A li na vila, com rua sem saída, de casas antigas, tão antigas que delas não
mais existiam em outra parte da cidade, viviam gatos, desses sem donos,
desses vagabundos, sujos e esfomeados, porém gordos de tanto que de
comida alheia eles comem, logo a fome era pura gula, não mais uma necessidade
de suas eventuais realidades, que eram gatos sem dono. Eram bastantes
gatos,as contas não mais se têm, pois não se sabe se aquele grande e preto que
apareceu agora é o mesmo de ontem ou outro semelhante. Nomes não se dão,
que gato de rua irá aceitar graças de humanos? Contar já não se faz, eles vêm e
vão e deixar um número para um pode ser bobagem, já que corre o risco desse
não mais ali voltar se em outra vila, comida melhor achar.
E esses gatinhos, gatinhos sem donos, donos não podiam ter, a vila
entendeu que assim tinha que ser, a posse de um eu não posso ter, livres eles
são, assim sempre vão ser, mas comidinha uma vez ali, outra acolá, isso um ou
outro davam, carinho aqui na barriguinha, ou ali nas orelhinhas, dois ou três
ofereciam, eram trocas livres, disso a vila estava ciente, disso os gatos estavam
cientes, ora para que isso mudar? E eram tantos, mas tantos, mas, quem de fora
pela vila passava, nada via, há gatos aqui?, iam perguntar, há e muitos,
responderiam, mas eles são assim, jeitosos, cheios das opiniões, quase de vistas
não aparecem.O que se sabe é que são muitos, isso sim, senhor. Devem estar ali
pelos telhados, ali na fresta de uma janela aberta, ou ali nos corredores de piso
de taco envelhecido das casas, a aproveitar que seus moradores no local não
estão. Ah, esses gatos sem donos, eles são assim, aparecem quando querem,
onde querem, no momento que querem. Não são tímidos, nem temerosos, nem
orgulhosos, são apenas gatos, oras, e por acaso gato tem disso de agenda de
gente grande de ter hora para aparecer? Ou lugar marcado para chegar? Gatos
não têm disso, ainda mais esses sem donos, deixemos de impor nossos bobos
costumes à eles.
Vejam um gato ali agora em cima do telhado da casa 7, a verde, de três
andares. É um marrom, de pelos brilhosos, cara bochechuda, olhos maliciosos e
narizinho gelado. Ele olhava a dona da casa cinza, a de número 1A, que
cozinhava, hummm, fritava algo, passou a língua áspera nos lábios, parecia bom.
Mas ali, no telhado da casa 7 ficou, não foi incomodar a dona da casa 1A mesmo
estando com fome. Baixou seu corpo, sua cabeça, e, assim como apareceu no
telhado da casa verde, sumiu silencioso e sutilmente. E agora, cadê o gatinho
marrom de narizinho gelado? Quem sabe, fora encher, talvez, a pança com
outras frituras ou qualquer coisa. A dona da casa número 1A, se quer soubera
que, por breves momentos, estava sendo vigiada e sua comida desejada.
Mas, e esse montão de gatos, de onde vêm? Mandariam você perguntar
para o velho da casa 2A, a laranja, de 2 andares, era ele quem melhor saberia
contar como tudo começou, ele era o morador mais velho da vila, passava quase
que todo o dia sentado num tamborete na varanda laranja, da casa 2A de
mesma cor, fumando maços e maços de cigarros, o que juntava uma grande
nuvem de fumaça em sua volta. Era difícil vê-lo pronunciar alguma conversa,
melhor dizendo, alguma palavra, só mesmo quando das origens dos gatos lhe
perguntavam, e, mesmo com aquele modo rabugento de falar, a bufar e nunca a
encarar quem o ouvia, era sabido que uma leve pontada de alegria era como ele
ficava, ao contar a história que ele já repetira tantas e tantas vezes.
O que se sabia era que, um dia, desses como outro qualquer, quando as
nuvens cobriam o sol, mas sem ameaças de chuvas, surgiu do céu um guarda-
chuva vermelho, estava aberto e ziguezagueava para lá e para cá, ao ritmo de
um vento zombeteiro e calmo que não o deixava descer. Mas o curioso era que,
preso no cabo do guarda-chuva, havia um gatinho preto, estava firme e seguro
com seu rabo no cabo, o bichano também balançava para cá e para lá
suavemente, com suas patas esticadas, sua cabeça e pescoço ereto. Não parecia
se importarque o guarda-chuva não descia, para ele não fazia diferença se subia
mais ou se na terra logo pousava, afinal, bem firme seu rabo segurava o cabo do
guarda-chuva vermelho e dali não cairia. Contava o velho da casa 2A laranja,
que o guarda-chuva com o gato ia caiiiiindo, caiiiindo, caiiiindo, parecia não ter
fim essa agonia toda, e quando alguém lhe perguntava se ele havia visto, ele
dizia um seco, mas é claro que sim, moleque curioso, com esses olhos sem
graças que eu carrego e que evito te olhar agora. Continuava a dizer que, depois
de muito cair suavemente, ele apenas ouviu o baque forte em seu telhado, foi o
guarda-chuva que finalmente caiu, e o gato lá deve ter corrido pelo telhado,
aquele danado, devia estar agasturado de tanto que balançou para lá e para
cá.Só consegui pegar o guarda-chuva que pousava aberto no meu telhado, que
quase voou de novo. E o felino, senhor velho?, perguntavam curiosos. Disto, o
velho respondia que ficou um, dois, três, quatro dias sem ver o animal, ixi, meu
filho, só no quinto dia que o lazarento apareceu para comer, e eu tive que dar
um pouco de comida, né, ele estava com fome. E o velho não poupava de
detalhes do bichano: era preto, forte, olhos bem firmes, parecia que a todo
momento estava te testando ao lhe encarar, sumiu depois de pouco mais de um
mês. E o guarda-chuva, senhor velho? E era esse o momento que o velho tanto
aguardava, orgulhoso e com o peito estufado, ele se levantava do seu eterno
tamborete e ia em direção a sua sala, ali mesmo ao lado da varanda, e apontava
para uma pequena estante que, a um lado, havia uma parte com uma portinha
dupla de vidro e dentro dela havia um guarda-chuva vermelho fechado. Dizia o
velho, é este o guarda-chuva, o gato veio do céu segurando o cabo dele com o
rabo, o objeto é esse, só não está o gato aí com o rabo preso nele, mas é o
próprio.
E naquele mesmo dia, em uma lixeira próxima, três gatinhos malhados
viram cair do céu um guarda-chuva vermelho com um gato preto preso
nele.Correram para onde o objeto estava caindo, subiram em cima de uns
telhados de umas casas antigas de uma vila e ali, sorrateiros e escondidos,
esperaram o objeto cair. Numa rua ao lado, outros dois gatos, talvez um
casalzinho, também viram o objeto a cair lento numa vila de casas históricas, e,
se acuriosidade matou o gato, esses dois já ali morreriam, mas foram correndo
ver o objeto, aguardaram silenciosamente no telhado de outra casa da vila. E
logo, outro e outro e mais outros gatos olharam para o céu, e o ziguezague que o
guarda-chuva fazia, com o gato preto preso pelo rabo em seu cabo, roubaram de
todos as atenções e interesses. Em poucas horas, mesmo que nada os
moradores tivessem percebido, os gatos invadiram a vila, escondiam-se como
podiam até a hora certa de saírem e constatarem que perigo não mais tinha. E a
noite, quando todos já dormiam, e o guarda-chuva já guardado estava na casa
do velho da casa 2A laranja, os gatos todos saíram dos esconderijos, e ali, nos
telhados dos casebres da vila, eles aguardaram que o gato do guarda-chuva
também do seu esconderijo saísse. Fora uma noite de muitas festas felinas.
E logo, tantos e tantos gatinhos se juntaram à noite, a esperar aparecer
aquele que do céu caíra pelo guarda-chuva. E não tardou até ele
aparecer, lá estava ele a surgir em um telhado de uma casa dos fundos da
vila, era majestoso, preto, forte, olhos brilhantes, patinhas fofinhas, mas não
intimidava, não assustava aos demais gatinhos, porém respeito lhe era passado
em sua postura. E vieram dez gatos por outro telhado, e mais dez por outro, e
por outro telhado outros dez... da casa 7 verde, da 2A laranja, da 6 branca, da 3
amarela, daquelas ali dos fundos sem números, uau, quegataiada, quantos
bigodinhos, quantos rabinhos. De repente, todos estavam nos telhados, a
observar o gato que do céu caiu com o rabo preso em um cabo de guarda-chuva,
e o gato olhava cada um, miava a dizer-lhes, olá. Em gatês talvez outra
expressão além de um “oi” é o modo como se cumprimenta inicialmente, mas
como nós humanos de nada dessa felina língua sabemos, entendemos como
apenas um “Olá”, de gato para gatos.
Em gatês também os demais gatos miaram, foi apenas um miau, dizia, olá,
senhor gato, que do céu veio sobre um guarda-chuva. E o gato, do céu parecia
sorrir em respostas aos colegas, andava silenciosamente por entre os telhados,
aproximando-se de cada um que podia. Ali, ele sabia que o líder não era, nem
isso queria, os demais gatinhos também sabiam que líder ele não era, não eram
isso que procuravam, ali, o gato do céu era apenas o gato que do céu aparecera,
e os demais, os gatos que ali se juntaram, para que tantas ordens ou regras,
eram só gatos em cima de telhados de uma vila velha.
Em gatês, a noite fora transformada em miaus e miaus e miaus, de todos
os gatos, uma vez um, outra vez outro, outra vez todos ao mesmo tempo.
Diziam,muito bem-vindo, gato do céu. E em um miau gatês, o gato do céu
respondia, muita gentileza. E os miaus continuavam noite adentro, um gato
listrado miou perguntando, e como, e para quê, veio tu do céu em um guarda-
chuva? E o gato do céu respondeu-lhe, miau! Os outros todos arregalaram os
olhos, miaaaaauuuu, ooooooh, e de novo a miadeira começou, todos felizes e
surpresos, mas que coisa maravilhosa, que gato imaginaria algo semelhante
acontecer, que gato pensaria tal coisa fazer e ainda esse motivo ser? Realmente
surpreendente. Uma gata fêmea e branca miou, E como tudo isso aconteceu, e
em resposta, miou o gato do céu, miaumiau. Ooooohhhhh, arregalaram de novo
os olhos todos os bichanos, mas que coisa surpreendente, que feito, de inveja os
gatos egípcios morreriam, sem dúvida.
Então, a festa felina daqueles gatos sem donos, fora maior que da vila já se
teve notícias, uma vez que festa de outro animal nunca ali teve, e de lá os gatos
nunca tinham ido, e se quer agora sairiam, ali ficariam, e por que não? A noite
ainda era cedo, um pouco mais ficariam ali nos telhados, só um pouquinho mais,
miariam baixinho, se é que conseguiriam, pois não estavam nas latas de lixos,
nas ruas perigosas, não, neste momento em uma vila cheia de casinhas estavam,
não era os lugares a que acostumados estavam, logo não exagerariam nos
miados, porém, a vila não era deles naquele momento, mas ali ficariam, e deles
seriam, seria a vila dos gatos, de todos eles, dos que logo chegariam, uma vila de
todos, e os que de lá saíssem, que fosse em paz e obrigado, mas a vila dos gatos
depois dessa festa seria. E o céu sem lua de nada atrapalhou as alegrias deles, ia
para lá e para cá o gato do céu, pulavam de telhado em telhado outros,
namoram alguns, outros observavam, já a preparar território e demarcar
lugares estratégicos para os dias que viriam, as casas e seus telhados e seus
corredores e suas janelas deles agora seriam, então melhor tudo conhecer, mas
que deixe tudo isso para amanhã, agora festar é o melhor que façamos.
Era a festa felina, então, que acontecia, com miados ali, outros acolá, noite
a fora, de gatos a comemorar, o quê? Não importa, estavam comemorando. Até
que, de um quarto, uma luz fora acesa, alguém acordado foi, ou acordado já
estava, mas acontece que algo a fez acender a luz de seu quarto. Uma janela
dupla de madeira fora aberta, um rapaz de óculos grandes apareceu nela, olhou
para um lado e para outro, virou a cabeça para um dos telhados de uma casa a
frente, malditos gatos, resmungou consigo mesmo, morram todos, seus
vagabundos. E lá na janela continuou por mais algum tempo. Ele ouvia os
miados que sabia que do telhado vinha, mas ainda não conseguira mirar
nenhum bichano. Até que, depois de um pouco mais atento procurar, avistou
um gato branco e apontou seu dedo ameaçador, oh lá, veja você aí, seu
vagabundo, vá encher o saco de outro, porque aqui gato nunca houve de ter, que
faz tu agora aqui, vá e leve seus amigos fedorentos. Nisso, a luz do quarto de
baixo do quarto do moço de óculos grande também se acendera, uma senhora
corpulenta e de pijamas florido colocou sua cabeça pela janela também e olhou
para cima a querer mirar o rapaz de óculos grande, que diabos tu há essa hora
grita na janela, menino? O rapaz de óculos grande olhou para baixo, ajeitou
então os óculos, gesticulou o braço em direção ao telhado que viu o gato, está
por acaso cega, mulher, ou é de cegueira ou de surdez tu sofre, não ouve essa
barulhada de gatos na vila? A mulher fez cara feia e respondeu-lhe, com os gatos
estava eu cá em paz, agora com tu a gritar em cima de minha cabeça, dormir não
consigo. O rapaz, nervoso, tirou seus grandes óculos e saiu da janela batendo-a
forte para fechar, e saiu gritando, pois pegue toda essa gataiada e tranque-te no
teu guardo com eles, velha louca.
Enquanto das janelas o moço de óculos grande a mulher corpulenta
discutiam, o gato branco que foi avistado pelo rapaz voltou à festa. Com um
miado ele disse aos demais, já nos ouvem. Espantado todos ficaram. Um miou, e
já nos odeiam? Ora, isso era fato, eles sabiam que eram gatos de rua, sem donos
também, logo todos os odiariam, eram essas suas realidades. Mas diversões já
tiveram, logo dia com luz faria, começaram a se espalhar, e, mesmo sem nada
combinarem, era como se todos em um acordo estavam: na vila ficariam, fato
isso era. Apareceriam uma vez em uma janela ali, outra vez em um telhado ali,
mas sempre com muita cautela, vai que nos machucam. E, silenciosos e cheios
de habilidades como todo gato, esses sem donos começaram a sumir um por
um, para onde? Deixemos que esse mistério fique com eles, a nós não nos
interessa, mas em poucos minutos, gatos não se via mais, nem nos telhados,
nem em parte alguma, mas na vila era certo que todos estavam, ah isso era
certeza, dali não sairiam. O que teriam que fazer agora era ver como da vila não
seriam expulsos.
E , como se adaptar, ao menos nos primeiros dias, a algo que agora era
diferente? Por mais que donos os gatos não tivessem, lá na vila agora
eles estavam, e em todas as partes. Mas parecia que a vila fora formada
para eles e eles nascidos para a vila, apenas o tempo estava a esperar o
momento certo que as histórias dos dois se juntassem e o momento aconteceu,
depois que do céu um gato chegou. E ao longo dos dias, andava gato pelas
janelas, pulava gato pelos telhados, miava gato pela rua, rolava gato pelos
corredores de dentro das casas, às vezes sendo expulso, às vezes acariciado,
dependia do humor do morador da casa visitada. E misturados todos ficaram, a
vila logo ficou conhecida como a vila dos gatos, era lá que os encontrariam, lá
que ficavam a saber da história do gato que do céu veio por um guarda-chuva
(claro, contado pelo velho da casa 2A laranja), e os dias se passaram assim, em
rápida adaptação.
Comer, claro, os gatos precisavam, para isso, ora eles apareciam nas
janelas das cozinhas, onde cozinhar alguém estava, ora miavam em alguma
sacada para comida receber. Mas acontece que, alguém da vila, um morador da
casa 3 amarela, com dó dos gatos ficou, pobrezinhos, com fome devem estar,
comidinhas para eles vou dar. O morador da casa 3 amarela, era um rapaz
surdo/mudo, baixinho e magro, morava com a avó na vila. Na primeira semana
em que lá os gatos chegaram, o rapaz surdo/mudo foi ao petshop, comprara um
enorme saco de ração de gatos, mas antes, olhou para cada tipo de ração que o
estabelecimento oferecia, chegou a experimentar e comer algumas, sim, ele
pensou, essa é muito saborosa, é essa que vou levar, e fez um gesto para a moça
do petshop que era aquela que ia comprar.
Chegou à vila com uma grande sacola com ração felina. Ainda cedo era, a
rua da vila nenhum gato se via. Olhou para as varandas das casas, nenhum
também. Será que no telhado estão?, pensou. Foi para uma viela entre algumas
casas da vila, lá nos fundos eles deveriam estar. A vila estava silenciosa, ou seus
moradores no trabalho estavam ou em sesta depois do almoço nas suas casas. O
rapaz mudo/surdo encostou-se em umagrade de ferro que havia em um baixo
muro de uma das casas, mexeu a sacola com ração, arrastou o pé no chão, huf,
suspirou, cadê esses gatinhos?
Mas ali, atrás de um vaso de planta da mesma casa, onde o rapaz
surdo/mudo estava escorado na grade, observava um gatinho siamês,
queatento estava, cada movimento do rapaz observava. Balançou um pouco o
rabo e atentou sua orelha, mirou seu felino olhar para a sacola na mão do rapaz,
hummmm, que aquilo cheira comidinha. O gato saiu de trás do vaso de plantas,
se aproximou lentamente do rapaz surdo/mudo e miou timidamente. O rapaz,
surpreso, olhou para trás, os dois, o gato e ele, estavam separados pela grade de
ferro da casa, um do lado de fora, o outro para dentro. O rapaz fez um gesto com
a cabeça e sorriu, olá, senhor gatinho, pensou, e o gato em resposta inclinou sua
cabeça com dúvidas. Então, o humano acenou com a mão, fez outro gesto e
depois outro. Para o felino, aquilo sentido não fazia, afinal, porque gritando não
estava como os outros humanos, este ao contrário, calado estava e gesticulava
por demais. O felino inclinou um pouco mais a cabeça. Será que aqueles gestos
do humano eram ameaças de agressão? Suas patinhas deram uns passos para
trás, melhor se prevenir. Ele, então, viu o humano fazer outro gesto: apontou o
dedo para ele próprio, depois fez um movimento circular ao lado do peito e
depois apontou para ele, o gatinho, e este deu um pulo maior para trás,
miaaaaaau, socorro.
Agora, mais distantes eles estavam um do outro, invadir a casa o rapaz
surdo/mudo não podia. O gato ainda atento estava a ele. O que estava a planejar
esse humano silencioso, por que com ele não gritava como qualquer outro?
Esses seus movimentos muito me assustam, pensava o felino, será que de
ameaças o são?
E lá ficaram o rapaz surdo/mudo e o gato, um a observar o outro, um
calado, o outro a miar, um animado com tudo, e o outro a tudo duvidar. Mas
uma carta na manga aquele humano tinha, abriu a sacola que nas mãos tinha e
de lá, tirou bolinhas de ração, jogou no chão do lado de dentro da grade da casa
e fez outro gesto: moveu os dedos perto da boca, venha, coma.O gato, ainda
cuidadoso, observou o novo gesto do humano, ao menos para ele não apontava
ou ameaçava, ao contrário, esse gesto era para o próprio humano. Mais seguro,
o gato se aproximou, com cuidado, com medinho, passo por passo, patinha por
patinha, miauuuu, comida. Correu para perto da ração, comeu e comeu, relaxou
e baixou seu corpo.
Enquanto mastigava, o gato olhou para o humano, ele fez outro gesto: com
a mão direita, ergueu todos os dedos e depois fez sinal de positivo com o dedão,
muito bem. Então o felino volto a comer, hummm, que comidinha gostosa.
Comia como um louco faminto, quase a engasgar, e nhancnhancnhanc, não
parava de colocar mais ração na boquinha. Em pouco tempo, comeu tudo que o
humano tinha lhe dado, mas fominha ainda tinha, miou pidão, só mais um
pouco, um pouquinho só. O rapaz mirou a boquinha do gato, sabia que miando
estava, pedindo mais comida talvez, e ele fez outro gesto: com as duas mãos, os
dois dedos rígidos, ele fez um gesto rápido de cima para baixo, depois, deu uns
toques no peito esquerdo com a mão direita, em seguida, com a mesma mão,
levou em direção ao gatinho, apontando e finalizou balançando as mãos e
fazendo semblante de dúvida e pergunta. Ele perguntava ao gatinho, e seus
amigos, cadê? O gato, que o encarava, mas para que ele lhe desse mais comida,
inclinou novamente a cabeça, não tinha mais medo dos gestos do humano,
mesmo ainda a achar estranho que gritos como outro ele não fazia. Mas, alguma
coisa naquele momento fez com que o gato entendesse a gesticulação do
humano. O felino olhou para um telhado, miou, depois olhou para um canto da
casa onde ele estava e miou de novo. Logo, dois, três gatos ali apareceram. Os
que ali vinham, foram em direção ao humano, este, sorrindo e encantado,
apenas apontava para cada um e depois levava a mão para seu próprio rosto
animado, você, você, você e você, bonitos.
Os gatos olhavam o rapaz, e ficavam confusos com aquelas gesticulações
todas, mais do que o normal de um humano, mas ali ficaram, dando-lhe
confiança. O rapaz surdo/mudo colocou a mão na sacola de ração e tirou um
punhado de comidinha, jogou no chão do lado de dentro da grade, e depois
colocou um pouco mais e um pouco mais. Logo, os gatos que ali estavam
começaram a comer, um ou outro deram um miado, e mais outro gato apareceu,
outro miado e outros três gatos ali surgiram. O rapaz estava cercado de gatos,
que apareciam por toda parte da vila. E ele sorria feliz, que maravilha, que
gatinhos fominhas, tomem mais comida, tomem.
Durante todo tempo, o rapaz surdo/mudo espalhava ração pela vila, a
cada dois dias junto com potinhos de água, mas a maioria das vezes era ali,
naquela casa dos fundos, ao lado da grade de ferro. E ali, os gatinhos almoçavam
junto com o humano que nada falava, apenas movimentava as mãos e fazia
caras e caretas.
D e instintos nenhum animal está livre, disso nem nossos gatinhos. Numa
noite, aquelas em que o céu limpo estava, as estrelas brilhavam forte, a
vila quase toda dormia, uma janela ou outra estavam com as luzes
acesas, mas, mais acesos estavam os olhos de muitos gatos. Nos telhados das
casas ao fundo do lado esquerdo da vila, miavam alguns gatos, era um gatês
danado, gatinhos indo e vindo, estavam agitados. Alguns moradores, de seus
quartos, reclamavam um pouco, não julguemos, afinal, há dias em que paz
queremos. Mas das agonias dos homens os gatos, ao menos naquele
momento,eram indiferentes, estavam apenas sendo gatos. Dos felinos, as
fêmeas namoradeiras, os machos namoradores, todos curtiam, se misturando
ou não, a isso nós nada temos a ver, os namoros são motivos particulares e cada
um sabe do seu, é como quiser, do jeito que quiser, mas claro que, vez ou outra,
as festas fora de casa são lá necessárias.Todos os gatos da vila ficaram a saber
que na rua do outro lado, uma tal de travessa dos desenhistas, iria rolar uma
festança e lá eles foram, outros gatos, de outras vilas, de outras latas de lixo, de
outras casas bem quentinhas, também foram para lá. Logo, a travessa dos
desenhistas cheia ficou, a grande festa rolou. E, para os casais que queriam suas
privacidades preservadas, na vila ficaram, a noite toda namoraram. Então, que
daquela noite fora feita uma nova festa, uma grande nova festa felina, e de
galanteios eles, bichanos, também viviam.Seus truques de conquistas eram
realmente bons, muito bons, mas que belo bigode felino a senhorita tem, miava
uma ou um gatinho. Era, são seus amarelos olhos de gato, respondia o outro em
galanteios. Em outro telhado, ali mesmo na vila dos gatos, já que na travessa dos
desenhistas uma grande festa rolava, namoradores alguns gatos estavam e seus
galanteios continuaram, dizia outro gato, se nossa espécie em extinção
estivesse, eu teria todos os gatinhos do mundo com você até que saíssemos
dessa lista de extinção. Já outros, mais animadinhos, miavam sedutores,
adoraria sentir sua áspera língua em todos os meus pelos.
Mas ali no terceiro andar da casa 7 verde, uma luz de um quarto acesa
estava, espiava tudo muito atento, ouvia a tudo no mais leve sussurro das noites
daquela cidade, os miados são bem elaborados, suspirava e falava o rapaz de
óculos grande no quarto. Pelas finas frestas da sua janela velha de madeira, ele
observava, não conseguia ver nenhum gato, esses danados são muito ágeis, se
escondem como ninguém, resmungava. Mas seus miados ele ouvia, semicerrava
os olhos, atentava suas orelhas, ora, a mim vocês não enganam, disfarçam esses
miados selvagens para que todos pensem que namorando estão, mas disso sei
que não, puro disfarce, puro disfarce, mas que audácia desses peludos fedidos.
Então, ele abriu com força sua janela, colocou a cabeça para fora e gritou, eu sei,
estão me ouvindo, sei o que fazem. E, logo, em seguida fechou a mesma janela,
batendo-a forte. Eu sei que doido você está, seu moleque, o rapaz de óculos
grande ouviu da vizinha de baixo, vá gritar e assustar tua vovozinha, que eu
quase que morro dos nervos agora. O rapaz voltou a abrir sua janela, olhou para
baixo e gritou, cuide da tua vida, que estou eu a cuidar da minha e me preparar
para coisas obscuras que virão. Disso, saiu da sua janela, a vizinha de baixo,
olhou para cima e falou, obscuro vai ficar teu destino se não parar de gritar,
estou vendo minha novela, e logo em seguida ela entrou e fechou sua janela. O
rapaz de óculos grande voltou a espiar pelas frestas da janela, novela, hum,
novela, isso seus humanos bobos, percam tempo com suas novelas, enquanto
esses gatos malditos estão todos com planos bem avançados e inteligentes para
dominar o mundo, hummmm...
E foi assim que, durante toda a noite, chegando a madrugada, ali nas
frestas da velha janela ficou o garoto de óculos grande, quieto, suspirando
fundo, com seus pensamentos rodopiando, indo e vindo a todo vapor, que não o
deixava numa leseira de jeito nenhum, muito pelo contrário, seu cérebro criava
milhares de ideias, essas sobre aqueles gatos que ali estavam, que ali na vila
vieram, mas que plano perfeito, ele falava baixinho, é brilhante, ah, malditos
bichanos, genial, genial. Ali, ficou toda a noite e madrugada, o sol nascia lento e
suavemente pelo horizonte, os olhos do rapaz de óculos grande estavam
ressecados e vermelhos, dormir não posso quando estão com um plano tão
grandioso no quintal de minha casa. Ele, então, viu um gatinho malhado indo
para a casa com comidinha que o rapaz mudo\surdo deixava. Vejam, o gato está
só, é uma ótima oportunidade. Ele desceu as escadas antigas da casa, estava
com presa, usava uma camiseta velha e amassada amarela e uma samba-canção,
era sua roupa de dormir e sequer tinha notado que ainda estava com aquelas
vestimentas. Chegou ali na casinha, onde o gatinho comia, sim, havia apenas um
ali. O rapaz de óculos grande se aproximou silencioso do bichano, nas pontas
dos pés. Mas se pelo instinto ou apenas classe, o gato já a muito havia notado a
presença, mas medo nenhum tinha, humano bobo. Vendo que, fugir o gatinho
não ia, o rapaz aproximou, dessa vez sem rodeios, baixou um pouco seu corpo, o
gatinho estava na grade de ferro da casa... os olhos vermelhos e secos do rapaz
estavam semicerrados, olhava atentamente o olhar amarelo e felino do bichano.
Eu sei, o rapaz disse, tão próximo sua face conseguia chegar do focinho do gato,
eu sei de tudo, sei dos seus planos de dominar o mundo, seus bichanos fedidos.
Miau, sussurrou tranquilo o gato, inclinando sua cabeça para a esquerda. O
rapaz estava respirando pesadamente, seus lábios estavam pressionados, não
me venha com charminho, que a mim vocês não enganam, ele disse e lhe
respondeu o gato, miau, dessa vez virando a cabeça para o lado direito.
O rapaz olhou para um lado e para o outro, claro que se certificando que
ali não poderia passar ninguém e, vendo que as sós com o gato ainda estava,
disse, vocês querem dominar o mundo e nos fazer de escravos, não é? Eu sei, eu
sei. O gato pulou da cerca de onde estava, pulou para os pés do rapaz que deu
um leve pulo, mas não saiu dali. O bichando começou a se esfregar nas pernas
do rapaz, ziguezagueando entre suas canelas. O rapaz de óculos grandes, então,
se afastou, já disse que não me venha com charminhos, que a mim não engana,
tudo é um plano, meu deus, um plano, que diabólico vocês são. Ele se abaixou,
queria chegar mais perto do gato de novo, o que há ai dentro de vocês, hein? Um
ET? Um robô ultramoderno? Não pode ser apenas seres peludos e fedidos. Mas
apenas, miau, respondeu o gato e voltou a tentar se esfregar no humano de
novo, mas este, esquivo, se afastou. Eu descobri o plano de vocês, o que vão
fazer comigo quando dominarem o mundo? Vão me fazer o maior humano
escravo? Mas bola nenhuma àquilo tudo o gato deu, saiu e pulou a cerca de ferro
da casinha e foi direto para a ração, ali encheu a barriga.
A observar ainda ficou o rapaz de óculos grande, hum, comportamento
estranho, será esta mais uma tática desses pulguentos quando alguém descobre
seus diabólicos planos? Quando já algum tempo ali estava, logo suas roupas
notara, meu deus, estou de pijamas. Correu para dentro da casa 7 verde, bateu a
porta da entrada, mas deu de cara com a vizinha de baixo. Ela estava com cara
fechada, parecia bem mal-humorada, não basta passar a noite gritando como
um cão selvagem, de dia anda pelado pela casa, ela disse. Pelado ainda não
estou, não percebe, ele retrucou, há mais homens pelados nas tuas novelas do
que eu. A vizinha de baixo arregalou os olhos, bufou de ira e entrou em seu
quarto. O garoto de óculos grande subiu de vagar as escadas, estava pensando,
como vou fazer para descobrir os planos desses gatos? Por que escolheram
nossa vila? E toda essa invasão deles, o que isso tudo significa? Entrou em seu
quarto cheio das perguntas, passou todo o dia a espiar por entre as fendas da
velha janela de madeira e não tirou as roupas de dormir.
O que se pode falar é que a vila dos gatos sempre fora a vila dos gatos,
daquilo para sempre ficou conhecida, não perdera esse título. As
curiosidades humanas aos poucos foram ficando mais tranquilas, as
pessoas entendiam que o charme daquela vila era, talvez, por assim dizer, a
tranquilidade de ser uma vila pacata com muitos gatos, transformá-la em outra
coisa era um crime de consciência muito grave. Os gatos iam e vinham
livremente, novos chegavam, outros sumiam, para onde ninguém precisava
saber, essa era a regra da continuidade da vida, o começo inesperado e um fim
inexplicado, basta. As rotinas mudavam vez ou outra, se a camiseta para um
gato servia neste mês, em outro mês, outro gato usava, aquele primeiro concluiu
seu ciclo com aquela roupinha. Se no corredor da mulher alta e obesa uma raça
rara aparecera, em outro dia, um vira-lata, se disso os gatos também o são,
surgirá. As vontades deles eram mutáveis, a aceitação dos moradores
constantes.
Mas, das maldades humanas bicho nenhum está ileso. A humanidade com
o homem em seu centro principal, fora um projeto que dera muito errado,
falhamos na evolução, se quer fomos capazes de pequena melhora. E aconteceu
que, uma noite, de céu claro, gato nenhum miou nos telhados, tão pouco miou
nas janelas, nos corredores nem sinal de suas patinhas que iam e viam. Será que
em alguma festa na travessa dos desenhistas eles estão, um morador se
perguntava em seu quarto trancado. Mas não, a travessa dos desenhistas estava
tão deserta, quanto o silêncio dos bichanos, mas que deixem os gatos em paz,
eles são cheios das vontades, assim pensava o morador. Mas era uma frase de
auto conforto, nem mesmo esse morador acreditava nisso. E tudo estava ali, a
vista de todos, a luz do dia, tendo uma vila inteira como testemunha da falha
humana. Um mar de gatos caídos na rua da vila, nas calçadas e portas. Caídos e
sem vida, um por um, jogados sem valor, tal qual como vieram para a vila
naquela noite, quando ainda vagabundos eram, mas naquele momento todos
mortos.
Por onde os moradores andavam era um mar de gatinhos jogados, com
seus corpinhos frios, alguns molhados da neblina que fizera na madrugada. Era
a cena que todas as tristezas humanas podiam alcançar, ao menos para os
moradores da vila. Era a cena final de algo macabro, bizarro, cruel. Era a cena
das trombetas dos anjos, que soavam egoístas, a cena do paraíso que virava
inferno. Mas o que houve aqui, questionavam os moradores em silêncio, dando
um passo de cada vez, com cuidado, como em câmera lenta, destacando tragédia
tamanha, o que houve aqui? Em pouco tempo, eram todos os moradores da vila
que ali se encontravam junto aos bichanos mortos. Ninguém acreditava no que
via, nem sequer tinham expressão em seus rostos para sentir algo, o susto não
lhe caíra ainda, até que por fim a mulher alta e obesa vomitou, e vomitou toda
pouca fé que ainda lhe restava sobre a humanidade, eles foram envenenados,
ela disse limpando sua boca de vômito. Balançava a cabeça afirmativamente o
moço surdo/mudo. Um morador caminhou um pouco mais, analisou um corpo
de um gatinho mais de perto, sim, foram envenenados. Mas por quem? Era essa
a próxima pergunta. E, como ninguém ali conseguia olhar um para a cara do
outro, mas não por culpa, e sim por medo de encontrar uma verdade em alguém
ali, todos chegaram à conclusão que tamanha desgraça não partira de alguém
dali da vila. Alguém de fora, de algum modo, matou, um por um, os gatinhos com
veneno, e que algo supremo do homem tenha piedade de quem fez isso, falou
um morador.
Não, não era alguma miragem, era fato, sim, era, vejam ali todos os gatos
jogados ao chão, envenenados, enganados. Chorou a vila, cada um do seu jeito. A
mãe do menino que morrera com o abacate na cabeça chorou em casa, na mesa,
com seu marido a consolá-la. A mulher que fazia as camisetas para os gatinhos
chorou guardando as pequenas peças de roupas. A mulher alta e obesa entrou
no seu quarto, olhou para o teto de forro que ainda torto estava, lembrou dos
gatos a cair em cima dela, chorou. O moço surdo/mudo foi até a casinha, onde
colocava a ração dos gatinhos, naquele momento, ele não experimentou a
comidinha, sabia que veneno ali tinha, não deixou cair-lhe uma lágrima do
rosto, mas, com um gesto da mão, desceu o polegar do olho até o queixo, chorou
do seu jeito. O homem da perna engessada, nesse dia não ficara na varanda,
entrou e chorou a falta que a vida lhe poderia fazer, mesmo que com a perna
inválida. Na janela lateral do quarto de dormir, onde ficava o gato com
cicatrizes, o vazio era preenchido, naquele dia ninguém olhava por além da vila.
O rapaz de óculos grande entrou no seu quarto, fechou a velha janela, olhou
entre as frestas, seus gatos burros, como podem morrer com tão pouco, se
tinham um plano tão grande? Naquele momento, ele tirou seus grandes óculos,
enxugou as lágrimas que caíam, burros demais, gatos burros.
Ninguém, absolutamente ninguém, conseguia tocar em nenhum corpinho
de algum gatinho ali. Parecia que era algum tipo de respeito, misturado com
dúvidas, com medo, com ânsia. E naquele dia, ninguém saiu de casa, apenas o
velho da casa 2 laranja, que caminhou canto por canto na vila. Com um carrinho,
foi recolhendo cada gatinho que encontrava no caminho. Ajeitava com cuidado
seus corpinhos, mesmo sem vida, lhe era importante a causa da matéria. E eram
tantos, nossa, quantos gatinhos sem vida. Mas ainda faltava um, ele sabia onde
procurar, subiu para sua varanda, lá, ao lado do banquinho onde o velho
passava horas sentado, estava o corpo de um grande gato preto, o que fizeram
com você, meu camarada, falou o velho se abaixando para próximo do corpo do
gato, eu pensei que um dia você sairia daqui no guarda-chuva que aqui
apareceu. Ali, morto aos pés do velho, estava o gato do céu, aquele que veio
preso com o rabo num guarda-chuva. Desde sempre ele estava na vila, o velho
apenas o acobertava, pois sabia ele que, caso as pessoas soubessem que o gato
ainda estava ali, o bichano não teria paz, seria muito assediado, por isso sempre
inventara que ele sumiu, mas todas as noites, ao lado de seu guarda-chuva o
grande gato preto dormia. O velho pegou o gato morto, levou junto com os
demais para um crematório de cães e gatos, colocou suas cinzas num bonito
jarro com desenhos de guarda-chuvas, pediu para que deixasse na janela lateral
do quarto de dormir, onde ficava o gato com cicatrizes, e lá está até hoje.
Naquela noite, ninguém saiu de casa, nem mesmo o velho ficou em sua
varanda, ele se levantou de seu banquinho, olhou um pouco para o céu que
estava limpo, entrou em casa. Na sua estante ainda estava o guarda-chuva que
caíra do céu com o gato. Foi uma noite silenciosa, o vento soprava tímido, mas,
quando todos da vila já dormiam, do céu, veio caindo lentamente um guarda-
chuva, nele havia um belo gato preto preso pelo rabo. O guarda-chuva ia
ziguezagueando para lá e para cá lentamente com o soprar do vento até que,
póc, pousou no telhado da casa 2A laranja. Logo em seguida, daquele mesmo
céu limpo, outro guarda-chuva caía lento e suave, neste, havia um gato malhado
preso pelo rabo. Não muito distante, outro e outro guarda-chuva caíam, todos
com um gato preso nele, de diferentes raças e cores, póc, póc, póc, pousavam os
gatos nos guarda-chuvas nos telhados de todas as casas. E outro, e outro, e
outros guarda-chuvas iam caindo do céu, cada um com um gato pendurado pelo
rabo, era uma chuva de gatos com guarda-chuvas, vindo em todas as direções,
caindo em todos os telhados das antigas casinhas da vila. Póc, póc, póc, póc, póc,
póc... era a vila dos gatos que dava boas vindas aqueles gatos sem donos, desses
vagabundos, sujos e esfomeados.
- SOBRE O AUTOR –
Jakson Nako sempre gostou de criar histórias, mas foi aos 15 anos que escreveu
pela primeira vez, para participar de um festival de poesias entre escolas
públicas e ficou entre os cinco premiados. Depois disso, escreveu um roteiro,
também para festivais escolar, e vários outros textos.
O autor estudou Jornalismo na Universidade Católica São Judas, Publicidade e
Propaganda pela FIC, estudou/estuda Pós em Literatura em Bizâncio, Poesia
Persa, Literatura Africana de Língua Portuguesa, O Cômico na Literatura
Italiana e Escravidão no Romantismo Brasileiro na USP, Literatura no
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - USP, além de História da Arte
na PUC-SP. Atualmente reside em São Paulo.
- Convidado para participar da coletânea poética "Palavra é Arte 2017" (estou
aceitando pedido de compra do livro);