Introdução
As teorias dos efeitos do bairro analisam qual o efeito final que a ex-
posição aos ambientes segregados, de maneira prematura ou durante os anos
de formação, tem sobre crianças e jovens. O desenvolvimento das crianças e
jovens não pode ser estudado sem considerar o contexto no qual o indivíduo
atua. Na prática, entretanto, a investigação concentrou-se no contexto mais
próximo – família e escola –, ao passo que o contexto espacial do bairro foi
sistematicamente deixado do lado (BROOKS-GUNN et al., 1993). A idéia central
das teorias do efeito do bairro é que existem certos processos sociais ligados
ao espaço que causam efeito no processo do desenvolvimento das crianças e
jovens expostos a uma situação de pobreza espacialmente concentrada.
Em outras palavras, as teorias dos efeitos do bairro propõem que as
características dos bairros “trespassam” a experiência individual por meio de
certos mecanismos (JENCKS; MAYER, 1990). O primeiro mecanismo rela-
ciona-se ao processo da difusão de comportamentos entre um indivíduo e
outro. Este processo do “contágio” funciona através do assim chamado “efeito
de pares” e propõe que a concentração de comportamentos não funcionais
(inatividade, deserção escolar e gravidez adolescente), associada a uma situa-
ção de concentração espacial de pobreza, tende a aumentar a probabilidade
de que uma pessoa constantemente exposta a essas condições apresente
também comportamentos não funcionais. A hipótese da “epidemia” afirma
que o fator mais importante no desenvolvimento do comportamento infantil
é a influência dos pares (JENKS; MAYER, 1990). Bairros onde a pobreza se
concentra concentram também problemas de disciplina e condutas de risco
– vício de drogas e crimes –, atitudes legitimadas entre as crianças, que são
contagiadas na medida em que desenvolvem a própria identidade e passam
do comportamento mais funcional para o de maior êxito na escola.
O segundo mecanismo é conhecido como processo da socialização
coletiva, pelo qual os adultos da comunidade atuam como “modelos de rol”
inspirador para os membros mais jovens. Adultos bem-sucedidos passam
aos jovens valores associados à produtividade e ao êxito, possibilitando
que as crianças e jovens possam “visualizar” o próprio êxito no futuro. Por
isso, uma alta taxa de desemprego no bairro é sinal de que as crianças
e jovens crescem sem ter um modelo do rol adequado para uma inclusão
posterior bem-sucedida no mercado de trabalho (WILSON, 1987). A idéia
é que o isolamento e a concentração da pobreza caminham passo a passo
com altas taxas de desemprego entre a população adulta (WILSON, 1987),
debilitando o sistema de expectativas e metas e a exposição das crianças
à cultura do trabalho. Esta hipótese concentra-se também na importância
da proximidade entre as gerações, ou no grau de supervisão ativa das
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O capital social é uma forma de organização que surge quando as pessoas formam a estrutura das
relações que facilitam a ação, “tornando possível as conquistas de certos fins que na sua ausência
não seriam possíveis” (COLEMAN, 1990 p.300).
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A eficácia coletiva é definida como “uma coesão entre residentes combinada com as expectativas
compartilhadas do controle social do espaço público e do desejo de intervir em nome do bem comum
(SAMPSON; MORENOFF; EARLS, 1999; SAMPSON; RAUDENBUSH; EARLS, 1997). A eficácia coletiva
é um constructo específico de tarefa que se relaciona com as expectativas compartilhadas e com
o compromisso mútuo dos adultos no apoio ativo e no controle social das crianças (SAMPSON et
al., op. cit.).
Geografia de oportunidades
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Este argumento foi inicialmente apresentado para cidade norte-americanas, onde a população
defavorecida é constituída por minorias raciais e étnicas. O fato de que os pobres usam principalmente
as vias formais para procurar emprego é discutível no caso latino-americano. Em todo o caso, pode-
se argumentar que as redes informais da população pobre são menos adaptadas para a pesquisa
do emprego que as redes disponíveis para a população não pobre. Por este motivo, os efeitos são
iguais.
Perspectiva de gênero
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Este argumento, por exemplo, não seria então aplicável aos lares onde a mulher fosse a chefe da
família, ou deixaria de ser válido nos casos em que o homem estivesse desempregado.
Marco analítico
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Por razões do espaço, os determinantes individuais dos resultados individuais foram deixados fora
do diagrama. Isto não significa que esses determinantes devam ser considerarados secundários, ou
menos importantes do que os determinantes contextuais.
Métodos de análise
Dependência espacial
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Embora à primeira vista isto pareça trivial, o ajuste espacial da informação é extremamente
relevante, sobretudo nos sistemas da provisão da educação nos quais a criança pode escolher uma
escola situada fora dos limites do seu bairro. Em casos como este, a análise deve considerar que
as crianças estarão potencialmente expostas a múltiplas realidades ligadas so bairro. O uso de
um SIG facilita enormemente a análise das múltiplas realidades contextuais, caso se disponha de
informação georeferenciada em todos os níveis.
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Livre tadução; no original: “[…] todo se relaciona con todo, pero cosas que están mas cerca se
relacionan mas que cosas que están mas lejos”.
Problemas de estimativas
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Tecnicamente, a dependência especial é uma propriedade da função de densidade conjunta
multivariada, incluindo-se o elemento dinâmico associado ao contágio. Anselin e Bera (1998)
propõem que a dependência como tal é praticamente impossível de ser estimada. Por este
motivo, a dependência fica mais manobrável abordando-se um momento desta distribuição: a
autocorrelação espacial. Neste artigo, uso os conceitos de dependência e de autocorrelação espacial
como sinônimos.
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Este termo (em inglês “Spatial Lag”) refere-se ao valor médio da variável analisada nas unidades
espaciais vizinhas à unidade espacial (bairro, por exemplo) de referência. Por exemplo, considerando
o status socioeconômico como esta variável, a “defasagem espacial” do bairro “i” seria o status
socioeconômico médio em todos os bairros adjacentes ou vizinhos ao bairro “i”. Termo usado no
original em espanhol: “rezago espacial”.
Sistema educacional
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O Estado transfere a cada estabelecimento − público ou privado subsidiado − uma unidade de
subsídio escolar (USE) por aluno e por mês. A USE varia conforme as considerações da oferta do
nível − pré-escolar, ensino fundamental, ensino médio etc. – e conforme a extensão da jornada −
parcial ou completa −, mas não considera variáveis individuais, como vulnerabilidade socioeconômica
ou nível de capital humano inicial da criança.
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A transferência eficaz da USE faz-se com base na média da ajuda dos três meses anteriores. Isto
gera um estimulo para que as escolas minimizem – e subdeclarem − os níveis de absenteísmo e
deserção.
Status socioeconômico
Provedor Baixo Médio Alto Total
A B C D E
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Simce, 2002. Corresponde às crianças do 4o
ano básico que realmente passaram pelo teste do Simce no ano 2002, na Região Metropolitana
de Santiago.
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O setor de estabelecimentos privados subsidiados divide-se, por sua vez, em colégios que se
financiam exclusivamente via subsídio, em escolas que optam por um “financiamento compartilhado”,
e naqueles que cobram uma pequena parcela dos pais. Em 1999, essas escolas representavam cerca
da metade das escolas privadas subvencionadas. É necessário frisar que o sistema de financiamento
compartilhado também contribuiu para a segmentação do sistema educacional; entretanto, os pais
que não podem financiar esta cota têm os filhos relegados à educação pública, na qual o sistema
impede que sejam cobrados enquanto seus filhos cursam o ensino fundamental.
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Simce. Disponível em www.simce.cl. Relativo
apenas à Região Metropolitana de Santiago. Corresponde às crianças de 4o ano do ensino fundamental
que, efetivamente, passaram pelo teste Simce, no ano 2002, nesta região.13
13
É importante salientar que, provavelmente, muitos estabelecimentos buscam “inflar” seus
resultados Simce “escondendo” as crianças com rendimentos mais baixos. É provável, por isso,
que a faixa de rendimentos esteja superestimada; entretanto, é mais provável que uma escola
submetida à lógica da competição – escolas particulares subvencionadas − deixe as crianças de
baixo rendimento fora da prova, ao passo que a escola pública, que não necessita competir pelo
financiamento, tem menor probabilidade de fazê-lo.
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Esta restrição aplica-se apenas a estabelecimentos privados, tanto que as escolas públicas não
podem se retirar (option out) do sistema de subsídios.
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Um ponto da comparação interessante é o bem conhecido sistema educacional norte-americano, no
qual as crianças são normalmente compelidas a freqüentar as escolas públicas no âmbito do distrito
escolar correspondente ao das suas residências. Em um sistema como este, “[…] a segregação de
escola e a segregação residencial estão relacionados inextricavelmente” (DENTON, 1996, p.795);
entretanto, a segregação escolar é a conseqüência lógica da segregação residencial (NECHYBA,
2003). No caso do sistema educacional “pró-seleção”, em que não existem restrições geográficas à
escolha, a relação entre segregação escolar e segregação residencial é menos evidente.
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No sistema chileno, as escolas particulares subvencionadas têm autorização legal para habilitar
mecanismos de seleção de estudantes, mais comumente mediante exames da admissão. Esta
capacitação de seleção é legalmente proibida para as escolas públicas, que devem aceitar toda criança
que quiser entrar. O comportamento de “captura” refere-se ao uso de variáveis socioeconômicas
no processo de seleção de estudantes.
Estimativa
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O ideal seria prestar contas da variabilidade em três níveis: indivíduos, escolas e bairros. Isto se
pode implementar, mas, a título de exemplo, é mais fácil trabalhar com dois níveis.
onde Simceij é a pontuação para matemática da criança “i” que freqüenta uma
escola localizada no bairro “j”. Admite-se que essa pontuação seja sensível
Modelo reduzido
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O I de Moran é medido através da fórmula seguinte:
onde w indica proximidade (ou, alternativamente, a vizinhança) entre o bairro “i” e o bairro “j”; o
x é o nível socioeconômico médio do bairro, seja para o bairro “i”, ou para o bairro “j” ou para a
média geral da cidade. S é o ponderador da distância ou da vizinhança, tal que:
.
Gráfico 1
Autocorrelação espacial: status socioeconômico em zonas censitárias
Santiago do Chile, 2002
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Significância é o valor calculado com base no pseudovalor alfa, estimado mediante uma série de
simulações aleatórias. Para mais detalhes, ver Anselin, 1995.
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Censo de 2002, “Mapa 2: distritos segregados
do censo, áreas ricas, mistas, ilhas de pobreza e ilhas de riqueza”. Santiago, Chile, 2002.
Resultados
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A variável dependente é o valor padronizado da pontuação Simce em matemática para o 4o ano
básico da educação primária, em 2002, na cidade de Santiago do Chile.
Conclusões
Referências bibliográficas