Serviço Social e Gestão do Trabalho: Uma Experiência
de Assessoria e Consultoria Elziane Olina Dourado – RJ
O presente texto resulta numa reflexão construída a partir de nossa trajetória
profissional desde 1994. Tem como objetivo tecer algumas considerações sobre experiências de consultoria e assessoria voltada para a gestão do trabalho e ação do serviço social. E representa um esforço em examinar com atenção às possibilidades de desenvolvimento de ações voltadas para alguns dilemas enfrentados no terreno da prática profissional dando visibilidade a experiências profissionais que possam reduzir o mútuo desconhecimento e estabelecer relações profícuas entre os centros de formação profissional e os campos de intervenção. Há, na profissão, principalmente na área específica do serviço social e trabalho, dificuldades em se estabelecer um debate fecundo norteado por propostas interventivas que se refiram ao mundo do trabalho – não estou aqui restringindo esse conceito a esfera da empresa. Assim, pretendo apresentar uma proposta de intervenção profissional que venho desenvolvendo ao longo dos últimos 04 anos que toca diretamente a questão da qualificação profissional mas que, principalmente, significa uma contribuição no enfrentamento, num contexto de profundas transformações societárias, das demandas mais imediatas referentes a gestão do trabalho e o serviço social. Objetiva também privilegiar esse espaço de atuação profissional no sentido de construir reflexões críticas que possam responder as lacunas já identificadas pela categoria profissional. Trataremos de situar o quadro de mutações sócio-técnicas num contexto marcado pela introdução de novas tecnologias e gestão e de processos técnicos com ênfase na integração de produtos, novos mercados, mudanças drásticas no processo de trabalho, nas condições de trabalho e na própria composição da força de trabalho. Essas transformações ocorrem de modo desigual nas diferentes esferas da produção e ou até mesmo numa mesma planta industrial. Esse processo implica um maior controle sobre a força de trabalho e a disseminação de um ideário que reforça no comportamento produtivo o discurso do pertencimento (“estamos no mesmo barco”, “somos uma só equipe”, “somos parceiros da empresa”, etc.) e da exclusão quando se trata de empregados terceirizados, sub-contratados (“a gente não existe aqui, mesmo”). Essas novas tecnologias possibilitam a coexistência de processos de trabalho automatizados e semi-automatizados onde se faz presente um novo requisito para o trabalhador: a confiança que se traduz no aceite e adesão as metas de qualidade e produtividade. Esse processo revela de um lado o aumento de produtividade e de outro a intensificação da exploração da força de trabalho e da exclusão do trabalhador do espaço produtivo como afirma o seguinte documento da CUT: “A reestruturação produtiva criou, nos anos 90, uma situação nova e mais complexa para a realidade do mercado de trabalho. Segundo dados da PNAD\89-95, foram eliminados mais de 2,0 milhões de empregos na indústria – cerca de 20% do total da força de trabalho nesse setor. No mesmo período, somente na categoria dos bancários, foram eliminados mais de 400 mil empregos. O mais dramático é que a despeito do crescimento do PIB entre 1993 e 1996, não houve aumento nos níveis de emprego na indústria e no sistema financeiro. A própria duração do desemprego tem aumentado em virtude dos novos requisitos de seleção para novas contratações por parte das empresas devido as maiores exigências de escolaridade e de adaptação ao trabalho junto aos novos processos produtivos aumentando, cada vez mais, a parcela daqueles que exercem vários tipos de bico e regimes especiais de contrato de trabalho. Podemos localizar de modo esquemático alguns aspectos dessas mudanças que interferem particularmente no modo de gestão do trabalho. Nesse quadro cresce a demanda por força de trabalho preparada para atuar sob novas condições técnicas e de organização do processo produtivo e declina a demanda de trabalho não qualificada ou semi qualificada. Em um grande banco privado brasileiro houve a demissão de um enorme contingente de bancários que não tinham curso superior e a contratação de outros com esse requisito básico (Não foi sempre assim na realidade bancária). Uma trabalhadora na área de apoio administrativo no setor de recursos humanos assim se expressou “Eu não tinha nenhum motivo para mandar embora... não havia reclamação nenhuma sobre os funcionários... mas a ordem era demitir e contratar quem tinha Universidade”. O profissional que trabalha na área de gestão não pode ficar alheio a esse conjunto de variáveis que afetam a dinâmica das forças produtivas como também a composição e dinâmica da classe. Iniciamos nosso trabalho de assessoria traçando um plano de trabalho conjunto de forma a privilegiar o desvelamento dessas novas formas e significados dado ao trabalho para então mediatizá-las com as requisições colocadas aos profissionais que demandam novas habilidades que como diz NETTO(1996: 109) envolvem “novas competências sócio- políticas e teórico instrumentais (...). Ora, novas competências remetem , direta mas não exclusivamente a pesquisa, a produção de conhecimentos e as alternativas de sua instrumentalização – e, no caso do Serviço Social, isso quer dizer conhecimento sobre a realidade social.” Procuramos, então, compreender como essas variáveis se conformam social e culturalmente ao mesmo tempo em que analisamos, a partir do material da empresa (planejamento estratégico, qualidade total, projetos específicos, etc.), os princípios de gestão da instituição específica mediatizando com o contexto mais geral em que se localiza. Cabe ainda, avaliar os projetos implementados pela área de Recursos Humanos e localizar, se for o caso, a “razão de ser do Serviço Social”, decodificando as demandas institucionais. Ainda dominando o discurso organizacional e entendendo o seu significado na organização e no quadro mais geral de mudanças na esfera do trabalho (a agudização da questão social, a filantropia empresarial, as novas formas de organização do trabalho e as tendências na área da gestão, etc.) se torna fecundo o debate sobre as dificuldades encontradas no cotidiano da prática profissional e que se referem a apropriação e manuseio de teoria e instrumentais técnico-operativos. Há de se ter coragem frente aos nossos limites profissionais para ao incorporarmos as nossas fragilidades, sermos capazes de responder aos desafios que estamos enfrentando. Entendemos que é a partir de nosso reconhecimento dos elementos éticos, políticos e teóricos presentes em nossa profissão e dos desafios presentes nesse campo do terreno profissional que construiremos condições concretas para responder às exigências do mercado de trabalho sem nos tornarmos reféns dele. Esse processo de trabalho ainda aborda diretamente a questão dos recursos humanos no cenário da reestruturação anteriormente presentes na prática do Serviço Social e que hoje é captada pela gerência a partir da nova visão do papel dos gerentes de que são também responsáveis por produtiva e sua relação com o Serviço Social, sendo possível entender as inflexões dos novos modelos de gestão na política de qualificação e requalificação do trabalhador e como ela repercute nas demandas colocadas ao Serviço Social (a redução de demandas pessoas e não somente por processos; a emergência de novas políticas de incentivos e benefícios voltados para metas específicas – produtividade, resultados – da empresa, coexistindo com outros sistemas de benefícios, a implementação de grupos focados na melhoria dos processos e produtos, etc.). Ora,como nossa proposta de trabalho se concentra na tentativa de afirmar-se dentro do debate profissional em torno da direção social construída nos anos 80 e 90 e por isso enfrenta diferenças em relação aos objetivos de proposições que procuram incorporar o conjunto de transformações no mundo do trabalho como algo inexorável, bastando de modo simplista conhecer (e reproduzir mal) o discurso corrente como mecanismo de manutenção do espaço profissional. Essas proposições significam uma saída rápida e, portanto, bastante confortável que reproduz uma resignação, pois o futuro é algo que desde já vai acontecer, então essa é a melhor forma de enfrenta-lo. Essa posição encontre ressonância na visão do falso consenso contemporâneo que é reproduzido de modo tirânico no discurso da globalização. E essa tirania se traduz pela eliminação das diferenças à medida em que se apregoa uma homogeneidade construída a partir da fatalidade de um destino global, ao qual nada podemos fazer a não ser nos resignarmos. Em sentido inverso, procuramos dirigir nossa intervenção para o terreno teórico-operacional como uma tentativa de responder aos desafios contemporâneos assumindo portanto a sua inconclusividade.
Bibliografia Básica
Central Única dos Trabalhadores. Documento apresentado na internet –
http: \\www.cut.org.br\a20604.htm DOURADO, Elziane Olina. As Inovações Tecnológicas Organizacionais no Trabalho Bancário: o Caso dos Gerentes Dissertação de Mestrado, Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995. DOURADO, Elziane Olina. O Serviço Social Frente às Mudanças no Mundo do Trabalho. Texto encaminhado para publicação no Jornal do CRASS – 7º Região. Rio de Janeiro, maio,1998. NETTO,J. P. “Transformações Societárias e Serviço Social – Notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil”. IN: Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, nº:50, pág. 87-132, ano XVII, abril, 1996.
A Trajetória Da Fenomenologia No Serviço Social Brasileiro - Considerações Preliminares para Uma Revisão Do Pensamento Fenomenológico Na Formação Profissional Do Serviço Social Do Brasil