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Intersemiose e experimentalismo na literatura do século XXI: um novo jeito

de fazer literatura
Bruno Fernandes de Lima.1
brunofdelima@hotmail.com

Resumo
A partir do início do século XX, surge um novo modo de se fazer arte. Os artistas no século XX
buscaram inovar, experimentar, causar estranhamento, romper com todas as convenções
tradicionais, o que se intensifica no início do século XXI, com as novas tecnologias da
computação. Ampliam-se as possibilidades de se inovar na arte, misturam-se as linguagens
artísticas até o ponto que não faz mais sentido tentar definir os gêneros artísticos e literários.
Palavras-chave: intersemiose, experimentalismo, literatura contemporânea.

Abstract
From the beginning of the 20th century, a new way of making art arises. The artists in the 20th
century seeked to innovate, experiment, cause strangeness, break up with all the traditional
conventions, and it was intensified in the beginning of the 21 st century with the new
computer technologies. The possibilities of innovating in art were widened; the artistic
languages were mixed up, to the extent that it has no sense trying to define the artistic and
literary genres anymore.
Keywords: intersemiosis, experimentalism, contemporary literature.

1. Introdução
O momento histórico que estamos vivendo hoje é uma época de grandes
transformações, um momento difícil de ser analisado e compreendido historicamente devido
à falta de distanciamento histórico, uma vez que nós ainda estamos inseridos em um
processo em andamento, sendo impossível prever seus desdobramentos e consequências. A
passagem do século XX para o século XXI trouxe importantes mudanças e inovações
tecnológicas, em especial o desenvolvimento das tecnologias da computação e informação e
a ampliação do acesso à rede mundial de computadores, com o surgimento das
comunidades virtuais e das redes sociais, que de fato revolucionaram o modo de vida das
sociedades ocidentais.
A arte e a literatura inevitavelmente sofreram a influência dessas
transformações, aprofundando um processo que já vinha ocorrendo ao longo de todo o
século XX, com a construção de um novo conceito de arte e literatura. Agora, na luta para
sobreviver em um mundo em que o relacionamento entre os indivíduos é cada vez mais
mediado pela tecnologia e que o ritmo de vida das pessoas é cada vez mais acelerado e as
pessoas têm cada vez menos tempo para dedicar à fruição da arte, as linguagens artísticas
precisam se reinventar e se ressignificar, assumindo formas cada vez mais instáveis.

1 Mestrando em Letras (Mestrado Profissional em Letras) pela UFPE. Especialista em Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira pelo Instituto Cotemar. Graduado em Letras (Licenciatura em Língua Portuguesa e
Língua Inglesa) pela UFPE. Professor de Língua Portuguesa e Arte da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco.
Assim, um elemento importante da arte do século XX se torna fundamental na
arte do século XXI: a experimentação artística. Essa experimentação se dá de diversas
maneiras, mas principalmente por meio da interpenetração de diferentes formas de
linguagem e do uso de diferentes mídias. Os gêneros artísticos e literários vão se tornando
cada vez mais indefinidos, as fronteiras entre a literatura e as outras formas de arte vão se
tornando cada vez mais imprecisas, de modo que atualmente não há mais sentido em se
tentar definir a arte: tudo é apenas arte, sem rótulos nem adjetivos.
Este trabalho tem como objetivo refletir acerca do que é fazer arte e literatura
na contemporaneidade. Visa a refletir sobre o conceito de literatura e arte nos dias de hoje,
o desafio de fazer arte na contemporaneidade e qual o papel das novas tecnologias na
produção artística de nossa época. Traz também uma reflexão sobre o desafio do artista
contemporâneo diante da necessidade de inovar, de provocar o estranhamento em seu
expectador. Na verdade, refletir sobre a arte, a literatura e a tecnologia nos dias de hoje
significa refletir sobre a própria contemporaneidade.
Iniciaremos fazendo a contextualização histórica da arte moderna e
contemporânea, abrangendo desde o início do século XX até os dias atuais, ao mesmo tempo
que mostraremos como a arte e a literatura era influenciada pelo momento histórico. Em
seguida, discutiremos o conceito de experimentalismo na arte, mostrando como ele está
presente na literatura moderna e contemporânea. Depois disto, discutiremos o conceito de
intersemiose e sua importância enquanto recurso de experimentação na arte em nossa
época. E, por fim, refletiremos sobre os desafios para a sobrevivência da literatura em nossa
época.

2. Contexto histórico: uma reflexão sobre a contemporaneidade


2.1. Século XX
O século XX é um período de nossa história que merece atenção por ter sido
um período em que as transformações nas sociedades do mundo inteiro e as inovações e
descobertas científicas e tecnológicas aconteceram de modo mais acelerado do que em
qualquer outra época na história da humanidade.
O século XX se inicia já com o sentimento de perplexidade e incerteza, diante
das grandes transformações pelas quais o mundo passava. Por um lado, o entusiasmo pelos
avanços científicos e tecnológicos, com importantes invenções e descobertas científicas. Por
outro lado, a preocupação em relação ao futuro, com os vários conflitos e a instabilidade
política do período. O início do século XX, ao mesmo tempo que foi a época do progresso e
da modernidade, foi um período sangrento, com as guerras mundiais e as revoluções
acontecendo pelo mundo.
O início do século XX marcou também o início de uma nova etapa no
desenvolvimento do capitalismo industrial. A aceleração no processo de industrialização nos
países capitalistas, a introdução das novas tecnologias e das máquinas na produção e o
consequente aumento da população nas cidades, com o fluxo migratório do campo para as
áreas urbanas, resultaram em uma significativa transformação no modo de vida das
sociedades do século XX.
Nas primeiras décadas do século XX, tivemos as duas grandes guerras
mundiais e a Revolução Russa, que definiram as linhas dos conflitos que se seguiriam ao
longo do século: quem seriam as grandes potências econômicas e políticas mundiais, quais
as ideologias dominantes e quais seriam os interesses envolvidos nesses grandes conflitos.
Tivemos, em seguida, o início do clima de tensão mundial que ficou conhecido como Guerra
Fria, entre EUA e URSS. A Guerra Fria não foi somente um período de ameaça de conflito
armado, mas uma verdadeira força, ao mesmo tempo de divisão e atração, que definiu a
própria cultura do século.
Os avanços tecnológicos continuaram, motivados pelo espírito
desenvolvimentista do capitalismo do século XX. Surgem inventos como o avião, a televisão e
o computador, além de outros avanços importantes na ciência, como a teoria quântica e a
teoria do Big Bang. O período da Guerra Fria é também marcado pela corrida espacial, entre
1957 e 1975, que foi a disputa entre os EUA e a URSS pela supremacia na exploração espacial.
Essa disputa resultou em acontecimentos importantes, como o primeiro voo espacial
tripulado e a chegada dos primeiros seres humanos à Lua.
A Guerra Fria chega ao fim no início da década de 1990, com o fim da URSS e a
queda do muro de Berlim e a unificação das Alemanhas. Foi na década de 1990 que surgiram
os computadores de uso doméstico, com o desenvolvimento dos sistemas operacionais, que
facilitaram a utilização dos microcomputadores por pessoas comuns, além da consolidação
da rede mundial de computadores e a ampliação de sua utilização para a comunicação global.
Era o período em que a ideia de globalização ganhava mais força. Também nesse período,
começou a haver uma maior conscientização acerca das questões ambientais e ecológicas,
com a realização de grandes conferências internacionais de ecologia (como a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-
92, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992).
Se compararmos os acontecimentos, os avanços e as transformações ocorridas
no século XX com os períodos anteriores, veremos que em nenhuma outra época essas
coisas aconteceram de modo tão acelerado. Por esta razão, faz-se necessária uma análise
desse período histórico para que sejamos capazes de compreender melhor a
contemporaneidade, que é, de certo modo, produto desse processo histórico que se iniciou
nessa transição do século XIX para o século XX.

2.2. A arte e a literatura no século XX


Essas transformações ocorridas no século XX impactaram praticamente todos
os aspectos da sociedade da época, inclusive nas artes e na literatura. O sentimento de
modernidade impôs a necessidade de uma ruptura com o passado e a criação de uma nova
arte, que fosse representativa desse momento histórico. Surgiram, portanto, nessa época, os
movimentos de vanguarda artística na Europa, como o Futurismo, o Cubismo, o
Cubofuturismo, o Expressionismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, entre outros, movimentos que
tiveram em comum a ruptura com as convenções tradicionais, a inovação e a busca por um
novo jeito de ver e compreender a realidade. A arte, enquanto criação humana, não deixa de
ser influenciada pelo contexto histórico, político e social em que está inserida. Assim, essa
arte do início do século XX representa muito bem esse momento e foi carregada desse
sentimento de incerteza e perplexidade que o mundo vivia.
<<INSERIR CITAÇÃO>>
No Brasil, pode-se considerar que a arte de vanguarda chega com Anita
Malfatti, em 1917. Anita, que conheceu os movimentos de vanguarda na Europa e nos EUA,
especialmente o Expressionismo, trouxe esses novos conceitos para o Brasil em sua
exposição de arte, que aconteceu em São Paulo, entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918.
A mostra foi recebida pelo público com espanto e curiosidade. Recebeu, inclusive, uma
crítica negativa avassaladora por parte do escritor Monteiro Lobato. No entanto, essa crítica,
apesar de ter impactado negativamente a pintora, causou uma reação em um grupo de
artistas paulistas, que os levaria, mais tarde, em 1922, a realizarem o que ficou conhecido
como a Semana de Arte Moderna, que oficialmente inaugura no Brasil o movimento que se
costuma chamar modernista. O movimento, no entanto, foi bastante tímido em nosso país.
Não representou uma inovação tão significativa como aconteceu em outros países. Somente
a partir da segunda metade do século, a arte e a literatura moderna no Brasil alcançam a
maturidade, no sentido de captar a essência da modernidade.
Na década de 1950, surge no Brasil o movimento concretista. De acordo com
Bosi, o Concretismo foi “a expressão mais viva e atuante da nossa vanguarda estética” (2006,
p. 475). Ele continua:

Os poetas concretos entendem levar às últimas consequências certos processos


estruturais que marcaram o futurismo (italiano e russo), o dadaísmo e, em parte, o
surrealismo, ao menos no que este significa de exaltação do imaginário e do
inventivo no fazer poético. São processos que visam a atingir e a explorar as
camadas materiais do significante (o som, a letra impressa, a linha, a superfície da
página; eventualmente, a cor, a massa) e, por isso, levam a rejeitar toda concepção
que esgote nos temas ou na realidade psíquica do emissor o interesse e a valia da
obra. A poesia concreta quer-se abertamente antiexpressionista. (BOSI, 2006, p.
476)

O Concretismo foi um dos movimentos mais ousados e mais experimentais da


literatura brasileira. Foi, de fato, a realização das maiores ambições dos modernistas de 1922.
A poesia concreta pode ser considerada uma forma de arte essencialmente intersemiótica,
uma vez que, nela, as linguagens verbal e visual se misturam, de modo que fica na fronteira
entre a literatura e a arte visual. De acordo com Bosi (2006, p. 477), as inovações
(experimentações) da poesia concreta se dão nos seguintes campos:

a) no campo semântico: ideogramas [...]; polissemia, trocadilho, nonsense;


b) no campo sintático: ilhamento ou atomização das partes do discurso;
justaposição; redistribuição de elementos; ruptura com a sintaxe da proposição;
c) no campo léxico: substantivos concretos, neologismos, tecnicismos,
estrangeirismos, siglas, termos plurilíngues;
d) no campo morfológico: desintegração do sintagma nos seus morfemas;
separação dos prefixos, dos radicais, dos sufixos; uso intensivo de certos morfemas;
e) no campo fonético: figuras de repetição sonora (aliterações, assonâncias, rimas
internas, homoteleutons); preferência dada às consoantes e aos grupos
consonantais; jogos sonoros;
f) no campo topográfico: abolição do verso, não linearidade; uso construtivo dos
espaços brancos; ausência de sinais de pontuação; constelações; sintaxe gráfica.

Os principais representantes do movimento concretista foram Décio Pignatari


e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Ferreira Gullar, Ronaldo Azeredo e Wlademir
Dias-Pino também foram importantes poetas concretistas.
O princípio linguístico por trás da poesia concreta é o da substituição da
estrutura frásica pelas estruturas nominais, que se relacionam espacialmente, tanto na
horizontal como na vertical. Além disso, a exploração de semelhanças sonoras, pressupondo
relações não arbitrárias entre o significante e o significado (BOSI, 2006, p. 478).
No final dos anos 1960, surge no Brasil o Tropicalismo, movimento cultural
que se manifestou principalmente na música, tendo como maiores representantes Torquato
Neto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé. O movimento surge
justamente no período da ditadura militar e influencia também a poesia da época. Glauco
Mattoso (1982, pp. 19-20) observa o seguinte:

Com o tropicalismo, aconteceu que todas as tendências musicais entraram na


salada de frutas, caíram as fronteiras que separavam a contracultura da MPB, e esta
conquistou ao mesmo tempo o público rockeiro e o intelectualizado. Ampliou-se
assim o interesse da faixa mais jovem pela poesia ou por tudo aquilo que pudesse
ser poesia — justamente na ocasião em que o endurecimento do regime posterior
ao AI-5 desviava para a área artística toda a contestação política, cujos canais de
manifestação se fechavam à juventude universitária.

Inicia-se nesse período um fenômeno caracterizado pela produção de uma


poesia dita “clandestina”, uma vez que o mercado editorial fecha as portas para toda forma
de arte que pudesse ser considerada “subversiva”. Vários poetas começam a buscar formas
alternativas de publicar seus trabalhos, como, por exemplo, imprimindo-os de maneira
independente através do mimeógrafo (daí esses poetas terem sido chamados “geração
mimeógrafo”).
O que se costuma chamar Poesia Marginal é a produção desses poetas dos
anos 1970 (Paulo Leminski, Cacaso, Chacal e outros) que não tiveram espaço nos meios
oficiais de difusão da literatura, ou mesmo se recusaram a publicar seus trabalhos por esses
meios, preferindo manterem-se independentes. É, contudo, difícil definir com precisão o que
caracterizou a Poesia Marginal. De acordo com Mattoso (1982, p. 20):

[...] os teóricos classificam ou não de marginal [a produção poética] em função de


fatores diversos: culturais (os autores assumem postura contestatória ou tematizam
a contracultura), comerciais (são desconhecidos do grande público, e produzem e
vinculam suas obras por conta própria, com recursos ora precários, ora artesanais,
ora técnicos, mas sempre fora do mercado editorial), estéticos (praticam estilos de
linguagem pouco ‘literários’ ou dedicam-se ao experimentalismo de vanguarda), ou
puramente políticos (abordam temática francamente engajada e adotam linguagem
panfletária).

Ou seja, não é apenas a exclusão do mercado editorial que caracteriza a


Poesia Marginal, mas também seu caráter vanguardista e experimental, além de uma atitude
engajada.
Assim, a nossa literatura finalmente alcança, com a Poesia Marginal, um
estado de maturidade que se buscou desde a Semana de 22. Quanto a isso, Santos Júnior
(2014) observa:

O surgimento da Poesia Marginal foi o resultado de uma maturação estética que


tem sua origem no Modernismo de 22 encabeçado por Oswald de Andrade e sua
produção contínua de poemas curtos, paródicos e coloquiais, concomitante com a
sobrevivência da anarquia estética do dadaísmo avassalador de Marcel Duchamp.

Ele também diz:

Assim, pode-se afirmar que os poetas marginais intencionaram reatualizar a técnica


oswaldiana da colagem paródica e, ao mesmo tempo, aproximar a poesia do
cotidiano, que foi uma das bases primordiais da poesia modernista de 1922. Nessa
retomada de ‘rastros’ do modernismo da primeira geração, a geração de 70 provoca
uma ruptura com a tradição literária brasileira, sem, no entanto, negar essa possível
‘influência’.

Sendo assim, a Poesia Marginal pode ser considerada a culminância de um


processo, iniciado com o Modernismo, que passou pela poesia concreta dos anos 1960, de
conquista de maturidade da literatura brasileira e da construção de uma identidade
genuinamente nacional de nossa literatura no século XX.

2.3. O século XXI e a arte e a literatura contemporânea


É muito difícil compreender o momento histórico em que estamos inseridos,
uma vez que carecemos de distanciamento histórico para compreender quais serão as
consequências, os desdobramentos e as implicações dos fenômenos que estamos
vivenciando hoje.
O século XXI chegou trazendo, assim como aconteceu na chegada do século XX,
perplexidade e incerteza. O surgimento da internet, a popularização do microcomputador de
uso pessoal, os telefones celulares e smartphones e as redes sociais promoveram uma
verdadeira revolução nas relações dentro das sociedades. Vivemos hoje a pós-modernidade,
um conceito que é muito difícil de ser explicado, pois talvez ainda se encontre em construção.
Não ousaremos, portanto, tentar uma definição do que seja a pós-modernidade, a não ser
de modo bastante superficial, como sendo um momento de desconstrução de tudo, inclusive
a desconstrução da própria desconstrução. O conceito nasce a partir da crise das ideologias
das sociedades ocidentais do final do século XX, que resultou em uma visão fragmentada da
realidade e o abandono da razão enquanto garantia de possibilidade de compreensão do
mundo sob uma ótica totalitária.
Vivemos um momento em que o conceito de globalização atinge sua
realização máxima. O mundo está, de fato, conectado hoje. Jamais um fenômeno afetou o
mundo inteiro ao mesmo tempo da maneira como a internet está fazendo hoje em dia. Esse
fenômeno, como já foi dito, é difícil de ser plenamente compreendido pela falta de
distanciamento histórico, uma vez que não temos como saber quais serão os
desdobramentos disto.
A arte e a literatura acabam por refletir muito desse sentimento confuso da
contemporaneidade. Aparentemente, coexistem em nossa época uma grande diversidade de
estilos, sendo impossível falar em uma corrente estética predominante (SANTAELLA, 2016). E
as novas tecnologias contribuem para essa heterogeneidade, além de ampliar as
possibilidades de criação e inventividade como nunca antes na história. O grande desafio que
se impõe ao artista contemporâneo é: como fazer arte no século XXI? Com toda uma história
e uma tradição artística e literária milenar, que vem desde a Antiguidade, ou talvez antes
disso, como criar, como dizer o que ainda não foi dito e fazer o que ainda não foi feito? Ou
mesmo como dizer ou fazer isto de um modo diferente do que já foi feito? No século XX os
artistas tinham o anseio por refundar a arte na modernidade, criar algo novo, rompendo com
a tradição. Hoje, ainda que não haja mais essa necessidade de fundar uma nova arte, mesmo
que se queira fazer arte e literatura seguindo moldes mais tradicionais, não faz sentido fazer
o que já foi feito exatamente da mesma forma como foi feito no passado, sem que haja
qualquer elemento novo, algo que surpreenda, que cause o estranhamento. Afinal, a arte é
justamente isso: causar o estranhamento, surpreender. A arte que não causa qualquer
surpresa é uma arte carente de qualidade. O desafio, sendo assim, é: como inovar nos dias
de hoje?
Assim como no século XX, em nossa época o artista precisa lançar mão do
recurso da experimentação para que possa romper com as convenções e quebrar as
expectativas. A experimentação artística e literária estiveram presentes em toda arte e
literatura do século XX, mas no século XXI, graças principalmente à maior disponibilidade de
recursos tecnológicos, esse elemento é, de fato, o que caracteriza a arte em nossa época.
Nos dias de hoje, tornou-se possível alcançar os níveis de realização artística que talvez tenha
sido pretendida pelos artistas do século passado e que não era possível devido às limitações
da tecnologia da época.

3. Experimentalismo e Intersemiose na literatura contemporânea


3.1. Experimentalismo
Roman Jakobson identificou seis funções da linguagem e dentre elas a função
poética. A função poética pode ser entendida como “a emissão de uma mensagem elaborada
de maneira inovadora” (PEREZ, 2017). Ou seja, a função poética acontece quando a
mensagem é organizada de modo diferente do usual, chamando atenção para si mesma. A
função poética é justamente o que diferencia o texto literário do texto não literário. O
principal objetivo ou a intenção do texto literário não é meramente informar, não é fazer
propaganda, não é argumentar, mas provocar o prazer estético, conforme lemos em Perez
(2017):

O centro de interesse da comunicação na função poética é o próprio texto e, por


isso, alguns recursos são utilizados para chamar a atenção do destinatário para a
mensagem. Forma e conteúdo ganham um novo arranjo para provocar no leitor o
prazer estético. Recursos como efeitos sonoros e rítmicos, além do uso das diversas
figuras de linguagem, colaboram na tentativa de deslocar a mensagem de uma
estrutura convencional que tolhe a criatividade artística.

A função poética põe em evidência a forma da mensagem, seja pela escolha


das palavras (preferência pela palavra não usual, pela palavra ambígua, pela sonoridade da
palavra ou pelas imagens evocadas pela escolha verbal), pela organização sintática da frase,
pela ambiguidade, pela combinação de sons que gerem o efeito da musicalidade no texto. A
relação entre significante e significado deixa de ser totalmente arbitrária. “Influenciado por
Peirce, Jakobson, em seus escritos tardios, não admite que a relação entre significante e
significado seja sempre arbitrária, como pretendiam vários estruturalistas à sua época”
(Kirchof, 2009). Forma e conteúdo compõem o sentido do texto. O modo como o texto se
estrutura tem como objetivo surpreender o alocutário.
Sendo assim, pode-se dizer que a literatura, tanto em verso como em prosa,
sempre foi experimental. De acordo com Herberto Hélder:

Em princípio, não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental, nesse
sentido de que ele supõe vigilância sobre o desgaste dos meios que utiliza e que
procura constantemente recarregar de capacidade de exercício. A linguagem
encontra-se sempre ameaçada pelos perigos de inadequação e invalidez. É algo que,
no seu uso, se gasta e refaz, se perde e ajusta, se organiza, desorganiza e reorganiza
— se experimenta. (apud AMARAL, 2017)

Raimundo Carreiro disse a respeito da prosa de ficção: “A literatura de ficção


sempre foi experimental” (2016). O texto literário sempre pretende causar surpresa,
estranhamento no leitor. Essa surpresa se dá pelo modo não usual como se organiza a
mensagem. Sendo assim, sempre existe experimentalismo na literatura, em maior ou menor
grau. Experimentalismo em literatura significa inovar, testar o que jamais foi feito antes, seja
na(s) linguagem(ns), seja na forma, seja na escolha dos temas. Significa quebrar as
convenções, violar as regras, ir de encontro às formas pré-estabelecidas.
A experimentação na literatura pode se dar em vários níveis: a) na linguagem,
pela escolha lexical, pelo uso de neologismos, pela organização sintática da frase, pela
pontuação; pela ressignificação das palavras, pelos trocadilhos, pela sonoridade, pelo ritmo,
pelo nível de coloquialidade da linguagem, pelo uso de marcas de oralidade na escrita, pela
intersemiose (presença de diferentes tipos de linguagem); b) na escolha dos temas; c) na
forma, pela disposição visual dos signos, dos caracteres, pelo uso dos espaços brancos, na
própria escolha dos canais de comunicação que veiculam a mensagem. O experimentalismo
na arte do século XX resultou em uma aproximação entre as diferentes linguagens artísticas
(poesia, música, artes visuais) e tornou menos definidas as fronteiras entre os diferentes
gêneros literários (poema, conto, romance).
O surgimento das tecnologias da computação ampliou as possibilidades de
experimentação artística como nunca antes. Essas novas tecnologias tornaram possível uma
mistura cada vez maior de linguagens: palavras, cores, imagens, sons, movimento e até
mesmo formas tridimensionais.
A computação gráfica possibilitou que a poesia concreta, surgida na segunda
metade do século XX, fosse elevada a outro nível. Agora, não se misturam apenas imagem e
língua, mas é possível também imprimir movimento às palavras, por meio das técnicas de
animação, algo que certamente teria encantado os poetas do Concretismo da década de
1960. O vídeo contido no link abaixo, editado por Christian Caselli, é uma adaptação para o
audiovisual de cinco poemas concretos: “Cinco”, de José Lino Grunewald (1964),
“Velocidade”, de Ronald Azeredo (1957), “Cidade”, de Augusto de Campos (1963), “Pêndulo”,
de E.M. de Melo e Castro (1961/62) e “O Organismo”, de Décio Pignatari (1960):

https://www.youtube.com/watch?v=yC3e7rmSYM4

atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubri
mendimultipliorganiperiodiplastipubliraparecipro
rustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidade
city
cité

“Cidade”, de Augusto de Campos

“Cinco”, de José Lino “Velocidade”, de Ronald


Grunewald Azeredo
“Pêndulo”, de E.M. de
Melo e Castro

“O Organismo”, de Décio Pignatari

A cada dia, novas tecnologias surgem, novas ferramentas, novos programas e


aplicativos que ampliam cada vez mais as possibilidades de experimentação, como os
programas de criação de imagens em movimento (GIFs) e até mesmo as impressoras 3D, que
possibilitam a criação de formas e imagens tridimensionais.

3.2. Intersemiose
O conceito de intersemiose consiste na interpenetração de diferentes tipos de
linguagens ou códigos, criando uma forma híbrida. Nas artes, a intersemiose acontece na
mistura entre diferentes linguagens artísticas:

A relação que surge entre as duas linguagens [artes visuais e literatura] é


relacionada com seus planos de expressão e conteúdo. Nas artes vemos linhas,
pontos, curvatura, textura, cores, claros e escuros, contrastes, repetições, sons,
imagens, odores. Como relacionar com a literatura? Um poema por exemplo, é a
melhor maneira de mostrar esta relação porque no poema vemos movimento,
sonoridade, pontos, linearidade, claro e escuro por meio do silêncio ou da
sonoridade. A cor branca é a união de todos os sons e a cor preta é a ausência de
som. Isto também se aplica à linguagem musical. O que também a relaciona com as
artes e literatura. (CARVAJAL, 2012, p. 3)

Como pudemos ver, a intersemiose é um elemento constitutivo da poesia


concreta, que, grosso modo, consiste em um hibridismo entre poesia e linguagem visual. Na
poesia marginal dos anos 1960 e 1970, surge também uma poesia performática, que
também é intersemiótica, misturando poesia e linguagem corporal. A intersemiose foi,
portanto, um importante recurso na experimentação artística no século XX.
Na contemporaneidade, a mistura, a indefinição, a não compartimentação dos
gêneros são importantes características da arte e da literatura. O artista contemporâneo não
precisa se ver de modo limitado, como poeta, pintor, ator ou dançarino. O artista é,
simplesmente, artista. O artista faz arte, simplesmente. Essa arte prescinde de definição. É
um poema? É uma pintura? É uma escultura? Não importa: é apenas arte. Uma arte que
mistura linguagens, mistura vários elementos, vários códigos. A realização artística se torna
ainda mais plena à medida que as novas tecnologias contribuem para essa interpenetração
de linguagens, como é o caso do uso da programação e da computação gráfica na arte.
4. Conclusão
Com o surgimento das novas tecnologias, como os microcomputadores, a
internet, os tablets e smartphones, a forma como as pessoas interagem muda radicalmente.
Era inevitável que a arte e a literatura fossem influenciadas por essa mudança. Os meios
impressos deixam de ser o espaço exclusivo de veiculação da literatura. Além disso, o modo
de se fazer arte também muda. Muda até mesmo a própria concepção do que é o artista.
Vimos neste trabalho como o conceito de arte e literatura sofreu transformações desde o
início do século XX até os dias atuais, sob influência das transformações históricas e sociais
pelas quais as sociedades passaram.
Nos dias de hoje, a tecnologia tem proporcionado às pessoas formas de
entretenimento de cada vez mais fácil acesso e assimilação. Na mesma proporção, as
pessoas têm demonstrado cada vez menos interesse na poesia, que é uma forma de arte que
exige um esforço cognitivo na busca por suas significações e sentidos mais profundos. Diante
disto, cabe a pergunta: a poesia sobreviverá? Qual o lugar da poesia em nossos dias? Qual o
lugar dessa arte, diante das facilidades da vida contemporânea?
Este trabalho procurou mostrar que a resposta a esta pergunta é: sim. A
poesia sobrevive. A poesia resiste. E ela só é capaz de sobreviver devido à sua capacidade de
se metamorfosear, de se transformar e de se reinventar. As mesmas tecnologias que
parecem ameaçar de morte a poesia são o que possibilita a sua sobrevivência. A tecnologia
permite, não somente a ampliação das possibilidades de criação e experimentação poética,
mas também a sua divulgação e veiculação. A literatura contemporânea consegue sobreviver
através da internet e das redes sociais, tendo um alcance maior do que os veículos impressos
e conquistando públicos que possivelmente estejam mais familiarizados com essas novas
linguagens. As artes nos meios digitais logram maior êxito em alcançar públicos mais
diversificados.

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