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Autoavaliação de Direito e Sociedade na América Latina 1

Jonas Lucas Vieira2

Quando penso em autoavaliação, remeto-me imediatamente a duas


circunstâncias: uma na qual não existem questionamentos sobre as
deficiências e as dificuldades das pessoas, acreditando-se já saber a
potencialidade e o mérito de cada uma delas; e, outra, em que se adentra o
universo contraditório de/ou sobre si, expondo facetas deficientes e nuances
satisfatórias que se digladiam em busca de um entendimento sobre o que é ter
potencial e merecimento nesta vida. Nesse cenário, cada um com seu dom de
iludir e sabendo a dor e a delícia de ser o que é, como Caetano Veloso e Gal
Costa cantam. Confesso, duvido desse universo sem questionamento e não
sou adepto da potencialidade e do merecimento que se exacerbam dele, pois,
seguindo o canto de Noel Rosa, pra quê mentir se eu ainda não tenho esse
dom de saber iludir. Por isso, não será tarefa fácil fazer aqui uma autoavaliação
acerca de um tema tão controverso quanto o direito e a sociedade na América
Latina, já que a ilusão faz parte do dom de muitos que vivem esse direito e
essa sociedade latino-americanos. Mas, enfatizando as palavras da banda de
hardcore Dead Fish, vamos lá, lutar por um ideal e se viver é resistir, então
será.
As discussões surgem com a busca de desconstruir o “mito da
modernidade”, eurocêntrico, e o “encobrimento do outro”, a gente, latino-
americanos. Por meio dessa análise, captei que os europeus introjetaram a
noção do descobrimento das Américas, como se fôssemos um continente à
espera deles para sermos descobertos e galgados a status de gente, tanto que
muitos de nós, brasileiros, achamos que a Europa é que é lugar de gente
civilizada e sonhamos com alguma “Meia-Noite em Paris”, como na fantasia de
Woody Allen, ou, até menos, com a foto do perfil do Facebook tirada embaixo
do Big Ben londrino. Eles também nos colocaram a necessidade de
colonização como algo natural, de que precisaríamos ser domesticados a tal
ponto que muitos conterrâneos recifenses acham que holandeses fariam bem a
1
Texto desenvolvido para a disciplina Direito e Sociedade na América Latina, do curso de graduação em
Direito, da Universidade Federal de Pernambuco, ministrada pela professora Maria Lúcia Barbosa.
2
Discente do curso de graduação em Direito, da Universidade Federal de Pernambuco.
Pernambuco se não tivessem sido expulsos. E mais, os eurocêntricos
estabeleceram a obrigação de aceitarmos o cristianismo deles, especialmente
o vinculado à Igreja Católica Apostólica Romana, como o meio de nossas
crenças, extirpando os ritos e as culturas da gente (indígenas e africanos), de
tal modo que uma imagem de Iansã chega a ser ridicularizada e degolada, em
pleno século XXI, na Faculdade de Direito do Recife (uma instituição pública de
ensino sobre os direitos, inclusive o de liberdade de crença); e, se buscarmos
um pouco mais, encontraremos uma comunidade quilombola do interior
pernambucano – Trigueiros – sem templo religioso afro (os terreiros), mas com
duas igrejas (uma evangélica, outra católica) e uma imagem de Zumbi dos
Palmares entre elas, isolada no meio da rua.
Foram esses alguns exemplos de como a questão do moderno ligado ao
eurocentrismo repercutiu, e até hoje repercute, na nossa formação, enquanto
povo ocultado, extirpado e negligenciado. Deixamos de lado valores
fundamentais, enquanto latino-americanos, para valorizarmos, muitas vezes, o
que nos foram colocados como “melhor, civilizado, bom e interessante”.
Esquecemos de que se vincular à nossa essência é preciso, mas o que seria
ter uma essência em meio a um amontoado de valores advindos com a cultura
do outro? Do de pele clara, cabelo liso e olhos claros? Cadê os de pele escura,
cabelos crespos e olhos pretos? Os gritos do grupo punk Gritando HC talvez
possam nos responder, pois dizem que não existem leis para todos no Brasil e
que, julgando sempre a favor deles, os incumbidos de legislar e de julgar atuam
(por coincidência, ou não, também são de pele clara e de cabelo liso, como os
modernos eurocêntricos) matando a todos diante do Código Civil. Esses
“todos” podem apontar para o caminho daqueles de pele escura e cabelos
crespos, não só uma morte concreta, mas também simbólica. Essas pessoas,
dentro de um país ou uma região miscigenada como a nossa, estão muito
distantes dos lugares de poder (das feituras das leis e de julgar por meio delas,
por exemplo) e, mais ainda, dos desejos de pertencimento de toda a população
latino-americana. Talvez porque, ressaltando a cantoria do trio porto-riquenho
Calle 13, somos [América Latina] o que eles deixaram, todo o resto do que
roubaram, uma aldeia escondida no topo.
Muitos de nós, de pele escura e de cabelos crespos, acabamos tendo
como caminho o de correr e de burlar a lei, sendo clandestinos pelos dizeres
de Manu Chao. Vamos sozinhos, com as nossas dores e condenações para
uma cidade do norte trabalhar. Lá, vivemos nos guetos e continuamos a ser
explorados, jogados em empregos considerados subdesenvolvidos, como os
nossos países. Mas, não raro, nos orgulhamos de viver na “civilização”, pois
precisamos conhecer a cultura, a língua e os costumes do outro, do civilizador.
Ou, simplesmente, pelo prazer de fazer parte desse “mundo civilizado”, onde
ser tratado como subdesenvolvido é um mero detalhe diante da grandiosidade
de se estar em meio à civilização. Com isso, até burlamos a lei para adentrar a
potencialidade europeia, é só um mero detalhe.
Porém, não vamos trabalhar e nem aprender a cultura, a língua e os
costumes dos nossos vizinhos, os latinos, também de pele escura e cabelos
crespos. Não há graça nisso, não existe valorização neles, eles são piores do
que a gente e dizem que “te juntes a um ruim e serás pior do que ele”.
Ninguém quer ser o pior, então, vamos nos juntar aos melhores. Ora, pois, todo
mundo busca ser o melhor, vai dizer que não? Por isso, temos que nos juntar
aos melhores, nos destacarmos, sermos os melhores e estarmos sempre entre
os melhores de tudo, de todos os espaços. As melhores escolas e faculdades,
os melhores países, estados, cidades e bairros, as melhores profissões e
empresas, os mais inteligentes, os mais bonitos, os mais, mais, mais... Cada
vez mais, mais, mais... E esse mais tem fim um dia? Tem sim, olha. Basta
tirarmos cada vez os menos, menos, menos... E aí vamos ficar com cada vez
mais, mais... E existirão cada vez menos os menos, menos... Por isso, vamos
aos mais e esqueçamos os menos. Mas e nosso direito pátrio de que todos são
iguais perante a lei? De que não há que existir distinção de qualquer natureza?
Que todos possuem o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade? Quem é do grupo dos menos tem alguma dessas garantias?
Se alguém não tem, é porque não se esforçou o suficiente. E menos é
mais para a gente, não! Trabalhamos e estudamos muito para chegar aos
mais, mais... Temos nosso mérito, a sociedade é livre, democrática e dá
escolhas para todos. Mas só os fortes sobrevivem. É a lei da natureza! Então,
espera um pouco. Quando Chico Science cantava e criticava que a cidade não
para e que só cresce, porque o de cima sobe e o de baixo desce, era diante
dessa perspectiva de que a natureza humana tem de ser assim? Por quê?
Onde está atestado isso? Nada. Ele era comunista, maconheiro. Queria
romantizar com os alienados, que não sabem o que a vida é. Trabalho duro,
estudar muito, isso é que é preciso para viver bem. Ele era artista, maluco,
sabia nada da vida. Sempre temos que abarcar os mais, mais... Crescemos na
vida com nosso esforço e merecemos o que temos. Cada vez mais, mais...
Quem não tem, é porque não teve capacidade de se esforçar o suficiente. E
daremos, sim, o direito de essas pessoas de baixo, os menos, menos, terem
oportunidades na vida. Há empregos dignos para todos, não é vergonha
alguma arrumar uma lavagem de roupa, capinar no quintal de alguém. Sempre
tem serviços por aí, só é deixar de ser preguiçoso e correr atrás. Vergonha faz
é roubar, tomar o que é dos outros, estuprar, matar. Esses devem ser
extirpados, covardes. Querem nada, apenas destruir a vida do cidadão de bem,
do pai de família. Eles têm que morrer, trabalhar até a morte em um presídio,
como se fosse em um campo de concentração.
Com essa lógica do raciocínio de quem busca cada vez mais e mais, em
detrimento de amplitude maior para a comunhão e o respeito, o direito e a
sociedade na América Latina foram, e continuam, desenvolvendo-se. Não à
toa, a banda Planet Hemp desabafa ao dizer que fodam-se as leis e todas as
regras, não se agregando a nenhuma delas por chamá-la de marginal por
fumar uma erva. Diante disso, a mentalidade colonizadora acaba por dominar
boa parte das vidas latino-americanas, especialmente a brasileira, destituindo-
as de poder de emancipação do colonizador e fazendo-as gerar opressão para
os que são classificados como os menos, menos, não tão potentes quanto os
grandes desenvolvidos. Portanto, é uma realidade construída desde que
nascemos e somos direcionados a perpetuá-las, sem questionamentos e
achando que tudo isso é a humanidade. Mas que seres humanos são esses
que acreditam que o esforço para serem os mais, mais no mundo constitui a
essência da vida? Por que esse é o caminho bom, digno, correto e louvável?
Quem nos diz isso? Os detentores dos direitos com seus julgados? A
sociedade com sua imposição do que é certo? E se outro caminho fosse
construído? Se a vida fosse escrita certa pelos caminhos que são tidos como
errados?
Muitas questões advindas em um estudante que não teve tempo e
forças para acompanhar todos os momentos da disciplina Direito e Sociedade
na América Latina, mas que, diante do que leu, ouviu e viu, sentiu-se agraciado
por tê-las tido. Acredito que o processo de educação de cada um tem de ser
com o objetivo de emancipar e transformar, não de perpetuar o que já existe.
Infelizmente, poucos são os que conseguem colocar isso em prática, diante de
uma mentalidade castradora e colonizadora como a que temos. No entanto,
autoavaliar-se é preciso e fundamental para que possamos ter, ao menos, a
sensação de aprendizado, de que a potencialidade que possuímos não está
necessariamente entranhada ao saber do que já vem posto, encaixado,
articulado e visto, sem nenhum processo de mudança e de sinalização para o
novo. Desse modo, estimo para que seja possível abarcar o intuito do que foi
discutido e posto em cena na disciplina, trazendo desconstruções no cotidiano,
bem como discernimento para as novas construções que emergem – conforme
os dizeres da banda de rock Carfax – por aqui, ali ou em qualquer lugar, pois
quanto mais a gente se resume, mais plural aparece. E assim me autoavalio,
sem acreditar que precise de uma nota a ser obtida, mas, sim, de um
posicionamento acerca do que uma disciplina pôde suscitar na minha
perspectiva educacional. Notas baixas, altas, não me fazem sentir que tenha
tido um aprendizado concreto e transformador, apenas perpetuam a
necessidade de atendimento a um sistema de ensino massacrante – que pouco
se incomoda com isso, pois, afinal, o lema é de que só os fortes sobrevivem e,
se não aguenta, por que veio?

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