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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO

O PERDÃO POR NOBREZA RECONHECIDA NA PRÁTICA


DA ADOÇÃO À BRASILEIRA: VISÃO LEGAL,
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

SAMARA DALSENTER

Esta monografia está apta a ser apresentada


em banca.
Itajaí, ___ de novembro de 2017.

____________________________
Maria Fernanda do Amaral Pereira Gugelmin
Girardi

____________________________
Airto Chaves Junior

Itajaí, novembro de 2017


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO

O PERDÃO POR NOBREZA RECONHECIDA NA PRÁTICA


DA ADOÇÃO À BRASILEIRA: VISÃO LEGAL,
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

SAMARA DALSENTER

Trabalho de Conclusão de Curso de Direito


submetido à Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do
título de bacharel em Direito.

Orientadora: Maria Fernanda do Amaral Pereira Gugelmin Girardi


Coorientador: Airto Chaves Junior

Itajaí, novembro de 2017


AGRADECIMENTO

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me


sustentado por vezes quando eu parecia cair, por
ter me dado forças para prosseguir e por ser
presente em todos os momentos da minha vida.
Aos meus pais Maria e Osmar, por todo amor e
carinho, por todo o esforço despendido para que
eu conseguisse concretizar este sonho, e por
acreditar em minha capacidade. Eu, com toda a
certeza, devo tudo a eles!
Ao meu namorado Igor, por me incentivar sempre,
por olhar minhas conquistas com orgulho, por ser
meu parceiro e o meu amor.
A minha família e aos amigos que, embora,
muitas vezes me fiz ausente, estiveram sempre
comigo, na torcida por cada passo alcançado e
conquistado.
A minha orientadora Maria Fernanda do Amaral
Pereira Gugelmin Girardi, por todo o apoio e
paciência na elaboração deste trabalho, e ao meu
Coorientador Airto Chaves Junior, pela ajuda
prestada, na qual foi essencial para o
enriquecimento da pesquisa.
Aos professores e chefes de trabalho que tanto
partilharam dos seus conhecimentos, com eles,
eu aliei a prática à teoria, portanto, foram
essenciais para o meu desenvolvimento
acadêmico e tiveram uma enorme contribuição
em minha formação profissional e pessoal.
Meu muito obrigada!
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho as pessoas mais


importantes da minha vida, meus amados
Pais, que sempre me ajudaram da melhor
forma possível para que eu tornasse meus
sonhos, realidade. São a razão por eu nunca
ter desistido! Pessoas que foram enviadas e
escolhidas a dedo por Deus, para me criar, e
me dar todo o carinho e amor do mundo:
obrigada por serem quem são, por existirem
e por me amar, devo tudo a vocês!
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2017

Samara Dalsenter
Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do


Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Samara Dalsenter, sob o título O perdão
por nobreza reconhecida na prática da adoção à brasileira: visão legal, doutrinária e
jurisprudencial, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota
[Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, novembro de 2017

Maria Fernanda do Amaral Pereira Gugelmin Girardi


Orientadora e Presidente da Banca

Airto Chaves Junior


Coorientador

Prof. MSc. José Artur Martins


Coordenação da Monografia
SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... IX
INTRODUÇÃO ................................................................................... X

Capítulo 1 ......................................................................................... 13

O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO VIGENTE DIREITO BRASILEIRO 13


1.1 BREVES ASPECTOS HISTÓRICOS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO: ........... 13
1.1.1 Roma Antiga ............................................................................................... 13
1.1.2 Adoção no Direito Brasileiro: .................................................................... 14
1.2 ASPECTOS ATUAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO: .................................... 18
1.2.1 Adoção: conceito e natureza jurídica ....................................................... 18
1.2.2 Princípios referentes à adoção: ................................................................ 20
1.2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ..................................................... 20
1.2.2.2 Princípio da afetividade .................................................................................... 22
1.2.2.3 Princípio do melhor interesse .......................................................................... 24
1.2.2.4 Princípio da igualdade entre todos os filhos ................................................... 25
1.2.3 Pressupostos legais da adoção ................................................................ 27
1.2.4 Efeitos jurídicos da adoção....................................................................... 29

Capítulo 2 ......................................................................................... 33

ADOÇÃO À BRASILEIRA: ASPECTOS CRIMINAIS E CÍVEIS ....... 33


2.1 O DIREITO PENAL E A FUNÇÃO PROTETORA DOS BENS JURÍDICOS .. 33
2.1.1 A importância da Família como bem jurídico penalmente tutelado ...... 35
2.1.2 Proteção do Estado de Filiação e violação ao bem jurídico .................. 38
2.2 ASPECTOS PENAIS COM REFLEXOS CÍVEIS NA PRÁTICA DA “ADOÇÃO
À BRASILEIRA” ................................................................................................... 43

Capítulo 3 ......................................................................................... 50

O INSTITUTO DO PERDÃO JUDICIAL E DA NOBREZA NO


DIREITO PÁTRIO ............................................................................. 50
3.1 O PERDÃO JUDICIAL COMO CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE NO
ÂMBITO PENAL ................................................................................................... 50
3.2 O PERDÃO JUDICIAL POR NOBREZA RECONHECIDA À LUZ DO ART.
242 DO CÓDIGO PENAL ..................................................................................... 56
3.3 VISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ACERCA DA ADOÇÃO À BRASILEIRA E DO PERDÃO POR NOBREZA
RECONHECIDA ................................................................................................... 59
3.3.1 Entendimento positivo do Tribunal de Justiça Catarinense .................. 59
3.3.1.1 Entendimento positivo das Câmaras cíveis acerca da “adoção à brasileira”.
........................................................................................................................................ 63
3.3.2 Entendimento negativo do Tribunal de Justiça Catarinense ................. 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 71

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 76


RESUMO

A presente Monografia tem como objeto o Perdão Judicial por nobreza


reconhecida aplicável à “adoção à brasileira” no vigente Direito brasileiro. O
objetivo geral é analisar, legal, doutrinária e jurisprudencialmente, os contornos
legais do instituto do Perdão Judicial por nobreza aplicável em caso de “adoção à
brasileira” no atual Direito pátrio. A pesquisa monográfica foi dividida em três
capítulos. No primeiro cuidou-se, brevemente, do histórico da adoção no direito
romano e no direito brasileiro, e, estuda-se o Instituto da adoção no vigente
Direito Brasileiro. No segundo capítulo, abordou-se a “adoção à brasileira” e seus
aspectos criminais e cíveis. No terceiro e último capítulo analisou-se o instituto do
Perdão Judicial e da nobreza no direito pátrio e o entendimento jurisprudencial
catarinense acerca do tema. Quanto à metodologia, utilizou-se o método indutivo
com a técnica de pesquisa bibliográfica. Ao final, foi observado que o perdão
judicial por nobreza somente será aplicável à “adoção à brasileira” quando for
reconhecido o ato nobre, e haverá a manutenção da “adoção irregular” se os
vínculos de afetividade estiverem estabelecidos entre as partes e se corresponder
ao melhor interesse da criança ou do adolescente.

Palavras-chave: Adoção. Adoção à brasileira. Perdão Judicial. Nobreza.


INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o instituto do


Perdão Judicial por nobreza aplicável à “adoção à brasileira” no vigente Direito
brasileiro.

O seu objetivo é analisar, legal, doutrinária e


jurisprudencialmente, os contornos legais do instituto do Perdão Judicial por
nobreza aplicável em caso de “adoção à brasileira” no atual Direito pátrio.

Para a presente monografia foram levantados os seguintes


problemas:

Problema 1 – A “adoção à brasileira” pode ser concebida


como uma espécie regular de adoção prevista no ordenamento jurídico pátrio?

Problema 2 - O instituto do Perdão Judicial pode ser


concedido a quem cometeu “adoção à brasileira”?

Problema 3 – O requisito da reconhecida nobreza na prática


da “adoção à brasileira”, é o suficiente para que seja concedido o perdão judicial,
e assim, seja mantido o poder familiar dos agentes que adotaram irregularmente?
Com base nos problemas levantados, se apresentam as seguintes hipóteses:

Hipótese 1 – A “adoção à brasileira” não pode ser


considerada uma espécie regular de adoção eis que além de não estar prevista
no ordenamento jurídico pátrio, é considerada crime.

Hipótese 2 – O instituto do Perdão Judicial pode ser


concedido a quem cometeu um crime, inclusive à “adoção à brasileira”, cuja
conduta possua consequências previstas em lei, que isentam a pena.

Hipótese 3 – Para que o magistrado aplique o Perdão


Judicial àqueles que cometeram “adoção à brasileira”, e para que os agentes
possuam o poder familiar sobre a criança, deve-se observar o requisito essencial
da reconhecida nobreza.

Visando buscar a confirmação ou não das hipóteses, o


trabalho foi dividido em três capítulos.

O capítulo 1 tratar-se-á do Instituto da adoção no vigente


Direito Brasileiro. Apresentará os breves aspectos históricos da Adoção, na Roma
Antiga e no Direito Brasileiro; os aspectos atuais do instituto da adoção, com a
conceituação e natureza jurídica; os princípios referentes à adoção: da dignidade
da pessoa humana, da afetividade, do melhor interesse, da igualdade entre todos
os filhos; os pressupostos legais da adoção e seus efeitos jurídicos.

O Capítulo 2 abordar-se-á a “adoção à brasileira” e seus


aspectos criminais e cíveis. Apresentará o direito penal e a função protetora dos
bens jurídicos; a importância da Família como bem jurídico penalmente tutelado; a
proteção do estado de filiação e violação ao bem jurídico; os aspectos penais com
reflexos cíveis da prática da “adoção à brasileira”.

O Capítulo 3 analisar-se-á o instituto do Perdão Judicial e da


nobreza no direito pátrio. Apresentará o Perdão Judicial como causa extintiva de
punibilidade no âmbito penal; o Perdão Judicial por nobreza reconhecida à luz do
art. 242 do código penal; a visão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina acerca
da adoção à brasileira e do perdão por nobreza reconhecida.
12

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as


Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre o Perdão por nobreza reconhecida na prática da “adoção à brasileira”.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase


de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de
Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as


Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa
Bibliográfica7.

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...].” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática.
13 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015. p. 87.
2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma

percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica:
teoria e prática. p. 91.
3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.
22-26.
4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o

alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma


pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 58.
5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia.” PASOLD,

Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 27.


6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita

para os efeitos das ideias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa
jurídica: teoria e prática. p. 39.
7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD,

Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 215.


Capítulo 1

O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO VIGENTE DIREITO BRASILEIRO

1.1 BREVES ASPECTOS HISTÓRICOS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO:

1.1.1 Roma Antiga

A adoção na Roma antiga teve como principal finalidade a


perpetuação do culto doméstico, ou seja, naquela época, quem não pudesse
conceber filhos, se não os adotasse, ficariam sem condições de dar continuidade
à religião/culto quando da sua morte, e isso significaria o esquecimento da
memória da pessoa. Por este motivo, a pessoa estéril teria, ainda, um último
recurso para escapar da temida extinção: a adoção8.

Adotar um filho na Idade Antiga, na visão de Coulanges9:

(...) era velar pela continuidade da religião doméstica, pela


salvação do fogo sagrado, pela continuação das ofertas fúnebres,
pelo repouso dos manes dos antepassados. Como a adoção não
tinha outra razão de ser além da necessidade de evitar a extinção
do culto, seguia-se daí que não era permitida senão a quem não
tinha filhos.

Foi no Direito Romano clássico, conforme entendimento de


Bordallo10, que a adoção teve seu ápice, vindo a ser melhor disciplinada, pois
além da forte presença religiosa, que exigia a não extinção da família, os romanos
“davam a adoção papel de natureza familiar, política e econômica”.

A natureza política da adoção tinha como efeito a obtenção


da cidadania romana, transformando o adotado de plebeu em patrício, sendo
também uma forma de preparar para o poder. Além disso, em relação à natureza

8 COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Frederico Ozanam


Pessoa de Barros. São Paulo: Editora das Américas S.A., 1961. p. 45-46.
9 COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Frederico Ozanam

Pessoa de Barros. São Paulo: Editora das Américas S.A., 1961. p. 46.
10 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 198.
14

econômica da adoção, “era utilizada para deslocar de uma família para a outra, a
mão de obra excedente”.11

O adotado, incluído na nova família, não poderia mais voltar


para a antiga família, nem mesmo quando da morte de seu pai natural poderia
preparar o enterro e os cultos fúnebres. O máximo permitido era que se o adotado
tivesse um filho, poderia trocar de lugar com ele, deixando-o na família que o
adotou, de forma que significaria estar assegurada a continuidade da família, no
entanto, o adotado teria que cortar todos os laços que o ligavam ao filho12.

Desta forma, percebe-se que a adoção no Direito Romano


antigo, nada tinha a ver com carinho, embora estivesse presente de certa forma o
melhor interesse do adotado, este era incluído na família, principalmente, para a
perpetuação da religião doméstica e, também, para honrar a memória dos
familiares falecidos.

1.1.2 Adoção no Direito Brasileiro:

A figura da adoção vigorou no ano de 1828, onde eram


concedidas pelos juízes as cartas de perfilhação, no entanto, em razão da não
adoção de crianças órfãs e abandonadas, foi necessário criar um conjunto de leis
que diminuíssem a exploração doméstica dessas crianças. Assim, foram criados
os orfanatos, para cuidar das crianças abandonadas e, posteriormente, criaram-
se as Rodas dos Expostos, que consistia em uma mesa giratória virada para a via
pública e o outro lado virado para o orfanato, sendo que os pais que não queriam
ficar com a criança, colocavam-na pelo lado de fora, girando-a para dentro, e
assim, não eram identificados.13

11 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da
criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 198.
12 COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Frederico Ozanam

Pessoa de Barros. São Paulo: Editora das Américas S.A., 1961. p. 47.
13 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 199.
15

Posteriormente, o instituto da adoção ganhou sistematização


em nosso país com o advento do Código Civil de 191614. O referido diploma, de
certo modo, apresentou-se de forma semelhante ao Direito Romano Antigo no
que refere à forma, isto porque, no Código Civil de 1916, só podia adotar quem
não tivesse filhos. A adoção era chamada de “simples”, sendo aplicável tanto para
maiores quanto para menores de idade, ou seja, era levada a efeito por escritura
pública e o vínculo de parentesco se estabelecia somente entre adotante e
adotado.15

Por esta razão, na visão de Gonçalves16, era nítido o caráter


contratual do instituto da adoção:

(...) tratava-se de negócio jurídico bilateral e solene, uma vez que


se realizava por escritura pública, mediante o consentimento das
duas partes. Se o adotado era maior e capaz, comparecia em
pessoa; se incapaz, era representado pelo pai, ou tutor, ou
curador. Admitia-se a dissolução do vínculo, sendo as partes
maiores, pelo acordo de vontades (arts. 372 a 375).

Contudo, a Lei 4.655/65 admitiu mais uma modalidade de


adoção que, de acordo com Dias17, ocorreu a chamada “legitimação adotiva”,
sendo ela dependente de decisão judicial, irrevogável e fazia cessar o vínculo de
parentesco com a família natural. Posteriormente, com o advento da Lei 6.697/79,
criou-se o Código de Menores, que substituiu a legitimação adotiva pela adoção
plena.

Então, no que se refere à adoção simples e à adoção plena,


Gonçalves18, assim as diferencia e caracteriza:

(...) enquanto a primeira dava origem a um parentesco civil


somente entre adotante e adotado sem desvincular o último da

14 NADER. Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 5. p. 515.
15 DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 496.
16 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 330.
17 DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 496.
18 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 332.
16

sua família de sangue, era revogável pela vontade das partes e


não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco
natural, como foi dito, a adoção plena, ao contrário, possibilitava
que o adotado ingressasse na família do adotante como se fosse
filho de sangue, modificando-se o seu assento de nascimento
para esse fim, de modo a apagar o anterior parentesco com a
família natural.

Seguindo na linha histórica, com o advento da Constituição


da República Federativa do Brasil de 198819, entende Lôbo20, que “não há mais
filho adotivo, mas adoção, entendida como meio para filiação, que é única”.
Assim, do momento da conclusão da adoção, com a sentença judicial e o registro
de nascimento, o adotado se converte integralmente em filho.

Isto porque o §6º21 do artigo 227 da Constituição Federal de


1988, assim prevê:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar


à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por


adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Neste sentido, o referido texto constitucional, na visão de


Bordallo22:

(...) trouxe nova roupagem para o Direito de Família, e,


consequentemente, para a adoção. Em decorrência desta nova
disciplina da matéria, surge a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
– Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz, em seu bojo,
nova sistemática para a adoção de crianças e de adolescentes.

19 Doravante denominada Constituição Federal de 1988.


20 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 272.
21 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.

167.
22 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 201.
17

Passa-se a ter dois regramentos: a adoção regida pelo ECA


restrita a crianças e adolescentes e promovida judicialmente e a
adoção de maiores de 18 anos, regulada pelo Código Civil de
1916 e instrumentalizada através de escritura pública.

Nesta senda, o instituto da adoção, agora regulamentado


pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxe como principal inovação a
regra de que a adoção seria sempre plena para os menores de 18 anos, e a
adoção simples, por outro lado, ficaria restrita aos adotandos que já tivessem
completado essa idade. 23

Assim, passaram a coexistir dois tipos de adoção no Brasil:


a civil, ou restrita, eis que “não integrava o menor totalmente na família do
adotante, permanecendo o adotado ligado aos seus parentes consanguíneos”,
regida pelo Código Civil de 1916; e a estatutária, ou plena, “que promovia a
absoluta integração do adotado na família do adotante, desligando-o
completamente de seus parentes naturais”24.

Após, com o advento do Código Civil de 2002, passou a


existir um regime jurídico único para a adoção: o judicial. Por esta razão, o art.
1.623 do Código Civil dispõe que, qualquer que seja a idade do adotando, será
judicial o processo para adoção. Assim, foram aplicados, tanto o Estatuto da
Criança e do Adolescente, quanto o Código Civil, de forma que ambos não se
conflitavam, contudo, o Estatuto era muito mais minucioso que o Código civilista.25

No curso desta história, chegou-se na última legislação que


modificou o instituto da adoção, que foi a Lei 12.010/2009, mais conhecida como
a Lei Nacional da Adoção.

A nova norma, na visão de Tartuce26:

23 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 6. p. 332.
24 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 332.
25 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 201.
26 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
18

(...) revogou vários dispositivos do CC/2002 que tratavam da


adoção (arts. 1.620 a 1.629), alterando, ainda, os arts. 1.618 e
1.619 da atual codificação. Atualmente, a matéria ficou
consolidada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei
8.069/1990), que do mesmo modo teve vários dos seus comandos
alterados.

Com a revogação dos artigos do Código Civil referentes à


adoção pela Lei nº 12.010/09, restaram apenas dois: os artigos 1.618 e 1.619 os
quais, na visão de Bordallo27:

(...) o primeiro deles dispõe que a adoção de crianças e


adolescentes será regida pelas normas constantes do Estatuto da
Criança e do Adolescente. O segundo artigo cuida da adoção de
pessoas maiores de 18 anos, determinando que sua constituição
se dará através de processo judicial e que serão aplicadas, no que
couber, as regras do ECA.

Como pode ser observado, o instituto da adoção foi


recepcionado pela legislação pátria quando da promulgação do Código Civil de
1916 e, de lá até a presente data, sofreu inúmeras alterações legais, desde o
caráter contratualista de antes, até o reconhecimento da adoção judicial, trazendo
ao instituto uma série de aprimoramentos e alterações.

1.2 ASPECTOS ATUAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO:

1.2.1 Adoção: conceito e natureza jurídica

O termo adoção se origina do latim, de adoptio, que significa


tomar alguém como filho. Juridicamente, embora a adoção tenha recebido da
doutrina diversos conceitos, todos acordam que existe a criação do vínculo
jurídico de filiação, portanto, não há divergência no sentido de que a adoção
confere a alguém o estado de filho.28

Paulo:
Método, 2015. p. 988.
27 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 201.
28 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da
criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 205.
19

Entende-se por adoção o ato jurídico em sentido estrito, de


natureza complexa, haja vista depender de decisão judicial para que possa
produzir seus efeitos. Não se trata de negócio jurídico unilateral, e por dizer
respeito ao estado de filiação, que é indisponível, não pode ser revogada. 29

No entendimento de Queiroz30, a adoção nada mais é do


que “a ficção jurídica que estabelece judicialmente, de maneira irrevogável e para
todos os fins de direito, um vínculo de filiação e paternidade entre pessoas que
não o possuíam”.

A adoção, modalidade de filiação, na visão de Araujo


Júnior31:

(...) é um negócio jurídico irrevogável que cria vínculo de


paternidade ou maternidade entre duas pessoas. Em outros
termos, a adoção atribui a condição de filho ao adotado (filiação
artificial), com os mesmos direitos e deveres dos filhos naturais,
inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais
e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41,
Lei nº 8.069/90-ECA), estabelecendo, de outro lado, relação de
parentesco entre o adotado e todos os parentes do adotante (art.
1.628, fine, CC).

Com relação à natureza jurídica da adoção, a doutrina


diverge em cinco correntes diferentes, sendo elas: instituição, ato jurídico, ato de
forma híbrida, contrato e ato complexo. De todas elas, duas são as mais comuns:
a que trata a adoção como contrato advindo do Código de 1916, portanto hoje se
encontra abandonada, e a segunda e mais forte corrente, é a que trata a adoção
como um ato complexo, pois passa pelo momento negocial das partes
interessadas e, posteriormente, pela intervenção do Estado.32

29 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 273.
30 QUEIROZ, George Justino de. In: BAPTISTA, Sílvio Neves (Coord.). Manual de direito de
família. Recife: Bagaço, 2010. p. 289.
31 ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática no direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas,

2016.p. 89.
32 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da

criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 205.
20

A natureza jurídica da adoção pode ser definida, na visão de


Queiroz33, como um:

(...) ato jurídico complexo, bilateral, havendo preliminarmente a


fase negocial, com a manifestação da vontade das partes
interessadas, aperfeiçoando-se posteriormente na fase judicial,
em que o Estado verifica se é oportuna e conveniente a adoção
para o caso concreto.

Apesar de controvertidas as teses acerca da natureza


jurídica da adoção, esta não estampa mais o caráter contratualista de outrora
praticado pelo adotante e adotado, haja vista que com o advento da Constituição
Federal de 1988, fixaram-se as regras segundo as quais o Poder Público dará
assistência aos atos de adoção.34

Portanto, é nítido o reconhecimento da natureza jurídica da


adoção como um ato complexo que, inicialmente, revela a vontade das partes,
para depois haver a intervenção do Estado, do qual resulta no vínculo entre
adotante e adotado, que se estende para os demais parentes, possuindo o
adotado os mesmos direitos que os filhos biológicos.

1.2.2 Princípios referentes à adoção:

1.2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana


A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º35 assim se
refere à dignidade humana:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

(...)
III. a dignidade da pessoa humana;

33 QUEIROZ. George Justino de. In: BAPTISTA, Sílvio Neves (Coord.). Manual de direito de
família. Recife: Bagaço, 2010. p. 290.
34 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 6. p. 330.
35 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.
2.
21

Trata-se do princípio fundador do Estado Democrático de


Direito, afirmado no primeiro artigo da Constituição Federal. O constituinte,
preocupado com a promoção dos direitos humanos e da justiça social, consagrou
a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional36.

A dignidade da pessoa humana, no entendimento de Lôbo37,


“é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas
humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral
de respeito, proteção e intocabilidade”.

Para Gagliano e Pamplona Filho38, “Mais do que garantir a


simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente,
sem quaisquer intervenções espúrias — estatais ou particulares — na realização
dessa finalidade”.

A esse respeito, o vigente Código Civil trata em vários


dispositivos da proteção à dignidade da pessoa humana, especialmente, no livro
do Direito de Família, que contém normas atualizadas e adequadas à evolução
recebida pela Constituição Federal de 1988, que revolucionou o direito de família
trazendo os princípios de igualdade no casamento e na filiação e o acolhimento
da união estável como entidade familiar (arts. 226, caput e §§ 3º e 5º, e 227, §
6º).39

Neste sentido, nas relações familiares, no entender de


Monteiro40:

(...) acentua-se a necessidade de tutela dos direitos da


personalidade, por meio da proteção à dignidade da pessoa
humana, tendo em vista que a família deve ser havida como

36 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 65.
37 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 60.
38 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 66.


39 MONTEIRO, Whashington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito

civil 2: direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 21.
40 MONTEIRO, Whashington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito

civil 2: direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 21.
22

centro de preservação da pessoa, da essência do ser humano,


antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade.

Desta forma, a “dignidade da pessoa humana encontra na


família o solo apropriado para florescer”41. Contudo, a aplicação deste princípio
não se limita à esfera do Direito de Família, pois tutela de forma genérica os
direitos da personalidade da pessoa física.42

Assim, trata-se a dignidade humana de um princípio


essencial trazido pelo texto constitucional que preserva os direitos da pessoa
humana de forma que não seja violada a dignidade que lhe é assegurada.

1.2.2.2 Princípio da afetividade


O princípio da afetividade é o princípio fundamental e
norteador do atual direito de família, que se aplica na estabilidade das relações
socioafetivas e na comunhão de vida entre as pessoas, pelo qual prevalece em
relação às questões de caráter patrimonial ou biológico”.43

Assim, entende-se que os laços afetivos são oriundos da


convivência familiar e não do caráter consanguíneo, haja vista que “a posse de
estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com claro
propósito de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado”.44

Neste sentido, Gagliano e Pomplona Filho45 afirmam a


importância do liame socioafetivo em preponderância com o biológico:

O que vivemos hoje, no moderno Direito Civil, é o reconhecimento


da importância da paternidade (ou maternidade) biológica, mas
sem fazer prevalecer a verdade genética sobre a afetiva. Ou seja,
situações há em que a filiação é, ao longo do tempo, construída
com base na socioafetividade, independentemente do vínculo
genético, prevalecendo em face da própria verdade biológica.

41 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 66.
42 NADER. Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

v. 5. p. 67.
43 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.
44 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013. p. 73.
45 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 553.


23

Por esta razão, é que o princípio da afetividade faz surgir a


igualdade entre irmãos, biológicos e adotivos, bem como assegura seus direitos
fundamentais.46

O referido princípio, recepcionado pela reciprocidade de


sentimentos e de responsabilidades, trouxe para o direito das famílias relevantes
conquistas. Embora não esteja positivado na Constituição Federal de 1988, é
considerado um princípio jurídico, tendo em vista que seu conceito é formado em
razão de uma interpretação do artigo 5º, § 2º do texto constitucional, que
possibilita a aplicação de outros direitos e garantias que não estejam expressos
constitucionalmente.47

No entendimento de Lôbo48, o princípio da afetividade


especializa, no âmbito familiar:

(...) os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da


pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e
entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da
igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a
natureza cultural e não exclusivamente biológica da família.

Assim, entendem Gagliano e Pamplona Filho49 que, diante


das relações afetivas, “O amor — a afetividade — tem muitas faces e aspectos e,
nessa multifária complexidade, temos apenas a certeza inafastável de que se
trata de uma força elementar, propulsora de todas as nossas relações de vida”.

O instituto jurídico da adoção, revestido, essencialmente,


pelo elo afetivo, é insuperável quanto ao seu conteúdo social e humanitário, pois
na visão de Nader50:

(...) Mais do que uma relação jurídica, constitui um elo de


afetividade, que visa a substituir, por ato de vontade, o

46 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 73.
47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2014. P. 65.
48 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71.
49 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 78.


50 NADER. Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

v. 5. p. 514.
24

geneticamente formado pela natureza. Sob o ângulo moral, a


adoção apresenta um componente especial, nem sempre
presente na procriação: a paternidade desejada. Qualquer que
seja a motivação íntima, a adoção deve ser um ato de amor,
propósito de envolver o novo ente familiar com igual carinho e
atenção dispensados ao filho consanguíneo.

Por esta razão, por si só, o reconhecimento de um filho


socioafetivo ou a adoção de uma pessoa, já traduz uma atitude grandiosa, na qual
claramente se aduz que o vínculo afetivo se sobressai ao biológico, garantindo a
igualdade em relação aos demais filhos.

1.2.2.3 Princípio do melhor interesse


Trata-se do princípio que orienta o legislador, bem como o
aplicador do direito, o qual determina a prioridade das necessidades da criança e
do adolescente como critério de interpretação da lei, solução de conflitos, ou
elaboração de novas regras51.

Esta proteção, qual seja, de resguardar o melhor interesse


da criança, é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/1990), de forma que é considerada criança a pessoa com até 12 anos
incompletos, e adolescente, dos 12 até os 18 anos de idade.52

O princípio do melhor interesse, segundo a Convenção


Internacional dos Direitos da Criança de 1990, no dizer de Lôbo53, significa que a
criança, incluído o adolescente,

(...) deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado,
pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na
aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas
relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada
de dignidade.

Assim, a referida Convenção de 1990, que resguarda os


direitos da criança, recomenda que a infância terá prioridade em caráter imediato
e absoluto, pelo qual necessita de consideração especial, de forma que sua

51 AMIN, Andréa Rodrigues. Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. In:


MACIEL, Kátia (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos Teóricos e
Práticos. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 28.
52 TARTUCE, Flávio. Direito civil. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 35
53 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 76.
25

proteção deverá se sobrepor às medidas econômicas, sendo garantidos


universalmente seus direitos fundamentais54.

Portanto, “é dever dos pais e responsáveis garantir às


crianças proteção e cuidados especiais e, na falta destes, é obrigação do Estado
assegurar que instituições e serviços de atendimento o façam” 55.

Em suma, há uma obrigação conjunta que alia o Estado, a


sociedade e a família a fim de assegurar às crianças e adolescentes prioridade de
tratamento, garantidos pela Constituição Federal de 1988, Convenção de 1990 e,
principalmente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.2.2.4 Princípio da igualdade entre todos os filhos


A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, §6º56,
assim se refere ao princípio da igualdade dos filhos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar


à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por


adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O dispositivo constitucional acima mencionado estabelece


absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a antiquada distinção
entre filiação legítima ou ilegítima e adotiva, trazida pelo Código Civil de 1916.
Hoje, todos são apenas filhos, tanto os havidos fora do casamento ou em sua

54 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. p. 54.
55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. p. 54.
56 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p.167.
26

constância, ambos possuem os mesmos direitos e qualificações, conforme consta


também no artigo 1.596 do Código Civil57.

Portanto, o direito de família passou por grandes mudanças


com o advento da Constituição Federal de 1988, pois, segundo Lôbo58:

(...) a desigualdade entre filhos, particularmente entre filhos


legítimos, ilegítimos e adotivos, era a outra e dura face da família
patriarcal que perdurou no direito brasileiro até praticamente os
umbrais da Constituição de 1988, estruturada no casamento, na
hierarquia, no chefe de família, na redução do papel da mulher,
nos filhos legítimos, nas funções de procriação e de unidade
econômica e religiosa. A repulsa aos filhos ilegítimos e a condição
subalterna dos filhos adotivos decorriam naturalmente dessa
concepção.

Desta forma, conforme se demonstra, não existe mais


distinção entre família legítima e ilegítima, existente na legislação anterior à
Constituição Federal de 1988, bem como, não há nenhuma expressão que
deprecie ou estabeleça tratamento diferente entre os membros da mesma
família59.

Assim, é certo que o princípio da igualdade entre os filhos


está intimamente ligado às relações afetivas, pois, na visão de Albuquerque60, “o
reconhecimento da igualdade dos filhos, independentemente da origem, revela o
novo suporte fático das relações familiares, qual seja: a afetividade. ”

Assim, restou abandonada a diferenciação entre filhos


legítimos e não legítimos trazidos pelo Código Civil de 1916 e, posteriormente,
com o advento da Constituição Federal de 1988 se estabeleceu o tratamento
igualitário entre todos os filhos, sejam eles biológicos ou não.

57 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 6. p. 26.
58 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 218.
59 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 544.


60 ALBUQUERQUE, Fabiola Santos. Adoção à brasileira e a verdade no registro civil. p. 3.

Disponível em: <www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/14.pdf>. Acesso em 24 de abril de


2017.
27

1.2.3 Pressupostos legais da adoção

A Lei Nacional da Adoção (Lei 12.010/09), embora tenha


sido criada com o intuito de aprimorar o instituto da adoção, acabou por dificultar
em vários aspectos, pois revela a preferência da adoção pela família biológica, o
que leva o Poder Judiciário a demorar o processamento da adoção pela busca
por algum parente que deseje adotar.61

Assim, ressaltam Monteiro e Tavares da Silva62 sobre o


esgotamento do liame biológico, para que posteriormente seja possibilitada a
adoção:

É relevante ressaltar que a adoção é medida excepcional, à qual


se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de
manutenção da criança ou adolescente na família natural ou
extensa (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 39, §1º). A
Lei n. 12.010/2009 enfatiza essa prevalência da família
consanguínea, em seu art. 1º, § 2º.

Neste sentido, um dos requisitos principais para que o


adotante consiga a adoção pretendida é a anuência dos pais naturais do
adotando ou de seus representantes legais, exceto quando os pais são
desconhecidos ou foram destituídos do seu poder familiar (art. 45§1º ECA).63
Nesse caso, “havendo a concordância dos genitores, eles terão suas declarações
reduzidas a termo, perante o juiz de direito, na presença do promotor de justiça”.64

Além disso, outra regra estabelecida pelo Estatuto da


Criança e do Adolescente, em seu artigo 40, trata dos legitimados para a adoção,
de modo que o adotando deve ter, no máximo, 18 anos de idade. Aos maiores de
idade a Lei é aplicada no que couber. Em relação ao adotante,
independentemente do estado civil, podem adotar os maiores de 18 anos de

61 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 515.
62 MONTEIRO, Whashington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito

civil 2: direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 299.
63 ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática no direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas,

2016. p. 90.
64 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012.v. 5. p. 279.


28

idade, exceto os irmãos ou ascendentes do adotando, sendo possível, nesse


caso, o deferimento de tutela ou de guarda. 65

Além do limite mínimo de idade, o Estatuto da Criança e do


Adolescente em seu artigo 42, § 3º, estabelece uma diferença de dezesseis anos
de idade entre adotante e adotado, sob o fundamento de que a adoção imite a
natureza, sendo importante que o adotante seja mais velho, para desempenhar o
poder familiar com eficiência.66

No que diz respeito ao processo de inscrição dos


interessados à adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 50,
determina que a inscrição seja realizada no respectivo cadastro estadual, bem
como o nacional. Assim, em cada comarca, o Poder Judiciário manterá um
registro das crianças e adolescentes aptas a serem adotadas.67

O deferimento da adoção somente se dará após ter sido


realizado o estágio de convivência, que na visão de Lisboa68:

(...) é o período de tempo em que a criança ou o adolescente


permanecerá, a título provisório, com aquele que pretende adotá-
lo. O estágio de convivência será fixado pelo juiz, somente se
admitindo a sua dispensa quando: - a criança tiver menos de um
ano de idade; ou - a criança ou o adolescente já estiver na
companhia do requerente da adoção, sob tutela ou guarda, por
tempo suficiente para proporcionar a possibilidade de avaliação da
situação.

Tartuce69 aponta os requisitos legais da adoção:

(...) a adoção sempre depende de sentença judicial no atual


sistema, seja relativa a maiores ou menores, devendo esta ser
inscrita no registro civil mediante mandado (art. 47 do ECA). O
processo de adoção corre na Vara da Infância e Juventude nos
casos de menores e na Vara da Família em casos de maiores,

65 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 583.
66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 345.
67 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.288.
68 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: direito de família e sucessões. 7. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012.v. 5. p. 280.


69 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São

Paulo: Método, 2015 p. 989.


29

sempre com a intervenção do Ministério Público, pois se trata de


questão relativa a estado de pessoas e a ordem pública.

Diante dos requisitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança


e do Adolescente, incorporados pela Lei 12.010/09, o artigo 48 do ECA assegurou
ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica, por meio do processo de
adoção70.

Vários são os pressupostos legais da adoção. A exigência


desta vasta quantidade de requisitos legais visa garantir que a adoção sempre
leve em conta o melhor interesse do adotando.

1.2.4 Efeitos jurídicos da adoção

Inicialmente, o efeito jurídico determinante na adoção é a


relação de parentesco que se cria entre o adotante e o adotado, pelo qual se
equipara ao biológico, conforme preconiza o artigo 227, §6º da Constituição
Federal. Da mesma forma, ensina o artigo 41, caput, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que a adoção confere ao adotado a condição de filho, com iguais
direitos e deveres, inclusive sucessórios, no qual se desvincula dos parentes
consanguíneos, exceto os impedimentos matrimoniais. 71

De forma concisa, Lôbo72 aponta os principais efeitos


jurídicos da adoção:

Os efeitos específicos em face do adotante e de seus parentes,


tendo em vista que a adoção integra totalmente o adotado na
família daquele, são de três ordens: a) constitui relação de
parentesco com o adotante, assumindo este a posição de pai ou
mãe do adotado, com os direitos e deveres inerentes à
paternidade e maternidade, inclusive os do poder familiar; b)
constitui relação de parentesco entre o adotante e os
descendentes do adotado, ou seja, filhos e netos, que passam a
ser netos e bisnetos do primeiro; mas não há qualquer parentesco
do adotante com os parentes originários do adotado, porque estes
deixam de o ser; por exemplo, os irmãos biológicos do adotado
não mais serão seus irmãos, restando apenas a vedação do

70 DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013. p. 515.
71 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 347.
72 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 291.
30

incesto; c) constitui relação de parentesco do adotado com os


parentes do adotante, ou seja, de seus ascendentes e colaterais;
por exemplo, o pai do adotante passa a ser avô do adotado, o
irmão do adotante passa a ser tio do adotado, e assim
sucessivamente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina em seu


artigo 47, §7º, que os efeitos da adoção começam com o trânsito em julgado da
sentença. No entanto, de forma excepcional, o referido Estatuto trata em seu
artigo 42, §6º, que se o adotante vier a falecer no trâmite do processo de adoção,
neste caso, terá caráter retroativo à data do óbito, o que possibilita o deferimento
da adoção73.

A sentença judicial que constituiu o vínculo da adoção será


inscrita no registro civil por meio de mandado, contudo, não será fornecida
qualquer certidão, conforme preconiza o art. 47 do ECA, em razão da garantia
constitucional da preservação da intimidade e da vida privada.74

Da mesma forma, acerca do registro do adotado, entende


Gonçalves75:

Estatui o art. 47, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Criança e do


Adolescente que a inscrição da sentença de adoção consignará
os nomes dos adotantes como pais, bem como o nome de seus
ascendentes, sendo que o mandado judicial, que será arquivado,
cancelará o registro original do adotado. Nenhuma observação
sobre a origem da adoção poderá constar das certidões de
registro (art. 47, § 4º). O intuito é fazer com que caia no
esquecimento a paternidade biológica e haja uma integração total
do adotado na família do adotante.

Após deferida a adoção, esta “implica corte total em relação


à família de origem”76, todavia, a extinção do vínculo com a família biológica não
proíbe o adotado de conhecer sua origem biológica ou averiguar algum

73 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2015. p. 992.
74 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. p. 590.
75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 348.
76 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 288.
31

impedimento matrimonial, de forma que será realizada por meio do ajuizamento


de ação de investigação de paternidade.77

De todo modo, convém ressaltar um efeito importante acerca


da adoção: é um ato irrevogável eis que cria direitos e deveres recíprocos entre
adotante e adotado, haja vista a alteração do estado familiar do filho ante o
ingresso na família substituta.78

Com a adoção é concedida a inclusão do sobrenome do


adotante ao adotado. Assim, afirma Araujo Júnior79:

A adoção confere ao adotado o sobrenome do adotante. Havendo


pedido expresso do adotante ou do adotando, poderá o juiz
autorizar também a modificação do prenome, conforme norma do
art. 1.627 do CC: “A decisão confere ao adotado o sobrenome do
adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se
menor, a pedido do adotante ou do adotado.

Além disso, apesar de notório, importante salientar os efeitos


de cunho patrimonial conferidos ao adotado, que tratam dos alimentos e da
sucessão. Os alimentos são devidos de forma recíproca, entre adotante e
adotado, uma vez que se tornam parentes, isto é, “a prestação de alimentos é
decorrência normal do parentesco que então se estabelece”.80

Em relação aos efeitos sucessórios advindos da adoção, em


razão do princípio da igualdade entre os filhos, o adotado concorre de forma igual
com os demais filhos, por determinação do artigo 227, §6º da Constituição
Federal. Em igual sentido, há determinação expressa do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 41 §2º, sobre a reciprocidade do direito sucessório

77 NADER. Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 5. p. 538.
78 MONTEIRO, Whashington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito

civil 2: direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 304.
79 ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática no direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas,

2016. p. 91.
80 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,

2012. v. 6. p. 350.
32

entre o adotado e o adotante, bem como, os parentes, desaparecendo qualquer


vínculo de parentesco com os pais consanguíneos.81

Por último, destaca-se a possibilidade de anulação judicial


da adoção, nos casos em que ocorra ofensa às prescrições legais, quando há
vicio no consentimento de vontade. O prazo prescricional para a ação anulatória é
igual aos casos de ações pessoais em geral, ou seja, de 10 anos, conforme
estabelecido pelo artigo 205 do Código Civil.82

Assim, nota-se que a adoção traz uma série de efeitos


jurídicos que se dão posteriormente à sentença transitada em julgado, ocorrendo
a formação da relação de parentesco entre o adotante e adotado, desligando-se
totalmente da família consanguínea, relação esta que atribui direitos e deveres
recíprocos, inclusive os sucessórios, advindos do texto constitucional que
determina a igualdade de direitos do adotado em relação aos demais filhos
consanguíneos.

Contudo, à margem da adoção legal (regular), existem casos


em que as crianças são adotadas irregularmente, e, portanto, no capítulo seguinte
será apresentado o instituto da Adoção Brasileira e seus aspectos criminais, no
qual será demonstrada inicialmente, a função protetora do direito penal acerca
dos bens jurídicos, bem como a proteção estatal da família e do estado de
filiação, pela esfera penal, para posteriormente apresentar o referido instituto.

81 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 6. p. 350.
82 MONTEIRO, Whashington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito
civil 2: direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 306.
Capítulo 2

ADOÇÃO À BRASILEIRA: ASPECTOS CRIMINAIS E CÍVEIS

2.1 O DIREITO PENAL E A FUNÇÃO PROTETORA DOS BENS JURÍDICOS

O Direito Penal foi criado em razão da necessidade do


homem, diante da luta pela sobrevivência, de desenvolver mecanismos para a
defesa dos seus conflitos, de modo que, através de um ente (Estado), criou-se
uma forma de controle social institucionalizado, tendo como integrante o sistema
penal, do qual faz parte o Direito Penal.83

Desta forma, a finalidade imediata e principal do Direito


penal consiste na proteção dos bens mais importantes e necessários para a
própria sobrevivência da sociedade, ou seja, os bens jurídicos.84

A definição acerca do bem jurídico passou por uma série de


modificações desde o século XIX, e apesar de não possuir um conceito absoluto,
atualmente diz ser um bem jurídico, todo o objeto legitimamente protegido pelas
normas elaboradas por um Estado democrático de direito, que tenha como
escopo assegurar aos cidadãos uma coexistência livre e pacífica em sociedade e
ao mesmo tempo, o respeito pelos direitos humanos.85

Assim, o bem jurídico deve ser concebido como um


interesse humano concreto, eis que são imprescindíveis para a sua sobrevivência
em sociedade, como a vida, a saúde, a liberdade ou a propriedade, os quais
necessitam de proteção pela esfera penal.86

83 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
190.
84 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 2.
85 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.
1. p. 43.
86 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.
34

Certamente, nem todo o bem tutelado existente no


ordenamento jurídico deve, necessariamente, obter amparo pela via penal, daí o
princípio da intervenção mínima, isto é, só serão reservados os bens mais
relevantes pela esfera penal, portanto, haverá proteção do bem jurídico apenas
para as condutas que possam, efetivamente, causar algum dano ou perda do
referido bem.87

Deste modo, sustenta o princípio da intervenção mínima a


necessidade de ser o Direito Penal subsidiário, ou seja, somente atua como
ultima ratio, quando os demais ramos do Direito falharem. É em decorrência desta
proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, que deriva o
princípio da fragmentariedade, ocupando-se somente de parte dos bens jurídicos
protegidos pela ordem jurídica.88

Assim sendo, antes de se recorrer ao Direito Penal,


Bitencourt89 entende que:

(...) deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle


social, e somente quando tais meios se mostrarem inadequados à
tutela de determinado bem jurídico, em virtude da gravidade da
agressão e da importância daquele para a convivência social,
justificar-se-á a utilização daquele meio repressivo de controle
social.

Para tanto, o Direito Penal exerce a função protetora dos


bens jurídicos por meio da pena, ou seja, trata-se de um instrumento de coerção
para a proteção tanto dos bens, quanto dos valores e interesses mais
significativos da sociedade.90

1. p. 42.
87 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
p. 58.
88 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
47.
89 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.
1. p. 52.
90 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 2.
35

O Direito Penal protege, dentro de sua função ético-social,


no conhecer de Bitencourt91:

(...) o comportamento humano daquela maioria capaz de manter


uma mínima vinculação ético-social, que participa da construção
positiva da vida em sociedade por meio da família, escola e
trabalho. O Direito Penal funciona, num primeiro plano, garantindo
a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade,
e, em um segundo, reage, diante do caso concreto, contra a
violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena
correspondente.

Portanto, o Direito Penal, por meio do Estado, exerce a


proteção dos bens jurídicos mais importantes mediante a tipificação de
comportamentos e imposição de sanções para as pessoas que violarem as regras
(tipicidade e pena).92

Por conseguinte, destaca-se que a missão do Direito Penal,


bem como a da pena, consiste na realização do controle social do intolerável, isto
é, onde as demais normas de preservação da estrutura social revelam-se
insuficientes.93

Sendo assim, o Direito Penal exerce a função protetora dos


bens jurídicos, aqueles imprescindíveis para a vida e a sociedade, com a
tipificação de penas e imposição de sanções quando violados, após terem sido
esgotadas todas as formas de proteção desses bens.

2.1.1 A importância da Família como bem jurídico penalmente tutelado

O conceito de família não é algo que possa ser definido de


forma absoluta, tendo em vista seu caráter complexo diante da evolução dos
costumes da sociedade, no entanto, é necessário que se tenha uma noção do
objeto, de forma que se entende, em sentido amplo, por família como sendo uma

91 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.
1. p. 44-45.
92 CHAVES JUNIOR, Airto; OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o direito penal? uma análise
criminológica da seletividade dos segmentos de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2014. p. 19.
93 BUSATO, Paulo César. Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 17.
36

“instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no
propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da
convivência ou [...] descendem uma da outra ou de um tronco comum”.94

A concepção de família passou por uma longa evolução


histórica, desde a existência da organização patriarcal, em que o pai exercia a
autoridade plena sobre os filhos, que perdurou até o século XX, até o moderno
formato de família, que apresenta um número reduzido de membros, diante da
necessidade laboral da mulher na contribuição do sustento do lar, além de
situações problemáticas no que tange ao desenvolvimento dos filhos, eis que se
tornam mais precoces e independentes.95

Diante deste novo modelo de família, passaram a existir


alguns problemas. Pereira96 assevera que:

Obviamente, surgem e crescem problemas sociais. Levanta-se em


nosso tempo o mais grave de todos, que é o referente à infância
abandonada e delinquente, o da juventude que procura no uso
das drogas uma satisfação para anseios indefinidos. Tudo isso
suscita novo zoneamento de influências, com a substituição da
autoridade paterna pela estatal. Em contrapartida, a família
necessita de maior proteção do Estado, (Constituição, art. 226), e
tanto mais adiantado um país, quanto mais eficiente esta se deve
fazer sentir.

Portanto, a Constituição Federal de 1988, por meio de seu


art. 226, determina que a família, sendo a base da sociedade, tem especial
proteção do Estado, e uma dessas proteções estatais é alcançada, justamente,
por intermédio do Direito Penal.97

94 NADER. Paulo. Curso de direito civil: direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
v. 5. p. 40.
95 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. v. 5. p. 42,46.
96 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. v. 5. p. 46.
97 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 713.
37

O bem jurídico da família assegurado pelo Código Penal, se


encontra especificamente no Título VII, que trata dos crimes contra a família,
dispostos nos artigos 235 a 249, que na visão de Jesus98:

Considera o legislador a família como indispensável instrumento


de controle social, tal como concebida na civilização cristã
ocidental, e como centro de onde irradia a vida social da Nação.
Com efeito, é na organização familiar que o indivíduo nasce,
cresce e se desenvolve, física e espiritualmente. Protegendo a
família, está o legislador a proteger também a formação moral e
intelectual do indivíduo, que, adulto, contribuirá para o progresso e
aperfeiçoamento da sociedade.

Antigamente, o Direito Penal era dispensado em face de


algum conflito, uma vez que a imposição moral já bastava em razão dos laços
sólidos que a família mantinha. Atualmente, em razão de haver o afrouxamento
destes laços, foi necessária a intervenção do Direito Penal com a aplicação de
medidas coercitivas.99

Dentre os crimes contra a família, tipificados no Código


Penal, no Título VII, dividem-se em quatro Capítulos: I) dos crimes contra o
casamento; II) dos crimes contra o estado de filiação; III) dos crimes contra a
assistência familiar e IV) dos crimes contra o pátrio poder, tutela e curatela.100

Os crimes contra o casamento, previstos nos artigos 235 a


239 do Código Penal são os seguintes: Bigamia, Induzimento a erro essencial e
ocultação de impedimento, Conhecimento prévio de impedimento, Simulação de
autoridade para celebração de casamento e Simulação de casamento.101

98 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
223.
99 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 515.
100 BRASIL. Código Penal. Título VII, dos crimes contra a família. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 05 de
setembro de 2017.
101 Um exemplo que merece ser mencionado acerca da proteção ao bem jurídico da família
(casamento) é a monogamia no casamento, ou seja, o ordenamento jurídico escolhe a relação
matrimonial monogâmica como bem jurídico tutelado, dando lugar a várias regras jurídicas, com
diferentes valorações, bem como uma norma concreta, proibitiva, que pune aquele que lesionar
esse bem jurídico, tipificado no artigo 235 do Código Penal. In: NUCCI, Guilherme de Souza.
38

Com relação aos crimes contra o estado de filiação,


tipificados nos artigos 241 a 243, são os seguintes: Registro de nascimento
inexistente, Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado
civil de recém-nascido e Sonegação de estado de filiação. Referidos dispositivos
legais serão melhores apresentados no item seguinte.

Contudo, destaca-se que em relação a este bem jurídico,


são previstas diversas figuras de falsidade, de forma que o Código Penal visa
garantir a segurança do estado de filiação. Portanto, “os direitos resultantes da
filiação são de extrema relevância, dadas as inegáveis repercussões que têm no
corpo social”.102

No que se referem os crimes contra a assistência familiar,


elencados nos artigos 244 a 247 do Código Penal, são os seguintes: Abandono
material, Entrega de filho menor a pessoa inidônea e Abandono intelectual. 103

Por último, encontram-se os crimes contra o pátrio poder,


tutela e curatela, previstos nos artigos 248 e 249 do Código Penal, que são os
seguintes: Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes e
Subtração de incapazes.

Repare-se que a família é um bem jurídico de extrema


importância, eis que é a base da sociedade, e que diante da sua
imprescindibilidade, é tutelado também pelo Código Penal, o qual dispõe dos
crimes contra a família e impõe sanções específicas quando violados.

2.1.2 Proteção do Estado de Filiação e violação ao bem jurídico

Conceitua-se o estado de filiação, sob a égide do Direito


Civil, como “a relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou

Manual de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 58.
102JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
225.
103Ilustrativamente, os dispositivos legais expostos acima, que tratam da assistência familiar,
obrigam por meio da sanção penal, a ajuda mútua dos membros da família, em suas
necessidades. In: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed.
Bahia: Juspodivm, 2015. p. 515.
39

outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes


de primeiro grau”.104

No ordenamento jurídico brasileiro a prova da filiação se dá


por meio da certidão do registro do nascimento, de modo que este produz uma
presunção de filiação quase absoluta, eis que somente pode ser invalidado se
haver prova de erro ou falsidade.105

Desta forma, conforme mencionado no item anterior, o bem


jurídico do estado de filiação está assegurado no Código Penal, no Capítulo II,
nos artigos 241 a 243.

Inicia-se com o crime do Registro de nascimento inexistente,


previsto no art. 241106 do Código Penal: “Art. 241. Promover no registro civil a
inscrição de nascimento inexistente: Pena - reclusão, de dois a seis anos”.

Nesta conduta, o que se tutela é a regular formação da


família, especialmente a segurança das fontes probatórias do estado de filiação.
Destaca-se que o crime disposto no artigo acima, causa danos à fé pública,
assentada nos documentos oficiais.107

Neste caso, a essência do crime consiste no ato de falsificar


o documento público, que é agravado pelo fato de atingir o estado de filiação, de
forma que é consumado “com a efetiva inscrição no registro civil das pessoas
naturais de nascimento inexistente, independentemente da ocorrência efetiva de
prejuízo para alguém”.108

104TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2015. p. 332.
105 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 232-233.
106 BRASIL. Código Penal. Artigo 241. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 05 de
setembro de 2017.
107PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 698.
108BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v.
4. p. 208.
40

Logo em seguida, o Código Penal traz em seu art. 242109, as


condutas referentes ao parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente
ao estado civil de recém-nascido:

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho
de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de


reconhecida nobreza:

Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de


aplicar a pena.

O referido artigo tem por escopo proteger o estado de


filiação. Assim, “com a sua incriminação, protege-se, também, a regular
constituição da família, podendo-se visualizar, ainda, a proteção da fé pública do
Registro Civil”110.

Destaca-se que são quatro as modalidades do caput do


dispositivo legal acima mencionado. No primeiro delito, (de dar parto alheio como
próprio) “a mulher (crime próprio), sem gerar falso registro (que, em ocorrendo,
configurará a conduta seguinte) atribui a si mesma a maternidade de uma criança
não originária de seu ventre”.111

No que se refere ao segundo comportamento, (o de registrar


como seu filho o de outrem), o dispositivo sofreu modificação com o advento da
Lei n° 6.898/1981, o qual tipificou a figura do registro de filho alheio. A conduta
tipificada pelo Código Penal consiste na chamada “adoção à brasileira”, “por meio

109 BRASIL. Código Penal. Artigo 242. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 05 de
setembro de 2017.
110GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 699.
111CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 512.
41

da qual as pessoas, em vez de adotarem regularmente uma criança, a


registravam como seu filho”.112

No entanto, as peculiaridades desta conduta – registrar


como seu o filho de outrem -, será explanado no item seguinte, em razão de ser o
objeto desta pesquisa.

A terceira forma presente no artigo 242, (de ocultar recém-


nascido, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil) refere-se ao ato
de “ocultar (encobrir, esconder) o neonato, com a supressão (eliminação) de
direitos inerentes a seu estado civil, ou seja, o recém-nascido não é apresentado
para assumir seus direitos”.113

Com relação à última modalidade, (substituir recém-nascido,


suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil) assevera Prado114 que
“diz respeito à substituição de recém-nascidos. Noutro dizer: tipifica-se a troca de
recém-nascidos, da qual decorra a supressão ou alteração de direito inerente ao
estado civil”.

No que se referem às duas últimas modalidades de


comportamento inseridas pelo art. 242, caput, do Código Penal “ocultar recém-
nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”, o
ordenamento jurídico alude, expressamente, a figura do recém-nascido, de forma
que não se se pode incluir, por conseguinte, o natimorto.115

112JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
251.
113BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v.
4. p. 210.
114PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 702.
115GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 697.
42

Por fim, tutela-se o bem jurídico do estado de filiação acerca


do crime de sonegação de estado de filiação, previsto no art. 243116 do Código
Penal:

Art. 243 - Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de


assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou
atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao
estado civil:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O crime acima diz respeito ao ato de abandonar em abrigo


de crianças abandonadas ou outra instituição de assistência, seja pública ou
particular, filho próprio ou alheio, “ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra,
com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil”.117

A partir disso, Bitencourt destaca que “o simples abandono


de filho próprio ou alheio, por si só, é insuficiente para caracterizar esta infração
penal”. Para caracterizar a referida conduta, é necessário que o abandono tenha
sido acrescido da ocultação da filiação ou a atribuição de outra em lugar da
legítima. Além disso, vale dizer que para que seja configurado o afirmado crime, o
ato de abandonar deve ocorrer nos lugares informados pela lei, quais sejam: asilo
de expostos ou outra instituição similar.118

Os dispositivos apresentados (241 a 243) do Código Penal,


referem-se ao sujeito passivo como sendo qualquer pessoa, exceto quando se
tratar da conduta do art. 241 - dar parto alheio como próprio, em que somente a
mulher pode ser agente. Em relação ao sujeito passivo, em todas as

116 BRASIL. Código Penal. Artigo 243. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 05 de
setembro de 2017.
117CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 514.
118BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v.
4. p. 214.
43

modalidades, será o Estado, além de outras pessoas que eventualmente possam


ser prejudicadas.119

As referidas condutas tipificadas como crimes no Código


Penal refletem a “especial proteção que o legislador dispensa à família”, uma vez
que são “punidas as condutas que visem a destruir o liame que liga um indivíduo
à sua família”.120

Demonstra-se, portanto, que o Código Penal se dedica a


proteger o bem jurídico do estado de filiação, a fim de evitar que haja a perda do
vínculo existente entre uma pessoa e sua família, e, por conseguinte, trata de
tipificar as condutas que violem o referido bem.

2.2 ASPECTOS PENAIS COM REFLEXOS CÍVEIS NA PRÁTICA DA “ADOÇÃO


À BRASILEIRA”

Conforme mencionado no item anterior, será explanada


exclusivamente no presente item, a segunda modalidade de comportamento
prevista no art. 242, caput, do Código Penal, qual seja: registrar como seu o filho
de outrem.

O dispositivo acima mencionado teve sua alteração com o


advento da Lei n° 6.898/81, a qual incluiu a figura do registro de filho alheio,
conhecida como “adoção à brasileira”, “por meio da qual as pessoas, em vez de
adotarem regularmente uma criança, a registravam como seu filho”. A Lei ainda
trouxe mais uma hipótese de Perdão Judicial, tema que será abordado no capítulo
subsequente.121 Extrai-se do dispositivo referido:

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho
de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil:

119ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
346.
120JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
252.
121JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
251.
44

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

(...)

Neste sentido, no que concerne a segunda figura típica


presente no art. 242, caput, do Código Penal, que é a de registrar com seu o filho
de outrem, assevera Greco122 que é popularmente denominada "adoção à
brasileira", sendo muito comum sua prática, cometida, essencialmente, “por
famílias que atuam no sentido de ajudar um amigo, um parente próximo ou,
mesmo, uma pessoa estranha que não possui condições para criar e cuidar de
seu filho”.

No mesmo sentido, entende-se a prática da “adoção à


brasileira”, sob a égide do Direito Civil, como sendo aquela em que o agente,
declara falsamente a paternidade de criança nascida de outra mulher, sem
observância das exigências legais para adoção. O agente neste caso, é movido
“por intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a
tivessem gerado”.

Deste modo, para caracterizar a conduta “do registro do


filho”, o sujeito necessita ter inscrito no Registro Civil o nascimento da criança.
“Neste caso, existe o nascimento, mas o estado de filiação do menor é adulterado
pelo registro falso promovido pelos agentes”.123

Portanto, o tipo objetivo do crime apresentado, refere-se ao


ato de “registrar (escrever ou lançar) no registro civil, como sendo seu, filho de
outra pessoa”.124

Na mesma esteira, esclarece Prado125 que o agente, nesta


hipótese, ao declarar-se pai ou mãe de determinada criança - filho de outrem,

122GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 696.
123JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
254.
124BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v.
4. p. 210.
125 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
45

promove a inscrição de seu nascimento no registro civil. Em suma, apesar de


existir a criança registrada e seja real o seu nascimento, a filiação biológica não
corresponde à declarada.

Como mencionado alhures, a prática da “adoção à


brasileira”, não é incomum, e consiste no ato de registrar como próprio filho de
outrem, praticado pelo agente que não deseja se sujeitar ao procedimento legal
da adoção. 126

Destaca-se que no crime denominado popularmente como


“adoção à brasileira”, o sujeito ativo será qualquer pessoa, e em relação ao sujeito
passivo, será o Estado, além dos herdeiros127 que ocasionalmente forem
prejudicados, bem como as pessoas lesadas e os recém-nascidos.128

Desta forma, “tanto o homem quanto a mulher podem


praticar o comportamento típico”129. Contudo, não é raro acontecer de ambos,
marido e mulher, praticarem o referido crime, registrando a criança como se pais
biológicos fossem.

A pena cominada para o crime da adoção à brasileira, bem


como, a todas as condutas tipificadas no art. 242 do Código Penal, é a de
reclusão, de dois a seis anos.130

Tribunais, 2010. v. 2. p. 702.


126CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 273.
127Nesta hipótese, ilustrativamente, os herdeiros terão que dividir, indevidamente, sua parte na
herança com aquele que a ela não faz jus; do próprio recém-nascido, ou mesmo de outras
pessoas que foram lesadas com a prática da conduta. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. v. 3. p. 699.
128BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v.
4. p. 210.
129Assim, imagine-se a hipótese em que um homem assuma a paternidade do filho de sua
companheira, a quem conheceu depois do início de sua gravidez. In: GRECO, Rogério. Curso
de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. v. 3. p. 743.
130PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 704.
46

A prescrição da conduta apresentada, “somente começa a


correr da data em que o fato se tornar conhecido, tal como prevê o art. 111, IV, do
CP”131. Diz o seguinte:

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença


final, começa a correr:

(...)

IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de


assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou
conhecido.

(...)

Por outro lado, o parágrafo único do artigo 242 do Código


Penal, traz a figura privilegiada, na qual confere a pena de detenção, para um a
dois anos. E ainda, em se tratando de crime praticado por reconhecida nobreza, o
magistrado pode deixar de aplicar a sanção, aplicando-se o Perdão Judicial.132

Neste caso, a lei permite ao julgador escolher entre duas


opções, na visão de Greco133:

A primeira delas, depois de concluir que o fato é típico, ilícito e


culpável, condenar o agente pela prática do delito previsto pelo
parágrafo único do art. 242 do Código Penal, que prevê uma
modalidade privilegiada de parto suposto; a segunda opção, que
dependerá da sensibilidade do julgador no caso concreto, será a
concessão do Perdão Judicial, deixando de aplicar a pena. O juiz
deverá, portanto, analisar, principalmente, a culpabilidade do
agente, a fim de concluir, entre as opções que lhe são fornecidas
pela lei, qual delas é a que melhor se aplica ao caso concreto, ou
seja, aquela que melhor atenderá aos critérios de uma boa política
criminal.

A possibilidade da aplicação do Perdão Judicial será


explanada no terceiro capítulo, em razão de ser o objeto desta pesquisa.

131CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 514.
132PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 704.
133GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. v. 3. p. 701.
47

Neste sentido, devem-se analisar os reflexos cíveis oriundos


do crime da adoção à brasileira, uma vez que diante do caso concreto, constrói-se
o vínculo afetivo e passa a existir a paternidade socioafetiva.

Por esta razão, importante destacar que apesar de existir a


falsificação na declaração, isto é, a prática da “adoção à brasileira”, não basta
para desconstituir a posse do estado de filiação, uma vez que se estabelece a
partir da convivência construída. Assim, afirma Lôbo134:

A convivência familiar duradoura transforma a “adoção à


brasileira” em posse de estado de filho, que é espécie do gênero
estado de filiação, que independe do fato originário da falsidade
ou não da declaração. Bastam para a posse do estado de filho o
nome, o tratamento e a reputação, que são consolidados na
convivência familiar duradoura.

Neste sentido, Albuquerque135 defende que uma vez


configurada a posse de estado de filho, há de se reconhecer favoravelmente a
preservação das relações familiares, de modo que a origem do vínculo não é mais
relevante do que a situação fática em si. Para ela, é “descabido falar em falsidade
do registro se ele materializa uma relação em que a posse de estado (filho/pai) já
ingressou na realidade social e jurídica”.

No tocante aos efeitos oriundos da adoção irregular, Dias136


ensina que da mesma forma que ocorre com a adoção legal, na adoção irregular,
o pai substituto que espontaneamente registrou o filho, diante do vínculo afetivo,
não pode alegar arrependimento. A autora explica:

A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado


de modo espontâneo, por meio da adoção à brasileira, passou a
não admitir a anulação do registo de nascimento, considerando-o
irreversível. (...) E como a adoção é irrevogável (ECA 39 §1º), não
se pode conceder tratamento diferenciado a quem faz uso de
expediente ilegal.

134 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 251.
135ALBUQUERQUE, Fabiola Santos. Adoção à brasileira e a verdade no registro civil. p. 13.
Disponível em: <www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/14.pdf>. Acesso em 24 de abril de
2017.
136 DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 509.
48

Portanto, os efeitos oriundos da adoção irregular,


denominada “adoção à brasileira”, possuem as mesmas características da adoção
reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que se torna
irrevogável, não admitindo arrependimento posterior, salvo se emanado de vício
de vontade.

Neste sentido, Tartuce137 explica que há controvérsia


doutrinária e jurisprudencial no que diz respeito à equiparação dos efeitos da
adoção irregular para a adoção legal. Afirma que “existem decisões que concluem
pela não prevalência da parentalidade socioafetiva sobre a biológica”, como o
Informativo n. 512 do STJ, que diz: a filiação socioafetiva vinculada aos pais
registrais “não afasta os direitos do filho resultantes da filiação biológica, não
podendo, nesse sentido, haver equiparação entre a ‘adoção à brasileira’ e a
adoção regular”. Contudo, de modo contrário ao Informativo, e posicionando-se
na defesa da filiação socioafetiva, o Autor afirma:

A defesa de aplicação da parentalidade socioafetiva, atualmente,


é muito comum entre os doutrinadores do Direito de Família. Na
IV Jornada de Direito Civil, de 2006, foram aprovados três
enunciados doutrinários relativos ao tema. O primeiro, de número
339, prevê que “A paternidade socioafetiva, calcada na vontade
livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do
filho”. O segundo, de número 341, dispõe: “Para os fins do art.
1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de
obrigação alimentar”. Por fim, foi aprovado o Enunciado n. 336 do
CJF/STJ: “O parágrafo único do art. 1.584 aplica-se também aos
filhos advindos de qualquer forma de família”138.

Em suma, embora existam entendimentos que defendam


que o vínculo biológico supera o afetivo, a posição majoritária é de que quando
construído o vínculo, embora haja a adoção irregular, deve ser tratada com os
mesmos efeitos da adoção legal.

137TARTUCE, Flávio. Direito civil. 9 ed. São Paulo: Método, 2014. v. 5. p. 351-352.
138TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2015 p. 872.
49

Em relação a possível anulação do registro, quando não


evidenciado o vínculo afetivo entre pai e filho, Dias139 afirma:

Ainda que a desconstituição seja obstaculizada pelo pai, igual


impedimento não existe em relação ao filho, que pode fazer uso
da ação anulatória do registro, pois está ele a vindicar seu estado
de filiação. No entanto, quando não é reconhecida a existência de
filiação socioafetiva, se este for o desejo do filho e não a vontade
exclusiva do pai, impositivo admitir a anulação do registro.

Assim, demonstra-se que a “adoção à brasileira” revela-se


uma adoção irregular, contudo, o julgador diante do caso concreto, e ainda,
considerando os motivos pelos quais o agente praticou o crime, merece uma
melhor análise, de forma que, em muitos casos, deixa-se de aplicar a sanção, em
razão do vínculo afetivo constituído. Da mesma forma, no âmbito cível, entende-
se que caracterizada a parentalidade socioafetiva, não há o que se falar em
ruptura deste vínculo, na qual deverá ser tratada como uma adoção regular.

Por este motivo, será apresentado no capítulo seguinte o


Instituto do Perdão Judicial como causa de excludente de punibilidade, bem
como, o perdão por nobreza reconhecida à luz do art. 242 do Código Penal, isto
é, aplicado à prática da “adoção à brasileira”, demonstrando o entendimento
jurisprudencial catarinense acerca do tema.

139 DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 510.
50

Capítulo 3

O INSTITUTO DO PERDÃO JUDICIAL E DA NOBREZA NO


DIREITO PÁTRIO

3.1 O PERDÃO JUDICIAL COMO CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE NO


ÂMBITO PENAL

O Estado, diante das hipóteses previstas na lei, pode deixar


ou até mesmo perder o direito de punir. Em que pese a ocorrência de uma
infração penal, “por questões de política criminal, o Estado pode, em algumas
situações por ele previstas expressamente, entender por bem em não fazer valer
o seu ius puniendi”, razão pela qual haverá a extinção da punibilidade, conforme
denominado pelo Código Penal Brasileiro140.

Entende-se por Perdão Judicial o instituto pelo qual o juiz,


embora reconhecendo a presença das pretensões de relevância, de ilicitude e de
reprovação, “verifica inválida a pretensão de punibilidade não por outra razão
além das próprias circunstâncias em que se deu o fato”141.

No mesmo sentido, o Perdão Judicial, na visão de Cunha142:

(...) é o instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática de um fato


típico e antijurídico por um sujeito comprovadamente culpado,
deixa de lhe aplicar, nas hipóteses taxativamente previstas em lei,
o preceito sancionador cabível, levando em consideração
determinadas circunstâncias que concorrem para o evento. Em
casos tais, o Estado perde o interesse de punir.

140GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
v. 1. p. 782.
141 BUSATO, Paulo César. Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 598.
142CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 329-330.
51

Deste modo, a concessão do Perdão Judicial ocorre quando


a “lei possibilita ao juiz deixar de aplicar a pena diante da existência de
determinadas circunstâncias expressamente determinadas”143.

Algumas situações que preveem a aplicação do Perdão


Judicial, tratam-se dos artigos “121, § 5º, 129, § 8º, 140, § 1º, I e II, 180, § 5º, 1ª
parte, 242, parágrafo único, 249, § 2º”144, além dos dispostos em lei especial.

Uma hipótese determinada em lei, que possibilita a


aplicação do Perdão Judicial, refere-se ao §5 do art. 121 do Código Penal, que
trata do homicídio culposo. Neste caso, o magistrado “poderá deixar de aplicar a
pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão
grave que a sanção penal se torne desnecessária”145.

Portanto, destaca-se que o Perdão Judicial não é aplicado a


todas e quaisquer infrações penais, apenas as que são preliminarmente
determinadas pela lei. Desta forma, “não cabe ao julgador aplicar o Perdão
Judicial nas hipóteses em que bem entender, mas tão somente nos casos
predeterminados pela lei penal”146.

No que concerne a natureza jurídica da sentença que


concede o Perdão Judicial, afirma Bitencourt147, que a reforma do Código Penal
de 1984, incluiu as causas de extinção de punibilidade e apontou na exposição de

143BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 865.
144BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 865.
145 Suponha-se que um pai, que possua porte legal para andar armado, chegue em casa
apressado e, negligentemente, retire a arma da cintura e a coloque em cima da mesa da sala,
indo, logo em seguida, ao banheiro. Seu filho menor, ao avistar a arma, começa a com ela
brincar, ocasião em que esta dispara, atingindo mortalmente a criança. O pai ainda se
encontrava no banheiro quando escuta o estampido. Desesperado, lembra-se de que havia
deixado a arma ao alcance do seu filho, e, ao sair do banheiro, já o encontra morto. In: GRECO,
Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. v. 1. p.
795.
146GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
v. 1. p. 795.
147BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 866.
52

motivos de nº 98, que a sentença que concede o perdão não tem como efeito a
natureza condenatória, afirmado pelo artigo 107, IX, do mesmo Código. Contudo,
tal entendimento não ocorre com o artigo 120 do referido Código, eis que este
contribui para o “equivocado entendimento de que se trata de sentença
condenatória”, ou seja, “somente livra o réu da pena e do pressuposto da
reincidência”. No entanto, para este autor, a sentença que concede o Perdão
Judicial é “simplesmente, extintiva da punibilidade, sem qualquer efeito penal,
principal ou secundário”.

O artigo 107, IX148, do Código Penal encontra-se inserido no


título VIII (das causas excludentes de punibilidade), o qual prevê: “Art. 107.
Extingue-se a punibilidade: (...) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em
lei”.

O artigo 120149 do mesmo Código encontra-se inserido no


mesmo título, o qual se refere “do Perdão Judicial”: “Art. 120. A sentença que
conceder Perdão Judicial não será considerada para efeitos de reincidência”.

A este respeito, explica Greco150, que havia muitos


entendimentos diversos, no sentido de que seria absolutória, condenatória ou
apenas declaratória de extinção de punibilidade. Contudo, o STJ firmou
entendimento por meio da Súmula nº 18, de que a natureza do Perdão Judicial é
declaratória da extinção de punibilidade, “não subsistindo qualquer efeito
condenatório, devendo ser realizada uma releitura do art. 120 do Código Penal”.

De modo contrário, assevera Jesus, que o tema é


controvertido, e embora exista o entendimento sustentado pelo STJ acerca da
natureza ser declaratória, a natureza da sentença concessiva do perdão é
condenatória, uma vez que extingue somente os seus efeitos principais (aplicação

148 BRASIL. Código Penal. Art. 107, IX. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 01 de
outubro de 2017.
149 BRASIL. Código Penal. Art. 120. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 01 de outubro de 2017.
150GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
v. 1. p. 795.
53

das penas privativas da liberdade, restritivas de direitos e pecuniárias),


permanecendo os efeitos secundários, como o lançamento do nome do réu no rol
dos culpados. Para ele, portanto, “exclui-se o efeito da reincidência, nos termos
do art. 120 do CP, subsistindo a condenação para efeito de antecedentes (CP,
art. 59)”.151

Com entendimento semelhante, Andreucci152 defende que a


sentença concessiva do perdão, tem efeito condenatório, e explica:

A sentença que concede o Perdão Judicial é condenatória,


conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RT,
632/396 e 601/438) e de nossos Tribunais Estaduais (RT,
647/317, 640/321 e 620/310). O Superior Tribunal de Justiça,
entretanto, tem posição sumulada em contrário (Súmula 18),
entendendo que “a sentença concessiva do Perdão Judicial é
declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer
efeito condenatório”. Entretanto, o Perdão Judicial extingue
apenas o efeito principal da condenação (pena), subsistindo os
efeitos secundários. O Perdão Judicial, concedido em sentença
condenatória, exclui o efeito da reincidência, nos termos do art.
120 do Código Penal, subsistindo a condenação para efeitos de
antecedentes.

No mesmo sentido, Capez153 entende que a sentença


concessiva do Perdão Judicial é condenatória, “uma vez que só se perdoa a
quem errou”. Para o autor, “o juiz deve, antes de conceder o Perdão Judicial,
verificar se há prova do fato e da autoria, se há causa excludente da ilicitude e da
culpabilidade, para, só então, condenar o réu e deixar de aplicar a pena”.
Entretanto, revela que a posição contrária, isto é, que trata a sentença concessiva
do perdão como declaratória, por não se tratar de “questão de ordem
constitucional, (...) tende a se firmar como pacífica”.

Assim, para os que defendem que a natureza é


condenatória, afasta-se apenas o efeito principal da condenação, permanecendo
os secundários (reparação do dano, interrupção da prescrição etc.). “Já para os

151 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v.1. p. 731.
152ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
190.
153CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.
585.
54

adeptos da segunda corrente, além de não poder servir como título executivo
judicial, perde a força interruptiva da prescrição”154. Por esta razão, Jesus155
critica: “se a sentença fosse meramente declaratória, não poderia ser executada,
no juízo civil, para efeito de reparação do dano”.

Portanto, repara-se que não existe entendimento pacífico


acerca da natureza da sentença que concede o Perdão Judicial, eis que até
mesmo os tribunais superiores divergem em seus posicionamentos.

Contudo, caso a sentença concessiva do Perdão Judicial


seja interpretada meramente declaratória, Capez156, apesar de se posicionar
contrariamente a essa teoria, afirma que:

(...) dela decorrerá a possibilidade de rejeição da denúncia ou


queixa com base no disposto no art. 395, II (faltar pressuposto
processual ou condição para o exercício da ação penal). Isto
porque, nas hipóteses em que for evidente a existência de
circunstância autorizadora do perdão judicial, o juiz deve, de
plano, rejeitar a denúncia, com base no mencionado dispositivo
legal. (...) ora, se a sentença é declaratória, a punibilidade já
estava extinta desde a consumação do crime, sendo apenas
reconhecida por ocasião do pronunciamento jurisdicional.

Independentemente da opinião escolhida, Cunha157 entende


que o perdão deve ser concedido mediante o devido processo legal. Explica:

(...) o perdão judicial jamais pode ser reconhecido em fase policial,


como fundamento para arquivar peça investigativa. (...) a
clemência judicial significa dizer que o juiz, analisando o caso
concreto, reconhece certa a prática de um fato típico e antijurídico
por um agente imputável, com potencial consciência da ilicitude,

154CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 331.
155 Suponha-se que o sujeito, agindo culposamente, venha a matar o próprio pai e um estranho.
Condenatória a sentença concessiva do perdão judicial, os herdeiros do terceiro poderiam valer-
se do art. 63 do CPP, executando-a (CPC, art. 584, II). Se, entretanto, entendermos que não é
condenatória, eles seriam obrigados a propor a ação civil de reparação do dano (CPP, art. 64).
In: JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v.1. p.
731.
156CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.
586.
157CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 331.
55

sendo dele exigível conduta diversa (em suma, é confirmação de


culpa!). Logo, imprescindível se mostra o devido processo legal,
permitindo-se ao imputado o sagrado direito de ampla defesa,
inexistente na fase extrajudicial.

No que se refere à forma de aplicação do Perdão Judicial,


isto é, se é mera faculdade do juiz, ou um direito subjetivo inerente ao réu,
Bitencourt158 explica que apesar de existir entendimentos discutíveis, no sentido
de que o Perdão Judicial é entendido como mero benefício ou favor do juiz, para
ele, “se trata de um direito público subjetivo de liberdade do indivíduo, a partir do
momento em que preenche os requisitos legais”.

No mesmo sentido, Jesus159 esclarece que se trata de um


direito penal público subjetivo de liberdade. Assim, defende o autor:

Não é um favor concedido pelo juiz. É um direito do réu. Se


presentes as circunstâncias exigidas pelo tipo, o juiz não pode,
segundo seu puro arbítrio, deixar de aplicá-lo. A expressão “pode”
empregada pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão
judicial, de acordo com a moderna doutrina penal, perdeu a
natureza de simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder,
sem fundamentação, aplicar ou não o privilégio. Satisfeitos os
pressupostos exigidos pela norma, está o juiz obrigado a deixar de
aplicar a pena.

Importante destacar que o Perdão Judicial e o perdão do


ofendido, embora sejam causas extintivas da punibilidade, são institutos distintos.
Este, disposto nos artigos. 105, 106 e 107, V, parte final do Código Penal, “é
concedido pelo sujeito passivo do crime de ação penal privada, dependendo de
aceitação”160. Aquele é concedido pelo juiz e independe de qualquer manifestação
do sujeito passivo da infração.

Em suma, o Perdão Judicial será aplicado quando a


pretensão de punibilidade se verifica inexistente, isto é, quando o magistrado,
diante das hipóteses determinadas em lei, deixa de aplicar uma pena, em razão

158BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 866.
159 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v.1. p. 729.
160JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v.1. p. 729 -
730.
56

da conduta não ensejar cunho sancionador. Da sentença que concede o perdão,


há dois entendimentos: declaratória ou condenatória, e quanto a fase do
processo, há duas posições: caso seja declaratória, com a rejeição da denúncia;
caso seja condenatória, com a aplicação do devido processo legal.

No próximo item, será apresentado o instituto do Perdão


Judicial aplicado especificamente ao art. 242 do Código Penal, isto é, do crime da
“adoção à brasileira “.

3.2 O PERDÃO JUDICIAL POR NOBREZA RECONHECIDA À LUZ DO ART.


242 DO CÓDIGO PENAL

Anteriormente à Lei 6.898/81 (que trouxe a figura do registro


de filho alheio, o qual alterou o art. 242 do Código Penal), o entendimento
jurisprudencial sustentava-se pela ausência de tipicidade do fato, quando a
conduta era praticada por motivos nobres, uma vez que, desta forma, não tinha
como fim, prejudicar o direito, nem criar ou alterar a verdade sobre o fato
juridicamente relevante. Contudo, posteriormente à lei, não se reconhece como
atípica a conduta, entretanto, permite a forma privilegiada (minoração da pena) ou
a extinção da punibilidade (Perdão Judicial). Desta forma, condiciona-se a
aplicação do Perdão Judicial à presença do elemento subjetivo do injusto, qual
seja, “por motivo de reconhecida nobreza”161.

Motivo nobre traduz-se quando o ato é digno, altruísta,


elevado e generoso162. Por esta razão, é que se reconhece legalmente a nobreza
da conduta, conforme parágrafo único do art. 242 do Código Penal, criando-se
“um tipo derivado privilegiado, permitindo-se, ainda, ao julgador a aplicação do
Perdão Judicial, oportunidade em que deixará de aplicar a pena”.163

161PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 702.
162Por exemplo, o do agente que, diante da miséria a que é submetida a criança, gerada por pais
sem a mínima condição de subsistência, a registra como própria, com a finalidade de lhe garantir
adequado desenvolvimento. In: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte
especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 513.
163 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
57

Assim, dispõe o artigo:

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho
de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil:

(...)

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de


reconhecida nobreza:

Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de


aplicar a pena.

Portanto, quando a conduta se reveste de motivo nobre,


além da minorante (privilégio) prevista no dispositivo acima citado, pode ser
ainda, aplicado o Perdão Judicial. “Trata-se de direito subjetivo do agente, ou
seja, presentes os requisitos, o juiz deve perdoar”164.

Ao contrário do que dispõe à lei, a sociedade não repele a


conduta chamada “adoção à brasileira”, isto é, da falsificação do registro de
nascimento quando fundada no “crime nobre”. Trata-se de um fato social
extensamente aprovado, por suas razões serem solidárias.165

Reconhecida nobreza, na visão de Jesus166:

(...) significa motivo que demonstre humanidade, altruísmo,


generosidade por parte do agente. Existindo tais motivos, é
possível ao Juiz atenuar a pena ou até conceder o perdão judicial.
Embora o CP empregue a expressão “podendo o juiz deixar de
aplicar a pena”, o perdão judicial constitui um direito do réu e não
simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder aplicá-lo ou
não, segundo o seu puro arbítrio. Desde que presentes
circunstâncias favoráveis ao réu, o magistrado está obrigado a
não aplicar a pena.

2015. v. 3. p. 696.
164CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015. p. 513.
165 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 250.
166JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 32. p.
255.
58

Na mesma senda, afirma Prado, que a concessão do perdão


pelo magistrado, quando existente o motivo de reconhecida nobreza, trata-se de
direito subjetivo do réu, e não mera faculdade. De toda forma, diante da
alternatividade aplicada pelo artigo 242, parágrafo único, do Código Penal, “pode
o juiz optar - motivando sua decisão - pela aplicação do privilégio ou pela
concessão do perdão, extinguindo a punibilidade do delito”.167

Deste modo, se o motivo que levou o agente a praticar a


conduta do art. 242, caput, “for nitidamente elevada ou superior, pode o juiz julgar
extinta a punibilidade”. Portanto, “nem sempre o criminoso tem má intenção,
podendo querer salvar da miséria um recém-nascido, cuja mãe reconhecidamente
não o quer”. 168

Em relação à competência para processar e julgar a forma


privilegiada, tipificada no parágrafo único do artigo 242, incumbe aos Juizados
Especiais Criminais, conforme disposto no artigo 61 da Lei 9.099/1995. Admite-se
também a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da
mencionada Lei.169

Em suma, observa-se que embora o agente cometa o crime


da adoção irregular, quando eivada de motivo nobre, de atitude altruísta, e o
julgador consiga reconhecer esse gesto, habitualmente entende-se pela aplicação
do Perdão Judicial. Desta forma, será apresentado no último item, o entendimento
jurisprudencial acerca do tema.

167PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 704.
168 Assim, termina registrando, por exemplo, o filho de outra pessoa como se fosse seu. In:
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
p. 886.
169PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. v. 2. p. 704.
59

3.3 VISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA


ACERCA DA ADOÇÃO À BRASILEIRA E DO PERDÃO POR NOBREZA
RECONHECIDA

Frente a todo o exposto no decorrer do presente trabalho,


faz-se necessário destacar os entendimentos acerca do tema. A fim de trazer
maior proximidade ao trabalho, a pesquisa restringiu-se ao Tribunal de Justiça de
Santa Catarina.

A pesquisa jurisprudencial se deu a partir de 2004, até o ano


de 2017, o que totaliza um decurso temporal suficiente para permitir um
embasamento sobre as posições acerca da matéria.

Verifica-se nos entendimentos, que quando a prática da


“adoção à brasileira” é revestida pelo motivo nobre, ou seja, quando intenção do
agente é simplesmente a concessão de amor e carinho, e diante do melhor
interesse da criança, o julgador reconhece a nobreza e aplica o Perdão Judicial.

Por outro lado, importante destacar que quando não


evidenciado o motivo nobre, quando o melhor interesse da criança não for
garantido, não há em que se falar de perdão por nobreza reconhecida.

Nos subitens abaixo, serão apresentados posicionamentos


jurisprudenciais catarinenses que reconheceram a nobreza do ato de adoção e a
ele aplicaram o Perdão Judicial e, também, situações em que tal fato não ocorreu,
além de provar que existem casos que nem se sujeitam a análise da conduta pelo
âmbito penal.

3.3.1 Entendimento positivo do Tribunal de Justiça Catarinense

Na decisão proferida em Apelação Criminal nº 2013.074058-


2, no ano de 2014, a Relatora Salete Silva Sommariva, decidiu por conceder o
Perdão Judicial aos pais substitutos, por caracterizar a reconhecida nobreza, uma
vez que a mãe biológica abandonou o filho.

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A FAMÍLIA -


REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO (CP, ART. 242,
60

CAPUT) - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ALEGADA


"ADOÇÃO À BRASILEIRA" - PLEITO DE CONDENAÇÃO -
IMPOSSIBILIDADE - MOTIVAÇÃO NOBRE EVIDENCIADA -
GENITORA QUE NÃO DESEJA FICAR COM A FILHA RECÉM
NASCIDA - APLICABILIDADE DO ART. 242, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL - CONCESSÃO DO PERDÃO
JUDICIAL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
(...) desse modo, assiste razão à magistrada ao aplicar o perdão
judicial previsto no art. 242, parágrafo único, do Código Penal,
pois diferentemente do alegado pelo Ministério Público, vislumbra-
se, pelos depoimentos prestados nos autos, que o acusado
realmente agiu com caráter humanitário e pensando no bem da
criança e não em satisfazer seu desejo de ter um filho,
desmerecendo reforma a sentença objurgada. À vista do exposto,
o voto é no sentido de desprover o recurso170.

No mesmo sentido, entendeu a Relatora Marli Mosimann


Vargas, no ano de 2012, ao conceder o perdão pela prática da adoção irregular,
quando eivada de motivo de reconhecida nobreza:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAMÍLIA. REGISTRO


DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA"
(ART. 242, CAPUT, DO CP). RECURSO MINISTERIAL.
PRETENDIDA APLICAÇÃO DE PENA. REGISTRO DE FILHO
ALHEIO COMO PRÓPRIO. ESPOSA COAUTORA.
CONFISSÕES EM JUÍZO CORROBORADAS PELOS
DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS QUE COMPROVAM A
PRÁTICA DO ILÍCITO. VONTADE LIVRE E CONSCIENTE À
REALIZAÇÃO DA CONDUTA EVIDENCIADA. CONSTATADA A
MOTIVAÇÃO NOBRE. GENITORA QUE NÃO DESEJA FICAR
COM A RECÉM-NASCIDA E O ENTREGA AOS RÉUS PARA O
CRIAREM. APLICABILIDADE DO ART. 242, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CP. CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO (Ap. Crim. n.
2012.015205-2, de Lages, rel. Des. Marli Mosimann Vargas, j. 25-
09-2012).

Na decisão proferida em Apelação Criminal, no ano de 2011,


o caso em origem refere-se a genitora que assim que deu à luz ao seu filho,
resolve, sem qualquer troca em pecúnia, entregar aos agentes (casal), para
serem os pais substitutos. Ocorre que estes por duas vezes, tentaram registrar
em seus nomes a criança, sem sucesso. O Ministério Público ajuizou a ação, e o
Relator Torres Marques, diante da atitude altruísta e generosa dos agentes,
resolve aplicar o Perdão Judicial para ambos. Desta forma, retira-se do julgado:

170SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2013.074058-2. Xaxim, Relatora:


Salete Silva Sommariva. J. 24-06-2014.
61

APELAÇÃO CRIMINAL. REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO


PRÓPRIO, NA FORMA TENTADA. PRETENDIDA A
ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE DOLO. CASAL QUE
BUSCOU LAVRAR ASSENTO DE REGISTRO CIVIL DE
NEONATO EM NOME DE GENITOR DIVERSO DO PAI
BIOLÓGICO. CONFISSÕES EM JUÍZO CORROBORADAS
PELOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS. VONTADE
LIVRE E CONSCIENTE À REALIZAÇÃO DA CONDUTA
EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONSTATADA A
MOTIVAÇÃO NOBRE. GENITORA QUE NÃO DESEJA FICAR
COM O RECÉM-NASCIDO E O ENTREGA AOS RÉUS PARA O
CRIAREM. APLICABILIDADE DO ART. 242, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CP. CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM FULCRO NO ART. 107, IX,
DO CP. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (...) nessa
perspectiva, manifesto o caráter altruísta e humanitário da conduta
percebida, uma vez que os réus, cientes de que a mãe biológica
não tinha a pretensão de cuidar do neonato, acolheram-no em sua
família para criá-lo como se seu filho fosse, inclusive, com a
concordância daquela e sem envolver contraprestação pecuniária
ou de qualquer outra natureza.171

O processo oriundo da decisão abaixo se trata do caso em


que os agentes acolheram um recém-nascido deixado na porta da residência de
ambos, e estes, revestidos de um ato de bondade, de nobreza, praticaram a
conduta da adoção irregular, no entanto, tiveram o perdão por nobreza
reconhecida, em 2009, aplicado pelo Relator Sérgio Paladino:

REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. CRIANÇA


QUE SE ENCONTRAVA EM SITUAÇÃO DE DESAMPARO.
MOTIVO NOBRE. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO
ART. 242 DO CÓDIGO PENAL. CONCESSÃO DO PERDÃO
JUDICIAL. RECURSO PROVIDO. Se a conduta definida como
crime no art. 242 do Código Penal é perpetrada por motivo de
reconhecida nobreza, pode o juiz, autorizado pelo parágrafo
único da aludida norma, deixar de aplicar a pena e conceder
ao réu perdão judicial, forma de extinção da punibilidade que
abrange tanto os efeitos primários, quanto os secundários da
sentença (...). Inegavelmente, a conduta dos apelantes reveste-se
de alto significado social e revela que foram movidos por
altruísmo. Acolheram um recém-nascido que fora deixado na porta
da residência de ambos, sem qualquer explicação, particularidade
que permite concluir que ampararam o infante indefeso como se o
tivessem gerado, protegendo-o de uma infinidade de males que
poderia vir a sofrer.172

171 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2010.028194-8, Videira. Relator:
Torres Marques. J. 19-04-2011.
172 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2008.066663-7, Içara. Relator:
62

Notam-se neste caso, que o julgador extinguiu a punibilidade


em duplo efeito, tanto os efeitos primários quanto os reflexos, portanto, significa
dizer que a sentença que concedeu o Perdão Judicial por nobreza reconhecida, é
tratada como declaratória.

Na decisão proferida em Apelação Criminal nº 2004.004073-


3, no ano de 2004, o Relator Carstens Köhler decidiu por conceder o Perdão
Judicial aos pais substitutos, por caracterizar a reconhecida nobreza. Trata-se de
um típico caso, onde o companheiro assume o filho da companheira, que por sua
vez, é a mãe biológica da criança. Neste caso, a genitora manteve um
relacionamento amoroso e ficou grávida. Após o anúncio da gravidez, o pai
biológico a abandonou, onde passou a namorar o agente. Contudo, este, eivado
de motivo nobre, por não deixar a genitora (agente) desamparada, acabou por
registrar a criança que não era sua, em seu nome.

CRIME CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO - APLICAÇÃO DO


ARTIGO 242, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL -
PERDÃO JUDICIAL CONCEDIDO -PLEITO MINISTERIAL
ALMEJANDO A CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MOTIVO
DE NOBREZA CARACTERIZADO.RECURSO IMPROVIDO.(...)
Regularmente processado o feito, a Magistrada julgou
parcialmente procedente a denúncia, condenado Carlos de Gois e
Fátima Tackes Camargo, à pena de 01 (um) ano de detenção por
infração do art. 242, parágrafo único, c/c art. 29, caput , todos do
Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. A
pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de
serviço à comunidade. No entanto, a Magistrada deixou de aplicar
a pena, concedendo o perdão judicial, previsto no próprio art. 242,
em seu parágrafo único, do CP, extinguindo-se, assim, a
punibilidade dos Acusados (fls. 63/69) (...). Entretanto, cabe
destacar que o Agente, além de apresentar condições pessoais
favoráveis - ou seja, é trabalhador, possui residência fixa, e bons
antecedentes - não agiu com má intenção, ao contrário,
demonstrou sentimentos de generosidade e bondade (...)173.

Observa-se aqui, diferentemente da situação anterior, a


aplicação da sentença concessiva do Perdão Judicial por reconhecida nobreza
em caráter condenatório. Neste caso, primeiramente, ofertada a denúncia, a

Sérgio Paladino. J. 3-3-2009.


173SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2004.004073-3, Primeira Câmara
Criminal Anchieta. Relator: Carstens Köhler. J. 06/04/2004.
63

Magistrada condenou o agente à pena de detenção, depois, substituiu a pena por


prestação de serviço à comunidade. Posteriormente, deixou de aplicar a pena e
concedeu o Perdão Judicial.

Conforme demonstrado, o perdão é concedido quando o


julgador, diante do caso concreto, embora reconheça que o agente cometeu o
crime do registro de filho alheio como seu, deixa de aplicar a pena em razão da
nobreza do ato em que o agente cometeu, além de considerar o vínculo afetivo
consolidado, o melhor interesse da criança, e ainda, quando presentes a índole e
a boa-fé dos agentes.

3.3.1.1 Entendimento positivo das Câmaras cíveis acerca da “adoção à


brasileira”.
Por diversas vezes, a prática da “adoção à brasileira” se
resolve pelo âmbito cível, ocorrendo muitas vezes, a supressão do julgamento
pelas Câmaras Criminais. Significa dizer, que quando constatada ou suposta a
referida prática, muitas vezes nem se aplica a pena, e por consequência, nem se
concede o perdão, porém, mantém-se o poder familiar dos pais socioafetivos,
sem qualquer cominação sancionatória.

Demonstra-se abaixo, pela Apelação Cível nº 0901708-


71.2015.8.24.0008, em que o apelante alegou ter um caso extraconjugal com a
genitora e depois de alguns encontros, ela engravidou, de forma que, desde logo
assumiu a responsabilidade sobre a criança, que nasceu em 21/06/15. Contudo, a
genitora apresentou desinteresse em ficar com o filho em razão de haver outro
relacionamento, e entregou-o ao genitor. A criança foi criada pelo genitor e por
sua esposa. O Ministério Público ajuizou a ação a fim de colocar a criança em
acolhimento institucional, por não se provar a paternidade do genitor, entretanto, o
Relator Joel Figueira Júnior, na data de 29/06/2017, decidiu pela não retirada da
criança na família socioafetiva, em razão de não existir nenhum risco a criança, o
que lhe garante o melhor interesse e proteção, mantendo o poder familiar que ora
existia.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER


FAMILIAR C/C MEDIDA PROTETIVA DE ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL, BUSCA E APREENSÃO E NEGATÓRIA DE
64

PATERNIDADE AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.


SUPOSTA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". APELANTE QUE AFIRMA
SER O PAI BIOLÓGICO DO INFANTE E EFETUA O REGISTRO
CIVIL. MENOR QUE NÃO ESTÁ EM RISCO IMINENTE,
SOFRENDO ABUSO OU MAUS TRATOS. MELHOR INTERESSE
DA CRIANÇA. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO.
MANUTENÇÃO DO PODER FAMILIAR QUE SE FAZ MISTER.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - Em respeito à doutrina
da proteção integral (art. 227 da CF e art. 1º do ECA) e do
princípio do melhor interesse da criança, ainda que haja suspeitas
de "adoção à brasileira", não é aconselhável retirar o infante que
vive em um ambiente familiar saudável e estável para colocá-lo
em abrigo ou outra entidade de proteção ao menor, sendo que a
medida de acolhimento institucional é aplicável, apenas, em casos
excepcionais elencados no artigo 98 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. II - In casu, não estando caracterizada a
situação de risco necessária a justificar a retirada da criança
da família para a colocação em abrigo protetivo para posterior
encaminhamento à adoção, mas, pelo contrário, havendo
informações de que o Apelante é um pai dedicado e desde o
nascimento do infante tem lhe proporcionado todas as
condições de um lar condigno, além de existir vínculo afetivo
entre eles, o recurso merece ser provido para que seja
mantido o poder familiar do pai registral e revogados o
mandado de busca e apreensão e a ordem de acolhimento
institucional do menor para posterior encaminhamento para
adoção.174

No caso abaixo, ocorreu um caso extraconjugal também, no


entanto, a genitora afirmou que o apelante era o pai da criança, e deixou claro
que não gostaria de ficar com o menor. Assim, o genitor e sua esposa criaram a
criança. No momento das provas, foi confirmada que o genitor não era o pai
biológico da criança. Fato que ensejou na procedência do pedido do Ministério
Público em acolher institucionalmente a criança, tirando-lhe do lar em que se
encontrava. Contudo, a sentença foi reformada conforme comprova-se abaixo,
determinando a guarda ao pai afetivo, e ainda o imediato desabrigamento da
criança, para a volta do seu lar.

APELAÇÃO CÍVEL. INFÂNCIA E JUVENTUDE. AÇÃO DE


DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR EM RELAÇÃO À
GENITORA E SUPOSTO PAI. EXAMES DE DNA QUE
COMPROVARAM A EXCLUSÃO DA PATERNIDADE.
SUSPEITAS DE ADOÇÃO À BRASILEIRA. SENTENÇA QUE
DECRETOU A PERDA DO PODER FAMILIAR DA MÃE

174SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0901708-71.2015.8.24.0008, de


Blumenau. Relator: Joel Figueira Júnior. J. 29-06-2017.
65

BIOLÓGICA E A EXCLUSÃO DA PATERNIDADE DO PAI


REGISTRAL. RECURSO DO RÉU. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO
EXTRACONJUGAL COM A RÉ QUE RESULTOU EM GRAVIDEZ.
FATO QUE CULMINOU NO REGISTRO DA FILIAÇÃO. LAUDO
POSTERIOR QUE EXCLUIU A PATERNIDADE. INTENÇÃO DE
ADOTAR A CRIANÇA, JUNTAMENTE COM A ATUAL ESPOSA.
FATOS CONFIRMADOS PELA MÃE BIOLÓGICA. MÁ-FÉ NÃO
CARACTERIZADA. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA INSTAURADA.
INDÍCIOS DE ADOÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADOS.
SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO.175

Na decisão em Agravo de Instrumento nº 2015.013544-0, o


Relator Eduardo Mattos Gallo Júnior, em 09-06-2015, decidiu por reformar a
sentença inadequada, e determinar a guarda provisória dos pais e o imediato
desacolhimento da criança. O Relator, além de afirmar que o estudo social
realizado no processo de origem não demonstrou a realidade dos fatos,
demonstra que a família tem total condições de serem os pais da criança, o que
comprova pelo reconhecimento da filha como sendo seus verdadeiros pais.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSURGÊNCIA EM FACE DA


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE, EM SEDE DE
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, SUSPENDE O PODER FAMILIAR
DOS GENITORES BIOLÓGICOS DA CRIANÇA, BEM ASSIM
DETERMINA O SEU ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL,
AFASTANDO-A DO LAR DOS AGRAVANTES, QUE DETINHAM
SUA GUARDA FÁTICA POR PERÍODO SUPERIOR HÁ DOIS
ANOS. ABRIGAMENTO DA CRIANÇA AMPARADO NA BURLA
AO CADASTRO DE ADOÇÃO, BEM ASSIM EM ESTUDO
PSICOSSOCIAL QUE, SUPOSTAMENTE, DEMONSTRA QUE
OS AGRAVANTES NÃO PROPORCIONAM À MENININHA UM
AMBIENTE SEGURO E SAUDÁVEL PARA O SEU
DESENVOLVIMENTO. CIRCUNSTÂNCIA PECULIAR QUE
POSSIBILITA A RELATIVIZAÇÃO DA ORDEM DO CADASTRO
ÚNICO - CUIDA. PROVAS PRODUZIDAS NO TRANSCORRER
DA MARCHA PROCESSUAL QUE, ALÉM DE COMPROVAR
QUE O ESTUDO PSICOSSOCIAL NÃO CORRESPONDE À
REALIDADE FÁTICA EVIDENCIADA NO SEIO FAMILIAR DA
FAMÍLIA QUE BUSCA A ADOÇÃO DA CRIANÇA,
DEMONSTRAM A TOTAL POSSIBILIDADE DO CASAL LHE
MANTER COM SEGURANÇA E DIGNIDADE, TAL QUAL
PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA. MENINA QUE
RECONHECE OS RECORRENTES COMO SEUS PAIS, TENDO,
SEM SOMBRA DE DÚVIDAS, CRIADO VÍNCULO AFETIVO QUE
DEVE SER RESGUARDADO. PREVALÊNCIA DO MELHOR

175SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação n. 0900059-30.2015.8.24.0054, de Rio do


Sul. Relator: Rubens Schulz. J. 12-07-2016.
66

INTERESSE DA CRIANÇA EM RELAÇÃO AO CADASTRO


OFICIAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. IMEDIATO DESACOLHIMENTO DA
CRIANÇA E CONSEQUENTE ENTREGA AOS AGRAVANTES, A
QUEM SE DEFERE A GUARDA PROVISÓRIA, QUE SE REVELA
COMO MEDIDA ESCORREITA À HIPÓTESE.176

No mesmo sentido, entendeu o Relator Marcus Tulio


Sartorato, no ano de 2014:

INFÂNCIA E JUVENTUDE. AÇÃO DE ADOÇÃO. CRIANÇA


RECÉM-NASCIDA ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA AOS
AUTORES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRETENSÃO
RECURSAL CONSUBSTANCIADA NA AUSÊNCIA DE
INSCRIÇÃO DO CASAL NO CADASTRADO DE ADOTANTES.
RIGORISMO DO PLEITO QUE SE VERIFICA NA HIPÓTESE
COMO INJUSTIFICÁVEL E DESACONSELHÁVEL. ESTUDO
SOCIAL FAVORÁVEL AO CASAL QUE JÁ DETINHA A GUARDA
DE FATO DESDE O DIA DE NASCIMENTO DO INFANTE, QUE
ATUALMENTE CONTA COM DOIS ANOS E DOIS MESES.
INTERESSE DO MENOR QUE SE SOBRELEVA À
INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES DO
PROCESSAMENTO DA PERFILHAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE
ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM SUA RETIRADA DA FAMÍLIA
QUE O ACOLHERA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO. 1. Desaconselhável e até mesmo lamentável
sob todos os aspectos é retirada de qualquer criança de um
lar substituto, escolhido pela mãe biológica, sem apurar
qualquer fato que desabone a conduta do casal que a
acolheu, para, em homenagem ao cadastro de pretendentes
colocá-la em abrigo, ainda que provisoriamente (...).177

Em suma, percebe-se sob a égide das Câmaras Cíveis, que


quando demonstrados a paternidade afetiva, e ausentes as hipóteses de risco e
maus tratos à criança, deve-se manter o poder familiar, e, nos casos onde o juízo
de primeiro grau determinou o reconhecimento institucional da criança, deve ser
desacolhido imediatamente e entregue à família socioafetiva, sem qualquer
interpretação sancionatória.

176SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2015.013544-0, de Jaraguá


do Sul. Relator: Eduardo Mattos Gallo Júnior. J. 09-06-2015.
177SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n.
2013.084738-1, de Içara. Relator: Marcus Tulio Sartorato. J. 25-02-2014.
67

3.3.2 Entendimento negativo do Tribunal de Justiça Catarinense

Quando não preenchidos os requisitos para a concessão do


Perdão Judicial, o julgador aplica a pena, e muitas vezes, determina o
recolhimento da criança do lar que o acolheu, para manejá-la ao acolhimento
institucional, a fim de possibilitar a adoção legal às pessoas que aguardam nas
filas.

Em razão disso, destaca-se a decisão proferida em Agravo


Interno nº 4015678-51.2017.8.24.0000. O processo de origem ajuizado pelo
Ministério Público se trata do caso onde a genitora não querendo a criança,
entregou-a ao casal, alegando receber uma quantia em dinheiro, no valor de
R$500,00. Diante da necessidade de mais provas para elucidar os fatos, o Relator
Vilson Fontana determinou o acolhimento institucional da criança, em razão da
possível falta de vínculo afetivo, por ter o bebê oito meses de idade, para
posteriormente, ser adotada regularmente pelas pessoas inscritas no cadastro de
adoção. Assim, extrai-se do julgado:

AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, CPC). AÇÃO DE


DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO C/C
ANULAÇÃO DE REGISTRO. BUSCA E APREENSÃO DE
MENOR. DEMANDA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
DECISÃO MONOCRÁTICA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO
QUE NEGOU EFEITO SUSPENSIVO PARA DECISÃO QUE
SUSPENDEU O PODER FAMILIAR DA GENITORA E ACOLHEU
INSTITUCIONALMENTE A CRIANÇA. FORTES INDÍCIOS DE
ADOÇÃO "À BRASILEIRA" PRATICADA PELO AGRAVANTE,
QUE REGISTROU A MENOR. ILEGALIDADE. BURLA AO
CADASTRO DE ADOÇÃO. CRIANÇA COM MENOS DE UM
ANO DE IDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO
ENTRE AGRAVANTE E MENOR. PROBABILIDADE DO
DIREITO AUSENTE. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO. PRÉ-
QUESTIONAMENTO. ART. 1.025, CPC. ARGUMENTOS
INCLUÍDOS NO ACÓRDÃO. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. Conforme a Recomendação n.º 8, de 7/11/2012,
da Corregedoria Nacional de Justiça, a ordem cronológica dos
inscritos, no Cadastro Nacional de Adotantes, não pode ser
afastada, salvo nas hipóteses excepcionais previstas no artigo 50,
§13º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. O acolhimento
institucional da criança até a melhor elucidação dos fatos,
68

inclusive quanto à possibilidade da guarda à família, é medida


impositiva.178

Na decisão em Apelação nº 2012.001056-5179, os Apelantes


requereram a isenção de pena em razão da condenação da pena de 1 ano de
detenção, em regime aberto, que foi substituído por prestação à comunidade, no
juízo de origem. Contudo, a decisão foi mantida, conforme demonstra-se. Em seu
voto, o Relator anotou o seguinte:

É cediço que para a aplicação das benesses previstas no


parágrafo único do art. 242 do Código Penal, faz-se necessário
ficar demonstrado que a conduta tenha sido praticada por motivo
de reconhecida nobreza. Assim, para ser merecedor da benesse o
agente deve ter agido com generosidade, desprendimento,
humanidade, sempre tendo em vista o melhor interesse da
criança, dado que o objeto materialmente protegido é o estado de
filiação. Tome-se por exemplo um casal sem filhos que decide
"adotar" o filho da empregada da casa para que ele seja seu
herdeiro, almejando proporcionar à criança um futuro sem
privações. Nesse caso, ainda que a conduta praticada seja típica,
não nos parece justo puni-los pois o motivo é relevante, é o bem
estar da criança. O mesmo não se pode dizer da hipótese dos
autos.

E ainda:

(...) os réus separaram-se alguns meses depois de terem


registrado a criança como seu filho. Segundo declarações dos
apelantes e do cunhado da ré à polícia, após a separação Jacira
saiu de casa e deixou a criança na casa da sua irmã, que,
posteriormente, entregou-a à mãe biológica (fls. 31, 34 e 48). Ora,
onde está a nobreza de motivos nessa "adoção" se, ao fim do
relacionamento entre os réus, a criança foi simplesmente deixada
com terceiros como se fosse uma mercadoria passível de
devolução? (...). APELAÇÃO CRIMINAL. REGISTRO DE FILHO
ALHEIO COMO PRÓPRIO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA" (CP, ART.
242, CAPUT). PERDÃO JUDICIAL. ISENÇÃO DE PENA.
IMPOSSIBILIDADE. MOTIVO DE RECONHECIDA NOBREZA
NÃO EVIDENCIADO. É cediço que para a aplicação das
benesses previstas no parágrafo único do art. 242 do Código
Penal faz-se necessário ficar demonstrado que a conduta tenha
sido praticada por motivo de reconhecida nobreza. RECURSO
PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

178SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo n. 4015678-51.2017.8.24.0000. Chapecó.


Relator: Vilson Fontana. J. 28-09-2017
179
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2012.001056-5, Itapema.
Relator: Roberto Lucas Pacheco. J. 29-11-2012.
69

Conforme esse precedente, quando a adoção é eivada de


má fé, ou ainda, quando o interesse da criança não é preservado, quando a troca
do infante por pecúnia, razão não assiste para aplicar o Perdão Judicial, pelo
contrário, medida adequada se faz com a aplicação da pena.

Destarte, demonstra-se a partir dos entendimentos


supramencionados, que o perdão por nobreza reconhecida é aplicado quando
ocorrer a existência de boa-fé, quando ressaltado o ato de nobreza, de
generosidade, quando a intenção do agente se fizer a melhor possível, no sentido
de atuar com o máximo de benefício à criança, além de exigir a presença do
vínculo afetivo entre os pais substitutos e o filho adotado.

Além disso, é importante ressaltar que a conduta praticada


pelos agentes não pode ter um condão pecuniário, ou seja, o filho não pode ser
doado em troca de dinheiro, nem pode existir qualquer ajuda de custo para a mãe
biológica.

Confirma-se pelos entendimentos acima, a divergência


mencionada anteriormente, acerca da natureza jurídica da sentença concessiva
do Perdão Judicial. Repare-se que em um caso utilizou-se da sentença
condenatória, aplicando-se as penas, e por fim, deixando de aplicá-las para
conceder o Perdão Judicial. Ao passo que no outro caso, o julgador
expressamente extinguiu a punibilidade, tanto nos efeitos primários, quanto nos
secundários. Isto reforça ainda mais a compreensão de que a natureza da
sentença concessiva do Perdão Judicial é bastante controvertida.

Contudo, sob a ótica das Câmaras Cíveis, a partir do


momento que se constrói uma vinculação afetiva, quando existente o melhor
interesse da criança, e inexistente fator prejudicial ao menor, deve-se manter o
poder familiar ou conceder a guarda aos pais afetivos.

Desta forma, é de se concordar com a orientação doutrinária


e jurisprudencial que, muito embora os agentes tenham praticado uma conduta
considerada crime, pode-se dizer que as razões não são criminosas, uma vez que
a intenção foi exclusivamente de ajudar uma criança que estava destinada a viver
70

na miséria, sem carinho, sem amor e sem as mínimas condições dignas que uma
pessoa deve ter. Deve, assim, o magistrado, aplicar o Perdão Judicial e isentar
os agentes das penas quando visualizadas essas situações.

Além disso, considera-se mais adequado que a adoção


irregular seja resolvida na esfera cível, deixando as questões criminais para o
trato subsidiário da matéria. Isto porque, a esfera cível interpreta que, embora
haja suspeita ou prática da adoção à brasileira, pela constituição da paternidade
socioafetiva, não há mais o que se falar em crime, em perdão ou isenção, uma
vez que a criança já está inserida no seio familiar.

Assim, o que se define na esfera cível é a concessão da


guarda para aquele pai ou mãe que embora tenha cometido uma adoção fora dos
trâmites legais, teve a melhor intenção possível, qual seja: a de dar amor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa que se finaliza, foi possível verificar que


a “adoção à brasileira”, é uma prática de adoção irregular, na qual não é
reconhecida na legislação brasileira, tanto é que é tipificada como crime pelo
Código Penal Brasileiro.

Contudo, apesar de se tratar de uma infração penal, o


Código Penal Brasileiro, diante das situações previstas em lei, permite ao juiz
conceder o Perdão Judicial, pelas consequências do próprio crime.

Portanto, no crime da “adoção à brasileira”, se as razões que


levaram o agente a cometer tal ato, forem eivadas de boa-fé, e ainda, se a
intenção for generosa e nobre, cabe ao juiz conceder o Perdão Judicial.

Entretanto, embora o agente tenha a atitude de nobreza, não


basta para que mantenha o poder familiar sobre a criança. Para tanto, é preciso
preencher um requisito de extrema importância: o vínculo afetivo. Sem a ligação
socioafetiva, não é possível a manutenção da criança no lar substituto. Nestes
casos, o menor é recolhido institucionalmente, para integrar a fila de adoção, no
qual será adotado legalmente.

Assim, o trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo registrou-se que a adoção no Direito


Romano Antigo se destinava exclusivamente à perpetuação do culto religioso
quando da morte da pessoa, isto é, quem não pudesse conceber filhos, realizava
a adoção para que sua memória não fosse esquecida após o falecimento.

No Brasil, a figura da adoção iniciou com os orfanatos, no


qual foram criadas as rodas dos expostos, que consistia na entrega da criança
sem que o pai ou mãe fossem identificados. Contudo, a adoção teve previsão
legal com o advento do Código Civil de 1916, a qual continha um caráter
contratualista, uma vez que era realizada por escritura pública apenas entre
adotante e adotando.
72

Posteriormente, criou-se a adoção legítima, que dependia de


decisão judicial, que logo após, foi substituída pela adoção plena. Entretanto, com
o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, ficou disciplinada que os
menores seriam regidos por esta lei, ao passo que os maiores de idade, seriam
adotados pelo Código Civil de 1916.

Depois, com o Código Civil de 2002, restou apenas uma


forma de adoção: a judicial. E após, no ano de 2009, a Lei de Adoção modificou e
revogou alguns artigos do Código Civil, bem como, ratificou alguns comandos do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

Atualmente, a adoção é entendida como o instituto que cria


o vínculo jurídico da filiação, de forma irrevogável, na qual deve ser orientada
pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade, do melhor
interesse da criança e da igualdade entre os filhos. De forma bastante burocrática,
a adoção só pode ser realizada com a anuência dos pais biológicos ou os
representantes legais da criança, para depois, ser iniciado o procedimento de
inscrição dos pais e da criança no cadastro de adoção, que posteriormente,
deverá ser realizado o estágio de convivência entre adotante e adotado, para que
assim, seja proferida a sentença que homologa a adoção, com o trânsito em
julgado da decisão.

No segundo capítulo analisou-se que embora exista a


adoção legal, há casos de adoção irregular, chamados de “adoção à brasileira”,
que consiste no crime contra o bem jurídico do estado de filiação. Assim,
inicialmente trabalhou-se a função do Estado por intermédio do Direito Penal na
proteção dos bens jurídicos, que é exercido com a aplicação de sanções para
aqueles que violarem algum bem jurídico, como a vida, o patrimônio, o
casamento, o estado de filiação, entre outros.

Destacou-se a importância do bem jurídico da família, em


razão de ser a base da sociedade, é nela que a pessoa se desenvolve e participa
da vida em sociedade. Posteriormente, como foco da pesquisa, trabalhou-se a
violação do bem jurídico do estado de filiação, especialmente, da denominada
“adoção à brasileira” que é a de registrar como seu o filho de outrem.
73

Contudo, analisou-se que muito embora exista o crime da


adoção à brasileira, em muitos casos, o vínculo entre o filho e os pais afetivos já
restaram consolidados, razão pela qual, não há fundamento para tirar o menor do
seio familiar que lhe acolheu. Por este motivo, é que o artigo 242 do Código Penal
permite a figura privilegiada, com a diminuição da pena, e, o mais comum,
possibilita o juiz conceder o Perdão Judicial para aquelas pessoas que embora
tenham cometido uma conduta tipificada como crime, as razões pelas quais
levaram a agir desta forma, não são de fato, criminosas.

Por fim, no terceiro e último capítulo, verificou-se que o


Código Penal Brasileiro prevê em algumas situações, a figura do Perdão Judicial,
que consiste na conduta cuja consequência se dê pelo próprio fato, na qual o
Estado perde o interesse de punir. Exemplo disto é o pai que comete um
homicídio culposo contra seu filho, neste caso, a dor sofrida por este pai, é muito
mais dolorosa do que a aplicação da pena, e por esta razão, o Estado deixa de
punir.

Além disso, demonstrou-se que uma das hipóteses previstas


em lei, que merece a concessão do Perdão Judicial, é justamente a “adoção à
brasileira”, quando reconhecida a nobreza no ato. Diferente da ilustração acima, o
Perdão Judicial é concedido para o agente que embora tenha cometido uma
adoção fora dos trâmites legais, teve como principal intenção ajudar a criança
que, muitas vezes foi abandonada, ou viveria na miséria, entre outros motivos.

Deste modo, foram analisados entendimentos


jurisprudenciais do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e confirmou-se que o
Perdão Judicial é concedido para a pessoa que realizou a adoção à margem da
lei, porém os motivos foram relevantemente nobres. Contudo, provou-se também,
que não basta a intenção generosa e nobre para que o juiz mantenha o poder
familiar sobre a criança a qual foi acolhida. Para tanto, é necessário que se tenha
um requisito essencial: o vínculo afetivo entre pai e filho. Sem ele, não há razão
para retirar a oportunidade de uma pessoa que está registrada na fila de adoção
para entregar a criança àquele que burlou o processo.
74

Demonstrou-se, também, que além do perdão judicial, a


prática da adoção à brasileira pode ser resolvida no âmbito cível, e não somente
no criminal. Isto porque, conforme os entendimentos das Câmaras Cíveis
catarinenses, apesar da prática ou suposta prática da adoção irregular, não há
mais o que se falar no cometimento da infração penal, quando a paternidade
socioafetiva está concretizada. Quando confirmado o vínculo afetivo, entende-se
que, pelo melhor interesse da criança, não é acertado retirar a criança do lar que
a acolheu. Deste modo, mantém-se o poder familiar sobre o menor, ou homologa-
se guarda aos pais afetivos.

Passa-se agora para a verificação da confirmação ou não


das hipóteses apresentadas na introdução do trabalho.

Hipótese 1 – A “adoção à brasileira” não pode ser


considerada uma espécie regular de adoção eis que além de não estar prevista
no ordenamento jurídico pátrio, é considerada crime.

Finda a pesquisa, pode-se afirmar que a hipótese foi


CONFIRMADA, isto porque a “adoção à brasileira” é irregular, portanto, ilegal, não
reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Tanto é verdade, que o crime
cometido pela pessoa que registrar como seu o filho de outrem, tipificado no art.
242 do Código Penal, prevê a pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis anos).

Hipótese 2 – O instituto do Perdão Judicial pode ser


concedido a quem cometeu um crime, inclusive à “adoção à brasileira”, cuja
conduta possua consequências previstas em lei, que isentam a pena.

Esta hipótese foi CONFIRMADA, isto porque há previsão


legal acerca da aplicação do Perdão Judicial para as infrações penais cujas
consequências são decorrentes do próprio fato, as quais ensejam na falta de
interesse de punir do Estado, ou seja, diante das hipóteses determinadas na lei,
quando preenchidos os requisitos, o juiz deve conceder o Perdão Judicial, por
tratar-se de um direito subjetivo do réu, e não mera liberalidade do magistrado.
75

Hipótese 3 – Para que o magistrado aplique o Perdão


Judicial àqueles que cometeram “adoção à brasileira”, e para que os agentes
possuam o poder familiar sobre a criança, deve observar a atitude relevantemente
nobre.

A hipótese foi PARCIALMENTE CONFIRMADA, isto porque,


para que seja concedido o perdão judicial no crime de “adoção à brasileira”, de
fato, em um primeiro momento devem ser observadas as razões que levaram o
agente a cometer tal conduta. É necessário que se tenha um caráter humanista, o
ato deve estar imbuído da melhor intenção possível a fim de ajudar a criança.
Contudo, deve-se observar o vínculo afetivo constituído entre adotante e
adotando. Em outras palavras, não basta o agente ter uma boa intenção, para
que seja concedido o perdão, bem como, seja mantido o poder familiar outrora
exercido, é imprescindível que a paternidade socioafetiva esteja concretizada, e
então, somente assim, a criança será mantida no lar em que já se encontrava.

Observa-se que o presente trabalho não teve a intenção de


esgotar a pesquisa sobre o assunto, mas contribuir para a discussão. Espera-se
que as ideias aqui apresentadas possam favorecer novos estudos sobre a
questão do Perdão Judicial concedido a quem comete a “adoção à brasileira”.
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