Redução na eficiência da mitocôndria prolonga a vida
Não é de hoje que se conhecem os efeitos benéficos da restrição
calórica – basicamente, comer pouco – sobre a saúde e a longevidade. O problema é que as pessoas querem comer mais, e não menos. Para cinco pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo), a saída talvez seja enfraquecer as pilhas do organismo para fazê-las trabalhar melhor. Parece paradoxal, e é. A médica Alicia Kowaltowski e suas colegas do Instituto de Química centraram fogo nas mitocôndrias, organelas que fornecem energia para as células. Encontraram um modo de diminuir sua eficiência em camundongos, o que prolongou a vida dos roedores em cerca de 7%. De quebra, baixou seus níveis de glicose, triglicérides e insulina.
Kowaltowski explica que as mitocôndrias colecionam elétrons dos
alimentos (carboidratos, proteínas e lipídios) e os transportam para o oxigênio, gerando água. É o chamado processo de respiração celular, que libera energia para organismo.
O transporte de elétrons deixa o lado de dentro da mitocôndria
negativo, e o de fora, positivo. Essa diferença é usada como fonte de energia para gerar ATP, a principal molécula usada pelas células como fonte de energia.
A mitocôndria funciona como uma verdadeira bateria: fornece
energia que vem da diferença de carga entre seu pólo negativo interno e o pólo positivo externo.
O quinteto de cientistas decidiu mimetizar a restrição calórica com a
ajuda do 2,4-dinitrofenol (DNP, para simplificar), um "desacoplador" de mitocôndrias. Ele promove uma diminuição na diferença de carga, transportando prótons (que têm carga positiva, ao contrário do elétron) para dentro da mitocôndria. É como se fosse um "curto- circuito" na bateria intracelular, resume Kowaltowski. Com menos energia utilizável para a mesma quantidade de alimento ingerida, as mitocôndrias têm de trabalhar mais para fornecer a mesma quantidade de ATP. Com a intensificação da respiração celular, sobram menos radicais oxidantes para danificar os tecidos. Essa seria a origem dos efeitos benéficos do DNP sobre a saúde e a longevidade dos camundongos.
O grupo da USP apresentou esses resultados em artigo publicado
online no periódico especializado "Aging Cell" (www.blackwell- synergy.com/loi/ACE). Também patenteou o uso do DNP na prevenção de problemas do envelhecimento, como o diabetes tipo 2. Diferentemente do resveratrol, composto presente no vinho tinto que também aumenta a longevidade, o DNP funciona inclusive com dietas pobres em gordura.
Curioso é que se trata de uma substância bem conhecida -na
realidade, como uma espécie de veneno. O DNP chegou a ser usado, sete décadas atrás, em pílulas para emagrecimento, mas a sua alta toxicidade combinada com a pressa de emagrecer levou à morte de alguns pacientes e ao banimento de seu uso clínico. Kowaltowski e colaboradores seguiram o princípio de que os venenos se definem pela dosagem. Aplicaram nos roedores doses entre um décimo e um centésimo das pílulas consideradas perigosas. Mas não alimentam a ilusão de vir a usar o próprio DNP numa futura droga antienvelhecimento.
"O que nossos estudos indicam é uma nova estratégia para
controlar envelhecimento e doenças associadas: o desacoplamento mitocondrial", conclui Kowaltowski. Seu plano é desenvolver e testar novos desacopladores, modificando o dinitrofenol para criar drogas eficazes em doses não- tóxicas. Quem viver verá -e viverá mais.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da
Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).