duzir o risco para abortamento (25), os são limitada à placenta e células epite- interface materno-fetal via HLA-G e
níveis de PIBF não são diferentes ao liais tímicas (29). As células que ex- com isso bloquear a citotoxicidade lo-
se comparar pacientes tratadas com pressam HLA-G têm um importante cal (33).
esse hormônio que evoluem ou não papel imunorregulatório, conferindo Quando o casal compartilha dos
com aborto (26). uma menor suscetibilidade à lise me- mesmos antígenos HLA DQα, as mo-
Dessa forma, é possível que em al- diada pelas células NK. Além disso, as léculas HLA-G desenvolvidas nos te-
gumas circunstâncias o semi-aloenxer- moléculas HLA-G podem confundir ou cidos placentários são exatamente as
to fetal seja incapaz de induzir a ex- atrapalhar a função de reconhecimen- mesmas que um dia a mãe utilizou para
pressão de receptores para progestero- to por parte do complexo receptor de o seu próprio desenvolvimento intra-
na em linfócitos T γδ, de modo que células T maternas. Considerando-se útero. Como resultado, não ocorre a
apenas a suplementação com proges- que nenhuma célula trofoblástica ex- formação de anticorpos bloqueadores
terona seja insuficiente para desenca- pressa HLA de classe II (30), essas e o sistema imune materno reconhece
dear uma resposta alo-imune adequa- células são, portanto, incapazes de es- a gestação como um tecido próprio
da para a manutenção da gestação (27). timular diretamente as células T hel- com crescimento anômalo desenfrea-
Portanto, a inter-relação imuno-en- per para o disparo de reações imuno- do (34). Portanto, de forma simplifi-
dócrina pode constituir papel importan- lógicas mais complexas (31). Dessa cada, podemos inferir que as molécu-
te na fisiopatologia do abortamento e forma, sem qualquer expressão de mo- las HLA-G representam o estímulo
da falha primária de implantação, sem léculas HLA de classe I e II, as células paterno para a produção de anticorpos
que os níveis hormonais estejam ne- trofoblásticas vilosas não podem fun- bloqueadores que protegerão o embrião
cessariamente alterados. cionar como alvo de respostas citotó- e permitirão o desenvolvimento dos
xicas mediadas por células T durante tecidos placentários.
uma gestação normal (29, 32).
2. HLA-G e anticorpos No caso de gestação normal, as cé-
bloqueadores lulas do sinciotrofoblasto constituem 3. Linfócitos T e citocinas
alvo de ligação de anticorpos mater-
A partir da implantação, o princi- nos, dirigidos contra as moléculas HLA Funcionando como um tecido imu-
pal tecido que confronta o sistema imu- paternas presentes nos tecidos embrio- nológico especializado, a decídua e
ne materno é constituído pelas células nários. Estes anticorpos são conheci- seus componentes assumem várias fun-
trofoblásticas, as quais passam a repre- dos como “anticorpos bloqueadores”, ções, entre elas um papel essencial na
sentar a interface materno-embrioná- uma vez que funcionam como prote- implantação e manutenção da gestação
ria. Além da expressão diferenciada de ção à resposta citotóxica materna con- (35, 36). Os leucócitos deciduais po-
moléculas HLA, responsáveis pela tra o embrião. Eles podem ser detecta- dem contribuir direta e indiretamente
identificação do que é “próprio” e dos desde as primeiras fases da gesta- pela expressão de receptores que poten-
“não-próprio” no organismo de cada ção, permanecem por tempo indeter- cialmente medeiam o reconhecimento
indivíduo, estas células têm um poten- minado na circulação materna e podem do trofoblasto fetal, a invasão trofo-
cial peculiar de resposta às citocinas recrudescer diante de um novo desafio blástica e a produção de citocinas que
presentes no meio. Essas característi- antigênico no caso de nova gestação, regulam e modulam a resposta imune
cas são responsáveis pelo comporta- especialmente se proveniente do mes- materna e a função vascular (37, 38).
mento de “tolerância imunológica” aos mo pai, como decorrência de memória Em uma gestação normal, as célu-
tecidos embrionários, fundamental imunológica específica. las trofoblásticas são resistentes à lise
para o desenvolvimento de uma gesta- Em condições normais, a simples por linfócitos T citotóxicos, citotoxi-
ção normal. modificação do perfil de citocinas ca- cidade direta pelas células NK e cito-
As células do sinciotrofoblasto, res- racterístico da gestação (Th2) está as- toxicidade dependente de anticorpo,
ponsáveis pela nutrição do embrião, sociada a uma grande produção de an- esta última também ação das células
produção de βhCG e progesterona, são ticorpos. A peculiaridade neste caso é NK locais (32). Nesse contexto, as ci-
originadas a partir do citotrofoblasto, que estes anticorpos não têm a capaci- tocinas assumem um papel complexo,
envolvem praticamente toda a super- dade de ativar complemento localmen- atuando diretamente sobre a modula-
fície fetal e não expressam moléculas te e por isso não desencadeiam uma ção da resposta imune. Elas atuam
HLA. Por outro lado, as células cito- resposta imune efetiva no sentido de como mediadores responsáveis pelo
trofoblásticas (vilositárias, extravilosi- clearance antigênico e fagocitose. Essa comportamento individual e pela inte-
tárias, endovasculares e intersticiais) característica lhe é conferida graças a ração dos diferentes tipos celulares na
expressam pequena quantidade de uma glicosilação local de uma das re- interface materno-fetal. Podem ser pro-
moléculas HLA de classe I (28). giões Fab da molécula do anticorpo duzidas por macrófagos, linfócitos,
O citotrofoblasto extraviloso ex- IgG, resultando em uma conformação células NK e pelas próprias células tro-
pressa um tipo de molécula HLA de assimétrica. Acredita-se que o objeti- foblásticas e agem através de vias com-
classe I, chamado HLA-G, com expres- vo final de tais anticorpos é recobrir a plexas de feedback positivo ou negati-
vo, controlando o nível de ativação in- manutenção do microambiente gesta- A regulação da sua função depen-
flamatória nesse microambiente. cional e a alo-imunotolerância aos te- de da ativação dos seus diferentes re-
Diferentes subpopulações de linfó- cidos feto-placentários. ceptores. Elas possuem receptores de
citos T induzem a produção de um gru- ativação (KAR – Killer Activating
po distinto de citocinas, responsáveis Receptors) e de inibição (KIR – Killer
pela evolução ou pela interrupção da 4. Células NK Inhibitory Receptors) do seu potencial
gestação. Dessa forma, linfócitos T citotóxico. Na gestação normal, as cé-
helper tipo 1 (Th1) produzem IL-2, As células NK são células do siste- lulas trofoblásticas produzem IL-4 e
interferon gama (INFg) e fator de ne- ma imune inato, são reconhecidas pela IL-7, que induzem uma estimulação de
crose tumoral beta (TNFb), que são ca- sua atividade citotóxica direta in vitro linfócitos Th2 e um aumento do nú-
racteristicamente indutoras da imunida- e possuem antígenos de superfície que mero de receptores inibidores nas cé-
de celular e de abortamento. Linfócitos as caracterizam: CD16 e CD56. CD16 lulas NK deciduais, mantendo as célu-
T helper tipo 2 (Th2), todavia, produ- é um receptor de baixa afinidade para las NK com fenótipo não-ativado, ou
zem IL-3, IL-4 e IL-10, as quais promo- IgG, está presente na maioria das célu- seja, CD56+CD16–. Essas células são
vem a produção de anticorpos bloquea- las NK e é responsável pela função de chamadas de células NK uterinas, são
dores da atividade citotóxica, mantêm as citotoxicidade celular dependente de capazes de reconhecer o HLA-G fetal
células NK deciduais inibidas e têm po- anticorpo. Conforme a intensidade da e ainda são produtoras de fatores su-
tencial antiinflamatório (4, 39, 40, 41). expressão do CD56, essas células po- pressores da citotoxicidade (37, 46).
Macrófagos estimulados liberam dem ainda ser diferenciadas em duas As citocinas Th1 são ditas induto-
TNFa, que é capaz de induzir as célu- populações: CD56dim e CD56bright. As ras de abortamento devido à sua capa-
las NK a liberar IFNg. Este último ain- células CD56dim são altamente citotó- cidade de induzir na interface mater-
da promove um feedback positivo para xicas, enquanto as células CD56bright no-fetal a diferenciação fenotípica das
a ativação continuada de macrófagos e são pouco citotóxicas, porém são tam- células NK em células ativadas, ou seja,
outras células produtoras de TNFa na bém produtoras de citocinas imunor- CD56+CD16+. Células NK com esse
interface materno-fetal, fortalecendo regulatórias com perfil pró-inflamató- fenótipo perpetuam o ambiente rico em
um ambiente citotóxico. Os linfócitos rio, como IFNg e TNFa (45). IL-2, TNF e IFNg, com perfil Th1 pró-
T do tipo Th1 são também importante
fonte dessas citocinas pró-inflamató-
rias, especialmente pela ação da IL-2,
Tecidos feto-placentários
que é potente estimuladora da ativação
NK-macrofágica na interface materno-
fetal. É interessante observar que parte
do mecanismo pró-inflamatório promo- Sistema imune materno
vido pelo IFNg é resultante da indução
da expressão de moléculas HLA de
classe I e II, as quais constituirão alvo
para uma “alo-rejeição” materno-fetal, Resposta Th2 Resposta Th1
cujo reconhecimento pelas células T
maternas será facilitado pela presença
de TNF no meio (39, 42, 43).
Ao contrário, células Th2 têm o
potencial de suprimir essa ativação de- IFN γ, TNF β, IL-2
IL-4, IL-10
letéria à gestação (4, 42, 43), especial-
mente pela ação de IL-4 e IL-10, ini- IL-3, IL-4, IL7, IL-10
bindo a ativação de células NK uteri-
nas (4, 44). Além disso, as células tro-
foblásticas liberam as interleucinas IL- NK
4 e IL-7, que, à semelhança das citoci-
nas produzidas pelos linfócitos Th2,
promovem um feedback negativo para
as citocinas pró-inflamatórias Th1
(TNFa, IL-2, IFNg e IL-18). A Figura 1 Gravidez normal Gravidez interrompida
demonstra esquematicamente essa
mudança do perfil de citocinas e o des- Figura 1 – Representação esquemática do desbalanço pró-Th2, fundamental para
balanço pró-Th2 necessário para a a manutenção da alo-imunotolerância característica da gestação normal.
inflamatório e pró-trombótico, devido forma, também não apresenta correla- Quando FoxP3 é expresso em células
à ativação subseqüente das células en- ção com o número de perdas gestacio- T CD4+CD25–, ocorre uma diferencia-
doteliais (39, 40, 41, 47). nais prévias e é incapaz também de ção dessas células em linfócitos T
Por fim, acredita-se que durante a predizer o sucesso após procedimento CD4+CD25+ com capacidade imuno-
gestação ocorra no território decidual, de fertilização in vitro (45, 57). regulatória (63, 64).
à semelhança do que ocorre no timo, A valorização clínica da quantifi- Essas células inibem a imunoesti-
um processo de maturação linfocitária, cação de células NK no endométrio é mulação convencional das células T
o qual é crucial para o bom desenvol- ainda a mais fidedigna, porém com cut- através de contato célula-a-célula ou
vimento da gestação. Dessa forma, a offs de normalidade ainda discutíveis, através de citocinas imunossupresso-
base para a fisiopatologia do aborta- dificultando a avaliação do seu valor ras, como IL10 e TGFb. Outros meca-
mento espontâneo de repetição estaria prognóstico nos casos de abortamento nismos ainda têm sido propostos, como
centrada na ativação de células NK recorrente (58). a estimulação da indoleaminadioxina-
através de citocinas, ou seja, transfor- genase (IDO) nesses linfócitos, enzi-
mando-as de células CD56 +CD16 - ma importante no metabolismo do trip-
(produtoras de fatores supressores, pró- 5. Células T regulatórias tofano e essencial para a ativação lin-
Th2) em células CD56+CD16+ (cito- focitária em geral (60).
tóxicas e pró-inflamatórias) (44), ou, O mecanismo primário responsável Na gestação, essa atividade é espe-
de outra forma, a não transformação pela tolerância aos auto-antígenos é a cificamente dirigida aos aloantígenos
do fenótipo das células NK para um deleção clonal dos linfócitos T auto- paternos, regulando toda a intrincada
padrão não-citolítico. Além da defi- reativos que ocorre no timo. Todavia, rede de atividade imune relacionada ao
ciência de células NK uterinas com algumas células T auto-reativas esca- alorreconhecimento, implantação, pla-
fenótipo CD56+CD16-, pacientes que pam a esse processo e reconhecem an- centação e desenvolvimento fetal (60).
apresentam abortamentos espontâneos tígenos teciduais periféricos. Dessa for- Apesar de os mecanismos específicos
de repetição também possuem um nú- ma, células T auto-reativas estão nor- de sua ação imunomodulatória na ges-
mero aumentado de células NK ativa- malmente presentes em todos os indi- tação ainda estarem sendo estudados,
das (CD56+CD16+) na decídua e no víduos. Todavia, a ocorrência de doen- a proporção de células Treg na decí-
sangue periférico (29, 32). ças auto-imunes é relativamente rara. dua e no sangue periférico aumenta na
Análises com a técnica de microar- Isso indica que um mecanismo de to- fase de gestação precoce (65, 66). Além
ray mais citometria de fluxo e RT-PCR lerância periférica aos auto-antígenos disso, a ausência de células Treg leva
demonstram que o fenótipo das célu- deve estar continuamente funcionante, à perda gestacional devido a uma re-
las NK uterinas (CD16-CD56bright) é para evitar doenças auto-imunes (59). jeição imunológica ao feto (67).
diferente das células NK de sangue Existe o consenso de que a popula- Essas observações reforçam o pa-
periférico (CD16+CD56dim) e que as ção de células T CD4+CD25high é a res- pel fundamental dessas células no me-
primeiras dispõem de um potencial im- ponsável por essa atividade imuno-re- canismo de tolerância materno-fetal,
munorregulatório não demonstrado em gulatória antígeno-específica. Essas especialmente após a demonstração de
células NK de sangue periférico (48). células estão envolvidas com os me- que essas células sofrem um aumento
Essas observações sugerem que as cé- canismos de tolerância periférica, to- no sangue periférico no período pre-
lulas NK uterinas representam uma lerância aos transplantes e tolerância coce gestacional, com pico no segun-
subpopulação distinta das células NK materno-fetal, sendo, portanto, chama- do trimestre, declinando no período
circulantes ou ainda que sofram uma das células “T regulatórias” (Treg) pós-parto (68).
diferenciação tecido-específica que as (60). Podem ser encontradas em san-
caracterizam de forma tão peculiar. gue periférico, timo, linfonodos e san-
Todavia, além do que se conhece com
relação às citocinas locais, ainda são
gue de cordão umbilical (61, 62).
As células CD4+CD25high expres-
C ONCLUSÃO
desconhecidos os eventuais fatores res- sam um gene chamado FoxP3. A trans- Para a ocorrência de uma gestação
ponsáveis pelo controle do influxo, dução desse gene indica a expressão normal, o sistema imune materno ne-
proliferação e diferenciação endome- de CD25+, fortemente associado à fun- cessita reconhecer os tecidos feto-pla-
trial das células NK. ção regulatória das células T. Um pro- centários e disparar uma complexa
Apesar da grande discussão na li- blema encontrado é que a expressão de resposta imunorregulatória que, a prio-
teratura e da grande necessidade de um CD25 na membrana também indica a ri, pode ser vista no organismo huma-
marcador periférico para tais diagnós- expressão do receptor para IL2, uma no apenas nessa situação. Mecanismos
ticos, ainda se considera que a quanti- citocina Th1. Portanto, em tecidos ati- envolvendo uma intrincada rede de co-
ficação de células NK de sangue peri- vados, como, por exemplo, a decídua, municação através de citocinas, molé-
férico é incapaz de refletir o que de fato o melhor indicador de função imuno- culas e receptores de diferentes tipos
acontece na interface materno-fetal modulatória, ou seja, células Treg, é a celulares que compõem o sistema imu-
(49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56). Dessa detecção de FoxP3 em linfócito T. ne local, ou seja, decidual, são respon-
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