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~hãoPaulo na
rri111eira· República
~fílví41 Moreir~

São Paulo, l" República. Capital dos barões do café,


terra de diversos presidentes e de milhares de
operários. Uma cidade que crescia a olhos vistos,
recebendo anualmente milhares de imigrantes, em sua
maioria italianos. Berço do anarquismo, das primeiras
fábricas e do motnmeruo operário, é desta São Paulo que
Silvia Moreira fala, de uma cidade de poder e de
muito futuro.
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ISBN: 85-11-02125,6
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Silvia Moreira

DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI


99125 Sao Paulo na Primeira Republica :
''1
v.125
e.2
• Brava Gente! - Os italianos em São Paulo (1870-1920) - 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
Zu/eika A/vim 21200030013
• Evolução Política do Brasil - Caio Prado Jr.
• História Econômica do Brasil - Caio Prado Jr.
• 1930 - O Silêncio dos Vencidos - Edgar de Decca
• Nem Pátria Nem Patrão - Vida operária e cultura
SÃO PAULO
anarquista - Francisco Foot Hardman NA PRIMEIRA REPÚBLICA
• Partido Republicano Paulista (1889-1926) - José Enio
Casa/ecchi
• Os Radicais da República - Sue/y R. R. de Queiroz
As elites e a questão social
• A Revolução de 30 - Boris Fausto
• Os Subversivos da República - Maria de Lourdes Janotti
• Trabaiho, Lar, e Botequim - Cotidiano dos. trabalhadores
SBD-FFLCH-USP
no Rio de Janeiro da Belle Époque - Sidney Cha/houb

Coleção Tudo é História


1111111111111111111111111111111111111111
• A Coluria'Prestes -;- José A. Drummond 127410
• Constituintes e Constituições Brasileiras - Francisco
/g/ésias
• O Coronelismo - Maria de Lourdes Janotti
• O Estado Novo - Antonio Pedra Tota
• A Industrialização Brasileira - Francisco /g/ésias
• Movimento Grevista no Brasil - Márcia de Pau/a Leite
• Partido Republicano Federal - José Sebastião Witter
.• Revolução de 30: a dominação oculta - íta/o Tronca CNConica c.!J a(rate

~~~
editora brasiliense
1988
Copyright © Silvia Levi-Moreíra

Capa:
Sílvia Massaro

Revisão:
Maria de Lourdes Appas
José Waldir Santos Moraes

ISBN: 85-11-02125-6
ÍNDICE
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Introdução 7
Industrialização, operários e greves 9
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3 :.f\i·~ A classe operária e o anarquismo 16
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A situação política, os industriais e a questão
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tT.'i$'-:- social 25
~~, A oposição: outras propostas. . . . . . . . . . . . . . . .. 37
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Conclusão '............... 58
Indicações para leitura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 61
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rIIl editora brasiliense S .a


rua da consolação, 2697
01416 - são paulo - sp.
f.one (011) 280-1222 ,
I brasiliense I telex: 11 33271 OBlMBR .' ,
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"A 'Questão Social' é de todos os lu- INTRODUÇÃO
gares, e de todos os tempos, e só dei-
xará de existir, quando a justiça ga-
rantir principalmente aos que vivem
do pão de cada dia as condições sociais A possibilidade de um pacto social, tão discu-
de igualdade no exercício da liber- tida nestes dias de "Nova República", não é uma te-
dade." mática recente no Brasil. Demonstra-o a seqüência
1i de conflitos de classe ocorridos no período que vai da
Antônio de Sampaio Dória, A Questão Proclamação da República à Revolução de 30. A
Social, 1922, p. 6. "questão social" - corno então denominava-se a
confrontação entre as classes trabalhadoras e as clas-
ses proprietárias - será aqui analisada durante um
período onde se consolidaram o mercado de trabalho
livre e o projeto de dominação da burguesia paulista:
o período da chamada "Velha República" .
Seria pretensioso tentar discutir com profundi-
dade e detalhe questão tão complexa num livro de
aproximadamente 50 páginas. O que se quer, no en-
tanto, é focalizar como divergia a questão social
entre grupos dominados e grupos dominantes. E
Ao principalmente como, entre estes últimos, o conflito
Carlos e ao Flávio social não era tratado de forma homogênea. Com

(
,,)lô.
8 Silvia Levi-Moreira

li efeito, as propostas para solucionar os problemas so-


ciais revelam óticas heterogêneas no interior da pró- CAl'i\',1l
pria classe dominante. Isso leva ao questionamento
1'312. - g 3"1 , ,");) ~~~ .a 3, o ISK::>
da idéia que se tem sobre esses setores na Primeira
República enquanto uma força unificada, compacta, x I _ \~.~'Yr;.~:'
11°0 - )
de dominação. Ê para este fato que chamamos a I i,;1 o - )60 ",I.,)
atenção. ,
A _preocupação com a questão social expan-
diu-se para além do círculo de indivíduos direta-
mente envolvidos nos conflitos. Assim, apenas a tí-
INDUSTRIALIZAÇÃO, OPERÁRIOS
tulo de exemplo, é possível identificar propostas por E GREVES
111 parte da Igreja com relação ao problema. Desde o
1,1 início do século XX, nos Congressos Católicos, já se
falava em Cooperativismo como estratégia para
"equacionar" os conflitos sociais. A preocupação Em 1872, o Estado de São Paulo tinha 837000
com a classe operária fica patente em Cartas Pasto- habitantes. Em 1900, eram 2283000. Na capital do
\il rais a partir de 1900. Estado, em 1872, havia 23000 habitantes. Em 1920
Ê preciso esclarecer, porém, que posições espe- esse número passava para 580000. Se considerarmos
cíficas não serão aqui discutidas, como as da Igreja, e o número de indústrias, o crescimento não é menos
que também não se procurará abarcar todas as pers- assustador. O Brasil tinha 626 estabelecimentos in-
pectivas existentes no período. O que interessa é dustriais em18H9;ernT9U7~ão c~ll?-J?JltiÇl~~_O e
apontar para a diferenciação de propostas que ocor- 13 336enl19'2u.Qual o significado desses dados?
ri reu em São Paulo na Primeira República e que, even- OesdeóCõilltiÇõ ºª-R,e.p-Ú.Wkaain.dústr.ia..enc.QQ trava-
tualmente, seriam incorporadas pela República do sé-em constante p.!0ses§~ _de~!gnjião, alterando
11 após-30. Por fim, serão abordados principalmente os dessa formaaconfiguração urbana e social das prin-
conflitos urbanos, já que não há informações sufi- cipais cidades brasileiras. A base desse crescimento
cientes relativas à questão na área-rural. encontrava-se no próprio desenY.Qlvimento_dA eco-
1I n01fiiãcãJeeira./'ÃTrídústria desenvolveu-se inicial-
merrte em consonância com os interesses da cafeicul-
tura/A política fiscal, ainda que voltada para o café,
acabava indiretamente por beneficiar as atividades
I ), I
10 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 11

industriais. Os capitais aplicados na indústria pro- pressa se não tivesse havi uerra" (op. cit., p. 114).
1:/1
vinham basicamente de três fontes: do comércio im- ão nos interessa no momento discutir se a
portador, dos cafeicultores e dos imigrantes/ Grande Guerra foi ou não benéfica à indústria. À
Não interessa aqui discutir as relações comple- época do conflito mundial, São Paulo era uma cidade
mentares e! ou contraditórias entre café e indústria definida e demarcada pelo signo da industrialização.
na Primeira República. Esta questão já foi objeto de ~ configuração dos bairros õenunciaVã-r' consti-
muitos estudos.&"abe,..mo entanto, salientar que o r uição de grupos sociais diferenciados. No Brasil, os
crescimento do parque industrial se verificou ainda 54164 operários em 1889 passavam para 149018 em
na virada do século, atin,.gindo São Paulo a primazia 1907 e para 275514 em 1920. Grande parte des-
nesse processo em 1920' A liderança paulista não se se operariado era de estrangeiros. Mais de 1/3
I explica pelos "dons inatos" de seus capitalistas, mas (1156472) dos imigrantes que entraram no Brasil,
I.ill pela implantação de uma economia de mercado lu- entre 1890 e 1929, eram italianos. Esta situação se
I"
"I crativo (Warren Dean, A Industrialização de São refletia em São Paulo: 1/3 dos 694489 imigrantes
Paulo, São Paulo, DIFEL, 1971). Ê importante lem- eram italianos. Não é à-toa que, segundo Gina L.
brar também que, contrariamente ao que se pensava Ferrero, a característica mais importante da cidade
II
até bem pouco tempo, a indústria não se desenvolveu de São Paulo era a italianità (apud Maria T. S.
III a partir de um sistema artesanal. Desde o começo, o Petrone, "Imigração", in História Geral da Civili-
estabelecimento das indústrias se fez com grandes zação Brasileira, tomo III, 2? vol., Sociedade e Insti-
unidades fabris, configurando um modo de produção tuições (1889-1930), São Paulo, DIFEL, 1977, p.
tipicamente capitalista (Sérgio Silva, Expansão Ca- 105). A mão-de-obra ocupada na indústria paulista
feeira e Origens da Indústria no Brasil, São Paulo, acompanhava esse quadro. Mais de 50% eram es-
Alfa-Omega, 1976).. ~()~. 1ikd trangeiros. E isto desde 1893~
O parque manufatureiro paulista cresceu mais Apesar de os italianos terem preponderado entre
acentuadamente durante os anos de 1907 e 1913, ou os imigrantes, é preciso lembrar também a grande
seja, durante os bons anos do café. A Primeira Guer- entrada no país de outros grupos, entre eles os espa-
ra Mundial desafiou a continuidade'Hesse d~e~01- nhóis e portugueses, fortemente presentes nos ser-
~ eóm a reduçâoõa impmtrt.Ç-ª!Ld~hen;s-de viços portuários.D\ origem ~t:an~do proleta-
.clIplfal-passóu-se a u~ruti1ização da-rnaqni- riado constitui, sem~, um dado importante
n~~e:oora existentes nâS--":âbricas, o que para o entendimento de sua atuação na cidade de
~ar-I:en=Dêãíi=ã-- er-g-untar~se-:a-i-H-dustriali- São paulq)Mas, em nenhum momento, acreditamos
zação de São Paulo não se teria processado mais de-
____ L. _---'-'_ ser este um fator por si só explicativo de por quê a
12 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 13

Mão-de-obra ocupada na indústria (1893) trabalho; reivindicações que atestam uma movimen-
Cidade de São Paulo tação heterogênea, porém pujante, da classe operária
para criar um espaço político próprio.
Nacionais Estrangeiros Total Percentagem A diminuição da ocorrência de movimentos pa-
A B B/A redistas em determinados anos da Primeira Repú-
Manufatureiros 774 2893 3667 79% blica pode ser tomada como indício de declínio do
Artistas 1481 , 8760 10241 86% movimento operário. Trata-se de uma ilusão. Os
Transportes 1998 8527 10525 81% anos de 1912 e 1913 revelaram intensa mobilização,
Total 4253 20180 24433 82,5%
enquanto nos três anos seguintes decresceu o número
de greves. No entanto, a Guerra Mundial exerceu a
Fonte: Recenseamento de 1893, citado por P. S. Pinheiro, "O Proleta- função de estimular a arregimentação operária e o
riado Industrial na Primeira República", in História Geral da Civilização
Brasileira, cit., p. 139. debate em torno da questão do militarismo. Em
1917, com a grande greve, tornava-se patente a vita-
lidade do movimento trabalhista.
classe operária se organizou de U!!lª__ determinada A existência de greves - sem dúvida o instru-
manw:~o õe~~~tr-ã:Trã6ãfhõ-~ recente~rtêm re- mento de luta mais utilizado pela classe operária -
discutido esta ques ao como um dos fundamentos da mostra que o conflito de classes ocorria desde a Pro-
vigência de certas correntes ideológicas no Brasil, clamação da RepúblicajIsto é, desde 1889 ocorrem
principalmente o anarquismo. movimeh tos grevistas, apesar de os artigos 205 e 206 do
'111
O que se nota é que desde a implantação do par- Código Penal (promulgado em 11.10.1890) proibi-los
,1/1 que industrial paulista presencia-se a 'luta da classe pura e simplesmente (Paula Beiguelman, Os Com-
I! operária reivindicando melhores condições de tra- panheiros de São Paulo, São Paulo, Símbolo, 1977Y.
balho, melhores salários e a regulamentação dos di- Ainda que esparsas quando da implantação do novo
I!
,I
reitos individuais, sociais e civis. regime, as greves se intensificaram na virada do sé-
I Tem-se dado muita atenção ao período de 1917 culo ..
111
a 1920, qu~ a crise e~mk.ª-_(~randQ acen- ~ntre 19Q.L.e.-.19.l.i.foram registrad~l ...•
greves
tu~ão eãüiiíeiil:õno 9!Sfo....d&-vi:daj-1e-voua na C-ª.llUã!_J?a.E!istae 38 em cidades menore~. No Es-
I. IIII! unia intensi11cãÇão do movim~ntQ_op.€1>á,Fi0;-c0mgre- tado.1k.S~.2....~_~~.n.tt:.e_J215 e 192~ _cak.ula-se em
lli ves eclõcltrrde-fl0-!'>M"S":""'Nõ'êrrtanto,
bem antes de 1917 1163JlÚme.r.Q-Qe-gre~(-Azi-s-SilUãQ, Sindicqto e Es-
II II já ocorrem greves, lutas contra o regime disciplinar tado: suas relações na formação do proletariado de
nas fábricas e por melhores condições de vida e de São Paulo, São Paulo, Ãtica, 1981, pp. 105 e 139).
14 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 15

Estado de São Paulo - Ocorrência de Greves


não passou despercebida. pelos diferentes segmentos
da sociedade. Mesmo por aqueles que não tinham
um envolvimento direto nos conflitos,lEmbora tenha
Anos Capital Interior Total
no Estado adquirido uma outra dimensão política a partir dos
anos 20 - quando então não mais podia ser igno-
1888-1900 12 12 24 rada -, a questão social esteve presente desde os
1901-1914 81 38 119
1915-1929 7;' 41 116 primórdios da Primeira República, tendo recebido
1930-1940 S9 31 90 tratamento diferenciado ao longo das quatro dé-
cadas. A diferenciação das propostas que cada gru-
Quadro.elaborado com dados extraídos das Ta- po, em momentos determinados, apresentava para
belas 1 a 12 de Azis Simão (op. cit., pp. 131- solucionar esta questão éo que se verá a seguit;)
142).

Vários trabalhos descrevem, ano a ano, cada


greve ocorrida nesse período. Nosso objetivo é des-
tacar que a implantação da indústria ocorreu junto à
crescente movimentação da classe operária. Onde
. !
houvesse indústria, havia patrões e operários e a
III!
questão social - enquanto conflito entre Traba-
lho e Capital - estava colocada. Na verdade, os
, i 1111.
operários organizaram-se mais intensamente, e antes
mesmo dos próprios industriais. Apenas para exem-
I plificar, já em 1890-1891 um partido operário teria se
i formado no Distrito Federal e em Fortaleza. E, em
li! 1896, o Centro Socialista de Santos criava o Partido
Operário Socialista. Os industriais, por sua vez, ten-
taram organizar associações patronais apenas em
, 111:
1907, em resposta à greve geral ocorrida em São Pau-
lo. Associações que não tiveram continuidade na-
II11 quele momento. Vista do Brás (Gli italiani nel Brasile, 1822 a 1922, 1924).
A movimentação da classe operária, no entanto, (BMMA).
0----i)

São Paulo na Primeira República 17

calismo e o..aJ1&co-comunismo tiveram maior influ-


~o movimento 02erário. Há. ãiíefença!Senire as
diversas correntes, mas algumas idéias básicas são
comuns a todos os anarquismos.LQ anarquismo é
contra o Estado e contra a luta política a nível par-
lamentar e partidário. O Estado é um poder acima
dos homens. E os partidos e o parlamento -ligados
J :r-

ao Estado - constituem-se em órgãos nos quais o


A CLASSE OPERÁRIA poder é delegado e representado por outros indiví-
E O ANARQUISMO duos (deputados, chefes de partido), o que impede a
intervenção direta do povo. Assim, para os anarquis-
tas o fundamental é a ação direta entre os indivíduos
em luta, não se aceitando qualquer intermediação
entre os interessados. Teoricamente, portanto, não
há instância.do poder burguês que possa mediar o
conflito erüi~~'-ritrão e operário.
O objetivo último dos anarquistas era a derro-
cada da sociedade capitalista dividida em classes e a
implantação da sociedade anárquica (isto é, sem go-
verno). O campo legítimo para o enfrentamento das
diferentes classes era o econômico e - como foi visto
- não o político, tido como o reino de ação das clas-
ses dominantes. A luta contra a dominação burguesa
estava vinculada, portanto, ao nível das próprias re-
lações de produção. Conseqüentemente, segundo os
anarquistas, o enfrentamento das classes só ocorreria
no campo econômico, instância por excelência de
unificação dos trabalhadores.
Ao recusarem qualquer participação nas insti-
tuições formalmente burguesas, os anarquistas invia-
-- bilizaram a possibilidade de estabelecer alianças in-
18 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 19

terclassistas (seja com as classes médias ou a própria rário. A_aJ!t~ relativiza o fator imigração como um
burguesia industrial, por exemplo), que visassem ~n~õsaa~tg~ncia-d~rrarqttis:nrOlfô Br~-
modiycar a correlação de forças na sociedade capita- ~Il. Antes, a tt~deoto-gnranarqui'stã"êrii"""Sao
lista.Jj P~~pe .eadieêes-histêriees-de .•pêrío-
Não se pretende aqui expor esmiuçadamente o ~s lí6erfáriospela extensão" do-s<lire!1Q
pensamento anarquista. Estando apontadas as suas individuais, sociais- e~civis-.aes'-0perárius~fõiõetermi-
linhas básicas, torna-se importante ver p.QL.9!1eo rlãõa pelas coifêli'Ç'Õe-s-sóei0-:p0líti€as-a-qu~éSfãvam
anarquismo, e nã~õ socialismo, foi predÕminante no submetidas as classes trabalhadoras nas primeiras
!p-~ário. A historiogrãfiatem- dado dife- década do Brasil Republicano (Silvia L. Magnani, O
rentes razões para explicar a força do anarquismo em Movimento AnarqZi ta em São Paulo, São Paulo,
'Brasiliense, 1982).
~t:....
São Paulo, entre as quais salienta-se a origem imi-
da classe oJl.e.rária.-Bsse-tip.o::ãe-an.álise rem
ins USIvelevado ã conclusõe~que relacionam. a "fra-
Para se comp :eender as razões que levaram à
difusão do anarquismo é preciso ver que o Estado
lir

~za,j do I!!.2.Y.i!n~nto 'Õpêrário às suas .origens es- Republicano, amparado pela Constituição, impediu
trangeIras, bem como às SYMposições ideológicas de o envolvimento político independente de grupos des-
i"gIforaro papel d_oEstadQ.. Dessa forma, a proposta constentes com as classes dirigentes. O texto consti-
anarquista -ólplanta exótica" - teria impedido tucional, ao negar o voto aos analfabetos e imigran-
uma ação política coletiva da classe trabalhadora. tes, excluía a grande maioria da classe trabalhadora
Recentemente, no entanto, algumas pesquisas do processo político-eleitoral. Pode-se dizer que o Es-
têm salientado a efervescência do movimento ope- tado da Primeira República, organizado sob influên-
rário através da recuperação minuciosa das dife- cia do liberalismo, acabava atuando em sinergismo
rentes lutas no período em questão. Lutas que dizem com as teses anarquistas. Isto é, tratava-se da não
resp~condi~.Q~~enor, da mu- participação da classe operária nos mecanismos polí-
l~r~e..dos...-1-iiÜgfantes.,,-1utas
contra a di~plina, lutas tico-institucionais existentes na Primeira República.
por-moradia, pelos transportes, contra..a, carestia, As reivindicações da classe operária foram sempre
etc, E isso antes das grandes greves do período de apresentadas diretamente aos empresários, cabendo
1917 a 1920. Silvia L. Magnani, ao estudar o movi- ao Estado o papel interventor de repressão dos con-
mento anarquista, parte' da análise do I Congresso frontos que ocorriam entre patrões e trabalhadores.
Brasileiro (1906), enfatizando não se tratar de um A exclusão da classe trabalhadora da esfera po-
acontecimento isolado e sim de um acontecimento lítico-partidária ajuda a entender por que o anar-
que ocorreu em fase de ascensão do movimento ope- quismo, e não o socialismo, predominou durante esse
20 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 2.1

period'2.JSegundo Silvia L. Magnani, "a organização


estatal republicana, ao impedir a participação polí-
tica dos setores não oligárquicos (e não elaborando
canais institucionais capazes de absorver as deman-
das da classe trabalhadora) contribuiu decisivamente
para o desenvolvimento do anarquismo no interior do
nascente movimento operário; e impediu o desenvol-
vimento do socialismo, cujas proposições pressupu-
nham uma participação na política burguesa (ou, ao
menos, pressupunham a luta em prol da partici-
pação política autônoma do proletariado). A classe
trabalhadora (ou seus setores de vanguarda), ao acei-
tar a direção anarquista em seu movimento reivindi-
catório, buscava formas de participação político-
social extra-institucionais" (op. cit., p. 50).
Ao não aceitarem a ingerência do Estado nas
questões trabalhistas, e muito menos a luta através
dos canais representativos existentes, os libertários só
poderiam defender o enfrentamento direto entre in-
divíduos. Dessa forma, estava longe do pensamento
anarquista reivindicar leis trabalhistas. Toda a pro-
posta de regular o mercado de trabalho, via legis-
lação, foi sempre rejeitada ..Apesar disso, a legislação
trabalhista foi se configurando exatamente a partir
desse período.
As primeiras tentativas de legislação social ur-
bana datam do início da República, isto é, desde
1889. Em janeiro de 1891, um decreto regulava o
trabalho do menor, mas ficou apenas no papel. O A Plebe 11.8.1917. (Reproduzido em Nosso Século, 1910-
mesmo ocorreu com as leis sobre acidentes de tra- 1930. Anos de Crise e Criação, vol. 2, São Paulo, Abril
Cultural, 1981.)
balho. São vários os projetos e leis sociais do início da
22 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 23

República que nunca chegaram a vigoraWNão se questão social. Procurava-se, dessa forma, oficia-
pretende aqui abordar as leis existentes nesse perío- lizar a questão social sob uma perspectiva de não
do. O que se quer é discutir o papel da legislação, no identificá-Ia apenas como um caso de polícia.
que se refere à história do movimento operário e sin- Por outro lado, é preciso ter em mente que a le- i
dical, fortemente influenciado pelas idéias anar- gislação trabalhista corporificou tanto a vitória
quistas. .,. , quanto a derrota das lutas operárias.fE verdade que ",I!-
O reconhecimento dos sindicatos urbanos em
< os anarquistas não reivindicavam leis trabalhistas,
1907 (a sindicalização rural data de 1903) altera radi- mas a luta dos sindicatos para controlar o mercado
calmente o caráter da luta pregada pelos anarquistas de trabalho, bem como a aceitação (pelos industriais)
através do enfrentamento direto entre os indivíduos. dos sindicatos como os únicos interlocutores entre
:,'0 sindicato (ente coletivo), ao ser aceito como inter- operários e patrões, acabou atrelando os trabalha-
. locutor nas negociações com os industriais (entes in- dores, cada vez mais, à esfera do Estado. Para os
dividuais), modificou tanto a prática operária anar- industriais, aceitar que o mercado de trabalho fosse
quista quanto a prática liberal dos empresários. A controlado pelos sindicatos implicava que também
luta não mais se travava entre dois indivíduos, do- estes fossem, por sua vez, controlados. Isto levou a
tados da mesma "liberdade" e "igualdade". Esta si- um processo de burocratização do movimento ope-
tuação possibilitou que outros interlocutores fossem rário, através do qual os trabalhadores foram per-
requisitados, isto é: o Estado foi chamado para den- dendo o poder de decisão para as mãos dos especia-
tro do processo em que se davam as questões traba- listas em questões do trabalho. Assim, a luta dos tra-
-r lhistas. Este fenômeno ocorreu particularmente após balhadores para controlar o mercado de trabalho
as greves de(Í9U) quando se ampliou a legislação acabou se transformando no calcanhar-de-aquiles do
sobre o merc~o de trabalho. No entanto, a interpo- movimento operário, na medida em que foram con-
sição do Estado já era perceptível desde 1911, quan- trolados os próprios trabalhadore,§,J É o que Kazumi
do foi criado o Departamento Estadual do Trabalho Munakata assinala como o "paradoxo" da luta ope-
em São Paulo. Se em\1918, com a criação na Câmara rária: "para conquistar o controle pelos trabalha-
dos Deputados da "Comissão de Legislação Social", dores das condições de trabalho, os trabalhadores
a questão social adquiria foros de jurisprudência, acabam endossando uma forma de organização que
emJ,9Wela é incorporada definitivamente à Consti- os controla" (A Legislação Trabalhista no Brasil, São
tuição, que consagrava o poder do Congresso Na- Paulo,
."..-
Brasiliense, 1984, 2!'-ed., p. 55).
cional de legislar sobre o trabalho. Assim, antes Nos anos imediatamente anteriores a 1930 os .j.1-
mesmo de)930, competia ao Estado legislar sobre a anarquistas vão perdendo grande parte de sua força,
r: '!ti

24 S'/·'
1 VW L
. eVI-'M '
oreira ~1
com outras correntes ganhando espaço dentro do
movimento operário. Este espaço é basicamente
preenchido pelos comunistas, congregados no Par-
I,)
tido Comunista do Brasil (PCB) fundado em 1922,
Procurando aparar as divergências existentes no mo-
vimento operário, com a criação de um bloco unifi-
cado dos trabalhadores, o PCB vai desenvolver uma
linha de atuação bem distinta dos anarquistas. A
principal tese do PCB era a necessidade de centra- A SITUAÇÃO POLÍTICA,
lização sindical, cuja ausência se refletia na fraqueza
do movimento operário, Por volta de @27) os comu-
OS INDUSTRIAIS
nistas começam a controlar o movimento operário, E A QUESTÃO SOCIAL
retirando aos anarquistas sua primazia. Organizados
em partido, os trabalhadores passariam a enfrentar
não só os industriais, agora organizados em associa-
~!1~!
ções de classe (o CIESP é criado em 1928), mas um Durante a Primeira República a política parti-
Estado que aos poucos vai rediscutir a "questão so- dária em São Paulo estava sob o firme controle do
cial" colocando-a sob o prisma da intervenção racio- Partido Republicano Paulista (PRP). Partido único
nal e autoritária. Dessa forma, as propostas liberal e das classes dominantes até 1926 ---..:quando foi fun-
anarquista perdem terreno para uma solução insti- dado o Partido Democrático (PD) -, o PRP sempre
tucionalizada da questão social. Caberá ao Estado elegeu, não sem atritos, de vereadores a presidentes
do após-30 implementar uma política de incorpo- do Estado. E, apesar das diversas cisões ocorridas,
ração da classe trabalhadora numa ordem corporati- sua hegemonia perdurou durante toda a Primeira
vista. 'Mas este é um processo que não mais pertence República. Aos diretórios locais cabia o papel de re-
à Primeira República, já então chamada de "Velha". ferendum na escolha dos candidatos feita pela Co-
missão Diretora do PRP. Escolhido pela Convenção,
estava praticamente eleito o candidato. Dessa forma,
PRP e situacionismo caminharam sempre juntos até
o surgimento do Partido Democrático.
Com pouca necessidade de justificar a sua ação,
uma vez que controlava praticamente sozinho a má-
I ~ I
7 ~
,
26 . Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 27

quina do Estado, o PRP não chegou a elaborar um é uma questão que interessa mais à ordem pública do
projeto claro de poder. Nesse sentido, a sua prática que à ordem social" (apud José Enio Casalecchi, "As
política ficou conhecida - sendo sempre criticada plataformas políticas dos; candidatos à presidência
pelos adversários oriundos do mesmo campo político do Estado de São Paulo na Primeira República", in
-, como sem "fundamento", sem "ideal", "conti- Boletim de Economia e História, ano I, n? 1, Arara-
nuísta" . quara, mar. 1978, p. 90). Detenhamo-nos um pouco
A política, aos olhos dos perrepistas, resumia- mais na sua fala. Dizia o candidato:
se numa troca de favores e de cargos, efetivada atra-
vés da corrupção, da violência ou das fraudes eleito- "Homens vindos de outros climas, habituados por
rais. Essas colocações poderiam levar à conclusão de outras leis, materializados por sofrimentos por nós
que o PRP, guiado pelo clientelismo, constituiu-se desconhecidos, exacerbados por males que aqui não
medraram.. agitam-se e agitam em momento propí-
num partido cuja linha de atuação não conheceu de-
cio, como seja o da carestia de vida, intercorrente-
safios internos desde a fundação, em 1870, até o sur- mente produzida pela guerra européia ...
gimento do PD em 1926. Mas, ao contrário, o par- O problema a resolver aqui, não direi que seja
tido sempre conviveu com vozes discordantes, a co- diametralmente oposto, mas é incontestavelmente
meçar pelas críticas à política monopartidária. As diferente do europeu".
várias cisões no seio da agremiação (entre elas as de
1891, 1901, 1915, além da de 1926) refletem essa Para Washington Luís, se na Europa havia su-
discordância, Isso continua válido mesmo quando se perpopulação e falta de terras, no Brasil havia falta
aponta para o fato de que as vozes divergentes te- de braços e abundância de terras para serem culti-
nham, no mais das vezes, retomado ao partido. vadas.
Tudo em acordo com uma visão, preponderante à E ainda:
época, de política conciliatória: No entanto, é mais
importante destacar neste capítulo a linha que preva- "Aqui, leis liberais aboliram de direito as castas e os
leceu na prática política do PRP durante o período privilégios que a bem examinar de fato nunca. exis-
em questão, principalmente com relação aos con- tiram aqui; aqui, não se formam classes, o homem
flitos sociais. experimenta as profissões e escolhe as que mais lhe
A visão que os situacionistas tinham dos movi- convém ... o lavrador de hoje é o colono de ontem,
mentos trabalhistas pode ser captada através da frase t corno o capitalista de agora é o operário de ainda
famosa de Washington Luís, quando candidato à agora. A todos que chegam, nacionais ou estrangei-
presidência do Estado em 1920: "A agitação operária ..ros, trabalhadores agrícolas, industriais e comer-

~
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28 . Silvia Levi-Moreira São Pq.1JI() na Primeira República

dantes, podemos dizer sem rubores: somos todos governantes. Em nome do "progresso" de-São Paulo,
novosem país novo. Trabalhai e economizai". impunha-se reprimir os indivíduos que provocassem a
desordem, já que a anarquia não era atributo da po-
Washington Luís chega a afirmar que as aspi- pulação paulista. Aqueles que a promoviam eram
rações operárias (tais como a jornada de 8 horas de elementos estranhos, influenciados por ideologias
trabalho, regulamentação do trabalho feminino e do estrangeiras, porquanto exóticas.'
menu r, dos acidentes do trabalho) eram uma reali- Dentro dessa ótica de "manutenção da ordem",
dade em São Paulo. Isto apesar das constantes de- o Estado deveria intervir energicamente para evitar
núncias nos jornais da época não só quanto à falta de qualquer interrupção no desenvolvimento das ativi-
regulamentações mas também quanto ao desrespeito dades produtivas. Como se verá adiante, os gover-
às já existentes. Reconhece a ocorrência diária de nantes realmente não' hesitaram em utilizar a força
greves - como conseqüência do alto custo de vida - para conter os movimentos de trabalhadores.
e propõe ao "Estado o dever de regulá-Ias nas suas Ao longo de toda a Primeira República não fal-
causas, nos seus efeitos". taram medidas enérgicas contra o movimento ope-
A longa referência ao pensamento de Wash- rário, amparadas inclusive pela legislação. Essa ação
ington Luís serve para ilustrar como deveriam ser so- repressiva, denunciada na imprensa da época, tra-
lucionados os conflitos sociais na ótica dos gover- duzia-se na depredação e fechamento de associações
nantes: com a intervenção do Estado através llC seu operárias, prisão, invasão de domicílios, espanca-
aparato policial. Campos Sales já afirmava em J896: mentos e deportação de líderes grevistas.
"U ma boa polícia é condição de um bom governo '. Uma arma importante contra a organização
Cabe à polícia a tarefa de "manter a ordem, garantir operária foi a expulsão de estrangeiros. As leis de ex-
a segurança individual, salvaguardar a propne.laue, pulsão existiam desde o início da República (com o
defender a moral pública e reprimir os vícios ... ". Em Código Penal de 1890 contra vadios e capoeiras es-
1908~Albuquerque Lins também confiava à polícia o trangeiros). Na Primeira República ficaram mais co-
papel vigilante sobre os "maus elementos" que dia- nliecidas as leis Adolfo Gordo, de 1907 e 1921. A
riamente se infiltravam no meio da "população esta- cada onda grevista reforçavam-se os instrumentos de
belecida e laboriosa". E ainda: "Quando se trata do coerção, visando impedir desafios à política dos gru-
bem público e do interesse geral, impera unia lei pos dominantes e, nesta estratégia, inseriam-se as
suprema, existe um ideal comum: Pelo engrandeci- leis de expulsão. Pela lei de 1907 vedava-se a expul-
mento de São Paulo". são de estrangeiro que fosse casado com brasileira,
Há uma lógica imanente no discurso político dos ou viúvo, o que tivesse filho brasileiro ou, no mínimo, I
~
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30 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 31

dois anos de residência no Brasil (cinco anos na lei de rosa disciplina ao mesmo tempo que recebiam di-
1921). No entanto, as autoridades não respeitavam, versos benefícios. Por volta de 1917, quando era
muitas vezes, tais aspectos da legislação. então presidente do Centro Industrial do Brasil, Jor-
O mesmo ocorria com o habeas eorpus, freqüen- ge Street propôs, alegando falta de braços, S6 horas
temente ignorado. Por outro lado,um simples rela- semanais como jornada de trabalho e o trabalho in-
tório policial, baseado em acusações de testemunhas, ~ fantil a partir dos 11 anos. Embora admitisse uma
bastava para incriminar o acusado. Dessa forma con- legislação de amparo à mulher grávida, insistia em
firmava-se o que dizia Washington Luís:' "A questão que fossem curtas as licenças e se ensinasse o opera-
social interessa antes à ordem pública", isto é, a riado a controlar a natalidade.
questão social era antes um caso de policia. Apontando o sistema escolar deficiente, Jorge
Aliados à polícia, principalmente nos momentos Street sustentava que a fábrica constituía-se na me-
subseqüentes às greves, estavam os industriais. As lhor escola para as crianças brasileiras (mais "pre-
pesquisas demonstram que a regra de (conduta dos !I coces" que as européias), dado que as amparava do
industriais era a de coerção, embora' houvesse ex- abandono e vício das ruas. Segundo o industrial, o
I ceções, como Matarazzo e Jorge Street, (que impri- M trabalho dos menores de 12 a 1S anos correspondia,
miam às suas relações com a classe trabalhadora.certa na verdade, a um desejo dos próprios pais:
I dose de paternalismo. Respondendo com /ock-outs,
expulsando os agitadores ou enviando à polícia listas I, "Os operários da fábrica empenham-se, fortemente,
negras dos operários despedidos - postura assumida ~.\
~ para obterem estas colocações para seus filhos e pa-
por O. Pupo Nogueira, secretário-geral do Centro rentes, e sempre que eu lhes falo em diminuir-lhes as
dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo, horas de trabalho, eles, invariavelmente, me respon-
na década de 20 -, as classes patronais compor- t; dem que não só essas crianças os ajudam no ganha-
taram-se, via de regra,de forma repressiva e intran- pão quotidiano, como também julgam melhor para
sigente frente aos conflitos trabalhistas. eles trabalharem na fábrica do que ficarem em casa,
É importante examinar um pouco mais detalha- ao abandono, e sem fiscalização. Será possível que
damente as posições tomadas por alguns industriais. todos estes pais, irmãos e parentes sejam tão desna-
Vamos começar com o caso de Jorge Street. Diri- . turados que procedam deste modo só por ganância e
li,' para ganhar com o trabalho dos seus pequenos,
gindo fábricas têxteis no Rio de Janeiro e em São como já há quem tenha dito? Pensar assim seria
Paulo, Jorge Street construiu na unidade paulista :,:
gràve injúria feita a esses operários, na grande maio-
uma vila operária padrão. Conhecida por "Vila Ma- li ria dos quais os sentimentos naturais de afeição são
ria Zélia", nela os operários obedeciam a uma rigo- perfeitamente normais e vivos" ("Código do Traba-

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32 Silvia Levi-Moreira )"'jrSão Paulo na Primeira República 33

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lho", in Documentos Parlamentares. Legislação So-


cial, apud Paulo Sérgio Pinheiro e Michael M. HaH, ~til

A Classe Operária no Brasil, São Paulo, Brasiliense, ~


•...
Il:l
1981, p. 180).
Q)
~
Mantendo uma atitude ao mesmo tempo bene-
volente e paternalista, muitas vezes de patrão sen-
]
.-ê
sível às reivindicações operárias, Jorge Street não
deixou de endossar medidas austeras contra o movi- G---
mento operário. Em 1935, durante a revolta militar,
,~
a Vila Maria Zélia foi utilizada como presídio (cí. "1
<:::t.-...
Paulo S. Pinheiro e Michael M. Hall, op. cit.).
~~
Ê preciso lembrar ainda que durante boa parte
da Primeira República os industriais estabeleceram ~~
'1)5
acordos e mantiveram-se ligados ao partido situacio- '1)'-'"
•.• '1-
nista paulista, o PRP. Desta forma, é possível afir- §~
•.......•
mar que a repressão ao movimento operário em São ~ N~
•.•
Paulo apoiava-se num tripé: governantes-polícia- ",N
'1)0\
•.......•
industriais. O ~
Por outro lado, os empresários também tiveram ,N

iniciativas de cooptar politicamente o operariado. No


.<:::t &l
~•.......•
Rio de Janeiro, numa conferência aos operários da .~
firma Pereira Carneiro e Cia., no 1? de Maio de ""<:
1920, revela-se magnificamente a ótica de certos in-
dustriais sobre como solucionar os conflitos sociais
através de medidas conciliatórias. Um orador, dife-
"-.2!
''I)
N
.2!
•...
renciando a situação européia da 'brasileira, reco-
nhecia os "movimentos parcelados das classes traba- ~
lhadoras", mas não os considerava como representa- <:::t
t\VOSda classe operária. Alertava os trabalhadores .;:
•...
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para as "idéias de além-mar" e propunha o estreita-

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34 Silvia Levi-Moreir,'
'jl.I: • (s'ãoPaulo na Primeira. República
,

35

mento das relações entre trabalhadores e capitalistas,


através do cooperativismo e da nacionalização das
I ~It!t~~
~bt,
preservar relações de caráter privado, baseadas no
princípio liberal de defesa da propriedade e da liber-
entidades operárias, com o auxílio da escola e da E 1] s.-"r, dade. Vale citar aqui a explicação de Kazumi Muna-
Igreja. O texto é exemplar. Ao descrever operários e \I
patrões como integrantes de uma grande família co- J l~,: kata sobre o pensamento de Locke:

mandada pelo "grande 'pai" (o Sr. Conde Pereira ~


h "Todo indivíduo tem a propriedade do seu corpo,
Carneiro), o texto ajuda a elucidar a posição de de- de suas capacidades e, por isso mesmo, todos os ho-
terminados industriais quanto à interferência do Es- U' ~ •.~; mens, 'considerados individualmente, são iguais
tado nas relações trabalhistas: J'
(II: ..•.~'I. ~ entre si', são todos 'proprietários'. E como cada um
tem plenos direitos sobre a sua propriedade, ele pode
usá-Ia como bem entender, de acordo com a sua livre
"Para o Sr. Conde Pereira Carneiro não é mister a,
legislação do trabalho porque ele, desde muito, vem
~I I ',~l~I··
~j
.,1
vontade: o indivíduo é, pois, dotado de 'vontade' e
de 'liberdade'. O indivíduo é livre, por exemplo,
correspondendo voluntariamente a todos os princí-Í ,fll ..{ para empregar o seu corpo no trabalho, cujos frutos
pios da solidariedade social e cristã, estabelecendo] '1
II
• \
.•.H tornam-se sua propriedade, privada, só dele" (op.
esta aliança efetiva com os seus operários e dando-I cit., p. 11).
lhes repetidamente o testemunho do respeito pelos I
direito~ e p~las gar~ntias que lhes são de~idas" (Pau-;- ~Jr
;l~;'~~'J~r.1
• Estando apontada, ainda que rapidamente, a
10 S. Pinheiro e Michael M. Hall, op. cu., p. 192)'i~ posição dos governantes e industriais P~lUlistasfrente
I .f.
aos conflitos sociais, ver-se-á agora como esta ques-
Assim, dentro da uma ótica liberal, os conflito. f,';.~ tão foi debatida no âmbito do Legislativo. Durante a
de trabalho deveriam ser resolvidos diretamente en- ~~l, :' Primeira República a questão social é debatida no
tre empregados e empregadores. Nisto estavam de; jl ti Legislativo ora como "falta de legislação social", ora
acordo, até certo ponto, anarquistas e industriais. AI {"/1 como "injustiça social", ou até como "caso de po-
não interferência do Estado nas relações de trabalho I' lícia" (Paulo Alves, "A 'questão Social' no discurso
era uma premissa endossada por industriais e líderes I:: 1I parlamentar na Primeira República"', in História,
1:91-97, 1982).
operários. Os industriais admitiam a intromissão do I
Estado numa sociedade baseada no contrato, quan- ~'II Já na primeira década deste século, discutia-se
do se 'tratava da alteração das regras do "mercado na Câmara dos Deputados estratégias para solu-
livre", isto é, quando da ocorrência de anarquia, in- cionar os conflitos de trabalho através de leis sociais e
troduzida pelas greves. Nesses casos o Estado deveria. trabalhistas que visassem a conciliação. A lei Tosta
I1
agir através de sua força policial. Tratava-se então dei (janeiro de 1907), que consagra legalmente as asso-
l•...
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I.••••
'

36
- ,
Silvia LeVi-Moreird:J

ciações profissionais e de sindicatos profissionais e de ,.'!


"1'' ' .- I I
sindicatos patronais e de operários, foi apresentada à ;1
Câmara Federal em 1905. Apesar de instituir a auto- '
nomia sindical - sem interferência do Estado _, a
lei Tosta visava um tipo de sindicato diferente do
apregoado pelo I Congresso Operário Brasileiro rea-
lizado em 1906, no Rio de Janeiro. Para este último,
tratava-se de organizar o sindicato combativo, de re-
sistência; para Ignácio Tosta, o sindicato da har-
monia e da conciliação.
,
A OPOSIÇÃO: OUTRAS PROPOSTAS
Em 1917, no calor das greves paulistas, o depu-
tado Nicanor Nascimento, numa perspectiva tam-
bém de conciliação, propunha a elaboração de leis
trabalhistas e sociais. Mas não descartava a ação po-
As propostas para solucionar a questão social
licial - "alta função do Estado" - na resolução dos
conflitos sociais (Cf. Paulo Alves, art. cit.). Desta sob uma perspectiva não violenta começaram a ga-
nhar força entre setores dos grupos dominantes a
forma o Parlamento, enquanto mediador dos con-
partir dos anos 10. Mas foi principalmente após as
flitos entre Estado e classe operária, desenvolvia pro-'
greves de 1917 que essas propostas tornaram-se mais
postas que contemplavam tanto a via repressiva
quanto a conciliatória. concretas. Conferências, artigos e livros foram publi-
cados, analisando mais detidamente os problemas
Essa perspectiva de solução do problema social
sociais e confrontando as diferentes alternativas exis-
que aparece no Legislativo - conciliatória e integra-
cionista - também estava presente entre as próprias
f tentes à época. As novas agremiações políticas SUf-
1 gidas a partir da metade da década de 10 incorpo-
classes dominantes paulistas. Diferentes soluções
não-coercitivas surgiram ao longo da Primeira Repú- ( raram a discussão, sugerindo novos caminhos para
equacionar, ou minimizar, os conflitos sociais. Gran-
blica, principalmente a partir dos anos 10. Algumas
de parte dessas propostas foi difundida por indiví-
dessas propostas serão analisadas a seguir.
~L J. duos, ou grupos, da classe dominante que pouca re-
presentatividade tinham no poder, mas que procu-
ravam ampliar seu espaço de atuação política.
~( Para a análise dessas propostas vale examinar
,! quatro posicionamentos típicos: dois são político-
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38 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 39

partidários (da Liga Nacionalista de São Paulo e do tavam submetidos os operários; a ineficiente e incom-
Partido Democrático) e dois vêm de homens públicos pleta lei de acidentes de trabalho e do seguro ao ope-
(Rui Barbosa e Sampaio Dória). Comecemos com rário. Rui Barbosa propunha uma série de medidas
estes últimos. visando a harmonização das duas classes: operária e
empresarial.
Ao esbarrar na inconstitucionalidade da intro-
Rui Barbosa missão do Estado nas relações entre Capital e Tra-
balho, e de uma legislação que regulasse os direitos
Rui Barbosa (1849-1923), abolicionista na Mo- trabalhistas, Rui Barbosa defendeu a Revisão Cons-
narquia e senador na República, manifesta-se sobre titucional. Dialogando com políticos rio-grandenses,
a questão social apenas em 1919, numa conferência ele afirmava que, se o Estado não tinha competência
realizada no Rio de Janeiro (20.3.1919) quando can- para intervir na questão social, era então preciso al-
didato à Presidência da República. terar a Constituição para que se desse a ela essa com-
Posicionando-se como um "democrata social" e petência. Se a lei era inadequada, ela deveria ser al-
seguindo as idéias do cardeal Mercier, Rui Barbosa terada. A revisão constitucional, segundo Rui Bar-
defendia a "felicidade da classe obreira, não nas ruí- bosa, era o único caminho para a "conciliação na-
nas das outras classes, mas na reparação dos agravos cional", contrariando os que diziam ser esta revisão
que ela, até agora, tem curtido" ("A Questão Social um "programa de desagregação". Para o revisio-
e Política no Brasil", in Escritos e Discursos Seletos, nista, operários e patrões dependiam uns dos outros
Rio de Janeiro, Cia. Aguilar Edit., 1966, p. 431). Em e formavam um corpo coeso e indissolúvel. Tinham
1919, para Rui Barbosa a questão social era o mais ambos interesse na revisão e na força da lei nas re-
importante dos problemas a resolver. Mas não .era, lações entre Capital e Trabalho. Ele alertava para o
segundo ele, o socialismo que solucionaria os con- fato de que os "operários não melhorariam se, em
flitos sociais, apesar de este conter, como em todas as vez de obedecer aos capitalistas, obedecessem aos
teorias, tanto um fundo verdadeiro quanto errôneo. funcionários do Estado socializado". Desta forma,
Em seu texto, Rui Barbosa chamava a atenção "nem todos os males do sistema econômico estavam
para diversos aspectos que mereciam um exame cui- com os detentores do capital" .
dadoso: as más condições habitacionais dos operá- Rui Barbosa esclarecia ainda:
rios; abusos do trabalho noturno, de menores e mu-
lheres (principalmente gestantes); turnos excessiva- " ... quando me preocupo com a iminência de como-
mente longos; as más condições de higiene a que es- ções e subversões, nãoé porque as almeje, busque ou
40 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 41

estime (cansado estou de implorar que as evitemos), são, Sampaio Dória publicou, em 1922, um texto
mas porque as temo, as pressinto, as diviso, e quero bastante amplo (388 páginas) intitulado A Questão
convencer os que as promovem de que nos devemos Social (São Paulo, Off. Graph. Monteiro Mob. & C.).
unir todos contra os seus tremendos perigos" (art. Nele, Sampaio Dória aborda exaustivamente as dife-
cit., p. 453).
rentes perspectivas existentes à época para resolver
os conflitos trabalhistas (inclusive as propostas co-
Por constatar a'gravidade dos problemas traba- munistas e católicas), demonstrando grande conheci-
lhistas e preocupado com a "implantação da de- mento do assunto. Baseando-se nas idéias de Charles
sordem", Rui Barbosa propunha a revisão constitu- Gide, chegava a uma única conclusão: a questão
cional e defendia a interferência estatal para resolver social seria resolvida pelo Cooperativismo, que le-
a questão social. varia ao surgimento do produtor independente. Após
rechaçar as teorias marxistas e anarquistas, mas re-
conhecendo que a questão social existia, ele pro-
Antônio de Sampaio Dória punha que o Estado tomasse medidas que favore-
cessem o produtorindependente. Vale apena citá-Ias:
Antônio de Sampaio Dória é outro exemplo de
homem público, ligado aos grupos dominantes, que "I?) o acionato obreiro;*
apresentou proposta alternativa para o tratamento 2?) os bancos populares de crédito industrial e
da questão social. Formado pela Faculdade de Di- agrícola;
reito em 1908, ele foi bastante atuante na área edu- 3?) as cooperativas de produção e consumo;
cacional, chegando a ser diretor geral da Instrução 4?) a educação maternal, primária e profissional".
Pública do Estado de São Paulo em 1920, sob a pre-
sidência de Washington Luís. Foi também membro o Estado deveria agir mediante os seguintes
atuante do Conselho Deliberativo da Liga Naciona- princípios:
lista de São Paulo (que discutiremos a seguir). Após
1930, sua presença não foi menos marcante. Um dos
"I?) Fixação do salário mínimo em número de ho-
principais autores do Código Eleitoral elaborado em ras, menor que o dia médio de trabalho, de
1932, Sampaio Dória foi ministro da Justiça em
1945, tendo ainda se candidatado a senador em 1947,
pela União Democrática Nacional (UDN). (*) Participação dos operários como acionistas das empresas e,
No que diz respeito diretamente à nossa discus- inclusive, em sua administração.
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42 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 43

modo que não haja miséria no lar do operário nância dos senhorios;
diligente e econômico. d) favores à construção de casas higiênicas ... ;
2?) Limite máximo do dia de trabalho pela capaci- e) a distribuição dos impostos ... ;
dade de resistência individual, a critério do tra- f) animação ao trabalho agrário, com atrair
balhador. braços para a lavoura, distribuindo semen-
3?) Proibição do trabalho aos menores, e limitação tes adaptadas, expurgadas e selecionadas,
dos adolescentes, para lhes assegurar o desen- organizando postos de experimentação,
volvimento físico, e a educação. abrindo estradas ... ;
4?) Repouso hebdomadário de 24 horas mínimas, g) em suma, tudo o que melhore as condições
abrangendo, sempre que possível, o domingo. gerais da vida, sempre que as iniciativas e
S?) Preparação técnica, que, aumentando a renda as posses individuais sejam deficientes.
do trabalho, dê ao operário a consciência e o 12?) O poder público deve socializar, com ou sem
poder de se bastar a si próprio. privilégio, os serviços que, a cargo de particu-
6?) Proibição de empresas que não atendam às lares, não ofereçam segurança necessária,
condições higiênicas nos prédios e nos instru- como correios, ou serviços que, confiados a
mentos. particulares, não tenham a extensão e eficiên-
7?) Igualdade de pagamento, sem distinção de cia requeridas pelo progresso nacional, como
sexo ou idade, aos mesmos trabalhos. a educação pública" (Antônio de Sampaio Dó-
8?) Interdição do trabalho nas oficinas às mulhe- ria, op. cit., pp. 370-372).
res um mês antes e um mês depois do parto,
sem que percam os seus salários.
I 9?) Supressão do trabalho noturno, que não for Como a teoria do laisser-faire, laisser-passer ti-
absolutamente necessário, e, no inevitável, ve- nha os seus defensores, Sampaio Dória preconizava a
dar o emprego das mulheres e das crianças. intervenção do Estado para amparar o trabalho fren-
1O?) Responsabilidade do capital pelos acidentes do te ao capital que o explorava. Segundo Dória, nada
trabalho, mediante seguro ou caução obriga- justificava a indiferença do Estado quando se tratava
tórios. de garantir a justiça entre os homens. Citando Rui
Ll P) Interferência direta do Estado no custo de vida, Barbosa, afirmava que dificilmente se poderia acei-
como: tar a neutralidade: "Não há imparcialidade entre o
a) combate aos trusts ... ; crime e a Justiça" .
b) as medidas que aproximem produtores e
Sampaio Dória admitia a organização operária,
consumidores, suprimindo intermediários
inúteis; via sindicatos, e a greve como direito da classe tra-
c) o amparo legal aos inquilinos contra a ga- balhadora, embora defendesse o voto como a melhor

bL ...~
'1 f((f
44 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 45 "
~.
arma reivindicatória. Mas, a sua solução "ampla e Liga Nacionalista de São Paulo
duradoura" residia na formação de produtores inde-
pendentes com a eliminação dos assalariados e dos
patrões. Não propugnava pela extinção da grande A Liga Nacionalista de São Paulo (LNSP) foi
indústria, do grande comércio ou da propriedade uma entidade que surgiu vinculada às escolas supe-
agrícola. O que importava era a maximização da riores no final de 1916, na capital paulista, fruto da
produção de riquezas, com "o menor dispêndio de campanha de Olavo Bilac em prol do "reerguimento
forças" . do caráter nacional".
Por outro lado, reconhecia que o capitalista era Afirmando ser uma associação extrapartidária,
avaro e ganancioso, pretendendo obter a máxima a LNSP tinha como objetivos principais lutar pelo
I renda, pagando o mínimo, mas argüía que as greves voto secreto e obrigatório, pela efetiva aplicação da
se resumiam na solicitação de salário e na dimi- lei da obrigatoriedade do serviço militar e pela di-
nuição das horas de trabalho. Além do mais, se- fusão da instrução e desenvolvimento da educação
li
Itl

gundo ele, o Capital existente era fruto de trabalho em todo o país.


I passado, e produzido antes do operário contempo- Quem eram os integrantes da LNSP? Na presi-
râneo. Portanto, a expropriação do capital consis- dência atuou, durante todos os anos de existência da
tiria num roubo. Com a participação dos indivíduos entidade, Frederico Vergueiro Steidel, professor ca-
nos lucros, grande parte dos males seria cortada tedrático de Direito Comercial da escola do Largo de
pela raiz. São Francisco. A vice-presidência esteve nas mãos
Na base de suas preocupações estava a perspec- dos professores A. F. de Paula Souza, da Escola Po-
tiva de implantar o sistema de produção autônomo, litécnica, e Arnaldo Vieira de Carvalho, da Facul-
através do Cooperativismo. Proposta que foi encam- dade de Medicina. Os outros integrantes, tanto da
pada diferentemente por outros grupos políticos, não Diretoria quanto do Conselho Deliberativo, eram
só à época de Sampaio Dória, mas também no após- majoritariamente profissionais liberais - advo-
30. Concluindo, para Sampaio Dória a questão so- gados, engenheiros, médicos, jornalistas e profes-
cial seria em parte resolvida desde que se desse todo sores. Entre os jornalistas, convém destacar a pre-
estímulo e incentivo à formação de Cooperativas e ao sença, no Conselho Deliberativo, de Júlio de Mes-
surgimento do produtor autônomo. quita Filho, Amadeu Amaral, Mário Pinto Serva,
Nestor Rangel Pestana, José Bento Monteiro Lobato
e Plínio Barreto.

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Vários dos integrantes da LNSP tiveram parti-

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)I!rrf' 46 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 47
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cipação política não só enquanto a entidade existiu, rária, funcionavam de 2~S às 6~S feiras das 19hOO
Ilill mas também após o seu fechamento, seja através do às 20h30, e nelas só podiam ser matriculados os indi-
:1
Partido Democrático (e, posteriormente, da UDN), víduos que não pudessem efetivamente freqüentar
ou em movimentos como o de 1932. Lembre-se, por aulas durante o dia.
exemplo, o nome de Antônio de Sampaio Dória ou de É, no entanto, em torno da luta pela obrigato-
Armando de Salles Oliveira, interventor no Estado riedade e segredo do voto que a LNSP centralizou
de São Paulo em 1933~ toda a sua atuação. A prática da democracia somen-
Por outro lado, a presença de Jorge Street no te estaria assegurada quando se pusesse fim às frau-
Conselho Deliberativo da Liga tem de ser explicada. des e violências que caracterizavam as eleições. Jul-
Qual o interesse de um representante do setor indus- gava-se necessária uma reformulação institucional
I' , trial em associar-se a uma entidade predominante de
o

para que se efetivasse um regime com bases liberais.


II profissionais liberais? Era em função da crença na Nesse sentido, a proposta do voto secreto implicava
necessidade de se reformular politicamente a nação diretamente um rernanejamento dos grupos no po-
lill como garantia da continuidade hegemônica do Es- der, identificados com a máquina do Partido Repu-
1,11 tado de São Paulo - e dentro dele, de determinados blicano Paulista (PRP~.
II grupos sociais - que se explicam os vínculos de Jor- Um programa de reformulação política, calcado
I ge Street com a LNSP. Tratava-se da construção de nas denúncias aos costumes eleitorais corrompidos,
'111 um projeto político consubstanciado essencialmente constituía-se numa das poucas alternativas abertas
na efetivação do voto secreto e obrigatório. às facções dissidentes do grupo detentor do poder
I1 !!! Assim que a LNSP iniciou suas atividades, a político.
ii luta contra o analfabetismo e a propaganda para dis- A proposta em torno do voto secreto e obriga-
t! seminar a instrução constituíram os pontos princi- tório só pode ser compreendida quando se analisa o
pais de sua atuação. Segundo a Liga, a nação enfren- discurso dos integrantes da Liga sobre a "questão
:11,
tava dois grandes perigos: os imigrantes (e seus fi- social". Torna-se perceptível que o discurso da asso-
1
lhos), muitos deles analfabetos que se sentiam liga- ciação vai sendo elaborado na medida em que se for-
dos a países estrangeiros, e aqueles brasileiros em- talece o movimento operário. Percebe-se assim a
li
II polgados por sentimentos que não eram o "senti- construção desse discurso em função do próprio cres-
mento nacional". Foi visando essa situação que a cimento das lutas populares.
l, Liga criou escolas noturnas destinadas exclusiva- A visão que os membros da Liga tinham sobre a
mente aos trabalhadores. As "Escolas Naciona- questão social não era homogênea. Para alguns, par-
11"1 listas", localizadas em bairros de população ope- te da solução residia na ampliação do ensino técnico-
~_~ I

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ftT "1"1
São Paulo na Primeira República 49
48 Silvia Levi-Moreiro

tanto, se continuasse não se justificaria.


profissional. Para Roberto Moreira, a questão social Para nós é ponto de doutrina intangível que,
continuava a existir pela ausência de industriais política no Brasil, é matéria reservada exclusiva-
como Jorge Street, que ele via como exemplo a ser mente aos brasileiros. A Liga constituiu-se a volta da
seguido nas relações entre patrões e operários. Já sagrada idéia de Pátria, em defesa do sentimento na-
cional, para dar combate a tudo quanto seja sucep-
para Mário Pinto Serva, a luta pelas 8 horas de tra-
tível de o enfraquecer, e para promover e estimular
balho prejudicava o próprio operário na medida em tudo quanto possa revigorá-Ia.
que diminuiria a produção e aumentaria a carestia. Aos operários estrangeiros diremos que o Bra-
Segundo ele, o Brasil não conhecia a questão social. sil é nosso. Pelas nossas leis e pelas nossas necessi-
II A partir principalmente de 1919 a questão social dades de país novo, de escassa população, e, mais que
não seria mais ignorada pela LNSP. As lutas popu- pelas nossas leis e necessidades, pelo nosso tempe-
:If lares passaram a ser vistas como uma ameaça à pró- ramento e pelos nossos costumes atraentes e acolhe-
I
pria existência da associação. dores, os nossos portos e as nossas fronteiras nunca
O discurso nacionalista da Liga ocultava a dinâ- se fecharam ao desembarque e a entrada de alguém.
1IIIl
Só agora cuidam os nossos legisladores de oportunis-
I mica real das relações sociais. Os conflitos deveriam
simas restrições a esta liberdade ilimitada.
ser solucionados em nome da nação. As classes so-
Mas, a todos se destina a nossa palavra, e fir-
ciais deveriam se harmonizar no "homem brasi- memente lhes asseveramos que tudo faremos, por
leiro". As mobilizações dos trabalhadores eram ca- nossa espontânea deliberação e as ordens dos pode-
racterizadas como um fenômeno importado, sem li- res nacionais, para que no Brasil, em São Paulo ou
gação com a realidade brasileira. É o que se depre- em qualquer outro Estado da União, as questões po-
ende do manifesto que a Liga dirigiu ao "operariado líticas e a questão social se discutam e se resolvam,
nacional" durante a greve dos serviços públicos em J. sem a menor ofensa às prerrogativas de que nos sen-
outubro de 1919: timos revestidos por sermos brasileiros. Antes de
tudo, à Pátria" (O Estado de S. Paulo, 27.10.1919
"A greve que, há dias, esta cidade assiste tira-nos da - grifos nossos).
nossa abstenção, porque evidentemente, ela se dife-
rencia, por vários aspectos, das outras que começa-
ram e acabaram, sem sairmos nós do nosso silêncio.
A posição assumida pela Liga frente aos con-
Esta começou sem se conhecerem os intuitos ou as flitos sociais fica clara com o texto acima reprodu-
queixas dos operários, e, ainda que se ignore como e zido. Estabelecia-se que as questões políticas, disso-
quando ela acabará, já sobram razões para se poder ciadas das questões econômicas, não poderiam ser
acreditar que os seus fins são políticos e que os seus encaminhadas através de movimentos grevistas. No
autores são estrangeiros. A nossa abstenção, por-
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,1
tr 50
Silvia Levi-Moreira ,fi
São Paulo na Primeira República 51

campo da luta política, a Liga admitia somente o anarquismo: O não reconhecimento da luta política
\ voto, "única arma ordeira" através da qual se daria o
solucionamento do problema operário.
formal. Os anarquistas rejeitavam qualquer forma
de ação a nível parlamentar, terreno de luta política
Pode-se afirmar que a LNSP procurava sempre privilegiado pela LNSP. Era exatamente a instância
diluir o conflito social apelando para os chamados jurídico-política que a Liga reconhecia como único
"interesses nacionais". A retórica nacionalista da campo legítimo para o enfrentamento das diferentes
I Liga evitava qualquer identificação com uma deter- correntes de opinião.
minada corrente ideológica, na tentativa de obter o . No voto secreto a Liga depositava suas espe-
I' consenso de todos os setores da sociedade para a sua ranças de conter, de certa forma, a insatisfação so-
IIII atuação. Mas esse consenso nem sempre foi obtido. cial urbana, agravada com a elevação do custo de
As classes dominantes e as classes dominadas não en- vida. A Liga pretendia, com o voto secreto, prevenir
11,· caravam da mesma maneira a questão nacional. Eis I W qualquer alteração drástica da estrutura social. Não
como se colocava o jornal O Combate por ocasião da há dúvida que era a mobilização autônoma das clas-
greve de 1917: ses operárias o que aterrorizava os grupos domi-
nantes. Para a Liga, a solução da questão social pas-
"Da mesma forma que o sr. Altino Arantes pode se sava principalmente pelo problema da representati-
'11: fazer jesuíta à hora que quiser, o sr. Leuenroth tem o vidade do poder.
direito de combater todas as crenças religiosas e de A LNSP empenhou-se em reformular a lei elei-
'1\
pregar o ateísmo. Como a Liga Nacionalista quer sal- II toral. E isso com dois objetivos: ter alternativas para
var a Pátria com o voto, o sr. Sanchez pode clamar o ascenso do movimento operário e romper o mono-
1:\ ~
contra o sufrágio universal. Nem por isso Augusto pólio político-partidário do PRP, visto pela Liga
Compte foi para a cadeia" (O Combate, 21.9.1917). como um fator de instabilidade social. No entanto, a
.1'

associação evito" pronunciamentos diretos contra o


Uma análise mais acurada da intensa campanha
da Liga pelo voto secreto revela que esta estava dire-
tamente voltada para a desmobilização do movi-
I ,J.
~
PRP, preferindo ficar na condenação do mando-
nismo local e das "oligarquias". Com efeito, a LNSP
não sistematizou uma oposição ao PRP.
mento operário através do alistamento eleitoral. Con- . O programa da LNSP era, sobretudo, uma pro-
forme foi visto, a partir de 1917 presenciou-se um posta diferente de ação política, endereçada às elites
incremento nas atividades contestatórias no país, in- paulistas, revendo a própria estratégia de alianças
fluenciadas em grande medida pelas idéias anar- entre os grupos sociais para o preservação do sistema
quistas. Lembramos aqui um princípio básico do I ij republicano. Essa proposta era idealizada para São

~
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52 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 53
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Ir , I Paulo e para o Brasil, sendo vista como única via Constituição, tornando uma realidade o go-
i 11; I para que os integrantes da Liga se impusessem poli- verno do povo e opondo-se a qualquer revisão
ticamente. Fosse isso contra o PRP, fosse como alter- constitucional que implique restrição às garan-
nativa às propostas anarquistas do movimento ope- tias e liberdades individuais.
rário. I 2?) Pugnar pela reforma da lei eleitoral no sentido
. A LNSP foi fechada em 1924 acusada de envol- de garantir a verdade do voto, reclamando,
para isso, o voto secreto e medidas assegurado-
vimento na revolta njilitar ocorrida em São Paulo,
ras do alistamento, do escrutínio da apuração e
embora sua atitude tenha sido de neutralidade du- do reconhecimento.
rante todo o conflito. A associação não mais seria 3?) Vindicar para a lavoura, para o comércio e
reaberta. Diversos de seus membros acabariam por para a indústria a influência a que tem direito,
integrar o Partido Democrático, fundado em 1926. por sua importância na direção dos negócios.
1'1

I·'
1

I 4?) Suscitar e defender todas as medidas que inte-


ressam à questão social.
I Partido Democrático S?) Pugnar pela independência econômica da ma-
gistratura nacional e pelo estabelecimento de
o Partido Democrático de São Paulo (PD), uma organização judiciária em que a nomea-
ção dos juízes e a composição dos tribunais in-
criado em 24.2.1926, tinha como objetivo funda-
;1 dependam completamente de outro qualquer
,JI~ mental a representatividade do voto e a luta pela de- poder público.
mocracia. Liderado pelo Conselheiro Antônio Prado, 6?) Pugnar pela independência econômica do ma-
~r o PD organizou-se a partir de três grupos políticos: gistério público e pela criação de um organismo
1?) da Faculdade de Direito com Waldemar Ferreira integral de instrução, abrangendo o ensino pri-
e Francisco Morato; 2?) de Marrey Jr.; 3?) do jornal mário, secundário, profissional e superior"
O Estado de S. Paulo com Júlio de Mesquita. Muitos (Maria Lígia Prado, A Democracia Ilustrada.
I'~I
~
I!I dos integrantes do partido tinham participado da O Partido Democrático de São Paulo, 1926-
Liga Nacionalista de São Paulo, abordada no item 1934, São Paulo, Ãtica, 1986, pp. 10-11).
anterior.

li,' I
Na parte final do manifesto-programa (22.3. o PD participou do pleito federal de fevereiro
1926) do PD eram explicitados os pontos básicos do de 1927, tendo eleito alguns de seus candidatos para
partido: a Câmara dos Deputados. Tanto nas eleições de
11 1927 quanto nas de 1928, o PD não conseguiu eleger
"I?) Defender os princípios liberais consagrados na nenhum candidato ao Senado Federal. Em 1928, o

~l 4JJ
54 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República
55

PD recebeu o apoio do Bloco Operário e Camponês


'I (BOC), grupo parlamentar do Partido Comunista.
Com o crescimento do Partido Democrático, o PRP,
através de fraudes e da violência, começou a pressio-
nar o novo partido numa tentativa de impedir que
este conseguisse novas vitórias. Essa pressão, de cer-
ta forma, levaria o PD .a descrer da possibilidade de
tomar o poder pelas vias legais. Organizado a nível
nacional já em setembro de 1927, através da aliança
com os oposicionistas gaúchos, o PD acabaria
apoiando os candidatos da Aliança Liberal bem
como a Revolução de 1930. A luta pela hegemonia e
predomínio de São Paulo na Federação levaria o PD
a romper sua aliança com Getúlio Vargas e aproxi-
mar-se novamente dos perrepistas, desembocando no
movimento de Frente Única em 1932. A história do
PD não terminaria aí. No entanto, este quadro já nos
permite discutir a relação PD e questão social.
Em 1932 um Diretório Distrital do PD, no bair-
ro paulistano do Belenzinho, sob influência das
idéias do BOC, redigiu um documento em que eram
propostas diversas medidas com relação à questão
operária. Entre elas: 8 horas de trabalho; proibição
do trabalho a menores de 16 anos; licença de 60 dias
pré-parto e 60 dias pós-parto; salário mínimo; em
caso de doença o operário receberia o mesmo salário
mínimo; férias anuais; semana inglesa obrigatória;
pagamento por quinzena obrigatório; seguro de vida
obrigatório; assistência à velhice e acidentes para
qualquer classe de trabalhadores (d. M. L. Prado, Cartaz de propaganda pelo alistamento eleitoral _ Liga
op. cit., pp. 164-165). Nacionalista de São Paulo (/HGSP).
56 Silvia Levi-Moreira São Paulo na Primeira República 57

A questão que se coloca é: Afinal, a que vinha o do PRP, O PD contrapunha o "estado de Direito"
Partido? O que teria levado os dissidentes do PRP a (M; L. Prado, op. cit., p. 170). Dentro da lei e da
organizar-se em um partido em 1926? No dizer de ordem, a "questão social" seria solucionada.
Maria Lígia Prado, o "PD surgiu com um projeto Além de ajudar a solapar as bases do PRP o PD,
específico para fazer frente ao movimento social que a partir da década de 20, ajudou a difundir a ban-
avançava 'perigosamente' ", bem diferente do projeto deira da democracia, com a luta pelo voto secreto e
implantado pelo governo, apoiado pelo PRP. Se- pela participação eleitoral da população. Isto não in-
gundo a autora, I~ valida, no entanto, a caracterização do PD como um
partido que engendrou um projeto alternativo de do-
" ... 0 PD como partido político foi o primeiro a pro-
minação social. Segundo Maria Lígia Prado, "o pro-
por um projeto alternativo de dominação social. Ele jeto político-social pensado pelo PD constituiu-se na
respondia às questões de seu tempo em que a temá- fórmula mais adequada encontrada pela classe domi-
tica da 'questão social' e da 'revolução'atingiu forte- nante para apagar e neutralizar os antagonismos so-
mente certos grupos da classe dominante. Sua res- ciais e as oposições de classe" (op. cit., p. 176).
posta criticava o simplismo da dominação até então
vigente contida na proposição questão social! ques-
tão de polícia e, ao mesmo tempo, se colocava como
alternativa a saídas mais radicais como a do BOC.
Além disso, a luta ideológica que já se travava com o
socialismo levantava como bandeira a possibilidade
concreta da harmonia social e do congraçamento, o
do surgimento, através do cooperativismo, do produ-
tor livre e independente" (op. cit., p. 165).

Nas propostas do PD é possível identificar a in-


fluência das idéias de Rui Barbosa, de Sampaio Dó-
ria, da Liga Nacionalista de São Paulo. Pela primeira
vez, essas idéias faziam parte de um programa par-
tidário, incorporando uma visão "democrática" da
relação entre Trabalho e Capital. Dessa forma, o PD 1,1"
corporificou organizatoriamente as várias alterna- _ I
tivas propostas pela oposição. Ao "estado policial"
I •. I

J
,.rf ~
São Paulo na Primeira República 59

dade de uma solução, portanto, talvez não passe por


uma visão unificadora das diferentes perspectivas.
A questão social, emergente na Primeira Re-
pública, permanece um problema dos dias atuais. Os
reformistas das primeiras décadas do século divi-
I~ savam uma saída embasada no ideário liberal-demo-
.•. crático. Eles esperavam que essa saída lhes permi-
tisse, porum lado, quebrar o monopólio do poder,
II1I CONCLUSÃO em mãos do "obsoleto" e "desgastado" PRP, e, por
I
outro, conter os anarquistas e comunistas que pre-
gavam a alteração drástica da ordem republicana.
A solução liberal-democrática atendia aos inte-
resses daqueles grupos de oposição que, fortes eco-
Na primeira República a questão social me-
nômica e socialmente, não contavam com correspon-
receu abordagens variadas, - conforme os diferentes
dente representação, ou influência, no poder. As re-
grupos políticos que dela se ocuparam, e as soluções
formas sociais - instrução e educação, legislação
propostas estavam longe de convergir. Isto mesmo
trabalhista, assistência aos operários - eram pro-
entre os grupos dominantes. Desde a década de 20 a
postas no sentido de integrar os trabalhadores ao
(111, solução dos problemas nacionais aparece vinculada à projeto político desses grupos.
questão social. Esta vai assumindo uma dimensão
Quanto às reformas políticas, centradas no voto
ampla na discussão política e nos programas parti-
secreto e obrigatório, serviriam para esvaziar as pro-
dários, num processo que conduz à definição de dife-
postas anarquistas e, ao mesmo tempo, garantir para
rentes projetos para a sociedade brasileira. O embate
os grupos dissidentes um maior número de votos por
entre eles, aberto na Primeira República, permanece
ocasião das eleições. E, principalmente, o voto se-
até os dias de hoje.
creto alteraria o quadro monopartidário paulista,
Hoje discute-se a viabilidade de um Pacto So-
pondo fim ao domínio exercido pelo PRP. Tanto as
cial. Mas, como a História mostra, tem sido difícil o
reformas políticas quanto as sociais foram propostas
estabelecimento de pactos que acomodem os inte-
I sob a perspectiva de administrar a "questão social".
resses dos diferentes segmentos da sociedade brasi- .1
li! Não podendo ser resolvida, ela deveria ser adminis-
leira. Na verdade, o choque entre esses interesses
trada.
constitui o próprio campo da História. A possibili-
A solução democrática conforme apresentada
ii
'1
1 ,~ J "J
60 Silvia Levi-Moreira

pela oposição liberal era, na verdade, uma alterna-


tiva "ordeira" para contrapor-se à força dos dois
grupos que ameaçavam a continuidade da hege-
-li
monia paulista na Federação. Um deles era o modo
II como o PRP controlava o poder, e o outro os movi-
mentos de trabalhadores que pressionavam por um
espaço político próprio ...

INDICAÇOES PARA LEITURA

A questão social é um tema que tem sido discutido


em diversas obras sobre a Primeira República. Poucos são,
no entanto, os trabalhos que a tomam como objeto espe-
cífico de análise, apesar de ela permear todas as relações
existentes na sociedade da Primeira República, Ela está
presente no interior dos vários trabalhos que têm sido pu-
blicados sobre esse período. Posto isso, gostaríamos de in-
dicar aqui (item 1) estudos mais gerais, mas importantes
-,--~ SBD'/F~H'/lJSP"- -. para situar a questão social, alguns dos quais não foram ~
citados ao longo do texto. No item 2, estão arroladas al-
SECzrO DE ty({J~ ..." gumas das poucas coletâneas de documentos existentes;
~QUISIÇÃOV-·_·· .. : •• {~ de fácil acesso ao público, que ajudam a ilustrar a temâ-
tica discutida neste livro.
'" ,. . . , mA$/~(lD
D;T~-'!d/õ?-·g?~'·
.
__
.~
,
~;~~2~Tt;)õ-:
..•. '-""" .'- -'. #'c!.....,.·~.e
1) Edgard Carone, A República
Classes Sociais (1889/1930),
Velha. 1. Instituições e
São Paulo, DIFEL,
1970.
II Joseph L. Love,A Locomotiva: São Paulo na federação
brasileira 1889-1937, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1982.
I ~ I

J
62 Silvia Levi-Moreira

Boris Fausto (dir.), História Geral da Civilização Bra-


sileira. O Brasil Republicano, tomo III, 1? e 2?
vols., São Paulo, DIFEL, 1975 e 1977.
Boris Fausto, Trabalho Urbano e Conflito Social (1890-
1920), São Paulo, DIFEL, 1977. ~,

Luis W. Vianna, Liberalismo e Sindicato no Brasil, Rio


de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
Azis Simão, Sindicato e Estado: suas relações na for-
mação do proletariado de São Paulo, São Paulo,
Ãtica, 1981.
Sheldom L. Maram, Anarquistas, Imigrantes e o Movi-
mento Operário Brasileiro, 1890-1920, Rio de Ja-
neiro, Paz e Terra, 1979.
John W. Foster Dulles, Anarquistas e Comunistas no
Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977. \. Sobre a Autora
2) Paulo S. Pinheiro e Michael M. Hall, A Classe Operá- Silvia Levi-Moreira é bacharel e licenciada em His-
ria no Brasil, Documentos (1889 a 1930), vol. 1, Ed. tória pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
Alfa-Omega, 1979. manas da USP. Defendeu dissertação de Mestrado (1982)
Idem, A Classe Operária no Brasil. Documentos (1889- no Departamento de História dessa instituição. Atual-
1930), vol, 11, São Paulo, Brasiliense, 1981. mente prepara tese de Doutoramento sobre "As oposições
Edgard Carone, A Primeira República (1889-1930), liberais paulistas na Primeira República". Foi professora
Texto e Contexto, São Paulo, DIFEL, 1973. no ensino secundário e superior e tem publicado artigos
Idem, Movimento Operário no Brasil (1877-1944), São
em revistas especializadas.
Paulo, DIFEL, 1984.
Vamireh Chacon, História dos partidos brasileiros: dis-
curso e práxis dos seus programas, Brasília, Ed.
Universidade de Brasília, 2!l ed., 1985.
A Voz do Trabalhador. Coleção Fac-similar do jornal
da Confederação Operária Brasileira, 1908-1915,
São Paulo, Imprensa Oficial do Estado S.A.,
IMESP, 1985.

I li! I
I • '

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