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Português – 11º ano

Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett

1. Acção dramática

Frei Luís de Sousa contém o drama que se abate sobre a família de Manuel de Sousa
Coutinho e D. Madalena de Vilhena. As apreensões e pressentimentos de Madalena de que a paz
e a felicidade familiar possam estar em perigo tornam-se gradualmente numa realidade. O
incêndio no final do Ato I permite uma mudança dos acontecimentos e precipita a tensão
dramática. E no palácio que fora de D. João de Portugal, a ação atinge o seu clímax, quer pelas
recordações de imagens e de vivências, quer pela possibilidade que dá ao Romeiro de reconhecer
a sua antiga casa e de se identificar a Frei Jorge.

O Ato I inicia-se com Madalena a repetir os versos d'Os Lusíadas:

 "Naquele engano d'alma ledo e cego,


que a fortuna não deixa durar muito…"

As reflexões que se seguem transmitem, de forma explícita um presságio da desgraça que irá
acontecer. Obedecendo à lógica do teatro clássico desenvolve a intriga de forma a que tudo
culmine num desfecho dramático, cheio de intensidade: morte física de Maria e a morte para o
mundo de Manuel e Madalena.

2. Do drama clássico ao drama romântico

Se se pretender fazer uma aproximação entre esta obra e a tragédia clássica, poder-se-á
dizer que é possível encontrar quase todos os elementos da tragédia, embora nem sempre
obedeça à sua estruturação objetiva.

A hybris é o desafio, o crime do excesso e do ultraje. D. Madalena não comete um crime


propriamente na ação, mas sabemos que ele existiu pela confissão a Frei Jorge de que ainda em
vida de D. João de Portugal amou Manuel de Sousa, apesar de guardar fidelidade ao marido. O
crime estava no seu coração, na sua mente, embora não fosse explícito como entre os clássicos.

Manuel de Sousa Coutinho também comete a sua hybris ao incendiar o palácio para não
receber os governadores. A hybris manifesta-se em muitas outras atitudes das personagens.

O conflito que nasce da hybris desenvolve-se através da peripécia (súbita alteração dos
acontecimentos que modifica a acção e conduz ao desfecho), do reconhecimento (agnórise)
imprevisto que provoca a catástrofe. O desencadear da ação dá-nos conta do sofrimento (páthos)
que se intensifica (climax) e conduz ao desenlace. O sofrimento age sobre os espetadores,
através dos sentimentos de terror e de piedade, para purificar as paixões (catarse). A reflexão
catártica é também dada pelas palavras do Prior, quando na última fala afirma: "Meus irmãos,
Deus aflige neste mundo àqueles que ama. A coroa da glória não se dá senão no céu".

Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino
acompanha todos os momentos da vida das personagens, apresentando-se como um força que
as arrasta de forma cega para a desgraça. É ele que não deixa que a felicidade daquela família
possa durar muito.

Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragédia clássica, constrói um drama romântico,


definido pela valorização dos sentimentos humanos das personagens; pela tentativa de
racionalmente negar a crença no destino, mas psicologicamente deixar-se afetar por
pressentimentos e acreditar no sebastianismo; pelo uso da prosa em substituição do verso e pela
utilização de uma linguagem mais próxima da realidade vivida pelas personagens; sem

1
preocupações excessivas com algumas regras, como a presença do coro ou a obediência perfeita
à lei das três unidades (ação, tempo e espaço).

3. Tempo

A ação dramática de Frei Luís de Sousa acontece em 1599, durante o domínio filipino,
21 anos após a batalha de Alcácer-Quibir (tempo histórico). Esta aconteceu a 4 de Agosto de
1578.

A ação reporta-se ao final do século XVI, embora a descrição do cenário do Ato I se refira
à "elegância" portuguesa dos princípios do século XVII e decorre durante 8 dias (1 semana): ( “É
no fim da tarde” - didascália inicial do Ato I), ( “É noite fechada”- didascália inicial da cena VII
do Ato I).

Ato II – “Há oito dias que aqui estamos nesta casa (…) – cena I, do Ato II

Ato III – “É alta noite.” – didascália inicial do Ato III

"A que se apega esta vossa credulidade de sete… e hoje mais catorze… vinte e um anos?",
pergunta D. Madalena a Telmo sexta-feira (Ato I, cena II).

"Vivemos seguros, em paz e felizes… há catorze anos" (Ato I, cena II).

"Faz hoje anos que… que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião, e faz
anos também que… vi pela primeira vez a Manuel de Sousa", afirma D. Madalena (Ato II cena X).

"Morei lá vinte anos cumpridos" (…) "faz hoje um ano… quando me libertaram", diz o Romeiro
(Ato II cena XIV).

O texto é, porém, escrito no século XIX, acontecendo a primeira representação em 1843.

Tempo da Acção Tempo simbólico


Ato I  Visão de Manuel de Sousa Coutinho
pela primeira vez, à sexta-feira
27/07/1599
 Alcácer-Quibir
Sexta-feira 04/08/1578
Sexta-feira
Fim da tarde
 Casamento com Manuel de Sousa
Noite Coutinho: 7 anos depois da batalha
Ato II

04/08/1599  Regresso de D. João de Portugal no


21º aniversário da batalha
Sexta-feira 04/08/1599
Sexta-feira
Tarde
Ato III

04/08/1599

Sexta-feira

Alta noite

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 Não respeita a duração de 24 horas
 A condensação do tempo é evidente e torna-se um facto trágico
 O afunilamento do tempo é evidente: 21 anos, 14 anos, 7 anos, tarde noite, amanhecer
 Uma semana justifica-se pela necessidade de distanciamento do acontecimento do Ato I e da
passagem a primeiro plano dos referentes ao regresso de D. João de Portugal

O simbolismo do tempo: a sexta-feira fatal: o regresso de D. João de Portugal faz-se no


21º aniversário da batalha de Alcácer-Quibir (sexta-feira); morte de D. Sebastião (sexta-feira);
visão de D. Manuel pela 1ª vez (sexta-feira)

 Surge na obra através de referências:


Histórico

 a Camões e a Bernardim Ribeiro (séc. XV e XVI);


Tempo

 à situação que se vivia em Portugal sob o domínio filipino;


 à vontade política de lutar pela liberdade e restaurar a independência;
 à peste (em Lisboa entre 1598 e 1602);
 aos 21 anos passados após a batalha de Alcácer-Quibir (4 de Agosto e 1578)
representado

 Leitura da segunda fala de Maria do ato II (cena 1) para concluir, a partir da


expressão “Há oito dias que aqui estamos nesta casa”, que os atos I e II estão
Tempo

separados por oito dias.


 Leitura das 13ª e 14ª falas de Jorge (ato III, cena 1): “Mas isto ainda é cedo”,
“Quatro, quatro e meia (...) São cinco horas, pelo alvor da manhã”, para concluir
que entre os atos II e III apenas decorrem algumas horas.
Assim sendo, o tempo representado será de oito dias.
 O tempo da diegese dramática será definido a partir da data da Batalha de Alcácer
Quibir (4 de Agosto de 1578) referida por D. Madalena na cena 10 do ato II.
Assim, assume especial importância para a definição dos limites da diegese
Tempo da diegese dramática

dramática a cena 2, do acto I, em especial as seguintes falas de Madalena:


 “D. João ficou naquela batalha (...) durante sete anos (...) o fiz procurar”
(1578 + 7 =1585);
 “(...) a que se apega esta vossa credulidade de sete...e hoje mais
catorze...vinte e um anos” (1585 + 14 =1599);
 “Vivemos seguros, em paz e felizes...há catorze anos.”
 Também a referência de Telmo a Maria (Ato I, cena 2): “Então! Tem treze anos
feitos, é quase uma senhora” e as palavras do Romeiro (ato II, cena 14): “ Porque
jurei (...) quando me libertaram (...) vivi vinte e um anos”, juntamente com as
tiradas de Madalena acima referidas, permitem definir o tempo da diegese
dramática em cerca de vinte e um anos (1578 a 1599). No entanto, é possível
recuar um pouco mais, pois sabemos que D. Madalena casara com D. João de
Portugal um pouco antes da batalha e também ainda antes da batalha, portanto,
ainda casada, viria a apaixonar-se por Manuel de Sousa Coutinho (ato II, cena
10).

Após o estudo do tempo, concluir-se-á que em Frei Luís de Sousa não há respeito pela
unidade de tempo, regra básica das tragédias clássicas (a acção dever-se-ia desenrolar em
doze ou vinte e quatro horas, facto que ajudava à construção da tensão dramática); a
concentração temporal progressiva (vinte e um anos – sete anos - catorze anos – oito
dias – um dia (sexta-feira), “alta noite” cinco horas da madrugada) gera como que um
afunilamento temporal que reduz as hipóteses de “saída” para as personagens, que ficam
presas numa espécie de rede da qual a única fuga possível é a morte (física ou psicológica).

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4. Personagens

D. Madalena de Vilhena é a primeira personagem que aparece na obra, mas pode-se


afirmar que toda a família tem um relevo significativo. São as relações entre esposos, pais e
filha, o criado e os seus amos ou mesmo o apoio de Frei Jorge que estão em causa. Um drama
abate-se sobre esta família e enquanto Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena se refugiam na
vida religiosa, Maria morre como vítima inocente.

D. Madalena tinha 17 anos quando D. João de Portugal desapareceu na batalha de Alcácer-


Quibir. Durante 7 anos procurou-o. Há catorze anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho.
Tem agora 38 anos (17 + 21). Mulher bela, de caráter nobre, vive uma felicidade efémera,
pressentindo a desventura e a tragédia do seu amor. Racionalmente, não acredita no mito
sebastianista que lhe pode trazer D. João de Portugal, mas teme a possibilidade da sua vinda. É
com medo que a encontramos a refletir sobre os versos de Camões e a sentir, como que em
pesadelo, a ideia de que a sobrevivência de D. João destrua a felicidade da sua família. No
imaginário de D. Madalena, a apreensão torna-se pressentimento, dor e angústia. É neste terror
que se vê na necessidade de voltar para a habitação onde com ele viveu.

 Nobre: família e sangue dos Vilhenas


 Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão
 Pecadora
 Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de
abandonar o passado
 Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos
 Modelo da mulher romântica: para os românticos, mulher diabo
 Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos
 Marcada pelo destino: amor fatal
 Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de
valores superiores, nem por nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia, de
forma particular, a luta por qualquer ideal
 O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a
que prioritariamente se entrega, pois há nela um conceito, ou um desejo, de felicidade
que assenta numa vida objetiva, concreta, à dimensão humana
 De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à
estima e à simpatia do leitor, talvez pela espontaneidade com que vive a sua vida
sentimental e moral. Embora procure no segundo casamento uma proteção para a sua
instabilidade, mantém sempre uma integridade moral em relação à sua própria condição e
até uma dignidade de classe que naturalmente a impõe
 Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à
solidão. É uma personagem tendencialmente modelada porque apresenta bastante
densidade psicológica

Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Frei Luís de Sousa) é um nobre e honrado
fidalgo, que queima o seu próprio palácio, para não receber os governadores. Embora apresente
a razão a dominar os sentimentos, por vezes, estes sobrepõem-se quando se preocupa com a
doença da filha e com o seu estatuto desonroso de filha ilegítima, quando sabe que D. João de
Portugal está vivo. É um bom pai e um bom marido.

 Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa)
 Racional: deixa-se conduzir pela razão, no que contrasta com a sua mulher
 Bom marido e pai terno
 Corajoso, audaz e decidido
 Marcado pelo destino
 Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o
isolamento necessário à escrita
 Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão
domina os sentimentos pela ação da vontade
 Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu
nacionalismo e o incêndio do palácio)

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 Porém, no início do Ato III, após o aparecimento do Romeiro, Manuel de Sousa perde a
serenidade e o equilíbrio clássico que sempre teve e adquire características românticas. A
razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com
descontrolada violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da
filha)
o Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”,
“vergonha”, “escárnio”, “desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)
o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma
situação socialmente condenável
o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de
exceção, que se refugia na solidão para se dedicar à escrita
 Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que
atravessa o drama, Manuel de Sousa insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas

Maria de Noronha tem 13 anos, é uma menina bela, mas frágil, com tuberculose, e acredita
com fervor que D. Sebastião regressará. Tem uma grande curiosidade e espírito idealista. Ao
pressentir a hipótese de ser filha ilegítima sofre moralmente. Será ela a vítima sacrificada no
drama.

 Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas


 Precocemente desenvolvida, física e psicologicamente
 Doente: tuberculose, a doença dos românticos
 Culto de Camões: evoca constantemente o passado
 Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente
 Poderosa intuição e dotada do dom da profecia
 Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a
 Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo
 A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna
vítima inocente e consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das
outras personagens, Maria está sempre em cena, tornando-se, assim, o núcleo de
construção de toda a peça.
 Maria não nos aparece nunca como uma personagem real, pois a sua figura é altamente
idealizada. Como consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão
psicológica real, porque é simultaneamente criança e adulta, não se impondo com
nenhum destes estatutos.
 Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
o É intuitiva e sentimental
o É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o Tem capacidade de desafiar as convenções, pois ama a aventura e a glória
o Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo
o Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é
destemida)
o Morre como vítima inocente
 Telmo Pais, o velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e fidelidade.
Não quer magoar nem pretende a desgraça da família de D. Madalena e Manuel. Crê no
mito sebastianista, acredita que D. João de Portugal há-de regressar. No fim, acaba por
trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo amor que o une à filha daquele casal, D.
Maria de Noronha. Representa um pouco o papel de coro da tragédia grega, com os seus
diálogos, os seus agoiros ou os seus apartes.
 Não nobre: escudeiro culto e muito respeitado pelos seus amos
 Ligado sempre à nobreza
 Confidente de D. Madalena
 Elo de ligação das famílias
 Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena
 Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia
 Ligado à lenda romântica sobre Camões
 Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra
autêntica). A personalidade convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os
outros, através dos tempos (a do escudeiro fiel). A personalidade autêntica é a sua parte

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secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à superfície num momento
trágico da revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de
Portugal, ou a fidelidade a Maria. Auto-revelação de Telmo e desagregação da sua
personalidade.
 Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente
marcado pelo seu amor a Maria. É este drama da unidade/ fragmentação do “eu”, ou seja,
este espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma novidade e uma nota de
modernidade no teatro de Garrett.
 Claro que esta auto-revelação é provocada por um acontecimento externo que é o Destino
(aparecimento do Romeiro), sem a atuação do qual esta revelação não se teria dado.

O Romeiro apresenta-se como um peregrino, mas é o próprio D. João de Portugal. Os vinte


anos de cativeiro transformaram-no e já nem a mulher o reconhece. D. João, de espetro invisível
na imaginação das personagens, vai lentamente adquirindo contornos até se tornar na figura do
Romeiro que se identifica como "Ninguém". O seu fantasma paira sobre a felicidade daquele lar
como uma ameaça trágica. E o sonho torna-se realidade.

 Nobre: família dos Vimiosos


 Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir
 Ama a pátria e o seu Rei
 Representante da época de oiro portuguesa
 Imagem da Pátria cativa
 Ligado à lenda de D. Sebastião
 D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só
por si não participa no conflito. Por outro, é uma personagem concreta porque, mesmo
ausente, ele é a força desencadeadora de toda a energia dramática da peça,
permanecendo permanentemente em cena através das outras personagens (através das
evocações de Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das
crenças, dos agouros e dos sinais)
 Porém, uma vez que a sua figura se concretiza em cena (a partir do fim do II Ato), é como
se toda a sua força simbólica se esgotasse pois que a personagem carece de força e de
convicção para poder existir. De tal modo é assim, que no final da peça ninguém se
compadece dele como marido ultrajado, mas das outras personagens trágicas.
 D. João é, assim, uma personagem simbólica que movimenta todas as outras
personagens. Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente sobre
as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.

Frei Jorge Coutinho, irmão de Manuel de Sousa, amigo da família e confidente nas horas de
angústia, ouve a confissão angustiada de D. Madalena. Vai ter um papel importante na
identificação do Romeiro, que na sua presença indicará o quadro de D. João de Portugal.

 É confidente e conselheiro e, à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos


 Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam
suavizados por uma perspetiva cristã.

5. Espaço /Cenário

O Ato I passa-se numa "câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância
dos princípios do século XVII", no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada. Neste
espaço elegante parece brilhar uma felicidade, que será, apenas, aparente.

O Ato II acontece "no palácio que fora de D João de Portugal, em Almada, salão antigo, de
gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família…". As evocações do passado e a
melancolia prenunciam a desgraça fatal.

O Ato III passa-se na capela, que se situa na "parte baixa do palácio de D. João de
Portugal". "É um casarão vasto sem ornato algum". O espaço denuncia o fim das preocupações
materiais. Os bens do mundo são abandonados.

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O espaço fecha-se gradualmente, não possibilitando a saída das personagens para a
dimensão “física” da vida. A progressiva escassez de elementos decorativos e de luminosidade
adensam a atmosfera trágica que culmina na catástrofe.

6. A Atmosfera

O destino, a superstição e o fatalismo no desenrolar dos acontecimentos


 O destino, força superior que tudo domina, apresenta-se como uma obrigação imperiosa que
arrasta de forma cega para a desgraça.
 A evolução do drama está rodeada de uma atmosfera de superstição.
 Desde o início se percebe uma presença oculta na imaginação das personagens que as
arrasta para o destino fatal. São constantes as referências à “hora fatal” e ao “dia fatal”.
 Os números e os dias também mergulham nessa fatalidade:
 O presságio da desgraça percorre toda a obra: a atmosfera de superstição; os
pressentimentos de Madalena adquirem sentido; Maria pressente a hipótese de ser filha
ilegítima e vem a ser a vítima sacrificada; Telmo Pais alimenta a crença no Sebastianismo; o
incêndio e a necessidade de viver no palácio que fora de D. João…

Tal como na tragédia clássica, também em Frei Luís de Sousa o fatalismo é uma
presença constante. O destino acompanha todos os momentos da vida das
personagens, como uma força que as arrasta de forma cega para a desgraça.

Há ao longo da intriga dramática uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a


crença no regresso do monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo Pais é
quem melhor alimenta estas crenças, mas Maria mostra-se a sua melhor seguidora. Percebe-se
também uma atmosfera de superstição, nomeadamente desenvolvida em redor de D. Madalena.

7. Simbologia
Vários elementos estão carregados de simbologia, muitas vezes a pressagiar o desenrolar da
ação e a desgraça das personagens. Apenas como referência, podemos encontrar algumas
situações e dados simbólicos:

 A leitura dos versos de Camões referem-se ao trágico fim dos amores de D. Inês de
Castro que, como D. Madalena, também vivia uma felicidade aparente quando a desgraça
se abateu.
 O tempo dos principais momentos da ação sugere o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde
e noite (Ato I), sexta-feira, tarde (Ato II), sexta-feira, alta noite (Ato III); e à sexta-feira
D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; à
sexta-feira dá-se o regresso de D. João de Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião,
vinte e um anos antes.
 A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou 7 anos
depois de D. João haver desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir; há 14 anos que vive
com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça, com o aparecimento do Romeiro, sucede 21
anos depois da batalha (21=3x7). 0 número 7 é um número primo que se liga ao ciclo
lunar (cada fase da Lua dura cerca de sete dias) e ao ciclo vital (as células humanas
renovam-se de sete em sete anos), representa o descanso no fim da criação e pode-se
encontrar em muitas representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o
número 7 indica o fim de um ciclo periódico. O número 3 é o número da criação e
representa o círculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento, crescimento e
morte. O número 21 corresponde a 3x7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7
anos foi o ciclo da busca de notícias sobre D. João de Portugal e o descanso após tanta
procura); 14 ano foi o tempo de vida com Manuel de Sousa (2x7, o crescimento de uma
dupla felicidade: como esposa de Manuel e como mãe de Maria; 21 anos completa a tríade
de 7 apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos periódicos. O
número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar

7
obrigatório do ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição; o 21 significa, então, a
fatalidade perfeita.

 Maria vive apenas 13 anos. Na crença popular o 13 indica azar. Embora como número
ímpar deva apresentar uma conotação positiva, em numerologia é gerado pelo 1+3=4,
um número par, de influências negativas, que representa limites naturais. Maria vê
limitados os seus momentos de vida.

8. O SEBASTIANISMO
D. Sebastião D. Sebastião, Rei de Portugal

'Sperai! Cai no areal e na hora Louco, sim, louco, porque quis minha
adversa grandeza
Que Deus concede aos seus Qual a Sorte a não dá.
Para o intervalo em que esteja a Não coube em mim minha certeza;
alma imersa Por isso onde o areal está
Em sonhos que são Deus. Ficou meu ser que houve, não o que
há.
Que importa o areal e a morte e a Minha loucura, outros que me a tomem
desventura Com o que nela ia.
Se com Deus me guardei? Sem a loucura que é o homem
É O que eu me sonhei que eterno Mais que a besta sadia,
dura, Cadáver adiado que procria?
É Esse que regressarei.
Fernando Pessoa, Mensagem
Fernando Pessoa, Mensagem

O mito sebastianista irrompe com o desaparecimento de D. Sebastião, em Alcácer Quibir, em


1578, numa batalha contra os mouros. Rei de Portugal, D. Sebastião ficou conhecido como “O
Encoberto”.
O sebastianismo surge como crença no regresso, numa manhã de nevoeiro, do rei D.
Sebastião, na esperança que melhores dias viessem para Portugal que estava em crise. Na
circunstância histórica em que se deu o desaparecimento, significou par Portugal o início da
perda da independência nacional para Espanha, e a necessidade de se criarem figuras heróicas,
que representassem a superioridade dos valores nacionais. Assim se explica a sua mitificação.
Com efeito, D. Sebastião significou, por força das circunstâncias, a salvação da Nação,
enquanto valor supremo.
 Em Frei Luís de Sousa, o mito sebastianista adquire, no entanto, uma conotação
negativa na figura de D. João de Portugal (dimensão trágica), o Romeiro, cujo regresso é
causador da destruição da uma família: à semelhança do povo português que sofreu a
humilhação do domínio filipino com a perda da independência, também Maria morre “de
vergonha” ao deparar-se com a cruel realidade da perda de identidade e seus pais
“morrem um para o outro”, sendo ambos sujeitos à clausura conventual.
 Para Garrett o sebastianismo representa o Portugal antigo. O país precisa de se libertar
desse mito que inviabiliza o progresso do país e o dramaturgo preconiza uma mudança ao
nível das mentalidades e o abandono de uma crença inútil que estagnava o país e impedia
a sua regeneração pela ação.

8
9. Ação Trágica

Elementos Hybris Agón Pathos Katastrophé


trágicos (desafio) (conflito) (sofrimento) ( catástrofe)
por causa do
adultério
contra as leis e os interior, de causada pelo
pela incerteza da
direitos da família: consciência regresso de D. João
sorte do primeiro
- morte psicológica
marido
adultério no coração contínuo
a) separação do
violento pela volta
Madalena consumação pelo crescente marido
ao palácio do
de casamento com b) profissão
primeiro marido
Vilhena Manuel gerador de religiosa
conflitos: c) salvação pela
cruel após
profanação de um com D. Manuel purificação
conhecimento da
sacramento com D. João d) irmã Sóror
existência do
com Maria Madalena das
primeiro marido:
bigamia com Telmo Chagas
pela perda do
marido
pela perda de Maria
não tem
conflito de morte psicológica
revolta contra as consciência
autoridades de Lisboa a) separação da
sofre a angústia
não entra em esposa
pela situação da sua
desafia o destino ao conflito com as b) separação do
mulher
incendiar o palácio outras mundo
Manuel S.
personagens c) profissão
Coutinho sofre a angústia
recusa o perdão religiosa
pela situação
a sua hybris d)glória futura de
presente e futura da
inconscientemente desencadeia e escritor
filha
participante da hybris agudiza os e) Frei Luís de
de sua esposa conflitos das Sousa: glória de
outras santo
personagens
não tem sofre o
conflito esquecimento a que
abandona a família foi votado morte psicológica
alimenta os
não dá notícias da conflitos dos sofre pelo a) separação da
D. João de
sua existência outros casamento da sua mulher
Portugal
mulher b) a situação
aparece quando todos agudiza todos irremediável do
o julgavam morto os conflitos sofre por não poder anonimato
com o seu travar a marcha do
regresso destino
revolta contra a não tem sofre fisicamente:
profissão religiosa dos conflito tuberculose
pais
D. Maria morte física
entra em sofre
de
revolta contra D. João conflito com: psicologicamente:
Noronha a) vai para o céu
de Portugal sua mãe não obtém resposta
seu pai a muitos agoiros
convida os pais a Telmo vergonha da

9
mentir D. João de ilegitimidade
Portugal
sofre pela dúvida
conflito de
constante que o
consciência
assalta acerca da
morte de D. João de
conflito com
afeiçoa-se a Maria Portugal
outras
Telmo personagens: não poderá resistir
deseja que D. João de sofre hesitando
Pais com D. a tantos desgostos
Portugal tivesse entre a fidelidade a
Madalena
morrido D. João e a D.
com D. Manuel
Manuel
com Maria
com D. João de
sofre a situação de
Portugal
Maria

10. Estrutura externa e interna

Estrutura Estrutura
Interna Externa

Apresentação através das falas das personagens


Exposição dos acontecimentos antecedentes da ação (que
Ato I - cenas I, II, III e IV
explicam as circunstâncias actuais), das
personagens e das relações existentes entre elas

Desenrolar gradual dos acontecimentos, com Ato I - cenas V-XII


momentos de tensão e de expetativa – desde o
conhecimento de que os governadores espanhóis Ato II
Conflito escolheram o palácio de Manuel de Sousa
Coutinho para se instalarem, até ao Ato III - cenas I-IX
reconhecimento do Romeiro (clímax) – que
despoletaram uma série de peripécias
Desfecho motivado pelos acontecimentos Ato III - cenas X-XII
anteriores – consumação da tragédia familiar
Desenlace
com a morte de Maria e a separação forçada dos
pais, que morrem um para o outro e para o
mundo (morte social).

O facto de esta obra apresentar, em cada ato, uma estrutura que cumpre o esquema:
informação – ação – desenlace, sendo o primeiro momento referente a um tempo anterior ao
da ação, permite-nos considerar Frei Luís de Sousa um drama analítico (os acontecimentos
apresentados em palco são motivados por ações anteriores às que são visualizadas).

Veja-se o esquema seguinte:


Informações sobre o passado das personagens.
cenas I-IV

Ato I Preparação da ação - intenção dos governadores de se mudarem para a


cenas V-VIII casa de Manuel de Sousa Coutinho e decisão deste de incendiar o seu
palácio

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Ação: incêndio do palácio
cenas IX-XII
cenas I-III Informações sobre o que se passou depois do incêndio

cenas IV-VIII Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa, deixando
Ato II
Madalena sozinha (apenas com Frei Jorge)

cenas IX-XV Ação: chegada de D. João de Portugal na figura do Romeiro


cena I Informações sobre a solução adotada/escolhida

Ato III cenas II-IX Preparação do desenlace

cenas X-XII Desenlace

11. Alguns aspetos formais em Frei Luís de Sousa

 Divisão em três atos

 Uso da prosa

 Linguagem simples, de pendor coloquial, fluente, contida, de profunda densidade


psicológica, procurando a correspondência com a realidade.

 Utilização de vocábulos, expressões e construções sintáticas próprias da época e da


condição social das personagens.

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