Introdução
É para mim gratificante retomar a reflexão sobre a questão do desenvolvimento urbano e
regional, especialmente nesta conjuntura em que se coloca no horizonte próximo a
oportunidade de uma ampla mudança da vida política brasileira.
Assinale-se neste ponto que a cada um dos grandes ciclos de expansão da economia
corresponderam políticas regionais/urbanas que refletiam a conjuntura de forças políticas,
a conjunção de interesses privados e a forma específica de articulação do projeto nacional
de desenvolvimento. O Plano de Metas, por exemplo, conjugou um forte impulso ao
processo de industrialização nucleado em São Paulo com investimentos infra-estruturais de
integração nacional (em energia e transportes) e com uma nova política de incentivos aos
investimentos no Nordeste mediante a criação da Sudene.
É evidente que o sistema urbano brasileiro foi grandemente afetado por esses ciclos de
expansão. O sistema financeiro de habitação, sob o BNH, funcionava como alavanca de
sustentação dos investimentos urbanos na construção civil, assim como o Planasa e as
empresas estaduais de saneamento (ambas com base nos recursos do FGTS) apoiavam o
saneamento básico. Especialmente, desde o fim dos anos 60 e ao longo dos anos 70,
ocorreram grandes surtos de investimento urbano infra-estrutural e habitacional cuja
história ainda precisa ser bem sistematizada. As áreas metropolitanas estaduais se
expandiram notavelmente, a urbanização se acelerou, os sistemas estaduais de cidades
foram se integrando. O emprego urbano cresceu vigorosamente criando oportunidades
ocupacionais e evitando uma caotização maior, decorrente desse movimento acelerado.
No plano da política de Estado, é importante registrar que, nos anos 90, subsequentemente
ao processo de crise dos anos 80, em vez de se postular o saneamento, a reorganização e a
reconstrução dos mecanismos estatais de governança, a elite brasileira, via resultado das
eleições presidenciais de 1989, com a ascensão de Fernando Collor, e depois com a eleição
de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, empurrou o país não para reconstruir e
reestruturar o Estado, mas sim para a conclusão de que este estava corroído em tal
extensão, que a melhor opção seria a de abandonar o modelo de desenvolvimento
coordenado.
O que se viu, porém, nos anos 90, foi que esses novos mecanismos privados são movidos
por uma lógica muito mais defensiva e oportunista, como aliás seria de esperar, porque o
capital privado tem aversão a riscos, tem a dificuldade natural de incorrer em riscos de
longa maturação etc. Ademais, esses riscos foram agravados pelo contexto pós-
estabilização. A arquitetura do Plano Real vulnerabilizou a economia com tal velocidade e
em tal extensão que tornou insustentável e inconfiável sua trajetória de crescimento. O
capital privado se defronta com uma economia grande, continental, com enorme
potencialidade, mas, ao mesmo tempo, muito dependente do mercado internacional de
capitais. Qualquer evento adverso e turbulento no plano internacional rebate
desfavoravelmente sobre as expectativas privadas, rebate sobre as taxas de câmbio e de
juros no Brasil. Em suma, há grande vulnerabilidade, porque é necessário obter capitais em
grande escala para rolar o estoque de dívidas bancárias e de bônus privados (cerca de US$
30 bilhões/ano) e, ainda, financiar um déficit corrente de, pelo menos, US$ 20 bilhões/ano.
Enquanto havia um portfólio de patrimônio público (empresas e participações estatais)
disponível para ser privatizado, era mais fácil atrair capitais. Mas quando a incerteza
política interna e as turbulências internacionais aparecem na cena os capitais se tornam
mais escassos, e isso coloca em séria dificuldade a gestão macroeconôrnica brasileira.
Esse é um processo que não permite trajetórias confiáveis e sustentáveis e, portanto, não dá
ao setor privado um horizonte com risco toleravelmente baixo para induzi-lo a projetos de
investimento de maior envergadura. Por essa razão fundamental, o projeto "Eixos"1
tornou-se inviável. Porque o projeto "Eixos" inicia confessando que o Estado brasileiro,
tendo sido desmontado e tendo perdido seus mecanismos de governança, aposta na ideia
de que há possibilidade de identificação de um portfólio de projetos considerados, de
antemão, economicamente viáveis, dada uma análise de impactos de implantação dessas
infra-estruturas etc. O projeto aposta na idéia de que tais projetos logísticos seriam viáveis
a luz dos fluxos de uso preexistentes e à luz de um suporte mínimo de investimentos
definidos no PPA (Programa Plurianual de Investimentos).
Havia, entretanto, uma política não-explicíta, que era a política regional embutida nas
grandes iniciativas da área económica do governo. Uma política regional efetiva, que
estava por trás dos pacotes de investimento induzidos pelo governo em cada momento.
Quando se decidiu criar a Copersul, em Triunfo no Rio Grande do Sul, foi uma decisão
política de natureza regional. O mesmo se pode dizer quando foi feito o Pólo Petroquímico
em Camaçari, ou quando, no âmbito do II PND, se montou uma série de investimentos de
grande escala como o Complexo Carajás, o programa nuclear, expansão do setor de
celulose no Sul da Bahia etc. Enfim, a gestão de uma série de investimentos baseados em
arranjos de políticas setoriais e industriais pelo setor público, com o manejo de
instrumentos creditícios, tarifários e de crédito fiscal etc, era objeto de decisão política
locacional com fortes impactos urbanos e sub-regionais. Essa política regional implícita,
que sempre foi praticada, é tão ou mais relevante para entender a dinâmica regional
brasileira do que a política formal das agências regionais.
Dizer que ficou a cargo do mercado é afirmar, na verdade, que ficou a cargo da guerra
fiscal, porque os estados brasileiros passaram a ser agentes autônomos na tentativa de usar
a isenção do ICMS como base de políticas individuais de atração dos investimentos
privados, que estavam em um momento de baixa. A disputa pelo escasso, em um momento
de dificuldade, levou a uma exacerbação da guerra fiscal. É verdade que o plano de
estabilização, em 1994/1995 e 1996, criou um importante ciclo de investimento privado,
porém de curta duração. Houve um ciclo poderoso de inversões na indústria
automobilística que a guerra fiscal realocou espacialmente a custos exorbitantes para as
finanças dos estados que conseguiram atrair os novos projetos (Paraná, Rio Grande do Sul,
Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro). Esse ciclo, porém, redefiniu o desenho geográfico
do setor automotriz no Brasil.
Que reflexões são essas? Primeiro, se coloca o desafio de reconstruir uma trajetória de
crescimento da economia que seja sustentável. Se a economia não tem uma trajetória
sustentável, pensar em um projeto nacional fica algo etéreo. Um projeto nacional não se
sustenta em uma economia que não tem horizonte de crescimento. Segundo, não tem
política regional que se estruture em um sistema instável, que não tenha horizonte.
Vale destacar que, em 2002, teremos uma oportunidade única de mudança de rumo do país
para construir esse horizonte. Se frustrada essa perspectiva, as consequências podem ser
trágicas, podendo tornar a vulnerabilidade quase irreversível. Com efeito, a dificuldade de
reconstrução do país se ampliará tremendamente se, em 2002, vencer uma opção
continuísta.
Se, em 2002, a sociedade brasileira não optar por mudar o Estado brasileiro e colocá-lo em
uma outra direção, estaremos diante de um risco de irreversibilidade de uma trajetória de
desestabilização econômica e de desagregação social por insolvência das contas externas e
por risco de default da dívida interna. Esse risco cobra, então, de nós, como intelectuais, a
responsabilidade de pensar uma alternativa. Essa alternativa, certamente, tem que começar
com uma redução, a mais rápida possível, da vulnerabilidade brasileira no balanço de
pagamentos, para dar sustentabilidade ao crescimento, isso significa construir um superávit
comercial de grande escala, superior a US$ 18 bilhões/ano, o que implica montar uma
incisiva política pró-exportação e de substituição de importações.
Trata-se de uma reflexão de complexidade e densidade imensas, mas que precisa ser feita.
Envolve não só olhar as macrorregiões e os sistemas de incentivos macrorregionais que
ainda persistem, mas exige lidar com o fato de que o Brasil é 80% urbano e tem um grande
sistemas de cidades associado a sistemas urbano-regionais. Pode-se dizer que há um
sistema urbano que pode ser pensado no plano nacional, mas, na verdade, é um sistema
urbano que se estrutura regionalmente. Assim, no meu entendimento, é indissociável
pensar as regiões, entendidas aqui não como as cinco macrorregiões legais, mas como re-
giões economicamente homogêneas onde um certo conjunto de setores econômicos exerce
uma dominância sobre a sua dinâmica econômica. Por exemplo, em uma região encontra-
se um determinado pólo industrial ou uma agricultura de cerrado homogeneamente
estruturada. Esses são casos fáceis de identificar. Se uma região tem uma estrutura
definida, é homogênea e tem uma dinâmica determinada por condições claras (ou uma
não-dinâmica, se estiver em estagnação), a análise fica facilitada.
Mas existem situações no espaço nacional muito mais complexas, onde se tem um
conjunto de estruturas, um conjunto de setores e de atividades. O segredo aqui é desvendar
qual o conjunto de setores que exerce dominância e quais outros lhe são subsidiários. A
reflexão sobre áreas metropolitanas é, por exemplo, muito mais complicada, porque há
uma dominância de serviços, às vezes misturada com indústria. Como é que se faz a
polarização dessas áreas em torno do espaço? Há dimensões distintas, dependendo do tipo
de serviço, do tipo de atividade. Pode polarizar regiões imensas ou mesmo o país inteiro.
Por exemplo, no caso de São Paulo, há um mercado de capitais de dimensões que a fazem
núcleo financeiro do país. Na verdade, São Paulo polariza não apenas o Brasil, mas até
pedaços da América do Sul inteira. Mas, sob outras dimensões, esse mecanismo de
polarização é diferente.
Há, então, uma reflexão metodológica a ser feita e sobre a qual não posso me aventurar
neste breve espaço. Essa reflexão deve casar a metodologia de estudo dos sistemas urbanos
com a identificação dos conjuntos de atividades, tendo como eixo um conceito de
dominância na dinâmica dos processos de acumulação de capital. É preciso levar em conta
em cada caso se se trata de uma região que tem uma trajetória de crescimento ou de
estagnação, e compreender as causas desse processo. Esse esforço de regionalizar o Brasil,
a partir dessa percepção, e de entender o sistema como um todo, obviamente, é um esforço
que tem de ser refeito a cada momento, mas que precisa ser renovado agora.
E é esse tipo de esforço que permitira olhar criticamente o projeto "Eixos". Esse projeto,
foi construído a partir de uma visão mais estreita e específica baseada em olhar os grandes
fluxos de carga logística no espaço nacional e estruturá-los em termos de grandes eixos
ideais, projetando demandas futuras em certos casos e/ou tendo como base as correntes
atuais de carga em determinadas regiões. Na verdade, o conceito de logística predominou
sobre os outros critérios. Obviamente, isso está divorciado de uma percepção de
regionalização que tem que levar em conta a substância do conjunto de atividades e a
dinâmica da população, que é guiada em grande medida pela capacidade de atração
migratória da dinâmica econômica. Ou seja, a dinâmica econômica precisa ser entendida,
para que se possa compatibilizá-la a essa idéia dos "Eixos" logísticos, para ver o que se
pode aproveitar em termos de mérito desse projeto, pois não faz muito sentido jogar no
lixo esse esforço que foi dispendioso aos cofres públicos.
Torna-se imprescindível refletir sobre como é que certos processos regionais nascem e
prosperam, como é que se gera uma mudança de cultura e de liderança em um determinado
processo por força da ação de atores que vem de baixo para cima. O desafio seria o de
como estruturar essas forças privadas em torno de atividades econômicas
competitivamente viáveis dentro do plano do mercado nacional ou dentro do plano de um
cenário mais amplo de competitividade. Como é que esses processos se estruturam? Isso é
uma questão sobre a qual a reflexão, aos poucos, tem avançado. Há uma rede de reflexões
a respeito desses "pólos", desses "núcleos", que se tem conhecimento, mas acho que passos
avante exigem sistematização e dados.
Há, porém, uma agenda nova de política regional que deveria ser repensada e recolocada
com um pouco de sonho, com um pouco de audácia, mas que me parece indispensável.
Refiro-me ao desenvolvimento de regiões geo-homogêneas e de áreas metropolitanas em
torno de atividades ou conjuntos de atividades nucleadas por cadeias ou por redes de
pequenas empresas de indústria/serviços formando arranjos locais de inovação. Há o
desafio de como articular políticas que exigem o concurso simultâneo de decisões
municipais, estaduais e federais. Novos papéis e funções deveriam ser concebidos para os
organismos de regulação, de crédito e fomento (bancos públicos, sistema Sebrae). A idéia
de criação de instituições financeiras específicas (tipo cluster-banks) poderia ser
desenvolvida, e assim por diante.
Por fim, é essencial rediscutir o panorama prospectivo por macrorregião, para reformatar e
modificar as políticas neste plano, devolvendo sentido, eficácia e consistência à
Sudene/BNB e à Sudam/Basa.
Anexo
Segue-se texto que reproduz debate em torno da apresentação oral do Prof. Luciano
Coutinho, sendo destacadas questões dos Profs. Clélio Campolina Diniz, Rinaldo Barcia e
Maria Flora Gonçalves.
Em segundo lugar, concordo inteiramente que, para bem ou para mal, a abertura da
economia já atingiu um certo nível, sendo irreversível em vários pontos, e, portanto, o
país tem que repensar a sua integração ao mercado internacional, mas não da forma que
foi feito até agora. Existem diferentes maneiras de se integrar na dinâmica das
transformações mundiais, mas é importante pensar numa integração crescente, inclusive
com os olhos voltados para a América do Sul. Acho que isso é prioritário. E nessa
perspectiva, a infra-estrutura econômica, e em especial o sistema de transportes, o sistema
viário, é decisivo na reestruturação do espaço. Portanto, não é à toa que o trabalho sobre
os "Eixos" viários acaba sendo chave como mostra a literatura de economia regional
desde o Von Thunen, desde o século XIX. O transporte é fator de reestruturação do
espaço. É a história do desenvolvimento europeu. O desenvolvimento histórico americano
também mostra que os sistemas viários acabaram reestruturando o espaço econômico.
Essa perspectiva tem que ser considerada e, de mais a mais, o estudo dos Eixos baseou-se
na expectativa de que o setor privado ou mercado empreendesse os investimentos. 0 setor
privado obviamente só estará disposto a fazer investimentos em regiões onde o retorno
económico seja claramente favorável. Decerto não se pode pensar em integração de um
país com as características continentais do Brasil só em termos de project fínance ou de
taxa de retorno económico. O Estado tem que ser recolocado. De maneira muito objetiva
e decisiva, não há outra forma de pensar a integração territorial-regional do Brasil sem
investimentos públicos. O estudo dos Eixos, ademais, contém sérios equívocos de
regionalização. Aquilo é um recorte do mapa brasileiro sem uma justificativa econômica
de polarização. Isto é condição fundamental: compreender a dinâmica da polarização
econômica. Nós, aliás, estamos fazendo um trabalho dessa natureza. É imprescindível
pensar as regiões numa perspectiva de fluxos, mas levando em conta os centros
polarizadores atuais do ângulo das mudanças estruturais contemporâneas. Essas condu-
zem a uma importância crescente do urbano, e do urbano não necessariamente industrial.
Antes de tudo, do aspecto urbano que nós economistas estamos muito despreparados para
analisar, que chamamos de setor serviços. Este é um conjunto extremamente heterogêneo
e diversificado de atividades, no qual o grosso da ocupação está hoje centrada. Portanto, é
necessário repensar teórica e empiricamente o significado e a dimensão do setor serviços
na economia. Essa é uma questão mundial e é uma questão brasileira também.
Mais ainda, sempre foram importantes a tecnologia e a inovação, mas, hoje mais do que
nunca, no bojo das transformações tecnológicas contemporâneas, repensar um projeto
nacional implica repensar um projeto tecnológico que seja capaz de alavancar o
desenvolvimento de forma integrada.
Rinaldo Barcia
Na verdade, tenho não uma pergunta, mas uma provocação que vou fazer ao meu colega
Luciano Coutinho. Vou linearizar o raciocínio do Prof. Luciano. Para um projeto
nacional, é necessário um desbloqueio do investimento público. Atrás do investimento
público viria o investimento privado. Portanto, reativa-se a demanda efetiva, o país cresce
e se acoplam três dimensões do desenvolvimento regional das quais o Prof. Campolina
falava. Bem, como disse, estou linearizando o raciocínio, mas isso me parece um pouco o
ovo e a galinha. 0 exemplo que dou é o seguinte: o Mercosul, em certos momentos, era
um projeto de Estado, Brasil/Argentina. Muita gente, no início dos anos 1990, acreditava
no Mercosul. De repente, deu certo, até um determinado momento. Agora, está fazendo
água novamente, ou seja, não deu tanto certo assim. O ponto é o seguinte: em que medida
se pode, efetivamente, imaginar, desenhar e juntar forças políticas que componham esse
projeto nacional? Como assegurar que ele dê esse resultado pretendido? Ou seja, como
dar vida ao projeto nacional dadas as forças políticas que aí estão? A pergunta é: no
projeto "Eixos", o setor privado embarca ou deixa de embarcar? Só embarca, como já foi
dito e repetido aqui, onde é rentável e, portanto, como fazê-lo embarcar onde não há
rentabilidade suficiente? Exportar é fácil, parece, mas as multinacionais têm seus pianos,
suas divisões internacionais de trabalho, sua estratégia mundial e, assim, não é fácil
empurrar a multinacional para exportar a partir da base brasileira, na medida em que elas
vieram para cá primordialmente visando à ocupação do mercado nacional. São
dificuldades não triviais. Talvez a resposta seja longa, mas me preocupa muito a idéia de
que tendo um "projeto nacional" tudo estaria resolvido. Coloco essas questões como
provocação porque sei que as respostas não são simples.
Luciano Coutinho
Essas três perguntas são desafiadoras e complexas. A intervenção do Prof. Clélio
Campolina é largamente complementar e elucidativa de pontos que expus de maneira
rápida Creio que ele os complementou muito bem. Queria sublinhar a importância do
setor serviços, a importância do peso do setor serviço dentro dos sistemas urbanos, a
caixa-preta que é o setor serviços para a maioria dos economistas, o déficit enorme de
conhecimentos e de estudos sobre a dinâmica do setor serviços, a ignorância sobre a
dinâmica de geração de empregos e de renda dentro do setor serviços. O Prof. Campolina
corretamente apontou essa deficiência de conhecimento.
A economia americana, por exemplo, agora está sendo sustentada pelo setor serviços, o
que está evitando um crash perigoso para o mundo inteiro. É o emprego em serviços que
está mantendo à tona a economia americana. O emprego industrial está sendo queimado
rapidamente, enquanto o emprego em serviços está se sustentando, auxiliando assim o
emprego agregado e evitando um crash. Há uma dinâmica de serviços novos, ainda mal-
entendída e mal estudada. Obviamente, em certo limite essa dinâmica de serviços não se
sustenta sozinha, mas ela tem dado urn suporte à formação de renda que é muito mais
importante hoje do que foi no passado. O setor serviços parece ter um papel anticíclico,
estabilizador. A pequena empresa de serviços não é uma firma clássica. Ela é uma
maximizadora de renda e tem características muito mal estudadas pelos economistas e que
deveriam ser mais bem analisadas. Sublinho esse ponto para entender como os sistemas
urbanos têm relevância. Claro que, no caso do Brasil, esse setor tem uma precariedade,
um grau elevado de informalidade e uma natureza muito diversa do panorama americano,
mas há, também, uma mistura do novo, do informal e do velho que está infelizmente
muito mal estudada.
O Prof. Rinaldo e a Prof- Flora fizeram questões diferentes. Rinaldo fez uma provocação
relativamente difícil e fácil de responder. Fácil, se eu disser que, sem um projeto nacional
que organize o país não vamos a lugar algum. Deixar aos mercados as soluções, nós já
sabemos o caminho. É um caminho altamente acidentado, com altíssimo potencial de
aprofundamento das desigualdades e de não-integração do espaço nacional, exatamente
porque o mercado só se interessa por aquilo que é rentável e não vai fazer nada que não
seja seguramente rentável, especialmente sob uma estrutura macroeconômica de alto
risco, de alta acidentalidade. A tendência dos investimentos privados é exatamente de se
concentrar nas áreas já desenvolvidas e bem dotadas e excluir as demais. Assim, tirando
breves momentos em que a economia cresce e se sustenta um pouquinho, apoiada em
pequenas ondas de investimentos depois tudo reflui e volta à fragmentação. Esse é um
filme que andamos vendo há muito tempo. Por isso coloquei com veemência o ponto de
que o país precisa retomar a capacidade própria de tomar decisão quanto à política
macroeconômica nacional e não deixar essa decisão ser tomada pelos mercados externos.
Meu ponto é que é preciso ter uma outra qualidade de política, para que possamos fazer
outro tipo de reflexão, que tenha impacto político sobre a sociedade. Se não ficamos
presos a um conformismo que me desagrada muito. Creio que há uma obrigação de
refletir, em um país em desenvolvimento, e de propor alguma alternativa que possa estar
estruturada em um projeto nacional. Não vejo como fugir disso. Obviamente, Rinaldo tem
razão em apontar que há uma dificuldade muito grande de remontar um projeto nacional
de desenvolvimento. Qualquer projeto requer a construção dessas precondições econó-
micas, e isso exige intervenções fortes do Estado. Exige, inclusive, que o Estado consiga,
em uma aliança (forçosa ou amistosa) com as multinacionais, fazê-las exportar, dando-
lhes um mínimo de incentivos. Exige o reforço financeiro dos setores nos quais o capital
nacional é dominante, para que eles possam competir internacionalmente. Exige uma
política de taxa juros do BNDES, temporariamente subsidiada, para grandes projetos de
exportação, o que incorreria em problemas durante um certo tempo, podendo haver
contestações na OMC.
Enfim, exigiria uma firme vontade política para construir tudo isso. É curioso, porém,
assinalar que existe consenso nacional sobre a necessidade de o país exportar para reduzir
a vulnerabilidade. Resta saber se um novo governo terá clareza, firmeza e vontade política
para mover o país nessa direção, posto que essa opção pode esbarrar em resistências,
internas e externas. Então, como Rinaldo apontou, corretamente, é preciso ter um
conjunto de forças comprometidas com essa nova opção. Isso significa o seguinte: a
coalizão vencedora em 2002 não pode ser a coalizão liberal conservadora que dominou o
país até agora. Ou uma nova aliança de forças políticas ganha em 2002 e muda o rumo da
política econômica, ou, então, só restará o caminho da resistência crítica que é o que foi
feito até agora. Mas é claro que a opção continuísta, liberal-conservadora, não permite um
projeto organicamente estruturado de desenvolvimento regional que resguarde as três
dimensões que Campolina colocou tão bem (não só olhar a integração físico-terrítorial,
mas também zelar pela integração social e económica do país, no sentido de reduzir suas
desigualdades e de desfechar projetos sustentáveis de desenvolvimento nos planos
mesorregional e microrregional).
Aqui abordo a questão da Profa Flora. Suponha que não haja uma coalizão política, nova,
armada no plano nacional: o que seria possível fazer nos planos regional, municipal e
estadual? Eu diria que dá para fazer pouco, mas que isso não é desprezível.
Como é que se responde a tudo isso? Como é que se organiza tudo isso? Essa pergunta é
difícil de responder, mas creio que é um espaço de reflexão política que deve ser feito
simultaneamente à análise da dinâmica e das vocações mesorregionais e microrregionais.
Essa reflexão não deve desconsiderar nunca esse jogo de forças. Deve procurar partir do
entendimento de como é que se estruturam as forças políticas locais/regionais e de como
estas passam a ter peso e comando, frequentemente no plano nacional. Lembremo-nos de
que quando há determinadas votações no Congresso, bancadas parlamentares inteiras se
estruturam, são homogêneas e votam, às vezes suprapartidariamente, em razão de suas
solidariedades locais ou regionais. Às vezes, são verdadeiros fiéis-de-balança, moeda de
troca para outros interesses federais importantes e terminam, assim, agarrando recursos e
investimentos. Então, o conflito pela distribuição do escasso potencial de investimento
público é e continuará sendo muito relevante. Possivelmente seria mais fácil e viável lidar
com esses conflitos se houvesse uma clara liderança do governo federal em torno de um
grande projeto regionalizado de desenvolvimento que lhe permita ter a iniciativa do jogo,
apontando opções e apaziguando os conflitos.