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ARTIGO

Henri Acselrad*

Novas articulações
em prol da justiça
ambiental
A morte de uma criança, ocorrida em agosto de 2004 em Barra Mansa, no Rio de Janeiro – quando

brincava em um terreno baldio onde produtos químicos entraram em combustão –, chamou mais

uma vez a atenção para o descalabro do lançamento descontrolado de resíduos industriais peri-

gosos nos espaços públicos, notadamente nos bairros habitados por populações de baixa renda.

Diante de ocorrências trágicas como essa, cabe abrir espaço para a discussão mais geral sobre a

desigualdade social na exposição da população aos riscos ambientais em nosso país. Esse debate

parece estar apenas em seu começo entre as forças empenhadas no processo de construção

democrática. E poderia partir da pergunta: como os movimentos sociais no Brasil poderiam

melhor articular a questão dos riscos ambientais com o debate sobre as condições de existência da

população e com o processo de construção de direitos no país? Como evidenciar a dimensão

ambiental do projeto de construção democrática da sociedade brasileira? Como fazer entender

que os incêndios florestais em Roraima, a seca no Nordeste, a desigual exposição dos grupos

sociais aos riscos da poluição são a expressão do mesmo processo de produção da desigualdade

ambiental que distancia pessoas ricas e pobres, brancas e negras em nosso país? É da experiência

dos próprios movimentos sociais que esperamos obter pistas, como veremos a seguir.

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A desigualdade ambiental é uma das expres- Nas conjunturas recessivas, o crescimen-
sões da desigualdade social que marca a his- to do desemprego tende a ser acompanhado
tória do nosso país. As pessoas pobres estão de uma redução da capacidade de organização
mais expostas aos riscos decorrentes da loca- e resistência da população trabalhadora, acar-
lização de suas residências, da vulnerabilida- retando, conseqüentemente, uma diminuição
de das moradias a enchentes e desmorona- dos cuidados empresariais com a manuten-
mentos, além da ação de esgotos a céu aberto. ção dos equipamentos, uma intensificação
Há, assim, forte correlação entre indicadores dos ritmos de trabalho das pessoas que não
de pobreza e a ocorrência de doenças associa- perderam seus empregos, o crescimento dos
das à poluição por ausência de água e esgo- acidentes de trabalho e da irresponsabilidade
tamento sanitário ou por lançamento de ambiental das empresas. A democratização do
rejeitos sólidos e emissões líquidas e gasosas controle sobre os riscos é, portanto, muito mais
de origem industrial. Essa desigualdade re- viável de ser conquistada nos períodos de
sulta, em grande parte, da vigência de meca- menor incidência do desemprego e de maior
nismos de “privatização de fato” do uso de capacidade de mobilização dos atores sociais.
recursos ambientais. Seu enfrentamento re-
quer dar visibilidade a processos pouco visí-
Distribuição desigual
veis ao senso comum.
Ante os indicadores do que o pensa- As conjunturas históricas podem explicar a
mento dominante considera como principal maior ou menor propensão de os atores sociais
problema ambiental – o desperdício –, empre- mobilizarem-se na denúncia da irresponsabili-
sas e governos costumam propugnar ações da dade ambiental de mercado. Não há nenhuma
chamada “modernização ecológica”, destina- lei natural que imponha que as populações
das essencialmente a promover ganhos de efi- destituídas coloquem-se automaticamente ao
ciência e a ativar mercados. Trata-se, nessa lado dos propósitos ambientalmente dano-
perspectiva, de agir exclusivamente dentro da sos de empreendedores pouco responsáveis.
lógica econômica, atribuindo ao mercado a Os movimentos por justiça ambiental vêm, ao
capacidade institucional de resolver a degra- contrário, mostrando como as ligações entre
dação ambiental, economizando o meio am- as lutas por justiça social e por proteção ambi-
biente e abrindo mercados para novas ental podem se articular.
tecnologias ditas limpas. Nenhuma referên- O movimento de justiça ambiental cons-
cia é feita, por certo, por esses atores domi- tituiu-se inicialmente nos Estados Unidos, na
nantes, à associação entre degradação ambi- década de 1980, fruto de uma articulação cria-
ental e injustiça social. Por sua vez, os atores tiva entre lutas de caráter social, territorial, am-
sociais que percebem a importância de tal re- biental e de direitos civis. Já a partir do fim da
lação lógica, ao contrário, não confiam no década de 1960, redefiniu-se em termos ambi-
mercado como instrumento de superação da entais um conjunto de embates contra as con-
desigualdade ambiental e promoção de justi- dições inadequadas de saneamento, de conta-
ça ambiental. Para eles, o enfrentamento da minação química de locais de moradia e trabalho,
degradação do meio ambiente é o momento e contra a disposição indevida de lixo tóxico e
da obtenção de ganhos de democratização, e perigoso. Na década de 1970, sindicatos preo-
não apenas de ganhos de eficiência e de mer- cupados com saúde ocupacional, grupos ambi-
cado, pois há uma ligação lógica entre o exer- entalistas e organizações de minorias étnicas ar-
cício da democracia e a capacidade de a soci- ticularam-se para elaborar em suas pautas o que
edade se defender da injustiça ambiental. entendiam por “questões ambientais urbanas”.

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Alguns estudos apontavam já a distri- apta a explicar a existência ou inexistência de


buição espacialmente desigual da poluição depósitos de rejeitos perigosos de origem co-
segundo a raça das populações a ela mais ex- mercial em uma área”.2 Evidenciou-se, então,
postas, sem, no entanto, que se tenha conse- que a proporção de residentes que pertencem
guido mudar a agenda pública. Em 1976 e a minorias étnicas em comunidades que abri-
1977, diversas negociações foram realizadas, gam depósitos de resíduos perigosos é igual
tentando montar coalizões destinadas a incluir ao dobro da proporção de minorias nas comu-
na pauta das entidades ambientalistas tradicio- nidades desprovidas de tais instalações. O fa-
nais o combate à localização de lixo tóxico e tor raça revelou-se mais fortemente cor-
perigoso, predominantemente em áreas de relacionado com a distribuição locacional dos
concentração residencial de população negra. rejeitos perigosos do que o próprio fator baixa
A constituição de um movimento afir- renda. Portanto, embora os fatores raça e clas-
mou-se a partir de experiência concreta de luta se de renda tenham se mostrado fortemente
inaugurada em Afton, no condado de Warren, interligados, a raça apresentou-se como um
na Carolina do Norte, em 1982. Ao tomarem indicador mais potente da coincidência entre
conhecimento da iminente contaminação da os locais onde as pessoas vivem e onde os resí-
rede de abastecimento de água da cidade, caso duos tóxicos são depositados.
fosse nela instalado um depósito de policlori- Foi a partir dessa pesquisa que o reve-
nato de bifenil, a população do condado or- rendo Benjamin Chavis cunhou a expressão
ganizou protestos maciços, deitando-se dian- “racismo ambiental” para designar “a imposi-
te dos caminhões que para lá traziam a ção desproporcional, intencional ou não, de
perigosa carga. Com a percepção de que o cri- rejeitos perigosos às comunidades de cor”.3
tério racial estava fortemente presente na es- Entre os fatores explicativos de tal fato, ali-
colha da localização do depósito daquela car- nham-se a disponibilidade de terras baratas em
ga tóxica, a luta radicalizou-se, resultando na comunidades de minorias e suas vizinhanças, a
prisão de 500 pessoas. A população de Afton falta de oposição da população local por fra-
era composta de 84% de negros e negras; o queza organizativa e carência de recursos polí-
condado de Warren, de 64%; e o estado da ticos das comunidades de minorias, a falta de
Carolina do Norte, de 24%.1 Diante de tais evi- mobilidade espacial das “minorias” em razão
dências, estreitaram-se as convergências en- de discriminação residencial e, por fim, a sub-
tre o movimento dos direitos civis e dos direi- representação das “minorias” nas agências go-
tos ambientais. vernamentais responsáveis por decisões de lo-
Nascido de lutas de base contra iniqüi- calização dos rejeitos. Ou seja, tornou-se
dades ambientais locais, o movimento culminou evidente que forças de mercado e práticas dis-
elevando a “justiça ambiental” à condição de criminatórias das agências governamentais con-
questão central na luta pelos direitos civis. Ao correm, de forma articulada, para a produção
mesmo tempo, induziu a incorporação da desi- das desigualdades ambientais.
gualdade ambiental na agenda do movimento A partir de 1987, as organizações de
ambientalista tradicional. Como o conhecimen- base começaram a discutir mais intensamente
to científico é correntemente evocado em estra- as ligações entre raça, pobreza e poluição, e
tégias de redução das políticas ambientais em grupos de pesquisa iniciaram estudos sobre
meras soluções técnicas, o movimento de justiça as ligações entre problemas ambientais e in-
ambiental estruturou suas estratégias de resis- justiça social, procurando elaborar os ins-
tência recorrendo, de forma inovadora, à pró- trumentos de uma “avaliação de equidade
pria produção de conhecimento. ambiental” que procurava introduzir variá-
1 HARTLEY, Troy W. Environmental
justice: an environmental civil veis sociais nos tradicionais estudos de avali-
rights value acceptable to all
ação de impacto. Nesse novo tipo de avalia-
world vies. Environmental Ethics, Racismo ambiental
vol. 17, p. 278, outono, 1995. ção, a pesquisa participativa envolveria como
2 LAITURI, Melinda; KIRBY, Notadamente, o movimento recorreu aos re- co-produtores do conhecimento os próprios
Andrew. Finding fairness in
America’s cities? The Search for sultados da pesquisa multidisciplinar que pro- grupos sociais ambientalmente desvantaja-
environmental equity in moveu sobre as condições da desigualdade dos, viabilizando uma apropriada integração
everyday life. Journal of Social
Issues, vol. 50, n. 3, p. 125, 1994. ambiental no país. Momento crucial dessa ex- analítica entre processos biofísicos e proces-
3 PINDERHUGHES, Rachel. The periência foi a pesquisa realizada em 1987, a sos sociais. Procurava-se postular, assim, que
impact of race on environmental
quality: an empirical and theo- pedido da Comissão de Justiça Racial da United aquilo que trabalhadores e trabalhadoras,
retical discussion. Sociological Church of Christ, que mostrou que “a compo- grupos étnicos e comunidades residenciais
Perspectives, vol. 39, n. 2, p.
241, 1996. sição racial de uma comunidade é a variável mais sabem sobre seus ambientes deve ser visto

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NOVAS ARTICULAÇÕES EM PROL DA JUSTIÇA AMBIENTAL

como parte do conhecimento relevante para os empregos das pessoas que trabalham nas
a elaboração não-discriminatória das políti- indústrias poluentes ou penalize as popula-
cas ambientais. ções dos países menos industrializados para
Mudanças ocorreram, então, no pró- onde as transnacionais tenderiam a transfe-
prio Estado. Pressionado pelo Congressional rir suas “fábricas sujas”.
Black Caucus, em 1990, a Environmental Pro- O movimento de justiça ambiental vem
tection Agency do governo dos Estados Uni- procurando se internacionalizar para cons-
dos criou um grupo de trabalho para estudar o truir uma resistência global às dimensões glo-
risco ambiental em comunidades de baixa ren- bais da reestruturação espacial da poluição,
da. Dois anos mais tarde, esse grupo concluiria ou seja, para barrar a lógica perversa do co-
que havia falta de dados para uma discussão nhecido Memorando Summers,6 no qual, em
da relação entre equidade e meio ambiente e 1991, o então eco-
reconheceria que os dados disponíveis apon- nomista-chefe do
tavam tendências perturbadoras, sugerindo, Banco Mundial, Law-
por essa razão, maior participação das comuni- rence Summers, jus-
dades de baixa renda e minorias no processo tificava a transferên- Em 1991, 600
decisório relativo às políticas ambientais. cia de riscos técnicos
Em 1991, 600 delegados e delegadas e industriais para os delegados e
presentes à 1ª Cúpula Nacional de Lideranças países menos desen-
Ambientalistas de Povos de Cor aprovaram
os “17 Princípios da Justiça Ambiental”, es-
volvidos. Tal meca-
nismo, dizia ele, se-
delegadas
tabelecendo uma agenda nacional para
redesenhar a política ambiental dos Estados
ria perfeitamente ló-
gico do ponto de
presentes à 1ª
Unidos de modo a incorporar a pauta das vista econômico,
“minorias”, comunidades ameríndias, latinas, pois os baixos salá- Cúpula Nacional
afro-americanas e ásio-americanas, tentando rios da periferia tor-
mudar o eixo de gravidade da atividade nam o custo da vida de Lideranças
ambientalista naquele país. 4 O movimento de humano mais baixo.
justiça ambiental consolidou-se, assim como A subpoluição dos Ambientalistas
uma rede multicultural e multirracial nacio- países pobres é, por
nal – e, mais recentemente, internacional 5 –, essa lógica, a expres- de Povos de Cor
articulando entidades de direitos civis, gru- são de uma inefici-
pos comunitários, organizações de trabalha-
dores e trabalhadoras, igrejas e intelectuais
ência a ser corrigida.
Embora Summers
aprovaram os
no enfrentamento do “racismo ambiental”
como uma forma de racismo institucional,
tenha, em seguida,
desmentido a serie-
“17 Princípios da
buscando fundir direitos civis e preocupações dade de sua asserção,
ambientais em uma mesma agenda e avan- sabemos que tal Justiça Ambiental”,
çando na superação de 20 anos de dis- processo já existia e
sociação e suspeita entre ambientalistas e o veio ganhando mais estabelecendo uma
movimento negro. realidade desde o
aprofundamento agenda nacional
do processo de libe-
Tempo de denúncia
ralização das eco-
A luta pelo reconhecimento da desigualdade nomias periféricas.
ambiental nos Estados Unidos tem constituí- A deslocalização
do um passo importante para a contestação industrial tem se mostrado meio estratégico
do modelo de desenvolvimento. O lema do pelo qual as grandes corporações impõem
4 BRADEN, Anne. Justice
movimento tem sido “poluição tóxica para a regressão dos diretos sociais e a desre- environnementale et justice
sociale aux États Unis. Ecologie
ninguém”, e não simplesmente o de deslocar gulação das normas ambientais. Resistir à Politique, n. 10, p. 10, 1994.
a poluição de lugar ou “exportar a injustiça chantagem da deslocalização é uma das
5 Seis representantes do mo-
ambiental” para países onde as classes tra- motivações centrais dos movimentos por vimento dos Estados Unidos e
das Filipinas estiveram no Rio
balhadoras estejam menos organizadas. Tra- justiça ambiental. de Janeiro em 1998, desenvol-
ta-se de discutir a pauta da chamada “tran- Se, por um lado, sabemos que os me- vendo contatos com ONGs
(como o Ibase) e grupos aca-
sição justa”, de modo que a luta contra a canismos de mercado trabalham no sentido dêmicos (como o Ippur/UFRJ).

poluição desigual não destrua simplesmente da produção da desigualdade ambiental – os 6 The Economist, 8 fev. 1991.

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mais baixos custos de localização de instala- renciais (transferência de custos de trata-


ções com resíduos tóxicos apontam para as mento e controle ambiental para o Estado
áreas onde pessoas pobres moram –, não po- e população).
demos desconsiderar, por outro lado, que é a Mas a realização dessas “economias”
omissão das políticas públicas que permite a conta também com a formação de um circui-
ação perversa do mercado. A experiência do to de autoconsumo e um “submercado” de
movimento de justiça ambiental mostra como sucata, materiais e utensílios contaminados
é possível organizar as populações para exi- para uso doméstico e construtivo: uso de to-
gir políticas públicas capazes de impedir que néis com traços tóxicos para armazenar água
também no meio ambiente vigore a desigual- (dada a falta de abastecimento de água), uso
dade social e racial. de areia e materiais contaminados para aplai-
Constituída nar terrenos e construir moradias (dada a fal-
em setembro de ta de infra-estrutura urbana e habitacional) e
2001, a Rede Brasi- uso de produtos tóxicos como brinquedo (fal-
A realização dessas leira de Justiça Am-
biental tem denun-
ta de escolas e áreas de lazer). Ou seja, à so-
breposição de benefícios para as empresas,
“economias” conta ciado a segregação
socioespacial como
soma-se uma sobreposição de condições de
destituição para as populações que residem
o mecanismo pelo em áreas periféricas: insuficiência de renda,
com a formação de qual se faz coincidir insuficiente acesso a serviços públicos, a infra-
a divisão social da estrutura e a capacidade de influência sobre
um circuito de degradação ambi- o poder regulatório/fiscalizatório. Assim, a efi-
ental (os riscos am- ciência alocativa empresarial é construída pela
autoconsumo e um bientais sendo des- mediação de processos sociopolíticos espa-
tinados às pessoas ciais concretos.
“submercado” de mais pobres) com a Tais processos são também dotados de
divisão espacial da uma temporalidade específica, privilegiados
sucata, materiais degradação ambi-
ental (o local de im-
que são os períodos noturnos para o lança-
mento clandestino de material tóxico. No li-
e utensílios plantação das ativi-
dades perigosas e
vro A noite dos proletários, sobre os primór-
dios da condição operária, Jacques Rancière
contaminantes co- assinala como, à noite, em seu tempo de não-
contaminados para incidindo com os trabalho, os proletários procuravam experi-
locais de moradia mentar uma reversão do mundo, buscando o
uso doméstico e de população de contrário do trabalho “onde a vida se perde”
baixa renda). e tentando retardar o sono reparador das for-
construtivo, como o De um lado, ças requeridas pela máquina fabril. Buscavam
as empresas evitam interromper a hierarquia que subordina tra-
uso de tonéis com investir em trata- balhadores e trabalhadoras manuais àquelas
mento e incinera- pessoas que receberam o privilégio do traba-
traços tóxicos para ção de resíduos,
dadas as possibili-
lho intelectual: investiam, então, em noites
de estudo, embriaguez, aprendizado, sonho,
armazenar água dades de lançá-los
em áreas desvalori-
discussão ou escrita. Pretendiam mostrar que
eram outras pessoas, indicando a quem ti-
zadas, abandona- nha o poder que almejavam ser tratados
das pelos investi- como alguém a quem várias vidas são devi-
mentos públicos em infra-estrutura urba- das, fazendo-se reconhecer, em que pese o
na e habitadas por populações pobres e discurso sobre identidade operária, uma dig-
menos organizadas. Elas usufruem, assim, nidade diferente daquela do simples perten-
de uma sobreposição de benefícios que cimento à categoria salarial.7 Ao contrário,
lhes permite maximizar sua liberdade de com sua atividade noturna, as empresas aqui
escolha locacional: economias técnicas referidas não buscam mostrar-se outras, mas,
(eliminação de etapas dos processos físi- ao contrário, iguais a si mesmas, otimizando
co-químicos), economias regulatórias (des- as condições espaciais e temporais da acu-
7 RANCIÈRE, J. La nuit des consideração de normas técnicas, urbanís- mulação, dada a inativação noturna das de-
proletaires. P a r i s : F a y a r d ,
1981, p.7-10. ticas e ambientais) e economias transfe- terminações jurídicas.

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NOVAS ARTICULAÇÕES EM PROL DA JUSTIÇA AMBIENTAL

Assim como a literatura econômica fala ção feroz entre empresas, Estados e * Henri Acselrad
de “sistemas produtivos locais” designando indivíduos. Em sua roupagem neoli- Professor do Instituto
“arranjos produtivos cuja interdependência, beral, esse jogo pressupõe a violação de Pesquisa e
articulação e vínculos consistentes resultam em sistemática das regras. As relações Planejamento Urbano e
interação, cooperação e aprendizagem, possi- entre o político e o econômico estão Regional da UFRJ (Ippur/

configuradas de modo a remover UFRJ), pesquisador do


bilitando inovações de produtos, processos e
CNPq e organizador
formatos organizacionais, gerando maior com- quaisquer obstáculos à expansão da
do livro Conflitos
petitividade empresarial e capacitação social”,8 grande empresa e do capital finan-
ambientais no Brasil
poderíamos sugerir aqui a vigência de espé- ceiro internacionalizado, apoiados (Relume-Dumará, 2004).
cies de “sistemas locais de poluição” – arranjos na força militar e política do Estado
produtivos cuja interdependência e vínculos Imperial. Trata-se da emergência na es-
resultam em uma articulação espacial dos im- fera jurídico-política, da exceção per-
pactos negativos da produção, otimizando os manente, na consolidação da lei do
investimentos pela distribuição dos riscos am- mais forte, para desgosto dos que se
bientais para os agentes menos dotados de imaginam descendentes do Iluminismo
recursos econômicos e políticos. e de seu programa de garantias da li-
O lixo tóxico – é o que denunciam os berdade e da igualdade.13
movimentos sociais – costuma não ser visto A ciência política já definia o sobera-
como uma ameaça a cidades comprometi- no como “aquele que decide sobre o estado
das por sua própria poluição, desde que es- de exceção”. A soberania sobre o ambiente
tejam azeitados os mecanismos que desti- desregulado aqui em pauta é aquela exercida
nam os danos às pessoas mais pobres. 9 por forças que condenam moradores e mora-
Colocadas à parte do mercado, mesmo que doras de áreas pobres ao estado permanente
dispostas a integrar o fluxo de riqueza pela de exceção. Grande parte das denúncias so-
oferta de suas competências, essas pessoas bre os depósitos de lixo tóxico visa à norma- 8 CNPq/FINEP/SEBRAE. Interagir
“excluídas” descobrem-se parte integral do lização do ambiente, à aplicação das normas para competir – promoção de
arranjos produtivos e inovativos no
circuito de troca, 10 como objeto da imposi- ambientais onde elas não vigoram. Mas par- Brasil. Brasília: Sebrae, 2002, p.13.
ção do consumo forçado dos produtos te desses conflitos – sejam aqueles que são 9 “À medida em que a preo-
invendáveis da atividade capitalista. Mas, politizados, sejam aqueles em que se recorre cupação pública com os da-
nos infligidos pelas emissões
para que tal descoberta se dê, elas precisam à violência – põe em pauta o caráter discrimi- radioativas, por resíduos tóxi-
cos e envenenamento por
desconstruir todo o arcabouço discursivo natório desse estado de exceção localizado. pesticidas cresce, o capital
que “finge emancipação, simula abundân- Para essas vítimas de um estado de
encontra sua liberdade ‘exter-
nalizando’ seus custos, impondo
cia num cerimonial que não visa somente exceção que é regra, segundo Agamben, “a os venenos para as comunida-
des periféricas, desafiado que
‘distrair’ o trabalhador, mas dar-lhe o senti- vida nua atinge sua indeterminação mais ex- é por formas não familiares de
mento de que ele participa de um mesmo trema”. 14 Pela alocação preferencial dos ris-
resistência” (DYER-WITHERFORD,
N. Cyber-Marx: cycles and
ideal, que ele pertence a um gênero huma- cos tóxicos industriais sobre as classes mais circuits of struggle in High
Technology Capitalism. Chica-
no único, quando se encontra mais isolado destituídas, o capital instaura uma ordem go: Illinois Press,1999, p. 233).
que nunca, deportado para longe de qual- ambiental, ainda que não se trate de uma 10 C É L I S , R . D e l a V i l l e
quer verdadeiro mundo comum”. 11 ordem jurídica formal. Nela, define-se um
Marchande à l´Espace-temps.
ALEXANDER, R. et alii. Le
Expondo a sobreposição de desiguais regime da lei no qual a norma jurídica for- temps et l´espace. Bruxelas:
Ousia, 1992, p. 97 e 103.
benefícios e destituições, certos agentes da mal vale (ambiental, no caso), mas não se
11 Idem, ibidem, p. 102.
denúncia evidenciarão esse “lado noturno do aplica (porque não tem força), e atos que
capital”, no qual vigoram a desinformação 12 BECK, U. From Industrial to
não possuem o valor de lei (a penalização Risk Society: questions of
sistêmica, a irresponsabilização organizada e ambiental das pessoas pobres) adquirem survival, social structure and
ecological enlightenment.
a política de subestimação sistemática dos ris- força impositiva. 15 Cria-se, assim, um espaço Theory, Culture & Society, 9:97-
123, 1992.
cos (a política chamada por Beck de “destoxi- vazio de direitos, uma zona de anomia na
ficação simbólica”12). Por meio desses expe- 13 BELLUZZO, L. G. Democracia
qual todas as determinações jurídicas são de- e capitalismo. Folha de S.Paulo,
dientes, a penalização das pessoas mais sativadas, confirmando a oitava tese sobre a São Paulo, p. B2, 4 ago. 2002.

desprotegidas torna-se regra, e o controle de- filosofia da história, de Walter Benjamin, 16 14 AGAMBEN, G. A zona mor-
ta da lei. Folha de S.Paulo, São
mocrático dos riscos, a exceção. para quem a tradição das pessoas oprimidas Paulo, 16 mar. 2003. Caderno
“No capitalismo <convencional>”, Mais!, p. 5.
ensina que devemos ter sempre em mente
lembra-nos Luiz Gonzaga Belluzzo, concepções da história em que o estado de 15 Idem, ibidem, p. 6.

16 BENJAMIN, W. Thèses sur la


as regras do jogo são as da acumula- exceção é a regra, ainda que, como vimos philosophie de l´histoire. In:
ção de riqueza monetária obtida no aqui, se tratem de estados de exceção socio- _____. L´Homme, le langage
et la culture. Paris: Denoël-
mercado, isto é, mediante a competi- espacialmente circunscritos. Gonthier, 1971, p. 183-195.

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