Embora não exista consenso sobre a defi- modelos teóricos que tentam esclarecer tais
nição de funções executivas (FEs), elas ge- questões conceituais (Uehara, Charchat-
ralmente são referidas na literatura como Fichman, & Landeira-Fernandez, 2013). De
o conjunto de habilidades e capacidades acordo com Chan, Shum, Toulopoulou e
que nos permitem executar as ações neces- Chen (2008), esses modelos ajudam a com-
sárias para atingir um objetivo. Dessa for- preender os métodos de avaliação disponí-
ma, as FEs consistem em um mecanismo veis para examinar as FEs, sendo, portanto,
de controle cognitivo que direciona e coor- indispensáveis para a prática clínica. Além
dena o comportamento humano de manei- disso, os modelos sobre as FEs são úteis pa-
ra adaptativa, permitindo mudanças rápi- ra a compreensão de diversos fenômenos,
das e flexíveis ante as novas exigências do podendo auxiliar em questões diagnósti-
ambiente (Zelazo et al., 2003). Elas englo- cas e em intervenções. O estudo dessas fun-
bam uma série de competências inter-rela- ções vai além da fronteira da neuropsicolo-
cionadas e de alto nível de processamento gia clínica, abrangendo a psicopatologia, a
cognitivo, cujo impacto se reflete no fun- psicologia do desenvolvimento, a educação,
cionamento afetivo-emocional, motivacio- a psicologia do esporte, o marketing, entre
nal, comportamental e social. outras áreas.
Diversos autores se referem às FEs co- Dessa forma, o objetivo deste capítulo
mo um conceito guarda-chuva que engloba é apresentar o conceito de FEs; alguns dos
diversas funções. Entre elas, pode-se citar o principais modelos teóricos sobre o tema;
controle atencional e inibitório, a memó- questões relacionadas ao substrato neu
ria de trabalho, a flexibilidade cognitiva, a robiológico e seu desenvolvimento; e a ava-
identificação de metas, a iniciação de tare- liação desse conjunto de processos cogni-
fas, o planejamento e a execução de com- tivos.
portamentos, e o monitoramento do pró-
prio desempenho (autorregulação) até que
o objetivo seja alcançado (Delis, Kaplan, & AS TRÊS UNIDADES
Kramer, 2001). Portanto, as FEs são essen-
ciais para garantir o bom desempenho na FUNCIONAIS DE LURIA
escola, no trabalho e em diversos aspectos
da vida cotidiana (Jurado & Rosselli, 2007). Em 1968, Luria propõe um modelo de fun-
A despeito da inexistência de um con- cionamento cerebral composto por três
senso sobre o que são e quais são as FEs, unidades funcionais (Karpov, Luria, &
a literatura recente apresenta diversos Yarbuss, 1968). Esse complexo sistema é
que sejam consistentes com seus objetivos dos instrumentos neuropsicológicos utili-
(Crone, 2009). Pesquisas sobre o desenvol- za normas infantis de paradigmas desen-
vimento das FEs na adolescência indicam volvidos para adultos. Os mais utilizados
um desenvolvimento significativo da me- são Stroop, Trilhas, Fluência Verbal e Clas-
mória de trabalho, da velocidade de pro- sificação de Cartas Wisconsin (Mesquita,
cessamento, da flexibilidade cognitiva, da 2011). Atualmente, a avaliação do funcio-
tomada de decisão afetiva e da atenção sus- namento executivo em crianças está rece-
tentada na segunda década de vida (Cro- bendo maior atenção devido à importân-
ne & van der Molen, 2004; Hooper, Lucia- cia desse domínio para a vida diária e seus
na, Conklin, & Yarger, 2004; Prencipe et al., aspectos ecológicos (Denckla, 1994). Os
2011; Smith et al., 2011). principais domínios executivos envolvidos
Alguns pesquisadores sugerem que o no cotidiano doméstico e escolar de crian-
desenvolvimento das FEs na adolescência ças com desenvolvimentos típico e atípico
é modulado pelo contexto afetivo e social são: controle comportamental, julgamento
(Crone, 2009). Há evidências que apontam social, organização, flexibilidade cognitiva,
para um vínculo específico entre a matu- automonitoramento, entre outros (Hughes
ração sexual em adolescentes e as mudan- & Graham, 2002).
ças desenvolvimentais na emoção e na mo- Outra questão que deve ser relatada é
tivação, que caracterizam os componentes a escassez de instrumentos para avaliar as
mais afetivos das FEs. No mesmo período FEs no Brasil. De acordo com Barros e Ha-
em que a maturação pubertal tem início, zin (2013), há reconhecida escassez de ins-
os adolescentes frequentemente assumem trumentos validados e adaptados para o
comportamentos de risco e tornam-se mais contexto brasileiro, principalmente relacio-
sensíveis a avaliações e opiniões de tercei- nados à primeira e à segunda infância. Ao
ros. Dessa forma, Crone (2009) sugere que realizar uma revisão sistemática, as auto-
a adolescência é um período caracterizado ras observaram uma pequena quantidade
não só por avanços consideráveis nas FEs de artigos e a inexistência de estudos bra-
como também por vulnerabilidade com sileiros nas bases PubMed e PsycInfo, o que
relação à assunção de riscos, à tomada de também pode demonstrar uma não inter-
decisão imediatista e à avaliação social. nacionalização das publicações brasileiras.
Nesse contexto, uma avaliação das FEs
na infância pode ser realizada com a com-
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA binação de escalas e inventários comporta-
mentais e baterias neuropsicológicas que
DA INFÂNCIA avaliam diferentes domínios das FEs, e
complementada com a aplicação de para-
A avaliação das habilidades executivas da digmas experimentais específicos desenvol-
infância é um desafio. Grande parte dessa vidos para avaliar um dos seus componen-
dificuldade deve-se a questões metodológi- tes. As escalas que têm sido mais utilizadas,
cas, como a complexidade desse domínio, devido a sua validade ecológica e facilidade
a sua dinâmica e as relações de interde- de aplicação, são: a) Behavioral Rating In-
pendência com outras funções cognitivas. ventory of Executive Function (BRIEF), b)
A neuropsicologia do desenvolvimento tí- Behavioral Assessment System for Children
pico e disfuncional (Espy, 2004) propõe a (BASC), c) Behavioural Assessment of the
necessidade de medidas específicas, ade- Dysexecutive Syndrome in Children (BADS-
quadas a cada faixa etária e com valida- -C), d) Dysexecutive Questionnaire for Chil-
de psicométrica para a infância. A maioria dren (DEX-C) e e) Comprehensive Executive
Casey, B. J., & Jones, R. M. (2010). Neurobiology Ernst, M., Pine, D. S., & Hardin, M. (2006). Triadic
of the adolescent brain and behavior: Implications model of the neurobiology of motivated behavior in
for substance use disorders. Journal of the Ame- adolescence. Psychological Medicine, 36(3), 299-312.
rican Academy of Child & Adolescent Psychiatry, Espy, K. A. (2004). Using developmental, cognitive,
49(12), 1189-1201. Recuperado de: http://www. and neuroscience approaches to understand exe-
ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3099425/pdf/ cutive control in young children. Developmental
nihms282801.pdf Neuropsychology, 26(1), 379-384.
Casey, B. J., Jones, R. M., & Somerville, L. H. (2011). Ferrier, D. (1878). The Goulstonian Lectures on
Braking and accelerating of the adolescent brain. the localisation of cerebral disease. British Medical
Journal of Research on Adolescence: The Official Jour- Journal, 1(904), 591-594.
nal of the Society for Research on Adolescence, 21(1), Garon, N., & Moore, C. (2007). Awareness and sym-
21-33. Recuperado de: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ bol use improves future-oriented decision making
pmc/articles/PMC3070306/pdf/nihms-256853.pdf in preschoolers. Developmental Neuropsychology,
Chan, R. C., Shum, D., Toulopoulou, T., & Chen, E. 31(1), 39-59.
Y. (2008). Assessment of executive functions: Review Garon, N., Bryson, S. E., & Smith, I. M. (2008).
of instruments and identification of critical issues. Executive function in preschoolers: A review using
Archives of Clinical Neuropsychology, 23(2), 201- an integrative framework. Psychological Bulletin,
216. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1016/j. 134(1), 31-60.
acn.2007.08.010 Gogtay, N., Giedd, J. N., Lusk, L., Hayashi, K. M.,
Crone, E. A. (2009). Executive functions in adoles- Greenstein, D., Vaituzis, A. C., ... Thompson, P.
cence: Inferences from brain and behavior. Develop M. (2004). Dynamic mapping of human cortical
mental Science, 12(6), 825-830. development during childhood through early
Crone, E. A., & van der Molen, M. W. (2004). De- adulthood. Proceedings of the National Academy of
velopmental changes in real life decision making: Sciences of the United States of America, 101(21),
Performance on a gambling task previously shown 8174-8179. Recuperado de: http://doi.org/10.1073/
to depend on the ventromedial prefrontal cortex. pnas.0402680101
Developmental Neuropsychology, 25(3), 251-279. Goldstein, K., & Scheerer, M. (1941). Abstract and
Damásio, A. R. (1994). Descartes’ error: Emotion, concrete behavior an experimental study with spe-
reason and the human mind. New York: Putnam. cial tests. Psychological Monographs, 53(2), i-151.
Delis, D. C., Kaplan, E., & Kramer, J. H. (2001). Happaney, K., Zelazo, P. D., & Stuss, D. T. (2004).
Delis-Kaplan executive function system (D-KEFS). Development of orbitofrontal function: Current
San Antonio: Pearson’s Clinical Assessment Group. themes and future directions. Brain and Cognition,
Denckla, M. B. (1994). Measurement of executive 55(1), 1-10.
function. In G. R. Lyon (Ed.), Frames of reference Harlow, J. M. (1848). Passage of an iron rod through
for the assessment of learning disabilities: New views the head. The Boston Medical and Surgical Journal,
on measurement issues (pp. 117-142). Baltimore: 39(20), 389-393.
Paul H. Brookes. Hongwanishkul, D., Happaney, K. R., Lee, W. S.,
Denham, S. A., Warren-Khot, H. K., Bassett, H. H., & Zelazo, P. D. (2005). Assessment of hot and cool
Wyatt, T., & Perna, A. (2012). Factor structure of executive function in young children: Age-related
self-regulation in preschoolers: Testing models of changes and individual differences. Developmental
a field-based assessment for predicting early school Neuropsychology, 28(2), 617-644.
readiness. Journal of Experimental Child Psycholo- Hooper, C. J., Luciana, M., Conklin, H. M., & Yarger,
gy, 111(3), 386-404. Recuperado de: http://www. R. S. (2004). Adolescents’ performance on the Iowa
ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3253899/pdf/ Gambling Task: Implications for the development
nihms333971.pdf of decision making and ventromedial prefrontal
Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual cortex. Developmental Psychology, 40(6), 1148-1158.
Review of Psychology, 64, 135-168. Hughes, C. (1998). Executive function in preschoo
Diamond, A., & Lee, K. (2011). Interventions shown lers: Links with theory of mind and verbal ability.
to aid executive function development in children British Journal of Developmental Psychology, 16(2),
4–12 years old. Science, 333(6045), 959-964. Re- 233-253.
cuperado de: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ Hughes, C., & Graham, A. (2002). Measuring
articles/PMC3159917/ executive functions in childhood: Problems and