ISSN (versão impressa): 1518–756X

ISSN (versão eletrônica): 2175–1641

Diabete melito gestacional: dose ideal de insulina

utilizada no tratamento
*SILVA, J. C.¹; POLETTO, F.²; OBARA, H.²; BERTINI, A. M.³
¹ Professor de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade da Região de Joinville – Univille
Campus Universitário, s/nº – Bairro Bom Retiro
Caixa Postal 246 – CEP 89201-974 – Joinville – SC
² Acadêmicos do 6.° ano de Medicina da Univille
³ Professora de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp
Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 – São Paulo – SP
*e-mail: jeancs01@terra.com.br

Entrada: 27/11/2008
Aceite: 11/5/2009

Resumo: O objetivo deste trabalho foi avaliar a dose de insulina utilizada no tratamento do diabete melito gestacional
(DMG). Foram retrospectivamente incluídas 51 pacientes com diagnóstico de DMG, com gestação única, que
necessitaram de insulinoterapia. O período do estudo foi de janeiro de 2004 a dezembro de 2005. Foi utilizado
inicialmente 0,9 ui/kg/dia, dividido em quatro tomadas ao dia, sendo três doses iguais de insulina regular pré-
prandial e uma de NPH ao deitar; a dose foi ajustada conforme os resultados das glicemias capilares. Em 66,7%
das gestantes a dose total de insulina foi reduzida, utilizando uma média de 0,73 ui/kg/dia (DP = 0,15 ui) para o
controle glicêmico. A dose antes do café (AC) foi significantemente maior (p < 0,01), a dose ao deitar (AD)
foi significativamente menor que as outras (p < 0,01) e não foi encontrada diferença nas doses antes do almoço
(AA) e antes do jantar (AJ) (p = 0,83). A dose AC foi de 33%, de AA 25%, de AJ 25% e de AD 17% da dose
total. O peso médio dos recém-nascidos foi de 3.134 g (DP = 506 g), com 11,7% de GIG e 15,7% de hipoglicemia
neonatal, e não houve óbito perinatal. Concluiu-se, assim, que a dose mais adequada para essa população foi
de 0,7 ui/kg/dia.
Palavras-chave: diabete gestacional; terapêutica; insulina; dose; gravidez.

Abstract: Objective: To evaluate the insulin dose for the management of gestational diabetes mellitus (GDM).
Materials and Methods: Fifty-one single-gestation patients diagnosed with GDM that needed insulin therapy
were included retrospectively in the study that occurred from January 2004 to December 2005. At first,
0,9ui/kg/day was used divided into four doses a day, with three equal doses of regular pre-prandial insulin and
one bedtime dose of NPH. The dose was adjusted according to the c����������������������������������������������
apillary glycemia measurement. Results: Total
insulin dose was reduced in 66.7% of patients, using an average of 0.73ui/kg/day (DP=0,15ui) for glucose level
control. The total dose before breakfast (BB) was significantly higher (p<0.01) and the dose at bedtime (BT)
was significantly smaller than other doses (p<0.01). No difference was found in the doses before lunch (BL) or
before dinner or supper (BD) (p=0.83). Doses were BB 33%, BL 25%, BD 25% and BT 17% of the total dose.
Average birth weight was 3,134g (DP=506g), with 11.7% LGA and 15.7% neonatal hypoglycemia. No perinatal
deaths were reported. Conclusion: The most adequate dose for this group was 0.7ui/kg/day.
Keywords: gestational diabetes; therapy; insulin; dose; pregnancy.

Introdução podendo a doença persistir ou não após a gestação.

O DMG (diabete melito gestacional) é definido
como qualquer grau de intolerância à glicose,
caracterizado por glicemia em jejum maior ou igual
a 110 mg/dL ou glicemia 2 horas após sobrecarga
de 75 g de glicose maior ou igual a 140 mg/dL,
com aparecimento durante a gestação. A definição
aplica-se tanto para a gestante que usa insulina como
para a que utiliza apenas o tratamento dietético,
– 24 –
Não se exclui a possibilidade de uma intolerância
à glicose não reconhecida previamente ou o início
concomitante com a gestação (ADA, 2008).
A prevalência de DMG depende da população
estudada e do método empregado para rastreamento
e diagnóstico. Nos Estados Unidos, a prevalência
varia de 2 a 5% do número total de gestantes (Cheng
& Caughey, 2008). No sistema público de saúde do
Brasil 7,6% das gestantes com mais de 20 anos são
portadoras de DMG (Ministério da Saúde, 2002).
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
A mortalidade e a morbidade perinatal
estão aumentadas nesse grupo, e as principais
complicações são os altos índices de macrossomia,
tocotraumatismo, pré-eclâmpsia, complicações
metabólicas e parto prematuro �������������������
(Sun & Yang, 2007;
Mathiesen & Vaz, 2008).
Estudos em animais indicam que a exposição
prolongada à hiperglicemia aumenta o risco de
resistência à insulina e de defeito nas células b
pancreáticas dos filhos. Pesquisas em humanos
demonstram intolerância à glicose na puberdade,
DM tipo II no fim da adolescência ou como adulto
jovem, obesidade e alteração no comportamento e
no coeficiente de inteligência em alguns dos filhos
de gestantes diabéticas (ADA, 2008).
O tratamento do diabete durante a gestação
visa a um bom controle glicêmico, ou seja, glicemia
em jejum menor que 110 mg/dL ou glicemia 2
horas após sobrecarga com 75 g de glicose menor
que 140 mg/dL. O tratamento inicial das mulheres
com DMG inclui educação alimentar, modificação
dietética, exercícios leves e acompanhamento dos
níveis glicêmicos (Cheng & Caughey, 2008).
Quando ocorre uma falha na obtenção de bom
controle glicêmico com esse tipo de tratamento,
associado ou não a exercícios físicos, indica-se
a insulinoterapia (Bertini, 2005). O número de
gestantes que fazem uso de insulina depende da
população e dos parâmetros glicêmicos utilizados
como objetivo, podendo chegar a mais de 60%
(Langer, 2002).
Muitas estratégias têm sido sugeridas para a
administração de insulina. Múltiplas doses diárias
de insulina a fim de tentar simular o requerimento
fisiológico da paciente têm ampla aceitação
na literatura, e tem sido esse o esquema mais
recomendado (Heise, 2007).
Quanto mais rápido é estabelecido o controle
glicêmico, melhores são os resultados perinatais.
Como o DMG é uma patologia com diagnóstico
após a metade da gravidez, estabelecer uma dose
efetivamente aplicada para controle glicêmico durante
o terceiro trimestre da gestação, partindo de uma
dose recomendada, foi o objetivo deste estudo.
Pacientes e métodos
Realizou-se um estudo descritivo retrospectivo
por meio da análise do prontuário das pacientes.
Foram sujeitos desta pesquisa 51 gestantes com
– 25 –
diagnóstico de DMG que necessitaram de
insulinoterapia como tratamento complementar
à dietoterapia e à atividade física para atingir os
níveis glicêmicos adequados durante o terceiro
trimestre de gestação, momento em que a maioria
das gestantes inicia seu tratamento.
O estudo foi efetuado no Hospital Dona Helena
(HDH), na cidade de Joinville (SC, Brasil), de janeiro
de 2004 a dezembro de 2005. Foi aprovado pelo
conselho de ética da entidade, e não se ofereceu
o consentimento livre esclarecido, em virtude das
características da pesquisa.
O diagnóstico de DMG foi estabelecido nas
seguintes situações: uma glicemia de jejum para
rastreamento e teste de tolerância oral à glicose
com 75 g (TTOG 75 g) para diagnóstico, seguindo
orientações do Ministério da Saúde do Brasil. Os
valores utilizados para diagnóstico de DMG foram
glicemia em jejum maior ou igual a 110 mg/dL e/ou
glicemia 2 horas após 75 g de glicose maior ou igual
a 140 mg/dL. A idade gestacional recomendada
para rastreamento é entre 24 e 28 semanas de
gestação (Ministério da Saúde, 2002).
Critérios de inclusão: gestantes com diagnóstico
de DMG após o primeiro trimestre de gestação
que necessitaram de terapêutica complementar à
dietoterapia e atividade física durante o terceiro
trimestre, com gestação única, que tiveram seu
parto na referida instituição. Foram excluídas
pacientes com patologias concomitantes que
poderiam interferir na terapêutica ou no resultado
perinatal.
O tratamento era composto de consultas
semanais com psicóloga, nutricionista, enfermeira,
fisioterapeuta e obstetra, além de controle capilar
domiciliar duas vezes ao dia em horários alternados
(antes do café, 1 hora após café, almoço e
jantar).
Após três a sete dias realizando dieta e atividade
física, as pacientes foram avaliadas; os valores
aceitos como normais foram 60-90 mg/dL em jejum,
60-120 mg/dL 1 hora pós-prandial e 70-100 mg/dL
3 horas da manhã. Com mais de 30% dos valores
alterados, ou persistência de um horário com valor
alterado, foi iniciada a insulinoterapia conforme
recomendação (Preece & Jovanovic, 2002).
A dose inicial de insulina indicada varia de
0,7 a 1 ui/kg/dia. Optou-se por iniciar a dose
de 0,9 ui/kg/dia, conforme recomendação, após 28
semanas de gestação (Jovanovic, 2004). A dose total
foi dividida em quatro partes iguais: insulina regular
 Diabete melito gestacional: dose ideal de insulina utilizada no tratamento
antes do café, do almoço e do jantar e insulina
NPH ao deitar (Nachum et al., 1999). A dose foi
ajustada semanalmente de acordo com a glicemia
capilar periférica coletada em casa e durante a
consulta pré-natal para que os valores glicêmicos
permanecessem dentro dos valores normais.
Nessa instituição adotou-se a interrupção da
gestação com 39 semanas, conforme avaliação do
médico assistente da paciente.
Os dados maternos avaliados foram: idade,
paridade, idade gestacional quando do diagnóstico
de DMG (calculada pela primeira ultrassonografia
realizada pela paciente), valores no perfil glicêmico,
dose total utilizada no tratamento e em cada
horário, idade gestacional de término da gravidez,
hipoglicemias maternas, índice de massa corporal
(IMC) pré-gestacional e ganho de peso durante a
gravidez.
Os recém-nascidos (RNs) foram avaliados
durante o período de internação no pós-parto, sendo
não inferior a 48 horas. Analisaram-se os seguintes
dados: peso ao nascer, presença de macrossomia
(peso > 4.000 g), ou bebê grande para a idade
gestacional (GIG), peso acima do percentil 90 em
curvas de crescimento (Oppermann & Reichelt,
2006), além de outras complicações.
O preenchimento do formulário de coleta foi
feito no período pós-parto. Todas as informações
foram obtidas por intermédio da ficha clínica e
da carteirinha de pré-natal da paciente. Os dados
coletados foram armazenados no programa Access
da Microsoft e apresentados em tabelas com médias
de desvio-padrão, e os cálculos estatísticos foram
realizados no programa SPSS. Para comparar as
doses conforme horário utilizou-se o teste t para duas
amostras, presumindo variâncias equivalentes.
Resultados
Incluíram-se 51 pacientes, 38% do total das
gestantes com DMG, com gestação única, com
diagnóstico de DMG após o primeiro trimestre, que
foram atendidas no serviço até o momento do parto.
As principais características da população foram:
idade materna de 30,5 anos (DP = 4,8), número de
gestações anteriores de 2,5 (DP = 1,4), com índice
de massa corporal pré-gravídico (IMC) de 26,8
(DP = 9,6), ganho de peso durante a gestação de
9,7 kg (DP = 5,8), idade gestacional de chegada ao
serviço de 29,1 semanas (DP = 4,1). Realizaram-se
7,3 consultas (DP = 3,1) semanais no serviço.
– 26 –
Obteve-se o controle glicêmico de todas as
gestantes, com glicemia média coletada em jejum
de 82,1 mg/dL (DP = 11,6) e pós-prandial de
95,7 mg/dL (DP = 19,3). A dose total de insulina
utilizada para controle glicêmico foi reduzida em 34
ui (66,7%), chegando a 0,73 ui/kg/dia (DP = 1,5 ui),
com oscilação de 0,4 a 1,1 ui/kg/dia. A dose média
total de insulina empregada está representada na
tabela 1.
Tabela 1 – Doses de insulina, em unidades internacionais,
utilizadas no tratamento do DMG durante o terceiro
trimestre de gestação
Mínima Média (DP)* Máxima
Antes do café 9 17,1 (DP = 5,6) 32
Antes do almoço 6 13,9 (DP = 4,4) 31
Antes do jantar 6 14,1 (DP = 4,6) 31
Ao deitar 0 9,6 (DP = 6,8) 26
Dose total 21 54,7 (DP = 17,3) 100
* DP = desvio-padrão
A dose de insulina regular utilizada antes
do café (AC) foi significantemente maior que as
outras, a dose ao deitar (AD) foi significativamente
menor que as dos outros horários (p < 0,01) e não
encontramos diferença nas doses antes do almoço
(AA) e antes do jantar (AJ) (p = 0,83). A AC foi
de 33%, a AA e a AJ foram de 25% e a AD foi
de 17% da dose total.
Não encontramos relação entre a glicemia em
jejum antes da introdução da insulina e a ausência
ou redução da dose da insulina NPH noturna
(p = 0,72). Não utilizaram insulina NPH à noite
11,8%, e em 21,6% das gestantes a dose noturna
foi reduzida.
A idade gestacional média no momento do
parto foi de 37,6 semanas (DP = 1,7). O peso médio
dos RNs foi de 3.134 g (DP = 506 g), com 6 RNs
GIG (11,7%). Não houve caso de macrossomia e
óbito perinatal. A hipoglicemia neonatal estava
presente em 8 RNs (15,7%).
Discussão
O número de gestantes que utilizam insulina
depende da população e dos parâmetros glicêmicos
utilizados como objetivo, podendo chegar a mais de
60% (Langer, 2002). Outros autores informam que
30 a 40% das gestantes com DMG utilizam insulina
Revista Saúde e Ambiente / Health and Environment Journal, v. 10, n. 1, jun. 09
(Kimber-Trojnar et al., 2008), número semelhante
ao encontrado em nossa população (38%).
A glicemia da grávida é mais baixa que a
da não-grávida. Gestantes normais têm glicemia
em jejum relativamente baixa, apresentando
valores pré-prandiais inferiores a 65 mg/dL e
pós-prandiais, mesmo 1 hora após uma refeição
rica em carboidratos, de no máximo 120 mg/dL
(Jovanovic, 2001). A glicemia em jejum de uma
gestante com DMG não deve exceder 95 mg/dL;
já 1 hora após a refeição esse valor não deve
ser maior que 140 mg/dL (American Diabetes
Association, 2008).
O controle glicêmico é de especial
importância para a redução das complicações
perinatais (Byrne et al., 2008). Em nossa amostra,
as glicemias permaneceram nos limites desejados,
com glicemia média em jejum de 82,1 mg/dL e
pós-prandial de 95,7 mg/dL.
As doses alteram-se conforme o trimestre e
o peso atual da paciente, embora haja variações
individuais (Mathiesen & Vaz, 2008). A dose total
deve ser dividida em quatro tomadas, sendo três
doses iguais de insulina regular antes das principais
refeições e uma dose de insulina intermediária
(NPH) ao deitar (Nachum et al., 1999; Leslie,
1999). Esses resultados são conflitantes com os
encontrados em nosso estudo, em que as doses na
mesma paciente, conforme o horário, não foram
iguais; a dose de insulina regular da manhã foi
aumentada, e a de insulina NPH utilizada ao
deitar foi reduzida na maioria das pacientes. A
dose antes do café foi de 33%, a de antes do
almoço e antes do jantar foi de 25%, e a dose ao
deitar foi de 17% da dose total.
A insulina NPH noturna, quando a gestante
tem glicemia em jejum normal, pode ser
diminuída ou excluída (Jovanovic, 2004). Não
encontramos relação entre a glicemia em jejum
e a insulina NPH noturna, porém 33,4% das
gestantes não utilizaram ou reduziram a dose da
NPH noturna.
A dose total encontrada estava de acordo
com o esperado (54,7 ui). Langer, em revisão da
literatura, encontrou uma dose média de insulina
de 56 ui nos EUA (variação de 51 a 65 ui) e de
apenas 23 ui (variação de 15 a 70 ui) em outros
países (Langer & Hod, 1996).
A dose de insulina conforme o peso oscila entre
0,7 ui/kg no primeiro trimestre e 2 ui/kg no último
– 27 –
trimestre, em pacientes obesas (Jovanovic,
2004). A dose utilizada em nossa população foi
menor (0,7 ui/kg/dia) que a citada na literatura
e até mesmo menor que a dose inicial utilizada
em nosso estudo (0,9 ui/kg) e recomendada pela
literatura para o terceiro trimestre da gestação
(Nachum et al., 1999). A maioria das nossas
gestantes (66,7%) necessitou da redução da
dose inicial.
Segundo Jovanovic (2004), as gestantes com
glicemia em jejum superior a 90 devem utilizar
insulina NPH ao deitar. Não encontramos
relação entre a glicemia em jejum antes da
introdução da insulina e a ausência ou redução
da dose da insulina NPH noturna (p = 0,72).
A macrossomia é cerca de duas vezes
maior nos RNs de mães com DMG quando
comparados com RNs de mães não-diabéticas.
Isso ocorre principalmente em virtude de uma
superabundância de nutrientes (Yogev & Visser,
2008). �����������
Montenegro et al. �������������������
(2001) encontraram
nos RNs das gestantes com DMG, na cidade de
Ribeirão Preto, 48,6% de hipoglicemia e 24,6%
de macrossomia, números muito superiores aos
verificados em nosso estudo. Não encontramos
RNs macrossômicos e apenas 15% apresentaram
hipoglicemia neonatal, demonstrando assim um
excelente resultado perinatal obtido com essa
metodologia de insulinoterapia.
Conclusão
Utilizando-se uma dose média de insulina
durante o terceiro trimestre da gestação de 0,7
ui/kg/dia para obtenção do controle glicêmico
materno, com a dose AC de 33%, AA e AJ de
25% e AD de 17% da dose total, obtiveram-se
excelentes resultados perinatais.
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