O filme Eu, Daniel Blake, é a história de um homem bom abandonado por um sistema mau.
Um trabalhador honrado sofre um ataque do coração que o condena ao repouso. Sem
renda, solicita apoio do Estado e se vê enroscado em uma cruel espiral burocrática. Esperas
absurdas ao telefone, entrevistas humilhantes, formulários estúpidos, funcionários
desprovidos de empatia por causa do sistema. Kafka nos anos de austeridade. Nessa
espiral desumanizadora Daniel encontra Katie, mãe solteira de dois filhos, obrigada a se
mudar para Newcastle porque o sistema diz que não há lugar para alojá-los em Londres,
uma cidade com 10.000 moradias vazias. Daniel se torna um pai para Katie e um avô para
as crianças. A humanidade que demonstram realça a indignidade do monstro que os
condena. Aí está, como terão reconhecido seus fiéis, o toque de Ken Loach.
Seu cinema sempre esteve do lado dos menos favorecidos e, aos 80 anos, a realidade
continua lhe dando argumentos para permanecer atrás das câmeras. Eu, Daniel Blake,
Palma de Ouro no último festival de Cannes (a segunda de Loach), é um filme espartano.
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29/11/2018 O Estado cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua’ – Ken Loach
Não precisa de piruetas para comover. A história foi escrita pelo amigo e roteirista Paul
Laverty, depois de percorrer bancos de alimentos, centros de emprego e outros cenários
trágicos do Reino Unido de hoje, onde conheceu muitos daniels e katies. A realidade de
Loach (Nuneaton, 1936) está lá fora para quem quiser vê-la. Mas, em um mundo imune
aos dados, a emoção que o cineasta mobiliza para contar essa realidade se revela mais
valiosa que nunca. Recebe o El País em seu escritório no Soho londrino.
A situação lembra Cathy Come Home, seu filme de 1966 sobre uma família jovem
que está na rua. O que mudou em 50 anos?
Agora é pior. Naquela época, os elementos do Estado de bem-estar ainda funcionavam,
agora não. A sociedade, hoje, não está tão coesa. Acontece em toda a Europa. O sistema
se tornou pior porque o processo capitalista avança.
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29/11/2018 O Estado cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua’ – Ken Loach
Você apoia Jeremy Corbyn, o polêmico líder trabalhista. Acredita que seu projeto
de esquerda poderia mudar a realidade descrita em seu filme?
Sim, sou otimista. Sanders, Podemos, Syriza… Existe uma sensação de que outro mundo é
possível. A ascensão de Corbyn traz muita esperança, mas é sistematicamente atacada por
toda a imprensa, pela BBC, e até pelos jornais de esquerda. É uma grande batalha, mas é
muito popular entre as bases.
O que pensa quando ouve Theresa May dizer que os conservadores são o partido
da classe trabalhadora?
Seria uma piada, não fosse o fato de que ninguém a questiona. É um Governo que utiliza a
fome como arma, que deixa as pessoas passarem fome para discipliná-las. É propaganda.
Insinuou que Jimmy’s Hall (2014) seria seu último filme, mas voltou e ganhou a
Palma de Ouro. Desta vez é para valer?
Não sei. Como no futebol, jogaremos uma partida de cada vez. Há muitas histórias para
contar, mas, fisicamente, o cinema é muito exigente.
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