunção ainda tenha algum potencial bélico. A presunção e os
suspiros, estes últimos desde que com algum estilo. Ah, dane-se. Melhor botar a culpa nos ma
çons. Peço perdão ao meu falecido avô 33°, mas aqueles aventais são muito, muito bregas.
Apesar de todas essas chorumelas que digito para me distrair, me recuso a preconizar o ana
cronismo. Xô, xô, apo pantos, vade retro. Sei perder, e sei perder muito bem. Não sou daqueles
sujeitos que não apenas têm dificuldade em fracassar como também adoram imputar a responsa
bilidade de sua incompetência aos vencedores. Ganhou, ganhou; perdeu, não chora. É desele
gante, poxa. Fail better.
Acordo todas as tardes sabendo que vivo no melhor dos tempos. Por vezes me surpreendo um
pouco fixado demais no que poderia ter sido se não fosse, mas isso não me impede de perceber
o que é bom neste "novo mundo': Se aparento o contrário, podem apostar que não passa de
charminho ou indignação residual. Sou otimista (coragem moral, coragem moral), e como tal
presto mais atenção no melhor de cada cousa.
Não adianta. Apesar do assombro que me domina por conta de minha alquebrada noção de
continuum, é neste raelhor C:;;[ tempos que existo e é nele - e no porvir, que dele depende - que
preciso operar minhas tentativas. Decifrar o passado em busca de clareza, explorar o presente
F A I L B E T T E R 1 2 5
como movimento do potencial, moldar o bocado de futuro que me cabe.
Em suma, é por isso que o preto continua minha cor predileta. > (02/1212003 OOh l l )
CONTRIÇÃO
Acredito em amor, em aleatoriedade, em destino e em tudo que de tão etéreo se prove inevitá
vel. Dia sim, dia não, rezo pelo missal dos acidentes. Também creio na razão, na prudência e na
nobreza, mas é comum me enxergar em meio aos frutos tardios dos tropeços de minha ponde
ração. Pior, tenho fé na open society ao mesmo tempo em que deposito todas as minhas espe
ranças nos happy few. Bebo, mas cultuo a clareza. Sou o ingênuo mais malicioso que conheço,
paciente como o Cão, suspeitíssimo confrade da Fortuna. Vivo meus dias - por bem ou por mal
- no tarde demais. Não sei dançar; todo meu movimento é bélico, contra inimigo nenhum, sem
raiva alguma. Sou o autômato de meu próprio planejamento anterior, do qual muito pouco sus
peito. Minto por ofício mas sou incapaz de desdizer o óbvio fora dos mundos que invento, os
quais, obedientes, nunca saem do papel. Ando precisando praticar a descrença, mas puxa, como
é complicada. > (09/1212003 03h48)
1 2 6 W U N D E R B L O G S . C O M
existência dependesse disso. > (15112/2003 Olh l l )
STFU
Acrônimo para SHUT THE FUCK UP cale essa merda de boca , algo que todos deveríamos
- -
fazer se tivéssemos o mínimo de dignidade. Tinha isso na cachola quando silenciosamente resolvi
reduzir meus textos opinativos a quase zero. No máximo resmungo alguma coisa aqui no blog,
F A I L B E T T E R 1 2 7
mas este espaço é só um canto público da minha cachola. Por aqui, não busco interlocutores. Não
tenho palavras para agradecer a mim mesmo por esse assassinato. STFU e faça seu trabalho, preo
cupe-se em pensar com decência e agir de forma correta. O resto é para os ratos. Sua opinião não
importa. Nenhuma opinião importa. Conversa fiada, discussão filistina, pisoteie tudo em nome
do que realmente importa. Não tenha tempo para discutir. Se você não sabe o que realmente
importa, descubra. Provavelmente é aquilo que está no fundo de sua mente, coberto pelo ruído
de tanta distração. Não fuja da luta, meu velho. O polemismo mortadela é seu pior inimigo.
Mantenha o foco. Renuncie. Renuncie. Renuncie. > (27/01/2004 Ol h30)
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FOR fdr.wunderblogs.com
AUTO-RETRATO
As descrições não me caem bem. Cético, cínico, machista, pessimista, arrogante, vingativo,
incoerente, inconsistente, inconstante - dificilmente encontrarão alguém mais tenro e de melhor
coração. 29 voltas em torno do sol ainda não foram suficientes para que eu me acostumasse, ou
me acostumasse a não me acostumar, com o fato de estar girando no espaço na superfície de uma
bola absurda. Evito pensar a sério sobre esse fato curioso. Sempre que penso a sério chego a con
clusões estúpidas. Já concluí, por exemplo, que a vida é uma ilusão, que o sofrimento é impor
tante e que é impossível viver sem as mulheres.
Não sou especialista em nada. A única coisa que tento conhecer profundamente é a alma dos
homens - embora ache o corpo da mulher infinitamente mais interessante. Por uma fatalidade
geográfica, nasci no Brasil, mas meu país de coração começa na sola dos meus pés e termina no
meu último fio de cabelo. Não sou negro, nem gay, nem deficiente físico. Nunca conheci ninguém
parecido comigo: sou a menor das minorias. Gosto do que é bom e não gosto do que é ruim.
Acredito em deus, Ele não acredita em mim. Tenho manias extremamente estranhas, como pen
sar e amar. Nasci sabendo tudo; fui esquecendo com a idade. A maturidade, que ameaça bater em
minha porta, parece vir da completa ausência de certezas. Mas não tenho certeza disso. Sei que
não sou homem de ambição. Daria, agora mesmo, meu pequeno reino por um pônei.
Meu maior receio: ressuscitar em um lugar frio pra diabo e ouvir uma voz dizer:
"Agora, na neve': )> (14107/2002 1 0h02)
Me apaixonei à primeira vista. Consegui convencer a garota a sair comigo e num momento de
F D R 1 2 9
arrebatamento disse que a amava. Ela retrucou, "é impossível amar quem você não conhece".
Engraçado. Acho impossível amar quem eu conheço. > (14107/2002 00h32)
Não sei por que a maioria dos vegetarianos se considera moralmente superior aos carnívoros.
Animais são ... animais. Mordem, bicam, picam e dão coices. Já as plantas são indefesas e inofen
sivas. Passam o dia no mesmo lugar, na delas. São verdadeiramente flower power. Mas os vegeta
rianos não querem nem saber. Ceifam, mutilam, rindo como loucos. E antes de devorá-las ainda
encontram sangue frio para torturas inacreditáveis - imagine ser misturado a molho rosé, meu
deus do céu. > (1510712002 1 5h57)
Ninguém, absolutamente ninguém, se veste tão mal quanto os estilistas. Isso deve significar
alguma coisa. > (1810712002 1 4hl l)
Um professor de escola pública do Rio de Janeiro mostrou aos alunos um poema do Affonso
Romano de Sant'Anna. O poema cobrava responsabilidade social e criticava o tráfico de drogas.
No dia seguinte, ao entrar na sala de aula, o professor notou a assinatura de uma quadrilha de
traficantes rabiscada na lousa. Logo depois foi ameaçado de morte.
Isso sim é o que eu chamo de crítica literária. > (1 8107/2002 1 6h45)
Notícias sobre o Gerson de Abreu dizem que o ator "tinha problemas de peso e era fumante".
Ah, tá. Era fumante. Não está longe o dia em que neguinho sofrerá acidente e a imprensa noti
ciará: "Segundo testemunhas, fulano estaria embriagado. E era fumante". Ou: "Doze pessoas mor
reram no atentado. Eram todas fumantes". Ou ainda: ''A colisão entre os dois Boeings não deixou
sobreviventes. Foram encontrados maços de cigarro entre os destroços'� > (19107/2002 1 0h32)
Inteligência, s.f.: capacidade de ter as mesmas opiniões que eu. > (31107/2002 13h29)
1 3 0 W U N D E R B L O G S . C O M
Meu primeiro Hai-Kai (em homenagem a todas as mulheres) :
Quero elas
Mas sem
As querelas > (06/08/2002 1 3h45)
Às vezes tenho a sensação de que o meu corpo não é meu. Que, de alguma forma, ele me foi
alugado como um smoking barato. E o que é pior: do número errado. > (08/08/2002 14h 1 0)
Os lugares mais bonitos e agradáveis de São Paulo são os cemitérios. Isso deve significar algu
ma coisa. > (12108/2002 13h38)
Se deus quisesse que nos matássemos, teria nos dado mãos. > (1 8108/2002 00h22)
Compreendo que a maioria dos programas televisivos deva ser voltada a idiotas. Mas debate de
candidatos à vice-presidência é levar a coisa longe demais. > (1 9108/2002 00h 1 7)
Por que, ó deus, Andrea Bocelli é cego e não mudo? > (03/0912002 12h15)
Estava sentado no sofá ao lado da Vera Loyola. Ouvíamos Andrea Bocelli cantando "Con te par
tira" e bebericávamos suco de acerola sem açúcar. Os convidados chegaram quase juntos:
Anthony Garotinho, Adriane Galisteu, Gerald Thomas, José Saramago, Susan Sontag, Cid
Moreira, Heloísa Helena, Raul e Gilberto Gil Gomes, Donald Trump, George Soros, Silvio
Berlusconi, Bill Gates, Oprah Winfrey, Frei Betto, Emir Sader, Lulalau, Caetano Veloso, David
Letterman, Bill Clinton, Mareia Goldschmidt, Regina Casé, Fidel Castro, Mugabe, Mandela,
Maluf, padre Marcelo Rossi, Leão Lobo, Carlinhos Brown, Wagner Montes, Afanásio Jazadji, reve
rendo Moon, Collor de Merda, Mamma Bruschetta, família Lima, família Sarney, os Di Camargo,
Pepeu Ciro Gomes, Baby Consuelo, João Kleber, Jerry Springer e Sally Fields.
Alguém acendeu um incenso e nos acomodamos entre as enormes almofadas espalhadas pelo
F D R l 3 l
chão da sala. Mamma Bruschetta fez um rápido strip-tease enquanto o padre Marcelo e o Caê
Veloso entoavam "E vai rolar a festa, vai rolar". Todos acompanharam batendo palmas ritmadas
e soltado gritinhos de excitação. Finalmente um telão desceu do teto até cobrir uma gigantesca
genitália colorida pintada por Andy Warhol numa das paredes. As luzes se apagaram. Estávamos
prontos para a sessão de oito horas de filmes nacionais e asiáticos.
Então acordei, ofegante e desesperado, do pior pesadelo de minha vida. > (03/09/2002 13h02)
Tentei rever Major Barbara, não havia mais ingressos, fui ao Espaço Promon assistir a Almoço
na Casa do Sr. Ludwig, de Thomas Bernhard. Se estivéssemos em um mundo ideal, o diretor já
teria perdido sua carteira de motorista. Nunca mais ia dirigir nada na vida. E os atores! Aqueles
maneirismos irritantes, aquela dicção empolada. Nem em momentos de extremo delírio eu pode
ria confundi-los com seres humanos de verdade. O sujeito que interpretava Wittgenstein parecia
fazer questão de deixar clara sua preferência sexual e transformar o célebre filósofo numa bicha
histérica (Wittgenstein até podia ser gay, mas pera lá). De repente, sem motivo algum, ficou pela
do no palco, exibindo seu corpo velho e barrigudo por longos e repelentes segundos.
Este é o teatro brasileiro: um pobre ator que fica pelado no palco, tem um chilique em sua única
fala, e nunca mais é ouvido; uma bicha velha cheia de banha e bulha, vista por loucos, signifi
cando nada. > (09/0912002 13hl 1)
Minha opinião é a seguinte: o mundo civilizado não pode mais se dar ao luxo de ignorar gover
nos calhordas e autoritários. A tecnologia evoluiu a tal ponto que mesmo países pobres podem
desenvolver armas de destruição em massa. Acredito que a melhor maneira de prevenir atentados
como os de um ano atrás, ou piores, é destituir malucos como o Sarney Hussein, impor regimes
democráticos e abrir caminho para o progresso colocando esses países nos trilhos do livre mer
cado. As liberdades econômica, de voto e de expressão tendem a fazer com que as pessoas se preo
cupem com suas próprias vidas e coloquem qualquer ideologia política ou religiosa em segundo
plano. Eles jogam aviões em nós? Joguemos McDonald's e Blockbusters neles. > (1 1109/2002 1 lh59)
1 3 2 W U N D E R B LO G S . C O M
Que situação a nossa. Bem que deus podia existir. > (12109/2002 02h00)
Nos cinemas, Cidade de Deus. Na Bienal de Veneza, exposição sobre favelas. Ser "excluído" agora
é in.
A miséria brasileira parece fascinar "artistas" e "intelectuais': Dizem que querem conscientizar
(palavra horrível) a população e produzem filmes sobre miséria, escrevem livros sobre miséria,
publicam ensaios sobre miséria, promovem exposições sobre miséria etc. - desde, claro, que
sejam financiados com dinheiro público, ou seja, nosso e dos miseráveis. Curioso, curioso. >
(12109/2,002 16h57 PM)
Sempre que corro o risco de ficar apaixonado, lembro Dom Quixote. Como você deve saber,
Dom Quixote simplesmente enlouquece e começa a achar que é um cavaleiro andante. Vê singe
las damas no lugar de fétidas prostitutas, gigantes no lugar de moinhos, feiticeiros no lugar de
frades etc. Como todo cavaleiro andante que se preza, tem que eleger uma donzela para dedicar
seus feitos. Escolhe a que considera a mais bela do mundo e lhe dá o nome de Dulcinéia dei
Toboso. Na verdade, essa Dulcinéia é uma pobre camponesa que prepara porcos em sua aldeia,
arrancando suas tripas e os salgando. Isso é o amor. Onde há uma desdentada camponesa sal
gadora de porcos, vemos uma Dulcinéia dei Toboso. Fico me lembrando disso, mas receio que o
sarro do Cervantes não seja suficiente para impedir os irresponsáveis e ambiciosos movimentos
do meu coração. O que sinceramente lamento. Abaixo o amor. > (18109/2002 OBh l 1)
Sempre que saio às ruas no Brasil tenho a impressão de que, se me olhar no espelho, verei aque
le quadro do Munch, O Grito ... > (22109/2002 13h44)
É assombroso o número de pessoas que gritam, escrevem e fazem passeatas contra as injustiças
sociais, mas que são incapazes de ajudar ou mesmo tratar respeitosamente o seu vizinho. O mais
curioso, porém, é sua crença de que a melhoria do mundo passa necessariamente pelo aumento de
seus privilégios e pela castração dos direitos dos que pensam de modo diferente delas. "Mostre-me
F D R 1 3 3
um altruísta e eu lhe mostrarei um filho da puta': escreveu Mencken. > (30/09/2002 13h44)
Há quem ache a Martinha Suplício uma prefeita de parar o trânsito. E a Benedita da Silva uma
governadora de fechar o comércio. > (O li1 0/2002 1 1 h12)
A justiça francesa proibiu o "arremesso de anões': sob a alegação de que essa peculiar brin
cadeira é um atentado à pequena dignidade humana. Os anões que ganhavam a vida sendo joga
dos de um lado para o outro em boates, festas e circos, agora desempregados, prometem recor
rer. Vão entrar com uma ação no tribunal de pequenas causas. > (05/1 0/2002 1 6h53)
Fazer reportagens sobre cestas de vime ou bueiros entupidos não é muito pra quem tinha a pre
tensão de viver de romances e concorrer ao Nobel (apenas concorrer, ganhar é para embusteiros) .
Mas a vida é assim. Mais ou menos como tentar chegar em algum lugar de São Paulo seguindo
apenas as indicações de placas nas ruas. Vire à direita. Vá reto. Esquerda. Direita. Direita. E depois
não há mais placa nenhuma e você está perdido num bairro de que nunca tinha ouvido falar
antes. > (1 711 012002 1 7h 1 7)
Os companheiro vai ver que com os governante das esquerda e as derrota do neoliberalismo o
Brasil vai se tornar um país singular. > (1811012002 15h36)
Plural é coisa de elite. Povo mesmo vive no singular. > (1811 012002 15h37)
Que grande ironia o Lula defender a coletividade e não conseguir falar no plural. > (1 811 012002
1 6h37)
As coisas são fáceis de entender. O difícil é aceitá-las. > (0511 112002 07h56)
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Ter filhos é levar longe demais essa história de tamagochi. > (2411 1/2002 1 1 h03)
Dor na coluna. Maldito e covarde corpo humano. Sempre atacando pelas costas. > (1211212002
15h18)
"Agora desejo uma boa noite, cago na sua cama até ela ranger:' Quem escreveu isso aí foi
Mozart, numa carta a uma prima, o mesmo Mozart que compôs músicas de beleza insuperável,
e isso é apenas um pequeno exemplo das escatologias que ele costumava escrever.
Não sei não, mas algo me diz que, se deus existe, ele se parece um pouco com Mozart. >
(15112/2002 19h22)
Sobre o Almodóvar. Não assisto a filmes dirigidos por pessoas que parecem cabeleireiros. >
(1 9112/2002 10h23)
O sujeito sai radiante do concerto e a namorada comenta: ''A felicidade que você sente ouvin
do Mozart deve ser a mesma que eu sinto quando uma calça apertada volta a servir em mim':
Ainda assim ele a ama. > (1 9112/2002 12h 1 9)
Converso com um amigo sobre A Vida dos Doze Césares, de Suetônio. Ele leu faz tempo. Lembra
que Júlio César era chamado de "a prostituta da Bitínia" e "o marido de todas as mulheres e a mu
lher de todos os maridos': E que Galba, ao receber a notícia da morte de Nero, cobriu o men
sageiro de beijos enquanto suplicava: "Depile-se! Depile-se agora!".
É o que fica da vida das pessoas mais poderosas do mundo. > (1911212002 12h20)
Passei dez dias na praia, longe de internet e TV. Minto. No dia primeiro assisti a um pedaço da
posse do Lula. Bebendo champagne. Um provérbio francês diz que entre a calamidade e a
catástrofe há sempre espaço para uma taça de champagne. Bebi oito. > (05/0112003 22h24)
F D R 1 3 5
Alguém aí lembra do seriado Super-herói Americano, que passava no SBT? O super-herói do
título era um professor de segundo grau que, num belo dia, encontra pela primeira vez extrater
restres fora da sala de aula. Não se sabe por que diabos, os pequenos homens verdes vão com a
cara do professor e lhe oferecem uma roupa de presente. Claro que não uma roupa normal.
Ninguém viaja 7 milhões de anos-luz para dar uma roupa normal de presente. A roupa é mági
ca. Dá superpoderes ao professor. Se você tem superpoderes, sabe que não é nada fácil aprender
a usá-los. Por isso o professor também recebe um manual. Ele perde o manual. Passa então a voar
trombando em outdoors e a cometer outras trapalhadas, enquanto tenta combater a injustiça.
Eu desci na Terra em 1 974 e ainda não aprendi a viver direito. Também perdi o meu manual.
Seu título era: Como Se Comportar Durante Sua Infeliz Vida no Planeta Terra. Alguém aí ainda o
tem? Poderia me enviar uma cópia? > (16101/2003 1 6h41)
Meu nariz é tão grande que quando respiro fundo as pessoas ao meu redor sentem falta de ar.
Podiam ter me apelidado de napa, cyrano, peixe-espada. Mas o fato é que nunca tive apelido.
Sempre fui chamado pelo meu nome, sempre fui apenas eu mesmo, completa e amargamente eu
mesmo. Mas não é bem disso que eu queria falar. Estava pensando era no Aleijadinho. Em como
é engraçado o nosso maior escultor se chamar Aleijadinho. Imagino se Homero e Beethoven fos
sem brasileiros. Seriam o Ceguinho e o Surdinho ou, como eu, escapariam do apelido? > (23/01/2003
14h48)
Fui num aniversário de criança. À primeira vista, tudo normal. Carrinhos de mini-pizza, crian
ças correndo, homens e mulheres de meia-idade bebendo cerveja. Mas eis que entro num salão e
vejo três meninas, entre cinco e sete anos, rebolando, dobrando as pernas e levantando o vestido.
Dançando da forma mais vulgar possível ao som de, me dizem, Kelly Key. Cantavam a letra: "Vem
cá, meu cachorrinho, vem cá que eu tô mandando".
Fiquei dois minutos em estado de choque. Depois planejei atropelar os pais com os carrinhos
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de mini-pizza. Quando bolava uma forma de tortura com velinhas, línguas-de-sogra e óleo fer
vente de pipoca, vi dois meninos sentados num canto. Observavam atentamente as meninas.
Uma bola de cristal pareceu se espatifar sobre a minha cabeça. Meu deus, que festa eles vão fazer
quando tiverem dezesseis anos! Que festa!
Saí do salão carregando um sorriso no rosto, um brigadeiro furtado da mesa do bolo e um
pedacinho de inveja daqueles meninos. > (1 1102/2003 1 6h23)
Os nerds diziam que eu e,ra popular demais e os populares diziam que eu era nerd demais. Os
intelectuais me achavam frívolo; os frívolos me achavam intelectual. Para os sérios, eu era muito
pouco sério. Para os loucos, muito pouco louco. Nunca consegui fazer parte de nenhum grupo.
Por falta de opção, me tornei eu mesmo. > (18102/2003 1 6h35)
F D R 1 3 7
jornal, tinha que pagar pra faculdade quinhentos reais por mês durante quatro anos. Ou seja, 24
mil reais. Sem falar no tempo perdido ouvindo professores de barba e bermuda e estudando para
provas sobre pesquisas semiológicas de interações emissor-receptor.
Até que, em janeiro deste ano, uma juíza ajuizada deu um basta. Disse o óbvio: ''A profissão de
jornalista não requer qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletivi
dade, diferentemente das profissões técnicas. O jornalista deve ter formação cultural sólida e
diversificada, o que não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade, mas sim, pelo
hábito da leitura e pelo próprio exercício prático da profissão."; concluiu que a exigência do
diploma era inconstitucional e um atentado à liberdade de expressão, e suspendeu-a.
Os sindicatos, claro, ficaram revoltados. Estão esperneando até agora. Hoje o Sindicato dos
Jornalistas do Estado de São Paulo distribuiu esta pérola por email (itálicos meus):
"Sindicato inicia 2ª fase da Campanha
em Defesado Jornalismo e prepara protesto
"Dando continuidade à segunda fase da Campanha em Defesa da Regulamentação Profissional,
definida pela FENAJ, junto com outros 1 2 Sindicatos, no último dia 8, o Sindicato de São Paulo
está organizando um protesto [ ... ] . A proposta é que em cada local de trabalho os jornalistas se
reúnam por 1 5 minutos para ler um texto ou debater formas de luta para recuperar nossa regu
lamentação. No mesmo dia, será feita uma manifestação em frente ao prédio do Tribunal
Regional Federal (na Paulista) quando tentaremos ser recebidos por seu presidente , para
demonstrar nossa preocupação quanto à demora no julgamento da questão e a importância da
nossa regulamentação profissional. Aguarde mais enformações sobre a manifestação."
Não é incrível? O sujeito que escreve isso aí, o sujeito que escreve enformações, é um jornalista
apto. O Millô r Fernandes não. O Millôr pode até fazer piadas razoáveis, mas falta-lhe o saber
acadêmico; falta-lhe no rosto os perdigotos de professores fracassados e sobra-lhe na carteira o
dinheiro economizado das mensalidades da faculdade que nunca cursou. > (2810212003 19h09)
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mais brincando feliz." Graças a deus.
O cheiro de Salvador faz Veneza parecer uma perfumaria. Tudo é sujo, pobre e feio. No car
naval, a população sai às ruas sambando, cantando, roubando, brigando, cuspindo, mijando,
matando. Não há época mais feliz.
No conhecido circuito Barra-Ondina (onde eu estive por algumas horas ) , os pretos pobres são
empurrados e esmagados nas calçadas, enquanto paulistas e cariocas bem de vida, cercados de
cordas e seguranças, passam celebrando a festa mais democrática do país.
Há os blocos de rua gratuitos, mas são ruins e perigosos. Um bom bloco custa ao folião (nunca
pensei que um dia fosse escrever essa palavra, folião) pelo menos duzentos reais. As pessoas que
deixam pra última hora chegam a pagar quinhentos . Não é muito, tendo em vista os inúmeros
atrativos do encantador simba safári baiano. Veja só ao que tem direito o folião ( olha aí de novo ! )
num bloco pago:
- um "abadá" exclusivo (na verdade, uma camiseta vagabunda igual a centenas de outras) ;
- dançar e cantar a s coisas boas d a vida pelas ruas e avenidas d e Salvador, escoltado p o r alegres
gorilas que garantem a murros a necessária distância que negros suados e demais espécimes da
Bahia com H devem manter da felicidade alheia;
- beijar sete garotas diferentes que nunca lhe beijariam em seu habitat natural (pelo menos não
ao mesmo tempo ) ;
- dar banana pra baianada amontoada n a calçada;
- cheirar diversos tubos de lança-perfume devidamente protegido pela polícia. Os mais traqui-
nas podem se divertir denunciando algum cheirador abobalhado que estiver fora do bloco, e ver
a polícia tomar-lhe o lança;
- com alguma sorte, assistir a policiais descendo a borracha em meia dúzia de negrinhos sape
cas;
Não é fabuloso? Não é o próprio retrato do Brasil? Os ricos cercados de cordas e seguranças,
sambando e cantando, fazendo tudo o que querem e ainda protegidos pela polícia, e os pobres do
lado de fora, vendo a banda (e o bonde) passar, cantando "e vai rolar a festa", sem nem perceber
que a festa não é pra eles?
F D R 1 3 9
Assim é o Brasil. Um país que finge que é aberto, sem preconceitos, sem racismo, onde todos
são recebidos de braços abertos (e pro alto!). > (05/03/2003 16h06)
Quando pequeno, queria conquistar o mundo. Depois desisti. O que faria com um trambolho
desses? Meu apartamento já tem problema suficiente com encanamentos. > (1 0/03/2003 14h51)
Entre uma pipoca e outra, ela comentou: "A guerra é tão bonita. Pena que mata': > (24/03/2003
10h41)
Quando, em 1 922, perguntaram a George Mallory por que diabos ele queria escalar o Everest,
o grande explorador britânico respondeu: "Porque ele está lá': É assim que me sinto em relação à
vida. Se me perguntassem por que quero viver, responderia: bem, já que a vida está aqui e eu tam
bém ...
Mallory se deu mal. Congelou a 27 mil pés de altitude. Foi longe, se levarmos em conta que
estava minimamente equipado, com roupas inadequadas, um ou outro machado, corda, tanques
de oxigênio e praticamente nenhum kit de sobrevivência.
Meu equipamento também não é lá grande coisa. Bochechas, clavículas, vesícula biliar...
Pensando bem, entrei numa baita fria. > (27103/2003 1 l h22)
É preciso ter bigode pra ser um grande ditador. E quanto mais ridículo o bigode, mais canalha é
o ditador. Vejam os casos de Hitler, Stálin e Saddam. Mussolini não tinha bigode e foi enforcado em
praça pública. É verdade que Mao também não tinha. Mas ele era chinês. > (27/03/2003 16h02)
Não tenho dúvida. Se um sujeito saísse por aí carregando cartazes favoráveis à guerra e
chamando Saddam, Fidel e Arafat de assassinos, seria generosamente espancado na primeira es
quina por um grupo de pacifistas. > (31103/2003 l l h l 1 )
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Há momentos em que se duvida seriamente da existência de um mínimo de bem neste mundo
miserável. São momentos terríveis; de angústia infinita, mas se você prestar bem atenção, se você
olhar bem lá no fundo de você mesmo, talvez perceba, passeando pelas sombras da alma, de
fraque e cartola, assobiando e olhando distraidamente para os lados, a glória, a majestosa glória
de se sentir o melhor ser humano vivo.
Há uma enorme alegria escondida sob os escombros de nossas ilusões. > (23104/2003 1 7h03)
Bastam os primeiros minutos do Dies Irae do Verdi para que todas as bandas de heavy metal,
com seus morcegos decepados e suas caixas de som a todo volume, coloquem o rabo entre as per
nas e saiam fazendo caim, caim, caim. > (24/04/2003 1 7h43)
PINGO DE GALI N HA
Segui a recomendação da Veja São Paulo e fui a uma lanchonete interessantíssima, B&B -
Burger e Bistrot, na rua Bela Cintra.
Os manobristas empilham Mercedes na calçada. Os garçons são solícitos e incompetentes. Os
clientes, ao som de música lounge (tão lounge, tão perto), comem com talheres de prata hambúr
guer com queijo prato.
De entrada, é possível pedir coxinha. Mas cuidado. Seria um terrível faux pas pronunciar coxi
nha, palavra tão cozinha, tão vulgar. Deve-se dizer pingo de galinha.
Juro. Pingo de galinha. Você pede pingo de galinha e o garçom traz rindo uma porção de co
xinhas.
Encantador.
Mas o melhor são os preciosos ridículos que adubam o local. Gente que faz curso de vinho e
assiste a corrida de Stock Car.
De rolar de rir.
Nota nove.
(E agora me pergunto por que escrevo sobre isso em vez de falar de Mazeppa, do Liszt, ou do
Concerto para Ó rgão do Poulenc, duas obras espetaculares que tenho ouvido com cada vez mais
F D R 1 4 1
fascínio. Bem, talvez por um motivo semelhante ao que faz você estar lendo esse blog agora, e não
Shelley ou Shakespeare.)
Pingo de galinha! > (30/04/2003 l l h41)
ORCH ESTRA!
Wolfgang Sawallisch, o último dos grandes maestros, o dinossauro batuta, e a Orquestra da
Filadélfia, uma das melhores dos Estados Unidos - melhor até que a Orquestra dos Meninos de
Delaware!, se apresentam sábado e domingo aqui na maior cidade do interior do mundo, La Gran
San Pablo.
Os ingressos variam de R$ 1 00 a R$ 300. Pechincha! O mais barato dá livre acesso à senzala -
você entra sem camisa, tem as mãos amarradas na cadeira e recebe generosas chibatadas no ouvi
do. Sensacional! Pague um pouco mais e ouça fascinantes histórias contadas por velhinhas ver
dadeiramente quatrocentonas de sobrenomes pomposos - a sra. Tuiuiú, a madame Rolinha
Caldo-de-Feijão, a socialite Pintassilva -, embaladas pela deliciosa música ambiente de Strauss e
Wagner. Pechincha!
Eu já vi Sawallisch regendo a Orquestra da Filadélfia, anos atrás, no imponente Theatro de
Macaubal. Executaram a sétima do Beethoven - com a frieza de um carrasco. Os violistas con
versavam sobre o fim de semana; o spalla bocejava; uma cellista lia a People.
O concerto foi como um jogo de futebol de um campeonato já decidido. Cumprimento de
tabela. "Vamos lá, pessoal, só falta uma sinfonia pra terminar a turnê na América Latina. Vamos
lá! "
Quando ainda soava o último acorde, o público explodiu em palmas e bravos e bravíssimos.
Escravos se jogaram das galerias. Paus-brasis foram arremessados ao palco. Na platéia, Silvas e sil
vícolas choravam e arrancavam os próprios cabelos.
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R$ 300! Pechincha! Que concerto esplêndido! Bravo! Bravíssimo! Vamos correr pra não pegar fila
no estacionamento! Dane-se o bis! > (22105/2003 1 5h35)
AVISO
Devido à crítica publicada neste blog no último dia 22, o maestro Wolfgang Sawallisch cancelou
suas apresentações com a Orquestra da Filadélfia aqui no Brasil. Será substituído por Yakov
Kreizberg. > (24105/2003 13h22)
JORNALISMO
Os anúncios de emprego para jornalista aqui em São Paulo, quando existem, pedem fluência
em inglês, às vezes espanhol. Hoje vi um anúncio lá de Cuiabá. Pede fluência em português. Juro.
> (2910512003 12h20)
ARGUMENTO
- Você não vai tocar pra eu ouvir?
- Pra você? Nunca! Desde pequeno você ri das minhas músicas.
- E daí? Desde pequena você ri das minhas piadas. > (30105/2003 1 6h49)
TEXTÍCULOS
Depois da parada gay, seguiram para uma festa de arromba.
Cara, a parada zoófila foi animal.
As mulheres vão à parada gay porque é cool ir à parada gay. Os homens vão à parada gay porque
é um ambiente de pouca concorrência para catar mulher. Os gays... bom, que diabos os gays vão
fazer ali? Caiam fora, suas bichas. > (26/06/2003 1 5h06)
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I NFLUENCIADO POR ELA
Já ridicularizei o Almodóvar aqui neste blog. But, oh, well, what a little moonlight can do to you. .
.
você conhece uma garota gentil e inteligente e acha que ela é inofensiva, nada mais do que uma
garota gentil e inteligente e inofensiva, e então, oh, well, what a little moonlight can do to you...
Você aposenta a caneca de cerveja, passa a freqüentar restaurantes vegetarianos, a andar de bici
cleta domingo à tarde, a se enternecer com crianças, a assistir a desenhos da Disney e ... a gostar
do Almodóvar. Não sei por que, ainda não descobri por que, mas todas as garotas, pelo menos
todas as garotas que conheço, gostam do Almodóvar. A-do-ram-o-Al-mo-dó-var.
E aqui estou eu, comendo vagem e assistindo a Fale com Ela. Grande filme. Até a cena com o
Caetano Veloso, bonita, muita bonita. > (12107/2003 22h32)
LE 14 J U I LLET
Quatorze de julho.
Em nenhuma outra data o vinho borbulha na taça com tanto frescor. Em nenhuma outra data
os fogos fulguram no céu com tanto esplendor.
Quatorze de julho.
Um ano de FDR. > (14107/2003 J BhOO)
AH, MÃO!
Certa vez, ouvindo a Morte de Isolda (em português, !solde Libestod), a famosa ária do Wagner,
esmigalhei a mão de minha namorada. A emoção me levou a segurá-la, depois a apertá-la, depois
a apertá-la com toda a força.
Eu estava a tal ponto tomado pela música que não percebi quando os delicados ossinhos par
tiram como gravetos.
Desde então, sempre que sinto vontade de medir a intensidade emocional de uma música,
minha namorada me dá uma mãozinha.
Valsa da Dor, de Villa-Lobos.
Uma das dores mais bonitas e comoventes já transpostas para o piano. Cotação: cinco dedos
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quebrados.
Concierto para Quinteto, de Piazzola.
Piazzola vai fundo. Em uma palavra: maneta. > (16107/2003 13h36)
A TERRÍVEL VERDADE
Tem um conto do Woody Allen em que Freud entra em pânico na padaria. Ele quer comprar
um enroladinho, mas não consegue pedir. A simples idéia de pronunciar enroladinho lhe é intole
rável.
Sempre me identifiquei com esse Freud. Na lanchonete da escola, por exemplo, eu só conseguia
comprar ovinhos de amendoim quando não tinha nenhum outro aluno por perto. E pronuncia
va rápido, bem rápido - ovns de amdim -, fazendo esgares involuntários de constrangimento.
Mas ovinhos de amendoim e enroladinhos de presunto são bem menos constrangedores do
que o filme que aluguei ontem. O filme na verdade é bem divertido: The Awful Truth, com Irene
Dunne e Cary Grant. O problema é o título em português.
Eu estava com pressa, não conseguia encontrar o filme, tive que perguntar para um atendente.
Uma vez a cada 1 bilhão de anos, todas as partículas que compõem o universo entram em tal
harmonia que por um breve momento - dois ou três segundos - nenhum som é produzido. Nada
cai, dói, quebra ou grita. Tudo o que há é o silêncio perfeito.
E ontem eu o estraguei pronunciando:
- Vocês têm Cupido É Moleque Teimoso?
Cupido É Moleque Teimoso.
That's an awful truth. > (2110712003 02h59)
LA TARTIN E
Tolstoi escreveu que a vida era uma tartine de merde que somos obrigados a comer lentamente.
Faltou dizer que nos trazem a conta enquanto ainda estamos comendo. E que cobram a mais.
> (24/07/2003 Olh31)
A GENEROSI DADE
A classe média brasileira é a mais generosa do mundo. Dá metade do que produz para o gover
no: (a) distribuir entre seus 1 0 milhões de funcionários públicos; (b) fazer ruas para os pobres,
sistema de transporte para os pobres, hospitais para os pobres, escolas para os pobres etc.; (c)
conservar privilégios de monopolistas, oligarcas e canalhas subsidiados.
Todo mundo agradece a espantosa generosidade, assaltando a classe média.
*
A classe média brasileira é capaz de promover passeatas contra guerras no outro lado do mun
do, mas nunca contra os impostos, a incompetência e a corrupção que afetam sua vida. Quer a
paz para os outros. É uma classe de santos. > (24/07/2003 1 7h56)
Liberalismo é como escargot. É difícil gostar dele antes de experimentá-lo. > (14108/2003
14h08)
WEST WI NG
Embora eu nunca tenha gostado muito da ONU e sempre tenha desconfiado dos que vivem da
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miséria alheia, eu sentia admiração e simpatia por Sergio Vieira de Mello. Acompanhei angustia
do o noticiário de ontem pela internet, como se aquele homem sob os escombros fosse conheci
do meu.
O mundo não é um lugar bacana. É uma maldita espelunca.
Espero que pelo menos o atentado em Bagdá sirva para provar que esses camelfuckers não têm
um problema com os Estados Unidos. Eles têm um problema com o Ocidente. O grande satã somos
todos nós. > (20108/2003 1 4h46)
Não combino com o resto do mundo. É como meia roxa com terno preto. Ou com qualquer
terno. Ou com qualquer roupa. Ou mesmo sem roupa. Simplesmente não combina. > (04/09/2003
14h01)
TEMPO DE VIOLA
Durante muito tempo eu não conseguia ver um violão sem ter vontade de quebrá-lo na cabeça
de um violonista. Simplesmente não podia deixar de perceber o quão limitado, vulgar e tacanho
era esse instrumento de cancioneiros populares, não só porque eu nascera com extrema sensibili
dade para reconhecer qualidades de instrumentos musicais, mas em boa parte porque eu fora
obrigado na minha longínqua adolescência a estudar arpejos e escalas e a tocar "era uma casa
muito engraçada': quando o que eu queria mesmo era uma guitarra capaz de ensurdecer dez
quarteirões com rajadas elétricas iguais às dos guitarristas do AC/DC e do Iron Maiden. E ainda
havia o terrível agravante daqueles sujeitos que todo mundo da minha geração conheceu, que ti
nham parafina no lugar do cérebro e tocavam sempre as mesmas quatro músicas no violão
("Wish You Were Here': "Redemption Song': alguma porcaria do Legião Urbana e outra do Raul
Seixas), o que era a senha, o abre-te-sésamo do portão do palácio dos prazeres, abarrotado de
menininhas lindas e vazias loucas para perderem a virgindade numa noite cheia de estrelas numa
praia isolada e paradisíaca com alguém tão sensível, talentoso e cabeludo como eles, que tocam
tão bem, ai, tão bem "Wish You Were Here': mesmo que a praia isolada e paradisíaca seja o quar
to da irmã gorda do Betão na rua ltacema.
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Mais tarde conheci Joaquín Rodrigo, Vill a -Lobos e todo esse pessoal da pesada que compunha
música erudita para violão, e fui ficando condescendente e condescendente e condescendente e
quando dei por mim estava realmente gostando do violão. Cheguei ao ponto de peregrinar às
seções de violonistas de todas as lojas de CDs de São Paulo atrás de compositores desconhecidos
como Johann Kaspar Mertz, um húngaro do século retrasado que não pintava o cabelo com para
fina nem fumava maconha em Mauá.
E tudo o que eu sabia do Paulinho da Viola era que ele tocava violão. Ou viola. E era irmão do
Zeca Pagodinho.
Tenho que confessar que eu também gosto de pagodeiros como Chico Buarque, Toquinho e
Jorge Ben, mas Paulinho da Viola, acho que por causa desse nome, e por ser irmão do Zeca
Pagodinho, e talvez ainda por parecer o meu professor de Rádio e Tevê, era evidentemente um
músico menor, coisa de atores de teatro e meninas sensíveis que se vangloriam de conhecer os
buracos mais obscuros da MPB, e nem passava pela minha cabeça lambuzar meus nobres ouvi
dos com a música desse sujeito. Pra cima de moi, viola? Comigo não, violão.
Que injustiça com o Violinho. Fui arrastado para ver o documentário que Izabel Jaguaribe e
Zuenir Ventura fizeram a respeito dele, Paulinho da Viola - Meu Tempo É Hoje, e não posso me
furtar a lhe contar que o filme exagera na bajulação e tem uma música cantada pela Marina. Mas
mesmo assim é muito bom. Diria mesmo comovente. Até pra quem detesta alaúde, bandolim e
eia. > (1 110912003 12h59)
11
Mais uma vez é 1 1 de setembro e mais uma vez bin motherfucker Laden aparece nos noticiários,
agora caminhando com um cajado em alguma maldita montanha do seu mundinho da lua.
O sujeito poderia estar no Ritz ouvindo Strauss (o Johann, bien sur) e tomando Taittinger com
a duquesa de Montmartre e as · ninfas do Champs Elysées, mas não, não, o bilionário saudita
preferiu passar a vida em cavernas planejando maneiras de mandar prédios ocidentais pelos ares.
E ainda dizem que o Bush que é louco. > (1 1109/2003 14h24}
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Recebi convite para uma festa do canal GNT. O elenco do Saia Justa vai estar lá. Quer dizer, menos
a Rita Lee. Acho que esse tipo de festa não é bem her cup of mushroom 's tea. > (1 6/09/2003 16h06)
DECENCIA
Apenas sob o domínio da raiva uma pessoa decente pode ver as coisas como elas realmente são
no Brasil.
*
A PALAVRA MÁGICA
Você está convencido de que o poder arbitrário, a miséria material e as dores físicas são as coisas
mais abomináveis deste mundo (com exceção, claro, da morte e da Academia Brasileira de Letras).
Você deseja destruí-las. Mas você não é um homem de ação. Longe disso. Você é . . .
a quiet living man,
who prefers to spend the evening in the silence ofyour room,
who likes an atmosphere as restful as
an undiscovered tomb.
A pensive man are you, ofphilosophical joys,
who likes to meditate, contemplate,
F D R 1 4 9
far for humanities mad inhuman noise.
Você se dedica ao estudo. Lê von Mises, Hayek, Campos. Lê Marx, Keynes, Furtado.
Pondera.
Chega à conclusão de que a única maneira de evitar o poder arbitrário é ampliando e garantin
do a liberdade individual, e a única maneira de garantir a liberdade individual é garantindo a
liberdade econômica. Não só isso. Você percebe que a liberdade econômica é a maneira mais efi
caz de gerar a riqueza necessária ao extermínio da miséria e ao progresso da ciência, capaz de
aliviar as dores e postergar a morte. Você se torna um liberal.
Então vem um sujeito, olha para você, cospe em suas convicções, e grita horrorizado:
- Você é de direita! De direita!
Pela força mágica dessas três poderosas sílabas, você, um sujeito calmo, bom, preocupado com
o bem-estar e a felicidade do mundo, é transformado em um monstro maldito, um canalha egoís
ta nazista fascista racista sem sentimentos.
E o sujeito que não hesita em transformar, tal qual um espírito imune a exorcismos, pessoas
decentes em malucos diabólicos, tem instantaneamente sua casaca podre ornada com as meda
lhas da honra, da justiça e do altruísmo. > (0311 012003 1 7h13)
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Com granadas e metralhadoras, eu lutaria pelo liberalismo no Brasil - que me dizem, hein, hein?
Mas evidentemente isso é impossível. Pode-se pegar em armas pelo socialismo. O socialismo apela
para os sentimentos com aquele papo de igualdade e coisa e tal. É uma causa simpática, embora,
no fundo, seja tão ou mais autoritária e injusta que o regime militar. Já o liberalismo é cético e
estritamente racional. E a razão não só não convence ninguém a pegar em armas, como é incom
petente para organizar passeatas e tem preguiça de pichar muros. A razão, maldita seja!, é solitária,
tímida e medrosa. E no Brasil, quando bota a cara pra fora, toma uma surra dos sentimentos.
Mas a minissérie. Daria um bom longa-metragem. Do jeito que foi feita, com oito horas e ritmo
de novela da Globo, cenas bonitas se misturam com cenas ridículas e você (ou pelo menos, eu)
acaba ficando constrangido e comovido quase ao mesmo tempo. Nota cinco. > (1 711 0/2003
07h09)
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Yasser_Aragao fala para La Rochefoucauld: O que você acha da hipocrisia?
La Rochefoucauld: Yasser, a hipocrisia é uma homenagem que o vício rende à virtude.
Loirinha/BA fala para La Rochefoucauld: Você já sentiu inveja?
La Rochefoucauld: Loirinha, muitas vezes nos envaidecemos das nossas paixões, até mesmo das
mais criminosas; mas a inveja é paixão tímida e vergonhosa que jamais ousamos confessar.
20ver fala para La Rochefoucauld: O senhor fez 390 anos no ano passado, confere?
La Rochefoucauld: 20ver, poucas pessoas sabem ser velhas. Eu sou uma delas.
@mig@ fala para La Rochefoucauld: Você tem medo da morte?
La Rochefoucauld: @mig@, não penso nesse assunto. Nem o sol nem a morte podem ser olha
dos fixamente.
*Bia* fala para La Rochefoucauld: Por que tanta gente te odeia?
La Rochefoucauld: *Bia*, o mal que fazemos não nos traz tanta perseguição e ódio quanto as
nossas boas qualidades.
Bobmarley fala para La Rochefoucauld: Você já usou drogas?
La Rochefoucauld: Bobmarley, só te digo uma coisa: aquele que vive sem loucura não é lá muito
sensato.
Netcat fala para La Rochefoucauld: Você acha que é possível ser feliz nessa vida?
La Rochefoucauld: Netcat, o que eu sei é que nunca se é tão feliz nem tão infeliz quanto se
imagina.
Moderador FDR: Muito obrigado pela participação de todos. O Duque precisa ir agora.
La Rochefoucauld: Como vocês sabem, um homem de espírito ficaria bastante desajeitado sem
a companhia dos tolos. Obrigado, meus caros. Boa noite. > (2111 0/2003 1 7h 1 0)
O que costumamos chamar de desumano é essencialmente humano. > (0411 112003 00h26)
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LATIN FOR DUMMIES
Nihil humanum a me alienum puto
Nada do que é humano vale um puto > (0411 112003 09h1 8)
Ser ou não ser, eis a questão. Bem que poderia haver um meio termo. > (0911 112003 13h29)
Nunca confie em ninguém que seja capaz de guardar um segredo. Quem é capaz disso, é capaz
de tudo. > (1911 112003 02h1 0)
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que nós pelo resto da eternidade. A santidade é o cúmulo do interesse. > (2011 112003 01 h02)
Comemoramos eventos que marcam a marcha amarga do tempo, como aniversário e réveillon,
e ficamos de luto quando a morte enfim nos livra das doenças, da calvície, do desamor.
Não faz sentido. > (2311 1/2003 l l h57)
Canta, ó Musa, mas não agora, agora cala essa maldita boca. > (2411 112003 09h54)
Um amigo me deu Cartas a Theo . Veio sem orelha. > (2911 112003 1 9h26)
Era tão gorda, tão gorda, que tinha ponto GG. > (02112/2003 l Bhl l)
Tento de todas as formas cumprir as promessas que faço pros outros, mas não mexo um dedo
pra cumprir as que faço pra mim mesmo. Algo está errado. > (16112/2003 l l h32)
O melhor tio é aquele que não tem filho. O melhor pai também. > (26/12/2003 1 7h05)
Sabe quando você só tem um cigarro e o acende do lado contrário? That's life, buddy. >
(2711212003 02h23)
Ah, nunca me esquecerei daquelas noites de que não me lembro de nada. > (03/0112004 20h18)
Muito Fidel e pouco Fidelio, os males da América Latina são. > (0910112004 1 8h32)
Matéria trai matéria. Eis uma lei de gravidade. > (1310112004 Ol h52)
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- Eu acho, tipo assim, que o universo não pode ter surgido do nada.
- Fala sério!
- T ipo assim, cara, Deus, sabe? Deus, sei lá, cara, Deus tem que ter sido a pdmeira causa, tipo
assim, a causa que gerou o mundo todo.
- Realmente, até parece. O universo não precisa de causa nenhuma. Esse papo de Deus é o
maior caô.
- Cara, tipo assim, você acha que um mundo sem Deus ia ser tão organizado?
-Caraca! Você tá viajando na maionese! Organizado? Olha teu quarto! Ninguém merece!
- Cara, tipo assim, se eu penso em Deus e Deus é perfeito, Deus tem que existir, sacou? T ipo
assim, se não existisse, não seria perfeito.
- Você quer dizer um perfeito idiota, né?
- Qualé, cara? Não sabe discutir numa boa, não?
- Realmente, até parece. Bom, vou nessa. Fui!
-Demorô.
No fundo, e também na superfície, é assim toda discussão sobre a existência de deus. Uma dis
cussão de menininhas. Fala sério! > (1 6!01/2004 l lh18)
Manchete da Folha: "Tecnologia cortou 10,8 milhões de vagas''. É revoltante. Vou trocar hoje
mesmo meu carro por um jegue, meu computador por um papiro, e meu abajur por uma lam
parina. Abrirei mão de ar-condicionado, aparelho de som, anestésico e celular. Se meus passos
forem seguidos, até a Narjara Turetta conseguirá emprego. Em pouco tempo, estaremos ricos.
Teremos as melhores charretes do mundo. As malocas mais aconchegantes. Os penicos mais boni
tos. Vamos lá, Brasil. > (1 8101/2004 06h41)
O VALOR DA Cl�NCIA
A curiosidade não matou o gato; mostrou que ele já estava morto. > (21/01/2004 1 2h09)
Restaurante tradicional é aquele tipo de lugar freqüentado por pessoas com saudosismo do
FDR 155
tempo em que os restaurantes eram ruins. > (22101/2004 1 3h29)
� preciso ser muito viado pra ser contra casamento gay. > (05/03/2004 13h37)
Se a Europa deu ao mundo Wagner e Melchior, o Brasil deu Fagner e Belchior. Não é maravi
lhoso? > (09/03/2004 1 7h30)
O Brasil devia aprender com deus: quanto mais concentrado o poder, menos as coisas fim
cionam. > (19/03/2004 00h48)
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Posted by Juliana Le m os
absoluta e incontestável. No caso do Uchôa, crucificam o sujeito por ele ser sincero. Aí vem a
Globo e faz sensacionalismo em cima, pegando o cara de bode expiatório. Vocês querem "edu
cação de verdade para todos" mas se enraivecem quando certas universidades têm de suprir com
a demanda que outras não conseguem, pois estão muito ocupadas com sujeitos que já têm 38,
quarenta anos fazendo pesquisa e mestrado sobre as taras do Marquês de Sade ou "Tradução
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Feminista" - tudo isso, claro, numa universidade "democrática e gratuita" (de graça? que cazzo é
de graça? é "de graça" porque tá usando o dinheiro do dono da banca de jornal lá embaixo - logo
ele, que optou por sair da escola pra ajudar a família e não tá nem aí pra diploma, pois sua empre
sa pequenininha vai muito bem, obrigada) . Vocês se amarram na educação compulsória "de qual
idade': "para todos': "autônoma" e têm de acatar as idéias de pedagogos retardados do MEC, pro
fessores universitários modernosos que usam letras do Caetano Veloso em aula de Renascimento
Português, além de aturar aluninhos de Letras metidos a Paulo Leminski que não conseguem
escrever uma oração subordinada um pouco mais complexa, mas fazem haiku repletos de rebel
dia pueril contra tudo e todos, como sói acontecer com adolescentes crescidinhos. Agora, se
preocupar com estudos que mostram que estudantes brasileiros tira!11 o último lugar
[http://www. pisa.oecd.org/knowledge/chap2/f2_4.htm] , em comparação com vários outros paí
ses, em leitura e interpretação - ah, não, pra isso ninguém dá bola. Isso é ridículo, infinitesimal.
Esse estudo, vão me dizer, é "tendencioso" (ou qualquer outro adjetivo semelhante e vazio) .
Honesto é o "experimento" realizado pela Globo com a Estácio. Importante é a política de quo
tas (Hitler às avessas) . Importante é arrancar criança do trabalho porque, afinal de contas, "lugar
de criança é na escola'' com professoras semi-analfabetas e desinteressadas, para que aprenda a
" ler e escrever" (parece até piada) . Importante é crucificar o Uchôa. Importante é ter educação
compulsória, pública e "de qualidade': O que me faz pensar que estudante brasileiro faz é por
merecer as porcarias de universidades que tem. ::i.> (2011212001 Ol h25)
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pretando o matemático John Forbes Nash Jr., que ganhou o prêmio Nobel em 1 994. Dizem que
o desempenho de Crowe é excessivamente rebuscado em A Beautiful Mind, que foi considerado
por muita gente um filme mediano, típico exemplo de ótima idéia transformada em material cin
ematográfico desonesto. O moço tenta ser modesto ("l've made 1 8 movies and I think l've given
18 bad performances. I'm still prepared to believe that I'm learning this job, and sooner or later
I might give a performance 1 like." ) - e a gente só espera que os prêmios que estão vindo aos bor
botões o façam se superar.
Falando nisso, se você for ao site [http://www.abeautifulmind.com] do filme A Beautiful Mind,
terá a oportunidade de passar por um testezinho de QI à la Mensa [http://www.mensa.org] , que
é muito engraçado. Para minha surpresa (sim, sou ingênua) descobri que qualquer pessoa com
faculdades cognitivas medianamente desenvolvidas consegue tirar uma nota pelo menos razoável
no teste disponível no site da prestigiada entidade, o qual ousa perguntar coisas do tipo: "Which
of the following sentences given below means approximately the sarne as the proverb: 'Don't count
your chickens until they are hatched?', com as seguintes opções de resposta: a) Some eggs have
double yolks, so you can't really count eggs and chickens. b) You can't walk around the henhouse
to count the eggs because it will disturb the bens and they won't lay eggs. c) It is not really sensi
ble to rely on something that has not yet happened and may not ever happen. d) Since eggs break
so easily, you may not be accurate in your count of future chickens" ou "Two men, starting at the
sarne point, walk in opposite directions for 4 meters, tum left and walk another 3 meters. What
is the distance between them? a) 2 meters b) 6 meters c)lO meters d) 12.S meters e) 14 meters".
Coisas assim. Eu já fiz três testes de QI na vida: um deu 83 (isso, quase igual ao do Forrest Gump),
outro deu 1 3 7 (isso, quase igual ao valor estimado para o QI de Beethoven) e outro deu 103 (isso,
igual ao de uma pessoa dita normal). Com teste ou sem teste, eu só quero produzir algo digno do
monte de banana que consumi na vida para evitar estafa mental, oh céus, oh céus.
E voltando a Gladiator: não sei se repararam, mas uma das coisas mais divertidas do filme
foram os sotaques. Tentaram de tudo para tirar o aussie do Crowe, que ainda assim escorregou e
pronunciou algumas vogais bem abertinhas, no melhor estilo "I'll tike yaw dawg faw a wahlk"
(''I'll take your dog for a walk") , enquanto os atores que representavam a realeza (Richard Harris
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e Derek Jacobi) mantinham seu sotaque britânico - talvez porque, afinal de contas, c'est tres chie.
> (28/01/2002 13h21)
A BARBI E ENGORDOU!
Sim, agora ela não tem mais aquela cinturinha d e vespa. Sabe, ficaram preocupados com essa
história de que meninas, adolescentes e mulheres são "escravizadas" pelos "preconceitos da socie
dade" e acabam afundando na bulimia, anorexia, esquizofrenia e não-sei-quantas mais -ias. Aí,
tiveram uma idéia brilhante: vamos engordar a Barbie! Baseando-se numa modelo que sofria de
desordem alimentar e que hoje pesa cerca de 80 kg, a empresa Tonner Doll inventou a boneca
Emme. De acordo com um artigo do Telegraph, um porta-voz da empresa disse que a boneca é
uma "celebração do corpo feminino, em todos seus tamanhos e formatos. A filosofia de Emme é
a de que o mais importante é sentir-se bem consigo mesmo': Traduzindo: a filosofia do "sentir-se
feliz a despeito de tudo': difundida pelos psicanalistas modernos, chega ao quarto das crianças. E
por que não inventar o Ken que vem com barriga de chope e joanete? > (14102/2002 15h57)
DÚVI DA
Sabe aquele recurso de alguns autores de ficção de colocar reticências onde deveria ser o nome
de alguém ou de algum lugar? ("O Sr. ... , nascido na província de ... , também compareceu ao jan
tar.") Na adolescência, imaginava que fosse porque o sujeito não conseguiu pensar em nada de
interessante para colocar ali e, sob o furor das palavras, deixava para pensar mais tarde no deta
lhe. Então o livro foi impresso e ficou por isso mesmo. Mas - faz mais sentido - as reticências
estão ali para indicar que aquilo (o nome) não tem a menor importância mesmo. O efeito é o
mesmo de quando alguém conta uma piada num bar: os supérfluos à piada ficam de fora (o
sujeito foi na loja tal, pediu o produto tal etc.) . E se o primeiro autor a fazer uso das tais reticên
cias realmente esqueceu de revisar suas provas? Imagine toda a influência que teve - sem querer -
sobre a escrita de outros. > (23102/2002 1 0h28)
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RESPEITÁVEL PÜBLICO (OU AQU I LO QUE SCHOPEN HAU ER DISSE SOBRE TRAVESSÕES)
Hoje saiu um textinho legal sobre Proust (aplausos) e sua veia gastronômica no Estadão. Eu
nunca li A la Recherche du Temps Perdu estou esperando meu francês ficar infinitamente me
-
lhor do que o estritamente necessário para ler adaptações do Perrault (risinhos coniventes). Mas
já imagino o estado de embriaguês que a leitura do A la Recherche deve provocar (anuência da
...
platéia) . Ah, sim: lá diz que o Proust tem um site ( www.proust.com) , mas é balela.
Aos dez, onze anos, descobri o poder da palavra escrita. Na adolescência, um inocente narcisis
mo (nascido, em parte, da minha inabilidade de me sentir plenamente à vontade entre meus
coevos) fez com que eu acalentasse escrever minhas memórias. Isso mesmo, memórias - a partir
de uma vida tão curta, tão sem grandes "feitos': Imaginem um Chatterton sem qualquer talento,
nem mesmo o da imitação (gargalhadas gerais) . Era umbiguismo, mas um umbiguismo saudável
- daquele que perscruta as coisas de cima a baixo, e não a auto-idolatria pseudo-sincera de um ...
digamos ... Rousseau (sussurros) . T ão grande era meu desespero em lembrar das nuances de um
fato e de uma lembrança, tão grande minha ânsia para transformar em palavras aquilo que meus
sentidos captavam e que se juntava àquilo já vivido, que eu diversas vezes acordei no meio da
noite com uma repentina lembrança de um fato sem qualquer conexão com o que quer que
estivesse pensando antes de dormir - um pálido fantasma escondido nos recônditos da memória
- mas me perdia em devaneios, e esquecia de anotar o que havia lembrado (lamentos e sussur
ros) . Mais de uma década depois, isso ainda acontece. E eu sei por quê: porque - e aqui está uma
horrível e pedante confissão - um dia - numa dimensão paralela - pretendo escrever uma mis
tura de Speak, Memory e A la Recherche du Temps Perdu (o autor do primeiro influenciado
enormemente pelo do segundo) , com uma pitada de vários de meus escritores-heróis. Confissão
feita. Agora vamos às nossas atrações (aplausos aliviados) .,... (21104/2002 1 7h57)
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principalmente, porque morro de rir com alguns dos argumentos de quem não come carne ("o
seu nível de espiritualidade está diretamente relacionado àquilo que você come", "pessoas que
consomem proteína animal tendem a ser mais violentas': e por aí vai) - gente que não entende
patavina de "espiritualidade" ou dos prazeres da boa mesa. O "I eat rneat", portanto, era menos
um statement do que urna brincadeira: adoro espetar vegans assim corno espeto, com muito
gosto, um bife acebolado. Claro que tenho minhas fraquezas: se você me apresentar a vaquinha
Mimosa hoje, e fizer churrasco de seus apetitosos quartos traseiros amanhã, não conseguirei
comer. O mesmo vale para galinhas, patos, coelhos. Um trauma de infância, na verdade: urna vez
vi, aos cinco anos, minha avó degolar urna galinha para o jantar - fiquei dois meses comendo só
chocolate. Portanto, não posso ver o bicho vivo antes, ou morro de remorso. Mas é preciso ser um
vegan empedernido para não rir com o artigo [http://www.nypress.com/ 15/ 19/news&colurnns/
first.cfm] do Cliff Yankovich: "On the other hand, what Meatans consume is quite dead. ln my
years of rneat consurnption, I have never purchased orange roughy or steak capable of registering
pain when put on the grill. When vegetarians slice a still-ripening tomato they are brutally car
ving into a living, feeling thing. Consider how the protective coating of a banana is ripped off to
reveal the still-growing-and-maturing soft inside, which is bitten into hunks and masticated into
a formless mass. Barbarism unbound". ["Por outro lado, o que os amantes de carne comem já está
bem morto. Em todos os meus anos de consumo de carne, jamais comprei carne ou peixe capaz
de sentir dor quando os colocava na grelha. Quando os vegetarianos fatiam um tomate ainda em
processo de amadurecimento, estão brutalmente ferindo um ser vivo, que sente. Considere, por
exemplo, corno a banana é despida de sua casca protetora para revelar seu macio interior, ainda
em processo de crescimento e maturação, o qual é devorado aos pedaços e mastigado até virar
urna massa disforme. Barbarismo puro:'] É verdade, aquele inerme pepino, aquela inocente maçã
podem gritar [http://www.tirnesonline.co.uk/article/0,,2-28533 1 ,00.html] de dor e agonia quan
do são fatiados e mastigados sem dó. Corno os vegans são maus. > (1 0105/2002 14h36)
COISINHAS I RRITANTES
· pesquisadores do IBOPE;
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• gatos que têm fetiche por botas recém-adquiridas - e que ignoram solenemente o ratinho com
catnip que lhes é presenteado com amor e carinho;
· gente que deixa pregos no asfalto (ou pregos que se perdem no asfalto,for that matter);
· gente provinciana que s e irrita com minha mania proviniciana d e escrever misturando lín
guas;
· descobrir que o queijo caro que você comprou para fazer bonito com as visitas venceu anteon
tem;
• gente que diz para esta coisa aqui (oficialmente denominada "blog") ser mais parecido com
um "querido diário': sendo que não vêm ler nada das abobrinhas que escrevo anyway;
• fazer compras e esquecer um único e indispensável item;
• entender algumas falas de filmes franceses com cerca de dez segundos de atraso. > (06/07/2002
1 7h30)
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em que o Heidegger e seu narigão rondavam a pudica e brilhante menina judia. Aí ela inventou
de escrever coisas maravilhosas e foi ficando levemente feiosa - ou muito, depende do seu gosto
e da foto. Acho que foi o Wilde quem disse algo como "se a inteligência desponta, o nariz já
começa a ficar feio, as feições mudam': Se não foi o Wilde foi o Peter Ackroyd travestido (opa) de
Wilde, o que dá quase na mesma. > (1 7107/2002 21 h56)
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ra concentrada e que faz o esterno doer continua latejando nas hemoglobinas. Existe silenciosa
mente. Vem em repentinas lufadas de ar, às vezes. Tritura os ossos aos pouquinhos. E eu jamais
vou saber o que fazer com ela (um Jonas resoluto dentro do estômago de um peixe). Se ao menos
eu soubesse escrever em pentâmetros iâmbicos. Ou fosse um peixe da fossa de Mindanao. Just
leave me alone, will you? To die. To sleep. Perchance to dream. > (31107/2002 12h58)
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mesma função, a organizar as gigantescas filas para o ««'"'documentário"'""' do Michael Moore e
para o filme sobre a pintora monocelha (no moustache, I was told) - ou seja, não havia ninguém
na porta para coletar ingresso. Mas eu pagaria até o dobro, de bom grado. Nacional, é verdade,
mas há tempos não via algo tão bom.
(Impressão imediata: a carta do pai do Nelson Freire é sublime. Naquela época pessoas escre
viam bem até em cartas. As manchetes de jornal não tinham medo de usar mesóclise. E tocar
piano parecia uma obrigação. Hoje, fazer bom uso do vernáculo já denuncia um "escritor". Ter
um conhecimento parcamente enciclopédico faz de qualquer pessoa um "intelectual". E são raras
as famílias que têm piano, mesmo as mais abastadas, aquelas que viajam para a Europa nas férias
e cuja cereja no chantili cultural é visitar o Louvre.)
(Impressão geral: Nelson Freire é um documentário que respeita a silenciosa mas evidente von
tade da pessoa documentada - em outras palavras, nada de dar informações que não possam con
tribuir para formar lentamente o mosaico da personalidade do músico Nelson Freire. Deixem as
picuinhas e o culto ao ego para as pintoras monocelhas.)
Vi um pedacinho, uns quarenta segundos, do trailer do filme do Michael Moore, antes do
Nelson Freire. Foi o suficiente para saber que premiaram uma fita que tenciona ser séria - mas se
o Kevin Smith escrevesse um roteiro de paródia de documentário em guardanapos, tomando
cerveja durante três horas num Quick Stop e conversando com o desenhista de South Park, todo
mundo ia achar uma «comédia interessante". Pensando melhor, não. O Kevin Smith iria ganhar,
atônito e constrangido, o Oscar de melhor documentário. :> (16106/2003 20h53)
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uma mulher que limpa peixes. A natureza é sábia. > (26/06/2003 03h29}
•Temas preferidos: insetos entre folhas, escrivaninhas alheias, livros amontoados, pessoas quietas em ruas movimentadas.
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Feminino sem Serem Gays ou Wimpy Feminists* ( aliás, minha teoria é de que os gays não enten
dem mulheres, ao contrário do que se imagina; se entendessem, jamais prefeririam fotos do River
Phoenix em roupas de couro a ver Rita Hayworth tirando as luvas).
Falo d a categoria de homens que s e sentem ofendidos a o ler o divertido texto [http:// www.
lewrockwell.com/decoster/decoster84.html] da Karen De Coster - afinal, "onde já se viu ter de
abrir a porta, carregar as compras pesadas, pagar o jantar? Elas trabalham, dirigem e fazem passea
tas lésbicas**, e ainda querem ser bem tratadas? Onde vamos parar, senhores? Como ousa aquela
dentuça da Karen De Coster exigir, ainda por cima, o retorno do gentleman***? Eu leio Chesterton,
adorei a Camille Paglia, principalmente quando disse que se a evolução fosse deixada na mão das
mulheres estaríamos nas cavernas até hoje, mas ela que pague o jantar. Ela que seja fiel - é da
natureza do homem não ser fiel. Ela quer ser independente? Então vamos começar por não abrir
a porta. Somos iguais, não abro a porta pra mulher alguma. Tirar o chapéu e demonstrar gentileza
é coisa de kiwi. Hombridade, hoje em dia, virou sinônimo de Arnold Schwarzenegger':
Ela**** respondeu. "Ah, e outra coisa que notei nas respostas a esta coluna. Os homens tradi
cionalistas tendem a desprezar as feministas e a odiar sua política e suas opiniões sobre os ho
mens. Até aí, tudo bem. Não os culpo. E tais senhores muitas vezes são chamados de domi
nadores, sexistas, porcos chauvinistas, misóginos, entre outras coisas. Claro que, de modo geral,
essa é uma visão bastante distorcida. Homens fortes não são necessariamente uns babacas. Mas
qual é o problema com todos esses sujeitos que me escrevem, e que dizem apoiar o modo de vida
tradicional, e que assumem a postura do "por que as mulheres simplesmente não deixam os
homens serem homens?", e, ao mesmo tempo, são terminantemente contrários à noção de que
devem agir de acordo com suas idéias tradicionais? Oh, pois eles me escrevem e dizem não con
cordar com a idéia de que um homem deve abrir a porta para uma mulher, pagar o jantar, apoiá
la financeiramente ou cuidar dela. Querem que a namorada pague pelo próprio jantar e que a
esposa tenha algum trabalho com carga horária de sessenta horas semanais para ajudá-los em
seus hábitos de comprar brinquedinhos, É essa postura que um dos e-mails que recebi defende.
E dizem ser antifeministas e querem mandar e ser o chefão dentro do relacionamento - mas, meu
bem, você paga o jantar, sim?
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Chamo isso de 'patriarcalismo de escolhas'. Escolham o que lhes for conveniente em um deter
minado momento, rapazes, e joguem fora todo o resto que ponha sobre vocês qualquer responsa
bilidade patriarcal tradicional. Meu pai é provavelmente o homem mais patriarcal que conheço
e, no entanto, ele nunca tratou as mulheres como nada além de suas iguais. Ele apenas as tratou
como pessoas diferentes, especiais, e sempre teve uma postura de indulgência para com quali
dades únicas das mulheres, como homens costumam fazer. E recebia a apreciação e exaltação de
suas qualidades masculinas únicas das mulheres à sua volta. Acho que hoje em dia não há
homens como ele:' > (02/07/2003 OOh44)
*Ver a definição do Brad Edmonds.
ºNum momento de mais pura inspiração poética, ia dizer "passeatas sapatas': mas me contive a tempo. De nada.
•••Advertência: qualquer semelhança com propanda subliminar do perfume Givenchy é mera coincidência.
••••No seu blog, http://www.karendecoster.com, no dia 27 de junho.
ERREI DE GALÁXIA
Talvez exista algum mundo onde não é necessário fazer para se ser.
Eu não disse ter. Vão catar coquinho. > (05/07/2003 22h57)
A LUZ
Mesmo erradas de início, minhas primeiras impressões estão sempre certas. > (05/07/2003 23h00)
ADIVI NHE O TEXTO ORIGI NAL SOBRE A PARADA DO ORG U LHO GAY EM BRASÍLIA
"Na parada serão feitas alas de deficientes visuais gays e de homossexuais afro-descendentes.
'Temos de valorizar as nossas várias identidades', avalia Joelma Cezário, vice-presidente da Asso
ciação."
"Na parada serão feitas alas de 'entendidas' acometidas de câncer da mama e de homossexuais
afro-descendentes. 'Temos de valorizar as nossas várias identidades', avalia Joelma Cezário, vice
presidente da Associação:'
"Na parada serão feitas alas de deficientes auditivos gays e de homossexuais afro-descendentes.
'Temos de valorizar as nossas várias identidades', avalia Joelma Cezário, vice-presidente da Associação:'
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"Na parada serão feitas alas de gays com deficiência motora e de homossexuais de baixa renda.
'Temos de valorizar as nossas várias identidades', avalia Joelma Cezário, vice-presidente da
Associação:'
"Na parada serão feitas alas de gays não-sodomitas e de bissexuais casados( as). 'Temos de valo
rizar as nossas várias identidades', avalia Joelma Cezário, vice-presidente da Associação:' >
(05107/2003 23h1 2)
Ler para uma criança de três anos, à luz bruxuleante de uma vela
Havia três porquinhos cor-de-rosa que liam The Third Policeman todas as noites - um capítu
lo por noite, e aí recomeçavam tudo de novo quando chegavam à última linha. Eles tinham
amnésia. Eram porquinhos felizes. Liam poemas de Chatterton e peças de Shakespeare como se
fosse sempre a primeira vez, sentindo um arrepiozinho vulgar na pele todas as vezes em que
chegavam às partes mais "especiais': Só não gostavam da gata alaranjada que se escondia atrás dos
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livros e deixava pêlos. Montgomery - o porquinho mais novo - vivia espirrando. Os porquinhos
dormiam no escuro e se esgueiravam por entre as páginas e eram muito felizes.
E tudo fazia sentido. Meu Deus, é isso que importa. > (05107/2003 23h22)
SABEDORIA NATIMORTA
As horas da madrugada (por volta de três ou quatro da manhã) são, para mim, bastante propí-
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cias a pensamentos reveladores sobre tudo, ou quase tudo. De repente, passo a ver fatos, coisas, pes
soas com uma clareza ímpar - como se apagar a luz e deitar na cama fizesse toda a diferença. É tão
intenso que não consigo me lembrar de absolutamente nada quando acordo. > (03/1 0/2003 10h30)
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cultura" do namorado. Olha para elas, fingindo não entender do que se trata. Depois olha, semi
desesperada, acuada como um rato, para ele] .
Ele: "Acho [asdfg música qwert] contribuição".
Eu, com a estranha sensação de estar sendo coagida: "Só tenho cartão aqui':
Pessoas-que-fazem-teatro: [Vão embora, silenciosamente revoltadas, com cara de quem odeia
gente mas ama subsídio do governo para manter a "cultura" viva] .
Todas as vezes que fui interpelada por alguém-que-faz-teatro em São Paulo, é a mesma coisa:
tratam com uma raiva surda aqueles que não contribuem com a escolha de vida feita por eles mes
mos. Da primeira vez que vim para cá, a caminho de um hotel e carregando uma mala, uma bon
dosa pessoa-que-faz-teatro resolveu achar aquele um ótimo momento para me enfiar cultura
goela abaixo. Deixei-o falar e, quando o sujeito percebeu meu total desinteresse (intensificado
pela imensa vontade de tomar um banho e dormir), suas feições modificaram-se com uma rapi
dez extraordinária. Pelo menos ensinam direitinho, nessas escolas de teatro.
Em Brasília há os típicos vendedores de incenso, escritores que editam os próprios livros e
gente-que-faz-teatro; todos fazem sua ronda noturna entre as pessoas que cultivam a barriguinha
no bar. São todos simpáticos e não imaginam você atropelado quando ouvem um "não': Afinal,
eles estão oferecendo ou pedindo. Talvez seja a doce proximidade da bem-aventurança
[http://www.brasil.gov.br] , toda a aura de segurança e conforto. Se pedir em privado não fun
cionar, what the hell, estamos deitados eternamente em berço esplêndido qual bebês. Em São
Paulo, longe da província e dos calangos, perto da civilização e dos inúmeros teatros**, não dar a
mínima para "cultura" é negar a própria natureza humana. > (05112/2003 10h40)
• "Beer on whiskey, mighty risky; whiskey on beer, ali is clear": não segui e nada de errado aconteceu. Ainda estou longe de coletar dados
suficientes para chegar a uma conclusão.
"Sinopse (retirada de algum site) de uma peça:
EL MURO DE BERLIM NUNCA EXISTIÓ
Duração:lhlS
Sinopse: Um astronauta da extinta URSS navega, perdido no espaço, sem poder voltar para a Terra. O problema é que já não existe mais
verba, nem pais para trazê-lo de volta. Para dar um sentido ao novo mundo que surge (ou ao velho que desmorona), o astronauta conversa
com Ania, personagem de O Jardim das Cerejeiras, de T chekhov. Além do astronauta, outras personagens (um casal de espiões, um guia do
mausoléu de Lênin, um anão georgiano etc.) constróem um discurso - ao mesmo tempo romântico e irônico - sobre um mundo que, depois
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da queda do muro, ficou de pernas pro ar. EI Muro de Berlim Nunca Existió é uma peça em fragmentos. Pedaços de histórias, lascas de
memórias, desejos abortados. Mas ela é também uma peça sobre o encanto e a necessidade das utopias renovadas.
Notem a suruba: Tchekhov, anão georgiano, Lênin, espiões. Palavras-chave: "de pernas pro ar': "encanto" e "necessidade das utopias ren
ovadas". Palavra-mágica: "verba". Cultura sans parei!.
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írá abandoná-la por não conseguír acompanhá-la em sua íntensídade, e que certamente repre
sentará a perfídía da domínação masculína (víde Camille Claudel). Ou seja, para os cíneastas que
querem fazer a bondade de fazer elegias às mulheres, essa exigência premente do mundo moder
no, tudo o que interessa está subordinado ao que existe sob a anágua de vossas senhoras, não no
que quer que elas pensem ou façam. Portanto, não perca tempo e vá à locadora e pegue filmes
que vão direto ao assunto. Certamente será mais divertido reparar no quanto os óculos do Tony
Curtis ficam embaçados naquela cena com a Marilyn Monroe em Some Like It Hot. Enfim, JC
[http://en.wikipedia.org/wiki/Jarvis_Cocker] tinha razão: "but once it's underwear/ there's no es
caping/ the fact that you're a girl and he's a boy!".
Ah, falava da bela Nicole Kidman, a mulher que o Tom Cruise, também belo, porém disléxico
e cientologista, trocou pela cara-de-mariposa. O nome do filme é Dogville aí vi que é do Lars
-
von Trier, o mesmo sujeito que me deixou tão constrangida no cinema com aquela coisa chama
da Dancer in the Dark. Parecia até que eu tinha visto um trailer de filme brasileiro, de tanto cons
trangimento. O filme, portanto, só pode ser infinitamente ruim e afetado. Lendo sinopses, des
cubro que o filme tem três horas de duração. E fala sobre a maldade da sociedade, dos moradores
de uma cidadezinha estupidamente chamada (oh!) Dogville, que passam a maltratar a pobre
moça que lhes pede abrigo, bondosa e doce até o último fio de cabelo, e do quanto se aproveitam
dela, e do quanto os stupid white men são maus e pérfidos. Nas entrelinhas, temos: os americanos
são a antítese do Bom Selvagem do Rousseau, o Lars von Trier quer muito nos transmitir a men
sagem de que há uma maldade no mundo e nas pessoas que você, espectador ímbecil, não con
segue enxergar, e os capitalistas dançam salsa em cima do caixão da sua avó.
O Lars von Tríer tem alma brasileíra - até fez um musical igualzinho àqueles programas de
auditório onde crianças deficientes fazem todo o Brasil chorar de emoção, com cenas feias e
emoções que gritam na sua cara. > (27/01/2004 00h44)
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Reparem no uso da preposição "de': "Cuidando da gente" seria simpático, demagógico, políti
co, essencialmente brasileiro, essencialmente gentinha e, portanto, mais eficaz: vejam, somos o
governo, estamos pertinho de vocês, também "somos a gente e a gente somos vocês': vocês exalam
um perfume inigualável, o Figueiredo é que era um afrescalhado que gostava de se olhar no espe
lho de uniforme. Mas nem quiseram fingir: veterinários cuidam de gado; o governo cuida de
gente. A ordem natural das coisas, como adorar Carnaval e sentir-se alegre vendo gente pulando.
» (20102/2004 13h31)
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vezes que ouvia a gargalhada dos vilões do He-Man.
5) Para Mel Gibson, não há dúvida: quanto mais sangue e dor, melhor. Imagine um filme "soco
no estômago" [http://www.wunderblogs.com/soaressilva/archives/006989.html] e multiplique
por cinco, e você estará bem perto. De tapar os olhinhos. Mas, como sabemos todos, crucifixão
era algo nada bonito de se ver; com um pesado açoitamento prévio, então, é de fazer você sair do
cinema meio dolorido. Todas as reclamações sobre certas cenas que para muitos resenhistas pare
ceram indicar um certo sadismo por parte do Sr. Gibson (a cruz que cai sobre JC, afundando
ainda mais a coroa de espinhos, ou o corvo que fura o olho de um dos ladrões, entre outras) não
procedem. Não são um exagero em si; funcionam mais como a rápida introdução de uma agulha
sob a unha do espectador, já quase anestesiado, que a essa altura já estará mesmo com uma leve
taquicardia, sem reação, arranhando a poltrona do cinema. Afinal, o que Mel Gibson deseja é que
você sinta compaixão pelo homem (ou O Homem, as you will) que teve compaixão ainda maior
por você. Determinadas cenas - como o Cristo morto, quase aos pedaços, nos braços de Maria,
que olha (um misto de resignação, piedade e tristeza) diretamente para a câmera, ou o próprio
Cristo crucificado, em agonia, prestes a expirar - remetem diretamente a certas obras de arte
onde, se não havia tanto sangue, sobrava desespero e agonia. Acreditem, é de uma chocante e
inegável beleza estética - isto é, se você não é um daqueles que vêem ali nada além de um simples
homem, um profeta maluco, ou o "primeiro socialista da história': como tive a infelicidade de
ouvir certa vez, mas sim o Deus que escolhe padecer como homem.
6) É um filme para "iniciados". Se você acha o Cristianismo tão real quanto as lendas do Rei
Arthur, fique em casa, o filme não é para você. Você não será capaz de realmente compreender o
filme. Se você "entende" o motivo do sofrimento de Cristo, mas com um leve sorrisinho descren
te, de canto de boca, o filme lhe parecerá nada além de um snufffilm, com direito a desagradáveis
efeitos sonoros, dirigido pelo sujeito que fez o herói de Braveheart (que achei um filmeco) ficar
sem as tripas.
7) É um filme absurdamente humano (em oposição a divino). Explico-me. Lá pela metade,
meio anestesiado pelo sofrimento, você quase esquece que o homem que tanto sofre fisicamente
perante os seus olhos não é apenas um homem. Por isso é um filme para iniciados - os iniciados,
M I S S VE E N 1 7 7
espero, não esquecerão do que se trata tudo aquilo.
8) Seria Gibson uma espécie de Caravaggio pintando a primeira versão de San Matteo e
L'Angelo por conta das "liberdades" que toma (Cristo, já adulto, brinca com Maria como qualquer
filho brincaria com a mãe; em certos momentos, Maria esquece seu comedimento - parece estar
sempre resignada nos Evangelhos - para agir como a mãe de um filho terreno, e não do Filho de
Deus; as costelas ficam expostas já no brutal açoitamento; o sofrimento evidencia seu lado
humano, o Deus enquanto homem)?
9) O que leva à indagação: aquele texto [http://www.frederica.com/orthodox/ meaning_ of_
his_ suffering.html] tem ou não razão? Sim, somos lembrados da Compaixão e do Amor de
Cristo (todas as passagens do Evangelho escolhidas por Gibson são aquelas em que Cristo incita
os homens ao perdão, à misericórdia e à compaixão), mas, se o diretor insistentemente direciona
a câmera para todo o sangue e o sofrimento, ele não poderá reclamar se alguém fizer a objeção
de que o reconhecimento (no caso, ficar alguns minutos petrificado na poltrona, olhando para os
créditos, com as mãos gélidas) dá-se pela representação do Deus enquanto homem, enquanto
carne que sofre; Pergunto-me quantos cristãos entendem o sofrimento de Cristo apenas como
Filho de Deus que sofreu como homem, e não como Filho de Deus que padeceu para redimir os
pecados de inúmeros homens.
10) E que me leva (espero que não estejam cansados de seguir a saltitante bolinha do meu
raciocínio torto) à minha pergunta final: e isso realmente importa? O filme se chama A "Paixão"
de Cristo, e a etimologia latina nos dá "passividade, sofrimento, padecimento". Nada mais justo,
então, do que se concentrar somente no sofrimento do Deus enquanto homem, ou do homem
enquanto Deus, ou de ambos juntos (escolham suas armas). O filme certamente não irá
converter pessoas que já não sejam, preferencialmente, católicas. As que não são católicas acharão
talvez um descalabro tamanha "humanidade" no Filho do... Homem, ou na mãe do Cristo (ué,
mas eles também tinham Corpúsculos de Paccini e Corpúsculos de Meissner, não?). Os que
acham historinha para boi dormir continuarão achando historinha para boi dormir, e verão ape
nas violência e a visão talvez distorcida de um católico tradicionalista (além, é claro, de implicar
com o diabo afeminado*). Quanto aos Banshees do Senhor, não tenho idéia do que pensam, já
1 7 8 W U N D E R B L O G S . C O M
que cada um deve ter uma concepção diferente e de 1 1 0 decibéis para o fato. Quanto a mim, vi a
estonteante representação de algo absurdamente belo e misterioso, em que ainda tenho, como
muitos, alguma dificuldade para acreditar. Quem tiver olhos (e nervos) para ver, veja. >
(22/03/2004 1 6h10)
• O que faz sentido, seus pulhas: atire a primeira pedra quem não percebe na androginia um certo charme, uma mistura de tortuosi
dade, poder, astúcia e quiçá dissimulação.
M I S S VE E N 1 7 9
Massa:
4 xícaras de chá de Lya Luft
2 xícaras de chá de Lygia Fagundes Telles (dê preferência à marca Últimos Romances)
1 1/2 xícara de chá de Clarice Lispector (se utilizar a marca Contos, utilize somente 1/2 xícara)
3 colheres de sopa de Hilda Hilst (opcional; caso deseje dar ao prato uma c.or mais moderna, subs-
titua por 3 colheres de sopa de Fernanda Young; o ideal é que encontre o teor picante desejado)
Bata todos os ingredientes e deixe a massa descansar por 30 minutos em uma tigela envolta por
uma Folha de São Paulo. Leve ao forno por aproximadamente 1 hora, ou até que a discussão sobre
Literatura Feminina na Folha de São Paulo fique dourada e crocante.
Cobertura:
4 colheres de sopa de Fluxo de Consciência (colheres rasas, para não "brigar" com a massa)
1 lata de Emoção Condensada
a mesma medida de Senso Comum e Ordinário
3 colheres de sopa de Introspecção Mulherzinha (jamais utilize a marca Jane Austen Witticism,
pois é excessivamente suave; a marca Virgínia Woolf Elephantine Sullenness poderá empelotar;
dê preferência à marca Mr. Right, ou à similar Merely Seeking My Identity; Mr. Right, utilizada
por nossas avós e até pelos famosos chefe Grimm, é ingrediente eterno; certifique-se de que na
embalagem há o selo da Identificação Emocional com o Personagem)
3 Atitudes-de-Saudável-Desprezo-A-Forma-Ritmo-E-Estilo, batidas em neve
Leve ao fogo baixo o fluxo, a emoção condensada, o senso comum e a introspecção, mexendo
sempre, até obter um creme liso. Tire do fogo e deixe esfriar. Acrescente delicadamente as atitudes
batidas em neve.
Coloque a cobertura sobre a massa e leve à geladeira por 3 horas, no mínimo, ou até sonhar que
um sapo vestido de monge tibetano diz: "Livre-se da necessidade da busca por termos ideais.
Concentre-se na Transmissão de Emoção e na Fluidez Narrativa, em detrimento de elementos
nocivos como Estilo e Estrutura. Só assim alcançamos a Identificação Completa. Somente através
da Evocação de Nossa Própria Experiência, refletida no Espelho da Prosa". Quando o sonho ter
minar com uma placa que indica a estrada para Saskatoon, onde se lê "give women writers and
1 8 0 W U N D E R B LO G S . C O M
poets a bad name", sirva em taças de papel print-max e decore com raspas de batom Rouge
Absolu, da Lancôme. > (06/04/2004 Ol h30)
M I S S VE E N 1 8 1
PRÓ TE N SÃO protensao.wunderblogs.com
Posted by Césa r M i ra n d a
CORNO DI BASSETTO
Antes que o leitor pare por aqui, ruborizado, quero esclarecer que "Corno di Bassetto" é o nome
do clarinete em italiano. Na orquestra tem também o corno inglês, mas vamos falar do di
Bassetto. A clarineta é de onde sai um dos sons mais emocionantes em instrumentos já fabrica
dos pelo homem; sente-se a madeira no som da clarineta; parece que foi feita especialmente para
o choro mas serve para todos os ritmos, serviu ao jazz e com o sósia do Boris Casoy, Benny Good
man, atingiu a maior popularidade que o jazz já teve. Mozart fez um concerto magnifico para tal
Corno sobre o qual disse Paulo Francis, transbordando afrofobia, que contribuiu mais para a cul
tura ocidental do que tudo o que os pretos já fizeram.
Tocá-la é que são elas, não é para qualquer um, os bons clarinetistas, sobretudo os clássicos,
olham para um saxofonista como o Bill Gates olhasse para mim, nem chega a ser desprezo, é
menos do que indiferença. Alguns afirmam que se a harpa foi feita por um anjo, a clarineta foi
feita pelo demônio, tamanha dificuldade o instrumento oferece para quem se atreve a dominá
lo. Porém quem o consegue deve ter a mais sublime das recompensas, quão feliz deviam ser Abel
Ferreira e Luiz Americano (alguém sabe quem são esses dois? Vou dizer-lhes, eram o quenidji de
suas épocas). Corno di Bassetto é também o pseudônimo de Bernard Shaw quando fazia críticas
literárias e cênicas assim que chegou na Inglaterra e arrumou um emprego em um jornal.
Megalomaníaco como poucos, Shaw não fez por menos ao escolher um pseudônimo à altura de
sua auto-avaliação, só não sabia ele que por estas bandas corno era o que ele poderia muito bem
ter sido já que ao casar assinou um contrato de que não tocaria no órgão da Senhora Shaw, nem
ela em sua clarineta. > (13/01/2003 07h42)
1 8 2 W U ND ER B L O G S . C O M
HAICAI AUTOCR(TICO:
Temos este costume:
Entramos num jardim
E colhemos o estrume > (16101/2003 07h32)
3 PALÍNDROMOS
- Ata-nos, sonata.
- Ele pôs só pele.
- Asa caída adia casa. > (20101/2003 12h13)
6 PALÍN DROMOS
- Eu ia aí, ué.
- É duro a Ciro ter a retórica, ô rude.
- O rumo do muso.
- O muso do sumo.
- Arara, troca da cor tá rara.
- Laico social. > (23/0112003 07h23)
A internet nos aproxima dos distantes e nos distancia dos próximos. (Parceria com Millôr
Fernandes. Fiz a letra, ele musicou. ) > (2710112003 12h 1 0)
"Aumenta o som, eu adoro essa música, lembra minha infância': disse o diabo ao ouvir "Ave
Maria': peça que o Todo-Poderoso mais tarde soprou a Schubert e que embalava o sono de Lúcifer
quando era criança e morava no céu. > (28/0112003 1 2h44)
AS OBRIGAÇÕES DE UM CI DADÃO
Temos que pagar nossos impostos em dia para que o governo tenha dinheiro para comprar
P R Ó T E N S Ã O 1 8 3
votos. > (04/02/2003 06h45)
1 8 4 W U N D E R B L O G S . C O M
- Quando um tijolo cai no dedo de um servente e ele diz "ai': trata-se de uma linguagem sim
bólica, na verdade ele quis dizer: "Puta que pariu, que dor da porra! Carái, quem deixou cair a
desgraça da merda desse tijolo? Vai tomar no cu!':
- A Lei é a principal causa do crime.
- O medo da morte dura uma vida inteira.
- A sociedade comunista não tem nenhuma classe.
- Se você está lendo isto, é provável que já tenha acordado.
- Não confunda um verbo defectivo com um sujeito sem predicados. > (13103/2003 08h23}
9 PALÍNDROMOS MUSICAIS
- Traz o Mozart.
- Rã mole e Elomar.
- ô luta, Catulo!
- O coco rococó.
- Levar o Ravel.
- Aí bossa assobia.
- A tua pauta.
- A lírica da Cirila.
- A gaita da Tiaga. > (20/03/2003 08h30)
Morei sozinho uns dez anos e fazia tudo o que precisava, lavava e passava minha roupa, fazia
meu almoço etc. Outro dia vendo o estado de um jeans pessimamente lavado pelas máquinas de
hoje, lembrei-me o quanto tinha jeans mais limpos quando eu mesmo os lavava. Punha uma fita
de Gershwin e mandava ver na escova sobre as roupas.
Gershwin é a trilha sonora perfeita para se lavar bem uma roupa. Elomar é perfeito para varrer
a casa. Pixinguinha e Mozart são bons para qualquer coisa. Bach, além de ótimo companheiro de
longas viagens, pega muito bem enquanto cozinhamos. Se eu fosse empregada doméstica só
P R Ó T E N S ÃO 1 8 5
ouviria isto. Chopin ou coros de óperas deve ser perfeito para taxistas ... > (20/03/2003 08h33)
6 PALÍN DROMOS
- Metáfora, farofa tem.
- ó azarada razão.
- O nenê vê veneno.
- O sicrano, eu e o narciso.
- O som tiro no ritmo só.
- O tiê ri do direito. > (20/03/2003 08h43)
1 8 6 W U N D E R B L O G S . C O M
as verdades que ele diz.
- O pecado é a prova de que não somos meras maquininhas. O Criador encara nossos pecados
com certo orgulho.
- O arrependimento nos vem quando se acaba a energia para o pecado.
- A obra de arte deve estar acima das habilidades do artista ou de nada vale.
- A culpa é um ingrediente indispensável ao prato do prazer. > (1 1104/2003 08h1 4)
lhes dão ouvidos. Entregar a montagem de preferência a um diretor de teatro bem inteligente
como Geraldo Tômas.
- Poema Sinfônico Concreto - Os músicos ditam para o público pausas de todos os tamanhos
através do sistema de sinais Manossolfa criado por Villa-Lobos, a peça se chamará 60'60".
- Conserto (sic) para Bicicleta e Orquestra de Câmara de Ar - O nome já diz tudo, é um concer
to cheio de graxa.
- Suite - Música Para Tiros de Festim - A Orquestra será divida em vários naipes: naipe dos ca
nhões, naipe das pistolas, naipes dos bacamartes etc.
P R Ó T E N S Ã O 1 8 7
- Oratório - Contrações de Nossa Senhora (para a missa de 24 de dezembro).
- Cantata - Lieder para língua de sinais.
- Sinfonia nº l - A Revolução:
Primeiro Movimento - Allegro - Orquestra afinando e o maestro xingando a todos para andar
ligeiro com aquela porra.
Segundo Movimento - Allegro ma non troppo - o primeiro violoncelo quebra o arco na cabeça
do maestro, todos os outros o seguem e matam-no a cacetadas.
Terceiro Movimento - Andante - Enterro do Maestro.
Quarto Movimento - Prestissimo - O primeiro violino dá um golpe de Estado, vira maestro e
xinga todos para andarem ligeiro com aquela porra de afinação. > (03/06/2003 08h25)
1 8 8 W U N D E R B L O G S . C O M
- Teruntan ke - Terapeuta holístico egípcio, criador da famosa "Terapia de Teruntanke" (enten
deram o trocadilho? "ter-a-pia de ter-um-tanque': hoje estou impossível! ) , que consiste basica
mente em alcançar a iluminação lavando roupas ("quando você lava, tudo passa").
- A Casa das Moedas - Asilo onde vivem todas as antigas moedas brasileiras, o réis, o cruzeiro,
o cruzado novo. Recebem visitas de amigos de além-mar como dobrões e maravedis. Anseiam
pela chegada do Real, questão de tempo.
- Assembléia de Deuses - No Olimpo, uma assembléia para admitir semideuses; fazem também
análises em grupo, onde falam das dificuldades de serem Deuses e contam suas aventuras. »
(04/06/2003 08h47)
"Algum desenhista se habilita? Contate-me, ficaremos milionários...
VERSO LIMPO 1
Você diz
O que eu penso
Eu dispenso
O que você diz
Quem mandou
Fazer assim
Falar o que penso
Antes de mim? »- (13/06/2003 OBhl O)
P R Ó T E N S Ã O 1 8 9
de exclamação no final é fundamental!)
- Frear na curva ( "Ih, foi mal, freei na curva"; "Pra mim, ela freou na curva:')
- Concerto de bateria ("Pior que isto, só um concerto de bateria"; "Aquela mulher é um con-
certo de bateria.")
- E nem precisei comer ("A Marcela? Não gosto dela não e nem precisei comer"; "A Lúcia?
Adoro aquela menina e nem precisei comer.")
- Cantar no Bolinha ("Olha a roupa do cara, esse aí cantou no Bolinha.")
- O Paulo Salles é que tá certo ("Rapaz esse negócio de blog é a maior perda de tempo, o Paulo
Salles é que tá certo:') :> (18106/2003 08h07)
EU JÁ...
Se o euja.blogspot.com não fosse um blog pornô, eu mandaria isto:
- Eu já me encolhi na cadeira para não ser cumprimentado por políticos, não adiantou;
- Eu já me enganei, reconheci que estava enganado, tempos depois descobri que se tratava de
novo engano, até hoje não sei direito se estava certo ou não;
- Eu já morri de amor, várias vezes;
1 9 0 W U N D E R B LO G S . C O M
- Eu já me apaixonei perdidamente por uma canção;
- Eu já tive vários vícios. Todos gramaticais;
- Eu já fiquei doze anos sem ver TV; explico, só nessa idade vi uma TV pela primeira vez; se só
tivesse visto uma na semana passada, teria sido melhor;
- Eu já escrevi mais de trinta livros inteirinhos na cabeça e não coloquei no papel por pura
preguiça;
- Eu já quis mudar o mundo. A primeira medida seria nomear Presidente do Brasil a Elke
Maravilha;
- Eu já fui ateu e recuperei a fé. Com fé é melhor;
- Eu já fiquei um dia inteiro sem ler, tive crise de abstinência, fui salvo por uma bula de AAS;
- Eu já achei que era um gênio. Na época eu morava em uma garrafa;
- Eu já assisti a um casamento em árabe. Pelo menos imagino que era um casamento. Arabe
tenho certeza que era;
- Eu já li fazendo tudo o que se possa imaginar, inclusive dirigindo e escrevendo outro texto.
Vício é vício;
- Eu já compus alguns choros;
- Eu já fiz vários filhos, mas até agora nenhum nasceu;
- Eu já vi a morte, felizmente ela não me viu; é míope, a coitada;
- Eu já planejei o que vou fazer quando chegar ao céu;
- Eu já caí da cama algumas vezes depois que deixei de dormir na rede, aos vinte anos. Até hoje
não entendo por que dorme-se em camas;
- Eu já quis bater um papo com Leibniz, na verdade ainda quero, tem umas questões ali - nos
Novos Ensaios .. - que só conversando com o autor mesmo;
.
P R O T E N S Ã O 1 9 1
ARISTÓTELES*
Ele nasceu na Macedônia
E não em Atenas na Grécia
Assim por mais estranha
Que esta verdade lhe pareça
1 9 2 W U N O E R B L O G S . C O M
E com a morte de Alexandre
Foi expulso de Atenas
E acabou morrendo na Atica
Em uma cidade pequena
Aristóteles
O sábio de Estagira
O mundo gira
E ele influencia
Quem leu e quem não leu
O que ele escrevia (bis) )> (09/07/2003 08h20)
•Letra para um samba enredo, quem quiser colocar melodia ...
VERSO LIMPO 9
Um sim
Tão vão
Assim
É Não )> (06/08/2003 09h40)
P R Ó T E N S Ã O 1 9 3
ZOO FAMI LY
Descobriu que o irmão era um viado, que o pai era um porco, a mãe urna cascavel, a irmã urna
galinha e o cunhado um jumento. Descobertas tais duras verdades, restava-lhe o consolo da
certeza de que, ele pelo menos, não era burro. > (13108/2003 08h29)
DIGO-VOS
1 - Não me provoque senão eu escrevo um palíndromo;
2 - Eu não acredito em mim, não dou a menor bola para o que penso. Acredito em Deus;
3 Podemos ver um cego e ouvir um surdo, já falar um mudo seria meio estranho;
-
4 - A dúvida é uma dádiva àqueles que têm fé. O universo do incrédulo é pobre, nele só há certeza;
5 - Há incrédulos no afã de serem mais cartesianos do que Descartes, descartam inclusive a pró-
pria existência: "penso, logo, posso até nem existir, sei lá ... ;
"
DIGO-VOS
1 1 Se eu tivesse certeza de que são verdadeiras as teses materialistas, ainda assim, eu seria reli
-
te. Se o materialismo for uma forma de loucura, é uma loucura que fecha a mesma cancela;
1 3 Ao aceitar que foi o homem quem criou Deus, poderíamos afirmar também que cada um
-
1 5 Se os mansos não ficarem espertos e não reclamarem a herança, não herdarão terra algu
-
1 9 4 W U N D E R B LO G S . C O M
AS MARGENS E O RIO
Acenando ao rio que passa
Duas margens dão risadas,
Sabem que os rios correm
Porque elas estão paradas.
E se as margens resolvessem
Correr junto em tal corrida
Pra bater um papo com o rio
E falar das coisas da vida?
DIGO-VOS
16 Escolher é perder tudo o que não escolhemos, por isto quando escolhemos Deus, nada
-
ça. Isto vale para qualquer ideologia e para alguns religiosos também;
P R Ó T E N S Ã O 1 9 5
20 Há um fato calamitoso: esquecermos quem somos. Há um fato fatal, esquecermos que es
-
DIGO-VOS
2 1 O fato de todas as girafas terem pescoço muito comprido não se trata de nenhuma perse-
-
guição d'O Criador àqueles bichos; é, sim, justamente, o que as torna girafas;
22 Só os infelizes entediados amam a mudança;
-
23 Uma lei que não pode ser infringida, não precisa ser promulgada;
-
24 Pequeno é tudo o que se conhece, só o desconhecido pode ser considerado grande. O uni
-
verso, por exemplo, quando for totalmente conhecido, diminuirá a proporções ridículas;
25 Todos nós nascemos por um triz e vivemos por um triz. Esse "triz" é a vontade de Deus;
-
U MAS VIDAS
Eu queria ter uma vida para dedicar ao JS Bach e outra vida para dedicar ao Padre Antônio
Vieira. Como só tenho esta, vou dedicar à Mariza mesmo. ,.... (18109/2003 0Bh26)
1 9 6 W U N D E R B LO G S . C O M
Livro,
Darão
Frutos? > (24/09/2003 08h03)
DIGO-VOS
36 Concordamos em uma coisa: devemos pensar diferente;
-
37 - O universo não é grande nem pequeno, é do tamanho certo para que a Terra seja habitáv-
el ao homem;
38 - Se tem alguém chato é a pessoa coerente. Os incoerentes também são de lascar;
39 - Quanto mais mortal for, mais vital é a coragem;
40 Não tenha a presunção de querer ser o maior dos humildes. Nem tenha orgulho de sua hu
-
DIGO-VOS
41 - O pecado é imperdoável, o pecador não;
42 - O amor é mais violento do que o ódio;
43 - A loucura e a incredulidade são sistemas autocráticos de levar a vida. O louco e o ateu
fazem suas próprias regras. É muito mais fácil ser seu próprio senhor (esquecendo-se de que
quem é seu próprio senhor é também seu próprio escravo);
44 - Mudar nossos ideais não alterará e m nada nosso destino. Deus não faz projetos;
45 - O domador virou vegetariano, coisa que nem passa pela cabeça de tigre e leões, seus com
panheiros de trabalho; > (29/09/2003 08h1 4)
DIGO-VOS
46 - O adulto é uma criança que se entedia facilmente e vive em um mundo de faz-de-conta;
47 - Erro intencional não é erro, é apenas uma nova espécie de acerto;
48 - Do livro que ensina a amar seus defeitos, só leia os defeitos que você tem, arrisca-se a sair
da leitura com mais defeito do que entrou;
P R Ó T E N S Ã O 1 9 7
49 Confunde-se perfeição com simetria. A simetria só é sinônimo de perfeição quando ela é
-
UMA H ISTORI N HA
Minha mãe, que é umas duzentas vezes mais engraçada do que todos os filhos juntos, conta a
história de um sujeito que para cumprir uma promessa construiu uma igreja. Com a construção
pronta, lembrou-se de que não a tinha consagrado a nenhum santo. "Toda igreja tem que ter um
santo': lhe disseram. Durante muito tempo ele ficou com essa dúvida (e a história nem conta qual
santo foi o escolhido). O certo é que, quando lhe perguntavam pela promessa, ele respondia: "a
igreja tá pronta, o diabo agora é o santo .. :• > (03/1 012003 07h59)
RELATIVI DADE
Uma década até que passa rápido.
Já um dia, como demora ... > (0311012003 08h07)
AULA DE ECONOMIA
O preço do gás é alto por causa do imposto que o governo "tem" de cobrar para custear o pro
grama Vale-Gás. > (03/1 012003 OBhOB)
A PROPÓSITO ...
Nada do que eu falo aqui é brincadeira. Sou um humorista muito sério. Não tenho culpa se a
realidade é engraçada. Aliás, uma das poucas atividades que resta a quem não consegue mentir é
1 9 8 W U N D E R B LO G S . C O M
o humorismo. Diga a verdade para as pessoas e elas rolarão de tanto rir. A mentira é que é séria.
> (07/10/2003 08h1 3)
ABAIXO O HOLISMO
Um dos problemas do mundo atual, e que o torna mais chato do que deveria, é a gosma resul
tante da mentalidade holística. Uma das regras do holismo é que o homem deve procurar sua
porção mulher, o adulto, procurar sua porção criança, o inteligente, sua porção burra, o número,
sua porção letra, o barulho, sua porção silêncio, o feriado, sua porção dia útil (e vice-versa para
todos os exemplos) . No final das contas, o que sobra são seres grotescos, meninos agindo como
adultos, inteligentes como burros, números agindo como letras, barulhos como silêncios (e vice
versa). Todo concurso de Miss de hoje em dia é para escolher qual das beldades é a mais inteli
gente! ! ! ! É o fim mesmo, né não?!?!?! > (1 011012003 07h51)
DIGO-VOS
56 - A pletora de paradoxos e contradições que tem a democracia faz dela o mais perfeito sis
tema político, os outros são por demais coerentes;
57 - É mais fácil uma hiena passar pelo buraco de uma fechadura do que um mal-humorado
entrar no reino dos céus;
58 - A vida tem um sentido, chama-se poesia;
59 - É preciso muita fé para ser ateu;
60 - Finalmente encontrei alguém igual a mim e ... meu Deus, que tédio, não aprendemos nada;
> (10110/2003 07h52)
P RÓ T E N S Ã O 1 9 9
OS CONTRASTES
Uma das coisas que me fez redescobrir Deus foi a verificação do quanto são fundamentais as
tensões. Essa história vem do Tao-Té King que diz que "o Um fez-se dois, e os dois transfor
maram-se nas 10 mil coisas". Isto é, a tensão permanente dos opostos é o truque que Deus usa
para nos fazer perceber tudo o que existe. Assim, uma montanha só existe porque existe um vale
para contrapor-se a ela. E assim é tudo. O mal, cuja existência é um dos argumentos preferidos
dos ateus, só sabemos que existe porque conhecemos o bem. Como diria Augusto do Anjos, "o
que o homem ama e o que homem abomina, tudo convém ...". Sob um olhar taoísta, poderíamos
afirmar que o homem é o contraste ao restante de TODO o universo, que é composto de seres
inconscientes da própria existência e da existência do outro; logo, Deus criou o homem pura e
simplesmente para que o restante do universo pudesse existir; o homem é único companheiro de
Deus no exercício da contemplação. > (1611012003 08h01)
HAICAI SIAMES
O que se pode fazer
Se eles são siameses
O amar e o sofrer? > (1 711 0/2003 07h04)
DIGO-VOS
66 - Diga-me como era a vida do homem pré-histórico e lhe direi: "Então não era pré-histórico";
67 - Cristo usava imagens violentas, Jesus era um Deus irado; violento como amor o é;
68 - A Idade Média poderia se chamar idade das trevas se não houvesse a luz do cristianismo;
69 Um agnóstico geralmente é alguém muito inteligente, isto é, está em um estágio anterior à fé;
-
HAICAI DE QU EM AMO
Eu sei que eu amo você
Porque sei o quanto dói
2 0 0 W U N D E R B L O G S . C O M
Em mim esse seu sofrer > (3111 0/2003 07h16)
DIGO-VOS
86 Todo o projeto Divino se manifestou e prossegue através da matéria. Deus é um materialista;
-
87 - Um glutão pode agir com temperança mas só será temperante quando deixar de ser glutão;
88 - Ignore o que seus semelhantes vão pensar de você, só o julgamento de Deus interessa;
89 - Dependa de Deus! Dependa de Deus sempre. Sozinho nada somos;
90 - Amor não é o nome de um sentimento. Amor é o nome de uma decisão; > (0711 112003 07h13)
TRADITORES
Os autores estrangeiros estão perdendo uma ótima chance de escreverem livros absolutamente
originais; basta traduzir para a língua de origem seus livros traduzidos para o brasileiro. > (131
1 1/2003 10h27)
P R Ó T E N S Ã O 2 0 1
em interna e externa. A externa é quando o aparelho inclusor é alheio ao dono do dedo, quando
a inclusão se dá em uma tomada, por exemplo.
FATORES QUE FOMENTAM A ID:
A fome ou a fadiga e, mais tarde, o vício faz com que as crianças pratiquem a ID na própria boca;
Para experimentar a própria meleca, crianças enfiam o dedo no próprio nariz; na idade adul-
ta, embora se dispense a meleca, o ato de ID nasal, também chamado popularmente de "limpar
salão': acompanha-nos por toda a vida. É bom lembrar que a ID nasal heterônoma é raríssima,
eu pelo menos jamais vi alguém enfiando o dedo no nariz do outro, literalmente, quero dizer;
Nos homens, o crescimento da próstata tem tornado a ID uma obrigação;
Os japoneses estão desenvolvendo o "dedo-fone': invenção que será uma grande contribuição
para a Inclusão Digital. Obrigará quase toda a humanidade a sair por aí com o dedo no ouvido,
ou no ouvido do outro, caso queiram que o outro escute a conversa. Prevejo um futuro com
muita gente com o dedo grampeado;
Muitos, estrategicamente, deixam crescer a unha do dedo mindinho a fim de, na falta de coto
nete ou de bocal de caneta, exercerem a ID auricular, prática que dá um prazer quase lascivo a
alguns em uma atitude mormente autônoma, uma vez que a ID auricular heterônoma é tão
estranha quanto à ID nasal da mesma sub-espécie; e por fim, não esqueçamos que ...
A solidão também é um dos fatores mais preponderantes no fomento à ID; mas deixemos a ID
autônoma interna, nos chamados países baixos, para o final deste trabalho.
FATORES CULTURAIS QUE ATRAPALHAM OU IMPEDEM A ID:
Embora hoje a sociedade se esforce para que todos tenham acesso à ID, nem sempre ela foi vista
com bons olhos, haja vista a existência de vários inventos cuja finalidade é desestimular e até
mesmo impedir a ID; pois bem, como exemplos de tais objetos e institutos, podemos citar a chu
peta, o cotonete, a prostituição, o vibrador e o casamento, se bem que o casamento pode também
ser o início da ID, varia de caso a caso;
A IDG - ID Genital -, uma vez que não é mormente feita com fins de reprodução, é um fator
importante de controle da natalidade. Nesses casos, a IDG deve ser uma ação heterônoma, isto é,
a Auto-inclusão Digital não deve ser estimulada, embora a estimulação seja intrínseca neste caso,
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se é que me entendem ...
A ID Externa. Enfiar o dedo na tomada, na garganta, no olho, na ferida, enfiar o dedo no cu e
rasgar, há muitas formas de ID Externa heterônomas na boca do povo e tornadas ditos populares,
análise que faremos certamente em um tratado futuro especial.
A ETIQUETA DA INCLUSÃO DIGITAL
A ID não deve ser feita em público. A ID em potes de geléia, manteiga, pudim etc. é de extremo
mau gosto, embora tenha seu conteúdo de irresistível apelo ligado a comportamentos pueris já
estudados exaustivamente por Freud em sua obra Psicopatologia Cotidiana: O Caso dos Potes. Não
se deve esquecer, jamais, de lavar bem o dedo pois a ID não é coisa para porcos propriamente,
não obstante sua essência atávica. Ainda no item da etiqueta, lembramos que é de bom-tom, no
caso da ID heterônoma, pelo menos pedir permissão ao incluído.
CONCLUSÃO
Atualmente há sites, ONGs, palestras, seminários e em breve, não duvido, Ministérios, abor
dando, promovendo, incitando, discutindo a ID. Ela está presente em tudo, falam em ID ·via
satélite, ID nas escolas, ID na terceira idade, ID na mulher, enfim, a ID é uma moda, é algo dese
jável por toda a sociedade, porém, é um fenômeno que eu, como profundo estudioso do assun
to, não entendo. Para que tanta dúvida e tanto desejo por uma coisa tão natural como a ID? Ora,
o dedo é seu, faça o que bem entender, contando que seja algo estimulante. É só ir estimulando,
estimulando ... enfim, não preciso ensinar isto a ninguém, já se nasce sabendo, embora essa
sociedade careta tente por todos os meios impedir que cada um faça sua ID sossegado, porque,
pensando bem, é uma questão apenas de higiene e bom senso. Não é uma questão que suscite
maiores preocupações, afinal, o problema de Exclusão Digital só chega a ser realmente grave entre
os manetas. Vi uma campanha na internet chamada "Exclusão Digital Zero" Como assim?!?!
Estão, sem dúvida, enfiando o dedo onde não devem, cada um sabe o que fazer com os próprios
dedos, não nos enganemos, lutemos contra isto, é assim que começa um estado totalitário, pelas
digitais. > (1411 1/2003 09h03)
PS - Segunda-feira na entrevista do no Roda Viva Ciro Gomes falou em "inclusão (e exclusão) elétrica'; ai também já é demais para
minha cabeça, passo a bola para quem quiser se aprofundar no assunto; espero que não leve nenhum choque; eu, por exemplo, não pre-
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cisei de nenhuma inclusão digital para escrever sobre o assunto, todo este tratado de bolso me foi revelado . . .
DIGO-VOS
9 1 - O pesadelo de muitas mães é que seu filho seja tratado pela mulher do mesmo jeito que
ela trata o marido;
92 - O perdão é uma idéia excelente, mas por isto não vá sair por aí sacaneando todo mundo;
93 - O homem jamais se satisfaz porque seu destino - como sua origem - não é este mundo.
Aqui não existe o que pode saciar seus anseios;
94 - Os ateus são comandados pelo aparelho digestivo;
95 - Diga para a vontade: "vá com calma"; para o sentimento "fica quieto"; para o entendi
mento: "pode ordenar"; );-- (1 711 112003 09h21)
I NTEGRAÇÃO
Que possa ouvir a tempo o meu silêncio
O doce menestrel, o passaredo
E sinta o sofrer de meus cansaços
O grave e meneante arvoredo
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E os urubus comam a minha carne. > (1 711 1/2003 1 3h57)
PIOR CEGO
O pior cego é o cego homem-bomba. > (1 911 112003 1 0h 1 6)
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tal castigo de vez em quando - afinal é um tipo de animal realmente insuportável -, mas eu, o que
fiz, para ficar agüentando os tiros de canhão dos tais foguetes? Tem que ser muito débil mental
para associar isto com alegria. O correto seria usá-los para a tristeza. "Vejam, corram, venham aqui
me ajudar, estou triste, me alegrem, por favor, p9r isto soltei o foguete:' Mas significa justamente
o contrário: "Estou feliz e você não tá, toma um tiro em seus tímpanos, seu maldito infeliz". ô cha
tice! Imagine um dentista em seu trabalho insuportável de olhar para a boca das pessoas com
instrumentos perfuro-cortantes nas mãos, no auge daquela carnificina bucal, um infeliz, só porque
tá feliz, solta um foguete? O problema é que um som não avisa quando vai chegar, ele chega
primeiro. Você não tem escolha, se tivéssemos seria melhor. Será que chegaremos a esse ponto?
Você recebe um telefonema que lhe pergunta: "Você quer ouvir um estrondo descomunal daqui a
dez segundos?': Você responde: "Claro, não vejo a hora': então o estrondo se dá. Agora são três
horas, estou quase desmaiando, vou dormir muito tarde hoje, o que significa que amanhã ficarei
todo o dia com um sono atroz e não há nada pior que o sono irrealizável. Não adianta tomar por
carias como café com coca-cola, comigo isto não funciona. Jamais funcionou; apenas adiciona-se
ao sono o arroto, o mau hálito e uma possível gastrite. Por isto, não tomo qualquer excitante para
o meu sono, quer coisa mais nojenta que guaraná em pó, oh, coisa ruim! E comigo funciona tanto
quanto musse de maracujá, isto é, nada, quando não piora o sono porque eu fico na maior expec
tativa de que ficarei cem por cento esperto e como a esperteza não vem, soma-se ao sono a frus
tração e a sensação da perda de tempo e dinheiro por ter caído no conto das gororobas acordati
vas. Assim viro apenas um otário sonolento. > (2111 112003 OBhl 1)
DIGO-VOS
96 Gostar deve ser um verbo de ação. Dê vida a seu gostar. Que morra o gostar passivo!;
-
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98 - Definição de mercado em três palavras: "gosto do público";
99 Saber-se miserável e ao mesmo tempo aspirar à suprema glória, eis .o destino humano;
-
100 - A vida com todos os seus problemas não é um castigo, é sim o único meio pelo qual con-
quistaremos a eternidade; > (03112/2003 1 0h26)
DE AMANTES
São quais como no escuro as lanternas
Luzentes, ternas, quentes, lancinantes
Paixões que são bem mais do que eternas
Assim são nossos olhos de amantes
I NTIMIDADE
Baltazar Gracian escreveu que "a intimidade gera o desprezo': Há uma canção de Noel Rosa
P R Ó T E N S Ã O 2 0 7
chamada "Vamos Deixar de Intimidade': A intimidade é uma alquimia. f:. fácil saber se uma
intimidade será pacífica ou explosiva; não raro, ao primeiro olhar você já vê se o seu santo bate
com o santo do outro ou não. Contrariando Gracian, vê-se que há casos em que a intimidade gera
admiração e respeito. E o que é o amor senão a mistura dessas duas coisas? Millôr, na mesma
linha do padre espanhol, diz "como são interessantes essas pessoas que não conhecemos muito
bem': Há nos escritores mordazes uma desesperança com a intimidade. Há momentos da vida em
que não suportamos nem nossa presença quanto mais a do chato que trabalha conosco, porém,
parodiando Hobbes, podemos dizer que somos o chato do chato. O certo é que como regra quer
emos intimidade com aquilo que nos dá algum lucro ou conforto, é só ver a troca de partidos
quando um novo mandatário assume o poder. No entanto, a vida obriga-nos à intimidade com
pessoas que não escolhemos, e alguns só nos dão prejuízos e dores de cabeça, como colegas de
trabalho, chefes, cunhados, sogras, filhos, vizinhos etc., pessoas às quais não podemos dizer
"vamos deixar de intimidade", nem podemos desprezar, pois será pior para nós mesmos. Há tam
bém as pessoas que amamos mesmo sabendo que a alquimia será explosiva, saímos chamuscados
de uma dessas explosões de vez em quando, mas insistimos na intimidade porque o amor não é
um sentimento, é uma decisão. > (18112/2003 07h55)
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elétrica. Você toparia? Talvez topasse se não fosse feito de carne, osso e medo, mas de amor. Amor
em estado puro. Amor absoluto. Bem absoluto. Pai absoluto. > (22112/2003 1 0h06)
J ESUS E AS CAPITAIS
Jesus é Salvador
Jesus é Vitória
Jesus é Fortaleza
Jesus é Belém
Jesus é Natal
Palmas para Jesus
Pois Jesus é capital > (23/12/2003 1 0h02)
DEUS t REALIDADE
A realidade existe para baixar nossa bola. Só ela nos torna melhores. Não conheço casos de
alguém que tenha saído mais sábio de uma fantasia. > (29/12/2003 08h40)
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PU RAGOIABA puragoiaba.wunderblogs.com
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uma de cada vez, no máximo duas. Se forem as quatro juntas - e, pior, com Tarcísio Meira fazen
do cara de crise existencial -, você está vendo um filme do Walter Hugo Khouri. Mude de canal,
rápido.
4. Emprego intensivo da sonoplastia. Os sonoplastas das pornochanchadas, pessimamente remu
nerados, deviam ganhar comissões pela quantidade de efeitos sonoros que conseguissem incluir
num filme. O melhor exemplo disso é O Bem-Dotado - O Homem de Itu, em que se ouve um
"tóimmm" a cada vez que alguma moça confere os dotes do Nuno Leal Maia.
5. Anãozinho falando palavrão. Em Histórias que Nossas Babás Não Contavam, Adele Fátima,
que fazia a Branca das Neves, tinha como companhia alguns anõezinhos de boca suja; só uma
pornochanchada mostraria uma coisa dessas. Se não for anãozinho, mas sim o Paulo Cesar Pereio
dizendo "porra': muda tudo: você está diante de um filme de arte. Fuja correndo. > (29/06/2002
22h50)
•o post é anterior a Sobre Meninos e Lobos, mas não muda. São Clint Eastwood tem pelo menos um milagre comprovado para seu futuro
processo de canonização: fazer Kevin Bacon atuar bem (janeiro de 2004).
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economista diz que "a política de intervenções intrabanda será descontinuada': também se
expressa num dialeto do beregüê. Há a variante gerundista ("quem não fizer isso vai estar se
fodendo na minha mão") , a jurídica ("V. Exª, data maxima venia, não adentrou as entranhas
meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam hialinamente o
dano sofrido") e muitas outras.
Mas a língua do futuro, arrisco dizer, é o beregüê "cowboy" - sem gelo nem verbos. A lista das
manifestações culturais em beregüê - na literatura, na música, no jornalismo - é extensa e irre
produzível neste espaço, mas já produziu inegáveis obras-primas como "Obi': de Djavan ("Obi,
obi, obá/ Que nem zen, czar/ Shalom Jerusalém, z'oiseau"), e todas as letras de Carlinhos Brown
("Antigama recarregada sem ti/ Tive nua a sentença/ Anúncio que acabou em chiq"). Eis o glo
rioso porvir da nossa língua: ai ai ai de nós, como diria João Bosco (PhD em beregüê, aliás) . >
(26/0912002 21hl3)
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• Sim, é inacreditável que alguém sobreviva a um acidente de avião segurando um saquinho de pipoca. Mas, sem isso, não teríamos uma
CÚ
Não perceberam a genialidade da coisa? Ah, claro, vocês não têm as referências necessárias.
Então aqui vai a análise, para que vocês captem a multiplicidade de sentidos dessa maravilha.
1 ) Em português, palavras como "cu': monossílabo tônico terminado em U, não levam acento.
Sua inclusão, portanto, é uma transgressão da norma gramatical que visa ressaltar o aspecto
ideogrâmico do CÚ, com base na poesia de Pound e nos estudos de Fenollosa. Assim é que o
acento sobre a letra U assume caráter fálico e reproduz iconicamente uma penetração anal, fazen
do com que o poema possa ser lido como "pau no cu':
2) o próprio desenho das letras permite outras interpretações igualmente interessantes. o e
representa o sujeito - curvado-sobre-si-mesmo, alheio a tudo aquilo que não seja sua eterna con
templação narcísica. O U, por sua vez, é uma letra aberta para cima - imagem do sujeito ávido
pelo contato com o mundo exterior e buscando compensar a falta que, no entanto, o constitui,
como diria Jacques Lacan. É por essa abertura ínfima que o acento-pênis transgressor se intro
duz. Contra a natureza e contra as leis da gramática, o CÚ se afirma como sujeito subversivo,
P UR A G O I A B A 2 1 3
revolucionário e, sobretudo, baitola.
3) O poema também se inspira nos ready-mades de Marcel Duchamp. Assim como um mic
tório pode ser exposto num museu, também o CÚ, clássico grafito de banheiro, pode ser elevado
à categoria de poesia e questionar de maneira instigante (eu tinha que usar esse adjetivo) as fron
teiras entre arte e antiarte. Outra influência evidente é Mallarmé, com seu poema "Un Coup de
Dés Jamais n'Abolira Le Hasard": a palavra "coup': como vocês devem saber, pronuncia-se "cu", e
a poesia da modernidade jamais teria sido a mesma sem o "coup" do Mallarmé.
Vou ligar amanhã mesmo para Haroldo, Augusto ou Décio para exigir minha carteirinha de
sócio. E ai deles se não gostarem da minha obra-prima. Que enfiem o dedo nela e rasguem. >
(1 6/1 012002 1 8h38)
TESTES GOIABAIS
Advirto que o teste abaixo, com seu longo preâmbulo, é fictício e se refere a uma situação total
mente hipotética.
Imagine que você vive num país cujo presidente recém-eleito ama de paixão um ditador bar
budo, tanto que se dispõe a adiar sua posse para recebê-lo. Imagine, ainda, que esse presidente
decida não só adotar certas idéias do barbudão sexy como aperfeiçoá-las - por exemplo, limitan
do o consumo de papel higiênico a meio metro por pessoa, a cada seis meses. Só que você é um
cagão contra-revolucionário e não consegue disciplinar seus intestinos para que se mantenham
dentro desses generosos limites. Pergunto: o que você faz?
a) Limpa a bunda com o pasquim mais à mão (Folha, Estado, Globo, Granma, O Pasquim etc.),
sem se importar com o fato de que o jornal solta tinta e vai deixar seu derriere ainda mais sujo.
b) Limpa a bunda com pedra, porque você é macho pra caramba - e as pedras são duras, mas
no fundo nunca perdem a ternura.
c) Deixa tudo como está, porque bunda limpinha é frescura, convenção burguesa e/ou odiosa
imposição imperialista. > (1411 112002 20h40)
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ÓTIMA PROFISSÃO PARA A BARBIE
O divertido blog Uma Dama Não Comenta [ dama.blogspot.com] mencionou, há pouco tem
po, uma pesquisa que está sendo feita no site da Barbie. Há ali uma linha de bonecas com profis
sões. Até agora, foram lançados dois modelos dessa série: a Barbie médica e a Barbie professora
de artes. A enquete procura saber que outras profissões a boneca poderia ter: bibliotecária, poli
cial ou arquiteta. Pena que o site não ofereça outras opções, porque eu tive uma idéia: a Barbie
professora-de-filosofia. Ela deve ser bem mais gordinha que as outras, usar óculos e ter os cabe
los pretos completamente desgrenhados. Também vestirá só roupas largas, adornadas por uma
estrelinha vermelha, e terá sempre embaixo do braço livrinhos de filosofia e de receitas. Acho que
fará o maior sucesso entre meninos e meninas da USP e da PUC. Vocês não? > (2811 112002 lBhlO)
P U RA G O I A B A 2 1 5
se A Grande Cavalgada". "Um romance? Mas que beleza!'', disse o médico, surpreso. "De fato, acho
que você já está em condições de ser liberado. Mas gostaria que você me emprestasse esse livro -
estou curioso para lê-lo:' O louquinho deixou o romance com o diretor e foi-se embora. O médi
co abriu A Grande Cavalgada e começou a ler. Eram quinhentas páginas de "pocotópocotópo
cotópocotó".
2. A exegese
• Néscio Pugnetari (copyright de fdr.wunderblogs.com) : "Bem, essa piada está equivocada. Evi
dentemente, não se trata de um 'louquinho', e sim de um romancista de vanguarda - cujo traba
lho é, aliás, muito semelhante às Galáxias de Haroldo de Campos. Pode-se interpretar o diretor
do hospício como uma das tantas figuras míopes do establishment literário brasileiro, essa gente
que despreza as vanguardas e não reconhece a genialidade do concretismo. O 'louquinho' da
história, assim como Sousândrade, Pedro Kilkerry, Oswald de Andrade e nós, está comendo as
pedras da vitória. Difícil mesmo vai ser a hora de descomer."
• Michel Foucault: "Essa piada é mais uma prova da força criativa inerente aos comportamen
tos ditos loucos ou desviantes, tradicionalmente reprimida pela civilização ocidental. O discurso
do louco, que ressoa indefinidamente no vazio, encontra sua perfeita expressão literária num
'pocotó' obsessivo como o fluxo da consciência, tanto mais forte quanto mais censurado:'
• José Celso Martinez Corrêa: "A Grande Cavalgada é loucura, sim - a sagrada loucura do
teatro! É Artaud baixando em seu 'cavalo' no terreiro electrocandomblaiko! É o hospício trans
formado em ágora, com seu diretor convertido em Diónisos e despedaçado pelas bacantes! É ... é
uma orgya dionysíaca! ! ! "
• Aracy d e Almeida: "Olha aqui, meu filho, t u não tem graça nenhuma contando piada. Tua
anedota atravessa e desafina. Mas vou te dar quinhentas pratas, pelo tamanho da goiaba:'
• Galvão Bueno: "É, amigo. Isso é puragoiaba. Não tem piada fácil. É o limite extremo do bom
gosto!" > (0410212003 1 6h06)
2 1 6 W U N D E R B L O G S . C O M
"Meu bem, lá vem o guarda."
"Guarda."
2. A exegese
• Gerald Samthos: ''A piada é ma-ra-vi-lho-sa, minimalista, um verdadeiro exercício à moda de
Samuel Beckett. Vou encená-la como Godot 2 - A Chegada. Esse será o único diálogo entre Estra
gon e Vladimir - dois mendigos gays - nas quatro horas de duração da peça. Haverá um terceiro
personagem, o Guarda, que pode ser Godot, Deus, Nietzsche, Osama bin Laden, Hélio Oiticica
ou o próprio Beckett. Mas tenho certeza de que o público subdesenvolvido do Brasil não vai
entender lhufas:'
• Sigmund Freud: "Scheisse. Se eu conhecesse essa piada, não precisaria ter escrito O Mal-Estar
na Civilização. Bastaria explicar que o 'guarda' é, na verdade, nosso superego:'
• Noam Chomsky: ''A piada é uma claríssima metáfora do imperialismo norte-americano, que
se arroga o direito de agir como 'guarda' do mundo e oprimir todos os povos que não se ajustem
à sua política externa. Só não vê quem não quer:'
• Ary Toledo: ''A piada é minha, viu, seu sem-vergonha? Eu contava lá no Sílvio Santos e no meu
show Com a Corda Toda. E quem usar sem pagar royalties tem a mãe na zona."
• Baiano Meloso: "Essa piada é linda, um eclipse oculto, uma coisa odara. A primeira vez que
eu a ouvi foi na voz de Luiz Caldas; fiquei tão emocionado que chorei no colo de Bethânia. Faço
questão de gravá-la no meu próximo CD, para o qual estou musicando um lindíssimo discurso
de Antônio Carlos Magalhães." ,,... (05/02/2003 1 8h33)
P U R AG O I A B A 2 1 7
bastasse sua deficiência, a mulher-saci ainda é transformada em objeto, sempre pronta a servir
aos desejos do macho, amo e senhor. A 'saciá precisa se unir à mãe-d' água e à mula-sem-cabeça
para fazer valer os direitos do sexo feminino no folclore. Morte aos sacis sexistas."
• Rubens Ewald Filho: "A piada, infelizmente, deixa muito a desejar. Parece roteiro de porno
chanchada da década de 70. O texto não deixa claro, mas certamente o saci é David Cardoso, de
cuecas vermelhas, e a 'sacia' é intertrepada, digo, interpretada por Aldine Müller ou Helena Ra
mos. O som da piada também é péssimo. Só falta aparecer o Paulo César Pereio dizendo 'porra'."
· Luiz Mott: "Essa piada é homofóbica: a palavra 'sacia' nem existe em português com esse sig
nificado. Só podem ser dois sacis adeptos do amor que, antigamente, não ousava dizer o nome.
O saci, o curupira e o negrinho do pastoreio têm mais é que sair do armário e não se importar
com a hipocrisia da sociedade."
· Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum: "Tinha que ser uma piada de sacizis, só pra sa
canear com os pretis. Olhe, seu goiabis, o senhor vá pra putaquepariuzis."
• Nelson Rodrigues: ''Amigos, toda a tragédia, toda a desgraça da existência dos sacis é exata
mente esta: fazer muito sexo e nenhum amor. Nós somos esses sacis - pior que faltar uma perna,
ou as duas, é ser um impotente do sentimento. E, porque o somos, porque nossa alma é manca,
precisamos matar o amor. Muito melhor seria se esses sacis fizessem um pacto de morte, porque
não há nada tão doce quanto morrer com o ser amado:' > (08102/2003 13h39)
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ao banheiro e não dá descarga?" "Não é aqui. Dirija-se ao guichê 95-B, seção Q, subseção XYZ,
com as três vias do seu documento devidamente autenticadas. O primeiro imperialista americano
que estiver livre vai atendê-lo." "Benhê, vamos transar?" "Ah, hoje não, morzinho. Esse imperialis
mo americano me deu uma dor de cabeça que você nem queira saber." > (14102/2003 21h16)
Adendo: O Nelson d a Praia (praianelson.blogger.com.br] sugere que a butique também venda camisetas d e John Lênin. E e u acrescen
taria, nas costas, um bom slogan para os beberrões que se preocupam com a paz mundial: "Ali we are saying is give piss a chance'; o
refrão mais cantado nas fdas de banheiro em todo o mundo.
P U R AG O I A BA 2 1 9
HAROLDÃO, O PAPAI NOEL CONCRETISTA (fábula natalina extemporânea, mas altamente moral)
Passa das quatro da manhã. As crianças, antes ansiosas, estão francamente irritadas: nenhuma
movimentação na chaminé, nenhum presente dentro das meias, nenhum sinal da presença de
Papai Noel naquele cenário dos Waltons. Eis que John Boy e Mary Ellen ouvem barulhos
estranhos do lado de fora da casa. Vão averiguar e encontram um sujeito careca tocando cítara e
ele, Santa Claus, o bom velhinho, dizendo coisas como "e começo aqui e meço aqui este começo
e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço". John e Mary se aproximam dele.
- Você é mesmo o Papai Noel?
- Sim, amiguinhos. Ou não. Nãosim. Tudo nascemorrenasce, desmorre, desnasce.
- E cadê o trenó? As renas? Aquela risada "ho-ho-ho"? E os nossos presentes?
- Trenó, renas e "ho-ho-ho" são bobagens passadistas, coisas de Papais Noéis parnasianos.
Também troquei seus presentes convencionais por coisas mais vanguardistas. Que tal este poema
verbivocovisual? Ou este quebra-cabeças popcreto? Talvez vocês prefiram brincar de colidoues
capo ou vestir este lindo parangolé.
- Putz, que lixo. A gente não gostou de nada disso, não.
- Ah, meu santo Ezra Pound, que crianças mais enjoadinhas. Já sei ... tenho aqui um presente
que vocês vão adorar.
Abre seu saco e retira dele o último CD de Arnaldo Antunes. É imediatamente atacado pelas
crianças a socos, pontapés, mordidas e dedadas nos olhos. De nada adiantam seus gritos de
"socorro': "seus Gullarzinhos de merda" e "seus filhotes de Wilson Martins". Como o citarista deu
no pé, John Boy e Mary Ellen se apossam do instrumento e dão uma kabongada na nuca do Papai
Noel concretista. O acorde produzido é mi bemol.
Moral da história: Não acredite em nenhum Papai Noel que faça o seu saco ficar mais cheio que
o dele. > (30/04/2003 1 6h45)
A I NVENÇÃO DO SÉQUlÇO
Muitos autores de blogs acreditam ter descoberto uma coisa chamada séquiço, que não existia
antes que eles começassem a escrever e ninguém mais praticava em todo o planeta. Mas, numa
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rigorosa perspectiva histórica, não é bem assim. Na verdade, o séquiço foi inventado pelos liber
tários da década de 60 (são infundadas as suposições de que existisse algo parecido na Roma de
Heliogábalo ou na França de Restif de la Bretonne) . Antes disso, e especialmente em períodos
marcados pelo conservadorismo - Idade Média, Inglaterra vitoriana -, as pessoas se reproduziam
por divisão assexuada, como as planárias. Tristes épocas essas em que o prazer da furunfação era
desconhecido, não? Pobrezinhos. > (02107/2003 12h48)
P U R A G O I A B A 2 2 1
tanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua solidão sem se cansar. Uma manhã,
erguendo-se com a aurora, pôs-se em frente do sol e falou-lhe deste modo: 'Esta taça quer de novo
esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem'. Desceu sozinho das montanhas, sem encon
trar ninguém. Ao chegar aos bosques deparou-se, de repente, com uma caverna e a adentrou. Viu
um abajur cor de carne, um lençol azul, cortinas de seda e o corpo nu de uma bela mulher. Disse
consigo: 'Vais ter com mulheres? Não te esqueças do chicote!'. Porém o chicote de Zaratustra,
depois dos dez anos de solidão na montanha, não zurzia mais. Então ele compreendeu que não
há super-homem sem uma grande vontade de potência. Assim falou Zaratustra (só pra o vento,
só pra o vento) :' > (09/07/2003 1 6h09)
2 2 2 W U N D E R B LO G S . C O M
afinal, foi ele que inventou aquela história da "bananada de goiaba': certo? -, e este que vos
escreve. > (18107/2003 14h12)
P.S.: Só agora notei que "Cau Marques", escrito desse jeito, parece nome de vocalista do Chiclete com Banana ("eu canto e grito de novo:
paz nesse mundo e união . . . ê, ô, ê, ô, aiaiaiaiaiaaaaaai...") .
PARCERIAS IMPROVÁVEIS
• "Minha mulher só quer fazer negócio/ Pensa que eu sou sócio do FMI/ Pois toda noite, quan
do chego do escritório/ Pago o compulsório pra poder dormir:'
( Sílvio Santos e John Maynard Keynes)
• "Who would believe you were a beauty indeed/ When the days get shorter and the nights get
long/ Lie awake when the rain comes/ Nobody will know, when you're old/ When you're old,
nobody will know/ That you was a beauty, a sweet, sweet beauty/ A sweet, sweet beauty, but stone,
stone cold:'
(Mick Jagger e Pierre de Ronsard)
• "Lá vem o Chico Brito descendo o morro na mão do Peçanha/ É mais um processo, é mais
uma façanha/ Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte/ É valente no morro, dizem que
fuma uma erva do Norte [ ... ] A vida tem os seus reveses/ Diz sempre Chico, defendendo teses/ Se
o homem nasceu bom e bom não se conservou/ A culpa é da sociedade que o transformou."
(Wilson Batista, Marcelo D2 e Jean-Jacques Rousseau) > (2310712003 13h58)
P U R A G O I A B A 2 2 3
loiras peitudas. Afinal, para que serve um Estado incapaz de prover seus cidadãos desses itens de
cesta básica? Garota, eu vou pra Gotemburgo, viver a vida sobre os fiordes .. > (23/07/2003
.
20h37)
2 2 4 W U N O E R B LO G S . C O M
exercem plenamente sua cidadania, apesar dos risinhos de amigos e colegas. (Incluir aqui declara
ções testemunhais dos filhos de Pepeu Gomes e Baby do Brasil e uma breve entrevista com
Tospericargerja, a principal vítima da Copa de 70.) Contribua com a Fundação Wecsley e ajude
uma criança a ser feliz apesar do mau gosto hediondo de seus pais. > (09/08/2003 20h33)
P U RA G O I A B A 2 2 5
vérsia. Mostrar a bunda é uma atitude perfeitamente coerente com as idéias e o estilo argumen
tativo do diretor - e, se ele separasse as nádegas com as mãos, veríamos com clareza uma síntese
do seu teatro (lembrem-me, a propósito, de escrever aqui sobre o Calipígio, diálogo perdido de
Platão em que Sócrates demonstra a Crítias e Eutidemo a irrefutabilidade filosófica da exposição
bundai). O que é necessário, mas ninguém tem coragem de implementar, é uma polícia estética
com métodos pavlovianos. Mais ou menos assim: Gerald leva um choque elétrico sempre que
tenta tocar numa obra de Richard Wagner. José Celso Martinez Corrêa leva outro choque ao se
aproximar de Euclides da Cunha. E por aí vai. Posta em prática, essa idéia significaria o fim do
puragoiaba - só com as fotos que coloquei no blog, eu já teria sido eletrocutado* - e, sem dúvi
da, um bem para a humanidade. > (19108/2003 1 6h19)
•Este livro priva os leitores de uma prática do meu blog: em cima da "geladeira" dos arquivos, em vez de um pingüim, há sempre a foto
de alguma personalidade (Wando, Pedro de Lara etc.), que chamo de "pingüim cover''. Sorte de vocês (janeiro de 2004).
Como é difícil blogar no domingo. Percebi isso faz tempo, mas só atinei com a explicação
2 2 6 W U N O E R B LO G S . C O M
dépois de ouvir as palavras de infinita sabedoria do companheiro presidente. Sou um daqueles
"apressados" que enchem o bucho de maionese, o que explica minhas viagens na própria e a
baixíssima irrigação sanguínea do meu cérebro aos domingos: tudo desce para o estômago supra
mencionado. Apesar da comilança e diferentemente do que mr. da Silva supõe, sempre há espaço
para o coração de galinha, a picanha e até para aquela bananinha da sobremesa. Contudo, quan
do o rodízio é promovido pelo governo, o prato principal é sempre um peru na bunda - e, se você
recusar, eles ainda acham que é falta de educação para a cidadania. Como vovô Milton Friedman
já dizia, there's no such thing as a free barbecue. ;i;.. (2510812003 Olh38)
P U RA G O I A B A 2 2 7
um tapa na cara como ainda ouviu um "vá tomar no Kubrick" da mocetona indignada. Wim
Wenders e aprendenders: não é preciso ser nenhum Eisenstein para saber que um cinéfilo tarado
sempre se Ford. > (16109/2003 1 7h42)
2 2 8 W U N D E R B L O G S . C O M
nificado e você obterá a chave da felicidade':' O doutor Albernaz abriu o encarte do CD e me
mostrou uma das letras: "'Obi, obi, obá. Que nem zen, czar. Shalom Jerusalém, z'oiseau: O que é
isso?': > (25/09/2003 15h14)
P U RA G O I A B A 2 2 9
vai me fazer desistir do amor. > (26/09/2003 Olh30)
(Com a colaboração de Artur e Rómulo, leitores sem link, e de Camila [ eusoquisdizer.blogspot. com ] ) .
ANTROPOFAGOIABA
Sim, confesso que gosto de Oswald de Andrade, para o provável escândalo dos amigos e
moradores do puragoiaba. Porque, diante do Menotti Del Picchia, ele defendeu a criação de um
juizado de menottis. Porque chamou de chulé-de-apolo o poeta da geração de 45 que o classifi
cou como calcanhar-de-aquiles do Modernismo. Porque explicou ao Antonio Candido que,
numa era de devoração universal, o grande problema da filosofia não era ontológico, e sim odon
tológico. Enfim, não tenho como deixar de reconhecer um parentesco espiritual nessa sortida
coleção de goiabices.
Admiro Oswald, sobretudo, porque ele inventou um personagem chamado Pinto Calçudo, que
é expulso do romance em que figura Serafim Ponte Grande depois de peidar. Foi o último sus
- -
piro do humanismo na literatura brasileira: bons tempos aqueles em que os escritores expul
savam de seus livros personagens que peidam. Pegue, por exemplo, um livro do Rubem Fonseca:
ali todos peidam, o tempo todo. Num primeiro momento, você pode pensar que é sobre sexo e
violência que ele escreve. Mas não: é sobre flatulência, pode acreditar. O cheiro de metano que se
desprende de cada parágrafo, de cada sentença, é insuportável. E quase toda a literatura brasileira
de hoje é um caso para gastrenterologistas.
Se Oswald era bom escritor? Não sei, talvez fosse péssimo. Mas aprecio aquele "a cidade de meu
bem está-se toda se lavando". E ele não tem quase nada a ver com o personagem criado primeiro
pelos concretinos e depois pelo Zé Celso: só o nome e o branco dos olhos têm alguma semelhan
ça. Antropófago morto não veste parangolé. > (0311 012003 02h42)
2 3 0 W U N D E R B LO G S . C O M
messo de anão em esportes olímpicos, gerando emprego e cidadania para milhares de pessoas
acima de 75 anos e/ou verticalmente prejudicadas. A restauração da monarquia e a conseqüente
elevação do homem mais sábio do Brasil, Clóvis Bornay, ao trono. A canonização de Jece Valadão.
> (1 411 0/2003 18h27)
P U RAG O J A B A 2 3 1
UM GOIABA NO PAREDÓN
Um dos meus textos favoritos do Cioran, "Lettre sur Quelques Impasses", tem uma passagem
que é mais ou menos assim: "Vous concevrez donc qu'un jour, au sortir d'un déjeuner littéraire,
j'entrevis l'urgence d'une Saint-Barthélemy des gens de lettres". Sim, o filósofo divertia-se imagi
nando um massacre semelhante ao da noite de São Bartolomeu, mas com os literatos no lugar
dos protestantes. Não me lembro de ninguém ter acusado Cioran, notoriamente incapaz de fazer
mal a uma mosca, de ser autoritário, sanguinário, defensor do assassinato dos coleguinhas etc.
Claro: quem sabia ler viu nessa frase um exagero proposital, humorístico.
Mas os tempos são outros. Não adianta argumentar com a inexistência de pretensões filosófi
cas de sua parte ou com a nanoaudiência dos blogs - ai de você se ousar fazer uma brincadeira
semelhante, seu opressor. E o pior é que, no ato de escrever, isso se transforma em autocensura.
Há pouco tempo, pensei em pôr aqui uma frase do tipo "o que urge fazer: enforcar o último con
cretino nas tripas do último tropicalista". Mas me contive. Imaginei ambos os grupos me levan
do ao paredón e Décio Pignatari, de farda, empunhando o fuzil e me condenando a um castigo
pior que a morte: "Cante 'Eclipse Oculto' para a gente ouvir. Sim, senhor, tem que rebolar. E não
se esqueça dos gritinhos". > (1 711 012003 13h39)
DIG-DIG-DIG-DIG
É impressionante. Assim como todos os contos e romances do Rubem Fonseca têm por assun
to o ato de peidar, rigorosamente todos os grupos de roque brasileiro dos anos 90 para cá só falam
de maconha. Tudo se resume a "ficar sonhando depois de acordar': "liberdade pra dentro da
cabeçà: "ervas que amenizam a pressão" e "eu já falei que tá na mente"; mesmo quando você
pensa que eles estão falando de séquiço, o assunto principal é sempre ganja - ou "gan-djah': como
diria o Marcelo D2. E todos eles acham, é claro, que estão sendo revolucionários ("revolução",
aqui, é sinônimo de "minha mãe não vai gostar") . Admito que a coisa toda dá barato só de ouvir.
Mas bem que eles podiam mudar .de droga de vez em quando - de preferência para uma que
matasse de overdose bem rapidinho. O pessoal aqui é tão subdesenvolvido que nem sabe morrer
como os verdadeiros rockstars. :f., povinho bunda. > (3111 012003 l l h05)
2 3 2 W U N D E R B L O G S . C O M
TEM TARADO PRA TU DO NESTE M U N DO
Atendendo mais uma vez a recomendações médicas, estive fora de São Paulo e não li jornais
nos últimos três dias. De volta à terra da chuva ácida, vejo no blog da Cam Seslaf [malgardee.
blogspot.com] que o "Painel do Leitor" da Falha de ontem publicou uma carta de um sujeito
sobre o Ralouim. O cara, seguramente uma vítima de possessão aldorebeloníaca, escreveu a sério
aquilo que eu escrevi de brincadeira por aqui: combatamos a dominação cultural, que se danem
os mitos imperialistas, viva o saci, a iara, o curupira etc. (Parêntese para a segurança dos meus
leitores: nunca, mas nunca mesmo, fiquem na mesma sala com alguém que escreve cartas para as
seções de leitores dos jornais sem ter um spray de pimenta à mão. É sério.)
O que mais me chamou a atenção, contudo, foi o nome da associação a que o missivista per
tence: Sociedade dos Observadores de Saci. Este mundo está perdido. Vejam bem: não é uma
Sociedade Protetora dos Sacis, nem uma Sociedade dos Criadores de Saci, nem mesmo uma
Associação dos Amigos e Moradores do Saci. São observadores em bom português, voyeurs.
-
Aquela piada da "sacia" que fica de três para o saci não é, portanto, piada, mas verdade: os inte
grantes da associação já viram isso e muito mais. Seu hobby é espancar macacos enquanto assis
tem a fenomenais surubas sacízicas em matinhos privês.
Não nego, porém, que esses pervertidos abrem um maravilhoso filão para o cinema pornô
nacional, também vítima dos ataques do imperialismo (fora, Buttman; queremos o Homem
Rabo ). Sexo, broa de milho e folclore: o negócio é misturar Câmara Cascudo com a rua Aurora.
Prevejo, desde já, a ascensão do saci Jão Simão, o John C. Holmes culturalmente correto. Eis um
possível diálogo de um dos seus filmes: "Jão Simão, você tem as duas pernas! Não é um saci de
verdade:"'Meu bem, isto não é uma perna." "Uaaaaau .. " >- (0411 112003 15h31)
.
P U RA G O I A B A 2 3 3
Será que ele é mallarmado
Será que ele é Bodelér
Rambô diz que ele é transviado
Mas isso eu não sei se ele é
(Repita os dois últimos versos várias vezes, mudando apenas os nomes: "trepa, Augusto, siri tá
no Pound': "trepa, Décio, siri tá no Pound': "trepa, Antunes, siri tá no Pound" e assim sucessiva
mente.)
2 3 4 W U N D E R B L O G S . C O M
PETIT JEAN TRENTE E O ANCI EN RÉG I M E
Meu caro Bruno Garschagen [vertigem.blogspot.com] , num ótimo post, explicita seu horror ao
Carnaval. Com isso, ele se inscreve na tradição jacobina - afinal, como se sabe, o objetivo da
Revolução Francesa era acabar com o baticum da nobreza. Os carnavalescos, por exemplo, surgi
ram no Ancien Régime e eram responsáveis pelas roupas, alegorias e adereços do Palácio de
Versalhes. Diz-se que Luís XVI empregava uns seiscentos, todos com a boca torta (inclusive um
antepassado do Clóvis Bornay, que foi dos poucos a escapar da guilhotina) . Fontes fidedignas
asseguram, ainda, que aquela iniciativa de mudar o calendário e chamar os meses de Brumário,
Messidor, Frutidor etc. foi para que os foliões não soubessem mais quando era fevereiro e
parassem de pentelhar a nação com essa história de Carnaval.
Não adiantou nada. O populacho, que gostava de luxo (nas palavras atribuídas a Petit Jean
Trente) , continuou cantando "A Cabeleira do Danton" ("corta a cabeça dele, uh-uh, corta a cabeça
dele") e entoando o grito de guerra "ê-ô, ê-ô, Robespierre é o Terror': E, como prova o quadro A
Liberdade Conduzindo o Povo, do Delacroix, porta-estandartes com os peitos à mostra continua
ram desfilando pelas ruas de Paris. De lá pra cá, é certo, só piorou: naquele tempo, pelo menos,
não existiam carros alegóricos com o Miguel Falabella em cima gritando "le jour de gloire est
arrivé!': > (1411 1/2003 J5h03)
P U RA G O I A B A 2 3 5
mente divertidas. O Brasil é um bom lugar para contrair uma infinidade de doenças, rebolar e
achar que é tudo lindo. O Brasil é um bom lugar para gente burra ser feliz (ou não). O Brasil é
um bom lugar para não ter dentes ou, em possuindo bons dentes, não ter educação, respeito, cul
tura, neurônios. O Brasil é um bom lugar para que filhos da puta se dêem bem e gente honesta
se estrepe de verde-e-amarelo. O Brasil é um bom lugar para produzir putas for export e péssima
literatura idem. O Brasil é um bom lugar. > (2511 1/2003 1 7h39)
HAICAIS GOIABAIS
Poetas em bando
enchem livros com haicais:
2 3 6 W U N O E R B L O G S . C O M
três versos sobrando.
Concretinos são
um ninho de mafagafos
com pós-graduação.
Moderna proposta:
filosofal, a arte faz
merda virar bosta.
Sejamos honestos:
ser brega é nosso destino
sempre manifesto.
(D 'apres Millôr, Matsuo Bananeira e Paulo Lemingue, poeta míope que se distraiu com um tro
cadilho e haicaiu no mar. Orai por ele.) > (28/1 112003 1 8h42)
P U RAG O I A BA 2 3 7
RADAMANTO radamanto.wunderblogs.com
2 3 8 W U N D E R B LO G S . C O M
William Blake, que devia habitar uns dezoito universos, sempre quis parecer profundo escreven
do coisas do tipo:
"A luxúria do bode é a bondade de Deus:'
"Aquele cujo rosto não se ilumina jamais há de ser uma estrela:'
"A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria."
Para bom psicanalista, meia frase ambígua basta, o que explica o sucesso de certos autores.
Quando eu perder os últimos preceitos morais que regem minha porca existência, farei sucesso
com frases do tipo:
"O bom alimento é aquele que conversa com demônios."
"O ócio do jegue é a glória de Deus."
''Age com parcimônia no domingo, logo após as 2h40, e entre aqueles que gritam bingo."
''A gula é a inveja da avareza:'
''A ira é a mentira da luxúria."
"Água que tem chorume, urubu pisa de manso."
Acredito que há grandes possibilidades de sucesso comercial. > (18104/2002 03h26)
R A D A M A N T O 2 3 9
Quanto a Hesíodo, ora, o diabo do homem era um pastor! Devia ter um sotaque caipira hor
roroso e nem quero imaginar o que fazia com as cabritas no sopé do monte Hélicon (que depois
fantasiava serem musas) . Afora que devia ter o irritante costume de responder a todas as per
guntas "desde o início''. Exemplo grátis:
Alguém: - Ô, Hesíodo, como foi que tu fez esse machucado aí?
Hesíodo: - Óia, é o siguinte, no iniço tinha o Caos, a Noite e o negro Érebo. Daí fez-se a Terra
e blá, blá, blá . . .
Até o homem acabar d e contar a história, neguinho j á teria fugido fa z tempo.
Além de tudo, o tal roceiro autor da mais famosa teogonia grega tinha a mania de encher o saco
do irmão, um sujeito briguento que vivia às turras com a galera da região (penso que ele escreveu
Os Trabalhos e os Dias só pra dar lição de moral no irmão) .
Como até hoje ninguém restabeleceu a identidade histórica dos dois aedos, mantenho firme mi
nha opinião. Pode ser meio corta-barato mas acho que é a menos fantasista. > (2210412002 05h01)
ENCYCLOPAEDIA PH I LOSOPHICAE
Diógenes, o Cão: Pai do humor inglês, protagonista de cenas hilárias como a história do bípede
de Platão, do encontro com Alexandre e da tirada da lanterninha. Conta-se que morava num bar
ril ( prenunciando Chaves).
Predecessor de Thoreau, dos hippies ( não tomava banho) e do Monty Python, foi muito mal
visto pela filosofia séria ( para não causar tentação) .
Apesar das opiniões e m contrário, sua escola fez muito sucesso e ainda mantém vários seguidores.
Verbetes relacionados: Winston Churchill, Palhaço Carequinha, naturismo, tangram. > (27/04/
2002 04h28)
2 4 0 W U NDER B L O G S . C O M
ENCYCLOPAEDIA PHILOSOPHICAE
Platonismo: Escola filosófica baseada na espeleologia e que teve bastante sucesso no mundo
cristão (provavelmente pela necessidade destes em explorar catacumbas). Platão, seu fundador,
além de explorar cavernas era famoso por participar de lautos banquetes em que se falava de
coisas como "amor uranista" (eu, hein?! ) e por ter sido discípulo de Sócrates. Este último, como
se sabe, foi fundador da Democracia Corinthiana apesar de viver em Atenas, a 1 00 km de Corinto.
Verbetes relacionados: Plauto, Plotino, Pluto, Plotter. > (28/04/2002 02h01)
RADAMAN TO 2 4 1
O vírus vem anexo a uma mensagem com o título "Don't open".
Se você receber uma mensagem com o título "Don't open': tire imediatamente as mãos do
teclado e/ou mouse e vá se afastando lentamente do computador. Se você estiver descalço, pro
cure isolar-se do contato com o solo. A partir de cinco metros de distância da CPU, você já pode
começar a correr (procedimento indicado) . A seguir, procure alertar o mais rapidamente possí
vel as autoridades.
Repasse esta mensagem a todas as pessoas da sua lista de e-mails. > (01105/2002 03h29)
2 4 2 W U N D E R B L O G S . C O M
impressa na cara de quem ouve a boa nova.
Ah, vão catar coquinho!
Para minha sorte, não acredito em genes (assim como não acredito em átomos) . Se quiserem
me pegar, da próxima vez vão ter que fazer melhor. > (1 5105/2002 04h55)
Inventei um cúmulo. Tipo cúmulo do ridículo ou cúmulo da aflição (escorregar num tobogã de
gilete e cair numa piscina de álcool) .
É o cúmulo da sacanagem.
Meu cúmulo é o seguinte:
"Jogar um tubinho de Eparema para o Prometeu:'
Você pode não achar engraçado mas eu acho. > (06/06/2002 02h42)
BORGES l i
O s seres humanos s e dividem em: risonhos, capazes de passar sem cigarros, altaneiros, que
cuidam de jardins, mortos, que acabaram de chegar em casa, separados por longas distâncias, que
estão escrevendo uma carta, animais, atingidos por um projétil durante uma batalha, desconfia
dos, mais altos que os demais, transtornados por visões. > (20108/2002 04h21)
Rita Lee faz campanha para proibir os rodeios. Acha uma crueldade. Vou começar uma cam
panha para proibir Rita Lee ou, pelo menos, para incentivá-la a usar drogas novamente. Deve ser
legal endossar uma campanha. Coisas como "adote um cisne': "morra fazendo beicinho" ou "pela
ética na pintura abstrata" são campanhas que me deixariam feliz. Dizem que ética é quando a
gente faz as coisas não com medo de apanhar, mas pela adesão metafísica ao bem. Acho ética um
negócio mais simples: é uma campanha do PT e é uma disciplina que dão nas faculdades. Passei
em ética (com cinco bola, é verdade, mas passei) . Ergo, sou ético.
Ético, bem apessoado, estatura mediana, procura maniqueísta loira para fazer coisas. >
(24/08/2002 02h41)
RADAMANTO 2 4 3
SEIS PROPOSTAS PARA O NOVO MIL�NIO
1 ) Substituir as novelas por filmes pornográficos.
2) Adotar a tortada na cara como punição legal.
3) Liberar o uso de Paulo Maluf.
4) Mudar o regime para teocracia parlamentar.
5) Liberar e incentivar o uso da hipnose na propaganda eleitoral.
6) Ensinar as crianças a montar bem a cavalo, manejar o arco e nunca mentir.
E mais estas:
1 ) Adaptar todos os diálogos do Platão para o teatro e tornar sua encenação obrigatória no pré
primário.
2) Destinar 40% do orçamento público a "ações que promovam a gandaia, a baderna e a farra
generalizada':
3) Tornar o trabalho moralmente reprovável.
4) Adotar o palmômetro como critério de desempate em decisões judiciais controvertidas.
5) Imediata anexação do Brasil ao Paraguai.
6) Substituir os gritos de "bravo!" por "massa! ': "louco!" ou "irado!': > (25/08/2002 03h26)
CIVITATE DEI
Fui assistir Cidade de Deus. Honestamente, achei o filme pouco fiel ao livro. Faz muito tempo que
eu li, mas não me lembro do Sto. Agostinho falar em favela ou Zé Pequeno no livro. Vai ver é uma
interpretação livre da obra, uma "transcriação poética': como diz o outro. Sei lá... > (16109/2002 04h54)
2 4 4 W U N D E R B L O G S . C O M
Outro dia, em momento romântico, disse o seguinte:
- Daria minha vida por você.
A resposta, depois de alguma hesitação:
- Bem, eu acho que te doaria um rim ... Isso se você precisasse muito, claro.
Se vais ter com as mulheres, não te esqueças do chicote e das roupas de couro. > (08/1 0/2002
Ol h59)
Certa feita, durante meu primeiro colegial, a professora mandou que fizéssemos uma redação
sobre a vida de algum profissional. Podia ser qualquer um: advogado, engenheiro, botequineiro,
domador de pulgas etc. Escolhi como tema "a vida do porteiro de prédio': Entreguei a redação
todo feliz, achando que estaria fazendo grande palhaçada descrevendo uma vida tão idiota. Um
amigo meu, que devido à beleza atendia pelo apelido de Frankenstein, passou por mim com sua
redação em direção à mesa da professora. O Frankenstein era bem palhaço e zoeira, mas tinha o
hábito desagradável de ser bastante burro. Fiquei pensando sobre o que teria escrito Frankenstein ...
Não resisti e o interpelei:
- Ô, Frank, deixa ver o que tu escreveu aí?
- Tó.
Peguei o papel meio sem esperança, achando que ia encontrar algo sobre a vida do vidraceiro,
já que o pai do Frank era vidraceiro e ele o ajudava no serviço. Mas qual não foi minha surpresa!
Bati o olho no título e já comecei a rir a camisas mal passadas. O tema era o seguinte: "a vida do
gladiador romano". Lembro-me de que a redação começava assim:
"Todo dia ele acorda e vai afiar seus instrumentos de morte. É uma profissão para poucos, pois
requer astúcia, coragem, perícia ... Ele diverte as multidões mas desafia o próprio destino quando
está de serviço [ ... ]".
E seguia-se uma série de considerações profundas e emocionadas sobre a vida do gladiador.
Me senti bastante burro diante daquele primor de originalidade. Jamais olhei o Frank com os
mesmos olhos. Era um gênio! > (08/10/2002 03h01)
RAOAMAN TO 2 4 5
FOLCLORE, MAIS FOLK DO QU E LORE
O Brasil provavelmente tem as lendas mais idiotas do mundo. Dentre as mais populares, con
tamos:
I) Um primata negro, monópode, de baixa estatura, vestido de barrete frígio vermelho e short
Adidas; e ainda por cima tabagista. O que ele faz? Assobia alto e trança crina de cavalo. Nem o
Monty Python faria melhor.
II) Mulher que, após copular com sacerdote, transforma-se num eqüino fêmea, híbrido
interespecífico, constituído apenas de tronco e membros. O que ela faz? Corre à noite.
III) Um membro inferior humano voador, hipertricótico. O que faz? Chuta as pessoas à toa, às
vezes até matar.
IV) Um humanóide de cabelos avermelhados, com os pés virados para trás, habitante das flo
restas. O que faz? Confunde caçadores. Para quê? A toa.
V) Um mamífero aquático que se transforma em homem para "fazer coisas" com jovens vir
gens indefesas. Quando na forma humana, apresenta-se com seu indefectível chapéu. O que faz?
Já disse.
VI) Uma serpente, provavelmente do gênero Boa, que solta fogo pelos olhos e devora pessoas.
As vezes, pode transformar-se em canoa (me pergunto pra quê). > (09/1 0/2002 04h25)
2 4 6 W U N D E R B L O G S . C O M
um rojão. Não sei como é no resto do país, mas por estes rincões nunca vi álamo em alameda. De
qualquer forma, é um logradouro bonitinho. > (18110/2002 03h28)
MAO MARX
Me disseram que se as coisas andarem como muita gente quer, lá por 2005 habitaremos uma
terra estranha e deserta.
Onde hoje está o prédio do Congresso Nacional será instalada a Cúpula do Trovão. De lá, Elza
Soares comandará shows de gladiadores, entre estes figurando o poderoso Master Blaster (um ser
simbiótico formado por Delfim Netto e Heloísa Helena).
Os brasileiros combaterão para dominar os últimos reservatórios de feijoada, agrupando-se em
gangues perpetuamente em disputa, e será o caos.
Mas não sei se tudo isso é verdade, quem me contou não merece confiança. > (2211 0/2002 02h55)
Outro dia uma entrevistadora veio me perguntar sobre o que eu achava de cidadania.
Desci as calças e mostrei-lhe o Anderson.
"Ceei n'est pas une pipe", ela exclamou levando a mãozinha à boca, blush.
"Mas até que é uma referência': completei com olhar gaiato.
Como a situação não se resolvia e um guarda municipal se aproximava, tentei adiantar o assunto.
"E aí? No more questions, fofa?"
"Ah, não. A próxima era sobre ética e acho que aqui não é lugar pra você responder."
Nemo Radamanthus impune interrogatio. > (3111 012002 05h03)
MORALISMO IS COOL
Alguém, penso que foi Bocage, disse que "o castigo do vício é o próprio vício e o prêmio da vir
tude é a própria virtude". Os antigos praticavam o bem não para ascender ao Paraíso, mas porque
reconheciam no bem um fim em si. Acredito que esta é uma visão mais acertada que a daqueles
que buscam ter sua virtude recompensada no outro mundo, isto tanto porque está mais de acordo
com a razão como porque é mais fácil aderir ao bem quem dele espera se beneficiar prontamente.
R A D A M A NTO 2 4 7
Nunca tive a pretensão de extinguir todos os meus vícios, sei que sou fraco demais para levar a
cabo tal projeto que, ademais, me parece absurdo. Prefiro concentrar-me em tentar extinguir
apenas alguns deles, principalmente aqueles que, "como o salgueiro, lançam sementes por todo o
derredor, alastrando-se como praga e tomando para si tudo quanto podem alcançar': Penso que
quem consegue abafar sua vaidade já fez por si mais do que pode esperar fazer pelo resto da vida,
pois se há um mal capaz de agitar nossas vilezas a ponto de nos rebaixar ao nível dos porcos, este
mal é a vaidade. Assim como de nada adiantava a Hércules ocupar-se das cabeças laterais da
Hidra, tendo que extinguir a do meio para que as demais parassem de brotar incessantemente,
assim deve proceder consigo quem intenta livrar-se dos vermes que lhe corroem o espírito.
Primeiro, ataquemos a vaidade, pois somente quando esta estiver sob nosso domínio, poderemos
verdadeiramente tomar posse de nosso espírito. > (0511 1/2002 02h05)
P.S.: Não faço a menor idéia de como se reproduz um salgueiro. Aliás, eu nunca nem vi um salgueiro.
"Espera um pouco, vai ver eu consigo tirar ele de lá. Já é a décima vez que ele faz isso e tem vez
que eu venço ele pelo cansaço. Desce daí, criatura!"
"Morte! Morte a todos os infiéis! "
"O que ele é ? Crente, judeu, aquelas coisas de Bin Laden?" - o policial.
"Nada. Ele não é nada. É um palhaço, isso sim. Já ficou aí em cima gritando 'ajoelhem-se, ple
beus', 'o fim está próximo' e 'a verdade está lá fora'. É um palhaço, cada vez inventa uma:'
"Olha, dona: palhaço ou não a gente não tem o dia inteiro."
"Espera que eu dou um jeito. Osvaldo! Desce daí, criatura de Deus! Você tá fazendo eu e tua filha
P3:Ssar vergonha na frente do bairro inteiro. O polícia falou que vai dar tiro de calmante em você."
"Morte aos infiéis! Que morram todos!"
"Osvaldo, desgraçado! Eu não te tiro mais do hospício, traste! Olha: eu cansei! Cansei!"
2 4 8 W U N D E R B L O G S . C O M
"Dona, vai ter que ser tiro de tranqüilizante."
"Tudo bem, tudo bem. Eu só peço uma coisa."
"O quê?"
"Eu quero eu dar o tiro."
O policial olha para o sargento, que assente com a cabeça. Entrega a arma para a mulher, que a
maneja com surpreendente destreza. Antes de atirar ela pergunta, mordendo os lábios e fazendo
mira:
"Pode ser na cabeça, né?" > (07/1 1/2002 02h41)
RADAMAN TO 2 4 9
Ótimo.
Não bebo água, não bebo nada com menos de quatro gay-lussacs. E quem quer trabalhar, afi
nal? > (0311212002 Ol h25)
APOCALIPSE
Dia desses estava em casa assistindo Maria - Mãe de Jesus, filme que trata de Maria, mãe de
Jesus. Estava com o coração fofo e cristão nesse dia, de formas que acabei me emocionando muito
com o filme. Olha, eu fico meio constrangido de dizer, mas na verdade eu fiquei chorando em
vários momentos do filme, de puro cristianismo.
Bem, daí que eu tava lá enxugando as lágrimas, tinha entrado o intervalo comercial, e eis que
toca a campainha. Saio para ver quem é - coisa bem rara, aliás. Era um mendigo (ou pedinte,
como o pessoal diz por aqui) . O mendigo:
- Oi, fio. Você não tem nada pra me dar aí, não? Uma comida, um dinheiro, uma roupa ... qual
quer coisa serve.
- Não. Não tem nada aqui, não ( em geral, dou as coisas, mas tinha acabado de chorar e não
queria ninguém me incomodando ) .
- Não tem nem uma moedinha?
- Não, já falei que não.
Virei as costas e fui voltando pra dentro de casa. Dei três passos e caiu a ficha: "Deus, e se for o
Cristo? ! Pode muito bem ser uma provação. O pessoal lá de cima viu minhas lágrimas de
comoção cristã e quis me dar uma chance de reabilitação, então mandaram o Cristo vestido de
mendigo pra pôr minha caridade à prova': Voltei correndo na direção do portão, o mendigo já
tinha saído da frente de casa.
- Ou! Ou! Vem cá! Volta aqui!
- Quê?
- Peraí que vou te pegar uns bagulho.
Fui pra dentro de casa e não tinha comida. Roupa, então, nem pensar. Vai ter que ser dinheiro,
pensei. Corri até minha carteira e peguei umas moedas. Já me dirigia pra fora, pra entregar o
2 5 0 W U N D E R B LO G S . C O M
dinheiro ao mendigo, quando a voz da consciência me atacou de novo: "Idiota, pode ser o Cristo!
Você vai dar 35 centavos pro Cristo?! Vai ofender a divindade, sovina!': É mesmo, pensei. Voltei à
carteira decidido a dar tudo que eu tivesse. Tomara que não tivesse muita coisa, pensava, e a con
sciência atacava: "Você está ridicando dinheiro pro Cristo, homem de pouca fé?! É assim que você
quer ser readmitido no reino dos céus, mão-de-vaca?!". Tá bom, tomara que tenha muito, e só não
vou ao banco pegar mais dinheiro porque faz parte de minha reabilitação terminar de assistir ao
filme, Deus sabe.
O mendigo não acreditou na grana que eu dei pra ele. Ficou me olhando um tempo, entre atur
dido e desconfiado. "Deus te abençoe': ele disse. "No mínimo isso': respondi mentalmente. E
voltei a minha sessão pipoca-carola me sentindo tão caridoso quanto o mais santo dos apóstolos.
> (03/12/2002 02h59)
PEGN
Andei tendo umas idéias pra ganhar uns trocos aí.
A mais bizarra delas parece-me sem dúvida a que tem mais chances de sucesso.
Pensei em instalar em Aparecida do Norte um pesqueiro de Nossas Senhoras. Basta fazer uma
represinha artificial e encher de imagens de Nossa Senhora da Aparecida.
Já imagino os outdoors: "Sinta a emoção dos pescadores que encontraram a imagem. Reviva
um momento mágico da história da fé nacional".
As imagens virão decapitadas e haverá também as cabeças para se pescar, como na história do
resgate da imagem original. Poder-se-á ainda fazer algumas promoções com distribuição de
brindes. Por exemplo: se o sujeito lançar a rede uma vez e pegar o corpo da imagem, lançar a rede
uma segunda vez e conseguir a cabeça, e se a cabeça se ajustar perfeitamente ao corpo, ele ganha
um prêmio (claro que a chance de achar uma cabeça que se ajuste perfeitamente ao corpo será
muito, muito pequena) .
Agora, como não tenho tostão, preciso d e alguém que s e interesse pela idéia e banque o capi
tal. Se algum rico estiver me lendo, favor entrar em contato. > (1 1112/2002 03h31)
R A D A M A N TO 2 5 1
Vejo agora no Telecurso 2° Grau que a água mata 25 milhões de pessoas por ano (contaminação).
Água, como dizia meu avô, é pra passarinho.
A aula é sobre recursos renováveis.
Recurso renovável é buceta, como diz meu tio Cido (perdoem a má palavra, mas só faço citação
literal e meu tio é dessas pessoas vulgares que utilizam a má palavra com uma freqüência indecente).
Acho que já assisti a todas a s aulas do Telecurso 2° Grau e d o Telecurso Profissionalizante. São óti
mos programas. Respondo mentalmente a todos os exercícios propostos, não posso evitar. É como
quando eu assistia Rá-tim-bum aos dezesseis anos de idade e não conseguia evitar de responder ao
Enigma da Esfinge (aquele quadro em que aparecia um cara vestido de Esfinge fazendo perguntas
como "qual dessas figuras é um círculo?" ou "qual dessas figuras não é um animal?").
Mais legal que Telecurso, só aquele programa de pedagogas (acho que o nome é Um Salto para
o Futuro). Eu simplesmente rolo de rir. O programa é "interativo" e há "links" com escolas de várias
regiões. De vez em quando as pedagogas respondem a perguntas "vindas de todo o país", feitas
por telefone (essa é a moderna "interatividade" do programa; sinceramente, eu preferia que as
pessoas pudessem abrir um alçapão debaixo das pedagogas através de um comando pela internet).
O legal das perguntas por telefone é que as pessoas sempre se apresentam antes de perguntar, e
todos adotam uma fala mecânica e pausada muito engraçada. "Meu nome é Rosimeire de Assis
Pacheco Lima. Sou professora da Escola Estadual Pedro de Lara, de Xerém Novo, Pará. Gostaria
de saber como apresentar propostas educativas que diminuam a exclusão social aqui na minha
escola:' Vocês acham a pergunta meio vaga e absurda? É porque ainda não viram as respostas.
Antes eu gravava tudo de absurdo que via na TV. Tenho fitas e fitas de "missas do ranca-toco':
"fala que eu te escuto': programas de colunismo social regionais, programas sertanejos regionais
etc. Como a atividade estava ficando muito dispendiosa, parei com o vício. Acabei, inclusive, gra
vando por cima de várias fitas, mas ainda tenho um acervo considerável.
E depois falam mal da TV brasileira! Certamente é porque não sabem garimpar o que há de
bom na programação. :> (1 7/1212002 04h25)
2 5 2 W U N D E R B L O G S . C O M
REMIN ISC�NCIAS
Ensinando-me os hábitos de higiene, mamãe dizia que se eu fosse pra cama sem escovar os
dentes, o Estado ia entrar na minha boca e roubar os restos de comida que. ficavam entre meus
dentes.
Depois o Estado ia distribuir a comida entre as crianças pobres, que mais tarde se vingariam de
mim por terem sido alimentadas com aqueles restos nojentos.
Certamente um dia vou repetir a história para meus filhos. > (26/12/2002 03h32)
SEIS, LADRÃO!
O truco é o maior dos esportes.
Jamais treinei um esporte com mais afinco, mesmo tendo uma estréia tardia.
Tem gente que acha écarté um grande jogo. E há os idiotas do pôquer (gente colonizada) .
Fui campeão brasileiro de truco (estudantil), e venci a semi-final de casal menor contra zap e
dois três.
Zap, aliás, é a onomatopéia mais bonita da língua.
Truco daria um bom filme:
Jogador profissional de truco anda de cidade em cidade, ganhando frangos embrulhados em
celofane e algum dinheiro com suas vitórias. Está sempre vestido à caráter, ou seja, de short adi
das, chinelo Havaianas e sem camisa. Sonha em fazer le grand tour, ganhando seguidamente os
campeonatos de Buritama, Barbosa, Catanduva, Tanabi e Pereira Barreto.
Em sua saga, nosso herói passa por várias aventuras. Se mete em brigas de boteco e escapa de
levar surras de fivela de peões brutamontes, sempre usando de seu maior artifício: a dissimulação.
Também planejo cenas quentes, como quando nosso herói, durante uma partida decisiva e
aproveitando para dar um sinal de zap, pisca para a namorada do maior facínora da cidade (o
filho do prefeito) e se envolve em grande confusão.
O filme deve abusar do jargão do truco, ta.nto durante os jogos como em belas metáforas ditas
pelos personagens ("Se a vida me truca, eu peço logo seis"; "O amor é como uma mão-de-ferro
jogada no escuro"; "Se aquela loira vier ne mim eu bato no monte e mando logo subir") .
R A D A M ANTO 2 5 3
O final do filme coincide com o clímax, na grande final em Pereira Barreto.
Trilha sonora: Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Milionário e José Rico,
Mário Zan, Teixeira e Teixeirinha. > (08/01/2003 04h48)
P.S.: O que entendo por truco é manilha nova, ponta-acima. Nada de manilha velha ou outras variantes mineiras pouco ortodoxas.
2 5 4 W U N O E RB LO G S . C O M
ABELARDO BARBOSA E HELO(SA HELENA
Desde Erundina que eu não via ninguém tão sexy.
Confesso que já tive sonhos sexuais com Heloísa, algo vago ambientado na arena do rodeio de
Barretos.
Editor da Playboy fosse, já tinha chamado Heloísa, a "Fera Ferida': Poses insinuantes com o
gordo do Bamerindus no papel de Marx. Pagava até viagem a Moscou: superprodução.
O brasileiro é monótono em seus fetiches, um inglês assistindo à troca da guarda tem pensa
mentos eróticos mais originais que qualquer Edir Macedo. ;:.... (06103/2003 03h26)
RADAMANTO 2 5 5
Eu não podia responder, estava paralisado pelo contato de sua pele. Era a primeira vez que
Palmira me tocava. A mistura do seu cheiro de maquiagem, talco e laquê me inebriava e fazia que
eu me concentrasse apenas nos sentidos. Seu toque, seu cheiro, a maneira vetusta como se movia
e aquele olhar escuro de quem atravessou décadas para estar ali, naquele momento. "É como uma
relíquia histórica': pensava. "Por esses olhos baços, oito décadas me contemplam."
Senti que minha anatomia respondia ao delicado toque de Palmira. Fiquei embaraçado, pen
sando que pudesse vir tudo por água abaixo por um descuido meu, uma intenção revelada antes
da hora.
- Não te esqueço, Palmira - disse tentando refrear o impulso que tomava conta de mim, como se
desviando a atenção dos sentidos pudesse diminuir meu desejo por aquele corpo miúdo e rugoso.
Cap. 4
Resolvi freqüentar o Clube da Terceira Idade a que Palmira tanto ia. Confesso que foi o ciúme
que me levou a tal decisão. A simples idéia de que outro pudesse atrair suas atenções me punha
em desespero. "Lá devem ser todos impotentes" - repetia para mim mesmo, tentando tran
qüilizar-me ante a perspectiva de um rival.
Dando-me motivos para levar a cabo uma atitude antes passional que correta, pensei que talvez
lá houvesse outras senhoras interessantes e que não seria de todo mau passar as tardes num
ambiente descontraído. Já fazia agora alguns meses que eu parara de freqüentar asilos e casas de
repouso, e a idéia de que poderia voltar à vida de prazeres fáceis e mecânicos me revoltava o
espírito. [ ... ]
Cap. 7
[ ... ]
Cantei um pequeno trecho de uma canção de Silvio Caldas que havia aprendido de propósito.
- Você canta bem - disse ela, olhando por cima dos óculos redondos e voltando os olhos nova-
mente para a meia que cerzia - além do quê, tem uma voz muito bonita.
Pensava que a ela agradaria antes o repertório que meus dons musicais. Resolvi investigar se
havia feito uma escolha errada.
- Gosta de Silvio Caldas?
2 5 6 W U N D E R B L O G S . C O M
- Um pouco. Prefiro Orlando Silva. Você conhece Orlando Silva?
- Sim, o "cantor das multidões" - disse triunfante.
Conhecia Orlando Silva dos tempos em que freqüentava o Retiro dos Artistas. Muitos ali relem-
bravam suas canções e cheguei a conhecer uma linda ex-corista que dizia ter sido sua amante. [ ... ]
Cap. 12
[ ... ]
Diante daquelas magníficas corredeiras, pensei em Deus. Que ventura havia me levado até
àquele momento sublime? Apertei as mãos de Palmira entre as minhas.
- Teus olhos são como essas corredeiras.
- Eu já te disse que não quero arriscar a cirurgia de catarata. Já vi muita gente ficar cega por
causa dessa cirurgia.
- Não é disso que eu falo, amor. O que eu vejo em teus olhos é como o jorrar dessas águas ines
gotáveis.
- Eu sei. É incontinência lacrimal. O doutor disse que não tem jeito e que pode mesmo fazer
bem aos olhos.
Entendi que não precisava ser compreendido para amá-la. Havia compreensão em mim por
nós dois.
Cap. 1 3
[. . .]
Após o tempo em que passamos em Foz de Iguaçu, rumamos para Maringá, pois Palmira sem
pre quisera conhecer o lugar. Realmente é um lugar muito aprazível, mas nada que se compare à
beleza das paisagens do interior de Goiás, que havíamos visitado na semana anterior.
- Desse jeito vamos parar no Piauí - gracejei com Palmira.
- Seu bobo - ela disse marota, abrindo os lábios murchos e estalando a dentadura com prazer.
Vê-la tão feliz me dava uma sensação de paz quase narcótica. Aquela mulher era minha, só
minha, e nada impediria que assim fosse para sempre. Beijei-a com sofreguidão. Ela me estreitou
entre os braços e correspondeu a meu ardor. Seu rosto escaveirado, cravado de sulcos harmo
niosos que lhe conferiam certo ar de jardim zen, era para mim a mais terna das visões.
RADAMANTO 2 5 7
Receoso de que nossos excessos poderiam lhe causar algum mal, interrompi nossos beijos e
carícias.
- Palmira, veja a pressão. Você já tomou o remédio hoje? E não nos esqueçamos que você ainda
não está recuperada da queda no banheiro.
- Ora, não pensemos nisso. Você parece um enfermeiro. Pois vou dar para tratá-lo como tal, vai
ver como é desagradável este seu costume.
- Desculpe, meu amor, não quis aborrecê-la.
- Tudo bem, quero apenas que não pense tanto em minha saúde, há tantas coisas melhores para
pensar.
Ah, Palmira... [ ... ] ::» (01104/2003 OShOO)
2 5 8 W U N D E R B L O G S . C O M
Esta pantera,
Foi tua companheira inseparável
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá.
AMEAÇA DE MORTE
A deselegância com que tentam me coagir me dói mais que a tentativa débil de atentado à
minha liberdade. Que queiram me proibir disso ou daquilo, sempre tomei como um carinho pro
fundo que as pessoas têm por mim. O governo, por exemplo, me adora. Trata-me com uma ter-
R A D A M A N TO 2 5 9
nura que às vezes até me entoja. Não passo perto de repartição pública sem que me perguntem
se eu estou precisando de alguma coisa: uma assistência, um afago, uma palavra amiga ...
Por atenciosos que todos são ao meu redor, sempre tentam impedir que eu caia em alguma en
rascada. Daí proibirem as coisas que poderiam me machucar, ou mesmo ferir meus sentimentos.
Muitas vezes, antes de dormir, imagino que o mundo é uma grande bola de ternura, cada um
amando mais que o outro e todos com um interesse especial em me ninar e velar pelo meu sono.
"Dorme, menino" - ouço a ONU me dizer, enroscando os dedos em meus. cabelos anelados. "Eu
protejo as matas, e os rios, e o uso de artefatos nucleares que poderiam atrapalhar teu sono ino
cente. Eu arbitro os conflitos internacionais que poderiam deixar-te coxo, mutilado, ou mesmo
vazado de um olho. Eu denuncio os que atentam contra a tua liberdade de expressão e também
aqueles que abrem buracos na camada de ozônio, querendo transformar tua pele suave numa
pururuca abjeta. Dorme, menino, que eu investirei furiosamente (através de boicotes, sanções,
maledicências e inspeções com aparelhos que apitam), que eu investirei furiosamente contra
aqueles que não te amam." Ah, é um sono repousante o meu.
Voltando à vaca fria, o que me dói é a deselegância dos que me amam. Em vez de um simples
"não faz isso, que Deus te fode': me ameaçam de câncer, AIDS, mutilação em acidente automo
bilístico, vício incurável seguido de deformação moral, crimes executados por excluídos, quedas
em fosso de elevador por falta de atenção.
Não me advertem, me ameaçam.
Menino ainda, lembro-me de que o bambolê virou febre na escola. Confesso que entrei na
perobagem, tornando-me praticante do bambolê. Nunca vi perigo algum no brinquedo, mas
havia uma "tia" mais sábia na escola que alertou a mim e aos demais que o insuspeito aro dava
câncer. Proibiram o bambolê na escola. Se quiséssemos continuar com aquela atividade poten
cialmente danosa, que o fizéssemos fora da escola. Era insuportável à direção que desenvolvêsse
mos câncer nas dependências da instituição, cortava-lhes o coração nos ver rebolando em direção
à morte.
Da mesma maneira, pelos anos seguintes, proibiram chiclete com tintura, afixar transfer na pele,
usar borracha com cheirinho... (já aquela merenda execrável que nos serviam, diziam fazer bem) .
2 6 0 W U N D E R B LO G S . C O M
Um dos casos mais patéticos que presenciei foi ver amigo meu ser mandado pra diretoria
porque estava cheirando cola na classe (era cola Tenaz).
Hoje vi tiozinho dizendo na TV que a prostituição tem que ser proibida porque dissemina a
AIDS. Deram valor ao argumento.
Olha, eu fiquei tão comovido ... Ainda bem que tem gente como o tiozinho para zelar pelo bem
estar da população. > (3110512003 04h26)
Assistindo TV outro dia com um amigo, espantávamo-nos juntos com os índices de desempre
go. Eu me espantava mais que ele, já que sou desempregado. Na verdade eu suava frio, e mordia
o lábio dramaticamente (procuro sentir o drama do desemprego o mais que posso, isso dá todo
um sentido à minha vida) .
Enquanto a apresentadora do telejornal narrava os índices de desemprego (como quem canta
pedras de bingo), meu amigo fez a seguinte observação:
- É tudo culpa desses desgraçados que fazem trabalho voluntário.
Senti um formigamento súbito, coisa que sempre me acontece quando ouço uma verdade.
Diante de observação tão fulminante, caí de quatro e pastei. Impossível superar aquela análise,
qualquer coisa que eu dissesse só estragaria o clima imposto pela frase, um clima solene, profun
do ("de igreja gótica", segundo Alexandre Herculano) .
Este meu amigo sempre m e espanta com suas verdades e a sutileza d e suas observações. Só
assisto televisão acompanhado dele, pois assim me desobrigo de pensar e deixo que ele seja
inteligente por mim (tenho uma preguiça mórbida de pensar) . Quando ele fala, só faço respon
der com um "é verdade, é verdade", e ficar besta, admirando-lhe o cérebro musculoso. O que
acontece é que quando nos juntamos para ver TY, é ele quem vê a TV; eu, na verdade, assisto a
ele, e apenas torço para que a TV dê a deixa para ele falar (coisa que nem precisaria fazer, já que
ele encontra deixas até em reclame do Wellaton). Já disse a ele: "Rapaz, as suas observações de
viam ser transmitidas em closed caption. O país ia virar do avesso em três dias': Modesto, me diz
apenas que eu estou exagerando, mas eu garanto ao leitor que não estou. > (16107/2003 05h00)
R A D A M ANTO 2 6 1
SAU DADE DO PRES I D E NTE FIG U E I REDO
deuscanino.wunderblogs.com
Mas, um dia vão me cobrar sobre os acontecimentos recentes. Direi algo como 'acontecimentos re
centes são idiotas'. o autor
-
O QU E AMAMOS NA POLÍTICA
Políticos nus, é tudo o que eu queria ver no debate político brasileiro.
E a manchete nos jornais:
"FHC toma banho"
Tão boa quanto:
"Lula e Suplicy almoçam em pizzaria" > (2310112002 1 8h00)
2 6 2 W U N D E R B L O G S . C O M
SERIA DEMAIS ABRI R NOVA IGREJA?
A Seita do Santo Jaime parece nova e promissora congregação de almas. O fiel deve baixar uma
foto autêntica de Jaime Palilo e guardá-la onde for melhor: na carteira, na tela do computador, na
calcinha. > (23/0112002 lBhOO)
NOMES DE COLU NA
Minha amiga chique me diz que Sai de Mim, Paulo Francis é um bom nome para este blog.
O leitor hipócrita pensaria que este blog se trata de Paulo Francis.
Talvez Sai de Mim, Grande Otelo seja mais ao gosto do público. > (23/01/2002 lBhOO)
QU ESTÕES SOCIAIS:
Me pararam no corredor para perguntar isto:
"Cada vez mais que você ouve a palavra 'social', você não pensa em gente que não toma banho?"
> (30/01/2002 lBhOO)
SAU D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 6 3
ECOLOGIA
Ecologia, aprendi no cinema, é um legume sujo.
Ecologia, afinal, é outro nome para repressão sexual.
Em coisas de sexo é assim, tudo é legume ou imundície. > (30/01/2002 JBhOO)
TV CRIANÇA
O adulto se distingue da criança por separar representação de realidade.
Sempre que me pego discutindo violência nas artes como problema moral, logo me pergunto
se estou ficando mais infantil. > (01102/2002 l BhOO)
2 6 4 W U N D E R B L O G S . C O M
3: o bilhete
Mais irônico que não deixar nenhuma nota é ser encontrado morto com um pedaço de papel
rabiscado com uma caneta que falhou ou com um bilhete de metrô na boca. Valeria a pena escre
ver um bilhete contando os problemas da vida, mas da vida de outra pessoa e assinar outro nome
também. Deixar um bilhete antigo de Mega Sena pode dar o que pensar.
4: para quem acha bilhete uma coisa brega
Alternativas ao bilhete:
Ser encontrado no banheiro com um bife ou uma sardinha no bolso.
Ser encontrado com dezenas de espigas de milho e um sonrisal.
Ser encontrado nu, no confessionário da igreja.
Ser encontrado nu e de cabeça para baixo no confessionário da igreja.
Ser encontrado vestido de palhaço ou de coelho da Páscoa.
5: dos preparativos
Imagine seus amigos descobrindo que uma semana antes da sua morte você havia encomen
dado duas centenas de empadinhas.
Ou entrado num crediário para comprar cinco barracas de camping.
Ou todo mundo percebendo que você havia pedido dinheiro emprestado (que obviamente
você queimou antes de se matar) .
Ou as pessoas se lembrarem de que pouco antes de s e matar, você tosou o pêlo de seus cães e gatos.
Ou que contou para todo mundo que estava freqüentando igrejas neopentecostais picaretas. >
(01102/2002 lBhOO)
OBSCEN I DADE
Dou-me muito .bem com obscenidade.
O mundo é muito obsceno. > (0110212002 18h00)
S AU D A D E D O P R E S I D EN T E F I G U E I R E D O 2 6 5
Penso nisso sempre que ando de ônibus. > (04/02/2002 J BhOO)
EU SOU A IRACEMA
Mudei o nome do blog.
Quem me conhece desde criança sabe que sempre fui louco por três coisas:
Nastassia Kinski
Liv Tyler
Presidente João Batista Figueiredo
Kinski prefere apanhar de outras pessoas.
Tyler é atriz sofrível e não quero nada com ela. Além disso, ela nem existia quando eu era criança.
Do presidente, o máximo que consegui foi meu dentista, que tem o mesmo sobrenome.
Falei sobre Liv Tyler para poder comentar outro assunto: a censura.
Fui repreendido por ter comprado uma revista que trazia fotos da Luana Piovani pelada.
·
BOA NOVA
Jesus está chegando!
Isto é, se a kombi não quebrar de novo.
Mas, por que não posso ser Papa?
Se Rodrigo Borgia foi Alexandre VI, por que eu não posso? > (18104/2002 l BhOO)
2 6 6 W U N D E R B L O G S . C O M
SUETÔN IO
Que saudade do presidente Figueiredo. Excelência disse que se recebesse salário mínimo dava
um tiro no coco.
Suetônio entrou para a história como grande fofoqueiro. Injustiça. Mas moralismo é dessas
coisas que não saem com sabão. > (1 8104/2002 1 BhOO)
HOMENS E MU LHERES DEMITI DOS POR ENVIAR E-MAILS COM CONTEÚ DO SEXUAL
Adoro o modo como os jornalistas escrevem.
Eu queria ter um conteúdo sexual. Coisas que só quem tem uma teúda e manteúda pode aceitar.
Nova enquete: O seu conteúdo é sexual?
Tarados e terroristas se refugiam nas igrejas tradicionais porque o mundo está cada vez mais
moderno. Exatamente pelo mesmo motivo, políticos são eleitos e retardados entram em univer
sidades estaduais e federais. Alguns entram como doutor, a maioria entra como aluno.
E quem defende ensino gratuito e de qualidade para todos provavehnente sofre de algum distúrbio.
Deve ter consumido muitas drogas na adolescência. Li sobre isso numa revista. > (2610412002 JBhOO)
VIOL�NCIA SEXUAL
Vou contar a vez em que quase apanhei.
Estava no ônibus, a caminho do apartamento, e fiz minha famosa pergunta peruana:
"Se sexo é tão saudável como as revistas e a TV dizem, por que estupro e pedofilia são crimes?"
Como se sabe, o povo peruano é famoso pelo bom humor, basta ver a lista de presidentes e
líderes que eles tiveram.
Já o suposto bom humor que caracteriza o meu país é fachada. Deve ser coisa que a Riotur in
ventou. > (26104/2002 JBhOO)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 6 7
LITERATURA
Quando dizem que a literatura acabou, querem dizer que já podemos ir para casa?
Semana passada disseram que a arte tinha morrido. Não sei. Se a arte morreu, quem me pas
sou aquele trote às 4h44 da manhã?
Darkwing Duck?
Também me disseram que depois dos campos de concentração nazistas não havia mais poesia.
Outro exagero. Até o dia em que ouvi a musiquinha do caminhão de gás havia muita poesia por aí.
O que esse povo quer mesmo é liberar o coringão. Tô ligado. > (30/04/2002 l BhOO)
ARTE E ACASO
Acabo de entregar minha declaração de incompetência de renda. Nada mais óbvio do que ter
minar o dia com a vontade de mudar de sexo.
Quero outro sexo. Este atual não está funcionando.
Podia ser maior. E mais eficiente. Ou diferente. E mais gostoso. Mais gostoso, definitivamente.
> (30/04/2002 lBhOO)
I N FÂNCIA
Quando eu era criança, vi a seguinte frase no muro perto de casa:
Faça como Elis, coca pelo nariz.
Quem é da minha cidade deve se lembrar dessa frase. Nunca esqueci. Também tinha esta:
Pico e seu fusquinha.
Mas a da Elis era muito mais fantástica. > (09/05/2002 lBhOO)
2 6 8 W U N D E R B LO G S . C O M
MNEMOTtCNICA
Quando as portas da percepção forem abertas, Sílvio Santos aparecerá para cantar e se divertir
com seus convidados.
Cultura, dizia o fotógrafo HC Bresson, é uma arma na mão.
A quem conhece os cães de aluguel: ontem, vi um grupo deles no prédio onde trabalho, e eles
levavam um bebê de colo para uma salinha. Com certeza iam sacrificar a criança ao deus Chu
bacco que eles cultuam.
Pois grandes são as abominações da televisão. Mas o Apocalipse de São João é plágio das festas
do interior de São Paulo e do nordeste brasileiro.
Levaremos o lema da besta tatuado na testa: temos curau e pamonha.
Vai ser gaúcho na vida, disse o anjo fanho ao poeta surdo. > (19106/2002 18h00)
Se você sabe quem é Dian Hanson você é um pervertido filho da puta. Nunca vou dar as costas
para você.
Em dezembro de 99, a senhora Hanson fez uma lista de coisas boas para o ano 2000.
Apresento alguns itens da lista, mas sem os comentários da mulher. E se você quiser saber como
ela é, assista ao documentário Crumb.
20 Alberto Vargas
-
32 Helmut Newton
-
36 Du Pont
-
83 Julie Newmar
-
89 - Carolyn Jones
93 - Cecil B. DeMille > (2910612002 lBhOO)
S A U DA D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 6 9
Filha e filho meu vão estudar em casa. > (08/08/2002 l BhOO)
ACIMA E ABAIXO
O profeta nos exorta a deixar na mão de Alá coisas que estão acima do ser humano, coisas como
a sucessão presidencial em países ridículos como o meu e o seu.
O velho Ari nos lembra que é indigno, tendo nascido humano, viver de modo diferente.
Não é impossível viver no tal estado de natureza nem viver ocupando-se das coisas divinas. Há
quem faça isso muito bem, como meu advogado, sempre preocupado com as obscenidades que
escrevo.
O povo perdeu o senso de proporção e a medida das coisas. Uns querem correr como lobos,
outros querem resolver os problemas da humanidade.
A vida não é chata porque o homem é um ser poluente e indecente. Longe disso. A vida é chata
porque cinema custa dez reais.
Ou porque não há mais conversa inteligente em qualquer parte. > (13108/2002 18h00)
2 7 0 W U N D E R B L O G S . C O M
AN D BESIDES 1 AM FOND OF HABITS AN D RITES
Queria ter medo dos anjos, tenho apenas um certo nojo.
Tenho pequeno desconforto pelo anjo. Não vejo tragédia nem glória.
Cego para os anjos, resta apenas jogar pedras ou atirar um tomate podre nos poetas.
Tremam com seus anjos, mas não me provoquem, por favor. Peço por favor.
O único anjo que havia por aqui alguém já enrabou. > (1 910812002 1 8h00)
AU LA DE HISTERIA BRASILEI RA
Quando clubes como a USP consideram Mário a melhor coisa que este país já produziu, dizem
que sou eu que tenho preconceito.
Seria preconceito sugerir que a USP troque de nome para YMCA?
Recomendo o suicídio. Ou ir para o Marrocos, cortar a mandioca. > (20/0812002 1 8hOO)
ENTREVISTA DO M ISTER
Duas perguntas ao mister Simpatia, o malvado tigre de pelúcia que imprime dinheiro para
Luca Besson, minha gatinha branca.
- O que você achou de Cidade de Deus?
- Não vi. Quando quero ver gente pobre se matando eu ligo a TV no noticiário.
- Você gostou do novo CD da Elza Soares?
- Não vejo grande coisa em gente velha sambando. > (25/09/2002 18h18)
S A U DA D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 7 1
Mister não gosta de história de bagunços, mas curte uma história de amor, não importa o sexo
nem a identidade sexual:
"O maior livro da literatura brasileira é uma paixão reprimida e transexual e ninguém toca
nesse assunto!!"
Nas palavras do mister Simpatia:
Love is ali we need. > (27109/2002 l BhOO)
2 7 2 W U N D E R B L O G S . C O M
Quase desisti no primeiro turno. Devia ter desistido.
Fila, falta de organização, o cheiro do povo.
Prefiro revista de mulher, com ou sem roupa. > (2611 0/2002 15h40)
LAMENTAÇÕES
Após ter criado o gato e a mulher, Deus perdeu a inspiração.
Ainda assim, Hopper. > (0711 112002 1 8h30)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 7 3
SÍMI LES
O balé e o cultivo de orquídeas são metáforas humanas para o que é chamado de sadomaso
quismo. > (28/1 112002 1 7h08)
TARAS BU LBA
Já disse antes? Taras Bulba é o melhor título para qualquer livro ou filme.
Sempre me sugere algo pleno de parafilias. > (2811 112002 1 7h27)
ARIEL, UCLA
Brasileiro acha que capitalismo é ruim porque associa a palavra às capitanias hereditárias. >
(27/12/2002 1 8h27)
2 7 4 W U N D E R B LO G S . C O M
E as que usam o verbo fluminense "sacanear" são as piores. Ouvi esta no natal:
"O modo mais eficiente de sacanear um libanês é jogá-lo do décimo andar:' > (29112/2002
04h00)
VISITOR Q
O povo japonês têm a fama de não separar alta e baixa cultura, artes maiores e menores, pop e
brega.
A base disso é o respeito. Profundo respeito e o cultivo da estética.
Os imigrantes se horrorizavam com as casas das famílias brasileiras, carentes de flores, livros,
pinturas, vasos, fotos de colegiais, bicos de torneira. > (0210112003 1 6h34)
PSIQU E E RG
Por alguma razão, talvez o calor que amolece o miolo, brasileiros e brasileiras acreditam pia
mente que vomitar intimidades é prova de amizade e uma demonstração de respeito.
Mais do que tudo, uma obrigação.
O que fazem os meus amigos só interessa a eles, e olha lá. > (1810112003 12h32)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 7 5
"Penso, logo existo."
"A existência precede a essência:'
"Ninguém entra no mesmo rio mais de dezessete vezes."
Kawabata catalogou todos os koans da tradição Nô. Eram dois:
- Que hora é a merenda?
- O Cride, fala pra mãe...
Koans são muito usados por árbitros e comentaristas de futebol.
Os koans australianos (no pooftas!) quase foram extintos. Comiam folhas de eucalipto e o rabo
de políticos vagabundos.
Eu gosto muito de koans. O koan é meu amigo.
Moral de história: o seu sendero é luminoso? > (1 9101/2003 OOhl O)
2 7 6 W U N D E R B LO G S . C O M
DE COMO SALVEI O M U N DO LIVRE
Patrício Bisso, travestido de Olga del Volga e pilotando o helicóptero, desceu uma escada sobre
a muralha da China.
No pé da escada estava eu, à Field Comander Cohen, com Sandrine Bonaire, vestida sumaria
mente como Jane (a do Tarzã), bem agarrada a mim.
Começo então meu número de sapateado e canto "Chiquita Bacana" e "A Filha da Chiquita
Bacana':
Quando a guarda imperial chegou ao pé da muralha da China, botei o bin Laden para fora e
gritei para a macacada:
- Aqui pra vocês, rôla! > (21/02/2003 J OhOO)
A MULHER É SAPECA
Sapeca, palavra que desapareceu. No argot, descrevia a mulher mais sensata. > (1 1 /03/2003 1 Oh29)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 7 7
REPÜ BLICA A PREÇO DE BANANA
Romper de vez com o mundo moderno e sua vulgaridade? Minha amiga chique reafirma que
hoje só há pessoas de segunda.
Não tenho medo de enfrentar a rua, tenho receios vagos, certo nojo.
Procuro uma padaria honesta e não há uma fila para mim e os meus. É um exercício de entre
ga, de coragem, sem ascese alguma.
Tão baixo o senso comum dos povos que acabarei vetando o uso de suspensórios até em meus
personagens. Operacionalmente complicado, posto que todos, homens, mulheres e garotas usam,
em algum momento, numa cena ou noutra.
Opção radical e tentadora de transformar o Brasil num musical erótico, off Broadway. Ivan
Lessa enchendo a bola do Bananão, é possível? Delírios. Cala-te boca imunda, latrina do existen
cialismo atlético fc.
O fecho ideal para um conto qualquer em que há conversas interessantes e alguma ação: e no
final eles se vestiram e foram embora. > (13/03/2003 14h44)
2 7 8 W U N D E R B LO G S . C O M
STANZA PASCOLATO
Manhã úmida e escura de outono
Eu e você sapateando
sobre o túmulo familiar de algum político > (1 0104/2003 10h19)
HOJE
Manhã escura d e outono, com garoa fina e persistente. Não sinto frio. Dificilmente deuses mor
rem sob ou sobre o céu de outono. � nesta data que sentimos a falta deles, alguns muito velhos e
praticamente esquecidos, e percebemos que deuses se foram, e só agora nos damos conta. Manhã
silenciosa de vozes humanas. Carros e ônibus passam abafados, como se fizessem o menor ruído
possível, entre o sussurro dos anjos. > (1 0104/2003 1 0h21)
O LEMA DA FEBRE
Fodelança.
E uma tese: a essência parece a existência. > (1 1104/2003 1 8h21)
A DISPERSÃO SATÍRICA
Além do arcanjo Manoel, outra explicação para o mundo é a dispersão satírica.
Vislumbrei a dispersão satírica ainda no tempo do Laboratório de Física 1, quando reparei que
os dados de uma experiência não batiam e concluí que a constante H (ou g, a gravidade) estava
errada, o que fez meu professor espumar de raiva.
Duas aulas depois ele ensinaria o tratamento dos erros, técnica que torna exata a ciência se
assim lhe parece.
Dispersão satírica é quando o arranjo dos dados aparece na configuração mais irônica possível,
como se alguém lá em cima, talvez o próprio arcanjo Manoel, estivesse zoando.
"De todos os bares de todo o mundo, a Catifunda entra no meu." > (22/04/2003 1 1 h27)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 7 9
ESTOU ATOLADO, MAS AI N DA RECUSO CARGOS PÚ BLICOS
Após semanas de tortura, o dissidente acordava no meio da noite e gritava para si mesmo:
- Eu sou um gênio, eu sou um gênio.
E era tudo que lhe restava. Não puderam tirar dele. > (24104/2003 1 9h26)
RUMORES DA SECESSÃO
Bufão das classes operárias. Que outra língua tem qualificativos como patola?
Nicolau Copérnico, herói de nosso povo. Até hoje usam o corte de cabelo que o homenageia.
Na Unicamp, dizem as fontes, a elitização dos cursos implica mulheres vestidas de Paty e garo-
tos com cabelo chamado "alça de boquete".
A prefeitura de SP não quer revelar o que sabe e o que b olou sobre o lixo do cidadão.
São do mesmo fenômeno o fiscalismo, a paty e os cortes de cabelo copernicano e alça de boque
te. Abater a tiros se for preciso, oh Lurdinha, metranca querida.
Lamento do barbudo Whitman de Queirós: enquanto marcham as massas contra a guerra, o
governo brasileiro faz o que quer. Juízes se bandeiam, extorquem dos ricos para dar ao Fome Zero.
Mulheres da sociedade grasnam alto, dão cheques, peidam, tudo em nome do social barbudo. Os
moços da voz macia, canta Lou Reed, fazem fofoca, dizem que os Euá é feio, mal, bobo, tudo isso
o pai de família aceita pela TV.
Bernanos, nascendo de novo, seria processado no ato. Bettie Page, que tinha a testa alta, e por
isso a franja, soube o momento de sumir. Bóris Yeltsin mistura memória e desejo, lembra Zé
Colméia e uma irmã da minha avó. Bela Lugosi não morreu, queria ser como Harry Houdini. >
(02/05/2003 21 h25)
RIO DE JANEIRO
O Rio de Janeiro é o futuro da nação.
Cacófato é Cuba, o que seremos. Esbórnia fiscal, corja pentelha que ainda quer me arrancar a
cueca.
Vergonha que tenho dos. A mídia inteira falando bem da arrecadação extorsiva. Não moro no
2 8 0 W U N D E R B L O G S . C O M
Canadá, lá é bem melhor do que aqui.
A mídia defende a proibição das armas para o povo bom e honesto. Para a mídia, só bandido e
polícia podem ter arma de fogo. Defende esse presidente que não pode abrir a boca, ou o dólar
sobe ou desce, que se tivesse um dedo a mais garfaria a mais o meu dinheirinho.
Feliz é o mister Simpatia, que imprime o próprio dinheiro e vive de notinhas podres e de flu
tuações no câmbio.
A mídia defende Beiramar, Batoré, tudo o que é nome feio.
Fome Zero, o Show da Paz e a festa fiscal, primeiros passos para o sertão virar a Barra da Tijuca
e o entorno de morros com nomes engraçados. Uma linha vermelha cruzará o Brasil. > (15/05/
2003 1 Bh40)
AMOR E ENTENDIMENTO
Amar é assim. Amamos quem não se dispõe a nos entender. > (25/06/2003 1 4h07)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 8 1
Eu me se recusava a falar disso porque não queria soar a manifesto. Porque a mídia vive atrás
do Next Big Thing e no presente momento não haverá NBT.
Um leitor formado, aquele que sabe procurar em todo meio o que precisa, não tem mais por
que ler Veja, Bravo!, Estadão ou Playboy. Apenas leitores em busca de formação ou sem acesso
continuarão a comprar o que não for conteúdo específico.
Há blogs tão bons porque a mídia não soube captar, cooptar ou capitalizar o talento ocioso, que
sempre existiu e que agora é acessível a um público maior.
Bons escritores e repórteres desorganizados e fora do sistema de comunicação sempre houve,
mas agora há textos mais interessantes, mais informativos e mesmo melhores que os que o capi
tal da mídia pode produzir.
Ou a rede ameaça se pagar, e o custo de ter um blog ou um site terá de ser rateado, ou nos pa
garão para escrever blogs ou para não escrever.
Também existe a opção de que a inflação de blogs torne irrelevante qualquer opinião ou con
teúdo individual, o que é facilmente negado pela noção de que a rede de amigos, colegas, leitores,
inimigos e demais relações que montamos pela internet nestes poucos anos continuará mais ou
menos organizada.
Como está, as revistas não vão morrer, continuarão, melhorando neste ou naquele ponto, e
irrelevantes.
Sei que escrevo bem. Saber, porém, que eu e tantos outros somos, no presente, mais interessan
tes que tudo o que vejo nas bancas é uma doideira.
Vai algo mal neste mundo, o blog fica importante (mesmo na política) num meio em que auto
res não se levam a sério ou não pretendem se levar.
Fazem e fazemos blogs com um pé nas costas, quando não estamos de chico ou justamente
quando estamos, quando ninguém espera, quando papai e mamãe estão dormindo, no meio do
trabalho. Queremos mandar aquele abraço para nossos queridos políticos e ...
E se continuar a frase, subirei na mesa para fazer discurso, manifesto. Melhor terminar de um
modo impossível para a mídia séria: Ministro, pega no meu! > (13107/2003 22h39)
[P.S.: no próximo post publicarei receitas de bombas caseiras e fotos de garotinhas peladas.]
2 8 2 W U N D E R B L O G S . C O M
A PEDIDOS
[Estou para elaborar um programa de educação. A pedidos, publico esboços, idéias.]
Queria uma educação boa para minhas filhas. Nada de escola pública, muito menos escola par
ticular, não essas que assolam o país.
A idéia é cuidar pessoalmente da educação de minhas filhas.
As crianças têm melhores condições para aprender inglês por si, assim como informática.
Tendo dinheiro, pagaria aulas de alemão, francês, japonês.
Estudo do latim e do grego.
Economia doméstica, coisas de uma casa, como eletricidade, hidráulica, ofícios de pedreiro.
Mecânica. Eletrônica. Ter um bancada cheia de badulaques. Culinária, costura.
Montaria, natação, escalada e alguma arte marcial à escolha. Quando tivessem idade, arquearia
e aulas de tiro.
Aprender a se virar no posto de gasolina, no banco, na rua, no restaurante, nas lojas em russo,
árabe, espanhol e algum dialeto chinês.
Aprender finanças e burocracia na prática, levar minhas filhas para pegar filas. Ensinar o que é o
correio, como funcionam os serviços municipais, o que é uma cidade, como vivem as pessoas. Saber
o que dizer a cada tipo de funcionário, de prestador de serviço. Mostrar como a cidade funciona.
Apresentar pessoas. Padeiros, feirantes, apresentar religiosos, policiais, vizinhos.
Cuidar especialmente da matemática. Crianças têm intuição suficiente para apreender os
princípios do cálculo. Limite, derivada, integral, volumes e coordenadas. O instrumental pode vir
bem mais para frente.
Durant, Wells, Lobato ou Suetônio, Gibbon? Dúvidas. Por que não tudo? Por que não?
Códigos: sistemas de indexação de livrarias e de bibliotecas, cada algarismo que compõe o
número de um ônibus. > (2210712003 J 8h25)
SAUDA DE D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 8 3
Minha irmã caçula tem dezessete anos. Por conta de uma estúpida lei, de um estúpido político
brasileiro, ela nunca brincou com revólver de espoleta. > (2210712003 1 9hl0)
FÁBULA
A chuva e o chocolate com amêndoas fizeram uma aposta.
Foi assim que morreu a saudade, encontrada com meia cuia varando seu corpo, do umbigo à
nuca.
A chuva assumiu a forma de Suzanne Vega, e o chocolate com amêndoas, sua voz:
"Odeio você, mas não vou contar para ninguém" - disse Deus a Jamelão.
E é por isso que a tartaruga tem aquela asa.
Moral:
"É melhor reinar no paraíso do que servir no inferno:' > (2610712003 19hl 1)
2 8 4 W U N D E R B L O G S . C O M
revistinhas banidas pelo Comics Code.
(Eu só li o começo do Christiane, não sei se ela ataca outros movimentos.)
2. Como se esquivar: o método Carpeaux de leitura de Mao
Carpeaux confrontava um livro com outro. Seguia a lógica do Lytton Strachey, de atacar por
ângulos inesperados.
Para demonstrar que A Montanha Mágica era muito chato, Carpeaux analisou outros textos do
Mann. Confrontou o sucesso de público de Isherwood com os próprios textos deste.
Quando me mandam ver Requiem for a Dream e pergunto se é melhor do que Gladiador, estou
usando, sabiamente, o mesmo método. É menos esnobismo que o desejo de entender o hype.
3. O que ler: a técnica do encaixe (com tentáculo de Ctulhu)
É muito eficiente para medir o alcance de uma obra. Sabemos que Shakespeare é "mais univer
sal" do que Nelson Rodrigues, mas às vezes não sabemos explicar como nem por quê.
Leia alguns contos de Lovecraft. Ele é autor de uma das mais consistentes mitologias não huma
nas. O universo para Lovecraft vai muito além do cosmo, da ordenação por princípios humanos
e racionais. Borges, tentando responder ao escritor, criou um conto cujo título define Lovecraft:
"There are more things".
Um autor será mais universal na medida em que um tentáculo de Cthulhu possa figurar em sua
obra, nem que seja de passagem, ali no cantinho.
Por exemplo, os reis de Shakespeare podem muito bem conviver num mundo de monstros e
deuses alienígenas. Agora, o que a Engraçadinha faria ao ver uma edição lusitana do Necrono
micon embaixo da cama de seu namoradinho?
Com a prática o candidato a crítico aprenderá a trocar a imagem do tentáculo pela idéia de que
há realmente mais coisas na vida do que tal autor dá conta. > (28/07/2003 13h25)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 8 5
Vou comprar um busto dele. Nos momentos de tédio, em vez de atirar o mister contra prefeitas
de São Paulo, vou simplesmente dar um croque na testa da estátua e dizer:
- Pederasta! > (15108/2003 13h15)
O SER E O NADA
Não, não é A Idade da Razão o livro mais xumbrega de Sartre.
O pleonasmo do pensamento moderno, o francês feio, nunca foi levado a sério neste país por
que sua maior obra de ficção tem nome de pose sexual.
A Náusea. > (01/09/2003 1 9h39)
2 8 6 W U N D E R B LO G S . C O M
Eu e minha mulher somos Brian.
And 1 am a proud friend of Israel. > (09/09/2003 1 7h53)
A FAREWELL TO KI NGS
A maioria dos livros de auto-ajuda profissional usa da PNL sem o dizer.
Pedem para o leitor imaginar cenários, olhar sempre aspectos positivos, desenvolver uma
atenção paranóica ao ambiente, imitar fala e gestos do outro.
E o outro é qualquer um que aparecer na sua frente, do chefe ao estagiário, da família a si
mesmo.
O restante traz conselhos de Poliana, que funcionam como reforço da PNL.
No café da manhã percebemos que o Estado nos enfia na escola para podermos ler os rótulos dos
produtos. Qualquer selvagem manteria uma nobre indiferença na mesa do café. > (1 7/09/2003
12h55)
TI ROTEIO
Eu: "Reich sabia que a revolução russa não ia dar certo. Estudou o sexo d o proletariado e disse
que era de baixa qualidade. A União Soviética durou uma geração, 70 anos."
Minha amiga chique: "Já os dinossauros, que faziam muito sexo, duraram mais de 70 milhões
de anos." > (25/09/2003 14h43)
S A U D A D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 8 7
TRABALHO VOLU NTÁRIO E SEUS I N I MIGOS
O mister Simpatia acredita que todo trabalho num mundo capitalista é voluntário. E que alguns
trabalhos pagam melhor do que outros.
Ele acha que ong é coisa de pobre vagabundo.
Aí já é demais, mister. Até o governo quer obrigar o cidadão a ser voluntário. > (05/1 0/2003
14h05)
QU E COMAM BINOCH ES
McLaren canta sobre cabelo curto e suor nas meninas parisienses.
Juliette, quanta bobagem não fiz em seu nome. Agora que está uma tiazona, fazendo filmes não
tão respeitados, só eu a defendo. Sou um tolo e um derrotado.
Escrevi antes, acho os filmes do Kieslowski um tédio masoquista. De tempos em tempos, na
trilogia, a música impede o público de dormir de vez, assim como as atrizes.
2 8 8 W U N D E R B LO G S . C O M
Eu trocaria a Guanabara e tudo o que tem dentro por um carregamento de francesas. Não, tro
carei.
Também vou me repetir sobre a questão de Deus e sua existência. A melhor prova da existên
cia do Grande Cabeção é encontrá-Lo.
No dia em que alguém provar a existência da maçã por outro meio que não seja comprar uma
no sacolão e dar pelo menos uma mordida, volto ao assunto. Até lá, acho que todo mundo está
errado, menos eu. > (0511 112003 00h29)
O ESCRETE DA Bf BLIA
Esta é a lista inicial, ainda com dúvidas. Aguardo sugestões:
A mulher vestida de sol, que dá à luz e foge do dragão - Jennifer Jason Leigh.
Abel - o ator que fez Arjuna no Mahabarata de Peter Brook, James Cagney, Abelardo Barbosa.
Cain - Howard Chaykin, Humphrey Bogart.
Adão - o piloto Villeneuve.
Eva - Milla Jojovich ou Angelina "Hackers" Jolie.
Arcanjo Gabriel - Keanu Reeves.
Jesus Cristo adulto - David Duchovny. Ninguém vai concordar com este, porque são orgulho-
sos e não aceitam a história da manjedoura.
José, o marido - o jovem Stanley Kubrick, o Quico do Chaves.
José, o do Egito - Steve Buccemi.
Judas Iscariotes - Woody All e n, David Lynch.
Maria - Sinéad O'Connor ou Milla Jojovich.
Maria Madalena - Joan Chen, como em Twin Peaks.
SA U DA D E D O P R E S I D E N T E F I G U E I R E D O 2 8 9
O anticristo - Rupert Everet, como o Marlowe de Shakespeare in Lave.
Barrabás - Pee Wee Herman.
O cego curado por Jesus - Steve Martin.
O endemoniado curado por Cristo - o poeta Yeats, quando jovem.
Pôncio Pilatos - o cartunista Laerte, eu, Donald Sutherland.
Tiago Maior - Malcon McDowell.
Elias - Christopher Walken.
Faraó - Sean Connery ou Michael Caine, os dois como em O Homem que Queria Ser Rei. Ryan
Philippe, por que não?
Jabba the Hutt - ele mesmo.
Jeová - Samuel Beckett, Paulo Francis, o Deus retratado por Laerte.
Judite como retratada por Klimt.
Mãe de Salomé - Júlia Lemmertz.
Matusalém - o falecido William S. Burroughs.
Rei Davi - Laurence Fishburne, com os óculos do Matrix.
Salomão - o tal Volos que fez a múmia em A Múmia.
Salomé - Christiane Torloni ou Louise Brooks.
Sansão - John Goodman, com a barba do Big Lebowski.
São João - Brad Pitt, Matt Dillon.
São João Batista - Orson Welles já velho, anunciando as profecias de Nostradamus.
Sara - Cristina Ricci.
Satã - Nicholas Cage, Willem Dafoe.
Satã tentando Cristo no deserto - Groucho Marx, minha amiga chique, Natalia lmbruglia.
Obs. Estão cortados Zinho, Dunga e Romário.
Perdão ao Rabelo, mas a escalação da Bíblia não pode ser apenas canarinho, o similar nacional
não dá conta do recado. > (1411 1/2003 1 5h03)
2 9 0 W U N O ER B L O G S . C O M
Sobre os autores
Alexandre Soares Silva ostenta um irritante blog homônimo há ano e meio, demonstrando
dessarte sua completa inépcia para títulos - que lamentavelmente já somam quatro.
Muitos pensaram que o dândi tentava chocar a sociedade em A Coisa Não-Deus, quando fez
anjos sodomizarem uma inocente vaquinha, todavia esta é apenas uma breve faceta de sua moral
hedionda. Provocativo, soberbo e maléfico seriam alguns dos termos mais brandos para ilustrar
o suposto conteúdo de seus textos.
Conquanto, do ponto de vista estilístico, o último escritor de cartola sobressaia-se por sua inca
pacidade de redigir qualquer frase com mais de doze palavras*, afronta-nos com inúmeros recur
sos pobres, sendo o diálogo com interlocutores beócios um dos mais freqüentes ...
(*) Exceção feita à s citações estrangeiras, com que pretende exibir sua cultura, apesar d e soar apenas pedante o u trivial.
A despeito de tudo isso, o dublê de esteta insiste em impingir mais uma obra ao mercado que
despreza, aproveitando a onda dos blogs, e falhando miseravelmente em sua tentativa de passar
uma aura charmosa, de bon-vivant e profundo conhecedor da natureza humana.
Caso o discípulo de Buffy e Nabokov não adquira um mínimo de autocrítica, só nos restará
torcer para que se perca nos corredores de alguma grande biblioteca européia num futuro breve.
E, como citaria algum escritor canhestro, the rest is silence.
S O B R E O S A U T O R E S 2 9 1
César Miranda por Fabio Danesi Rossi
César Miranda é um grande frasista. E o melhor: seus textos têm uma frase depois da outra.
Especialista também em orações, períodos e parágrafos, só não é bom com o ponto final. Seus
textos deveriam continuar, indefinidamente.
Durante quinze ou vinte anos, escreveu em cadernos escolares, sem qualquer preocupação em
publicar. Não procure nenhum outro motivo para isso além da modéstia. César é de uma modés
tia havaiana (de sandália havaiana, bem entendido) .
Um dia, porém, surgiram o s blogs. Foi como u m estouro d e boiada. Milhares, milhões, de
escritores anônimos invadiram a internet com seus diários, romances e palpites (bovinos, na
maior parte dos casos) . César acabou arrastado junto, e não demorou a se destacar: tinha o tutano
do tipo certo.
Desde então, seus admiradores tentam retribuir seu talento destruindo sua modéstia.
Rápida biografia: César nasceu em Goiás (hoje Tocantins) em 1967, aprendeu a tocar violão,
inventou o besteiro! (sem saber que já tinha sido inventado) , formou-se em direito, especializou
se em MPB, leu muito Millôr e Monterosso, casou-se, mudou-se pra Brasília, entrou pro wun
derblogs e agora está aqui - pra sorte de você, que está aí, do outro lado da página.
Daniel Pellizzari chegou ao wunderblogs estranhamente por último, como se num churrasco a
carne viesse depois que todos os presentes tivessem almoçado farofa com molho vinagrete.
Nem por isso, pois bastou aos demais o virem para se esquecerem de que jamais o tinham visto
assim tão fornido, faceiro e peludo como alguma espécie desconhecida de mamífero cavador e
saltador. Já chegou declarando sua admiração ao engenho humano e ao artifício, coisa que, se lhe
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retraçarmos os passos até a origem, descobriremos com toda certeza ter sido engendrada quan
do o pequeno mastodonte desejou ardentemente um saquinho de Ki-Suco, ao que respondeu sua
mãe dando-lhe um tapinha na mão e dizendo: "Não': Mas, como felizmente não o faremos,
podemos dedicar esse tempo a outras atividades.
Bastará a nós, portanto, observá-lo para ver tudo o que nele há de oculto, sem que com isso eu
queira dizer que o nosso wolverine seja por demais patente. Longe disso. Ao contrário, suas patas
o carregaram no percurso inteiro de Manaus a Porto Alegre. E ele ainda se diverte com as meno
res coisas. Tanto que a diversão transborda para fora do livro, chegando até nós e trazendo-nos
ao ponto inicial: esse cara se divertiu às pampas escrevendo essas coisas.
Saudade do presidente Figueiredo, a começar pelo nome, é um dos blogs mais originais e diver
tidos da rede. Já sugeriram a seu autor, que escreve sob o pseudônimo do poeta Dante Gabriel
Rossetti, que mudasse o titulo para "Sai de mim, Paulo Francis" - e não é preciso procurar muito
para dizer "ahá!" ao reconhecermos o mesmo desprezo pela opinião do leitor. DGR grita "não vou
descer ai não, vocês que subam':
Sempre morri de inveja dele. Hermético e telegráfico, adepto da não-revisão, DGR deixa os tex
tos saírem dele como o C02 de seus pulmões. As frases curtas, em pequenos parágrafos, dão um
risinho de canto de boca; em grande quantidade, em ensaios maiores, deitam e rolam feito ham
sters risonhos dentro de caixinhas herméticas. E que agradável surpresa é ver a sensibilidade e a
limpidez de raciocínio quando abrimos as caixinhas. DGR faz mini-ensaios brilhantes sobre o
que quiser com a desenvoltura e o ar blasé de quem compra fósforos na esquina. Ele também ri
de você, leitor. E você acha o maior barato. Se o Paulo Francis fosse o Philip Marlowe, ele seria o
Dante.
Tem como fiel escudeiro o mister Simpatia, tigre malvado que ama sutiãs cor-de-rosa - nele
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mesmo, de preferência. Na vida real, DGR é editor e já trabalhou como revisor e tradutor. Nasceu
e cresceu no interior paulista, terra de ninguém. Canhoto, sabe abrir latas com a mão direita.
Quando o conheci, invejei o modo com que ele cruzava as pernas (muito aristocrático, old
thing. Quis imitar, mas minhas pernas gordotas não deixam, tragicamente) . E depois de o ler pas
sei a imitar a elegância do estilo. Muito tempo atrás, roubei o elogio que o crítico Terry Teachout
fez para o compositor francês Emmanuel Chabrier - o borbulhar de champanhe da grande arte
com um toque de leveza - e o dediquei a FDR.
Ter um tom é o grande feito na prosa. E FDR é incapaz de colocar duas palavras juntas sem que
se perceba o estilo, o estilo - suave, leve, sem quinas. O tom é melancólico, agridoce, descrente da
humanidade - mas gentil, gentil. Escrevendo sobre Israel ou sobre as mulheres, sobre Billy Wilder
ou Lula, sobre o campeonato de arremesso de anões na França ou sobre o comprimento do
próprio nariz, o estilo está lá em cada sílaba, e miraculosamente até nos pontos, nos travessões e
nos espaços em branco (juro, eu olhei de perto os espaços em branco nos textos dele e achei um
tom bem efedeérriano) . Por mais raiva que tenha, sua voz continua suave; de fato eu o leio para
escutar A Voz. Fabio Danesi Rossi é o Frank Sinatra dos blogs - sem máfia e sem peruca.
Mas se você não faz greve, não usa silepses nem torce pro Azulão, o que está fazendo aqui?
Há 25 anos surgia no ABC paulista um elemento desagregador: Felipe quando Alyosha Kara
mazov encontra José Guilherme Merquior Ortiz, conhecido pela biblioteca, pela fala macia e pelos
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ensaios picaretas - falha de caráter facilmente atribuível aos anos perdidos na USP.
Fã dos russos e de Stanley Kubrick, Fíleleno Ortiz lê um livro enquanto escova os dentes, outro
enquanto toma o café e mais dois enquanto escreve. Nascido numa terra de apenas três letras, cedo
partiu atrás de outras. Vagou por desertos, mosteiros e prostíbulos, onde Deus pôs à prova sua fé
no alfabeto. Tirando de letra todas as tentações, voltou para casa carregado de sílabas e palavras
inteiras. Seus conterrâneos nada entenderam; julgaram-no um bruxo, um louco, um palhaço.
Seu norte na vida seria a certeza de ter nascido no lugar errado. Todas as noites se imagina
passeando por Constantinopla, próximo da civilização. Nesse sonho, transforma-se num escritor
de colete, leitor rigoroso, candidato a saber quase tudo de tudo. Ao perceber que está no Brasil,
acorda, pouco antes de dizer: eu mereço.
É conhecido pelas costas por Mad Monk, e dizem que guarda um diploma de direito na gaveta
de meias. A gaveta de cima reservaria espaço para um de economia.
Marcelo De Polli Bezerra, vulgo Wundermeister, é fluminense, mas ainda jovem foi embora do
Rio de Janeiro em busca da Verdade. Evidentemente não a encontrou no Instituto de Física da
Unicamp, abandonado antes que o pior acontecesse, nem no Instituto de Psicologia da USP, tam
bém desprezado a tempo. Para ganhar a vida, dedicou-se à arquitetura de informação, não
obstante seu ostensivo mau gosto - que afinal nunca foi problema para arquitetos. Seu norte e
sua sorte foram as associações felizes. Casou-se com Miss Veen, a qual lhe deu quatro gatos. Deve
sua fama à mulher e aos amigos, que reuniu no celebrado portal dos wunderblogs. Também cola
borou na publicação e difusão de ensaios de austríacos obscuros. Ex-aprendiz dos segredos da
Grande Tariqah Maryaamyya, conseguiu fugir, vivo, para Jordanville NY, onde atualmente dedi-
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ca-se ao estudo do velho-eslavo. De seu atanor nunca saiu qualquer Obra, grande ou pequena, a
não ser alguns piroskis de batata.
Juliana "Miss Veen" Lemos faz de mim um leitor insatisfeito - porque escreve muito bem e
porque é terrivelmente avarenta ao dividir conosco seu talento e sua inteligência. Sei que ela dis
corda; talvez diga que a avareza de que a acuso é fruto de uma autocrítica bastante rigorosa. Mas
estou certo de que você, leitor, concordará comigo ao final da seleção que precede - e sentirá o
mesmo gosto de "quero mais".
Juliana iniciou seu blogue em agosto de 200 1 , e eu comecei a lê-lo alguns meses depois. Graças
principalmente a ela, percebi com exatidão qual é o principal traço em comum das personali
dades radicalmente dessemelhantes que coabitam o wunderblogs. O que nos une é o horror a
clichês, preguiça mental e idéias surradas - sejam eles políticos, ideológicos, estéticos, culturais ou
"bloguísticos". Isso não impede que às vezes eu, por exemplo, pague o óbolo ao deus dos lugares
comuns, malgrado todos os esforços para fugir do caminho mais fácil.
Com Juliana isso não acontece. Seus textos, com tudo o que contêm de wit e ironia, driblam e
deixam no chão os monstros mascadores de clichê. A palavra que, para mim, resume esse modo
de ser é graça. Em todos os sentidos: dom, humor, elegância. Juliana tem tudo isso. Enjoy.
Entre no Google e procure "teorema mais medíocre da história': "desconfio de qualquer afir-
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mação universal" ou "certamente refutável". O primeiro site a aparecer será o dele.
Inimigo da convicção, amigo das crianças, assim é o mozart ( com minúsculas mesmo ) .
Influenciado por Musil, Chespirito e Idi Amin Dadá, felizmente não possui ambições literárias,
pois conseguiria, quando muito, ganhar algum concurso de frase mais criativa numa cidade men
talmente indigente do interior do país, ou o Oscar de roteiro adaptado.
Seus textos são poluídos por asteriscos, enumerações e informações dispensáveis, ignorando a
tradição aristotélica de começo, meio e fim, para dar vez ao esquema: título, outro assunto, apos
to, infâmia, infâmia, post seguinte . . .
Coerente apenas e m suas excentricidades, o misantropo articulista redige diariamente milhares
de caracteres em sua página, demonstrando que qualidade não esteja entre suas preocupações
centrais. Admirador de refrigerantes de cola e bebidas fermentadas, teme profundamente a fluo
retação da água. Defendeu dois pênaltis na final da Abelíada de 1987, e está ficando surdo.
Madame Bovary nasceu no Bananão, é homem, passa calor no inferior paulista, em Riberião
Preto, e tem um blog que leva o nome de seu autor, Radamanto, aquele. Vi Radamanto de longe,
num churrasco, em companhia dos amigos em comum, Santo Agostinho e o homem do Pulmão
Cabeludo. Testemunho que ele realmente é madame Bovary, um pouco mais magro do que Flau
bert descreveu Radamanto, o poder da natureza, aceita todo tipo de empulhação e de pretensão
humana, menos uma: afetações de profundidade levam tapa, murro, tiro, chinelada na boca.
O flagelo de Sodoma, misto de Eufrazino e Urtigão, destila casuísmo e causos, e defende violên
cia para com sambistas e demais opressores da cultura nacional, além de torcer para o Peixe. E
ainda fuma, em locais reservados para fumantes, apesar dos protestos de nossa juventude. Seu
texto revela o homem sincero, exímio assoviador. Em suas palavras: "Neguinho vem me falar bem
do Brasil, vem fazer graça. Vem sambando então, filha da puta!".
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Ruy Goiaba por César M i randa
Ele nasceu, um bacuri, com as maçãs da face rosadinhas, plantando bananeira, dançando coco,
maxixe e salsa. Muito cedo Ruy comeu a fruta permitida do humor e foi assim que veio à luz uma
Goiaba na terra da garoa e de Barros de Alencar. Sim, São Paulo produz Goiaba e da melhor quali
dade. Goiaba por sua vez produz o nosso melhor humor não importa a estação. Descascando aba
caxi e pepino ou sentindo dor no figo (sic), lá está ele, enfiando o pé na jaca, na zona do agrião e
sem pisar no tomate ou escorregar no quiabo, segue em seu sonho de ganhar milhos e milhões,
se encher de cacau, e ser um Zé Vasconcellos couve (sic). Ele manga de Deus e do mundo, é bata
ta, e segue espinafrando tudo com suas abobrinhas giratórias que brotam em estado puro. Puro
Ruy, pura Goiaba.
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Tipos Meta e Minion
Papel Offset 75 gim'
Impressão Bartira Gráfica
Em Junho de 2004.