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FABIO SCARDUELLI

KHAMAILÉON: FANTASIA PARA VIOLÃO E ORQUESTRA DE


ALMEIDA PRADO

Tese apresentada ao curso de Doutorado


em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor em Música, área de
Práticas Interpretativas, sob a orientação
do Prof. Dr. CARLOS FERNANDO
FIORINI.

CAMPINAS – SP
2009
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Scarduelli, Fabio.
Sca72k Khamailéon: fantasia para violão e orquestra de Almeida Prado.
/ : Fabio Scarduelli. – Campinas, SP: [s.n.], 2009.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Fernando Fiorini.


Tese(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.

1. Prado, Almeida. 2. Música Brasileira. 3. Práticas


interpretativas. 4. Violão. 5. Concertos para violão e orquestra.
I. Fiorini, Carlos Fernando. II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Artes. III. Título.
(em/ia)

Título em inglês: “Khamailéon: fantasy for guitar and orchestra by Almeida


Prado.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Almeida Prado ; Brazilian Music ;
Interpretative performances ; Guitar ; Concerts for guitar and orchestra.
Banca examinadora:
Titulação: Doutor em Musica.
Prof. Dr. Carlos Fernando Fiorini.
Prof. Dr. Orlando Cezar Fraga.
Prof. Dr. Paulo de Tarso Camargo Cambraia Salles.
Prof. Dr. Mauricy Matos Martin.
Profª. Drª. Adriana Giarola Kayama.
Prof. Dr. Esdras Rodrigues Silva.
Prof. Dr. Carlos Wiik da Costa.
Prof. Dr. Eduardo Augusto Ostergren.
Data da Defesa: 03-12-2009
Programa de Pós-Graduação: Musica.

iv
v
AGRADECIMENTOS

À Capes, pela bolsa de estudos concedida para a realização deste trabalho.


Aos professores presentes nas bancas de recital I e II, monografia,
qualificação e defesa, sempre com suas valiosas sugestões: Carlos Fernando
Fiorini, Eduardo Ostergren, Adriana Giarola Kayama, Mauricy Martin, José
Augusto Mannis, Esdras Rodrigues Silva, Orlando Fraga (EMBAP) e Paulo de
Tarso Salles (USP).
Aos professores do Departamento de Música da Unicamp, pelo apoio à
realização do meu estágio docente.
Ao meu aluno – violonista e compositor – Lucas Uriarte, por sua valorosa
contribuição na editoração da partitura.
Ao violonista Fabio Shiro Monteiro, que gentilmente me enviou a partitura
do Khamailéon.
Ao professor Eduardo Ostergren, quem me possibilitou o contato com Fabio
Shiro Monteiro na Alemanha para a obtenção da partitura.
Ao flautista Rogério Peruchi, com quem realizo um duo, por sua
participação em meu recital I.
Aos compositores e violonistas que me enviaram dados de obras, de
grande relevância à construção do primeiro capítulo: Marlos Nobre, Mário da Silva,
Gilson Antunes, Fabio Zanon, e Carmo Bartoloni.
Ao professor e compositor Almeida Prado, pela atenção, esclarecimentos, e
por sua obra que tanto me encanta.
À minha esposa, Cristiane Otutumi, pelo apoio inestimável.
E, principalmente, ao meu orientador professor Dr. Carlos Fernando Fiorini,
pelo estímulo, confiança, amizade e dedicação prestada ao trabalho.

vii
RESUMO

Khamailéon é uma fantasia para violão e grande orquestra do compositor paulista


Almeida Prado (1943). Trata-se de sua primeira obra para o instrumento, dentro
de uma produção que envolve ainda peças solo e camerísticas. Foi escrito em
1970, na época em que o autor realizava estudos com Olivier Messiaen em Paris.
Sua linguagem é atonal, com influências estéticas da vanguarda européia pós
anos 50. Seu título se refere ao mimetismo de materiais que ocorre entre violão e
orquestra, assim como um camaleão assume cores ao seu entorno. Khamailéon
nunca foi tocado e seu ineditismo se deve a fatores diversos, dentre eles as
condições nas quais se encontra o manuscrito, única fonte até então existente.
Assim, nosso trabalho tem como objetivo principal incentivar e possibilitar a sua
execução, através da revisão e digitalização da partitura e de uma discussão que
envolve aspectos históricos, estilísticos, estruturais e interpretativos. Está dividido
em quatro capítulos, cada um deles apresentando resultados específicos. O
primeiro contextualiza o compositor e a obra, do ponto de vista histórico-estilístico
em relação ao período entre as décadas de 1950 e 1970. Já o segundo investiga
cada um dos seis movimentos em seu aspecto estrutural, com o intuito de
desvendar o procedimento de mimetismo dos materiais. O terceiro apresenta a
primeira edição, crítica e revisada, com todas as alterações devidamente
argumentadas. E por último, o quarto capítulo traz nossa concepção interpretativa,
fundamentada nos conteúdos desenvolvidos nos capítulos precedentes.

Palavras-chave: Almeida Prado. Música Brasileira. Práticas Interpretativas. Violão.


Concertos para violão e orquestra.

ix
ABSTRACT

Khamailéon is a fantasy for guitar and orchestra by Brazilian composer Almeida


Prado (b. 1943). This is the first work he wrote for this instrument, within a
repertoire that encompasses both solo and chamber pieces. It was written in 1970,
when the composer was studying with Olivier Messiaen in Paris. It has an atonal
language, with post-1950 European aesthetic influences. The piece’s name refers
to the mimetism in the materials between the guitar and the orchestra, as a
chameleon assimilates the colors around it. Khamailéon has never been performed
due to a number of factors, not least of which are the conditions of the manuscript,
its only existing source so far. Thus, our work mainly aims to encourage and
enable its performance through the review and digitalization of its score and a
discussion involving its historical, stylistic, structural and interpretative aspects.
This dissertation is divided into four chapters, each of which presents specific
results. The first chapter contextualizes the composer and his work, from a
historical-stylistic point of view, regarding the period between the decades of 1950
and 1970. The second focuses on the structural aspects of each of the six
movements, in order to unveil the process of mimetism in the materials. The third
presents the first edition, critical and revised, with all the changes properly justified.
At last, the fourth chapter presents our interpretative conception, based on the
contents developed in the earlier chapters.

Key-words: Almeida Prado. Brazilian Music. Interpretative performances. Guitar.


Concerts for guitar and orchestra.

xi
LISTA DE EXEMPLOS

Ex.1. Fases estilísticas de Almeida Prado 7


Ex.2. Quadro revisado das fases estilísticas 8
Ex.3. Produção para violão de Almeida Prado 10
Ex.4. Instrumentação do Khamailéon 12
Ex.5. Tabela de obras concertantes para violão e orquestra, escritas por
compositores brasileiros entre as décadas de 50 e 70 28
Ex.6. Material das madeiras – c.1 a 17 41
Ex.7. Material das cordas – c.14 a 22 41
Ex.8. Conjunto ou síntese do material 41
Ex.9. violão – c.19 42
Ex.10. violão – c.23 e 24 42
Ex.11. Sonata nº1 – c.1 43
Ex.12. Sonata nº1 – c.127 e 128 (I – Vigoroso) 43
Ex.13. Portrait – Visage Intèrieur, c.5 43
Ex.14. Livro para seis cordas – c.78 44
Ex.15. Alturas que representam as cordas soltas do violão 45
Ex.16. Três grupos de notas no violão – c.57 46
Ex.17. Violoncelo – c.58, 59 e 60 46
Ex.18. Violoncelo – c.62 46
Ex.19. Violoncelo – c.63 47
Ex.20. Contrabaixo – c.60 47
Ex.21. Contrabaixo – c.62 47
Ex.22. Violão – c.74 48
Ex.23. Livro para seis cordas – Discurso: c.41 48
Ex.24. Acordes de Cartas Celestes nº1 49
Ex.25. Trecho inicial da obra A Espiral Eterna de Leo Brouwer 50
Ex.26. Síntese do material utilizado entre os c.80 e 83 (negrito, material
do violão: c.74 a 80) 50
Ex.27. Violão – c.82 50
Ex.28. Material da orquestra – c.1 a 15 51
Ex.29. Material do violão – c.1 a 15 52
Ex.30. Material da orquestra – c.23 a 35 52
Ex.31. Material básico do violão – c. 26 a 28 53

xiii
Ex.32. Material básico do violão – c.30 a 36 53
Ex.33. Material da orquestra – c.36 a 49 53
Ex.34. Material inicial do primeiro movimento 53
Ex.35. Materiais das seções 1, 3 e 4 54
Ex.36. Violino solo 4 – c.37 a 39 54
Ex.37. Violino solo 3 – c.37a 39 55
Ex.38. Vozes 1 e 2 do violino solo 3 – c.37 a 39 55
Ex.39. Movimento das trompas nos compassos 4 e 5 55
Ex.40. Sonoridade referencial transposta – naipe das madeiras (c.1-18) 57
Ex.41. Sonoridade referencial original – violão (c.1-18) 57
Ex.42. Transposição da sonoridade referencial – madeiras (c.23) 58
Ex.43. Sonoridade referencial nas madeiras – c. 50 a 65 60
Ex.44. Sonoridade referencial transposta nas cordas - c.53 a 67 60
Ex.45. Material do violão – c.50 a 64 60
Ex.46. Síntese do material do violão – c.49 a 74 62
Ex.47. Violão – c.55 e 56 63
Ex.48. Síntese do material da seção B’ – c.75 a 99 63
Ex.49. Temas em A – c.5 a 24 66
Ex.50. Temas em A’ – c.25 a 47 66
Ex.51. Materiais do trecho Memorial – transposições da sonoridade referencial 68
Ex.52. 27º e 28º compasso da cadência 69
Ex.53. Material das madeiras (sonoridade referencial transposta) – c.8 a 17 69
Ex.54. Material das cordas (violas, violoncelos e contrabaixos – sonoridade
referencial transposta) – c.27 a 30 70
Ex.55. Esquema gráfico – c.8 a 34 70
Ex.56. Materiais do trecho em blocos harmônicos 72
Ex.57. Esquema gráfico – c.66 a 90 72
Ex.58.Transposições da sonoridade referencial – c.98 a 101 73
Ex.59. Violão – c.109 73
Ex.60. Sonoridade referencial e material do segundo trecho em blocos harmônicos 74
Ex.61. Dó 4 126
Ex.62. Braço do violão – os pontos indicam a posição do Dó 4 126

xiv
Ex.63. J.S.Bach – Prelúdio da Suíte BWV 997, c.7 128
Ex.64. Violão - c.22 132
Ex.65. Violão - c.24 132
Ex.66. Sonata nº1 (violão solo), IV movimento – compassos 81 a 83 133
Ex.67. Violão - c.34 133
Ex.68. Violão - c.47 134
Ex.69. Violão - c.50 134
Ex.70. Digitação para mão esquerda – c. 65 a 68 135
Ex.71. Violão – c.65 135
Ex.72. Violão – trecho do c.67 135
Ex.73. Violão – trecho do c.68 136
Ex.74. Acorde do c.72 – sugestão 136
Ex.75. Violão – c.74 137
Ex.76. Violão – compassos 2 a 4 138
Ex.77. Violão – compassos 11 e 12 138
Ex.78. Violão – final do compasso 17 e início do 18 139
Ex.79. Violão – compassos 18 e 19 139
Ex.80. Violão – compasso 24 139
Ex.81. Violão – dedilhado do compasso 26 140
Ex.82. Violão – compasso 27 140
Ex.83. Violão – compasso 28 141
Ex.84. Violão – dedilhado dos compassos 30 e 31 141
Ex.85. Violão – dedilhado do compasso 32 142
Ex.86. Violão – dedilhado do compasso 33 142
Ex.87. Violão – compassos 8 e 9 143
Ex.88. Violão – compassos 9 e 10 143
Ex.89. Violão – compassos 12 e 13 144
Ex.90. violão – compassos 14 a 16 144
Ex.91. Violão – compasso 21 144
Ex.92. Digitação para mão direita – compasso 21 144
Ex.93. Linha melódica formada a partir da primeira nota de cada
grupo de 3 semicolcheias 145
Ex.94. Violão – c.24 145
Ex.95. Violão – compassos 63 e 64 146

xv
Ex.96. Digitação de mão esquerda entre os compassos 50 e 74 148
Ex.97. Digitação de mão esquerda entre os compassos 75 e 92 149
Ex.98. Violão – c.5 a 7 150
Ex.99. Violão – compasso 8 150
Ex.100. Violão compassos 17 e 18 151
Ex.101. Violão – compassos 21 e 22 151
Ex.102. Violão – compassos 23 e 24 151
Ex.103. Violão – compassos 29 a 31 152
Ex.104. Violão – compasso 37 152
Ex.105. Violão – compasso 5 153
Ex.106. Violão – compasso 10 154
Ex.107. Violão – compasso 11 154
Ex.108. Violão – compasso 13 155
Ex.109. Violão – compasso 14 155
Ex.110. Violão – final do compasso 13 com início do compasso 14 155
Ex.111. Violão – compasso 15 156
Ex.112. Violão – compasso 16 156
Ex.113. Violão – final do compasso 20 e início do 21 156
Ex.114. Sonoridade referencial 157
Ex.115. Violão – compasso 24 157
Ex.116. Vibrafone – compasso 25 157
Ex.117. Violão – 8º compasso da cadência 158
Ex.118. Violão – 10º compasso da cadência 159
Ex.119. Violão – 13º compasso da cadência 159
Ex.120. Violão – 20º compasso da cadência 159
Ex.121. Violão – 28º compasso da cadência 160
Ex.122. Acorde do violão nos compassos 8, e 30 a 34 – sonoridade referencial 160
Ex.123. Acorde do violão nos compassos 16, e 18 a 19 160
Ex.124. Acorde do violão no compasso 20 160
Ex.125. Violão – acorde da subseção 1 (c.36 – 53) 161
Ex.126. Violão – acorde da subseção 2 (53 – 57) 161
Ex.127. Violão – acorde da subseção 3 (57 – 61) 161
Ex.128. Violão – acorde da subseção 4 (c.61 – 63) 161
Ex.129. Violão – acorde da subseção 5 (c.63 – 65) 162

xvi
Ex.130. Violão – compasso 61 162
Ex.131. Violão – compasso 63 162
Ex.132. Violão – compasso 75 163
Ex.133. Violão – compasso 93 163
Ex.134. Violão – compasso 94 164
Ex.135. Violão – compasso 95 164
Ex.136. Elementos de transição entre os movimentos 228
Ex.137. Síntese de dinâmica e massa sonora entre os compassos 1 e 26 232

xvii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. CONTEXTUALIZAÇÃO 4
1.1. O compositor e a obra 4
1.1.1. Dados biográficos 4
1.1.2. Fases estilísticas 5
1.1.3. Almeida Prado e o violão 9
1.1.4. O Khamailéon 11
1.2. Contexto histórico-estético entre os anos de 1950 e 1970 16
1.3. Questões de estilo e linguagem no Khamailéon 21
1.4. O Khamailéon no contexto da produção brasileira para
violão e orquestra 26

2. ESTRUTURA DA OBRA 38
2.1. Sobre a metodologia 38
2.2. Materiais e mimetismos 40
2.2.1. I Movimento 40
2.2.2. II Movimento 51
2.2.3. III Movimento 57
2.2.4. IV Movimento 62
2.2.5. V Movimento 65
2.2.6. VI Movimento 67

3. EDIÇÃO CRÍTICA 75
3.1. Revisão da partitura 75
3.1.1. Questões gerais 77
3.1.2. Questões específicas 82
3.1.2.1. I Movimento 82
3.1.2.2. II Movimento 93

xix
3.1.2.3. III Movimento 100
3.1.2.4. IV Movimento 108
3.1.2.5. V Movimento 115
3.1.2.6. VI Movimento 118
3.2. Revisão e digitação das partes do violão – um olhar sobre sua
exeqüibilidade 126
3.2.1. A digitação como primeira manifestação interpretativa 126
3.2.2. Revisão e digitação argumentadas 131
3.2.2.1. I Movimento 131
3.2.2.2. II Movimento 137
3.2.2.3. III Movimento 142
3.2.2.4. IV Movimento 146
3.2.2.5. V Movimento 149
3.2.2.6. VI Movimento 152
3.3. Primeira edição 165
3.3.1. Partitura completa 166
3.3.2. Parte do violão (com acréscimo de digitação) 211

4. QUESTÕES INTERPRETATIVAS 226


4.1. Questões gerais 226
4.2. Questões específicas 232
4.2.1. I Movimento 232
4.2.2. II Movimento 235
4.2.3. III Movimento 236
4.2.4. IV Movimento 237
4.2.5. V Movimento 238
4.2.6. VI Movimento 239

CONCLUSÃO 244

REFERÊNCIAS 247

xx
APÊNDICE 1: Síntese das modificações propostas na
revisão da parte do violão 250
APÊNDICE 2: Carta de Fabio Shiro Monteiro 254
APÊNDICE 3: Entrevista com Almeida Prado 257
ANEXOS: Partitura – versão facsimile (fotocópia do manuscrito) 279

xxi
INTRODUÇÃO

O compositor paulista José Antônio Resende de Almeida Prado (1943)


possui uma produção para violão que abrange peças solo, camerísticas e uma
fantasia para violão e orquestra. Esta última – Khamailéon (1970), tema de nosso
trabalho – representa a sua experiência inaugural com o instrumento. Faz parte da
fase universal do autor, marcada pelo abandono de uma estética nacionalista e
influenciada pela vanguarda pós anos 50. Escrita em dezembro de 1970, há pouco
mais de um ano da chegada do compositor em Paris, já apresenta germes de
idéias musicais que viriam a se desenvolver em obras posteriores, como em Ilhas
(1973)1, Livro para seis cordas (1974)2, Cartas Celestes nº1 (1974)3 e Sonata nº1
(1983)4. Foi apresentada em classe a Olivier Messiaen, seu então professor, tendo
recebido críticas positivas na ocasião.
A obra possui seis movimentos, executados ininterruptamente, sendo que o
último rememora materiais do primeiro como uma recapitulação. Esta invenção
formal, elogiada por Messiaen, acompanha os ideais da geração da vanguarda do
pós-guerra, em especial Pierre Boulez, que prega inovação em todos os níveis da
construção musical. Assim, o Khamailéon não nos traz formas históricas pré-
concebidas em cada movimento. Sua lógica parte do desenrolar do próprio
material musical. Está fundamentado na redundância de certas idéias musicais
dentro de um mesmo movimento e entre movimentos distintos, obtendo assim
unidade. Recorre também ao mimetismo5 destas idéias entre violão e orquestra,
assim como o camaleão imita as cores que estão ao seu entorno.
Próximo de completar 39 anos, o Khamailéon é ainda uma obra inédita –
tanto do ponto de vista artístico como acadêmico – e muito pouco conhecida. Sua
partitura foi durante anos perdida dentro dos arquivos da Tonos Musik Verlag6 e

1
Obra para piano solo.
2
Obra para violão solo.
3
Obra para piano solo.
4
Obra para violão solo.
5
Este termo é utilizado em toda a tese para se referir ao processo de imitação, por acharmos
apropriado a uma compreensão mais clara da metáfora que Almeida Prado faz do camaleão.
Assim, não se trata de um termo técnico da teoria ou da análise musical.
6
Editora alemã com a qual Almeida Prado possui contrato.

1
há pouco tempo reencontrada junto a partituras de viola. Apresentava-se ainda no
manuscrito em papel A3 e, segundo o autor, até então não havia sido realizada
sequer uma primeira revisão.
Acreditamos que estes fatores representaram uma primeira barreira à sua
estréia. Assim, nosso trabalho tem como objetivo maior, através de uma discussão
ampla, possibilitar e estimular a sua execução. Parte da necessidade de uma
revisão e editoração, a fim de gerar recursos materiais em condições adequadas.
Realiza ainda com os mesmos fins uma investigação histórica, estilística,
estrutural e interpretativa.
Para isso, organizamos a tese em quatro capítulos. O primeiro tem o intuito
de fornecer dados do compositor e da obra, colocando-os em discussão frente ao
momento histórico e estilístico entre as décadas de 1950 e 1970. Apresenta-se
distribuído em quatro partes: 1.1. O compositor e a obra tem caráter mais
historiográfico de Almeida Prado e do Khamailéon; 1.2. Contexto histórico-estético
entre os anos de 1950 e 1970 e 1.3. Questões de estilo e linguagem no
Khamailéon verificam como a obra recebe influências de autores da vanguarda
européia; 1.4. O Khamailéon no contexto da produção brasileira para violão e
orquestra realiza um levantamento de obras concertantes para violão de autores
brasileiros, analisando como o Khamailéon se localiza neste contexto. Para este
capítulo foram utilizados como recursos fontes bibliográficas, fonográficas, troca
de correspondências e, principalmente, uma entrevista realizada com o compositor
em sua residência em São Paulo.
O segundo capítulo procura compreender a obra do ponto de vista
estrutural de cada movimento. Parte do princípio do mimetismo, verificando como
os materiais assim se desenvolvem. Utiliza o termo sonoridade referencial
presente em Kostka (2006) para explicar o material harmônico recorrente que
caracteriza os trechos e que sugere a cor mimetizada.
O terceiro capítulo apresenta uma primeira edição da obra, crítica e
revisada. Divide-se em três grandes partes: 3.1. Revisão da partitura argumenta
as modificações propostas na partitura geral, que tiveram como foco a resolução
de inconsistências de escrita, decorrentes da carência de uma primeira revisão

2
pelo autor; 3.2. Revisão e digitação das partes do violão – um olhar sobre sua
exeqüibilidade concentra-se na escrita do violão, sobre a qual são sugeridos um
dedilhado e algumas modificações visando resolver problemas de exeqüibilidade;
Por último, 3.3. Primeira edição apresenta a partitura revisada e digitalizada.
A tese é concluída com nossa concepção de execução da obra. É guiada
por idéias de dinâmica, articulação e timbre, fundamentadas nos conteúdos
desenvolvidos nos capítulos precedentes, fechando um ciclo. Apresenta-se em
duas partes, uma baseada em questões gerais – transição entre os movimentos,
uso do microfone pelo solista e execução de trechos aleatórios – e outra em
questões específicas que discute particularidades de cada movimento.
Nosso trabalho não tem o intuito de fechar a discussão sobre o Khamailéon.
Quer, sobretudo, colocá-lo em pauta, a fim de que venha a se tornar vivo nas
salas de concerto, em diferentes interpretações.

3
1. CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1. O compositor e a obra

1.1.1. Dados biográficos

José Antonio Resende de Almeida Prado nasceu em Santos – SP no dia 08


de fevereiro de 1943. Iniciou uma carreira precoce como pianista, e aos 11 anos
de idade, orientado por Dinorá de Carvalho7, já dava seus primeiros recitais. No
entanto, seus estudos de piano não estavam dissociados da atividade de compor
para o instrumento. Isso o levou a estudar composição com Camargo Guarnieri
(1907-1993), com quem aprendeu os fundamentos da música brasileira, da
estética nacionalista de Mário de Andrade. As aulas duraram 5 anos, de 1960 a
1965, interrompidas por Almeida Prado que se sentia sufocado pelas imposições
estéticas de Guarnieri. Interessava-se pelas novidades que chegavam da Europa,
e desejava refletir seu caminho criativo. Foi encontrar uma orientação informal
com seu conterrâneo Gilberto Mendes (1922), que o apresentou obras de
compositores como Schoenberg, Stravinsky, Berg, Webern, Stockhausen, Boulez,
Messiaen e Varèse.
Em 1969 é premiado em um concurso de composição, fato que daria novas
perspectivas à sua carreira. Obtém o primeiro lugar no I Festival de Música da
Guanabara, no Rio de Janeiro, com sua cantata Pequenos Funerais Cantantes. A
generosa premiação em dinheiro transformou-se numa bolsa de estudos,
possibilitando-lhe completar sua formação na França. Estudou durante 4 anos em
Paris (de 1969 a 1973), com dois dos maiores compositores e didatas da música
do século XX: Olivier Messiaen e Nádia Boulanger. Além disso, vivenciou os mais
recentes movimentos da música de vanguarda da Europa, desencadeados a partir

7
Professora, compositora e pianista virtuose. Nasceu em Uberlândia em 1895 e faleceu em São
Paulo em 1980. Estudou em Paris e apresentou-se em diversos países da Europa e América. Teve
seu trabalho elogiado por Villa-Lobos, e sua obra foi executada por nomes como Guiomar Novaes,
Bidu Sayão, Camargo Guarnieri, Souza Lima, Eleazar de Carvalho, entre outros.

4
da década de 50. Neste mesmo período assinou contrato exclusivo com a editora
alemã Tonos Verlag, de Darmstadt, que editou grande parte de sua obra.
De volta ao Brasil, em 1973, teve uma curta passagem como diretor do
Conservatório Municipal de Cubatão, no estado de São Paulo. Logo em seguida,
em 1975, ingressa como professor de composição na Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP, onde lecionou até o ano 2000. Neste meio tempo, Almeida
Prado compôs grande parte de sua obra. Além disso, teve passagens como
professor convidado na Universidade de Indiana (1984), e na Rubin Academy de
Jerusalém (1989-1990).
Sua produção ultrapassa hoje 500 títulos, para variadas formações e
diferentes instrumentos, incluindo piano, orquestra, instrumento solista e
orquestra, banda sinfônica, coro, vozes solistas, grupos de sopros, cordas, violão,
entre outros. Ocupa desde 1982 a cadeira nº15 da Academia Brasileira de Música,
cujo patrono é Carlos Gomes e fundador Oscar Lorenzo Fernandez. Sua obra
encontra-se reunida e catalogada no Centro de Documentação de Música
Contemporânea – CDMC / Campinas – na Unicamp.

1.1.2. Fases estilísticas

Almeida Prado teve uma formação diversificada, como podemos verificar no


texto acima. Iniciou uma carreira como pianista, tocando e conhecendo
profundamente o repertório tradicional. Estudou composição com Camargo
Guarnieri, Gilberto Mendes, Olivier Messiaen e Nádia Boulanger, passando por
concepções que incluem desde a estética nacionalista, procedimentos da
harmonia e contraponto tradicionais e da música atonal e serial. Vivenciou os
movimentos de vanguarda na década de 70 na Europa, recebendo influências
múltiplas que incluem até mesmo a música eletroacústica, de Iannis Xenakis
(1922 – 2001) e Karlheinz Stockhausen (1928 – 2007). Hoje, com a bagagem de
um compositor maduro, vive um momento de síntese em sua linguagem, reflexo
de uma trajetória marcada por diferentes fases estilísticas, como mostra o quadro
abaixo:

5
Período Fase Características
Obras sem preocupação estrutural,
inspiradas no cotidiano infantil,
principalmente no folclore e na cultura
1952-1960 Infanto-juvenil
popular. Destacamos Os Duendes na
Floresta, Dança espanhola, Procissão do
Senhor Morto e O Saci.
Corresponde ao período em que estudou
com Camargo Guarnieri, marcado pela
1960-1965 Guarnieriana
estética nacionalista, com ampla utilização
do folclore.
Marcado pelo rompimento com Guarnieri
e com a estética nacionalista, bem como
1965-1969 Autodidata por uma orientação informal com Gilberto
Mendes. Obras caracterizadas pela
linguagem atonal e serial não ortodoxa.
Corresponde ao período de Paris, com
influências da vanguarda, e um
1969-1973 Universalista
aprofundamento nos estudos de ritmo,
contraponto e harmonia tradicional.
O termo ecológico refere-se à inspiração
na natureza, tais como ruídos, pássaros, e
figuras onomatopaicas. Já o astronômico
1973-1983 Ecológico-astronômica refere-se a sua obra Cartas Celestes, que,
inspirada no Atlas Celeste de Ronaldo
Mourão, marca o início de sua linguagem
transtonal 8.

8
Nomenclatura dada pelo musicólogo Yulo Brandão, referente à utilização das ressonâncias do
tonalismo sem recorrer às relações de tônica e dominante tal como ocorre neste sistema.

6
Fase que se caracteriza por citações,
revisitações a formas e gêneros
tradicionais, retorno ao uso de elementos
1983-1993 Pós-moderna
de sua fase Guarnieriana, numa fusão de
elementos que incorpora o tonal, modal,
atonal, exploração de timbres e ritmos.
Fase de síntese ou tonal livre, assim se
auto define o compositor. Todos os
1993 - Síntese elementos de sua bagagem podem ser
aplicados, na medida em que resolve
evocá-los.
Ex.1. Fases estilísticas de Almeida Prado

Esta classificação é baseada em depoimentos de Almeida Prado, presentes


em artigos e teses que abordam a sua obra. Entretanto, colocando-a sob um olhar
crítico, podemos pensá-la a partir de três grandes divisões, fundamentadas
essencialmente no aspecto estilístico, independente de aperfeiçoamentos técnicos
realizados. Assim, propomos uma nova visão do quadro, a partir da junção de
algumas fases que, em aspectos gerais, são caracterizadas pela continuidade, em
vez da ruptura:

Período Fase Características


Obras marcadas por uma estética
1952-1965 Nacional baseada em temas e gêneros do folclore
brasileiro, com linguagem modal ou tonal.
Fase caracterizada pelo rompimento com
a linguagem nacionalista, na busca por
uma universalidade, inspirada
1965-1983 Universal
principalmente nos movimentos mais
novos que surgiram na Europa, através de
procedimentos como o atonal, artifícios

7
seriais, espacialização da rítmica,
liberdade formal, entre outros.
Momento em que passa a mesclar
elementos diversos de sua trajetória,
retornando aos aprendizados de seus
estudos com Guarnieri, passando pelo
1983 - Síntese
modal, tonal, atonal, complexas
elaborações rítmicas e timbrísticas, e
recorrendo a formas e gêneros
tradicionais.
Ex.2. Quadro revisado das fases estilísticas

Desta maneira, consideramos as fases antes conhecidas como Infanto-


juvenil e Guarnieriana como apenas um período que preza pelo uso de
informações do folclore, sejam elas de forma proposital ou apenas intuitiva. Não
se verifica ruptura, mas um tornar pouco a pouco consciente o uso dos aspectos
da cultura nacional, com um aperfeiçoamento técnico oriundo das aulas com
Guarnieri.
Entretanto, a ruptura ocorre em 1965, simbolizada de maneira bem clara
pela quebra dos laços com Guarnieri e sua estética. O compositor passava por um
momento de intensa curiosidade em conhecer os movimentos mais novos que
vinham ocorrendo na Europa, profundamente condenados pelo seu então
professor. Não houve alternativa senão o rompimento, numa busca pelo universal.
Assim, sua fase autodidata, revelada no primeiro quadro, já corresponde a uma
mudança estilística, marcada pelo uso de procedimentos como o atonal e artifícios
seriais. E sua fase em Paris, nas aulas com Messiaen e Boulanger, possibilitou-lhe
um aprofundamento em harmonia, contraponto e ritmo, sem mudanças de rumo
em sua estética. O mesmo ocorreu em sua volta ao Brasil. Sua linguagem
transtonal, desenvolvida de maneira consciente neste período, tem como base
aspectos universais da música, das articulações do atonalismo, aos
fundamentados intervalares do sistema tonal, como a 8ª, a 5ª e a 3ª. Mesmo

8
recorrendo ao ecológico no intuito de se referir ao Brasil, através de ruídos e
onomatopéias, não lança mão de outros aspectos da cultura nacional, cujo
fundamento é quase sempre o folclore. Assim, podemos afirmar que o período
entre os anos de 1965 a 1983 corresponde a uma fase embasada em aspectos
universais da música.
Uma nova ruptura vem ocorrer justamente na década de 80. Seu
Poesilúdios nº1 para violão solo, composto em 1983, resgata uma série de
elementos cuja origem pode ser verificada em sua fase Nacional. Em linguagem
modal e ritmo sincopado, aponta para um estilo há muito tempo esquecido pelo
compositor. Este novo momento é essencialmente caracterizado pela síntese:
citações de temas seus ou de outros compositores, retorno ao uso de formas e
gêneros tradicionais ou do folclore brasileiro, mescla quase surreal de linguagens,
como o tonal, modal e atonal. Novamente, não verificamos uma quebra entre as
fases Pós-moderna (1983-1993) e de Síntese (1993 aos dias de hoje) apontadas
na primeira tabela. Há antes uma continuidade, marcada por algumas sutilezas,
mas que podem ser, grosso modo, classificadas como uma etapa de Síntese
(1983 aos dias de hoje), em que o compositor lança mão de ferramentas que se
colocaram à sua disposição em diferentes momentos de sua trajetória.

1.1.3. Almeida Prado e o violão

O conhecimento que Almeida Prado tem do violão provem de audições,


análise de partituras, principalmente de Villa-Lobos, e do contato com
instrumentistas. Mesmo sem tocar o instrumento, escreveu para ele uma obra que
abrange peças solo, camerísticas e uma fantasia para violão e orquestra
(Khamailéon), como mostra o quadro abaixo:

9
Ano Título Instrumentação
1970 Khamailéon Violão e orquestra
1972 Ritual da Palavra Bar.Co.SATB;fl.ob.cl/gt./2pf/vln.vlc
1972/75 Portrait de Dagoberto Violão solo
1974 Livro para Seis Cordas Violão solo
Celebratio Amoris et Gaudii
1980 Co.SATB;gt
(Celebracion de I’amour et de la joie)
1981 Sonate nº1 Violão solo
1983 Poesilúdios nº1 Violão solo
S.T.Co.SATB;orq
Lira de Dona Bárbara Eliodora – [20fl.2ob.2cl.2fg/4cor.2trb/2perc.vib.ttam.
1987
Cantata Colonial mar.camp.timp/pf(cemb).3gt/vln1.vln2.
vla.vlc.cb]
1996 As 4 Estações Violino e violão
1996 Sonata Tropical Dois violões
Pf, sax s(cl).sax a.3sax t.sax
Obras para Piano e Orquestra:
1997 bar./5tpt.4trb/vib.xil.camp tub.pt sus.5
Louvor Universal – Salmo 148
ttons.4timp.gc.perc/gt/cb
Ex.3. Produção para violão de Almeida Prado

Dedicou a alguns violonistas algumas de suas peças, que fizeram revisão


ou sugestões quanto a questões de exeqüibilidade. Foram eles: Dagoberto
Linhares, paulista radicado na Suíça, Fabio Shiro Monteiro, gaúcho radicado na
Alemanha, e o carioca Turíbio Santos. A Dagoberto foram dedicados Portrait
(1972/75) e a Sonata nº1 (1981); a Turíbio o Livro para seis cordas (1974), a partir
de uma encomenda, cujo objetivo era gravação pelo selo Erato e edição pela Max
Eschig9. Mas foi Shiro o grande responsável por divulgar a obra de Almeida Prado,
principalmente na Europa. Revisou, gravou e tocou a Sonata nº1 em diversos
países10, fato que levou o compositor a dedicar-lhe a Sonata Tropical (1996)11.

9
Este projeto foi concretizado por Turíbio Santos em 1975, e é a única obra de Almeida Prado
editada na França, pela Max Eschig.
10 o
Execuções de Fabio Shiro Monteiro da Sonata n 1 de Almeida Prado: - Estréia alemã, em 3 de
março de1993, em Karlsruhe; - Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras cidades brasileiras, em

10
1.1.4. O Khamailéon

Em 06 de dezembro de 1970 (de acordo com assinatura na última página


do manuscrito), há aproximadamente um ano e quatro meses residindo em Paris,
Almeida Prado conclui o Khamailéon, uma fantasia para violão e orquestra. Trata-
se de uma obra em 6 movimentos, e seu título, cuja origem vem do grego
(χαµαιλέων) (ver discussão a respeito do título no capítulo de revisão: 3.1.1.
Questões gerais), segundo o compositor, refere-se ao fato de que o violão assume
materiais (cores e texturas) da orquestra, num procedimento de mimetismo, assim
como o camaleão assume cores dos locais ao seu entorno.

São situações em que o camaleão vai andando e mimetiza o


verde, o amarelo, as cores da orquestra[...]. A orquestra é sempre
o ambiente ecológico. A orquestra inteira, seções da orquestra, a
mistura de naipes, sempre é o cenário ecológico onde o camaleão
passeia. Mas o camaleão é quem passeia e muda de cor, a
orquestra oferece a paisagem [...] Eu não quis dar o nome em
francês, e nem Camaleão em português por causa do til, pois não
existe o til na França. Então eu fui ao dicionário e resolvi colocar
em grego.12

Escolheu uma fantasia pelo fato de que não ambicionava um concerto


tradicional, mas permitir-se inventar livremente, sem se prender a formas ou
linguagens pré-estabelecidas. Mostrou esta obra em classe a Olivier Messiaen,
que destacou dentre outros aspectos justamente as inovações formais:

E no final há uma reexposição, que o Messiaen achou genial. Ele


disse assim: “o senhor fez um concerto que não é mais o concerto
de Beethoven, mas que é um concerto que tem um solista com
orquestra, diálogos com a orquestra. Temas rítmicos e melódicos,
e depois você tem a reexposição transfigurada”. Ele achou que era
uma forma nova. Eu tinha revolucionado a forma concerto, o título
era maravilhoso, poético. Isso me marcou, com essa obra. E das

outubro de 1993; - estréia espanhola em 09 de abril de 1998, no festival de Zarautz, na costa


basca.
11
A Sonata Tropical foi estreada por Fabio Shiro e Gen Hasegawa, em 28 de agosto de 1996, em
Viena. A estréia brasileira ocorreu em Porto Alegre, em 02 de setembro de 1997. Foi gravada pelos
violonistas Carlos Chavez e Paulo Aragão no disco intitulado ‘O Som de Almeida Prado’ (1999).
12
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.

11
coisas que eu fiz que ele gostou muito, em especial, que ele achou
diferente, estão na orquestração, na escolha dos timbres. Ele
achou originalíssimo. 13

A reexposição a qual se refere o compositor é o sexto movimento, intitulado


Memorial, em que são rememorados elementos dos movimentos anteriores.
A instrumentação do Khamailéon é composta de:

Solista Violão
Pícolo, Flauta, Flauta em Sol, Oboé, Clarineta em Sib (I e II),
Madeiras
Fagote
Metais Trompas em Fá (I a IV), Trombones (I a III)
Pratos (com arco de Violoncelo), Claves, Temple Block,
Percussão Maracas, Bambus, Vibrafone, Xilofone, Cencerro, Tantam
(SAT), Gran cassa, Tontom (SATB), Bongôs
Cordas Violinos (I e II), Violas, Violoncelos, Contrabaixos
Ex.4. Instrumentação do Khamailéon

Foi uma atitude ousada do compositor ao colocar o violão frente a uma


grande orquestra em sua primeira abordagem ao instrumento. Partiu de uma
encomenda informal de Alberto Ponce14, violonista espanhol ligado à música
contemporânea, que na época lecionava no Conservatório de Paris, e a quem a
obra foi inicialmente dedicada. Entretanto, Almeida Prado demonstra grande
insatisfação pelo fato de Ponce não tê-la executado, talvez por ter achado
dispendioso naquele momento revisar a parte do violão. Vale lembrar ainda que
Almeida Prado era na época um jovem estudante recém chegado em Paris, e isso
talvez causasse naturalmente desconfiança em relação aos seus potenciais.
Assim, em depoimento15, o compositor manifestou-se retirando a dedicatória que,
segundo ele, permanecerá em aberto até que alguém a execute.

13
Ibid.
14
Norton Dudeque (1994, p.95) destaca Alberto Ponce como um dos principais violonistas
espanhóis da atualidade, juntamente com Narciso Yepes, Pepe, Angel e Celín Romero, José
Tomás e Guillermo Fierens. Foi importante intérprete de Maurice Ohana e compositores como
Antonio Ruiz-Pipo e Roland Dyens lhe dedicaram algumas de suas obras.
15
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.

12
Vamos observar mais adiante, durante a tese, que alguns procedimentos
musicais e idiomáticos utilizados no Khamailéon serão reaproveitados ou citados
em suas peças posteriores, principalmente no Livro para seis cordas (1974) e na
Sonata nº1 (1981), ambas para violão solo, e também em suas Cartas Celestes
nº1 (1974) para piano solo, obra marco em sua carreira, que lhe garantiu grande
projeção.

De certa maneira este [Khamailéon] veio antes, não é? Isso gerou


o Sinimbú, gerou Cartas Celestes, gerou o Livro para seis cordas,
muita coisa! E também tem na Sonata para violão aquele elemento
do Livro para seis cordas. Ou seja, como eu achei que soava bem,
fui colocando nas obras para violão.16

O Sinimbu (1973) para soprano solo, ao qual se refere Almeida Prado na


citação acima, que em Tupi-Guarani também significa camaleão, é construído a
partir de figuras onomatopaicas, numa referência ecológica. É o primeiro
movimento de uma obra chamada Três Episódios de Animais, composta ainda por
Tamanduá e Anta:

Sinimbu foi composto em São Paulo em 1973 e foi dedicado a


Victoria Kerbauy. Possui texto onomatopaico que usa efeitos
sonoros que imitam ruídos de pássaros, da floresta e do vento. A
obra simboliza o camaleão, que muda de cor conforme o lugar que
está. É sem acompanhamento. A cantora faz todos os efeitos
vocalmente, inclusive os de percussão.17

Vale ressaltar ainda, nesta investigação genealógica das obras do


compositor, suas Ilhas (Agosto de 1973) para piano solo. Podemos apontar no
Khamailéon fragmentos das origens de seu tratamento harmônico, da
espacialização de sua rítmica, e do trabalho com as cores:

Sobre Ilhas, eu estava pensando hoje que é uma obra que vem do
Khamailéon. O Khamailéon é o pai de muitas coisas. Antes do

16
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.
17
Texto de Almeida Prado, extraído do encarte do disco Victoria Kerbauy, em que a cantora
interpreta obras do autor.

13
Khamailéon eu nunca escrevi nada igual. O Khamailéon foi uma
espécie de, como se diz no francês, “mise en page”, colocar na
pauta. Tudo aquilo que eu aprendi com o Messiaen, tudo aquilo
que eu havia aprendido sobre Boulez, serialismo, coloquei numa
composição.18

Dessa forma, o Khamailéon é uma obra que concebe uma série de idéias
preliminares que germinarão em obras posteriores.
Foi durante muito tempo esquecido, e até mesmo perdido nos arquivos da
Tonos19. Em torno de 1996, Fabio Shiro, residindo na Alemanha e mantendo
contatos estreitos com o compositor, recebe dele a partitura, com a tarefa de
entregá-la em mãos a Siegfried König, proprietário da Tonos. Shiro repassou o
manuscrito sem copiá-lo e isso lhe causou grande arrependimento, pois foi
perdido dentro da própria editora. Anos mais tarde foi finalmente encontrado junto
a partituras de viola, confusão causada provavelmente pela terminologia “violão”,
utilizada somente no Brasil20. Entretanto, observando-se a folha de rosto que
acompanha o manuscrito, vemos assinado pelo compositor: “Camaleão: fantasia
para violão e orquestra”, cuja grafia é confusa e lembra “[...] fantasia para viola e
orquestra”, podendo também ter sido este o motivo do incidente. Fabio Shiro
recuperou a obra, guarda hoje consigo o manuscrito original, e acha pouco
provável que a partitura seja editada, devido à crise pela qual atravessa a editora.
Enviou-nos, então, uma cópia para o desenvolvimento de nosso trabalho.
O Khamailéon permanece inédito, aguardando uma execução desde 1970.
Em parte, inicialmente, por ter sido ignorado pelo violonista a quem foi dedicado.
De outro lado, talvez pelo incidente da perda da partitura, que o manteve no
esquecimento por alguns anos.
Escrita num momento em que Almeida Prado realizava seus estudos em
Paris – com Olivier Messiaen e Nádia Boulanger, entre 1969 e 1973 – esta obra
reflete a sua estética Universal, conforme a discussão no texto 1.1.2. Fases
estilísticas. Na produção deste período destacam-se obras caracterizadas por uma

18
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.
19
Almeida Prado tem grande parte de sua obra editada pela Tonos Musik Verlag de Darmstadt.
20
Na maioria dos idiomas utiliza-se o termo derivado de “guitarra” (Guitare em alemão).

14
linguagem atonal livre, com influências de Ligeti, Xenakis e Stockhausen, das
quais podemos citar Portrait de Dagoberto para violão solo, Livro sonoro (1972)
para quarteto de cordas, Portrait de Lili Boulanger (1972) para piano, flauta e
quarteto de cordas, Portrait de Nádia Boulanger (1972) para soprano e piano,
entre outras. O Khamailéon surge, então, num momento em que Almeida Prado
vivencia na França os movimentos desencadeados pela vanguarda do pós-guerra
(pós-1950). Este contexto estético, entre as décadas de 50 e 70, será abordado no
texto que segue, para melhor compreendermos as origens e os fundamentos do
estilo e da obra em questão.

15
1.2. Contexto histórico-estético entre os anos de 1950 e 1970

A primeira metade do século XX testemunhou uma série de movimentos e


reformulações na música de concerto que apontaram diferentes soluções a
problemas levantados em torno da linguagem musical. A gradativa dissolução do
sistema tonal, historicamente atribuída a partir de Richard Wagner (1813-1883), foi
encontrar principalmente nas idéias de Arnold Schoenberg (1874-1951) uma
tentativa de sistematização, através do dodecafonismo. Porém os dodecafonistas
não esperavam que algumas de suas atitudes viriam a ser combatidas pela
geração seguinte, a do pós-guerra. A geração que se configura como
vanguardista, a partir da década de 50, composta por nomes como Pierre Boulez
(1925-) e Karlheinz Stockhausen (1928-2007), vai refutar o comportamento
neoclássico assumido pela segunda escola de Viena. Afirma a importância do
trabalho com a série, expande-a a diversos parâmetros da música, mas combate a
precipitação de alguns compositores que, estando diante de uma possibilidade tão
vasta, apressaram-se em aplicá-la prematuramente a formas e gêneros
tradicionais:

Berg e Schoenberg [...], a partir do momento em que se


estabeleceram os princípios seriais, passaram imediatamente a
edificar obras musicais de complexidade pelo menos igual a obras
precedentes. Este fato levou-os, naturalmente, a se apoiarem em
princípios de composição anteriores aos da técnica serial (forma
sonata, rondó, ou formas pré-clássicas: giga, passacalle, coral
etc.).21

Boulez (1995, p.26) aponta presunção e timidez como os principais motivos


que os levaram a esta atitude precipitada: presunção porque, “utilizando uma
linguagem cujos meios de articulação ainda estavam mal definidos, tentava-se a
grande forma com toda a sua complexidade”; e timidez “pela falta de confiança
nas propriedades específicas dessa linguagem”.
No entanto, um nome é poupado das críticas: Anton Webern (1883-1945),
cuja atitude diante do serialismo vai ser de paciência para com o desenvolvimento

21
BOULEZ, Pierre. Apontamentos de aprendiz. São Paulo: Perspectiva, 1995. p.26.

16
do próprio sistema. Assim, não se precipita em tão cedo recorrer a princípios
tradicionais da forma, mas deixa que a obra seja estruturada a partir da
necessidade do próprio material sonoro:

[...] em Webern, a EVIDÊNCIA SONORA é atingida pela geração


da estrutura a partir do material. Estamos falando do fato de que a
arquitetura da obra deriva diretamente da disposição da série. [...]
É, portanto, com Webern que irrompem na sensibilidade adquirida
os primeiros elementos de uma forma de pensamento musical
irredutível aos esquemas fundamentais dos universos sonoros que
o precederam.22

Segundo Griffiths (1998), a postura minuciosa de Webern no trato do


material musical inspirou a vanguarda a desenvolver o serialismo integral, ou seja,
a aplicação de princípios seriais a outros parâmetros da música que não somente
a altura:

Stockhausen e Boulez encontraram um precedente para seu


serialismo generalizado nas obras tardias de Webern, que se
tornou para eles “O ponto de partida”. [...] É improvável que
Webern tenha jamais cogitado de aplicar o serialismo a outros
elementos que não à altura, mas sua preocupação com detalhes
parecia prenunciar uma música em que cada nota fosse composta
separadamente, como ocorreria com o serialismo integral.23

Ainda a respeito da renúncia a formas pré-concebidas, podemos evidenciar


outros personagens e movimentos anteriores ou mesmo concomitantes ao
movimento vanguardista que se lançaram nesta linha de pensamento. Alguns
autores consideram a obra de Claude Debussy (1862-1918) como o marco na
nova concepção de estrutura musical. Griffiths (1998) o define como precursor da
música moderna, pelo abandono da tonalidade tradicional, desenvolvimento de
uma nova complexidade rítmica, reconhecimento da cor como elemento essencial,
e, principalmente, criação de uma forma inteiramente nova para cada obra.
Acrescenta ainda que as conseqüências de sua revolução só seriam plenamente

22
BOULEZ, Pierre. Apontamentos de aprendiz. São Paulo: Perspectiva, 1995. p.24.
23
GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a
Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.134.

17
reconhecidas depois da segunda guerra mundial, momento em que a geração de
Boulez vai criticar os retrocessos formais e assumir uma postura que aponta
sempre para o novo. O próprio Boulez coloca Debussy lado a lado em importância
com Webern:

Webern – poder-se-ia dizer que através de Debussy – reage


violentamente contra toda uma retórica herdada, tendo em vista
reabilitar o poder do som. Com efeito, só mesmo Debussy pode
ser aproximado de Webern, pela mesma tendência a destruir a
organização formal preexistente à obra, pelo mesmo recurso de
procurar a beleza do som por si mesmo...24

Outro nome relevante nesta abordagem, Edgard Varèse (1883-1965), ainda


na primeira metade do século, definiu uma série de conceitos que se desdobraram
amplamente a partir da década de 50. Dentre eles está justamente a sua
concepção de forma, que parte da estrutura como resultado do trabalho com o
material sonoro, sem que se recorra a moldes históricos:

[segundo Varèse] “Há um mal entendido que nasceu de se


considerar a forma como um ponto de partida, um modelo a ser
seguido, um molde a ser preenchido. A forma é um resultado, o
resultado de um processo. Cada uma de minhas obras determina
a sua própria forma: ser-me-ia impossível inseri-las em alguma
estrutura histórica. [...] As formas musicais possíveis são tão
ilimitadas quanto as formas exteriores dos cristais”.25

Pode-se dizer ainda que Varèse foi um dos idealizadores dos princípios da
música eletrônica, através de uma postura de descontentamento com as
possibilidades timbrísticas à sua disposição. Ele se autodefine como um “Parsifal
diabólico à procura, não do Santo Graal, mas da bomba que explodisse o mundo
musical, deixando entrar pela brecha todos os sons – sons que na época eram
chamados, e algumas vezes continuam sendo hoje, de ruídos”.26 Já Moraes

24
BOULEZ, Pierre. Apontamentos de aprendiz. São Paulo: Perspectiva, 1995. p.247.
25
MORAES, J. Jota de. Música da Modernidade: origens da música do nosso tempo. São
Paulo: Brasiliense, 1983. p.133.
26
Ibid. p.132.

18
(1983, p.134) afirma que as sonoridades com as quais Varèse sonhava estavam
por surgir nos estúdios eletroacústicos criados décadas mais tarde.
As inovações tecnológicas possibilitaram o desenvolvimento dos estúdios
de música eletroacústica, principalmente com a invenção da fita magnética no final
dos anos 40. A vanguarda participa então, de maneira ativa, nos movimentos de
música eletrônica, e tanto Boulez (em Paris) como Stockhausen (em Colônia)
chegaram a dividir seu tempo entre o estúdio e a composição instrumental.
Além das questões de forma e timbre, outro aspecto da concepção de
Varése vai influenciar amplamente a música a partir da década de 50. Trata-se de
seu conceito de música espacial, em que a sintaxe tradicional do discurso é
substituída pela idéia de corpos sonoros movendo-se no espaço. Ou ainda,
segundo o compositor, “no lugar do antigo contraponto linear fixo, encontrarão em
minhas obras o movimento de massas variando em sua irradiação, assim como
em suas densidades diversas e em seus volumes”.27
Os recursos da música aleatória, cuja referência é John Cage (1912-1992),
foram também utilizados pela vanguarda, respondendo para esta geração a
alguns questionamentos que persistiam desde o início do século. Dentre eles o
problema da forma, sempre no foco das discussões a partir da dissolução do
sistema tonal e das primeiras obras atonais de Schoenberg. O tonalismo sempre
esteve vinculado à forma, e esta se articula pelas modulações, tensões e
resoluções daquele. Com a queda deste sistema, encontrou-se dificuldades em se
organizar estruturas coerentes, como se desejava na primeira metade do século.
Como vimos, o dodecafonismo respondeu, de certa maneira, a essas
necessidades, mas o acaso surge como uma solução mais plausível, como um
conceito que despreza esta coerência: “Schoenberg, Webern, Stockhausen e
Boulez haviam experimentado diferentes maneiras de contornar o problema; pois
agora a composição aleatória permitia ignorá-lo”.28

27
MORAES, J. Jota de. Música da Modernidade: origens da música do nosso tempo. São
Paulo: Brasiliense, 1983. p.132.
28
GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a
Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.164.

19
Assim, há em todo o século XX uma diversidade de movimentos estéticos e
distintas concepções acerca da linguagem musical29. Observamos que a
vanguarda, na busca pelo novo, assumiu uma postura experimental desta
variedade. Adotou a escrita serial e a expandiu ao serialismo integral, inspirada
principalmente em Webern. Aboliu e condenou a forma enquanto estrutura pré-
concebida, inspirando-se em Debussy, Varèse e Webern, e baseando-se nos
princípios da música aleatória para ignorar a coerência. Experimentou as
novidades da música eletrônica, absorvendo para sua escrita questões referentes
ao timbre e a própria sintaxe musical.
Os princípios desta geração influenciaram os compositores das décadas de
60 e 70. Pode-se verificar neles uma tendência à multiplicidade e à síntese,
perante a variedade de possibilidades da linguagem contemporânea.
Verificaremos agora como isto se dá em Almeida Prado, mais especificamente na
obra Khamailéon, composta em Paris, sob a influência da vanguarda européia.

29
É importante reforçar que nossa abordagem se limita apenas a alguns movimentos que chegam
mais próximo de nosso tema. Assim, não é nossa intenção escrever neste curto espaço a história
da música no século XX, mas apenas debater alguns fatores que nortearam a geração do pós-
guerra e que influenciaram autores como Almeida Prado, como um breve pano de fundo para
discussões que virão em seguida.

20
1.3. Questões de estilo e linguagem no Khamailéon

Vimos no início deste capítulo, nos dados biográficos, que havia poucas
alternativas na década de 60 para jovens compositores brasileiros completarem
sua formação no país. As oportunidades estavam na Europa, e Paris era um
centro cobiçado por aqueles que almejavam uma vivência musical mais ampla.
Quando Almeida Prado consegue em 1969 deixar o Brasil, parte com um
conhecimento até certo ponto sólido em aspectos técnicos, de sua formação com
Guarnieri, e ao mesmo tempo com experiências que passava por estilos variados,
desde o nacionalismo, também do universo Guarnieriano, até as correntes da
vanguarda européia, de seus estudos com Gilberto Mendes. Assim, o compositor
que chegava à França não estava desinformado a respeito do que encontraria por
lá. Tanto que, em 1970, há apenas um ano vivendo em Paris, escreve uma obra
plenamente inserida nos movimentos da música de vanguarda.
Aproximando-se então o Khamailéon aos itens discutidos no texto anterior
(1.2. Contexto histórico-estético entre os anos de 1950 e 1970), verificaremos
rapidamente como a obra dialoga com seu meio e recebe suas influências. Alguns
pontos serão, no entanto, detalhados no capítulo seguinte, onde serão analisados
aspectos mais técnicos de sua construção. Iniciamos abordando o conceito de
Espaço Sonoro30, um recurso já explorado por Edgard Varése ainda na primeira
metade do século XX. Não se trata então de algo novo, e o próprio Almeida Prado
(1985) reconhece a sua origem:

Desde que alguns compositores tiveram a iniciativa de colocar em


questionamento a função orgânica de um tema, de
desenvolvimento estruturalista de vários temas, no caso específico
a forma sonata tradicional, ficava claro, que o objetivo da matéria
sonora era muito mais o de preencher um espaço no tempo, no
tempo existencial da escuta, do que num raciocínio explanativo-
intelectivo. Diria que foi Varèse, na verdade, o pioneiro desta
problemática.31
30
Este termo se refere a uma particularidade da música espacial, discutido por nós no trecho
referente às contribuições de Varése.
31
PRADO, José Antônio R. de Almeida. CARTAS CELESTES. Uma uranografia sonora
geradora de novos processos composicionais. Campinas, 1985. Tese. Universidade Estadual
de Campinas – Instituto de Artes. p.529.

21
O compositor nos revela que já vinha trabalhando com este conceito desde
as aulas em Paris: “há muito tempo que vinha pesquisando este procedimento,
desde o tempo de minhas aulas com Messiaen e Nádia Boulanger”32. Para
Almeida Prado, um dos fatores determinantes no processo de preencher um
espaço no tempo é a redundância, como meio de possibilitar a percepção das
ressonâncias e assimilação pelo ouvinte:

Figuras propositalmente repetidas, o uso excessivo da


redundância, têm como objetivo o aparecimento intenso das
ressonâncias e a memorização no ato de ouvir de determinados
acordes fragmentos melódicos importantíssimos para o apoio
auditivo.33

A repetição, segundo o autor, faz perder a noção de presente, passado e


futuro, gerando um novo espaço-tempo, uma necessidade diferente do discurso
sonoro.
Este procedimento é essencial na formação das cores do Khamailéon.
Almeida Prado trabalha com harmonias fixas ou estáticas que se repetem por
longos compassos criando zonas de ressonâncias que podemos, dentro do
propósito desta peça, chamar de cores. Uma cor pode prevalecer por um
movimento inteiro ou ser alternada com outras, gerando contrastes. É interessante
ainda observar esta redundância como um gesto minimalista34, conforme atesta o
compositor: “De certa maneira, Fabio, eu já tinha uma escrita minimalista antes de
ser criado o minimalismo. É uma forma de minimalismo, porém com uma rítmica
muito rica. Mas é um minimalismo harmônico”.35
Sobre a questão da forma, Almeida Prado vai abolir concepções históricas
e pré-estabelecidas em sua obra do final da década de 60 e da década de 70,

32
Ibid. p.529.
33
ibid. p.534.
34
“Termo aplicado desde o início dos anos 70 a várias práticas de composição utilizadas desde o
início dos anos 60 (quando eram geralmente conhecidas como música sistemárica) cujas
características – harmonia estática, ritmos e repetição padronizados – buscam reduzir radicalmente
a gama de elementos compositivos”. (SADIE, 1994, p.607).
35
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.

22
deixando que ela se estruture a partir do material sonoro, seguindo assim, os
princípios que se manifestaram em Varèse, Webern e Boulez. Utiliza, na maioria
das vezes, títulos que pressupõem uma abertura formal, como é o caso de
Momentos (escreveu uma série de momentos a partir de 1965), Cartas (Cartas
de Patmos – 1971, Carta de Jerusalém – 1973, Cartas Celestes), Retratos (Dois
retratos naturais – 1978, Portrait de Dagoberto – 1972, Portrait de Lili Boulanger –
1972, Portrait de Nádia Boulanger – 1972), Livros (Livro sonoro – 1972, Livro
brasileiro I – 1973, Livro para seis cordas – 1974, Livro brasileiro II – 1975), obras
em grande parte pictóricas, que procuram retratar algo. Os movimentos do
Khamailéon seguem esta mesma linha, com estruturas que não utilizam formas
históricas pré-concebidas:

Antes da minha viagem a Paris eu escrevi muita coisa formal.


Variações formais, a primeira sonata para piano, formas sonata...
Nesse período na França eu quis me libertar de formas antigas, e
ter uma linguagem livre. Mas nem por isso mal construída. Aliás,
como uma nova maneira de construir. Tanto que as Cartas
Celestes não tem forma de sonata, mas cada objeto tem uma
relação. Não é uma sonata, mas é uma construção. Já a partir de
1984 eu voltei a fazer sonata com cara de sonata, eu voltei ao
tonalismo, com meus Poesilúdios, Noturnos... Não somente
revisitei o tonalismo, mas também as formas associadas ao
sistema tonal. E agora eu estou numa fase de síntese. Mas o
Camaleão pertence à fase quando eu estou livre de criar tudo.
Tudo é criado. Até o nome! Não é concerto para violão e
orquestra, é Camaleão.36

As influências da música aleatória estão não só na concepção da estrutura


formal da obra, mas também no uso de alguns recursos, como por exemplo, a
janela aleatória. Trata-se de módulos de sons, representados graficamente por
notação mais ou menos tradicional escrita dentro de retângulos, e que devem ser
repetidos de maneira livre ou controlada através de indicação na partitura. Almeida
Prado a utiliza aqui, principalmente no primeiro movimento, ora apenas com
alturas definidas, ora com alturas e ritmos. Este recurso pressupõe uma livre

36
Ibid.

23
improvisação e repetição a partir de alguns elementos indicados pelo autor, sejam
eles controlados em maior ou menor grau.
O Khamailéon apresenta ainda uma construção rítmica complexa que,
segundo Almeida Prado, provem das falas Hindus e ritmos gregos, das aulas com
Messiaen:

Agora você vê os compassos que eu uso, 23/16?[...] Isso tudo é


influência do Messiaen. A influência não da música dele, mas da
concepção que ele tem de tempo, que vem das falas Hindus, dos
ritmos gregos, é uma coisa muito longa, e que você não vai ouvir
vinte e três nunca, mas você organiza em vinte e três.37

Outros procedimentos adotados por Almeida Prado colocam-no em uma


postura de multiplicidade. Recorre a uma variedade grande e contrastante de
recursos numa mesma obra, e muitas vezes até mesmo em um único movimento,
como acontece no Khamailéon: no primeiro movimento, explora harmonias de
4as e 5as, seções atonais, procedimentos da escrita serial e harmonias de clusters.
Segundo o compositor, recorre ao serialismo quando quer momentos atonais
organizados:

Eu sempre utilizei o serialismo quando preciso de um momento


atonal organizado. Quando eu quero um momento tonal
organizado, utilizo dominante e tônica, pois já está na mão. E
quando eu preciso de um momento que não soe oitavas ou
qualquer coisa que não lembre dominante e tônica, eu parto para o
serialismo atonal.38

O segundo movimento é atonal – evita as ressonâncias do tonalismo – e


enfatiza o trítono (Fá-Si). Recorre até mesmo a procedimentos microtonais. Já o
terceiro é guiado pelo contraponto atonal. Seu início esboça uma espécie de
fugato ou estilo imitativo. Explora basicamente a escala cromática, dividida entre
as madeiras (criando clusters) e o violão. A base das melodias na estrutura
polifônica é o intervalo de 2ª, juntamente com seu composto (9ª) e sua inversão
(7ª). No quarto movimento, os cinqüenta primeiros compassos são basicamente

37
Ibid.
38
Ibid.

24
percussivos. Guia-se a partir daí por um material harmônico-melódico fixo,
baseado no cromatismo. O quinto movimento baseia-se num contraponto atonal
a quatro vozes entre duas clarinetas e violão, construído com base nos
contrapontos tradicionais do século XVI. Já o sexto, uma espécie de memória, é
composto de melodias atonais no violão sobre pedais baseados em intervalos de
4J, tendo como base materiais do primeiro movimento.
Esta multiplicidade na linguagem do autor difere de sua fase de síntese,
pelo completo abandono de referências à música tonal. Só a partir de 1974, de
volta ao Brasil, em que ele começa a refletir seu caminho criativo, é que volta a
admitir em sua obra as ressonâncias do tonalismo, até voltar a utilizá-lo de
maneira mais clara na década de 80, juntamente com um modalismo inspirado em
nosso folclore.
Porém, esta mesma multiplicidade, inspirada em Varèse e em
procedimentos de compositores principalmente das décadas de 60 e 70, ligados
sobretudo a novas concepções oriundas da música eletroacústica, nos faz pensar
Almeida Prado como um autor que se guia através da busca pela sonoridade:
recorre a procedimentos específicos não por questões meramente estruturais,
mas porque estes lhes possibilitam sonoridades específicas, cores que só um ou
outro podem lhe promover.

25
1.4. O Khamailéon no contexto da produção brasileira para violão e
orquestra

Se observarmos o Khamailéon dentro da produção brasileira de gêneros


similares, entre as décadas de 50 e 70, podemos verificar uma obra original, não
só por refletir a individualidade que se pressupõe a um compositor, mas
principalmente por manifestar um autor ligado às últimas novidades da geração do
pós-guerra. Poderíamos até mesmo estender o assunto a uma literatura universal
congênere, já que poucos se aventuraram numa escrita tão complexa a um
instrumento tradicionalmente enraizado na música popular, nacionalista,
principalmente espanhola, e tonal.
Todas estas questões nos levam a refletir o porquê do compositor ter
escolhido o violão para uma obra tão sofisticada. Uma obra com as dimensões
que tem, em termos de orquestração e complexidade de escrita, para um
instrumento solista em que o autor jamais havia sequer abordado em peças mais
simples. Sua brasilidade talvez tenha sido preponderante nessa escolha, já que
em nosso país o violão é um instrumento muito popular. Como não queria
escrever música nacionalista, mas ao mesmo tempo remeter-se às suas origens,
resolve adotar como solista um instrumento muito presente em nossa cultura. Vale
lembrar que, apesar de não recorrer a modos ou gêneros da música brasileira,
Almeida Prado faz questão de salientar que se trata de um camaleão brasileiro,
caracterizado em suas células rítmicas. Então, a partir desta idéia, fica claro que
queria manifestar a sua nacionalidade de alguma forma, e a hipótese da escolha
do instrumento solista pode ter um fundamento.
Resolvemos então, a partir destes fatos, contextualizar o autor na produção
brasileira de obras concertantes para violão entre os anos de 1950 e 1980. O
recorte cronológico segue os mesmos princípios que vínhamos firmando nos
textos anteriores, já que estamos abordando como foco as influências da geração
do pós-guerra, que se estenderam entre as décadas de 50 e 70. Pretendemos
mostrar, a partir desta discussão, que as poucas obras existentes seguem, em
grande parte, uma estética nacionalista, influenciada principalmente por Villa-

26
Lobos. A partir daí, verificar o quanto o Khamailéon se destaca nessa produção,
em sua originalidade e como obra de vanguarda.
Antes de iniciarmos, é necessário que deixemos claro o que trataremos por
gênero concertante com violão. São obras escritas para orquestra, sejam elas
apenas de cordas ou orquestras completas, em que o violão encontra-se presente
como solista ou instrumento inserido no contexto orquestral, como elemento que
apenas dialoga, mas não se destaca. Nesse caso consideramos todo e qualquer
gênero que não apenas o Concerto, incluindo-se obras que pressupõem uma
liberdade estrutural, como fantasia, desafio, diálogo, reflexão, diversão, etc.
Segue abaixo um quadro de obras catalogadas, obtidas a partir de acervos
pessoais, programas de rádio, depoimentos de violonistas diversos através da
troca de correspondências eletrônicas, dissertações, teses e artigos:

27
Ano Titulo Autor Instrumentação Obs.
Concerto pour Guitare et
1951 Villa-Lobos Violão e orquestra
Orchestre
a Maria Tereza
1951 Concertino nº1 Radamés Gnattali Violão e orquestra Teran e Juan
Antônio Mercadal
a Anibal Augusto
1951 Concertino nº2 Radamés Gnattali Violão e orquestra
Sardinha (Garoto)
Violão solista,
flauta, bateria,
1957 Concertino nº3 Radamés Gnattali a José Menezes
bells e orquestra
de cordas
Concerto nº4 (Concerto à Violão e orquestra a Laurindo
1967 Radamés Gnattali
Brasileira) de cordas Almeida
Dois violões e
1968 Desafio XXIII Op.31/23 Marlos Nobre orquestra de
cordas
Concertino para violão e Theodoro
1969 Violão e orquestra
orquestra Nogueira
dois violões
Concerto para dois violões
solistas, oboé e
1970 solistas, oboé e orquestra de Radamés Gnattali aos irmãos Assad
orquestra de
cordas
cordas
1970 Khamailéon Almeida Prado Violão e orquestra
1971 Diálogo para violão e cordas Ernst Mahle Violão e cordas
violão e orquestra
1974 3 Hexosigmas Carmo Bartoloni
de cordas
Francisco
1975 Concerto Violão e orquestra
Mignone
dois violões,
Jaime Mirtenbaum
1977 Reflexões 8 quarteto de cordas
Zenamon
e orquestra
dois violões e
1979 Concerto Carioca nº2 Radamés Gnattali aos irmãos Assad
orquestra
1980 Concerto Op.51 Marlos Nobre Violão e orquestra
Ex.5. Tabela de obras concertantes para violão e orquestra, escritas por compositores
brasileiros entre as décadas de 50 e 70

Das obras acima citadas, apenas 3 não obtivemos o registro fonográfico,


além do próprio Khamailéon, logicamente: Desafio XXIII Op.31 e Concerto Op.51,
ambas de Marlos Nobre, que permanecem inéditas e em fase de revisão pelo
autor; e 3 Hexosigmas de Carmos Bartoloni, que já foi tocada, mas não gravada.
Discutindo-se os primórdios de obras concertantes para violão de autores
brasileiros, encontraremos a Introdução aos Choros (1929) de Heitor Villa-Lobos

28
(1887-1959). Trata-se da primeira no gênero, e única que antecede nosso recorte
cronológico. Como o próprio título sugere, é uma introdução ao famoso ciclo do
compositor, concluído em 1929. Traz idéias que nos remetem aos 14 choros, mas
também o germe de alguns motivos que seriam aproveitados no Concerto para
violão e pequena orquestra, escrito 22 anos depois.
Este último, composto em 1951, foi inicialmente concebido como uma
fantasia, sob o título de Fantasia concertante para violão e orquestra. Mais tarde,
sob a insistência do violonista espanhol Andrés Segovia (1893-1987), a quem a
obra foi dedicada, o compositor escreve uma cadência, alterando o título para
concerto. Teve sua estréia com a Orquestra Sinfônica de Houston, no Texas, no
dia 6 de fevereiro de 1956, sob a regência do autor, com Segovia ao violão. Foi
escrita numa fase em que o compositor desfrutava de grande prestígio,
principalmente nos Estados Unidos, onde várias obras sinfônicas e concertantes
foram estreadas. Bruno Kieffer39 aponta um Villa-Lobos que se entrega às
espectativas musicas das platéias e dos intérpretes, ao recorrer a certos
virtuosismos, certamente vislumbrado com o sucesso internacional. Um
comentário do compositor nos revela algumas peculiaridades de sua concepção
neste concerto:

O primeiro movimento (Allegro Preciso) tem lugar na orquestra e


mostra um tema cheio de energia, que reaparecerá tanto no violão
quanto na orquestra. Na segunda parte (Poco meno), o tema é
inteiramente original e pertence a um novo episódio. Este tema
lembra muito a atmosfera melódica de certas canções populares
do nordeste brasileiro [...] O “Allegro non troppo” com uma
introdução de alguns compassos (melodia e ritmos sincopados)
apresenta um tema orquestral que é retomado em seguida pelo
violão. Até o fim da fantasia várias modulações são feitas no intuito
de explorar o virtuosismo do violonista.40

39
KIEFFER, Bruno. Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira. Porto Alegre: Movimento,
1986. p.157 e 158.
40
ALMEIDA, Renato da Silva. Do intimismo à grandiloqüência (trajetória e estética do
concerto para violão e orquestra: das raízes até a primeira metade do século XX em torno de
Segovia e Villa-Lobos). São Paulo, 2006. Dissertação (mestrado) – Universidade de São Paulo,
Escola de Comunicação e Artes. p.143.

29
Trata-se então de uma obra que recorre a elementos melódicos e rítmicos
da música brasileira, bem como a estruturas formais clássicas e um lirismo que
marca o compositor pós anos 30. Esta fase do concerto para violão difere nestes
pontos do período dos choros, marcado por uma maior liberdade e
experimentação em linguagem e estrutura.
Das seis obras concertantes com uso do violão de Radamés Gnattali
(1906-1988), duas são para 2 violões, e quatro para apenas 1. Não comentaremos
em detalhe cada concerto, mas faremos apenas algumas considerações a
respeito da linguagem do autor nestas obras. Radamés teve a música de concerto
como base de sua formação. Estudou piano desde criança, iniciou uma carreira
como concertista, e tocou viola em quarteto de cordas, conhecendo assim
profundamente o repertório tradicional. Sua infância e adolescência promissora
em Porto Alegre o estimularam a mudar-se para o Rio de Janeiro, no sonho de
seguir uma carreira como pianista. Entretanto, a necessidade de sobrevivência o
levou à música popular, através de trabalhos em salas de cinema e orquestras de
rádio, como arranjador e músico. Em alguns depoimentos, é possível verificar um
misto de frustração por não poder sobreviver de uma carreira como concertista, e
ao mesmo tempo uma paixão pela música popular e pelas relações de amizade
formadas neste meio. Assim, a linguagem de Radamés se forma nesta mescla,
inspirada no formato da música tradicional de concerto, com harmonias e ritmos
que nos remetem à música popular brasileira e ao Jazz, como atesta o compositor
em depoimento:

Jazz é a música popular mais evoluída do mundo e é claro que me


influenciou. Mas minha música é toda brasileira, baseada em
temas folclóricos e urbanos do Rio de Janeiro. [...] ninguém tira
nada do nada, portanto, tem sempre que haver influências. 41

A presença de elementos da música tradicional, principalmente no uso de


formas pré-concebidas, juntamente com elementos da cultura brasileira, pode ser

41
Depoimento de Radamés Gnattali, disponível em www.radamesgnattali.com.br. Acesso em 25
de agosto de 2008.

30
exemplificada através do seu Concertino nº2 (1951) para violão e orquestra,
dedicado a Aníbal Augusto Sardinha (Garoto). Em depoimento, o autor ainda
revela:
Como é o concerto? Não é muito grande, mas é um concerto. O
primeiro movimento tem dois temas, depois o desenvolvimento,
repete os dois temas, e termina. Isso é a forma de sonata e a
forma de concerto. O segundo tempo é um andante com um tema
só, quase um improviso, e o terceiro movimento é um ritmo
brasileiro de macumba. O primeiro não tem nada, é um ritmo de
marcha rancho, o segundo é um andante expressivo quase
improvisado.42

Dentre os compositores relacionados em nossa tabela, talvez o que mais se


aproxime da postura experimental de Almeida Prado seja Marlos Nobre (1939).
Aluno de Guarnieri e mais tarde de Koellreuter, manifestou também
descontentamento com a rigidez de posicionamento estético defendida de forma
veemente tanto por um quanto pelo outro professor. Desejava certa liberdade para
lançar mão de linguagens de maneira eclética, sem que caísse em discursos
puristas. Foi encontrar uma orientação que lhe satisfizesse em Buenos Aires, com
o compositor argentino Alberto Ginastera:

As idéias de Ginastera muito se identificavam com as minhas, ele


achava que o compositor não podia abdicar das suas tradições só
porque queria ser moderno [...] Não fazia nenhum sentido imitar
Boulez ou Stockhausen só pra ser serialista [...] era ridículo
esquecer que era brasileiro e também ignorar o que estava
acontecendo no mundo(...) em Ginastera encontrei um professor
que me completava.43

Assim, Nobre não abandona seu lado brasileiro, através de uma obra que
recorre a ritmos, modos e gêneros principalmente nordestinos, sua terra de
origem, ligando-os de maneira fluente a uma linguagem moderna, atual. O
exemplo disso é justamente sua produção de obras concertantes com o violão.
Seu Desafio XXIII Op.31/23 (1968), uma referência ao gênero da tradição
42
Depoimento de Radamés Gnattali, disponível em www.vcfz.blogspot.com. Programa Violão, com
Fábio Zanon.
43
SILVA, João Raone Tavares da. Reminiscências Op.78 de Marlos Nobre: um estudo técnico
e interpretativo. Salvador, 2007. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Escola
de Música. p.14.

31
folclórica nordestina, conhecida também como Repente, faz parte de uma fase em
que Nobre já havia estudado com Ginastera, recorrendo em sua linguagem a
técnicas seriais e dodecafônicas. Seu Concerto Op.51 (1980), o último de nosso
recorte cronológico, já pertence a uma fase cuja linguagem não abandona
elementos do tonalismo, utilizando de maneira mais livre ritmos do folclore
nordestino. Ainda, segundo Raone (2007), “A estrutura formal [desta fase] exclui a
utilização dos esquemas clássicos, mas mantém um contínuo desenvolvimento
das idéias e conserva uma forte lógica interna”.
Um outro aluno de Camargo Guarnieri, que seguiu de maneira pessoal o
caminho da música nacional, principalmente em pesquisas relacionadas à música
caipira do interior paulista, foi Ascendino Theodoro Nogueira (1913). Natural de
Santa Rita do Passa Quatro – SP, viveu também em Araraquara, interior paulista.
É autor de uma obra que inclui 5 sinfonias, quartetos de cordas, música coral,
canções e um legado para violão composto por séries como Brasilianas, Valsas-
choro, Serestas e Improvisos. No entanto, sua obra mais representativa para o
instrumento é o seu Concertino para violão e orquestra (1969), gravado em 1971
pelo violonista Geraldo Ribeiro, com regência de Hector Lagna Fietta. Segundo
Fabio Zanon44, trata-se de uma obra neoclássica, e uma espécie de compêndio de
possibilidades modais das melodias caipiras. É composta de três movimentos
contrastantes (Allegro Moderato, Allegretto e Vivo), pouco executada e quase
desconhecida.
Um outro compositor, alemão, porém radicado também no interior paulista,
é Ernst Mahle (1929). Nascido em Stuttgart, mudou-se para o Brasil em 1951.
Desenvolveu um intenso trabalho na cidade de Piracicaba – SP, onde ajudou a
fundar a Escola de Música que leva hoje o seu nome, tornando-se uma referência
como autor e educador musical. Sua produção para violão envolve obras solo e
camerísticas, e destacamos aqui, ao propósito de nosso trabalho, seu Diálogos
para violão e cordas (1971). Como o próprio título sugere, trata-se de um diálogo
entre o grupo de cordas e o solista, e esta alternância entre a sonoridade intimista
do violão e sonora das cordas marca o equilíbrio da peça, já que raros são os

44
Disponível em vcfz.blogspot.com.

32
momentos em que ambos tocam simultaneamente. Certamente a estrutura em
forma de diálogo foi intencional tendo em vista as características do instrumento
solista, pensada em sua execução frente à orquestra.
Apesar dos cromatismos em sua escrita, não se afasta das ressonâncias do
sistema tonal. Recorre em sua linguagem à música modal e ao folclore, como nos
relata em depoimento:

Antes de chegar ao Brasil, admirei muito a técnica modal de


Bartók. Mais tarde, estudei a fundo as possibilidades da técnica
modal, mesmo antes de conhecer o folclore nordestino. Uso,
também, um pouco de técnica aleatória e serial, além de me
inspirar no folclore.45

Seguindo nossa tabela-catálogo de obras concertantes, chegamos em 3


Hexosigmas (1974) para violão e orquestra de cordas, do paulista Carmo
Bartoloni (1956). Segundo o autor46, é uma peça de curta duração, escrita
originalmente para violão e quinteto de cordas. Daí seu titulo Hexosigmas, que
significa diversão a seis, em grego. No entanto, revelou-nos ainda em depoimento
que, apesar de ter sido pensada para quinteto, pode ser executada com orquestra
de cordas, tendo todas as características de uma obra concertante. Tanto que foi
estreada com Giácomo Bartoloni47 ao violão, frente à Orquestra de Cordas da
Fundação de Artes de São Caetano do Sul – SP em 1980. Abaixo, o compositor
comenta algumas características da obra e de sua linguagem:

São 3 movimentos curtos. O primeiro tem o andamento com a


indicação semínina = 48. São 43 compassos ao todo, em 4/4.
Posso dizer que é tonal, com uma abordagem que encontramos
nos compositores neobarrocos ou neoclássicos (1930-56)
como Villa-Lobos, de Falla, Carlos Chavez, etc. O segundo
movimento é em 6/8, com andamento de mínimas = 72, 46
compassos. Uma giga, digamos, com jeito de música espanhola

45
TAFFARELLO, Tadeu Moraes. Mahle e Kaplan: uma análise de duas peças para trompete na
música de câmara. Campinas, 2004. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes. p.27.
46
Informações oriundas de trocas de correspondências através de correio eletrônico com o
compositor, no mês de agosto de 2008.
47
Giácomo Bartoloni, violonista paulista e professor da cadeira de Violão da UNESP.

33
(de Falla). O último é em 7/8, o tom de Dó menor que é bem
evidente, com muitas polirritmias entre as cordas e o violão. Tem
70 compassos.48

De 1975 temos o Concerto para violão e orquestra de Francisco Mignone


(1897-1986). Nascido em São Paulo, filho de imigrantes italianos, Mignone teve
sua formação musical iniciada ainda na infância. O sucesso de suas primeiras
apresentações como pianista lhe rendeu uma bolsa para estudar no conservatório
Giuseppe Verdi, em Milão. De volta ao Brasil, ingressa como professor no
Conservatório Dramático Musical de São Paulo, onde passou a conviver e
compartilhar idéias com Mário de Andrade. Desperta-lhe então mais fortemente
ideais estéticos nacionalistas. Vamos assim encontrar uma simbiose curiosa, de
uma linguagem marcada por traços da ópera italiana, principalmente no valor da
melodia, ao mesmo tempo inspirada no folclore brasileiro.
Seus primeiros contatos com o violão ocorreram certamente em um
ambiente seresteiro. Suas incursões na música popular, ainda na juventude, se
davam através do pseudônimo Chico Bororó, com o intuito de não prejudicar seu
caminho como compositor sério. No entanto, uma participação sua como
palestrante e camerista no II Seminário Internacional de Violão de Porto Alegre,
em 1970, colocaram-no diante de um entusiasmado grupo de violonistas,
especialmente Carlos Barbosa Lima, que o estimulou a escrever para o
instrumento. Nasce daí o seu relevante ciclo de 12 estudos (1970), hoje muito
apreciado no repertório do violão. É interessante observar o seu entusiasmo pelo
violão na década de 70, em uma fase já madura, com um número considerável de
obras:

o 12 Estudos (1970) – editados pela Columbia Music Company;


o 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos (1970) – editadas pela Irmãos Vitale;
o Brazilian Song (1970) – editada pela Guitar Review;
o Valsa-Choro Nº1 (1970, transcrição do autor para violão) – manuscrito;
o Valsa-Choro Nº3 (1970, transcrição do autor para violão) – manuscrito;
o Valsa-Choro Nº5 (1970, transcrição do autor para violão) – manuscrito;

48
Ibid.

34
o Lundu do Imperador (1973) – manuscrito;
o Prelúdio e Fuga (1974, para dois violões) – manuscrito;
o Canção Sertaneja (1974, para dois violões) – manuscrito;
o Canção da Garoa (1974, transcrição do autor para dois violões) – manuscrito;
o 4 Valsinhas (1974, transcrição do autor para dois violões) – manuscrito;
o Lenda Sertaneja Nº4 (1974, transcrição do autor para dois violões) – manuscrito;
o Concerto para Violão e Orquestra (1975) – manuscrito;
o Valsa de Esquina (1976) – editada pela Fermata;
o Variações sobre o tema Luar do Sertão (1976) – editadas pela Fermata;
o Choro (1976, para voz e violão) – manuscrito;
o Dialogando (1976, para voz e violão) – manuscrito;
o O Impossível Carinho (1976, para voz e violão) – manuscrito;
o Pardonnez moi (1976, transcrição do autor para voz e violão) – manuscrito;
o Vous reverrai-je um jour? (1976, transcrição do autor para voz e violão) –
manuscrito.

Seu Concerto (1975), dedicado a Barbosa Lima e estreado por este em


Washington (USA) em 1977, escrito quando o compositor já tinha 78 anos de
idade, faz, segundo Fabio Zanon49, um apanhado geral de sua trajetória como
compositor. Recorre a temas que nos remetem a uma atmosfera seresteira, do
choro, além de modos e ritmos do xaxado, da embolada e do baião. Mário da Silva
Junior comenta o uso do violão por Mignone, especialmente no Concerto:

Nesta obra, o compositor emprega sistema diatônico e cromático e


desenvolve estruturas rítmicas variadas no instrumento solista já
utilizadas nos 12 Estudos, alternando freqüentemente fórmulas de
compassos (4/4, 3/4, 2/4, 3/8). Mignone não inclui o violão em
suas composições seriais, porém usou de forma muito competente
o sistema diatônico e cromático em obras de caráter nacionalista.50

Por último, encontramos Reflexões nº8 (1977), do compositor Jaime


Mirtenbaum Zenamon (1953). Jaime nasceu em La Paz, na Bolívia, mas

49
Disponível em vcfz.blogspot.com.
50
JUNIOR, Mário da Silva. O violão no Paraná: uma abordagem histórico-estilística. Rio de
Janeiro, 2002. Dissertação (mestrado) – Universidade do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes.
p.19.

35
naturalizou-se brasileiro ainda na década de 70, quando veio residir em Curitiba –
PR. Estudou composição e violão em Israel, Espanha, Portugal e Uruguai. Foi
aluno de Abel Carlevaro e Guido Santórsola. Morou em Berlim entre 1980 e 1992,
onde lecionou na Escola Superior de Artes (Hochshule der Kunst). Sua obra para
violão soma mais de 120 títulos, incluindo solos, música de câmara, violão e
orquestra, e violão inserido no contexto da música eletroacústica. Reflexões nº8,
para dois violões, quarteto de cordas e orquestra é composta de três movimentos,
em linguagem tonal e estilo neoclássico, com referências à música brasileira.
Abaixo, depoimento de Mário da Silva51 sobre a obra:

O que é interessante na peça é a visita a estilos. O primeiro


movimento soa como algo insuspeitadamente espanhol, quase
uma espécie de Torroba. No segundo movimento o Jaime elabora
um desenvolvimento minimalista meio Arvo Pärt, e cita a
Passacaglia de Bach. No terceiro a música brasileira impera como
se fosse um choro na primeira parte, e na segunda uma rítmica na
linha de Gnatalli. Acho que essa peça responde inclusive a
questão da nacionalidade dele. Ele se auto-afirma brasileiro.
Portanto faça como as Enciclopédias Americanas que dizem que
Stravinsky é um compositor americano, nascido na Rússia, com
certas passagens pela França; ou como as Enciclopédias
Francesas que dizem, Stravinsky compositor francês, nascido na
Rússia, com certas passagens pelos Estados Unidos.
Então fica Jaime Zenamon, compositor brasileiro, nascido na
Bolívia, com certas passagens por Israel e Alemanha.52

Verificamos então que, entre as décadas de 50 e 70, especificamente no


gênero concertante investigado, há no Brasil uma forte tendência neoclássica e
nacionalista. Poderíamos, no entanto, justificar esta afirmação com a hipótese de
que o violão é freqüentemente associado à música tonal ou modal, por conta de
seu forte uso na música popular, dos chorões e das serestas. Mas se analisarmos
o todo da produção de grande parte dos compositores abordados, verificaremos
que a obra para violão não corresponde a uma exceção em termos de estética.

51
Mário da Silva Junior é violonista de Curitiba – PR, e tem longa experiência tocando e gravando
obras de compositores paranaenses, em especial a de Jaime Zenamon. Tocou recentemente, em
2003, Reflexões nº8, juntamente com o violonista Luiz Cláudio Ferreira frente a Camerata Antíqua
de Curitiba, sob a regência do compositor.
52
Depoimento de Mário da Silva a Fabio Scarduelli, através de correio eletrônico, sobre Reflexões
nº8 de Jaime Zenamon, em 01 de agosto de 2008.

36
Esta geração nacionalista que se manifesta é conseqüência de um passado não
longínquo, de Villa-Lobos, Mário de Andrade e Camargo Guarnieri. Na afirmação
de uma música brasileira, optou por caminhos menos radicais em sua abordagem
harmônica e formal. Em geral, prevaleceu um pensamento neoclássico,
permeando os sistemas tonal e modal. Não houve grande absorção de sistemas
como o serial, nem incursões na música atonal, apesar dos movimentos de
vanguarda que despontavam concomitantemente na Europa. Podemos, desta
maneira, dentro de nosso recorte, apontar o Khamailéon como uma obra original,
por sua concepção harmônico-estrutural, relacionada diretamente com as
tendências vanguardistas pós década de 50.

37
2. ESTRUTURA DA OBRA

2.1. Sobre a metodologia

A incessante busca em revelarmos a estrutura básica do Khamailéon nos


levou a aplicar diferentes metodologias. Iniciamos por uma leitura macro da obra,
na tentativa de encontrarmos formas reconhecíveis. Porém, verificamos desde o
início tal impossibilidade, pelo fato de que o compositor buscava neste ponto evitar
referências históricas, em uma atitude de apontar para o novo em diversos
aspectos, como já discutimos no capítulo anterior. Em um segundo momento,
partimos para o micro, no intuito de verificarmos os materiais básicos utilizados.
Esta abordagem tornou-se relevante para compreendermos um outro nível,
intermediário entre o material e a forma: o das articulações destes materiais, que
possibilitou um entendimento mais claro do discurso do autor, incluindo-se aí o
próprio mimetismo.
Por outro lado, sabemos que Almeida Prado não é um compositor
integralmente guiado por procedimentos estruturais em seu ato de compor. Seu
lado intuitivo é relevante no processo de criação, e isso deve ser considerado em
nosso caminho de tentar compreendê-lo. Guia-se primordialmente pelo elemento
som, sem deixar que a estrutura esteja acima dele. Desta forma, toda investigação
que prime exclusivamente pelo ponto de vista estrutural pode ser incompleta.
Quando recorre a um procedimento estrutural específico é porque deseja a
sonoridade que este pode lhe promover.
Assim, para a análise da obra, procuramos um conceito que possa propiciar
a sua compreensão a partir destas duas faces: estrutura versus resultado sonoro.
Utilizamos para isso a Sonoridade Referencial, oriunda da obra Materials and
Techniques of Twentieth-Century Music, de Stefan Kostka:

38
Logo se tornou claro aos músicos que o aspecto das alturas na
música atonal exigiu um novo vocabulário para que a análise desta
música fosse mais do que descritiva. Reconheceu-se que a música
atonal obteve freqüentemente certo grau de unidade através do
uso recorrente de um novo tipo de motivo. A este novo tipo de
motivo foi dado vários nomes, incluindo célula, célula básica,
conjunto, conjunto de alturas, conjunto de classes de alturas,
e sonoridade referencial.53

Trata-se na verdade de um sinônimo de conjunto, e que, no entanto,


achamos conveniente à análise do Khamailéon, já que este é baseado em
sonoridades marcantes, mimetizadas entre violão e orquestra. A própria idéia de
olharmos para Almeida Prado como um compositor que se guia pelo som em lugar
de estruturas complexas nos faz pensar a Sonoridade Referencial como um
conceito apropriado.
Em síntese, realizaremos uma análise focada nos princípios acima citados,
mas também levando em conta nossa leitura como intérpretes, já manifestando
nas entrelinhas do texto uma concepção de execução.

53
KOSTKA, Stefan. Materials and techniques of twentieth-century music. New Jersey: Pearson
Prentice Hall, 2006. p.178.

39
2.2. Materiais e mimetismos

Antes de iniciarmos as análises é importante frisar que os instrumentos


transpositores das partituras de orquestra de Almeida Prado são todos escritos em
Dó. Assim mantivemos em nossa edição, e assim deve-se proceder durante a
leitura. Naturalmente que as devidas transposições serão realizadas ao se extrair
as partes individuais de cada instrumento.

2.2.1. I Movimento

O I movimento do Khamailéon é escrito para violão solista, madeiras


(pícolo, flauta, flauta em Sol, oboé, clarinetas I e II e fagote), cordas (violinos I e II,
violas, violoncelos e contrabaixos) e percussão (pratos, claves, tam-tam, temple
block, maraca, bambu, vibrafone, xilofone, cencerro e tom-tons). O compositor
trabalha com materiais fixos recorrendo à redundância a fim de estabelecer zonas
de ressonâncias ou cores que são mimetizados entre o violão e a orquestra.
Verificaremos no decorrer desta análise que a constituição de alguns destes
materiais são fundamentados em fatores idiomáticos do violão, na possibilidade de
realizá-los harmonicamente no instrumento. E esta afirmação é corroborada
principalmente quando observamos que algumas peças para violão solo do
mesmo autor (Portrait (1972), Livro para seis cordas (1974) e Sonata nº1 (1981)),
escritas nos anos subseqüentes, são constituídas de materiais similares àqueles
aqui utilizados, como demonstraremos mais adiante na análise.
As madeiras – pícolo, flauta, flauta em Sol, oboé, clarinetas I e II – abrem a
obra, lançando um material harmônico fixo nos 17 primeiros compassos, o qual
chamamos de sonoridade referencial, estruturalmente importante não só para este
movimento, mas também para os demais:

40
Ex.6. Material das madeiras – c.1 a 17

A entrada das cordas no c.14 ocorrerá a partir do mesmo material, através


de procedimento enarmônico e disposição diferente no acorde, perdurando até o
c.22:

Ex.7. Material das cordas – c.14 a 22

Repare que em ambos os trechos o compositor parte de um mesmo


conjunto de alturas, fundamentado em duas seqüências cromáticas:

Ex.8. Conjunto ou síntese do material

O violão, a partir do compasso 19, mimetiza o material tal qual disposto


originalmente nas cordas.

41
Ex.9. violão – c.19

Seus dois acordes em rasgueado nos compassos 23 e 24 repetem as duas


disposições, lançadas nas cordas e nas madeiras, encerrando uma primeira
seção:

Ex.10. violão – c.23 e 24

É importante considerarmos que a disposição dos materiais apresentados


tanto pelo naipe das madeiras como pelas cordas, se originam na possibilidade de
serem executados nas seis cordas do violão, ou seja, o compositor partiu do violão
para a elaboração do material. Vale lembrar que estamos tratando de um
instrumento relativamente limitado no que diz respeito a possibilidades harmônicas
dentro do atonalismo, como nos revelam autores não violonistas, incluindo
Almeida Prado:

Você não pode fazer qualquer coisa com o violão como também
não se pode fazer qualquer coisa com o violino, com a viola, ou
com o cello. Deve-se pensar nas cordas soltas [...].54

54
Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 03 de fevereiro de 2006, na
residência do compositor em São Paulo.

42
Há ainda que se considerar que os dois acordes acima citados serão
recorrentes em suas obras posteriores para violão solo. O primeiro está muito
próximo daquele utilizado no compasso inicial de sua Sonata nº1 (1981), partindo
do mesmo material com a omissão do Fá:

Ex.11. Sonata nº1 – c.1

Aparece ainda no compasso 127 da mesma obra:

Ex.12. Sonata nº1 – c.127 e 128 (I – Vigoroso)

Algo muito próximo pode ser também encontrado em Portrait (1971) para
violão solo:

Ex.13. Portrait – Visage Intèrieur, c.5

43
Já o segundo acorde é a base da última seção do primeiro movimento do
Livro para seis cordas (1974) para violão solo:

Ex.14. Livro para seis cordas – c.78

O que ocorre neste trecho inicial, entre os compassos 1 e 25, é a


apresentação do ambiente pela orquestra e o mimetismo pelo solista. Podemos
visualizar um início realizado através da sonoridade referencial em blocos
harmônicos nas madeiras, de forma homofônica, intercalados com figuras de
silêncio. A intervenção dos pratos, tocados com arco de violoncelo a partir do
compasso 5, cria um efeito de ressonância que se prolonga nos pontos de pausa
das madeiras. A entrada das cordas a partir do compasso 14, utilizando o mesmo
conjunto de alturas, vai proporcionar um incremento na sonoridade, principalmente
em termos de colorido tímbrico. A textura não muda com relação ao que vinha
ocorrendo nas madeiras, mantendo-se a homofonia até o compasso 17.
Entretanto, há um contraste a partir do compasso 18, com a desintegração da
idéia de articulação simultânea. Cada instrumento agora está escrito em uma
rítmica específica, passando-se assim à polirritmia, cujo ápice é a janela aleatória
no compasso 22, onde os ritmos são livres para cada instrumento. Assim, o que
se ouve nesta primeira parte é, com o uso de um mesmo conjunto de alturas,
partir de um discurso organizado em blocos harmônicos homofônicos a uma
rítmica aleatória.
Em uma segunda seção, entre os compassos 26 e 50, os materiais tomam
como base as cordas soltas do violão, esboçando sutilmente um centro em Mi.

44
Ex.15. Alturas que representam as cordas soltas do violão

O violão abre o trecho com um trêmulo em Mi, anunciando um abrupto


contraste com a seção anterior. Sob este trêmulo são realizadas intervenções nas
cordas graves, que serão logo em seguida imitadas pelo contrabaixo solo a partir
do compasso 35. A flauta em Sol, a partir do compasso 40, realiza também um
trêmulo em Mi, imitando o violão. A flauta em Dó irá destoar com Ré# e Mi#,
utilizando, entretanto, figuras rítmicas que lembram os bordões do violão já
citados.
Um dos trechos que mais nos chama a atenção nesta obra está entre os
compassos 57 e 63. Trata-se de um momento em que o compositor lança
artifícios da escrita serial, porém de forma livre, não ortodoxa. Uma declaração a
Costa (1998) nos revela esta sua postura perante o serialismo:

[...] mas eu não tenho a preocupação da ortodoxia da série de


doze sons diferentes, a inversão, o retrógrado, é livre, é livre. E se
eu tenho algum momento serial, esta série é tratada também
livremente.55

Recorre a procedimentos como a retrogradação, combinados com outros


que não fazem parte do sistema, como a repetição de notas, ampliação gradativa
nos grupos de notas para formar a série, omissão de notas na recorrência da
série, uso de fragmentos da série original ou retrogradada, dentre outros. Como
dito anteriormente, há apenas um esboço de uma escrita serial, de forma livre,
sem que a idéia seja levada adiante, e durando apenas alguns compassos.

55
COSTA, Régis Gomide. Os momentos de Almeida Prado: laboratório de experimentos
composicionais. Porto Alegre, 1998. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. p. 195.

45
O trecho inicia no compasso 57, com o violão lançando três grupos de
alturas:

Ex.16. Três grupos de notas no violão – c.57

Repare que o segundo fragmento inicia com o retrógrado do primeiro, e o


material é completado com outros 4 sons. Já o terceiro é o retrógrado do segundo,
com repetições. E este conjunto se limita apenas a este compasso. Nos
compassos seguintes – c.58 ao 63 – o violoncelo e o contrabaixo trabalharão
sobre um único conjunto. O violoncelo apresenta-o gradativamente nos compasso
58 e 59. No 60, o conjunto aparece na íntegra:

Ex.17. Violoncelo – c.58, 59 e 60

No compasso 62, ainda no violoncelo, há a recorrência do material, com


omissão da primeira nota (Ré), e repetição do Si no lugar do Lá na última nota:

Ex.18. Violoncelo – c.62

46
No c.63 há um fragmento do final do conjunto levemente alterado:

Ex.19. Violoncelo – c.63

O contrabaixo lança no compasso 60 um fragmento com omissão do Lá#:

Ex.20. Contrabaixo – c.60

O compasso 62 mescla dois fragmentos, sendo o primeiro na ordem


original, e o segundo retrogradado:

Ex.21. Contrabaixo – c.62

Em síntese, este trecho trabalha com dois conjuntos distintos, no violão e


nas cordas graves. O primeiro é heptatônico e o segundo dodecafônico.
Como dito anteriormente, é um tratamento livre do conceito de série, a fim
de explorar a sonoridade e a organização que o sistema proporciona:

47
Eu sempre utilizei o serialismo quando preciso de um momento
atonal organizado. Quando eu quero um momento tonal
organizado, utilizo dominante e tônica, pois já está na mão. E
quando eu preciso de um momento que não soe oitavas ou
qualquer coisa que não lembre dominante e tônica, eu parto para o
serialismo atonal.56

Neste sentido, refletindo a declaração acima, podemos especular que o


compositor recorreu a estes procedimentos no intuito de sair da harmonia de 4as
proporcionada pelas cordas soltas do violão.
No trecho seguinte, entre os compassos 65 e 73, há um contraponto
atonal entre a viola solo e o segundo violino solo. É realizado sobre um material
fixo ou ostinato no violoncelo solo e no violão, e cluster nas cordas. E a partir do
compasso 74 o violão dá início a um procedimento emblemático na obra de
Almeida Prado, muito explorado em suas peças posteriores. Trata-se do efeito da
ressonância advinda da execução rápida de sons em semitons:

Ex.22. Violão – c.74

Este efeito é a base da construção de seu Livro para seis cordas (1974)
para violão solo:

Ex.23. Livro para seis cordas – Discurso: c.41

56
Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli, no dia 29 de março de 2008, na
residência do compositor em São Paulo.

48
Foi ainda posteriormente explorado em sua Cartas Celestes nº1(1974) para
piano. Nesta mesma obra, que parte de uma harmonia pré-determinada em 24
acordes intitulados a partir do alfabeto grego, o compositor espera de alguns deles
ressonâncias semelhantes a este procedimento já encontrado no Khamailéon:

Nome do acorde Configuração Ressonância

Ex.24. Acordes de Cartas Celestes nº1


Segundo o autor:

O acorde β possui uma ressonância toda especial. Ao tocá-lo,


ouve-se o Lá natural central, com os três sons do agudo em
semitons, circularem em grande velocidade.57

µ - Ressonâncias: uma oscilação rápida de três sons: Dó #, Ré e


Mi b, seguida de uma leve interferência do Mi b agudo.58

Este mesmo efeito pode ser visto na obra A Espiral Eterna (1971), do
cubano Léo Bouwer (1939), escrita um ano depois do Khamailéon:

57
PRADO, José Antônio R. de Almeida. CARTAS CELESTES. Uma uranografia sonora
geradora de novos processos composicionais. Campinas, 1985. Tese. Universidade Estadual
de Campinas – Instituto de Artes. p.11.
58
Idib. p.17.

49
Ex.25. Trecho inicial da obra A Espiral Eterna de Leo Brouwer

É interessante observar que neste trecho do Khamailéon as cordas irão


mimetizar o violão nos compassos 80 e 81. Em seguida, este cromatismo (Mi, Ré#
e Ré) é expandido nos compassos 82 e 83, ainda nas cordas, em semitons, como
mostra o exemplo abaixo:

Ex.26. Síntese do material utilizado entre os c.80 e 83 (negrito, material do violão: c.74 a
80)

Simultaneamente, no compasso 82, o violão volta a explorar a sonoridade


referencial do inicio da obra, como uma espécie de recapitulação, mimetizada em
seguida pelas cordas, encerrando o I movimento:

Ex.27. Violão – c.82

50
2.2.2. II Movimento

Uma das dificuldades na análise da música atonal é encontrarmos no todo


da escala cromática os materiais relevantes à estrutura. Em Almeida Prado,
conforme já observamos, podemos nos guiar por um fator característico de sua
linguagem, que é a redundância, em que materiais são fixados a partir da
repetição. Entretanto, verificaremos que neste segundo movimento os materiais
estão mais dissolvidos dentro de um cromatismo total, e nos cabe definir níveis
hierárquicos a partir da recorrência de certos elementos.
A primeira tarefa é encararmos o violão como um elemento dissociado da
orquestra, que dialoga com o ambiente, mas que não faz parte dele. Há momentos
em que assume as cores ao seu entorno, na idéia de mimetismo, mas com
eventuais diferenças. Assim, estamos considerando os materiais da orquestra
como elementos estruturais, e o violão, sendo o solista, como um sujeito que
dialoga com esta base, ora de maneira mais próxima, ora mais afastada.
A orquestra neste II movimento é composta de solista (violão), madeiras
(clarineta e fagote), metais (quarteto de trompas), percussão (xilofone e vibrafone),
e cordas (primeiros e segundos violinos, violas, violoncelos e contrabaixos).
Dividiremos a peça em quatro ambientes básicos. Em uma primeira seção, entre
os compassos 1 e 15, vemos a orquestra, representada essencialmente pelo
quarteto de trompas, trabalhar com o seguinte material harmônico-melódico fixo:

Ex.28. Material da orquestra – c.1 a 15

Há em todo este trecho uma polarização em Si, com ênfase em Fá-Si e


Lá#-SI. O violão mimetiza a orquestra, ajudando a afirmar tal centro. Entretanto,
em seu material são acrescidas três alturas (Sol#, Dó# e Fá#) que iniciam como

51
um efeito de apojatura, mas que logo em seguida, a partir do compasso 10,
diluem-se no material básico, incrementando a cor sugerida pela orquestra:

Ex.29. Material do violão – c.1 a 15

No próximo trecho, entre os compassos 16 e 22, predomina o cromatismo


total. O violão de um lado, e de outro o quarteto de trompas acrescido do fagote,
lançam em poucos compassos toda a escala cromática. Esta técnica nos remete a
Anton Webern, que realiza procedimento similar em peças muito curtas, a
exemplo de suas Bagatelas Op.9 para quarteto de cordas.
Entre os compassos 23 e 35, a orquestra, através de trompas, madeiras e
cordas, volta a utilizar um recorte limitado da escala cromática como sonoridade
referencial, com ênfase no seguinte material:

Ex.30. Material da orquestra – c.23 a 35

Repare que há uma proximidade com o material inicial do violão, e


novamente um esboço de centro em Si. Já o violão segue com um discurso
fundamentado na escala cromática, permitindo-se maior liberdade em relação ao
material fixo da orquestra. Podemos sintetizá-lo em dois conjuntos diferentes a
partir de dois trechos. O primeiro entre os compassos 26 e 28:

52
Ex.31. Material básico do violão – c. 26 a 28

E o segundo entre os compassos 30 e 36:

Ex.32. Material básico do violão – c.30 a 36

Finalmente, no trecho entre os compassos 36 e 49, a orquestra conclui


este movimento através de um efeito estereofônico nas cordas, em pianíssimo
(ppp), partindo dos primeiros violinos, passando pelos segundos violinos, violas,
violoncelos e contrabaixos. Sua sonoridade referencial parte do seguinte material
harmônico-melódico fixo:

Ex.33. Material da orquestra – c.36 a 49

Trata-se de uma transposição da sonoridade referencial do primeiro


movimento:

Ex.34. Material inicial do primeiro movimento

53
Desta forma, analisando-se os materiais utilizados, em face às observações
a respeito de cores e mimetismo, concluímos que as cores das seções acima
classificadas partem de pequenos recortes de 4, 5 e 6 sons da escala cromática,
nas seções 1, 3 e 4 respectivamente:

Ex.35. Materiais das seções 1, 3 e 4

Já a segunda seção opta pelo cromatismo total, utilizado também como


uma cor, resultante de toda a paleta.
O violão, com um tratamento mais livre em relação ao material estruturante
da orquestra, realiza o mimetismo de maneira expandida na primeira seção,
acompanha o cromatismo total na segunda, e segue de maneira cromática na
terceira, silenciando-se na quarta. Seu comportamento é de solista, sempre com
uma movimentação rítmica e marcação de dinâmica (ff, fff e sonoro) que sugerem
um destaque em relação à orquestra.
Outro aspecto que vale a pena ser discutido é a condução horizontal de
cada linha melódica, seja do violão, seja dos instrumentos da orquestra. Se
observarmos cada linha individualmente, perceberemos um comportamento ora
estático das vozes, ora caminhando por graus conjuntos lenta e cromaticamente,
ainda que explorando diferentes oitavas, como mostra o exemplo abaixo:

Ex.36. Violino solo 4 – c.37 a 39

54
Ou ainda de maneira mais elaborada:

Ex.37. Violino solo 3 – c.37a 39

Repare que há duas vozes caminhando em graus conjuntos em diferentes


oitavas, como em um contraponto implícito:

Ex.38. Vozes 1 e 2 do violino solo 3 – c.37 a 39

Há ainda que se considerar o recurso microtonal nos compassos 4 e 5 (1ª e


3ª trompas), 25 e 26 (viola solo), 32 e 33 (violoncelo):

Ex.39. Movimento das trompas nos compassos 4 e 5

O microtonalismo, juntamente com este caminho em graus conjuntos das


vozes, nos remete à música indiana que, como sabemos, fazia parte das
pesquisas de Messiaen, com quem Almeida Prado estudava então.

55
O aspecto horizontal deste movimento deve, desta forma, ser levado em
conta, pois, combinado com o material harmônico, ajuda a criar uma sonoridade
peculiar.

56
2.2.3. III Movimento

O terceiro movimento é escrito para violão solista, madeiras (pícolo, flauta,


flauta em Sol, oboé, clarineta e fagote), metais (trompas I a IV e trombone),
percussão (xilofone e vibrafone) e cordas (violinos I e II, viola, violoncelo e
contrabaixo). Podemos analisá-lo a partir de um formato A B A’, cujo contraste
ocorre no tratamento da textura e dos materiais utilizados:

A B A’
c.1 – 23 c.24 – 49 c.50 – 70

A base da seção A (assim como de A’) é a sonoridade referencial do


primeiro movimento utilizada de maneira original e transposta. O naipe das
madeiras abre a peça com a seguinte transposição:

Ex.40. Sonoridade referencial transposta – naipe das madeiras (c.1-18)

O violão, a partir do compasso 8, lança de maneira melódica o material


original:

Ex.41. Sonoridade referencial original – violão (c.1 – 18)

Entre os compassos 20 e 23 há uma transição à seção B. Nela podemos


verificar uma nova transposição nas madeiras, que será a base para A’, discutida
mais adiante:

57
Ex.42. Transposição da sonoridade referencial – madeiras (c.23)

Assim, entre os compassos 1 e 23, temos uma oposição entre violão e


madeiras a partir de um conjunto de alturas original e outro transposto, oriundos
do primeiro movimento. A resultante da combinação destes dois blocos de seis
sons é a escala cromática total. Entretanto, a separação em blocos tímbricos e de
articulação permite uma diferenciação na audição entre ambos, como duas cores
distintas. Além disso, podemos verificar uma alternância de ataques, ou seja,
enquanto o violão realiza os solos com o material original, as madeiras
desempenham o papel de ressonância com o material transposto, e o violão
silencia nos ataques das madeiras, não havendo um só momento em que os
ataques coincidem.
Já em B, o violão toma a função de ressonância, deixando o ataque
principalmente às cordas. Logicamente que é necessário um tratamento
diferenciado para que ele exerça este papel, pois uma das características deste
instrumento é a limitada sustentação. Por isso, o recurso utilizado por Almeida
Prado é a rápida repetição das notas que ressoam, simulando, assim como na
técnica do trêmulo, uma sonoridade contínua. A textura gerada neste
procedimento possibilita uma nova sonoridade a partir de um material harmônico
semelhante ao de A, fundamentado no cromatismo total. Podemos verificar uma
organização a partir de três blocos verticais, que juntos formam a escala de doze
sons. São eles:

 Bloco 1 – madeiras e metais (instrumentos de sopro)


 Bloco 2 – violão
 Bloco 3 – cordas

58
A partir de pequenos recortes horizontais, podemos verificar na tabela
abaixo que o somatório dos materiais lançados pelos blocos corresponde a escala
cromática59:

Materiais da seção B
Compasso Cordas Madeiras/Metais Violão

24-29

29-31

32-33

34-35

36-37

38-40

41-47

59
Tais recortes horizontais estão fundamentados nas mudanças de material do violão, que fixa
uma base sobre a qual serão lançados os demais componentes da escala cromática pelos demais
instrumentos.

59
Conforme já mencionado no início deste texto, a seção A’ volta a utilizar
como base a sonoridade referencial. O naipe das madeiras, entre os compassos
50 e 65, recorre à transposição já anunciada da transição de A para B (compasso
23):

Ex.43. Sonoridade referencial nas madeiras – c. 50 a 65

Os violoncelos e contrabaixos assumem este mesmo material entre os


compassos 66 e 70, reforçado pelos metais no compasso 70, onde é finalizada a
peça. As cordas médio-agudas trabalham com uma nova transposição entre os
compassos 53 e 67:

Ex.44. Sonoridade referencial transposta nas cordas - c.53 a 67

O violão utiliza um material ambíguo, que fica entre a sonoridade referencial


original e a transposição das cordas:

Ex.45. Material do violão – c.50 a 64

Alguns pontos nos chamam ainda a atenção neste III movimento. Um deles
se refere à oposição ataque-ressonância entre violão e orquestra que pode ser

60
observado em toda a peça. Na há um só momento em que o ataque de um
coincide com o do outro, possibilitando não só uma separação clara dos blocos,
do camaleão e do ambiente e assim fortalecendo a idéia de mimetismo, mas
também um equilíbrio na orquestração, dando ao solista o destaque, algo tão
difícil de se obter em um instrumento de limitada sonoridade.
E por último, é importante que se observe cada linha melódica individual da
partitura. O compositor recorre como base aos intervalos de 2ª (assim como a sua
inversão - a 7ª - e seu composto - a 9ª), de 4ª e ao trítono, não só evitando
referências ao sistema tonal, mas conferindo à peça uma sonoridade particular
que estes intervalos, no plano melódico, proporcionam.

61
2.2.4. IV Movimento

O quarto movimento é escrito para violão solista, madeiras (flauta e flauta


em Sol, apenas no último compasso), percussão e cordas. As cordas estão
divididas em solo (violinos I e II, viola e violoncelo) e tutti (violinos I e II, violas,
violoncelos e contrabaixos). Já a percussão é composta de tam-tam, tom-tom,
gran cassa, bongôs, temple block, cencerro, maracas, bambus e pratos.
Quanto à organização estrutural, há uma divisão em três partes de acordo
com os timbres e materiais utilizados.

A B B’
c.1 – 49 c.50 – 74 c.75 – 99
Percussão Violão e percussão Violão, percussão e cordas

A seção A trabalha apenas com materiais rítmicos. O violão é utilizado


somente como instrumento de percussão, sem que seja tocado tradicionalmente
em suas cordas. Assim, não há neste trecho alturas definidas.
Já a seção B é marcada por um material harmônico fixo apresentado
exclusivamente pelo violão. Trata-se de uma sonoridade referencial que persistirá
em todo o trecho, caracterizada pela sobreposição de intervalos de 4J e a sua
inversão:

Ex.46. Síntese do material do violão – c.49 a 74

A escrita do compositor neste trecho nos chama a atenção, dividida em três


pentagramas, algo pouco usual para o instrumento:

62
Ex.47. Violão – c.55 e 56

Um dos motivos prováveis deste modelo de escrita é a facilitação da leitura


perante a complexidade rítmica, possibilitando que as vozes sejam visualizadas
separadamente.
Há que se considerar ainda o caráter idiomático do material harmônico,
realizado a partir de uma fôrma estática à mão esquerda, utilizando-se uma corda
para cada som do conjunto de alturas.
Dos seis sons que formam a sonoridade referencial de B, restará apenas a
4J Ré – Sol em B’:

Ex.48. Síntese do material da seção B’ – c.75 a 99

Além da síntese harmônica, há ainda o incremento de timbre com a entrada


gradativa das cordas, primeiro com a viola solo no compasso 76, em seguida com
o primeiro violino solo e o violoncelo solo no compasso 88, e com o segundo
violino no compasso 89, completando o quarteto solo. O violão silencia no
compasso 92, para a entrada das cordas tutti no 95.

63
Almeida Prado criou no quarto movimento uma peça predominantemente
rítmica. Os materiais harmônicos fixos utilizados determinam não só uma cor
específica, mas permitem que o ritmo se desenvolva de maneira livre e complexa.
O violão, ao fixar uma altura para cada corda, se transforma em um instrumento
de percussão de altura definida. O mesmo ocorre com as cordas. Se analisarmos
cada voz individualmente, observaremos linhas absolutamente estáticas,
exploradas ritmicamente, como instrumentos de percussão. Assim, há um
tratamento percussivo para toda a orquestra, e este fato confere à rítmica um
papel central na peça.

64
2.2.5. V Movimento

O quinto movimento é escrito para violão solista, madeiras (flauta e flauta


em Sol, apenas nos primeiros compassos, e clarinetas I e II) e cordas (violas e
violoncelos, apenas nos primeiros compassos). Entretanto prevalecem o violão e
as clarinetas. É interessante iniciarmos a abordagem refletindo a impressão de
Olivier Messiaen sobre a peça, quando Almeida Prado lhe mostrou em sala de
aula. Messiaen fez uma comparação com o quadro Natureza Morta, de Paul
Gauguin, referindo-se à clareza e à simplicidade, como um momento estático e
contrastante da obra.
De fato a peça é um contraste se pensarmos no Khamailéon como um todo,
uma espécie de intermezzo ao grandioso movimento final. Contrastante em vários
aspectos, desde sua instrumentação, que nos remete a uma abordagem
camerística, sua dinâmica, que é sempre pianíssimo nas clarinetas (ppp), seu
andamento lento com figuras de longa duração, e, principalmente, em sua técnica
de composição e constituição intervalar, fundamentada no contraponto e
privilegiando a 3ª. A respeito deste último quesito, vimos que a obra, no geral, tem
como base princípios atonais, privilegiando as 2as, 4as e o trítono, e o quinto
movimento, com a 3ª, proporciona um colorido diferenciado.
Do ponto de vista macro, temos a seguinte estrutura:

A A’
c.1 – 24 c.25 – 47

Seu discurso ocorre a partir de dois blocos – um deles através de duas


clarinetas e outro em duas vozes no violão – que dialogam. Cada bloco é escrito
em contraponto atonal a duas vozes, mas recorrendo essencialmente ao intervalo
de 3ª. Trata-se do uso da 3ª no contexto da escala cromática. As unidades
melódicas de cada bloco formam temas que são posteriormente repetidos ou
imitados de maneira igual ou variada. O exemplo abaixo mostra como ocorrem
estas imitações temáticas:

65
Ex.49. Temas em A – c.5 a 24

A partir do compasso 25, em A’, há a inversão dos temas entre violão e


clarinetas, como mostra o exemplo:

Ex.50. Temas em A’ – c.25 a 47

Partindo desta análise, podemos verificar que o mimetismo é tratado aqui


de uma forma diferente, não mais em termos de material harmônico ou sonoridade
referencial como nos demais movimentos, mas melódico, horizontal, da imitação
dentro das técnicas de contraponto.

66
2.2.6. VI Movimento

No último movimento encontramos a orquestra completa, com violão solista,


madeiras (pícolo, flauta, flauta em Sol, oboé, clarinetas I e II e fagote), metais
(trompas I a IV e trombones I a III), percussão (xilofone, vibrafone, bambus, temple
block, maracas e cencerro) e cordas (violinos I e II, violas, violoncelos e
contrabaixos). Em termos de materiais, trata-se de uma recapitulação do primeiro
movimento, utilizando os mesmos princípios de redundância lá verificados. Seus
subtítulos fornecem um indício do que podemos encontrar nele: logo na primeira
página temos o trecho denominado Memorial, e, em seguida, na terceira página
do manuscrito ou quarta página da edição, Ia, ambos em referência aos materiais
e procedimentos do início da obra. Isso nos remete ao depoimento de Almeida
Prado, em que ele relata o comentário de Messiaen sobre o Khamailéon:

E no final há uma reexposição, que o Messiaen achou genial. Ele


disse assim: “o senhor fez um concerto que não é mais o concerto
de Beethoven, mas que é um concerto que tem um solista com
orquestra, diálogos com a orquestra. Temas rítmicos e melódicos,
e depois você tem a reexposição transfigurada”. Ele achou que era
uma forma nova.60

Podemos então pensá-lo a partir da seguinte estrutura61:

Memorial Ia
Trecho em Trecho em Trecho em
Trecho de
Cadência blocos contraponto blocos
finalização
harmônicos atonal harmônicos
c.1-36 c.5 c.8 – 34 c.35 – 65 c.66 – 90 c.91 – 127

60
Depoimento de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo
61
É importante frisar que em Ia o compositor reinicia a contagem de compasso, partindo
novamente de 1.

67
O Memorial é inteiramente construído a partir de diferentes transposições
da sonoridade referencial62 do primeiro movimento, como mostra o quadro abaixo:
Compasso Instrumentos Material

Violão, violoncelos solos


2–5
e contrabaixos solos

Violão, flautas, clarineta


7 – 11
e fagote

Violão e violoncelos
12 – 15
solos

16 – 20 Violão e trompas

Violão, violoncelos
21 – 36 solos, contrabaixos
solos e vibrafone

Ex.51. Materiais do trecho Memorial – transposições da sonoridade referencial

Repare que o material é sempre fundamentado nas mesmas relações


intervalares (4J, 4J, T, 2M e 4J)63. É relevante ainda ressaltar que, em geral, a
sonoridade é explorada em regiões ou instrumentos graves. O violão é quem dá a
movimentação rítmica a partir dos materiais harmônicos entre uma transposição e
outra, como um camaleão movendo-se no ambiente estático, com alturas que
circundam as notas que compõem o material básico. No compasso 21 chega-se à

62
Material harmônico que abre a obra e é recorrente no primeiro e demais movimento.
63
O T se refere ao trítono – intervalo de 4A ou 5D.

68
sonoridade referencial original, tal qual apresentada no primeiro movimento. A
partir daí o violão em harmônicos realiza contraponto com o vibrafone, ambos
explorando a sonoridade referencial, encerrando o Memorial e preparando o
trecho Ia.

Ia tem início com uma cadência do solista, que ocupa o compasso 5. Seu
início, que soa como um improviso, prepara a sonoridade referencial que é logo
atingida na 27ª divisão do compasso64, através de arpejos e rasgueados,
preparando a entrada do trecho em blocos harmônicos:

Ex.52. 27º e 28º compasso da cadência

O primeiro trecho em blocos harmônicos, entre os compassos 8 e 34, dá


continuidade ao material final da cadência, a partir do diálogo entre blocos de
diferentes timbres, com a sonoridade referencial apresentada de forma original e
transposta. Os violinos e violas solos apresentam de maneira contínua o material
original entre os compassos 8 e 26. Já as madeiras trabalham com uma
transposição entre os compassos 8 e 17:

Ex.53. Material das madeiras (sonoridade referencial transposta) – c.8 a 17

64
O compasso 5, correspondente à cadência, possui divisões através de barras verticais. No
entanto, não são contadas como compasso. A contagem volta no final da cadência.

69
Os violinos e violas tutti reforçam a sonoridade referencial original entre os
compassos 13 e 26. Uma nova transposição é apresentada pelas violas,
violoncelos e contrabaixos entre os compassos 27 e 30:

Ex.54. Material das cordas (violas, violoncelos e contrabaixos – sonoridade referencial


transposta) – c.27 a 30

O violão encerra a seção entre os compassos 30 e 34 com o material


original em rasgueados. O exemplo abaixo mostra uma visão esquemática de todo
o trecho:

Ex.55. Esquema gráfico – c.8 a 34

A partir do compasso 35 inicia-se o trecho em contraponto atonal. Uma


base harmônica de cluster é sustentada pelos metais (trompas e trombones) e
pelo violão, sobre os quais são realizados contrapontos nas madeiras, tendo como
base a escala cromática. Não há na verdade uma variação textural considerável

70
em relação ao trecho em blocos harmônicos, já que este também pode ser visto
como uma forma de contraponto entre os diferentes blocos. Mas há variação de
material, deixando de utilizar a sonoridade referencial e suas transposições para
aplicar o cromatismo total.
O compasso 66 inicia o segundo trecho em blocos harmônicos. Aqui é
lançado um novo material que perdurará em todo o trecho, em diferentes
transposições, respeitando a relação intervalar de 4J, 4J, 3m (ou 2A), 4J e 5A (ou
6m). A idéia básica é novamente o diálogo entre diferentes blocos. O quadro
abaixo sintetiza os materiais trabalhados:

Compasso Instrumentos Materiais

66 – 68 Madeiras

violoncelos e
68 – 69
baixos

69 – 70 Madeiras

violoncelos e
71 – 72
baixos

72 – 84 Violas

71
73 – 74 Violinos

76 – 87 Violinos

77 – 86 Madeiras

Trompas e
80 – 88
trombones

violoncelos e
81 – 90
baixos

Ex.56. Materiais do trecho em blocos harmônicos

O exemplo abaixo mostra uma visão esquemática da relação entre os


blocos em todo o trecho:

Ex.57. Esquema gráfico – c.66 a 90

72
O trecho de finalização, que inicia no compasso 90, é marcado pelo retorno
em destaque da sonoridade referencial no violão. As cordas realizam sucessivas
transposições entre os compassos 98 e 101, até que chegam em sua
configuração original:

Ex.58.Transposições da sonoridade referencial – c.98 a 101

Na seqüência, a partir do compasso 102, são exploradas novamente as


cordas soltas do violão com ênfase em Mi, tal qual o trecho entre os compassos
26 e 50 do primeiro movimento, encerrando a obra:

Ex.59. Violão – c.109

Em síntese, o último movimento rememora os materiais dispostos no


primeiro, como uma recapitulação transfigurada. Utiliza como material básico a
sonoridade referencial nos trechos memória, cadência, no primeiro trecho em
blocos harmônicos, e em parte do trecho de finalização. O segundo trecho em
blocos harmônicos utiliza como base um material derivado da sonoridade
referencial. Se analisarmos, veremos que em ambos os casos há um predomínio
do intervalo de 4J, que é a base da afinação do violão:

73
Ex.60. Sonoridade referencial e material do segundo trecho em blocos harmônicos

74
3. EDIÇÃO CRÍTICA

3.1. Revisão da partitura

Nossa primeira constatação ao tomarmos contato com a partitura do


Khamailéon, a princípio, nos deixou apreensivos. Ao olharmos o primeiro
compasso da obra percebemos que a flauta em Sol não atingiria o Lá 5, como
pede o manuscrito. Isso nos levou a uma indagação sobre a exeqüibilidade da
peça e, conseqüentemente, à conclusão de que seria necessária uma revisão. A
idéia foi reforçada quando, em uma entrevista65, Almeida Prado nos revelou que
na época não fez sequer uma primeira revisão, e que isso seria certamente
imprescindível para que a obra pudesse ser executada. A partir destas
informações, torna-se clara a necessidade e a relevância desta parte do trabalho,
pois sem ela a prática interpretativa não se realiza.
Assim, em uma primeira etapa, partimos para uma verificação de cada
instrumento observando prioritariamente a sua tessitura. Em seguida, focalizamos
em questões como inconsistências de ritmos (tempos que sobram e que faltam em
um compasso; ausência de indicação de quiálteras para um determinado grupo de
notas), ausências de pausas (no início, no fim do compasso, ou no compasso
inteiro), ausência das ligaduras no compasso de origem, dentre outras.
Levantados os problemas, dividimos a revisão em duas partes: 3.1.1. Questões
gerais e 3.1.2. Questões específicas. As questões gerais se referem a
inconsistências recorrentes em todos os movimentos e que podem ser
argumentadas a partir de uma discussão generalizada. Já as questões específicas
se referem a problemas pontuais encontrados a partir de uma varredura detalhada
de cada compasso da obra. Tanto em uma como em outra são descritas e
argumentadas todas as modificações em relação ao original, cujo manuscrito –
fonte por nós utilizada (na grade orquestral em papel tamanho A3) e única até

65
Entrevista de Almeida Prado a Fabio Scarduelli, no dia 29 de março de 2008, na residência do
compositor em São Paulo.

75
então disponível66 – pode ser conferido em anexo na tese (ANEXOS: partitura –
versão facsimile (fotocópia do manuscrito)). A revisão da escrita do violão ocorre
em um texto à parte (3.2. Revisão e digitação das partes do violão – um olhar
sobre sua exeqüibilidade), já que tem como base a revisão de questões
relacionadas à exeqüibilidade, aliada a elaboração de um dedilhado. Entretanto,
todas as alterações, tanto do 3.1 como do 3.2, podem ser visualizadas em 3.3.
Primeira Edição.

66
A Tonos não editou a peça, conforme já discutimos em outra ocasião, no primeiro capítulo da
tese. O catálogo da editora está disponível em:
http://www.tonosmusic.com/download2008/pdf/Instrumental-Edition-2008-screen.pdf, página 54

76
3.1.1. Questões Gerais

3.1.1.1. Sobre o título da obra

Conforme comentamos no primeiro capítulo, o título da obra provem da


transliteração da palavra camaleão em grego (χαµαιλέων – Khamailéon). O
compositor optou pela possibilidade de uma pronúncia universal, já que em
português haveria a dificuldade do til para outras línguas. Entretanto, em uma
certa ocasião, Almeida Prado nos solicitou que conferíssemos a tal transliteração
do grego para os caracteres do alfabeto latino, já que havia nele uma dúvida se na
época a fez corretamente. Constatamos que há no manuscrito uma ligeira
diferença: Khamaleion. Entretanto, uma folha de rosto (contida em ANEXOS da
tese) que acompanha o manuscrito aumenta a confusão. Lá, o título aparece em
três versões: Khamailéon acima; Khamaleion ao centro, com letras maiores e
sublinhadas; e Camaleão abaixo. Este documento nos mostra que o autor tinha
conhecimento da correta transliteração, mas insiste em Khamaleion, já que este
aparece novamente na primeira página da partitura. Podemos especular desde um
simples erro de grafia, até a intenção de na época reinventar a palavra, buscando
originalidade. Deixando de lado as especulações, resolvemos adotar a
transliteração correta (Khamailéon), seguindo o próprio desejo do compositor, que
nos solicitou a correção.

3.1.1.2. Regularização da disposição dos naipes e instrumentos na grade


orquestral

O manuscrito não apresenta um padrão de disposição dos naipes e


instrumentos na grade orquestral. É importante que haja esta regularização,
colocando-os sempre em uma mesma ordem, a fim de propiciar uma visualização
clara da partitura. Em nossa edição revisada utilizamos a seguinte disposição:

77
 Madeiras
o Pícolo
o Flauta
o Flauta em Sol
o Oboé
o Clarineta
o Fagote

 Metais
o Trompas
o Trombone

 Percussão67
o Tamtam
o Maracas
o Bambus
o Temple blocks
o Tomtom
o Pratos
o Cencerro
o Claves
o Xilofone
o Vibrafone

 Solista (Violão)

67
O quarto movimento é a única exceção, não seguindo assim esta ordem. A sua disposição é
organizada por percussionista, devido ao papel central e complexidade que assume a percussão
aqui. Além disso, há o acréscimo de bongôs e da gran cassa. Assim temos percussionista I (temple
blocks e cencerro), II (tomtom), III (bongôs e maracas) e IV (tamtam, gran cassa, bambus e
pratos).

78
 Cordas
o Violino I (solo)
o Violino I (tutti)
o Violino II (solo)
o Violino II (tutti)
o Viola (solo)
o Viola (tutti)
o Violoncelo (solo)
o Violoncelo (tutti)
o Contrabaixo (solo)
o Contrabaixo (tutti)

3.1.1.3. Apresentação de todos os instrumentos do movimento em seu primeiro


sistema

No primeiro sistema de cada movimento estarão dispostos todos os


instrumentos a serem utilizados, mesmo que iniciem em pausa. Trata-se de um
procedimento que visa oferecer um panorama do conjunto orquestral utilizado
naquela parte da obra.

3.1.1.4. Sobre as flautas

Almeida Prado sugere na obra o uso de duas flautas: uma em Dó e outra


em Sol. Entretanto, pode-se verificar que, em alguns trechos, a escrita ultrapassa
nos agudos a extensão da flauta em Sol. Consultando o compositor, sugerimos
para a resolução deste problema o uso de duas flautas em Dó quando necessário,
e assim foi por ele autorizado. Desta maneira, segue abaixo o uso das flautas nos
movimentos:

79
 I movimento – 2 flautas em Dó
 II movimento – sem flautas
 III movimento – 1 flauta em Dó e 1 flauta em Sol
 IV movimento – sem flautas (do compasso 1 ao 98)
– 1 flauta em Dó e 1 flauta em Sol (apenas no compasso 99)
 V movimento – 1 flauta em Dó e 1 flauta em Sol (do compasso 1 a 3)
– sem flautas (do compasso 4 ao 47)
 VI movimento – 2 flautas em Dó

Vale ressaltar que, com a disposição descrita acima, o segundo flautista


tem tempo hábil para a troca de instrumento nos momentos necessários.

3.1.1.5. Sobre os compassos em branco

O processo de digitalização no editor de partituras Finale já resolve por si


uma série de inconsistências do manuscrito. Uma delas se refere aos compassos
em branco, que em muitos trechos não são preenchidos com pausas pelo
compositor. É relevante para o regente e para o instrumentista que este problema
seja resolvido, a fim de tornar a escrita clara e precisa, e assim é feito em nossa
edição.
Outro problema se refere à entrada de novos instrumentos na grade
orquestral. O autor os anuncia, muitas vezes, no meio do sistema.
Normalizaremos colocando-os sempre no início com as devidas pausas.

3.1.1.6. Sobre a numeração de compasso

A numeração ocorre a cada 5 compassos no manuscrito. Normalizaremos


colocando-a sempre e apenas no início de cada sistema.

80
3.1.1.7. Sobre as línguas em que estão escritos os termos musicais

O compositor utiliza termos musicais nas línguas francesa, alemã e italiana.


Tudo será mantido em nossa edição conforme originalmente concebido, seguindo
a orientação do próprio Almeida Prado.

3.1.1.8. Sobre as ligaduras nos harmônicos das cordas

O compositor não utiliza um padrão na disposição das ligaduras nos trechos


em harmônicos nas cordas. Utiliza ora na parte superior, ora na inferior.
Normalizaremos em nossa edição, colocando sempre na parte superior, na própria
indicação do harmônico.

81
3.1.2. Questões Específicas

Seguiremos o seguinte modelo para expor e argumentar as alterações em


relação ao manuscrito:

Compasso
Instrumento alteração
Nota explicativa

Caso haja mais de uma alteração em um mesmo compasso, serão


repetidas logo abaixo as duas últimas linhas da tabela.

3.1.2.1. I Movimento

Compasso 6
Instrumento: pratos Substituição da semibreve por mínima
Por se tratar de compasso 2/4, a figura correta é a mínima.

Compasso 15
Instrumento: pratos Substituição da semibreve por semínima pontuada
O manuscrito apresenta uma semibreve seguida de uma colcheia em compasso
2/4. A alteração visa adequar o ritmo à fórmula de compasso, utilizando como
referência o modelo rítmico das madeiras e das claves, que tocam
simultaneamente.

Compasso 18
Instrumento: I violino, 1ª Substituição da mínima pontuada por mínima
linha duplamente pontuada
Por se tratar de compasso 4/4, para que se complete os quatro tempos, a figura
do início do compasso que deve preceder as duas semicolcheias é a mínima
duplamente pontuada.

82
Instrumento: violoncelo, 1ª Acréscimo de indicação de quiálteras de 7 ao
linha segundo grupo de notas
Apenas no primeiro grupo de notas há indicação de quiálteras. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.
Instrumento: violoncelo, 3ª Acréscimo de indicação de tercina nos demais
linha grupos de notas
As quiálteras estão indicadas apenas no primeiro tempo. O acréscimo sugerido
favorece a leitura do instrumentista e do regente.

Compasso 19
Instrumento: I violino, 2ª Acréscimo de indicação de tercina ao segundo
linha grupo de semínimas
Apenas no primeiro grupo de semínimas há indicação de quiálteras. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.
Instrumento: violoncelo, 1ª Acréscimo de indicação de quiálteras de 7 aos
linha dois grupos de semicolcheias
O modelo rítmico é igual ao compasso anterior. A sugestão favorece a leitura do
instrumentista e do regente.
Instrumento: violoncelo, 3ª Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 ao
linha segundo grupo de colcheias
Apenas no primeiro grupo de colcheias há indicação de quiálteras. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.

Compasso 20
Instrumento: violoncelo, 3ª Acréscimo de indicação de tercinas aos demais
linha grupos de notas
Apenas no primeiro grupo de notas há indicação de tercinas. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.
Instrumento: contrabaixo, 1ª
Acréscimo de indicação de quiáltera de 6
linha

83
O ritmo segue o modelo do compasso anterior. O acréscimo sugerido favorece a
leitura do instrumentista e do regente
Acréscimo de indicação de quiálteras de 7 ao
Instrumento: violão
segundo grupo de notas
Apenas no primeiro grupo de colcheias há indicação de quiálteras. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.

Compasso 21
Instrumento: violoncelo, 3ª Acréscimo de indicação de tercinas aos demais
linha grupos de colcheias
Apenas no primeiro grupo de colcheias há indicação de tercinas. O acréscimo
sugerido favorece a leitura do instrumentista e do regente.
Instrumento: contrabaixo, 1ª
Acréscimo de indicação de quiáltera de 6
linha
O ritmo segue o modelo do compasso anterior. O acréscimo sugerido favorece a
leitura do instrumentista e do regente
Substituição da pausa de semibreve por pausa de
Instrumento: violão
mínima e semínima duplamente pontuada
Esta substituição leva em conta a semicolcheia ao final do compasso, fechando
assim a fórmula 4/4.

Compasso 40 ao 48
Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 a todos
Instrumento: temple block
os grupos de notas
Apenas os primeiros grupos recebem a indicação. O acréscimo sugerido favorece
a leitura do instrumentista e do regente.
Acréscimo de indicação de tercinas aos segundos
Instrumento: claves
grupos de semínimas
Apenas o primeiro grupo de semínimas de cada compasso recebe a indicação de
quiáltera. A sugestão favorece a leitura do instrumentista e do regente.

84
Compasso 46
Acréscimo de pausas de mínima e colcheia no
Instrumento: violão
início do compasso
O compositor escreve as últimas notas do compasso em seu final sem adicionar
as devidas pausas em seu início. Tal acréscimo vem adequar a escrita à fórmula
4/4, e viabilizar a correta leitura do ritmo.

Compassos 47 e 48
Instrumento: vibrafone Adição das notas Ré e Mi tal qual o compasso 46
O compositor indica no manuscrito as ligaduras entre os compassos, mas não
repete as notas.

Compasso 49
Instrumento: todos Acréscimo de fórmula de compasso: 11/4
O compositor não sugere aqui fórmula de compasso. Entretanto, não se trata
mais de 4/4 como vinha ocorrendo até então. A sugestão aqui leva em conta que
os ritmos não são aleatórios, e que as entradas dos instrumentos são
controladas, nas diversas repetições da janela. Há ainda que se olhar para o VI
movimento, que recorre a fórmulas como o 23/16 (compasso 1), ou o 11/16
(compasso 44), por exemplo.
Substituição da primeira pausa de semicolcheia
por pausa de mínima e colcheia pontuada;
acréscimo de pausa de mínima entre a décima e
Instrumento: temple block
décima primeira nota; acréscimo de linha
pontilhada ligando a sua décima primeira nota e a
vigésima quarta nota do violão.
A colocação das pausas tem o objetivo de tornar a escrita mais precisa para o
músico. Sugere-se ainda que na parte individual do percussionista haja anexado
a parte do violão, para que o instrumentista tenha um acompanhamento mais
eficiente do solista ao qual está vinculado, tendo em vista que este compasso
(janela aleatória) é repetido por algumas vezes. Já o acréscimo da linha

85
pontilhada tem o intuito de facilitar a visualização das entradas pelo regente.
Acréscimo de pausas: semibreve e semínima
duplamente pontuada no início do compasso;
Instrumento: claves
mínima e semínima duplamente pontuada antes
da última nota.
O acréscimo de pausas tem o objetivo de tornar a escrita mais precisa para o
músico. Sugere-se ainda, na parte individual do percussionista, que haja anexado
em letras pequenas a parte do temple block, para que o instrumentista tenha um
acompanhamento mais eficiente à linha a qual está vinculado.

Compasso 50
Instrumento: todos Acréscimo de fórmula de compasso: 29/16
O compositor não sugere aqui fórmula de compasso. A sugestão leva em conta
que os ritmos não são aleatórios, e que as entradas dos instrumentos são
controladas, nas diversas repetições da janela. A base para a obtenção desta
fórmula é a escrita do violão.
Ajustes de notas e acréscimos de pausas:
acréscimo de pausa de colcheia pontuada antes
da primeira nota, colcheia pontuada entre a
primeira e a segunda nota, semínima pontuada
entre a segunda e a terceira nota, substituição da
semicolcheia por colcheia na terceira nota,
acréscimo de pausa de semicolcheia entre a
Instrumento: temple block
terceira e a quarta nota, substituição da
semicolcheia por colcheia pontuada na quarta
nota, acréscimo de pausa de colcheia mais
semicolcheia entre a quarta e quinta nota,
substituição de semicolcheia por semínima na
quinta nota, e acréscimo de pausa de colcheia no
fim do compasso.
Tais ajustes têm o intuito de tornar a escrita precisa para o músico. Sugere-se

86
ainda que na parte individual do percussionista tenha também a parte do violão
como guia, para que o instrumentista tenha um acompanhamento mais eficiente
do solista ao qual está vinculado, tendo em vista que este compasso (janela
aleatória) é repetido por algumas vezes.
Ajustes de notas e acréscimo de pausas:
acrescentar pausa de semibreve e semínima no
início do compasso; substituir a primeira
Instrumento: claves semicolcheia por colcheia; acrescentar pausa de
semicolcheia e semínima entre a primeira e a
segunda nota; substituir a semicolcheia por
colcheia na segunda nota.
Tais ajustes têm o intuito de tornar a escrita precisa para o músico. Sugere-se
ainda que na parte individual do percussionista tenha também a parte do violão
como guia, para que o instrumentista tenha um acompanhamento mais eficiente
do solista ao qual está vinculado, tendo em vista que este compasso (janela
aleatória) é repetido por algumas vezes.

Compasso 57
Instrumento: todos Acréscimo de fórmula de compasso: 42/16
O compositor não sugere aqui fórmula de compasso. A sugestão leva em conta
que os ritmos não são aleatórios, e que as entradas dos instrumentos são
controladas, nas diversas repetições da janela.
Acréscimo de pausas: semicolcheia no início do
compasso; mínima entre o primeiro e segundo
Instrumento: violão
grupo de notas; mínima pontuada entre segundo e
terceiro grupo de notas.
Resolvemos garantir a precisão rítmica através das pausas pelo fato de que o
compositor sugere uma sincronia com o ritmo do violoncelo solo.
Substituição da pausa de semicolcheia por pausa
Instrumento: violoncelo solo de semínima no início do compasso; acréscimo de
pausa de semínima pontuada após o primeiro

87
grupo de notas, e de mínima mais colcheia
pontuada após o segundo grupo de notas.
Tais ajustes têm o intuito de tornar a escrita precisa para o músico. Sugere-se
ainda que na parte individual do violoncelista tenha também a parte do violão
como guia, para que o músico tenha um acompanhamento mais eficiente do
solista ao qual está vinculado, tendo em vista que este compasso (janela
aleatória) é repetido por algumas vezes.
Complemento do compasso com
Instrumento: xilofone / vibrafone
pausas
O compositor lança apenas uma semicolcheia no início do compasso. É
interessante ainda anexar à sua parte individual a linha do violão, para que nas
repetições desta janela aleatória o músico possa dar as entradas com maior
segurança.

Compasso 58
Instrumento: todos Acréscimo de fórmula de compasso 4/4
Os últimos compassos passaram por modificações através de janelas aleatórias.
É importante que seja frisado aqui a fórmula de compasso.

Compasso 61
Correção / afirmação de ritmos ambíguos:
Instrumento: II violino tutti, 1ª
primeira nota – mínima pontuada; terceira nota –
linha
semínima
O compositor parece ter tido dúvida entre mínima e semínima em ambos os
casos, deixando dúvida na escrita. Nossas afirmações são baseadas no fato de
termos 7/4 como fórmula de compasso.

88
Compasso 63
Acréscimo de pausa de mínima no início do
Instrumento: tom-tom
compasso
O compositor escreve as últimas notas do compasso em seu final sem adicionar
as devidas pausas em seu início. Tal acréscimo vem adequar a escrita à fórmula
3/4, e viabilizar a correta leitura do ritmo pelo instrumentista.

Compasso 65
Acréscimo de pausa de colcheia após a primeira
Instrumento: contrabaixo
nota (Lá#)
Tal acréscimo vem adequar a escrita à fórmula de compasso 2/4, e viabilizar a
correta leitura do ritmo pelo instrumentista.

Compasso 67
Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 ao
Instrumento: viola solo
compasso
É provável que o compositor tenha esquecido de tal indicação, que ocorre nos
compassos seguintes.

Compasso 69
Instrumento: I violino solo, 2ª
Substituição da mínima pontuada por mínima
linha
Estamos em compasso 2/4, e o correto é a figura da mínima.

Compasso 70
Acréscimo de indicação de tercina ao segundo
Instrumento: viola solo
grupo de notas
A tercina está indicada apenas no primeiro grupo de notas. A sugestão favorece a
leitura do instrumentista.

89
Compasso 71
Instrumento: viola solo e II Normalização da disposição dos instrumentos em
violino solo relação ao compasso anterior
O compositor inverte, na mudança de linha, a disposição destes dois
instrumentos. Este aspecto é discutido nas questões gerais (3.1.1), mas é
importante que se seja aqui frisado para que não haja confusão na consulta do
manuscrito.

Compasso 79
Acréscimo de duas fusas ao grupo, completando
Instrumento: violão
oito notas
Esta alteração visa padronizar tal escrita, de acordo com os compassos
anteriores.

Compassos 80 e 81
Instrumento: viola solo, 2ª Acréscimo de indicação de tercinas nos demais
linha grupos que correspondem a quiálteras
A tercina está indicada apenas no primeiro grupo de notas de cada compasso. A
sugestão favorece a leitura do instrumentista.

Compassos 83
Instrumento: viola solo, 1ª Correção / afirmação de ritmo ambíguo: a última
linha nota do compasso é uma mínima
O compositor parece ter tido dúvida entre mínima e semínima, deixando dúvida
na escrita. Nossa afirmação é baseada no fato de termos 5/4 como fórmula de
compasso.
Instrumento: viola solo, 2ª Correção de ritmos: primeira colcheia deve ser
linha pontuada; última mínima deve ser pontuada
Nossa afirmação é baseada no fato de termos 5/4 como fórmula de compasso.

90
Compasso 84
Acréscimo de pausa de semínima no início do
Instrumento: temple block compasso; afirmação da terceira colcheia como
pontuada
Os ataques devem ser coordenados com a maraca. Desta forma, é necessário o
acréscimo de pausa no início. A afirmação do ponto na terceira colcheia se refere
ao fato deste estar rasurado no manuscrito.
Acréscimo de pausa de semínima e colcheia
Instrumento: cencerro pontuada no início do compasso; substituição da
primeira semínima (Sol) por semínima pontuada
Os ataques devem ser coordenados com a maraca e temple block, conforme
indicam as linhas pontilhadas no manuscrito. Desta forma, é necessário o
acréscimo de pausas para que a escrita se torne precisa. A substituição da
semínima por semínima pontuada tem o intuito de coordenar o ataque de sua
colcheia pontuada, que vem logo a seguir, com a segunda do grupo de quatro
semicolcheias da maracá, também aqui seguindo a indicação das linhas
pontilhadas.
Acréscimo de pausa de mínima pontuada no início
do compasso; alinhamento da pausa de colcheia
Instrumento: claves pontuada com a primeira do grupo de quatro
semicolcheias da maraca; substituição da pausa
de semicolcheia por pausa de colcheia
O acréscimo da pausa no início do compasso bem como o alinhamento da pausa
de colcheia pontuada tem o intuito de deixar clara a simultaneidade de ataque da
semicolcheia da clave com a última do grupo de quatro semicolcheias da maraca,
conforme indicado no manuscrito com a linha pontilhada. A substituição da pausa
de semicolcheia por pausa de colcheia visa propiciar o ataque simultâneo da
semicolcheia da clave com a colcheia do temple block.
Acréscimo do termo attaca ao final do último
Instrumento: todos
compasso

91
Trata-se de uma indicação do compositor, revelada em entrevista68, para que o
primeiro e o segundo movimentos sejam executados sem interrupção.

68
Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli na residência do compositor em São
Paulo, no dia 29 de março de 2008.

92
3.1.2.2. II Movimento

Compasso 1
Acréscimo de indicação de andamento: semínima
Instrumento: todos
= aproximadamente 60
Não há no manuscrito indicação de andamento, mas apenas um esboço de que
seria colocado posteriormente. Em consulta ao compositor ele sugeriu 60 para a
semínima.

Compasso 3
Substituição da pausa de semínima pontuada por
Instrumento: trompa I
pausas de mínima e colcheia
A substituição é uma adequação à fórmula de compasso 5/4.

Compasso 4
Substituição da mínima pontuada por semibreve e
Instrumento: trompas I e III
mínima, sendo ambas unidas por ligadura
A substituição é uma adequação à fórmula de compasso 5/4.
Substituição das semínimas do acorde do quarto
tempo por semínimas pontuadas, acrescentando-
Instrumento: violão
se a devida pausa de colcheia para as vozes
inferiores no final do compasso
A substituição serve à adequação da fórmula de compasso, que é 5/4.

Compasso 5
Acréscimo de semínima (Dó) no início do
Instrumento: trompa I
compasso, ligada ao Dó do compasso anterior
O acréscimo é uma adequação à fórmula de compasso 5/4. No manuscrito, a
colcheia (Si) está alinhada com o segundo tempo dos demais instrumentos.
Instrumento: trompa III Acréscimo de mínima pontuada (Sib) no início do

93
compasso, ligada ao Sib do compasso anterior
O acréscimo é uma adequação à fórmula de compasso 5/4.

Compasso 7
Substituição da pausa de mínima por mínima
Instrumento: trompa I
pontuada no início do compasso
A substituição é uma adequação à fórmula de compasso 5/4.
Acréscimo de pausa de mínima no quarto tempo
Instrumento: trompa IV
do compasso
A pausa de mínima completa os cinco tempos do compasso 5/4. A linha
pontilhada ligando os dois instrumentos indica que o Si passa da trompa IV à I
sem interrupção. Em seguida, o Si é mantido apenas na trompa I, justificando
assim o acréscimo da pausa no local indicado.

Compasso 9
Acréscimo de pausa de mínima pontuada na voz
Instrumento: violão
inferior
O acréscimo é uma adequação à escrita a duas vozes em compasso 5/4.

Compasso 12
Instrumento: violão, voz Substituição da mínima do segundo tempo, voz
inferior inferior, por mínima pontuada
Em fórmula 5/4, para que os ataques das colcheias no último tempo do compasso
sejam simultâneos, a mínima deve ser pontuada.

Compasso 13
Acréscimo de bequadro de precaução no Si 2,
Instrumento: trompa I
última parte do último tempo do compasso.
No primeiro tempo do compasso há um Sib oriundo do compasso anterior por
ligadura.

94
Substituição da pausa de mínima pontuada por
Instrumento: trompa III
pausa de mínima
O compasso está somando seis tempos, em fórmula 5/4. A sugestão segue o
modelo rítmico das trompas II e IV.
Instrumento: violão Substituição do Fá# semínima por Fá# mínima
A voz inferior está somando apenas 4 tempos em compasso 5/4. Para que os
ataques das duas vozes no quarto e quinto tempos sejam simultâneos, é
necessário que o Fá# esteja escrito em figura de mínima.

Compasso 15
Substituição da pausa de mínima pontuada por
Instrumento: trompa II
pausa de mínima
O compasso está somando seis tempos em fórmula 5/4. A sugestão tem como
referência os modelos rítmicos dos demais instrumentos.

Compasso 17
Instrumento: violão, voz Substituição da semínima do primeiro tempo por
superior mínima pontuada
Para que os ataques nos demais tempos ocorram simultaneamente, e levando-se
em consideração a fórmula de compasso 5/4, a figura correta é a mínima
pontuada.
Instrumento: violão, voz Substituição do Ré, segundo tempo, mínima, por
inferior semínima
Para que os ataques nos demais tempos ocorram simultaneamente, e levando-se
em consideração a fórmula de compasso 5/4, a figura correta é a semínima.

95
Compasso 18
Acréscimo de pausa de mínima na voz grave do
Instrumento: violão
primeiro tempo
Considerando a fórmula de compasso 5/4, as quiálteras da voz grave devem
iniciar a partir do terceiro tempo.

Compasso 19
Substituição da semínima pontuada, primeiro
Instrumento: violão
tempo, por semínima duplamente pontuada
O compositor escreve para os dois primeiros tempos do compasso semínima
pontuada seguida por duas fusas. O correto é semínima duplamente pontuada.

Compasso 22
Acréscimo de pausa de mínima no início do
Instrumento: trompa II compasso, e substituição de semínima pontuada
por semínima no quinto tempo
A pausa de colcheia que abre o compasso está colocada no terceiro tempo. Para
isso, é necessária a inserção de uma pausa de mínima no início, acompanhando
o modelo rítmico das demais trompas e do fagote. O ponto que leva a semínima
do quinto tempo é mais provável que seja uma rasura da partitura.
Instrumento: trompas I e II Acréscimo de ligaduras no fim do compasso
Na mudança de sistema e de página no manuscrito as notas das trompas devem
ser ligadas entre os compassos 22 e 23. O compositor escreve as ligaduras no
compasso 23, omitindo-as no compasso 22.
Substituição das mínimas do terceiro tempo por
Instrumento: violão
mínimas pontuadas
Tal alteração tem o intuito de adequar o ritmo à fórmula de compasso 5/4.

96
Compasso 23
Acréscimo de indicação de tercinas no terceiro
Instrumento: trompa IV
tempo
Tal alteração tem como base o modelo rítmico da trompa III.

Compasso 24
Substituição da semínima do primeiro tempo por
Instrumento: trompa IV
mínima pontuada
A alteração tem como base o modelo rítmico da trompa III e da clarineta, em
adequação à fórmula de compasso 5/4.

Compasso 28
Substituição da pausa de mínima do segundo
Instrumento: trompa II
tempo por pausa de semibreve
Tal alteração serve à adequação da fórmula de compasso 5/4.
Substituição das duas indicações de quiálteras de
Instrumento: clarineta três por uma indicação de quiálteras de 6 para
todo o compasso
A escrita do compositor sugere dois grupos de tercinas, somando apenas 4
tempos no compasso 5/4. Nossa sugestão prevê quiálteras de seis, fazendo com
que seis semínimas sejam executadas em cinco tempos. Além disso, segue-se o
modelo rítmico da primeira e quarta trompas, e do fagote.

Compasso 29
Substituição da mínima, quarto tempo, por
Instrumento: viola
semínima
O compositor escreve seis tempos em compasso 5/4. A alteração tem como base
o modelo rítmico da viola no compasso anterior, bem como a disposição dos
ataques do violoncelo, posicionado imediatamente abaixo da viola no manuscrito.

97
Compasso 30
Substituição da pausa de mínima por pausa de
Instrumento: trompa I
mínima pontuada no terceiro tempo
A alteração tem como base o modelo rítmico da trompa IV, em adequação à
fórmula de compasso 5/4.

Compasso 32
Instrumento: viola, voz Acréscimo de pausa de mínima pontuada no início
superior do compasso
O compositor escreve pausa de colcheia e semínima pontuada no quarto tempo
do compasso, sem indicar as devidas pausas em seu início. A alteração visa
viabilizar a leitura correta do músico.

Compasso 38
Substituição da mínima do terceiro tempo por
Instrumento: violino I, solo 2
mínima pontuada
O compositor escreve 4 tempos em fórmula de compasso 5/4. A alteração visa
adequar a rítmica, tomando como base o alinhamento dos ataques dos demais
instrumentos no manuscrito, como os solos 3 e 6, por exemplo.

Compasso 45
Substituição da pausa de mínima do primeiro
Instrumento: violoncelo I
tempo por mínima pontuada
O compositor escreve 4 tempos em fórmula de compasso 5/4. A alteração visa
adequar a rítmica.
Substituição da pausa de mínima do primeiro
Instrumento: violoncelo III
tempo por pausa de semibreve
O compositor escreve 3 tempos em fórmula de compasso 5/4. A alteração visa
adequar a rítmica.

98
Compasso 46
Acréscimo de indicação de tercina no grupo de
Instrumento: violoncelo I
colcheias do quarto tempo
A alteração tem o intuito de facilitar a leitura do músico.

Compasso 49
Acréscimo de fermata na semibreve, primeiro
Instrumento: contrabaixo III tempo do compasso, e pausa de semínima no
quinto tempo
O compositor escreve quatro tempos em compasso 5/4. As alterações tomam
como base a rítmica do contrabaixo I.
Acréscimo de fermata na semínima pontuada,
Instrumento: contrabaixo II
segundo tempo do compasso
A fermata deve ser colocada na nota longa, tomando como base os contrabaixos
I e III.

99
3.1.2.3. III Movimento

Compasso 3
Substituição da última semínima do compasso por
Instrumento: oboé
semínima pontuada
No manuscrito o compasso soma 3 tempos e meio, em fórmula 4/4. Nossa
sugestão é baseada no alinhamento com a pausa de semínima pontuada da
clarineta, e semínima mais colcheia da flauta.

Compasso 7
Acréscimo de pausa de mínima no início do
Instrumento: clarineta
compasso
Em fórmula 3/4, o compositor escreve apenas o último tempo do compasso.
Nossa sugestão é baseada no modelo rítmico da flauta em Sol.

Compasso 11
Substituição da pausa de mínima por pausa de
Instrumento: contrabaixo
mínima pontuada no segundo tempo do compasso
Em fórmula 4/4, o compositor escreve colcheia, pausa de colcheia e pausa de
mínima. Para que complete os quatro tempos, a mínima deve ser pontuada.

Compasso 12
Substituição das mínimas por mínimas pontuadas
Instrumento: violão no segundo tempo do compasso; acréscimo de
pausa de semínima na voz grave, primeiro tempo
As notas Mi e Ré# devem perdurar por todo o restante do compasso. No
manuscrito encontram-se meio pintadas, provavelmente rasuradas na
substituição de semínimas por mínimas. Seu ataque ocorre no segundo tempo, e
as mínimas devem ser pontuadas para adequação à fórmula 4/4. A voz grave tem
seu primeiro ataque apenas a partir do segundo tempo. É conveniente que se
acrescente pausa de semínima ao primeiro tempo.

100
Compasso 15
Instrumento: violão Acréscimo de pausa de semínima na voz superior
O ataque desta voz ocorre a partir do segundo tempo. É conveniente que se
acrescente a pausa no primeiro.

Compasso 16
Instrumento: fagote Substituição da semibreve por mínima
A fórmula de compasso é 2/4, e a figura correta é a mínima, seguindo o modelo
rítmico das demais madeiras.

Compasso 17
Substituição da mínima por mínima pontuada no
Instrumento: fagote
segundo tempo
A fórmula de compasso é 4/4, e a figura correta é a mínima pontuada, seguindo o
modelo rítmico das demais madeiras.

Compasso 20
Substituição da pausa de mínima por pausa de
Instrumento: madeiras
mínima pontuada
Em fórmula de compasso 3/4, a figura correta é a mínima pontuada. Como há
mudanças freqüentes na fórmula de compasso, é interessante ao instrumentista
que haja o valor exato da pausa.

Compasso 21
Acréscimo de pausa de mínima pontuada no
Instrumento: viola
primeiro tempo do compasso
O compositor escreve apenas o último tempo do compasso. É conveniente que
se acrescente pausa ao primeiro tempo.
Substituição da pausa de colcheia, última do
Instrumento: violoncelo
compasso, por pausa de colcheia pontuada

101
A alteração visa adequar à fórmula de compasso 4/4, tomando como base o
modelo rítmico do contrabaixo.

Compasso 23
Decréscimo do acento da última semicolcheia da
Instrumento: Oboé
quiáltera de 5 do primeiro tempo
Há um movimento paralelo em todas as madeiras neste trecho, e o acento
apenas no oboé se torna sem efeito.

Compasso 28
Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 ao
Instrumento: flauta em Sol segundo grupo de semicolcheias, que
corresponde ao último tempo do compasso
A sugestão favorece a leitura do instrumentista.

Compasso 34
Instrumento: clarineta e Substituição da pausa de mínima por pausa de
fagote mínima pontuada
A fórmula de compasso é 3/4, e a figura correta é a mínima pontuada.
Instrumento: violoncelo e Acréscimo de pausa de mínima ao segundo
contrabaixo tempo do compasso
O compositor escreve apenas o primeiro tempo do compasso. O restante deve
ser preenchido com silêncio.
Acréscimo de pausa de colcheia ao primeiro
Instrumento: violino I
ataque da tercina
O primeiro ataque da tercina ocorre no II violino. Esta alteração visa melhorar a
leitura do instrumentista.
Acréscimo de pausa de semínima ao segundo
Instrumento: violino II
ataque da tercina
O segundo e terceiro ataques da tercina ocorrem no I violino. Esta alteração visa

102
melhorar a leitura do instrumentista.

Compasso 35
Acréscimo de pausa de semínima ao primeiro
Instrumento: violino I
ataque da tercina
O primeiro e segundo ataques da tercina ocorrem no II violino. Esta alteração
visa melhorar a leitura do instrumentista.
Acréscimo de pausa de colcheia ao terceiro
Instrumento: violino II
ataque da tercina
O terceiro ataque da tercina ocorre no I violino. Esta alteração visa melhorar a
leitura do instrumentista.

Compasso 36
Instrumento: violoncelo e Acréscimo de pausa de semínima ao terceiro
contrabaixo tempo do compasso
O compositor escreve apenas os dois primeiros tempos do compasso. Em
fórmula 3/4, o terceiro tempo deve ser preenchido com silêncio.

Compasso 37
Instrumento: violoncelo e Acréscimo de pausa de mínima ao segundo
contrabaixo tempo do compasso
O compositor escreve apenas o primeiro tempos do compasso. Em fórmula 3/4, o
restante deve ser preenchido com silêncio.

Compasso 42
Acréscimo de pausa de semínima ao terceiro
Instrumento: violoncelo
tempo do compasso
O compositor escreve apenas os dois primeiros tempos do compasso. Em
fórmula 3/4, o terceiro tempo deve ser preenchido com silêncio.

103
Compasso 43
Acréscimo de indicação de tercina aos grupos de
Instrumento: violoncelo colcheias correspondentes ao segundo e terceiro
tempos
O compositor indica tercina apenas ao primeiro grupo. A sugestão favorece a
leitura do instrumentista.

Compasso 44
Acréscimo de pausa de mínima no segundo
Instrumento: vibrafone
tempo do compasso
O acréscimo é uma adequação à fórmula de compasso 3/4, já que o compositor
escreve apenas o primeiro tempo.
Substituição da primeira semínima pontuada por
Instrumento: trompas I e II
semínima
O compositor escreve três tempos e meio em fórmula 3/4. A sugestão visa
resolver esta inconsistência, tomando como base o modelo rítmico do compasso
42.
Acréscimo de indicação de tercina aos grupos de
Instrumento: violoncelo colcheias correspondentes ao segundo e terceiro
tempos
O compositor indica tercina apenas ao primeiro grupo. A sugestão favorece a
leitura do instrumentista.

Compasso 45
Instrumento: flauta e flauta Acréscimo de pausa de mínima no início do
em Sol compasso
O compositor escreve apenas o último tempo do compasso. A sugestão leva em
conto a fórmula 3/4.
Acréscimo de indicação de quiálteras de 7 para o
Instrumento: II violino
compasso

104
A sugestão toma como base o modelo rítmico dos compassos 43 e 44.
Acréscimo de indicação de tercina aos grupos de
Instrumento: violoncelo colcheias correspondentes ao segundo e terceiro
tempos
O compositor indica tercina apenas ao primeiro grupo. A sugestão favorece a
leitura do instrumentista.

Compassos 46
Acréscimo de um terceiro tempo, com pausa de
Instrumento: viola colcheia seguida por Mi e Ré também em
colcheia, tal como no primeiro e segundo tempos
É importante que seja mantida a escrita em compasso 3/4, já que as cordas e o
violão repetem procedimentos dos compassos anteriores, também em 3/4. No
compasso 48 o compositor realiza este procedimento, tal como sugerimos aqui.
Acréscimo de um terceiro tempo, com pausa de
colcheia pontuada seguida por Dó# em
Instrumento: violoncelo
semicolcheia, tal como no primeiro e segundo
tempos
É importante que seja mantida a escrita em compasso 3/4, já que as cordas e o
violão repetem procedimentos dos compassos anteriores, também em 3/4. No
compasso 48 o compositor realiza este procedimento, tal como sugerimos aqui.

Compassos 47
Substituição da mínima por mínima pontuada com
Instrumento: violão
fermata
A fórmula de compasso é 3/4, e a figura correta é a mínima pontuada, para que
perdure em todo o compasso. O acréscimo da fermata é necessário, já que todos
os demais instrumentos da orquestra a possuem.
Acréscimo de pausas com fermata no início do
Instrumento: Madeiras compasso: colcheia para o fagote, semínima para
a flauta, semínima pontuada para o oboé, mínima

105
para a flauta em Sol, e mínima mais colcheia para
a clarineta
Estas alterações são úteis principalmente quando tratamos das partes individuais
dos músicos, que não terão a visão das entradas dos demais instrumentos. Isto
aumenta a precisão e facilita os ensaios e a execução, sem tirar o caráter
aleatório das entradas, já que a fermata na pausa garante uma certa liberdade.

Compasso 48
Instrumento: violão Substituição da semínima por mínima pontuada
A sugestão visa adequar à fórmula de compasso 3/4.
Acréscimo de sinal de respiração após primeira
Instrumento: clarineta
semicolcheia
A indicação segue o modelo dos demais instrumentos de madeira

Compasso 52
Substituição da pausa de semínima por pausa de
Instrumento: I violino
semínima pontuada
O compositor escreve semínima e colcheia em fórmula 2/4. A alteração segue o
modelo rítmico da flauta em Sol.

Compasso 57
Instrumento: oboé, clarineta, Acréscimo de ligaduras das notas do compasso
fagote, e violino I, 2ª voz 57 às do 58
O compositor escreve o fim das ligaduras no compasso 58 sem iniciá-las no
compasso 57.

106
Compasso 58
Instrumento: fagote Substituição da clave de Dó por clave de Sol
O compositor escreve por engano no início do sistema a clave de Dó. Entretanto,
o fagote é escrito em clave de Sol desde o compasso 49. Na mudança de sistema
deve ser mantido o Ré# com ligadura. Desta forma, o correto é que se mantenha
a clave de Sol até o compasso 65.

Compasso 62
Acréscimo de Dó natural em semínima ao
segundo tempo do compasso, ligado à nota
Instrumento: viola
anterior, e ligado a primeira nota do compasso
seguinte
Em fórmula 2/4, o compositor escreve apenas o primeiro tempo do compasso,
ligando-o ao primeiro tempo do compasso seguinte.

Compasso 68
Substituição da colcheia do primeiro tempo, voz
Instrumento: contrabaixo
superior, por colcheia pontuada
O compositor escreve colcheia seguido de semicolcheia no primeiro tempo. O
correto é colcheia pontuada e semicolcheia.

107
3.1.2.4. IV Movimento

Compasso 9
Acréscimo de semínimas Sol-Ré ao segundo
Instrumento: temple block
tempo do compasso
O compositor escreve apenas o primeiro tempo, acrescentando as ligaduras ao
tempo seguinte, deixando subentendido que a as notas perdurarão por todo o
compasso. A alteração torna a escrita mais precisa ao músico.

Compasso 11
Acréscimo de pausa de mínima ao segundo
Instrumento: temple block
tempo do compasso
Em compasso 3/4 o compositor escreve apenas o primeiro tempo. A correção
visa tornar a escrita mais precisa.

Compasso 24
Substituição da pausa de semínima pontuada por
Instrumento: maracas
pausa de semínima duplamente pontuada
A substituição é uma adequação à fórmula de compasso 2/4, levando em conta
que o complemento ocorre através de duas fusas.

Compasso 35
Substituição da pausa de semínima por pausa de
Instrumento: Pratos
semínima pontuada
O compositor escreve pausa de semínima seguida por uma colcheia em
compasso 2/4. O ataque deve ser simultâneo ao dos bongôs.

108
Compasso 39
Instrumento: violão, voz
Acréscimo de indicação de tercina
intermediária
A indicação deve ser acrescentada, tal qual a da voz inferior, tornando a escrita
rítmica precisa.
Instrumento: violão, voz Substituição da nota em colcheia por semínima na
inferior tercina
O correto da tercina neste caso é através da pausa de colcheia seguida de uma
semínima.

Compasso 40
Instrumento: violão, voz Acréscimos: indicação de tercina ao primeiro
intermediária tempo, e pausa de semínima ao terceiro tempo
Tais alterações visam possibilitar escrita mais precisa à leitura do músico, e
completar o compasso 3/4.

Compasso 45
Alteração da indicação de quiálteras de 6 para
Instrumento: tom-tons
quiálteras de 5 no primeiro e segundo tempo
O correto é a quiáltera de 5, já que temos cinco semicolcheias em cada grupo,
assim como ocorre nos compassos seguintes também nos tom-tons.

Compasso 46
Acréscimo de pausa de semínima ao primeiro
Instrumento: temple block
tempo do compasso
A pausa serve para adequação ao compasso 2/4.
Acréscimo de pausa de semínima ao segundo
Instrumento: cencerro
tempo do compasso
A pausa serve para adequação ao compasso 2/4.

109
Compasso 47
Acréscimo de pausa de semínima pontuada ao
primeiro ataque das quiálteras de 7; acréscimo de
Instrumento: temple block
pausa de semínima ao sexto ataque das
quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.
Acréscimo de pausa de semínima ao quarto
Instrumento: cencerro
ataque das quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.

Compasso 48
Instrumento: pratos Substituição da colcheia pontuada por colcheia
Em compasso 2/4, o correto é colcheia seguida de semínima pontuada, em
ataque simultâneo com os bongôs.
Acréscimo de pausa de semínima ao primeiro
Instrumento: temple block ataque das quiálteras de 7; acréscimo de pausa
de semínima ao quinto ataque das quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.
Acréscimo de pausa de semínima ao terceiro
Instrumento: cencerro ataque das quiálteras de 7, acréscimo de pausa
de colcheia ao sétimo ataque das quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.

110
Compasso 49
Acréscimo de pausa de mínima e colcheia ao
Instrumento: temple block
primeiro ataque das quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.
Acréscimo de pausa de semínima ao sexto ataque
Instrumento: cencerro
das quiálteras de 7
Os ataques são alternados entre o temple block e o cencerro, através de dois
percussionistas distintos. Esta alteração visa melhorar a leitura do instrumentista.

Compasso 53
Ampliação da indicação de quiálteras de 5 para
Instrumento: violão
abrangerem todo o compasso
As quiálteras estão indicadas apenas ao início do compasso. Devem abranger o
compasso inteiro, equivalendo a 5 colcheias em fórmula de 2/4.

Compasso 57
Acréscimo de pausa de semínima ao segundo
Instrumento: tom-tons
tempo do compasso
O compositor escreve apenas o primeiro tempo, através de pausa de colcheia
seguida de colcheia. O acréscimo da pausa de semínima completa a fórmula 2/4.

Compasso 60
Acréscimo de ligaduras nas mínimas do
Instrumento: violão
pentagrama superior ao compasso seguinte
A mudança de compasso corresponde também à mudança de página no
manuscrito. O compositor escreve a ligadura no compasso 61, mas não a sua
correspondente no compasso 60.

111
Compasso 65
Acréscimo de semínimas Ré-Sol ao segundo
Instrumento: violão, voz
tempo do compasso, ligadas ao tempo anterior e
intermediária
ao primeiro tempo do compasso seguinte
Em fórmula de 2/4, o compositor escreve apenas o primeiro tempo do compasso,
ligada ao primeiro tempo do compasso seguinte. A alteração torna a escrita
rítmica precisa.

Compasso 76
Substituição da semínima Ré no primeiro tempo
Instrumento: violão,
por mínima, e acréscimo de ligadura ao primeiro
pentagrama superior
tempo do compasso seguinte
Esta linha é composta de duas vozes.Tal alteração torna precisa a escrita rítmica
em compasso 2/4 da voz inferior. Além disso, a mudança de compasso
corresponde à mudança de sistema no manuscrito. O compositor escreve a
ligadura no compasso 77, mas não a sua correspondente no 76.
Instrumento: violão, Acréscimo de ligadura na mínima, voz superior, ao
pentagrama intermediário compasso seguinte
A mudança de compasso corresponde também à mudança de sistema no
manuscrito. O compositor escreve a ligadura no compasso 77, mas não a sua
correspondente no compasso 76.

Compasso 82
Instrumento: violão, linha
Substituição da semínima por mínima
intermediária
Há duas vozes no pentagrama. A voz superior deve perdurar por todo o
compasso e estar ligada ao compasso seguinte. Para isso, o correto é a mínima.

112
Compasso 84
Instrumento: violão, linha
Acréscimo de pausa de mínima ao compasso
superior
O compositor escreve apenas a apojatura no final do compasso. É importante que
seja adicionada a pausa.

Compasso 90
Instrumento: II violino, voz
Acréscimo de indicação de quiálteras de 5
inferior
Há 5 colcheias para o compasso 2/4. O correto é que estas colcheias estejam
escritas em quiálteras.

Compasso 91
Instrumento: tom-tons Acréscimo de indicação de quiálteras de 7
Há 7 colcheias para o compasso 2/4. O correto é que estas colcheias estejam
escritas em quiálteras.

Compasso 92
Substituição / afirmação: as figuras são de
Instrumento: violão
mínimas
A nota superior parece estar escrita como semínima. Em compasso 2/4, o correto
é que as duas notas sejam em mínimas.

Compasso 94
Instrumento: II violino solo Acréscimo de indicação de tercina à voz inferior
Deve-se repetir o procedimento do compasso anterior, favorecendo a leitura do
instrumentista.
Acréscimo de Fá em semínima pontuada após e
Instrumento: viola solo ligada ao segundo Fá em colcheia; ajuste da
indicação de quiálteras de 5 para abranger todo o

113
compasso na voz superior
O compositor apresenta a indicação de quiálteras de 5 mas não completa o
compasso. Além disso, a indicação de quiáltera está deslocada.
Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 às
Instrumento: cencerro
semicolcheias, segundo tempo
O compositor escreve 5 semicolcheias para o segundo tempo, mas não fornece
indicação de quiálteras

Compasso 96
Instrumento: I violino tutti Substituição da semínima por mínima
Em fórmula 2/4, o correto é uma mínima, para que perdure em todo o compasso.

Compasso 97
Instrumento: II violino tutti, 1ª Substituição da mínima por semínima no primeiro
linha tempo
A figura está ambígua, entre mínima e semínima. O correto, neste caso de 3/4, é
a semínima.
Instrumento: II violino tutti, 3ª
Substituição da mínima por mínima pontuada
linha
Em fórmula 3/4 o correto é a mínima, para que perdure em todo o compasso

Compasso 99
Substituição / afirmação: a figura correta é a
Instrumento: I violino tutti
mínima
A escrita está ambígua entre mínima e semínima. Em fórmula 2/4, o correto é
uma mínima, para que perdure em todo o compasso.

114
3.1.2.5. V Movimento

Compasso 14
Substituição da pausa de mínima por pausa de
Instrumento: clarinetas I e II
semibreve
Em compasso 5/2 a pausa deve perdurar por todo o compasso. Assim, a figura
correta é a semibreve, no lugar da mínima.

Compasso 16
Instrumento: violão, voz Substituição da semibreve por semibreve
inferior pontuada
A figura deve ter valor igual a da voz superior de violão, completando o compasso
4/2.

Compasso 17
Acréscimo de sinal de respiração na metade do
Instrumento: clarineta II
compasso, após primeira mínima pontuada
No manuscrito, a marca de respiração está apenas na clarineta I. Entretanto, as
duas clarinetas possuem rítmica similar e devem respirar juntas.

Compasso 19
Instrumento: clarineta I Substituição da semínima por mínima no 4º tempo
Em compasso 5/2, o 4º tempo da primeira clarineta deve ser simultâneo ao 4º
tempo da segunda.

Compasso 28
Acréscimo de Sol e Sib ligados do compasso
Instrumento: violão
anterior, em figura de breve
O compositor escreve apenas a ligadura no compasso 27, mas não completa no
28.

115
Compasso 31
Instrumento: violão, voz Substituição da semibreve pontuada por
intermediária semibreve
Em compasso 4/2, esta voz deve ter as figuras de mínima, semibreve e duas
semínimas.
Instrumento: violão, voz Acréscimo de pausas de semínima e semibreve
inferior pontuada ao final do compasso.
O compositor indica apenas um Fá em semínima no início do compasso. A pausa
torna a escrita mais exata, evitando ambigüidades sobre a necessidade de se
manter o Fá soando por mais tempo, o que complicaria a digitação.

Compasso 32
Instrumento: violão, voz Substituição da semínima do segundo tempo por
superior mínima
A voz superior deve ter ataques simultâneos aos da voz inferior.

Compasso 35
Substituição da segunda semibreve por semibreve
Instrumento: clarineta II
pontuada
O compasso mudou para 5/2, mas o compositor utiliza duas semibreves. A
colocação do ponto na segunda semibreve observa a simultaneidade de ataque
desta nota com o terceiro tempo da clarineta I.

Compasso 40
Acréscimo das notas Dó-Mib ao primeiro tempo,
Instrumento: clarineta I em mínimas pontuadas, oriundas do compasso
anterior através de ligaduras
O compositor apresenta apenas as ligaduras, sem escrever as notas.
Subentende-se que seus valores são de mínimas pontuadas, fechando os três
tempos do compasso 3/2, ao serem somadas com as mínimas pontuadas do

116
ataque seguinte.

Compasso 41
Acréscimos das notas Dó-Mib ao primeiro tempo,
Instrumento: violão em mínimas, oriundas do compasso anterior
através de ligaduras
O compositor apresenta apenas as ligaduras, sem escrever as notas.
Subentende-se que seus valores são de mínimas, fechando os dois tempos do
compasso 2/2, ao serem somadas com as mínimas do ataque seguinte.

Compasso 43
Substituição da pausa de mínima por semibreve
Instrumento: violão
no início do compasso
A correção visa adequar o ritmo ao compasso 4/2. O compositor apresenta pausa
de mínima seguida por dois tempos de mínimas, fechando apenas três tempos.

Compasso 45
Substituição da pausa de mínima por semibreve
Instrumento: violão
no início do compasso
A correção visa adequar o ritmo ao compasso 4/2. O compositor apresenta pausa
de mínima seguida por dois tempos de mínimas, fechando apenas três tempos.

Compasso 46
Substituição da pausa de mínima por semibreve
Instrumento: clarineta I
no início do compasso
A correção visa adequar o ritmo ao compasso 4/2. O compositor apresenta pausa
de mínima seguida por uma semibreve, fechando apenas três tempos.

117
3.1.2.6. VI Movimento

Memorial

Compasso 5
Instrumento: todos Substituição da fórmula de compasso de 14/16
para 12/16
De acordo com a escrita do violão, a formula correta é 12/16.
Instrumento: violoncelos e Prolongamento das notas até o compasso 6 e
contrabaixos acréscimo do termo Tacet no compasso 7
A maneira como está escrito torna ambígua a duração dos valores: se os
instrumentos silenciam já no compasso 5, ou se devem ser mantidos até a
entrada da próxima ressonância nas madeiras. Nossa sugestão toma como base
o modelo dos compassos 12, 16 e 21, em que a ressonância de um grupo de
instrumentos é mantida até a substituição por um outro grupo.

Compasso 6
Instrumento: todos Acréscimo / afirmação da fórmula de compasso
14/16
Esta sugestão visa afirmar este compasso como 14/16, já que o anterior foi
corrigido para 12/16.

Compassos 8 e 9
Instrumento: todos Substituição da fórmula de compasso 13/16 por
17/16
De acordo com a escrita do violão, a fórmula correta é 17/16.

118
Compasso 10
Instrumento: todos Acréscimo / afirmação da fórmula de compasso
13/16
Esta sugestão visa afirmar este compasso como 13/16, já que os dois anteriores
foram corrigidos para 17/16.

Compasso 14
Instrumento: violão Substituição das semibreves por mínimas ligadas
a colcheias pontuadas
As semibreves seriam possíveis na fórmula de compasso 16/16 (ou 4/4). Em
11/16, o correto é mínima mais colcheia pontuada.

Compasso 21
Instrumento: violão Substituição das colcheias por semibreves
Se o compositor deseja que as notas se mantenham soando no compasso,
conforme indicado pelas ligaduras, é mais coerente que os valores sejam
aumentados. Isto resolve ainda a questão matemática, já que Almeida Prado
escreve apenas uma colcheia em fórmula 4/4.

Compasso 25
Instrumento: cordas Substituição das pausas de colcheia pelos
seguintes valores: I violoncelo – nota em colcheia
e pausa de mínima duplamente pontuada; II
violoncelo – nota em semínima e pausa de
mínima pontuada; III violoncelo – nota em
semínima pontuada e pausa de colcheia mais
mínima; I contrabaixo – nota em mínima e pausa
de mínima; II contrabaixo – nota em mínima
ligada a colcheia e pausa em semínima pontuada;
III contrabaixo – nota em mínima ligada a
semínima e pausa de semínima

119
A escrita do compositor sugere que os instrumentos silenciem gradativamente.
Isto é claro ao regente, que tem visão geral dos instrumentos. Entretanto, as
partes individuais ficam comprometidas, já que o músico tem apenas a sua linha.
Nossa sugestão toma como base as pausas de colcheias do manuscrito, que nos
levou a deduzir o silêncio gradativo a cada meio tempo. Assim, procuramos dar
precisão à escrita, acrescentando valores exatos.

Ia

Compasso 1
Instrumento: vibrafone Substituição de um dos Lá 3 por Sib 3
O acorde deve ser o mesmo do último compasso de Memorial, com Fá, Lá, Si,
Sib, Mi e Mib.
Instrumento: vibrafone Acréscimo de acorde em semínima no quinto
tempo do compasso, ligado e com os mesmos
sons daquele do primeiro tempo
O compositor escreve apenas quatro tempos em fórmula 5/4. A sugestão segue o
modelo das madeiras no mesmo compasso.

Compasso 2
Instrumento: vibrafone Acréscimo de acorde em mínimas, com os
mesmos sons daquele do compasso 1
O compositor escreve apenas as ligaduras entre os compassos 1 e 2, mas não
repete o acorde. A utilização das mínimas refere-se ao fato de estarmos em
fórmula 2/4.

Compasso 6
Instrumento: vibrafone e Acréscimo de pausas de semibreve mais mínima
violão ao segundo tempo do compasso
O compositor escreve apenas o primeiro tempo do compasso, que tem como

120
fórmula o 7/4.
Instrumento: xilofone Acréscimo de indicação de tercina aos três últimos
grupos de notas do compasso
As sugestões tem o intuito de facilitar a leitura do intérprete.

Compasso 13
Instrumento: viola tutti, voz Acréscimo de pausa de semínima no primeiro
inferior tempo do compasso
O compositor escreve apenas o segundo tempo do compasso, cuja fórmula é 2/4.
A sugestão tem como referência o modelo das demais cordas tutti.

Compasso 18
Instrumento: II violinos tutti e Acréscimo de indicação de quiálteras de 5 ao
violas tutti primeiro tempo do compasso
As alterações tem como referência os violinos tutti I, e a primeira voz dos violinos
tutti II.

Compasso 21
Instrumento: I violino solo, Subtração da indicação de stacatto da colcheia,
voz superior na última parte do segundo tempo
Não há sentido em se colocar o stacatto com indicação de ligadura ao compasso
seguinte, como está no manuscrito. Sugerimos que seja mantida a ligadura e
retirado o stacatto.

Compasso 27
Instrumento: todos Acréscimo de indicação da fórmula de compasso
2/4
Há uma mudança da fórmula 3/4 para 2/4 entre os compassos 26 e 27, sem que
seja anunciada na partitura.

121
Compasso 30
Instrumento: II violoncelo, 1ª Acréscimo de indicação de quiálteras de 6 ao
linha grupo de semicolcheias do primeiro tempo
A sugestão toma como base o ritmo da viola e da 2ª linha do violoncelo, levando
em conta a fórmula de compasso 2/4.

Compasso 34
Instrumento: maracas Acréscimo de pausa de colcheia no final do
compasso
O compositor escreve dois tempo e meio em fórmula de compasso 3/4. Nossa
alteração toma como base o ritmo do temple block.
Instrumento: trompas II, III e Acréscimo de pausa de mínima no início do
IV compasso
Nossa sugestão toma como base o modelo rítmico da trompa I, além de levar em
conta a fórmula de compasso 3/4.

Compasso 39
Instrumento: II trompa Substituição da colcheia do primeiro tempo por
colcheia pontuada
A alteração leva em conta a fórmula de compasso 3/4 e toma como referência o
modelo rítmico da IV trompa.

Compasso 44
Instrumento: II trombone Substituição da pausa de mínima por pausa
correspondente ao compasso inteiro
A alteração leva em conta a fórmula de compasso 3/4.

122
Compasso 58
Instrumento: flauta em Sol Substituição da pausa de colcheia do segundo
tempo por pausa de semicolcheia
A substituição leva em conta o compasso 2/4, em que o segundo tempo passa a
ser composto por uma semicolcheia e seis fusas.

Compasso 61
Instrumento: flauta Subtração do ponto da semínima do segundo
tempo
Em compasso 2/4 a semínima do segundo tempo deve ser simples, sem ponto.
Entretanto, pode-se supor que este ponto seja uma rasura no manuscrito, e
nossa sugestão serve como precaução.

Compasso 62
Instrumento: flauta Acréscimo de indicação de tercina para o segundo
e terceiro grupo de três semicolcheias
O compositor indica tercina apenas ao primeiro grupo. Entretanto isto torna-se
confuso à leitura do músico, principalmente pelo fato de que a última parte do
tempo (pausa de semicolcheia mais semicolcheia) não deve ser considerada
como quiáltera.
Instrumento: pícolo Acréscimo de pausa de semínima ao primeiro
tempo do compasso
Em fórmula 2/4, o compositor escreve apenas o segundo tempo do compasso.
Instrumento: III trompa Substituição da pausa de colcheia do segundo
tempo por pausa de colcheia pontuada
Em fórmula de compasso 2/4 o segundo tempo deve ser composto de colcheia
pontuada e semicolcheia. Além disso, seguimos o modelo rítmico da quarta
trompa.

123
Compasso 63
Instrumento: trompas II, III e Substituição da mínima por mínima pontuada
IV
Há aqui uma mudança da fórmula de compasso para 3/4, e a figura correta é a
mínima pontuada.

Compasso 64
Instrumento: pícolo Acréscimo de indicação de tercina para o
segundo, terceiro e quarto grupo de semicolcheias
O compositor indica tercina apenas ao primeiro grupo. Nossa sugestão visa
facilitar a leitura do músico.

Compasso 66
Instrumento: clarineta Substituição da colcheia da última parte do
terceiro tempo por semicolcheia
Em fórmula de compasso 3/4, o terceiro tempo deve ser composto de colcheia
pontuada e semicolcheia.

Compasso 69
Instrumento: clarineta Acréscimo de pausa de semínima no primeiro
tempo, voz superior
Em fórmula 2/4, a voz superior deve ser composta de pausa de semínima, pausa
de semicolcheia e colcheia pontuada. A rítmica segue o modelo das demais
madeiras.

Compasso 71
Instrumento: trompas IV Substituição da colcheia (Lá) por semicolcheia
O ritmo deve seguir o modelo das trompas I, II e III

124
Compasso 72
Instrumento: contrabaixos I, Substituição da semínima pontuada por semínima
II e III mais colcheia pontuada
Em fórmula 2/4, nossa sugestão prevê que a semicolcheia do final do compasso
seja precedida por semínima duplamente pontuada. Nossa sugestão tem como
base não alterar a figura de pausa, e segue a referência rítmica do xilofone e
vibrafone.

Compasso 76
Instrumento: violão Substituição da última colcheia por colcheia
pontuada
Em fórmula 2/4, o segundo tempo deve ser composto de semicolcheia e colcheia
pontuada, tal qual a rítmica do violão no compasso 77.

Compasso 100
Instrumento: violoncelo Acréscimo de pausa de mínima no primeiro tempo
do compasso, voz inferior
Neste trecho o violoncelo está escrito a duas vozes. O ataque da segunda voz
ocorre apenas no terceiro tempo, e por isso é relevante que se coloque a pausa
de mínima no início.
Instrumento: II violino Substituição da pausa de mínima por pausa para
todo o compasso
A substituição tem como base a fórmula de compasso 3/4.

125
3.2. Revisão e digitação das partes do Violão – um olhar sobre sua
exeqüibilidade

3.2.1. A digitação como primeira manifestação interpretativa

Sempre que um violonista se depara com uma nova partitura seu primeiro
desafio é planejar a melhor maneira de realizá-la em seu instrumento. Isto ocorre
porque, diferentemente do piano, em que cada nota da escala possui uma posição
definida no teclado, o violão apresenta diferentes possibilidades de se executar
uma mesma nota em seu braço. O Dó 4, por exemplo, pode ser tocado na
primeira casa da 2ª corda, na quinta casa da 3ª corda, na décima casa da 4ª
corda, ou na décima quinta casa da 5ª corda:

Ex.61. Dó 4

Ex.62. Braço do violão – os pontos indicam a posição do Dó 4

O planejamento implica então em fazer escolhas, não meramente por qual


soará melhor de maneira isolada, ou por qual será mais fácil de se tocar, como
muitas vezes o termo digitação é erroneamente atribuído. Antes disso, possui
relação com a totalidade do trecho musical, ligado aos aspectos timbre, dinâmica

126
e articulação, em uma abordagem sistêmica. Digitar é então optar por quais
dedos, cordas e posições serão utilizados em função de se obter determinados
resultados interpretativos numa peça. Partindo deste conceito, discutiremos a
digitação a partir dos aspectos fundamentais que dela resultam.
A variação timbrística representa certamente um dos recursos mais
interessantes do violão, que o torna um dos instrumentos mais ricos neste quesito.
Provém do fato de que o músico tem contato direto dos dedos nas cordas, com a
possibilidade de inúmeros ângulos de ataque69, regiões70, ou ainda tipos de
toques a partir de técnicas desenvolvidas. Entretanto, a digitação é seguramente o
fator mais relevante na escolha do timbre. Optar por cordas soltas ou, de maneira
geral, pela primeira corda, significa produzir sonoridades mais brilhantes. Já a
totalidade de cordas presas em determinados trechos possibilita unidades
timbrísticas relativamente mais veladas em relação ao uso total ou parcial de
cordas soltas. A opção por um dedilhado implica então em resultados específicos
em termos de timbre.
O violonista espanhol Andrés Segóvia (1893-1987) foi um dos pioneiros na
digitação de melodias explorando a sonoridade de uma única corda. Entretanto,
este tipo de escolha pode ser muitas vezes deparado com problemas de
articulação, pois em frases com larga extensão tornam-se necessárias mudanças
de posição na mão esquerda, causando rompimentos na continuidade melódica.
Isso levou freqüentemente Segóvia a resolver o problema do legato com o uso do
portamento, mesmo em obras nas quais a aplicação deste recurso é considerada
hoje duvidosa do ponto de vista estilístico, com em Bach, por exemplo.
O outro aspecto resultante da escolha do dedilhado é então a articulação. O
legato é em geral favorecido quando se mantém uma mesma posição de mão
esquerda no trecho. No caso da necessidade de mudança, pode-se recorrer às
cordas soltas, que possibilitam o tempo da troca de posição, evitando-se a quebra
da continuidade. Entretanto, é necessário o cuidado especial com o timbre, pois o

69
Mais verticais ou horizontais com relação à corda, possibilitando sons mais brilhantes ou escuros
respectivamente
70
Ferindo as cordas mais próximo ou distante do cavalete, onde as mesmas estão presas, obtendo
também variações timbrísticas.

127
brilho da corda solta pode destoar em relação às demais. Para isso, técnicas
específicas podem ser aplicadas, como o apoio71 ou mudança no ângulo de
ataque, no intuito de se realizar a compensação. Mas, de maneira geral, a
mudança de posição tem melhores resultados em pontos onde há a possibilidade
de respiração ou cesura na frase.
Há ainda um outro caso, muito freqüente na música barroca, em que
pequenas unidades ou motivos musicais requerem unidades articulatórias
similares, como no exemplo abaixo72:

Ex.63. J.S.Bach – Prelúdio da Suíte BWV 997, c.7

Para que os grupos de semicolcheias soem de maneira semelhante em


termos de articulação, é importante que seja mantido um padrão de digitação,
prevendo-se as mesmas relações de cordas. Sugerimos para o exemplo que, em
cada grupo, as três primeiras notas sejam tocadas numa mesma corda – segunda
ou terceira como mostra a digitação – enquanto que o pedal ou quarta nota é
executado em corda diferente, no caso sempre a primeira.
Toda nossa argumentação acerca de dedilhado deve naturalmente levar em
conta os procedimentos mecânicos de execução do instrumento. Nem sempre
uma digitação ideal do ponto de vista musical – de articulação e timbre – produz
resultados fluentes na prática. Assim, o bom dedilhado deve partir da música, mas
sem esquecer os clichês técnicos que garantem a exeqüibilidade. A experiência
do violonista somada à sua postura crítica e sempre questionadora perante a
digitação representa certamente um diferencial, além é claro de sua visão de
71
Toque no qual apóia-se o dedo que executou a nota (mão direita) na corda imediatamente acima
daquela que foi ferida. O resultado é, de maneira geral, um timbre encorpado.
72
Os números representam os dedos da mão esquerda, e os números circulados as cordas
utilizadas.

128
músico, decorrente de uma formação ampla, e de um profundo conhecimento da
literatura musical.
É então relevante destacar que a postura do intérprete, ao escolher os
dedilhados de uma peça, deve partir sempre de uma compreensão mais ampla da
obra, de seus temas, motivos, articulações, a fim de que a concepção seja
coerente e ao mesmo tempo criativa. E a criatividade vem em parte, neste caso,
da postura crítica. Se observarmos as edições de partituras de violão, verificamos
que poucas são as que não trazem nenhum tipo de digitação de intérprete ou
editor. Então podemos afirmar que, se a digitação é uma primeira manifestação
interpretativa, adquirimos a partitura já com parte da interpretação pré-
determinada. Costumo indicar aos meus alunos que, antes de estudarem,
apaguem a digitação impressa preservando naturalmente uma cópia da partitura
digitada para posterior consulta e comparação, para que pensem e digitem a partir
da música, de sua leitura sobre a obra. Desta forma conseguirão exercitar o
espírito crítico, e agir quase sempre de maneira criativa.
Em nossa experiência com o repertório para violão solo de Almeida Prado,
não tivemos problemas com a questão da exeqüibilidade. A maioria das peças já
havia passado por um processo de revisão, e alguns ajustes foram feitos por
violonistas como Dagoberto Linhares ou Fábio Shiro Monteiro. Já o Khamailéon,
por ser a sua primeira experiência com o instrumento, possui naturalmente
algumas inconsistências, visto que até então não foi feito nenhum tipo de revisão.
Desta forma, realizaremos a seguir uma revisão e digitação argumentadas, com
base nas discussões prévias aqui realizadas.
Utilizaremos, para as marcações de dedilhado, sinais tradicionalmente
utilizados em edições, conforme as especificações abaixo:

Mão esquerda:

1 – indicador
2 – médio
3 – anular

129
4 – mínimo

Mão direita

p – polegar
i – indicador
m –médio
a – anular

Cordas

 - corda solta
 - primeira corda
 - segunda corda
 - terceira corda
 - quarta corda
 - quinta corda
 - sexta corda

130
3.2.2. Revisão e digitação argumentadas

A revisão e a digitação estão discutidas em um mesmo texto pelo fato de


possuírem um objetivo comum: preparar a partitura para a execução do violonista.
Ambas refletem uma leitura do intérprete, partindo das possibilidades do
instrumento, da compreensão da obra, e do estilo do compositor. Assim, muitas de
nossas opções aqui tomadas provêm de análises realizadas do Khamailéon, mas
também de experiências anteriores com o repertório para violão solo do mesmo
autor.
A digitação está presente de maneira integral na partitura por nós editada.
Neste texto estão presentes apenas as discussões dos trechos que achamos
relevantes, levando-se em conta aspectos interpretativos que dela decorrem. Já
as modificações em relação ao texto musical original, além de presentes em nossa
edição e discutidas aqui, estão reunidas de maneira sintética no apêndice Síntese
das modificações propostas na revisão, com o intuito de facilitar a visualização das
mesmas.

3.2.2.1. I Movimento

No compasso 22 encontramos dois módulos de arpejos em semicolcheias


dentro de uma janela aleatória. No primeiro temos um Mi 2 cuja função é de
anacruse. Propomos que, mesmo localizado fora da janela, seja sempre
executado em suas repetições, garantindo equilíbrio e coerência entre os dois
módulos. Para o segundo grupo de semicolcheias sugerimos ligaduras nas notas
Mi, Lá, Ré# e Si, a fim de torná-lo exeqüível e fluido à mão direita:

131
Ex.64. Violão - c.22

A exeqüibilidade do compasso 24 é comprometida se levarmos em


consideração o glissando para as seis notas do acorde. Para isso, propomos que
Si e Mi sejam mantidos soltos, como uma espécie de pedal, enquanto as demais
ascendem:

Ex.65. Violão - c.24

Assim garantimos um idiomatismo comum na linguagem de Almeida Prado,


presente nas suas peças para violão solo, em que fôrmas de mão esquerda se
deslocam pelo braço do instrumento em movimentos paralelos acompanhados por
notas pedal em cordas soltas:

132
Ex.66. Sonata nº1 (violão solo), IV movimento – compassos 81 a 83

No trecho entre os compassos 26 e 39 encontramos uma escrita que


sugere a técnica do trêmulo. Apesar de ser um momento claramente inspirado nas
cordas soltas, propomos que seja dividido entre a primeira e a segunda corda, a
fim de garantirmos fluência, sem interrupção das notas que se repetem. Trata-se
de um fator físico, pois cada vez que um dedo se posiciona na corda para realizar
um ataque irá interromper a vibração atual. A divisão em duas cordas permite que
pelo menos uma esteja sempre soando, garantindo um som ininterrupto. Assim, o
Mi na segunda corda é executado com o dedo polegar, e o da primeira com a
seqüência anular, médio e indicador.
Para as intervenções dos baixos, executados também nas cordas soltas,
sugerimos o ataque com os dedos da mão esquerda, puxando cada corda como
na técnica do ligado descendente. A única exceção ocorre no compasso 34, em
que propomos o Si na terceira corda a fim de não haver modificação na base do
trêmulo. Desta forma o Si é atacado normalmente com o dedo polegar, enquanto
que as demais notas através da técnica do ligado descendente.

Ex.67. Violão - c.34

Vale a pena deixarmos registrado aqui que, no trecho de finalização do


rasgueado, o violonista tem um certo tempo para respirar e atacar o trêmulo, já

133
que não é acompanhado por nenhum outro instrumento. A indicação de
decrescendo pode ser utilizada com ênfase até o desaparecimento completo do
acorde, permitindo ao intérprete a mudança de posição necessária.
Da mesma forma que utilizamos cordas diferentes para o trêmulo,
propomos a segunda e terceira cordas para a seqüência de notas Ré nas
quiálteras do compasso 47, com a mão direita digitada como no exemplo abaixo:

Ex.68. Violão - c.47

No compasso 50 sugerimos uma ligadura entre as duas notas Mi 2, para


evitar que a dupla articulação rápida do dedo polegar prejudique a fluência rítmica
do trecho:

Ex.69. Violão - c.50

No trecho entre os compassos 65 e 70 o violão desenvolve um trabalho


rítmico a partir de uma harmonia fixa. Esta harmonia é perfeitamente exeqüível do
ponto de vista da mão esquerda, porém com problemas de mão direita devido às
rápidas articulações. Sugeriremos então algumas alterações e procedimentos
mecânicos para que seja viabilizada a execução, sempre levando em conta que o
violão realiza aqui um papel secundário, em apoio ao diálogo entre viola e violino.

134
Do compasso 65 até a primeira metade do 68 a mão esquerda se mantém
estática, como mostra a digitação abaixo:

Ex.70. Digitação para mão esquerda – c. 65 a 68

Para as notas Lá – Si tocadas simultaneamente neste trecho, sugerimos


movimentos ascendentes e descendentes com o dedo indicador da mão direita,
como em um rasgueado:

Ex.71. Violão – c.65

No compasso 67, onde há problemas nas sucessivas e rápidas articulações


dos acordes, levando em consideração a impossibilidade de aplicarmos os
rasgueados, propomos o acréscimo de algumas ligaduras que permitirão a
alternância da ação do dedo polegar com os movimentos ascendentes e
descendentes do indicador:

Ex.72. Violão – trecho do c.67

135
A partir da segunda metade do compasso 68, onde encontramos problemas
na exeqüibilidade das apojaturas com as quiálteras e semicolcheias, antecipamos
os rasgueados que teriam início apenas no compasso 70. Para isso, desloca-se o
dedo 1 que pressionava o Si na terceira corda para o Dó# na quinta, possibilitando
a execução de Sol e Si em cordas soltas:

Ex.73. Violão – trecho do c.68

O glissando do compasso 71 é realizado sob uma fôrma única de mão


esquerda, mantida em relação ao trecho anterior (ver exemplo acima), que se
desloca pelo braço do violão. Assim como no compasso 24, sugerimos que as
notas Sol e Si sejam preservadas em forma de pedal em cordas soltas até
atingirem o compasso 72, cujo acorde propomos alteração de oitava e disposição
a fim de garantirmos a exeqüibilidade:

Ex.74. Acorde do c.72 – sugestão

A duplicação do Sol na quinta corda tem o intuito de possibilitar a ação do


rasgueado na mão direita, em uma adequação ao idioma do instrumento.
No trecho seguinte, entre os compassos 74 e 80, o compositor lança um
material cromático rápido muito explorado em suas obras subseqüentes, como
nas Cartas Celestes (1974) para piano ou no Livro para seis cordas (1974) para
violão. Neste recurso, segundo o autor, os sons não devem ser interrompidos,

136
gerando assim uma massa ressonante. Para que isso ocorra, cada som deve ser
gerado a partir de uma corda diferente, em uma posição em que todos possam ser
mantidos em vibração contínua. Neste caso, a opção mais adequada é utilizar as
três primeiras cordas como mostra a digitação abaixo:

Ex.75. Violão – c.74

No trecho final, entre os compassos 82 e 85, sugerimos sempre que


possível o uso do rasgueado para os acordes de seis sons, atendendo assim as
necessidades de sonoridade solicitadas na partitura, que vai de ff a fff.

3.2.2.2. II Movimento

É importante ressaltar que o segundo movimento não apresenta problemas


de exeqüibilidade. Nossa discussão gira em torno da escolha da melhor digitação,
visando resolver principalmente questões de sonoridade, articulação e condução
de linhas melódicas.
No capítulo de análise verificamos que há uma ênfase em Si, como um
centro dentro de uma construção atonal. Este centro se dá pela redundância, mas
também por uma espécie de gravitação gerada por Fá# - Si, e Lá# (ou Sib) – Si.
Em nosso processo da escolha da digitação procuramos nos guiar pela execução
do Si 3 sempre na segunda corda solta, fazendo com que mantenha-se na maior
parte do tempo soando, em torno do qual idealizamos o restante do dedilhado.
Assim, os nove primeiros compassos são marcados pelo uso enfático do
Si 3, precedido por acordes que funcionam como apojaturas. Sugerimos que a
oposição entre estes dois elementos ocorra através de uma ação rápida com o
polegar sobre as notas graves contra dedo médio ferindo a segunda corda:

137
Ex.76. Violão – compassos 2 e 3

No início do compassos 12 é importante que se apague o acorde onde


está indicada a pausa de semínima, levantando-se os dedos da mão esquerda
das cordas graves, deixando que ressoe do compasso 11 apenas o Si:

Ex.77. Violão – compassos 11 e 12

O efeito se completa com o novo ataque do acorde no segundo tempo, feito


sempre com a mesma técnica.
No compasso 18 há uma indicação de Eco para os baixos. Trata-se de
uma imitação imediata da voz superior (Mi, Lá#, Fá, Si) realizada entre os
compassos 17 e 18. Sugerimos para o eco variação não só de dinâmica, conforme
está escrito (p), mas também de timbre, com ataque de unha, perpendicular à
corda, e na região próxima ao cavalete.

138
Ex. 78: violão – final do compasso 17 e início do 18

O acorde apojatura vai ocorrer novamente no compasso 19. É importante


que se faça a pestana inteira já a partir do Si 2 do compasso 18, para que não
seja prejudicado o legato da seqüência:

Ex.79. Violão – compassos 18 e 19

Já no compasso 24, para que haja agilidade na apojatura, é interessante


fazê-la com o dedo indicador, e a nota principal, Fá#, com o polegar, enfatizando-
a:

Ex.80. Violão – compasso 24

No último tempo do compasso 26 optamos pela digitação na sexta


posição, para que a voz superior (Si – Fá) seja realizada sempre na segunda
corda. Já para a voz intermediária (Mi – Si), tocada na quinta e quarta corda, usa-

139
se sempre o polegar. Todo este procedimento visa ressaltar o elemento melódico
destas vozes com legato:

Ex.81. Violão – dedilhado do compasso 26

Já no compasso 27 sugerimos que as semicolcheias sejam sempre


executadas com os dedos polegar e indicador de mão direita, a fim de garantirem
unidade de timbre e articulação, além da própria fluência:

Ex.82. Violão – compasso 27

No compasso 28 temos algumas sugestões que garantem a fluência,


articulação e sonoridade. Para as tercinas sugerimos a seqüência de dedos
médio, indicador e polegar na mão direita e, para as quiálteras de 5, médio,
indicador, médio, indicador e polegar. É importante que a pestana na primeira
casa seja feita já a partir do terceiro tempo e que alcance até a quarta corda,
prevendo os acordes finais do compasso. Para estes últimos sugerimos ataques
com a parte externa da unha do polegar, seguindo os arpejos em direção ao
grave, garantido assim o fortíssimo:

140
Ex.83. Violão – compasso 28

Para o trecho final, entre os compassos 30 e 36, procuramos privilegiar a


condução de cada linha melódica, respeitando com exatidão os valores das
figuras. Assim, no compasso 30 optamos por apagar o Fá 2 no início do quinto
tempo, e o Fá# 3 no fim do quinto tempo. Desta forma, apenas o Dó 3 ultrapassa
ao compasso seguinte, executado com o dedo 3, possibilitando a sua substituição
para o dedo 1. Isto porque o segundo tempo exige, juntamente com o Dó, um Si b
2, executado simultaneamente, na sexta corda, como mostra o exemplo abaixo:

Ex.84. Violão – dedilhado dos compassos 30 e 31

Para o compasso 32, juntamente com o Lá em corda solta oriundo do


compasso anterior, temos Sib na sexta corda, Si em corda solta, e uma voz
intermediária, a qual sugerimos toda executada com o polegar na quarta corda, a
fim de que seja destacada:

141
Ex.85. Violão – dedilhado do compasso 32

Executa-se assim o primeiro tempo em arpejo, deixando como última nota o


Sol# 3 com o polegar. Na segunda metade do terceiro tempo o Fá# serve de pivô
à troca do acorde. Optamos pelo Lá 2 na sexta corda para que possa perdurar
como semínima pontuada, como mostrou a figura acima.
No compasso 33, quinto tempo, optamos pela utilização do Dó 4 na terceira
corda, a fim de possibilitar a realização da voz superior na primeira e segunda
cordas:

Ex.86. Violão – dedilhado do compasso 33

3.2.2.3. III Movimento

Verificamos no capítulo 2. Estrutura da obra que o material utilizado no


terceiro movimento tem como base a sonoridade referencial originalmente exposta
no primeiro. Vimos ainda durante o trabalho que esta sonoridade referencial
possui um caráter harmônico. Sendo assim, podemos apontar que o violão
funciona bem aos propósitos desta concepção.
Para que o violão atinja tais propósitos, é importante que, neste caso,
visualizemos a sua escrita horizontal como acordes quebrados, cujas notas são

142
dispostas sucessivamente. Nossa interpretação vê esta quebra como uma forma
de realização rítmica com os sons que compõem a sonoridade referencial.
Partindo deste pensamento, a digitação deve ser elaborada de maneira que
possibilite a plena ressonância, em uma interpretação harmônica do plano
horizontal.
A digitação dos compassos 8 e 9 exemplifica o que foi acima exposto,
utilizando uma posição fixa na 13ª casa:

Ex.87. Violão – compassos 8 e 9

A mudança de posição ocorre entre Lá# e Fá no último tempo do compasso


9, realizada através de dedo guia, possibilitando a execução do Mi na 12ª casa
com o dedo 4, e o Si em corda solta:

Ex.88. Violão – compassos 9 e 10

O aspecto ressonante deve ser também observado nos trechos marcados


pelo uso da apojatura, como, por exemplo, nos compassos 12 e 13:

143
Ex.89. Violão – compassos 12 e 13

E ainda em todo o trecho entre os compassos 14 e 16, através de posição


fixa, permitindo-se que todas as notas se mantenham soando:

Ex.90. violão – compassos 14 a 16

Para o compasso 21 sugerimos a padronização da mão direita, como


mostra o exemplo abaixo:

Ex.91. Violão – compasso 21

Ex.92. Digitação para mão direita – compasso 21

144
Entretanto, deve-se cuidar de realizar os acentos apenas nos locais
indicados, procurando-se evitar que o polegar o faça onde não está marcado.
A seção B representa um trecho idiomático, com arpejos nas primeiras
cordas. Os agrupamentos em três semicolcheias sugerem um destaque na
primeira nota de cada grupo, proporcionando uma linha melódica ascendente que
vai de Sol 4 (c.24) a Lá 5 (c.48):

Ex.93. Linha melódica formada a partir da primeira nota de cada grupo de 3 semicolcheias

Sugerimos como digitação para esta linha o uso exclusivo da primeira corda
ferida com o anular. As demais notas do arpejo utilizam indicador e polegar:

Ex.94. Violão – c.24

Assim pode-se obter um resultado continuamente equilibrado.


Já o rasgueado do compasso 47 pode ser feito com o dedo indicador, em
alternância de movimentos ascendentes e descendentes.
Os compassos 63 e 64 aparentam ser de simples exeqüibilidade, levando-
se em conta o caráter estático dos sons que o compõem, e conseqüentemente a
posição fixa de mão esquerda. Entretanto, analisando-se a mão direita, de acordo
com o andamento sugerido, há duas opções igualmente não fluentes: dobrando-se

145
o polegar em Si – Fá; ou utilizando-se a abertura de mão direita m a na terceira e
primeira cordas respectivamente, podendo-se então utilizar p i para Fá e Si.
Nenhuma das duas opções é cômoda, principalmente porque o compositor pede
que todas as notas sejam acentuadas. Partindo-se de princípios de dinâmica e da
obtenção da máxima ressonância, sugerimos que todos os sons sejam
executados simultaneamente, com rasgueados no ritmo originalmente escrito,
para a obtenção de um efeito mais efetivo à proposta do autor, com o dobramento
das notas Fá e Si:

Ex.95. Violão – compassos 63 e 64

3.2.2.4. IV Movimento

O IV movimento não apresenta problemas de exeqüibilidade. Entretanto, o


trecho percussivo deixa dúvidas a respeito daquilo que de fato o compositor tinha
como intenção na época em que escreveu, já que não foi registrada nenhuma
bula. A maneira como concebemos a execução é oriunda de vagas lembranças de
Almeida Prado, mas é sobretudo uma interpretação, que pode assim variar de
intérprete para intérprete, e por isso está discutida neste espaço destinado à
digitação, que como vimos, é parte determinante da prática interpretativa.
Dividimos a elaboração do dedilhado em 4 partes, sendo duas delas
referentes à percussão, ou seção A, e as outras duas à execução tradicional nas
cordas do instrumento, das seções B e B’, conforme vimos na análise no capítulo
2. Assim temos:

 Trecho 1 (c.11 a 20): percussão simples


 Trecho 2 (c.27 a 44): percussão trançando-se as cordas

146
 Trecho 3 (c.50 a 74): fôrma de mão esquerda número 1
 Trecho 4 (c.75 a 92): fôrma de mão esquerda número 2

O Trecho 1 está escrito a duas vozes percussivas, sem alturas definidas. A


voz inferior executa, na maior parte do tempo, uma espécie de trêmulo em fusas, e
o ritmo se desenvolve na voz superior. Assim, para a voz inferior sugerimos a
execução com a mão esquerda batendo na madeira da faixa lateral do violão,
próximo ao braço do instrumento. Já para o ritmo da voz superior propomos que
seja executado com o dedo polegar da mão direita batendo sobre a corda, na
altura do 19º traste.
Quanto ao Trecho 2, vale reforçar que Almeida Prado não se recorda de
como deveria ser feito e o significado dos números que precedem a parte. Hoje,
lembra apenas que havia um procedimento de trançar as cordas do violão. Com
base nas informações disponíveis, deduzimos o trecho da seguinte forma:

 Parte superior (numeração: 3-4 11): trançar as cordas 3 e 4 na


décima primeira casa, utilizando para isso o dedo 3.
 Parte inferior (numeração: 6-5 10): trançar as cordas 6 e 5 na décima
casa, utilizando para isso o dedo 1.

Vale lembrar que há um tempo prévio de 5 compassos para que o violonista


realize o procedimento de trançar as cordas. Quanto à mão direita, sugerimos que
a parte inferior seja ferida com polegar e indicador, e a superior com médio e
anular. A partir do compasso 38, a entrada de uma terceira voz percussiva pode
ser feita com o polegar batendo sobre o tampo do instrumento.
O Trecho 3 dá início ao uso do violão com alturas definidas. Como vimos
na análise, o compositor recorre aqui a uma sonoridade referencial a partir de um
material harmônico fixo, e que conseqüentemente gera uma posição fixa de mão
esquerda ao violão:

147
Ex.96. Digitação de mão esquerda entre os compassos 50 e 74

Esta posição deve ser mantida inalterada durante todo o trecho, para que
se revelem as ressonâncias dentro do trabalho rítmico proposto. A discussão de
mão direita aqui é fundamental, para que tenhamos uma rítmica fluente. Tendo em
vista a separação em três pentagramas, sendo duas vozes por pentagrama, cada
uma representada por uma corda do violão, decidimos organizar agrupamentos de
dedos para cada pentagrama:

 Primeiro grupo: p i
 Segundo grupo: i m
 Terceiro grupo: m a

A partir destes agrupamentos organizamos a digitação com a seguinte


proposta, de acordo com a seqüência rítmica:

 p i : usado no pentagrama inferior ou intermediário


 i m : utilizando somente no pentagrama intermediário
 m a: utilizado no pentagrama intermediário ou superior

148
Já o Trecho 4 é marcado por uma mudança no dedilhado, decorrente de
uma alteração na sonoridade referencial, que persistirá inalterada até o final:

Ex.97. Digitação de mão esquerda entre os compassos 75 e 92

A duplicação do Ré 3 é realizada através do uso de duas cordas distintas,


para que seja respeitado o ritmo individual de cada pentagrama. Entretanto, a voz
inferior silencia-se no compasso 86, permitindo que se libere o dedo 1, evitando-se
assim um desgaste excessivo ao violonista por conta da abertura de mão
esquerda. Com relação à mão direita, padroniza-se o polegar para o pentagrama
inferior, conforme grafado na partitura.

3.2.2.5. V Movimento

O V movimento apresenta boa exeqüibilidade, e não faremos alteração no


texto musical original. Nossa abordagem está direcionada à escolha do dedilhado,
com o intuito de justificar algumas decisões. Diferente de movimentos anteriores,
em que a digitação foi elaborada buscando-se revelar de maneira ressonante a
sonoridade referencial, aqui temos uma peça cuja construção é vocal, a partir de

149
linhas horizontais, conforme vimos no capítulo 2. Desta forma, o preparo do
dedilhado tem o intuito de propiciar uma boa condução das duas vozes que
compõem o violão, fazendo-se respeitar precisamente os valores das figuras, e
levando-se em conta principalmente timbre e articulação. Assim, veremos que tão
importante quanto atacar as notas, é sustentá-las ou apagá-las no momento certo.
Entre os compassos 5 e 7 temos já um bom exemplo do que foi discutido
acima. Nossa digitação sugere que o Fá inicie com o dedo 2 e seja conduzido na
segunda metade do quarto tempo ao Láb, a fim de que o Lá possa ser em seguida
executado com o dedo 3, não interrompendo o Dó em semibreve na quinta corda:

Ex.98. Violão – c.5 a 7

Na seqüência o dedo 3 é conduzido como guia ao Sol, com o dedo 2


pressionando Si, para que o Fá# possa ser executado em seguida com o dedo 1,
garantindo assim um bom legato.
No compasso 8 é relevante que se apague o Ré 3 ao ser executado o Mi 2,
pois pertencem à mesma voz:

Ex.99. Violão – compasso 8

O mesmo acontece no compasso 9, ou seja, em síntese, é sempre


importante que se respeitem os valores das figuras, para que possa ocorrer o
efeito da condução vocal.

150
Para os compassos 17 e 18 sugerimos o Ré# do baixo na quinta corda,
para que possa acompanhar adequadamente a voz superior. Além disso, haverá
um bom legato com os três últimos tempos do compasso 18 se a voz superior for
executada na segunda corda:

Ex.100. Violão compassos 17 e 18

Nos compassos 21 e 22 a realização do Dó 3 na sexta corda possibilita


que os tempos das figuras posteriores sejam respeitados adequadamente:

Ex.101. Violão – compassos 21 e 22

No compasso 23, ao se realizar o Dó# com o dedo 1, é possível a


execução do Ré do tempo seguinte na terceira corda acompanhado do Si em
corda solta, preparando-se assim a montagem do acorde do compasso 24:

Ex.102. Violão – compassos 23 e 24

151
No trecho entre os compassos 29 e 31 optamos pela seguinte digitação:

Ex.103. Violão – compassos 29 a 31

Tocando-se o Fá 3 do compasso 29 com o dedo 4, pode-se utilizá-lo como


guia para a obtenção do Sol na quarta corda, compasso 31, a fim de que a
melodia da voz superior possa ser toda executada na segunda e terceira cordas,
sem que se interrompa a voz grave.
No compasso 37 optamos pelo Dó 4 na quarta corda, para que possa ser
mantido em todo o tempo necessário, tendo em vista que deve-se tocar o Mi 5 na
décima segunda casa:

Ex.104. Violão – compasso 37

3.2.2.6. VI Movimento

O VI movimento apresenta uma escrita fluente ao violão, integralmente


exeqüível. Assim, não haverá modificações no texto musical original, mas apenas
discussões acerca de digitação, nos trechos que afetam de maneira relevante
questões interpretativas.

152
Conforme vimos em 2. Estrutura da obra, o VI movimento é composto de
duas grandes partes: Memorial e Ia, subtítulos que se referem à recapitulação de
materiais do primeiro movimento. Sendo assim, muito da digitação lá utilizada será
resgatada aqui. Vimos ainda que a base da construção deste movimento é a
sonoridade referencial, tratada em grande parte através de blocos harmônicos,
com os princípios de mimetismo entre violão e orquestra. Sendo assim, no preparo
do dedilhado, optamos por privilegiar a máxima ressonância do violão, com amplo
aproveitamento de cordas soltas, e tratando os materiais quase sempre como
acordes, ainda que muitas vezes dispostos de maneira rítmico-horizontal.
Em Memorial o violão completa a sonoridade referencial ora em conjunto
com as madeiras, ora com as cordas. Desempenha essencialmente um papel
rítmico, através de arpejos, partindo de materiais fixos estabelecidos. Assim, é
relevante que os sons que compõem este material criem simultaneidades, para
que o instrumento revele através da redundância o ambiente harmônico no qual se
insere. O exemplo abaixo mostra um trecho de como concebemos o dedilhado
inicial:

Ex.105. Violão – compasso 5

Em seguida, no compasso 10, sugerimos uma digitação que garante uma


posição fixa e conseqüentemente boa exeqüibilidade:

153
Ex.106. Violão – compasso 10

O Fá na segunda corda possibilita a mudança do dedo 4 ao Lá sem


prejudicar o legato. Isso induz o dedo 1 ao Mi, possibilitando sua mudança ao Lá#
na terceira corda, garantindo-se também um bom legato. Assim o dedo 1 se fixa
no Lá# até o fim do compasso, como uma espécie de pivô às demais mudanças,
mantendo-se sempre na mesma posição.
No compasso 11 aproveita-se o Si em corda solta para a mudança de
posição com a entrada do dedo 2 no Fá, primeira corda. Isso possibilita o dedo 3
em Mi, quarta corda, e dedo 1 em Ré#, quarta corda. Este último funciona também
como pivô à entrada do dedo 3 em Ré, segunda corda, garantindo-se assim um
bom legato:

Ex.107. Violão – compasso 11

No compasso 13, para um melhor aproveitamento das ressonâncias,


utilizamos Si, Mi, Lá e Ré em cordas soltas:

154
Ex.108. Violão – compasso 13

Já no compasso 14, para que o acorde em mínima ligada a colcheia


pontuada se mantenha soando através das cordas 1, 2 e 4, é necessário que o
restante do compasso seja realizado nas cordas 3 e 5:

Ex.109. Violão – compasso 14

Para que isso ocorra, é necessária uma preparação ainda no compasso


anterior, com o dedo 2 no Fá#, para que Sib possa ser executado com o dedo 1
na terceira corda, e Mib com o dedo 4 na quinta:

Ex.110. Violão – final do compasso 13 com início do compasso 14

O compasso 15 segue com materiais similares ao compasso 13. Assim,


usamos os mesmos princípios para a digitação, com o máximo de aproveitamento
de cordas soltas:

155
Ex.111. Violão – compasso 15

No compasso 16 sugerimos o uso do polegar com a parte externa da unha


para o arpejo descendente. Desta forma, pode-se melhor realizar o fortíssimo:

Ex.112. Violão – compasso 16

Deve-se ainda tomar o cuidado de não interromper a vibração deste acorde


na entrada do compasso 17, para que se realize o efeito com as semicolcheias em
dinâmica piano (p). O mesmo procedimento dos compassos 16 e 17 podem ser
aplicados aos compassos 19 e 20.
No final do compasso 20 sugerimos Si na primeira corda com o dedo 1, e
Lá na segunda corda com dedo 4, já preparando o compasso 21, onde esta
digitação é necessária.

Ex.113. Violão – final do compasso 20 e início do 21

156
O trecho final de Memorial utiliza como base a sonoridade referencial
lançada no primeiro movimento, através do violão em harmônicos em conjunto
com o vibrafone. Assim, em grande parte do trecho, o dedilhado da mão esquerda
pode ser feito através de posição fixa, tal qual o acorde da sonoridade referencial:

Ex.114. Sonoridade referencial

Ex.115. Violão – compasso 24

Optamos por valorizar com esta digitação a máxima ressonância, assim


também sugerida na escrita do vibrafone:

Ex.116. Vibrafone – compasso 25

A segunda grande parte do VI Movimento, Ia, tem já em seu início uma


Cadência do solista. Vimos na análise que há uma transformação gradativa do
material até atingir a sonoridade referencial. Esta transformação gradativa ocorre

157
através de pequenas subseções caracterizadas pela redundância, em que um
material sobrepõe o outro, em recortes horizontais.
Os dois primeiros trechos são melódicos, dispostos horizontalmente. Aos
poucos o caráter melódico vai sendo substituído pelo arpejo, adquirindo assim
aspectos verticais. É relevante que o dedilhado reflita esta observação, reforçando
gradativamente a massa sonora até que atinja o ápice nos compassos finais. Esta
intensificação gradativa é ainda revelada em outros dois parâmetros da peça: na
dinâmica, que vai do pianíssimo, crescendo pouco a pouco, ao fortíssimo (fff); mas
também nos acordes, que aumentam em número de repetições – duas vezes no
20º compasso, três vezes no 22º, quatro vezes no 24º, cinco vezes no 26º, sete
vezes no 28º, oito vezes no 30º, onze vezes no 32º e quatorze vezes no 34º.
Podemos ainda destacar que para cada trecho há uma posição fixa de mão
esquerda. E esta posição fixa possibilita tratar na maioria das vezes o material
como ressonante, em um trabalho de ritmo sobre os sons que o formam.
Temos então no início (7 primeiros compassos) a posição IX. Aqui o
tratamento é ainda horizontal, melódico. O segundo trecho (8º e 9º compassos) há
um salto à posição IV:

Ex.117. Violão – 8º compasso da cadência

No terceiro trecho (10º a 12º compasso) temos a V posição. Aqui damos


início ao trabalho harmônico, ressonante:

158
Ex.118. Violão – 10º compasso da cadência

No quarto trecho (13º a 15º compasso) continuamos na posição V,


valorizando com a digitação o material harmônico, permitindo ampla ressonância:

Ex.119. Violão – 13º compasso da cadência

No quinta trecho (16º a 26º compasso) atingimos a primeira posição com


um acorde de 6 sons, que aparecem não só arpejados, mas também como
simultaneidades, sobre os quais sugerimos a técnica do resgueado:

Ex.120. Violão – 20º compasso da cadência

O sexto e último trecho recorre à sonoridade referencial em seu formato


original. Aplicamos então a mesma fôrma de mão esquerda utilizada no I
movimento. Aqui, aparece ora como arpejo, ora como simultaneidade. Consta
também de 6 sons, e é mais uma vez um trecho altamente ressonante:

159
Ex.121. Violão – 28º compasso da cadência

Seguindo em Ia, logo após a Cadência, temos o primeiro trecho em


blocos harmônicos (compasso 8 a 34), que trabalha com a sonoridade
referencial original e transposta, conforme vimos na análise. O violão apresenta
em todo o trecho apenas três formatos de acordes, utilizando como base a
redundância. São eles:

Ex.122. Acorde do violão nos compassos 8, e 30 a 34 – sonoridade referencial

Ex.123. Acorde do violão nos compassos 16, e 18 a 19

Ex.124. Acorde do violão no compasso 20

160
Não há outras possibilidades de dedilhados, em termos de uso de cordas
ou posições, já que os acordes possuem seis sons, ocupando as seis cordas do
violão de maneira fixa. Sugerimos para a mão direita a técnica do rasgueado, para
atingir a dinâmica sugerida em todo o trecho (fff).
Após o Primeiro trecho em blocos harmônicos temos o trecho em
contraponto atonal (compasso 35 a 65). Nele o violão trabalha com ritmos a
partir de harmonias fixas – e conseqüentemente posições fixas de mão esquerda
– divididas em cinco subseções:

Ex.125. Violão – acorde da subseção 1 (c.36 – 53)

Ex.126. Violão – acorde da subseção 2 (53 – 57)

Ex.127. Violão – acorde da subseção 3 (57 – 61)

Ex.128. Violão – acorde da subseção 4 (c.61 – 63)

161
Ex.129. Violão – acorde da subseção 5 (c.63 – 65)

A digitação de todos procura valorizar a ampla ressonância do violão,


mesmo quando os ataques não são simultâneos em todos os sons do acorde.
Vale ainda observar o uso de dedo guia em dois pontos: primeiro na mudança da
subseção 3 para a 4 entre as notas Ré# e Fá, na segunda corda, com o dedo 4:

Ex.130. Violão – compasso 61

E depois do mesmo Fá 4 ao Ré 5, também na segunda corda, com o


mesmo dedo 4:

Ex.131. Violão – compasso 63

Na seqüência, temos o Segundo trecho em blocos harmônicos entre os


compassos 66 e 90. O violão toma como base a sonoridade referencial original de
forma total ou parcial. Sendo assim, tem como referência a fôrma de mão

162
esquerda já bastante empregada tanto no I como no VI movimento, como nos
mostra o compasso 75:

Ex.132. Violão – compasso 75

O Trecho de finalização (a partir do compasso 91 ao 127) inicia com uma


transição da sonoridade referencial ao trêmulo em Mi, motivo que encerra a obra,
originário do I Movimento. Nos compassos 92 e 93, partindo da tradicional fôrma
de mão esquerda, sugerimos para a mão direita o uso sempre do polegar, tocado
tradicionalmente quando há apenas o baixo, e com a parte externa da unha
quando acompanhado por acorde em arpejo descendente:

Ex.133. Violão – compasso 93

O compasso 94 segue a mesma indicação. Entretanto, o arpejo é


ascendente:

163
Ex.134. Violão – compasso 94

Os compassos seguintes (95 a 97) sugerem um trêmulo constante


integralmente na primeira corda solta, já que o acorde que o acompanha é
composto por cinco sons que ocupam as demais cordas. Para o trêmulo
sugerimos naturalmente p a m i, e nos momentos de ataque dos acordes, que a
primeira nota do trêmulo seja feita com o polegar, ao final do arpejo:

Ex.135. Violão – compasso 95

Do compasso 98 ao fim da obra segue-se as mesmas recomendações já


discutidas entre os compassos 26 e 39 do I Movimento, com o uso de duas cordas
(1ª e 2ª), e articulações com a mão esquerda para as intervenções dos baixos.

164
3.3. Primeira edição

Nossa edição procura manter com fidelidade a partitura original, cujo


manuscrito representava até então a única fonte existente. Alterações foram
realizadas, por se tratar de uma primeira revisão. Estão argumentadas nos textos
precedentes deste capítulo 3 e visam resolver inconsistências a fim de melhorar e
garantir a exeqüibilidade. Vale ainda ressaltar que Almeida Prado escreve todos
os instrumentos em Dó em suas partituras de orquestra, incluindo aqueles que são
transpositores. Nas partes individuais é que são feitas as devidas transposições.
Assim, manteremos a vontade do autor, manifesta em seu depoimento, em que
enfatiza que todos os instrumentos devem ser escritos em Dó.
Para a editoração foi utilizado o programa Finale 2009, com a configuração
de página para o papel A3. Assim, nossa impressão aqui corresponde a uma
redução para o papel carta, adequando o tamanho para o formato da tese.
Logicamente que para a execução, além de serem extraídas as partes individuais,
haverá uma cópia em A3 para o regente.

165
3.3.1. Partitura completa

166
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201
202
203
204
205
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207
208
209
210
3.3.2. Parte do violão (com acréscimo de digitação)

211
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223
224
225
4. QUESTÕES INTERPRETATIVAS

O último capítulo da tese apresenta questões que achamos relevantes


discutir acerca da execução e que fogem do universo puramente violonístico, cuja
abordagem realizamos no capítulo 3, no preparo do dedilhado. Está dividido em
duas grandes partes: questões gerais e específicas. Na primeira leva-se em conta
três temáticas referentes à totalidade da obra: a execução ininterrupta entre seus
movimentos, o uso do microfone pelo solista, e os trechos de entradas aleatórias.
Já a segunda discute cada movimento individualmente em suas especificidades.
As questões específicas são guiadas por três elementos básicos: dinâmica,
articulação e timbre, sem deixar de recorrer aos capítulos precedentes,
fundamentais para este desfecho. A partir deste tripé, procuramos enfatizar
procedimentos que possibilitem uma execução que vá ao encontro de nossa
concepção de estrutura e que tornem claros os papéis de solista e orquestra.

4.1. Questões gerais

4.1.1. Sobre a transição entre os movimentos

O Khamailéon é uma obra que sugere uma execução contínua, sem


interrupção entre os movimentos. A tabela abaixo demonstra os elementos que
garantem as transições:

Movimento Elemento de transição Observação


Trata-se de uma
indicação de que não
I para II O termo “attacca” deve haver nenhuma
pausa entre dois
movimentos73. Este termo

73
SADIE, Stanley. (Ed.) Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994. p.47.

226
não constava no
manuscrito, e conforme
vimos em 3.1. Revisão da
partitura, foi acrescentado
pelo próprio compositor
na entrevista74.
Não há elemento de
transição. Sugerimos que
a pausa de semínima no
final do II movimento seja
II para III -
rigorosamente
respeitada, apenas como
uma respiração à entrada
do III.
A transição ocorre por
notas longas nos metais,
III para IV Metais (trompas e trombone) ligadas de um movimento
a outro, executadas
assim sem interrupção.
A transição ocorre por
notas longas nas flautas,
IV para V Flautas ligadas de um movimento
a outro, executadas
assim sem interrupção.
O violão conclui o V
movimento com o baixo
V para VI Material do violão em Lá breve, com
fermata. Este mesmo Lá
inicia em solo o VI

74
Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli na residência do compositor em São
Paulo, no dia 29 de março de 2008.

227
movimento. Assim,
sugerimos que o
violonista faça a entrada
no VI movimento de
forma livre, antes mesmo
de ouvir o silêncio total
em seu instrumento.
A passagem do Memorial
ao Ia é garantida pela
ressonância do vibrafone,
tendo como base a
VI (Memorial sonoridade referencial. O
Vibrafone
para Ia) regente deve dar a
entrada às madeiras em
Ia enquanto o vibrafone
mantém a ressonância
por mais algum tempo.
Ex.136. Elementos de transição entre os movimentos

Podemos verificar que o único trecho em que não há uma transição clara
ocorre entre o II e o III movimento. Ainda assim, a fermata no primeiro tempo do
último compasso nos contrabaixos sugere uma pausa curta no último tempo,
insinuando um ataque imediato na seqüência. Desta forma, sugerimos para o
Khamailéon uma execução ininterrupta.

4.1.2. Sobre o uso do microfone pelo solista

Não é nossa intenção aqui discutir a qualidade ou especificidades técnicas


de sonorização, mas apenas realizar uma breve discussão sobre a necessidade
do uso do microfone nesta obra, bem como deixar relatada a vontade do
compositor nesta temática. Segundo Almeida Prado:

228
Na execução, use microfone para o violão ficar um grande
camaleão! Porque eu não estou usando orquestra de câmera, é
uma orquestra inteira! E o Messiaen falou assim: você pensou que
talvez pudesse ser para piano e orquestra? E eu falei: não, eu
pensei violão. Eu ouvia violão.75

Tem sido comum o uso da amplificação do violão quando atua frente a


orquestras. Muitos ainda relutam em utilizar, mas hoje é quase uma unanimidade.
Fábio Zanon76 argumenta que a necessidade do uso da amplificação é decorrente
da má qualidade das salas de concerto:

Não é o violão que precisa ser amplificado, é o teatro. Onde não


se escuta com clareza um violão bem tocado, não se escuta com
clareza uma voz ou sequer um piano. Num teatro bom dá para
tocar tranqüilamente o Concerto de Aranjuez sem microfone, e
para mim esse é o limite.77

Entretanto, admite que algumas obras não funcionam sem o uso do


microfone, como o Concerto para violão e pequena orquestra de Heitor Villa-
Lobos: “Segovia nunca tocava com microfone. Mesmo que ele gostasse da peça,
ela é tão ineficiente tocada ao vivo sem microfone que duvido que ele tocasse
uma segunda vez”.78
O próprio Villa-Lobos indicava a amplificação para o seu concerto. Segundo
Mello (2008, p.281), “Villa-Lobos não só era favorável, como também aconselhava
a amplificação do violão, para esta que foi a sua última obra escrita para o
instrumento”.79

75
Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli, em 29 de março de 2008 na
residência do compositor em São Paulo.
76
Destacado violonista brasileiro.
77
ZANON, Fábio. Problemas de amplificar o violão: quais dificuldades são encontradas.
Fórum de violão, disponível em www.violão.org. Acesso em 25 de agosto de 2009.
78
ZANON, Fábio. Campos do Jordão: artigos e fotos. Fórum de violão, disponível em
www.violão.org. Acesso em 25 de agosto de 2009.
79
MELLO, Ricardo. Concerto para violão e pequena orquestra de Heitor Villa-Lobos:
questões de articulação, expressão e dinâmica. In: Anais do XVIII Congresso da ANPPOM.
Salvador: UFBA, 2008. p.280-285.

229
Independente de recursos técnicos a serem adotados, é relevante que se
procurem amplificações que preservem ao máximo as qualidades sonoras do
violão, em um ganho de volume sem a perda de timbre, o que seria fatal, já que
esta é uma das características mais valorizadas do instrumento.
Assim, o uso do microfone não significa transformar o instrumento acústico
em um instrumento elétrico, como uma resolução fácil ao equilíbrio da obra, mas
apenas como um pequeno acréscimo de volume. Isto porque, neste sentido, não
se pode perder de vista os esforços do compositor, que recorre a procedimentos
de orquestração, dinâmica, textura e articulação, visando possibilitar o destaque
do solista e seus diálogos com a orquestra.
Desta forma, indicamos o uso da amplificação para o Khamailéon,
planejada de acordo com as especificidades de cada concerto, levando-se em
conta as características da sala, do solista e da orquestra. Nossa afirmação tem o
intuito não só de reforçar o desejo do autor, mas é também resultante de nosso
contato analítico com a obra.

4.1.3. Sobre os trechos de entradas aleatórias

Procuramos manter em nossa edição (capítulo 3), tal como no manuscrito,


os compassos cujas entradas são aleatórias. São eles:

 I movimento – compassos 22, 55, 56, 85 e 86


 III movimento – compasso 47 (entrada gradativa das madeiras e
continuidade no compasso 48)
 VI movimento (memorial) – compassos 25 a 35 (entrada do violão e
vibrafone)
 VI movimento (Ia) – compasso 5 (Cadência) (saída das flautas)

Isto requer decisões interpretativas do regente na execução, cabendo a ele


combinar com os músicos cada caso particular, a partir de um gestual que
determinará a entrada e saída de um instrumento ou grupo específico. Já nos

230
trechos em que o compositor sugere uma execução precisa e que apresentavam
problemas no manuscrito, principalmente no que se refere à colocação de pausas,
procuramos resolvê-los tornando-os mais exatos, a fim de que as partes
individuais ganhem em autonomia.

231
4.2. Questões específicas.

4.2.1. I Movimento

Os 25 primeiros compassos da peça correspondem à sua primeira seção.


Apresentam pela primeira vez a sonoridade referencial que permeará toda a obra.
Há uma série de eventos que ocorrem neste curto trecho, conduzindo os
fortíssimos blocos harmônicos das madeiras, ao isolado e pianíssimo Mi 4 do
violão, através de um afunilamento que envolve dinâmica e massa sonora:

Ex.137. Síntese de dinâmica e massa sonora entre os compassos 1 e 26

Em se tratando de timbre, há uma passagem gradativa das madeiras às


cordas, cujo ponto de transição ocorre entre os compassos 14 e 17, tendo como
base os mesmos materiais musicais. As cordas iniciam em ppp, apenas como um
acréscimo de cor, mas que assumem logo o primeiro plano no compasso 18, onde
silenciam as madeiras. Violinos I e II, violas, violoncelos e contrabaixos tocam
agora em p ou pp, mantendo-se assim até a janela aleatória no compasso 22.
Toda esta transformação de timbre e dinâmica é uma preparação para a
entrada do solista. Sua indicação de forte frente ao piano das cordas representa
certamente um destaque, porém cabe ao regente enfatizar este aspecto, já que a
sonoridade do violão pode nesta condição ser facilmente encoberta. Talvez seja
necessário um pianíssimo nas cordas, ou até mesmo o uso solo no lugar de tutti.
Mas tudo isso dependerá certamente de variáveis como sonoridade do violonista,
qualidade da amplificação e características da sala de concerto.

232
Toda a articulação da orquestra até o compasso 21 deve ser bem legato,
para que seja evidenciada a harmonia ou sonoridade referencial. O violão serve
como modelo para tal afirmação, pois sua escrita harmônica arpejada prevê que
os sons se mantenham por todo o arpejo, com as seis cordas em vibração. É uma
escrita idiomática para o instrumento, e o preparo do dedilhado já havia previsto
isso.
A janela aleatória do compasso 22 proporcionará uma mudança de
articulação. As cordas entram em pizzicato, em uma referência ao violão. Com
isso, o crescendo gradativo durante as repetições não trará grandes problemas
em relação ao equilíbrio com o solista. A rítmica se torna livre, e este momento de
liberdade de cada executante deve ser respeitado. O gesto do regente marca o
final da janela aleatória e a entrada do rasgueado no violão. O glissando deve ser
acompanhado de um decrescendo, culminando em Mi (p), iniciando uma nova
seção.
Em síntese, é relevante que o afunilamento da massa sonora seja
acompanhando pela dinâmica. Desta forma, ouve-se não só tal efeito, mas obtêm-
se também um bom preparo da entrada do solista.
A nova seção, a partir do compasso 26, é contrastante não só em termos
de materiais musicais – agora explorando sons referentes às cordas soltas do
violão – mas também em timbre, articulação e textura. Tudo é mais articulado, e o
uso intenso da percussão, pela primeira vez assim aplicada na obra, colabora com
este modelo. O violão executa um trêmulo, o contrabaixo é tocado em pizzicato, e
a segunda flauta em flatterzunge80. O violão é aos poucos intensificado em
dinâmica, atingindo fortíssimo já no compasso 40, sobressaindo-se em relação à
orquestra, que se mantém em piano ou pianíssimo.
Os compassos 55 e 56 estão escritos em janelas aleatórias com ritmos e
alturas controlados. Suas disposições sugerem entradas livres e deslocadas, com
um número indeterminado de repetições. Todas estas variáveis estarão
novamente ao controle do regente.

80
Também conhecido como frulatto, é um efeito produzido na flauta ao se pronunciar a letra “R” a
partir da ponta da língua ou guturalmente enquanto se executa a nota.

233
A partir do compasso 57 temos o trecho em que o compositor simula uma
escrita serial, conforme vimos na análise. O violão em fortíssimo, novamente com
o uso da janela aleatória – o que pressupõe livres repetições – é acompanhado
pelas cordas em piano. O compositor deixa claro que o destaque está no violão.
Sugerimos que sua execução seja non-legato, valorizando-se cada nota da série
individualmente. O mesmo deve ocorrer entre os compassos 58 e 63, onde a série
é realizada no violoncelo e contrabaixo. Estes dois instrumentos devem se
sobressair em relação à orquestra, que utiliza agora as cordas em tutti. É
interessante observar que o compositor as lança principalmente em pontos onde
não há uma participação de maior relevância do violão, em uma busca pelo
equilíbrio.
No trecho seguinte, a partir do compasso 65, deve-se ouvir com clareza o
contraponto entre a viola solo e o II violino solo. Os demais instrumentos devem
ter o cuidado de não prejudicarem o diálogo. O violão, mesmo com a indicação
fortíssimo sonoro, não representa uma ameaça ao equilíbrio, desde que sua
amplificação não extrapole a ponto de descaracterizá-lo. Caso isso ocorra, deve-
se ter o cuidado com o equilíbrio, pois certamente o compositor prevê o idioma do
instrumento, neste caso tendo ciência de que seu fortíssimo não encobrirá o forte
da viola e do violino.
O efeito que esperamos para as cordas entre os compassos 74 e 77 é de
um turbilhão de sons em movimentos descendentes de altura e volume. Após o
último ataque deste bloco restará a ressonância do violão. Assim, recomendamos
que o decrescendo nas cordas seja intenso, a fim de possibilitar o efeito e passar
novamente a ênfase ao solista, assim como ocorreu no início da peça.
O retorno das cordas no compasso 80 ocorre em pianíssimo, sugerindo
ainda um destaque ao violão. A partir do compasso 82 as cordas atingem o forte,
e os acordes em rasgueado no solista possibilitam uma melhor compatibilidade
sonora.
Para finalizar, três blocos compostos por madeiras, percussão I (xilofone e
vibrafone) e percussão II (maracas, temple block, cencerro e claves), escritos em
janelas aleatórias, entram gradativamente em livres repetições, de acordo com a

234
indicação do regente. Nossa edição revisada acrescenta o termo “attaca” ao final,
de acordo com sugestão do próprio compositor, para que o II movimento seja
realizado sem interrupção, também ao sinal do regente.

4.2.2. II Movimento

O segundo movimento destaca a sonoridade do violão, com uma orquestra


que recorre na maior parte do tempo ao pianíssimo. As cordas devem utilizar
sempre a surdina. Além dos recursos de orquestração, podemos observar que o
destaque do solista ocorre também pela movimentação de seus materiais. Seus
ritmos são movidos, contra uma orquestra estática, constituída na maior parte do
tempo por notas longas. Nas palavras do próprio autor, temos aqui um camaleão
movendo-se em um ambiente árido.
O ataque forte e fortíssimo da primeira trompa e do xilofone no primeiro
compasso é o impulso que vem dos últimos compassos do movimento anterior, já
que a execução é ininterrupta. As indicações p, pp e ppp de dinâmica que seguem
preparam a entrada do violão em ff. No compasso 6, onde este realiza um
decrescendo, observa-se uma redução na orquestração, com apenas uma trompa
em pppp. E esta indicação de dinâmica será a base das trompas até o compasso
31, onde silenciam e não voltam a tocar.
A participação de outros instrumentos, como o fagote a partir do compasso
17, e clarineta, viola e violoncelo a partir do compasso 24, é sempre em dinâmica
ppp. Observa-se ainda uma segunda viola solo que desempenha um som
contínuo (Fá) entre os compassos 25 e 34, cuja indicação de dinâmica é ppppp,
com uso de surdina.
A partir do compasso 36 há uma variação tímbrica. As trompas e madeiras,
com intervenções de poucas cordas solo, dão lugar às cordas tutti, em um
movimento que vai do agudo ao grave. Entretanto, o padrão de dinâmica não se
modifica, com indicação de ppp com surdina.
Em síntese, trata-se de um movimento lento em que deve prevalecer o
legato como articulação básica. A orquestra deve trabalhar sempre com uma

235
sonoridade mínima, proporcionando um ambiente em que seja possível se ouvir
os movimentos do solista.

4.2.3. III Movimento

O terceiro movimento está estruturado em três grandes seções – A B A’ –


de acordo com os materiais utilizados, conforme discutimos no capítulo 2. A base
da orquestração de A (compasso 1 ao 23) é violão e madeiras, e seus diálogos
ocorrem através da alternância de ataques. Assim, é possível que se destaque o
solista, já que seu discurso é acompanhado por notas longas na orquestra. A
dinâmica ajuda a reforçar este pensamento, com as madeiras em f e violão em ff.
E este equilíbrio deve ser observado pelo regente, possibilitando que o violão seja
audível.
Em B (c.24 ao 49) temos um incremento na orquestração, através de uma
participação mais efetiva das cordas. O compositor cria uma textura particular –
ressonante no violão e rarefeita nos demais instrumentos. A dinâmica indicada é
sempre piano ou pianíssimo. É solicitado ao violão um crescendo gradativo.
Entretanto, não é aconselhável que isso ocorra exageradamente, pela clareza que
se requer principalmente nas cordas. Apenas no final da seção, a partir do
compasso 41, é que se exige novamente forte nas cordas, e, no compasso 45,
fortíssimo no violão. Através da dinâmica e de uma textura menos rarefeita, inicia-
se o preparo para o retorno dos materiais iniciais, que culmina no compasso 50
com o início da seção A’. Em síntese, na seção B deve-se ter o cuidado da
manutenção da dinâmica em piano, que, juntamente com a textura e materiais
sugeridos, enfatiza o contraste com A e A’.
A’ (compasso 50 ao 70) concatena a orquestração de A e B, utilizando
violão, madeiras e cordas, como uma espécie de síntese. Mesmo que o violão
pareça mais diluído na textura, ainda assim são mantidas as alternâncias de
ataque com a orquestra. Assim, nos ataques do solista, a orquestra mantém o
papel de ressonância, tanto nas madeiras como nas cordas.

236
Para o violão é sugerido fff no compasso 50 e ff entre o compasso 55 e o
final. As madeiras se mantêm em f, assim como ocorreu em A. Para as cordas é
também indicado f, com intensificação no final. Entretanto, em meio a grande
sonoridade gerada, deve-se ter a atenção de se manter audível o solista, ainda
que haja tal cuidado por parte do compositor através da alternância de ataques.
Mas, assim como já discutido nos movimentos anteriores, tudo dependerá de
variáveis referentes a cada execução, como a qualidade da amplificação do violão,
da sala, e outros fatores que cada situação requer.
Nos últimos compassos decresce-se ao pppp nas cordas e ppp nas
trompas. Estas fazem a transição ao IV movimento, executado sem interrupção.

4.2.4. IV Movimento

O IV movimento é estruturado em três seções – A, B e B’ – de acordo com


os materiais utilizados, conforme vimos no capítulo 2. A base da orquestração de
A (compasso 1 ao 49) é a percussão, incluindo-se aí o violão, utilizado de forma
não convencional. Os primeiros compassos mostram os metais finalizando
materiais do movimento anterior, já que a execução é ininterrupta. As
ressonâncias do tam-tam entre os compassos 2 e 7 preparam a entrada dos
demais instrumentos. O violão surge no compasso 11, mas não se pode dizer que
seu papel aqui é de solista, já que está diluído na escrita da percussão. Toda a
dinâmica indicada gira em torno de piano e pianíssimo, e um destaque mais
efetivo ocorre nas maracas entre os compassos 20 e 27, cuja dinâmica vai de ff a
fff.
A partir do compasso 27 o violão deve ser destacado. Há uma modificação
tímbrica, através do processo de se trançar as cordas, obtendo-se uma
sonoridade exótica semelhante ao som de um sino. Nosso dedilhado, discutido em
3.2, prevê que sejam trançadas as cordas 3 e 4 para a voz superior, e 5 e 6 para a
voz inferior da partitura. A indicação de dinâmica é forte, contra pianíssimo da
percussão, e quanto maior a ênfase neste contraste, melhor será o efeito.

237
Na seção B (compasso 50 ao 74) a base da orquestração continua sendo
violão e percussão. Entretanto, o violão assume seu papel convencional, com o
uso de alturas definidas. Assim, já podemos verificar em seus primeiros
compassos a base da configuração harmônica da peça, já que utilizará como
recurso principal a redundância. A percussão não desempenha neste trecho um
papel de destaque. Seu acompanhamento simples apresenta textura rarefeita
entre os compassos 57 e 68. A partir do compasso 69 desenvolve alguns padrões
rítmicos, em ostinati de quiálteras de 5 e 7. Neste trecho deve-se manter o
pianíssimo indicado, a fim de não ofuscar o solista, com um pequeno crescendo
nos últimos compassos, que marcará o final da seção.
A seção B’ (compasso 75 ao 99) é caracterizada por uma síntese do
material harmônico e contraste de timbre, com uma considerável diminuição da
percussão e entrada das cordas. O incremento das cordas ocorre gradativamente,
primeiro com a viola solo em pianíssimo (pppp) entre os compassos 75 e 87. Em
seguida, com a entrada de um quarteto em piano ou pianíssimo a partir do
compasso 87. E por último, culminando com o tutti a partir do compasso 95.
Por outro lado, o violão é retirado aos poucos. Seu terceiro pentagrama é
subtraído no compasso 86, o primeiro no compasso 88, e o segundo, após um
ralentando escrito entre os compassos 87 e 92, silencia-se no 93. Assim, o efeito
final da peça é de um crescendo pelo incremento de massa sonora, e pela própria
indicação de dinâmica.
É interessante ainda observar o sutil acréscimo tímbrico das flautas em
pianíssimo no último compasso, contra o forte das cordas tutti. As cordas devem
silenciar abruptamente, enquanto as flautas mantêm sua sonoridade conduzindo a
obra ao V movimento, executado sem interrupção.

4.2.5. V Movimento

O V movimento se apresenta em duas seções – A (compasso 1 ao 24) e A’


(compasso 25 ao 47) – de acordo como são expostos os temas a e b, de forma
original ou variada. A base de sua orquestração é violão e clarinetas. Entretanto,

238
podemos verificar em seus primeiros compassos uma preparação à entrada do
solista, que envolve dinâmica (ppp), material musical e timbre (flautas, violas e
violoncelos sucessivamente), cuja origem é o último compasso do IV movimento.
A indicação inicial para o violão é f, mas, quando executa o tema b, é
sugerido também um contraste na execução, através do termo piano sonoro, o
que dá margem a interpretações. Recomendamos um piano em toque com unha,
perpendicular à corda e próximo ao cavalete. Desta forma, a sonoridade mais
clara e metálica poderá, ainda que piano, ser ouvida diante do timbre aveludado
das clarinetas. Já no compasso 29, tema a’, há a indicação novamente de forte,
como no início. Sugerimos um retorno ao timbre inicial, com sonoridade
encorpada, mantendo-se assim uma coerência entre forma e concepção
interpretativa.
Já as clarinetas são executadas em pianíssimo do início ao fim, certamente
prevendo um equilíbrio sonoro com o violão. Recomendamos que todas as suas
terminações de frase (c.13, 31 e 44) sejam realizadas como no compasso 20,
onde o compositor indica um decrescendo.
Ainda que as dinâmicas estejam pré-determinadas na partitura, é
interessante que os intérpretes busquem inflexões dentro do fraseado. Pode-se
tomar como base a dinâmica natural, com crescendo nos movimentos
ascendentes e decrescendo nos descendentes. Por se tratar de uma peça de
caráter camerístico, as contribuições de cada músico são bem vindas,
enriquecendo este belo momento da obra.

4.2.6. VI Movimento

O VI movimento é dividido em duas grandes partes – Memorial e Ia –


conforme vimos no capítulo 2. De maneira geral, o equilíbrio entre solista e
orquestra ocorre a partir de uma combinação de dinâmica, orquestração e
articulação (a partir da alternância de ataques).
Memorial é camerístico, utilizando apenas instrumentos solo de alguns
naipes. Entretanto, é expandido em orquestração e mais variado timbristicamente

239
em relação ao V movimento, funcionando como parte de um crescendo gradativo
que culminará em Ia, que utiliza a grande orquestra.
Sua idéia fundamental é rememorar a sonoridade referencial do I
movimento, inicialmente em diferentes transposições, combinando violão com
cordas graves ou madeiras, e finalmente no formato original, na combinação de
violão e vibrafone. O violão, como um camaleão, movimenta-se frente a um
ambiente estático representado pela orquestra. Os ataques não coincidem, e a
orquestra, a partir de notas longas, trabalha na maior parte do tempo em
pianíssimo, possibilitando clareza do solista. Se olharmos o plano geral, o violão
inicia solo em piano e cresce gradativamente a cada movimentação rítmica,
atingindo fff no compasso 21. Nos compassos 22 e 23, realiza de maneira
condensada um movimento inverso, até atingir o pp, preparando a entrada dos
sons harmônicos.
A partir do compasso 24 temos uma escrita livre do ponto de vista rítmico
entre violão e vibrafone, ambos utilizando como base o mesmo material –
sonoridade referencial original. Entretanto, a partitura não sugere uma articulação
simultânea entre os dois instrumentos. O número de notas é quase sempre
diferente a cada compasso. Enquanto o vibrafone toca sempre os seis sons do
acorde, o violão varia, como um livre improviso sobre o mesmo material. A forma
como o compositor dispôs as notas no manuscrito sugere as entradas e a
velocidade de execução. Assim, o vibrafone pode tocar junto com o violão no
compasso 25. Já nos compassos 29 e 31 pode condensar seus sons mais
rapidamente no meio da execução do violão, sempre de maneira livre. É
importante que o vibrafone explore ao máximo o pianíssimo, pois a sonoridade em
harmônicos do violão é muito limitada. E o interessante aqui é o timbre resultante
desta combinação exótica, a partir de um material que já não é mais novidade.
Ia é executado sem interrupção em relação ao Memorial. Sua estrutura
básica é composta de Cadência (compasso 5), trecho em blocos harmônicos
(compasso 8 ao 34), trecho em contraponto atonal (compasso 35 ao 65), trecho
em blocos harmônicos (compasso 66 ao 90) e trecho de finalização (compasso 91
ao 127), conforme discutimos no capítulo 2. Os quatro compassos iniciais

240
funcionam não só como transição do Memorial, em que o elemento de ligação é a
sonoridade referencial no vibrafone, mas também como preparo à cadência do
solista.
A Cadência não é extensa. Seus 36 compassos possuem uma escrita
idiomática para o violão. Podemos dizer que se trata de um primeiro momento solo
do compositor para o instrumento, e é um trecho que nos remete a Portrait
(1972/75) para violão solo, também de Almeida Prado. Conforme discutimos no
capítulo 3, a escrita deste trecho se inicia de maneira horizontal, melódica, e vai
gradativamente se tornando vertical, até a efetivação dos acordes, articulados de
maneira simultânea ou a partir de arpejos. Esta intensificação da massa sonora é
acompanhada pela dinâmica, que inicia em pianíssimo (pp) e cresce até atingir fff
em seu final. É relevante que sejam respeitadas as marcas de articulação
indicadas pelo autor no manuscrito, reproduzidas fielmente em nossa edição.
Uma nova transição – correspondente aos compassos 6 e 7 – cuja base é a
percussão prepara a entrada para o trecho em blocos harmônicos (compasso 8 ao
34). Nele, diferentes naipes formam as harmonias correspondentes à sonoridade
referencial, de forma original ou transposta. O ataque curto e fortíssimo das
madeiras no compasso 8 ofusca o ataque das cordas solo, possibilitando que se
escute apenas as suas ressonâncias em sons harmônicos. Nossa sugestão é que
se enfatize este efeito, procurando-se um pianíssimo nas cordas.
E assim ocorrerá até o compasso 26: ressonâncias em harmônicos e
pianíssimo nas cordas solo, intervenções em fortíssimo das madeiras, forte nas
cordas tutti, e fff no violão. Esta relação entre f nas cordas e fff nas madeiras e no
violão entendemos aqui como uma tentativa de se chegar a resultados próximos
em sonoridade, já que há uma incompatibilidade de dinâmica entre eles, a
começar pelo número de executantes e por suas características físicas. É
relevante ainda ressaltar que neste trecho as articulações entre estes três blocos
não coincidem, ou seja, o ataque de um corresponde às ressonâncias dos outros,
caracterizando não só a busca por um equilíbrio, mas também o diálogo entre
eles.

241
Os harmônicos nas cordas silenciam no compasso 27, mas os
procedimentos de diálogo entre os blocos continuam até o fim da seção no
compasso 34. Neste trecho, prevalecem violão e cordas graves. Estas últimas
entram em pp ou p no compasso 27 e encerram em mf ou ff no compasso 30, para
a entrada fff do violão. Subentende-se então um crescendo neste ponto, apesar de
não estar escrito.
A partir do compasso 35 há uma mudança substancial nos materiais
musicais e na orquestração. Dá-se início à seção que chamamos de trecho em
contraponto atonal, construído a partir de diálogos realizados nas madeiras.
Deixa-se de utilizar a sonoridade referencial, passando-se a clusters com apoio
principalmente dos metais. Há alguns compassos preparativos da seção,
executados pelo violão em fff, trompas em p e trombones em pp. O efeito nos
metais é de um ataque forte e um rápido decrescendo, para que a ressonância
seja na dinâmica piano ou pianíssimo. Do compasso 45 ao fim da seção a função
dos metais é restrita às notas longas em ppp, como uma base harmônica aos
diálogos das madeiras. Para a linha do violão, o compositor sugere uma fórmula
de compasso particular (11/16)81 e que deve ser respeitada pela acentuação
indicada na partitura. Cada acento corresponde a um novo ciclo do 11/16. Assim,
a dinâmica fff indicada no compasso 36 torna-se sem efeito aqui. Para que a
acentuação funcione de forma adequada, sugerimos mf, e, nos pontos onde estão
marcados os acentos, ataca-se fortíssimo. Assim será possível ouvir com clareza
o diálogo nas madeiras, cuja dinâmica gira em torno de p ou mp, sem que se
deixe de escutar discretamente o ostinato no violão. Entre os compassos 64 e 65
há um crescendo geral, preparando a mudança de seção.
No segundo trecho em blocos harmônicos há um retorno da sonoridade
referencial, e uma nova variação tímbrica com a volta das cordas. Retornam ainda
os diálogos entre os blocos, através da alternância de ataques. A partir do
compasso 75 surge novamente o solista. Sua indicação de dinâmica não é usual
para o instrumento – ffff – e nem possível se levarmos em conta o tamanho da

81
Este mesmo procedimento pode ser visto também no compasso 73, agora com uma fórmula de
10/16 específica aos violinos.

242
orquestra nos compassos seguintes. Deve-se então ter alguns cuidados para que
os blocos, estáticos do ponto de vista rítmico, explorem ao máximo o pianíssimo,
já que o ritmo se desenvolve essencialmente no violão.
A partir do compasso 91, já na seção de finalização, tudo fica mais simples
em se tratando de equilíbrio. A textura da orquestra se torna rarefeita. As cordas
são utilizadas com surdina, com dinâmica pppp, e o violão encerra a obra, em um
contínuo decrescendo, até desaparecer.
É interessante ainda observar que entre os compassos 66 e 84 há um
acréscimo gradativo de massa sonora, cujo ápice ocorre entre os compassos 81 e
84. A partir daí, os blocos aos poucos silenciam, num processo de contínua
rarefação. Neste sentido, o ritmo do solista se torna pouco relevante frente ao
efeito gerado, podendo-se obter então uma outra interpretação, esta mais viável,
em que a 6ª corda do violão não compete com o tutti orquestral.

243
CONCLUSÃO

Cada capítulo da tese nos trouxe resultados específicos interligados por um


fim comum, de possibilitar e incentivar a execução de uma obra que, próxima de
completar 39 anos, permanece inédita. Hipóteses para os motivos deste
ineditismo foram apresentadas, relacionadas a questões técnicas – como as
condições da partitura – e estéticas, de uma obra que se afasta de um universo
nacionalista ao qual o violão é profundamente ligado.
Assim, o capítulo 1 nos mostrou que o Khamailéon faz parte da fase
universal (1965-1983) de Almeida Prado, marcada por uma linguagem que tende
ao atonalismo, liberdade formal, dentre outras características que nortearam o
autor após seu rompimento com a estética Guarnieriana. A concepção deste estilo
foi estabelecida em seus estudos com Gilberto Mendes, Olivier Messiaen e em
sua vivência com as mais novas correntes da música européia entre as décadas
de 60 e 70 em Paris. Diante destas constatações, a partir de uma pesquisa
detalhada, foi possível afirmar que o Khamailéon é a única obra concertante para
violão de autor brasileiro escrita até o final da década de 70 que não apresenta
traços nacionalistas. Sendo assim, é a primeira obra de vanguarda no gênero.
Entretanto, as análises do capítulo 2 nos mostram a preocupação do
compositor em manter em sua linguagem pontos de referência ao ouvinte. Isto lhe
garante um posicionamento peculiar perante o atonalismo, ao resgatar do sistema
tonal a redundância. O autor nos releva:

A escuta de uma obra atonal não dá ao ouvinte, nunca, a


sensação de recuperar determinado acorde, aquele elemento
simples e óbvio que tece uma articulação através do discurso
tonal.82

82
PRADO, José Antônio R. de Almeida. CARTAS CELESTES. Uma uranografia sonora
geradora de novos processos composicionais. Campinas, 1985. Tese. Universidade Estadual
de Campinas – Instituto de Artes. p.559.

244
Figuras propositadamente repetitivas, o uso excessivo da
redundância, tem como objetivo o aparecimento intenso das
ressonâncias e a memorização no ato de ouvir de determinados
acordes e fragmentos melódicos importantíssimos para o apoio
auditivo.83

No Khamailéon, a redundância apresenta-se sob duas funções distintas.


Primeiro na formação das cores e mimetismo entre violão e orquestra, a partir de
materiais que denominamos sonoridade referencial (a afirmação de um material
ocorre pela repetição de seus sons componentes). Em seguida, no
estabelecimento da unidade da obra como um todo, a partir da repetição da
mesma sonoridade referencial em movimentos diversos.
Já o capítulo 3 nos mostrou que a obra não poderia ser executada sem que
antes se realizasse uma revisão. O manuscrito encontra-se em uma espécie de
rascunho. A lista de inconsistências, relacionadas principalmente à parte rítmica, é
extensa. Procurou-se resolvê-las a fim de eliminar ambigüidades. Questões gerais
também necessitavam de regularização, como a disposição dos naipes e
instrumentos na partitura, a apresentação de todos os instrumentos de um
movimento em seu primeiro sistema e, até mesmo, a determinação dos momentos
do uso de uma das flautas em Dó ou em Sol. A parte do violão apresentava alguns
trechos inexeqüíveis, e procurou-se resolvê-los através de sugestões idiomáticas
ao instrumento. Tomou-se como base a análise, mas também nosso
conhecimento prévio da linguagem do autor em suas peças solo. Como resultado
final, foi apresentada a primeira edição da partitura. A partir daí, é possível a
extração das partes para a execução.
As discussões finais da tese, presentes no capítulo 4, são reflexos de nosso
contato intenso com a partitura ao longo de aproximadamente dois anos e meio.
Sabemos que não havia referenciais prévios da obra, sejam eles bibliográficos ou
fonográficos. Nossa única referência na elaboração da interpretação foi o próprio
conteúdo desenvolvido nos capítulos precedentes, que nos fez imaginar um
modelo de execução que mantivesse coerência com nossas idéias previamente
expostas. Discussões interpretativas já haviam sido realizadas no capítulo 3, na

83
Ibid. p.534.

245
elaboração do dedilhado, porém apenas do ponto de vista da execução do
violonista. Aqui a abrangência das idéias corresponde a uma amplitude maior, da
obra como um todo.
Acreditamos que este trabalho não encerra o assunto. Ambiciona marcar o
princípio da trajetória viva da obra. Nosso próximo passo direciona-se para a
execução. Entretanto, outros temas ainda se fazem necessários no universo de
Almeida Prado. Sua produção camerística com o violão, ainda pouco explorada,
também é parte de nossos projetos. Assim, completaríamos um importante ciclo
do repertório brasileiro, iniciado com nossa dissertação de mestrado84 que
abordou o repertório para violão solo do mesmo autor.

84
SCARDUELLI, Fabio. A obra para violão solo de Almeida Prado. Campinas, 2007.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

246
REFERÊNCIAS

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247
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____________. Campos do Jordão: artigos e fotos. Fórum de violão, disponível


em violão.org. Acesso em 25 de agosto de 2009.

249
APÊNDICE 1

Síntese das modificações propostas na revisão da parte do violão

As alterações em relação ao texto musical original – argumentadas no


capítulo 3 da tese – estão sintetizadas nas tabelas abaixo. Ocorrem apenas em
alguns pontos do I e III movimentos e são fundamentadas em análises, nas
possibilidades idiomáticas do violão, e em nossa experiência com a linguagem de
Almeida Prado, sempre com o intuito de tornar a obra exeqüível.

I MOVIMENTO

Compasso Original e revisão procedimento

Acréscimo
22
de ligaduras

250
Manutenção
de Si e Mi
24
soltos, como
pedal

Acréscimo
50 de ligadura
em Mi 2

Acréscimo
67
de ligaduras

251
Antecipação
de Do# e Sol
para que
68 e 69
também seja
antecipado o
rasgueado

Manutenção
de Sol e Si
71
soltos, como
pedal

Alteração de
oitava e
72 disposição, e
duplicação
do Sol

252
III MOVIMENTO

Compasso Original e revisão procedimento

Agrupamento dos
sons do acorde
para que sejam
articulados
simultaneamente.
63 e 64
Duplicação das
notas Fá e Si
para a execução
do rimo em
rasgueado.

253
APÊNDICE 2

Carta de Fabio Shiro Monteiro

Recebida através de correio eletrônico, em 19 de novembro de 2006.

Caro Fabio,

Recebi sua carta em fins de outubro com algum atraso, pois me encontrava no
Brasil. De volta à Alemanha, tive que trabalhar muito com os alunos e num
concerto com flauta que toquei ontem. Então é com grande prazer que respondo,
hoje, às suas perguntas.

Há pelo menos 10 anos recebi de Almeida Prado o manuscrito original da partitura


de Khamailéon, uma fantasia para violão e orquestra composta em Paris em 1970
ou 71. Esta obra, segundo o compositor, tinha sido escrita para Alberto Ponce,
que, na época, era professor na École Normale de Musique e bastante ativo na
difusão do repertório contemporâneo para violão. Só que Ponce não se interessou
tanto pelo Camaleão, que ficou então na gaveta até o encontro acima referido.
Almeida Prado, ao me passar o manuscrito, pediu-me que o levasse em mãos
para Siegfried König, seu editor alemão, e proprietário da editora Tonos, em
Darmstadt.

Assim fiz. Só que König faleceu pouco tempo depois de ter recebido o manuscrito,
e seus sucessores na editora simplesmente não conseguiram localizar a obra por
alguns anos. Fiquei muito arrependido, na época, por não ter feito uma cópia do
manuscrito antes de passá-lo adiante. A Editora Tonos mudou-se então, mas
entrou numa forte crise que perdura até hoje, e nada indica que sua atual gerência
vá editar o Camaleão. Faz poucos anos, entrei em contato com a editora para
tratar do assunto e... milagre! Encontraram o original, em meio a diversas obras

254
para viola. (segundo me explicaram, por causa da palavra violão o manuscrito
deve ter ido parar lá...).

Resolvi então fazer a tal cópia, mesmo porque achava que, com um pouco de
sorte, poderia estrear a peça com alguma orquestra alemã. A Editora Tonos
emprestou-me então o manuscrito, dizendo que mandaria imediatamente um
contrato ao Almeida Prado, formalizando a transação entre ambos. Fiz duas
cópias da partitura em tamanho A3 e enviei uma delas de volta à editora. Bom,
como da última vez que falei por telefone com o Almeida Prado (na época ele
morava em Copacabana), ele me disse que não recebera contrato algum sobre o
Camaleão, achei melhor guardar eu mesmo o manuscrito, até que a Tonos, ou
outra editora, se interesse realmente por ele.

Então, posso mandar para você uma cópia da partitura, bem como outra para ser
entregue ao compositor. Infelizmente, não tenho o endereço atual dele, nem seu
telefone, e ficaria muito grato se você me pudesse passá-los. Devo mandar as
cópias para seu endereço em Campinas?

Bom, com relação às outras obras de Almeida Prado para violão, posso dizer que
fiz a estréia alemã da sua Sonata Nº1 (1981), em 3 de marco de 1993, em
Karlsruhe. Depois toquei-a no Rio e Porto Alegre em outubro de 1993, e em
diversas outras cidades alemãs e brasileiras, além de fazer a estréia espanhola
em 9 de abril de 1998, no Festival de Zarautz, na costa basca. Imagino que você
já deve saber que ela foi por mim editada (Tonos, Darmstadt, No.10368), bem
como gravada na Alemanha (RBM 463 222) em 2000, juntamente com o
Poesilúdio Nº1.

Em 1996, tive a grande felicidade de receber do compositor o manuscrito da sua


Sonata Tropical para 2 violões, escrita por minha sugestão e a mim dedicada.
Imagino que se trata da primeira sonata brasileira para duo de violões. Essa bela e
interessante obra foi estreada em Viena, em 28/8/1996, com meu parceiro e amigo

255
Gen Hasegawa. Depois, fizemos ainda sua estréia brasileira (Porto Alegre,
2/9/97). Foi também por mim editada (Tonos, Darmstadt, No.10706).

Estou ansioso pelo seu trabalho sobre Almeida Prado, e espero poder colaborar
no que for possível para o seu sucesso. Por favor, mande lembranças ao Eduardo
Ostergren, e passe meu e-mail atual para ele.

Com um abraço do

Fabio Shiro Monteiro

256
APÊNDICE 3

Entrevista com Almeida Prado

São Paulo, 29 de março de 2008


Entrevista concedida por Almeida Prado a Fabio Scarduelli na residência do
compositor em São Paulo

AP – Almeida Prado
FS – Fabio Scarduelli

AP – O Khamailéon é uma obra atonal, mas não é serial. É atonal. Tem elementos
melódicos e rítmicos que nos remetem à brasilidade. Então é um camaleão no
Brasil, e não um camaleão em Paris, numa floresta em Paris. É um camaleão
brasileiro. É uma obra profundamente tropical. E tem a influência de escrita das
músicas da década de 60, com coisas aleatórias, grandes clusters, influência de
Penderekci, de Ligueti, que estavam na mais moda da moda, ou seja, era o que
havia de mais moderno. Eu fiz uma música que se fosse estreada em Paris em
1971, seria uma obra de vanguarda. Não ficaria nada a dever a Boulez e
Stockhausen. Mas seria uma obra brasileira. Não é uma obra que tem baião,
cururu, modinha, não tem nada disso. É uma coisa abstrata, com uma rítmica
calcada na rítmica brasileira e transformada, com sonoridades pesquisadas com
muitas cores. Agora eu não me lembro que acordes utilizei. Eu sou um compositor
muito organizado, e devo ter tido um caderno em que anotei série, ritmo que
trabalhei, uma espécie de paleta, que eu não sei onde está. Então você vai
descobrir isso na sua trajetória da tese. Acordes com predomínio de quartas, ou a
própria afinação do violão, já que eu uso muito cordas soltas. Eu acho que não é
uma obra que tenha uma dificuldade transcendental de ser tocada. Eu não sou
violonista, mas tenho a impressão de que eu quis fazer uma obra para ser tocada.
E um músico em questão, o Alberto Ponce, um grande violonista que ensinava no
Conservatório de Paris, queria um concerto. Eu dei para ele a partitura, mas ele

257
nunca tocou, e nunca mais foi falado sobre isso. Mais tarde quem salvou a obra foi
o Shiro, que poderia muito bem ter sido perdida, e que, aliás, foi perdida na própria
editora, não é? Mas no fim acharam, senão estaria perdida. E daqui a alguns anos
alguém descobriria em um hotel, ou sei lá onde, como muitas coisas de Bach e
Mozart foram descobertas! Graças a Deus foi descoberta agora, e então enriquece
a minha pobre produção de violão com uma obra magnífica como esta, e que eu
iria ficar sem. Porque eu não componho mais assim agora, e nem conseguiria com
minhas vistas com estão, com uma orquestra com tantos divisis, problemático!
Que bom que salvou! Quem sabe vocês a estréiam, não é?

FS – Iremos trabalhar para isso.

AP – O Fabio Shiro te mandou assim a partitura? O original, em papel vegetal,


está com ele? Porque na época não tinha xerox. Então nós fazíamos com papel
vegetal e nanquim, e a cópia era heliográfica, como as plantas de engenheiro. E
isso certamente está enrolado, o editor jogou num buraco, e o Fabio [Shiro]
salvou. E o que você já andou mexendo nela?

FS – A primeira coisa que eu quero saber com você é sobre instrumentos


transpositores. Você escreve tudo em Dó?

AP – Eu sempre escrevi assim, primeiro porque eu acho difícil ler transposto. Isso
é uma coisa que tem que ter uma prática desde criança, que na França tem, e que
eu não tive. Foi uma falha da educação musical no Brasil. O máximo que eu
consigo ler é viola terceira linha, e um pouco de cello quarta linha, quando ele fica
agudo. A trompa, quando faz Dó, Mi, Sol no meio do piano em som real,
normalmente se escreve uma quinta acima. Eu só faço isso na hora de passar a
limpo para ser tocado, mas quando estou escrevendo não me preocupo com isso.
Aí está tudo em Dó.
Falta a capa disso, ele não mandou? Havia uma capa que tinha um
Camaleão, um bicho enorme, meio surreal. Perdeu!

258
Eu não quis dar o nome em francês, e nem Camaleão em português por
causa do til, pois não existe o til na França. Então eu fui ao dicionário e resolvi
colocar em grego. É mais bonito Khamailéon com K! Messiaen achou lindo o
nome.
A obra não é um concerto que tem primeiro tema, segundo tema e
reexposição. Nada disso, a reexposição é o Memorial. São situações em que o
camaleão vai andando e mimetiza o verde, o amarelo, as cores da orquestra. E no
final há uma reexposição, que o Messiaen achou genial. Ele disse assim: “o
senhor fez um concerto que não é mais o concerto de Beethoven, mas que é um
concerto que tem um solista com orquestra, diálogos com a orquestra. Temas
rítmicos e melódicos, e depois você tem a reexposição transfigurada”. Ele achou
que era uma forma nova. Eu tinha revolucionado a forma concerto, o título era
maravilhoso, poético. E aí ele disse: “o senhor imagina o camaleão entre rosas...”
e eu falei: “entre rosas, entre cactos...” e ele ficou excitadíssimo, e tocava no
piano, e a classe ficou com um bico que ia até a porta e voltava. A parti disso,
dessa obra, que ele elogiou, e toda classe, que inclusive estavam os compositores
que iriam ser ponta de lança logo depois que eu voltei para o Brasil, ficaram todos
em silêncio, mudos. E no final da aula, quando eu ainda fiquei um pouco mais, ele
disse: “a partir de hoje eles não vão te tratar como antes. Alguns vão te respeitar,
outros vão te odiar, mas assim foi comigo também”. A opinião que me interessava
era a dele, e não a dos colegas. Pense bem! Isso me marcou, com essa obra. E
das coisas que eu fiz que ele gostou muito, em especial, que ele achou diferente,
estão na orquestração, na escolha dos timbres. Ele achou originalíssimo! Então
me veio à tona agora a impressão do Messiaen sobre o Camaleão, e que é bom
que você diga isso na tese!

Primeiro Movimento

FS – No c.22 você quer tutti ou solo, neste quadro de repetição?

AP – Este quadro é o que eu chamo de janela aleatória, e que se usava muito na


época. Significa que os instrumentos que antes eram escritos tradicionalmente,

259
aqui vão improvisar livremente com as notas sugeridas. E o violão também. E
quando o violão cansou desta floresta aqui, o maestro corta, e ele tem em seguida
como figura este rasgueado, para a orquestra se localizar. Aí entra no tempo.
Então no c.22 é tutti, mas não é necessário ter a precisão, cada um improvisa
como quiser com as notas, gerando um contraponto de mil coisas. Pra facilitar eu
escrevi assim, mas é livre. E tem outra coisa: neste compasso está faltando uma
fermata, que o maestro vai ter nesta improvisação. Você vai corrigindo isso agora.

FS – Uma das coisas que iremos fazer é uma digitalização da partitura, para poder
ser tocada.

AP – Mas faça tradicionalmente, como está. E nas partes que for tirar no
computador faça transposto. Porque para a leitura facilita o som real, já que foi
pensado assim. Mas nas partes separadas a trompa, por exemplo, vai estar
escrita uma quinta acima, ou a clarineta uma segunda maior acima. Aí é o
tradicional.

FS – No compasso 57 eu encontrei alguns procedimentos que lembram a escrita


serial, mesmo você falando que a obra não é serial.

AP – Pode ser, mas não o tempo todo serial. Eu sempre utilizei o serialismo
quando preciso de um momento atonal organizado. Quando eu quero um
momento tonal organizado, utilizo dominante e tônica, pois já está na mão. E
quando eu preciso de um momento que não soe oitavas ou qualquer coisa que
não lembre dominante e tônica, eu parto para o serialismo atonal.

FS – Inclusive na página seguinte há um compasso em que você lança a série


dodecafônica inteira.

AP – Então é! Provavelmente havia um papel ao lado em que eu trabalhei a série.


E nada me espanta, porque eu vivia em 1970, o ano todo de 70, a trabalhar
Boulez, Stockhausen, Messiaen, e isso aí é década de 70. Então isso era uma

260
coisa que eu fazia, no entanto eu fazia da minha maneira. Isso vai soar algo
abstrato, mas não vai soar nunca tonal. Então você pode dizer na tese que
quando Almeida Prado quer um momento atonal organizado, ele lança mão do
serialismo dodecafônico. E quando quer um momento tonal, lembra dos
arquétipos tonais. Já o modal é bem mais próximo do tonal, porém com modo.
Mas nesta obra, Fabio, eu acho que não tem nenhum momento tonal. E nem
transtonal, como as Cartas Celestes. Isso eu só fui pensar em 1974, já no Brasil,
quando eu fiz as Cartas. Então se eu fosse compor o Camaleão agora, iria ter
talvez um momento transtonal. Teria tudo, mas aqui não. Aqui é mais delimitado.

FS – Tem um trecho, c.74, que achei curioso porque lembra o Livro para seis
cordas.

AP – Mas vem daí! Aliás vem antes, pois o Livro é de 1974. Eu peguei daqui.

FS – Já é algo que tem nas Cartas, não é?

AP – É, uma coisa cromática muito rápida. Isso tudo você vai colocar na tese,
mostre que você é atento.

Segundo Movimento

FS – No c.4, há um procedimento microtonal?

AP – É um glissando na trompa. Mas é um glissando muito sutil, microtonal. Então


você imagina este ‘fuá’ das trompas com o vibrafone, é muito original. É único,
inovador. Toda obra é uma grande pesquisa. Mas aqui eu estava inspirado, tinha
apenas 27 anos. Eu era mais novo que você, um pouquinho.

FS – Aqui também, no c.25?

261
AP – É, na viola. É um lamento. E você pode perceber que está tudo ao redor de
Si. Si – Dó. É um contraponto de Si – Dó, como se fosse um festival de
contraponto com dois chãos, que de vez em quando tem um glissando. Mas o que
torna interessante é que cada um tem um tempo por causa da quiáltera. Isso vai
soar uma faixa quase eletroacústica. E o violão não tem nada a ver com nada,
está fazendo algo completamente diferente. O camaleão está correndo entre as
plantas, porque ele é agitado. Raramente ele pára. Messian perguntou: “como se
chama no Brasil Khamailéon?” E eu disse: “Camaleão ou Sinimbu, do Tupi
Guarani”. Depois que eu havia feito esta obra, em 1974 ou 73 eu fiz o Sinimbu
para canto solo, Gesang, que foi muito tocado. A Victoria Kerbauy cantou, e eu
vou te dar o disco dela. É cantado somente com onomatopaicas, com ‘boca
chiusa’, efeitos que imitam o bicho, o camaleão, no meio de plantas.

FS – Mas tem relação com este Khamailéon?

AP – É filho! De certa maneira este veio antes, não é? Isso gerou o Sinimbú,
gerou Cartas Celestes, gerou o Livro para seis cordas, muita coisa! E também tem
na Sonata para violão aquele elemento do Livro para seis cordas. Ou seja, como
eu achei que soava bem, fui colocando nas obras para violão.
Mas que sorte existir Fabio Shiro Monteiro. Eu perderia esta obra, porque
não tenho cópia! Você sabe que o Camargo Guarnieri tem uma sonata que
ninguém sabe onde está? Acho que é a primeira. A Vera, que é viúva dele, tem
exemplos do tema. Ela acha que Guarnieri rasgou, porque lembra Villa-Lobos.
Mas eu jamais iria rasgar isso, porque lembra Almeida Prado. Ao contrário, é uma
obra minha, não lembra ninguém.

FS – ainda sobre o segundo movimento, há então uma ênfase no Si. Pode-se


considerar um centro?

262
AP – É como se fosse uma raga Indu, com partes microtonais. É um centro, uma
coluna, as coisas acontecem em torno. Como não é tonal, fica em torno de um
som. No caso Si – Dó.

FS – Fica em torno de Si, Sib e Dó.

AP – Então ficam três notas, que dão dois semitons. Mas cria uma unidade
estática. Mesmo dentro de um movimento interno, é estático. E o violão está
agitadíssimo. O violão não está calmo. Acho que a lagarta está no cio, a
camaleoa.

FS – É como se a orquestra fosse o ambiente?

AP – Sim, a orquestra é sempre o ambiente ecológico, você pode colocar na tese.


A orquestra inteira, seções da orquestra, a mistura de naipes, sempre é o cenário
ecológico onde o camaleão passeia. Pode ser deserto, pode ser uma duna, beira
da praia, uma coisa verdejante, com flores, você é quem imagina. Mas o camaleão
é quem passeia e muda de cor, a orquestra oferece a paisagem.

FS – Você pensa em cores para estas paisagens?

AP – Certamente na hora eu pensei, agora eu não me lembro mais que cores.

FS – Cores e texturas que irão remeter a ambientes diferentes.

AP – Momentos que têm folhagens vermelhas, com predomínio do vermelho. Este


Si-Dó-Si-Dó é uma coisa de deserto, é árido. Ou é uma praia, ou o deserto do
Saara.

FS – Você sabe que esta obra me lembrou muito as Ilhas para piano!

263
AP – Você falou uma coisa que eu queria te dizer. É a mesma técnica! As Ilhas foi
uma maneira de eu encontrar uma saída para o serialismo. O serialismo do
Shoenberg tem 12 notas diferentes, mais a sua inversão, retrógrado e retrógrado
da inversão. Você tem uma planilha em que se pode utilizar 48 vezes a série de
maneiras diferentes. Mas tem certas regras: não se pode voltar, repetir. Por
exemplo: Dó-Fá-Si-Fá-Dó, é errado. E eu não queria que isso fosse errado.
Porque na verdade quando eu compunha serial eu sentia falta de pilares de ársis
e tésis, tônica e dominante, dissonância e consonância. E aí eu quis fazer uma
correlação para não fazer uma música tonal, e nem folclórica, porque eu já tinha
saído de Guarnieri e não queria mais isso. Eu imaginei a série não mais como
Schoeberg e Webern, mas como escala ou modo. Então (onde está a Cartilha
Rítmica), você tem Dó-Ré-Mi-Fá-Fá#-Sol-Si. Ela não volta, ela vai. Dessa forma
eu crio um modo, uma escala. A última nota vai levar à primeira. E eu criei um
acorde logo sobre a primeira nota, gerando uma matriz que eu vou transpondo.
Mas como os intervalos não são sempre iguais como na escala tonal, tom – tom –
semitom, tem vez que tem uma terça maior, tem vez que tem uma nona, ela é
toda irregular, porém ascendente. Então os acordes nunca são iguais, falando em
termos de intervalos. Mas eles têm uma unidade interna, porque são as mesmas
notas. O Mi que aqui era o topo, vai ser no meio a última nota. Então fica uma
ligação dos 12 acordes seriais, e essa é a origem das Ilhas. Eu escolhia três
acordes e eles ficavam naquela peça como uma ilha, no mesmo lugar. Em
seguida trabalho ritmo e mudo de Ilha (muda de tom), criando uma estabilidade
dentro do movimento estático. Eu vou usar isso pela primeira vez aí nessa obra
(Camaleão), e vou usar em Ilhas, e nas Cartas Celestes. Porque aqueles acordes
da constelação são assim, mas que se articulam ritmicamente.

FS – É uma harmonia estática?

AP – É um objeto sempre igual para você se lembrar dele. Alfa é sempre alfa,
nunca vai ser diferente. E isso aparece pela primeira vez aqui, no Camaleão! Isso
você pode e deve colocar na Tese!

264
FS – Esta técnica está explicada na Cartilha Rítmica?

AP – Eu estou dando aula agora na ULM sobre a Cartilha Rítimica. Mas por terem
feito somente mil exemplares, acabou. Se você puder, faça fotocópia. Eu permito
que faça cópia. Toda minha vida estética está aqui. Tudo aquilo que usei de ritmo,
harmonia, está tudo na Cartilha Rítmica. Esta parte do final é sobre a técnica
serial, serial como Boulez. Mas é um serial que repete, ele se instala em algumas
alturas e fica. Mas ele não vai oitavando, fica parado. Essa técnica eu inventei.
Este coral aqui, por exemplo, é atonal. Essa é a série, e aí eu formei esse acorde
e vou transpondo. E aqui está a matriz. E a novidade também é que depois eu
diatonizo essa série, e coloco Mi maior. Como ele começa com Mi, e aqui não soa
Mi maior porque é atonal, eu “diatonizo”, ou seja, nas notas em que há acidente
elas ficam dentro do Mi maior. Então não vai soar triádico, mas diatônico. E aqui o
coral vem igual, mas diatônico. Isso é uma novidade para a época. Foi uma
técnica que eu criei, para que tivesse maior riqueza quando eu compusesse uma
obra. Não quer dizer que seja uma verdade. É um macete que quando eu preciso,
eu uso, eu organizo assim. Então esse livro é importante para pianistas, para um
compositor tirar idéias, e até para tocar no violão algumas coisas. Dá para
percussão, para quarteto de cordas, para dois pianos. Isso é importante para sua
Tese. Sobre Ilhas, eu estava pensando hoje que é uma obra que vem do
Khamailéon. O Khamailéon é o pai de muitas coisas. Antes do Khamailéon eu
nunca escrevi nada igual. O Khamailéon foi uma espécie de, como se diz no
francês, “mise en page”, colocar na pauta. Tudo aquilo que eu aprendi com o
Messiaen, tudo aquilo que eu havia aprendido sobre Boulez, serialismo, coloquei
numa composição.

Terceiro Movimento

FS – No c.47, essa linha pontilhada é para facilitar as entradas?

265
AP – Como o violão faz um rasgueado, é como a janela aleatória, só que não
coloquei no quadrado como o outro. É um momento meio livre. Essa linha
tracejada é para o maestro dar as entradas, e fica segurando.

FS – Sim, mesmo porque tem uma fermata.

AP – Há na escrita certas incoerências, mas que na época se usava. Era do uso


na época.

FS – E este crescendo no c.66?

AP – É um crescendo para o arpejo.


Eu não vou pedir para você ir fantasiado de camaleão. Além de um concerto, seria
uma instalação. Dá para fazer um balé, coreografado. Com bailarinos com cores
diferentes, no meio de uma floresta. E então além de ser uma tese, seria um
espetáculo performático.

Quarto movimento

FS – Eu tenho dúvidas sobre a percussão do violão. A partir do c.11 são duas


alturas diferentes?

AP – Você sabe que na época em que eu estava compondo, este violonista do


Conservatório de Paris tocou isso para mim e disse que eu tinha que anotar
assim. Eu não sei se é uma percussão na caixa e a outra mais grave... eu não sei,
não me lembro. Mas é tudo percussivo, na madeira.

FS – E no c.27 você entra com este outro tipo de notação, de percussão?

AP – Aqui tem o bambu, que vai tocar assim. Os bambus suspensos. Aqui, no
violão, será que não é a corda...

266
FS – Batendo em cima da corda?

AP – Não, trançar as cordas [gesto com a mão esquerda, e sons fortes]. Algo
assim. Eu tenho impressão que é! Porque eu escrevi 3 4 11, e 6 5 10?

FS – Esta é uma das minhas dúvidas

AP – Será que é um dedilhado específico? Eu não iria colocar isso aleatoriamente!


Eu perdi a bula. Existia uma bula! [ainda com relação à escrita percussiva] Eu
acho, Fabio, que é a corda que faz aquele barulho dissonante. Como tudo é
pianíssimo, o efeito vai ficar muito interessante. Aqui no c.50 é para bater. Um
cluster. Isso aqui tudo, entre os compassos 51 e 54, é igual.

FS – Bater nas cordas, tambora?

AP – É! E aqui é uma escrita em três pentagramas de um violão só. E aí são as


Ilhas! Ilhas como a técnica principal. Você não muda dedilhado, não muda o
acorde, nada. O Messiaen achou uma escrita que não era de violão, mas eu
queria que fosse assim.

FS – Mas facilita muito a leitura, porque você separa bem as cordas nos
pentagramas: a 6a e 5a, 4a e 3a, e 2a e 1a cordas. Então fica bem separado!

AP – É uma escrita de certa maneira mais pianísitca, mas eu quis usar no violão.
Porém, no decorrer do teu doutorado, aquilo que não for violonístico que precise
mudar ou que deva mudar, alguma coisa puramente técnica, você me consulta
que eu autorizo. Tudo soa aí, mas eu não tenho certeza. E então você faz como
minha filha, a Constança: “papai, ligaram de Nova York. Isso aqui não dá!” E pelo
telefone eu falo: “o que é que dá?” E altera. Não é questão de inspiração, não dá!
E soa mal. Então eu acho que isso vai soar bem, acusticamente falando. Porque
fica uma coisa que mexe, mas parado, como um móbile.

267
FS – Então nessa percussão ocorrem dois tipos de sonoridades diferentes?

AP – É, um na madeira, como se usava na Europa naquela época, e depois um


som indeterminado, quando se cruzam as cordas. Isso eu me lembro que ele
mostrou para mim. Ele me deu uma aula. Como ele iria tocar, eu dei para ele a
cópia, acho que ele achou difícil, nunca tocou, sumiu, e a obra foi para a editora.
Então agora é o retorno do Camaleão.

FS – Você prefere que eu use o título em Português ou como no original?

AP – Você pode usar o título em grego. Mas consulte um dicionário grego para
conferir se eu escrevi certo. Não no alfabeto grego, mas a fonética. Na França era
assim: Khamailéon.

FS – Então esses números você realmente não lembra, não é Almeida, 3 4 11, e 6
5 10?

AP – Não. Seria a mesma coisa se você encontrasse uma sinfonia de Beethoven,


a décima, e lidar com coisas que Beethoven fez sem deixar bula. Você vai ter que
imaginar como é que seria. Se ela tivesse sido tocada, pelo menos uma vez, por
esse Ponce, ainda que fosse uma gravação com chiados, seria algo que você
poderia ouvir. Mas esta obra até agora não existe. Ela vai existir. É uma tese muito
original! Eu posso ir caminhando com você nesse trabalho. Eu sei tanto quanto
você. Eu não sei o que quer dizer esses números. Deve ter tido uma razão na
época. Eu fiz para violão de seis cordas, e não de 11. Tem dez cordas naquele
acorde cluster?

FS – Não, seis cordas.

AP – Então é isso, porque poderia ser um violão de 12 cordas qualquer que


tivessem inventado em Paris na época, mas não é o caso.

268
FS – Então no c.50 é batendo nas cordas, certo?

AP – Você prepara o acorde com a mão esquerda, e bate nas cordas com esse
ritmo aqui.

FS – Então são todos com esse acorde aqui, preparado antes do c.50.

AP – Sim. E é isso que lembra as Ilhas. É uma ilha. E você vai dizer na sua tese
isso, que remete às Ilhas, que é posterior ao concerto. De certa maneira, Fabio, eu
já tinha uma escrita minimalista antes de ser criado o minimalismo. É uma forma
de minimalismo, porém com uma rítmica muito rica. Mas é um minimalismo
harmônico. Sobre a tese, a única utilidade de um doutoramento, primeiro porque é
um trabalho que não tem outro. No mestrado você pode fazer um trabalho que
outro já fez mostrando outra coisa, isso é uma dissertação. Doutoramento tem que
ser virgem. E nesse caso do Khamailéon é virgem em tudo! A obra não foi tocada,
a obra não é conhecida, só você tem, então é tudo de primeiríssima, é o próprio
doutoramento! Então imagens que você pode ver, cores que imagina do
camaleão, a orquestra como cenário, isso tudo enriquece as metáforas para quem
vai ler a tese. Interessante! E não ficar naquela coisa “Dó-Fá-Sol-Ré, depois fica
Lá-Dó-Ré-Fá...” Isso é chato! Tem que ter, mas as vezes você tem que esquecer.
Coloque um pouco de poesia!

FS – Essa escrita que você falou, que é quase minimalista, ajuda muito a criar
esses ambientes do camaleão, porque é pela repetição que são gerados os
ambientes, as cores.

AP – É uma repetição em constante transformação rítmica! Mas o acorde é igual.


É um minimalismo harmônico com uma variedade de mudanças rítmicas. Isso é
uma coisa para um capítulo! Pra isso você pode usar a Cartilha Rítmica também,
as Ilhas, Cartas Celestes. Porque a Sonata para violão não tem nada a ver com

269
isso! É um neonacionalismo, não tem nada a ver. É um violão muito mais Villa-
Lobos do que isso aí. Essa obra vai agitar o meio violonísitico!

Quinto movimento

AP – Esse quinto movimento o Messiaen dizia que parecia o quadro Natureza


Morta de Gauguin. É tudo solto, suave, não é nada forte.

FS – Esse início é uma transição do quarto movimento? Em seguida fica o violão


em duas vozes, e duas clarinetas. É uma espécie de contraponto a quatro vozes.

AP – É. Isso é tão vazio, que Messiaen teve um ataque quando viu. Ele falou
assim: “como é possível uma coisa tão nua!” Ele toucou no piano e disse: “isso me
faz pensar naquelas pêras magras de Gauguin!” E eu disse: “ainda bem que você
falou em Gauguin, assim eu fico contente”. E ele disse: “mas isso aqui dá um
contraste maravilhoso para o que vem depois”. É um momento parado, ele adorou
isso! E só de ver a partitura, me lembrei do Gauguin. Isso você pode dizer na tese,
sobre o quadro A Natureza Morta de Gauguin, porque não tem muita cor, é meio
apagado. Não é uma pêra vermelha, porque essas cores vibrantes têm nos outros
momentos do Camaleão, aí não. Vai ver o camaleão estava numa horta pobre,
seca, em estiagem.

Sexto movimento

FS – Porque o sexto movimento se chama Memorial?

AP – O memorial é, na verdade, uma reexposição livre de tudo o que aconteceu,


assim como acontece no concerto. É onde os temas são lembrados. Seja em uma
cadência, que também vai ter aí, seja na lembrança de objetos em volta, como
uma memória mesmo. Mas não é cópia idêntica, não é uma reexposição idêntica,
copiada, ela é imaginativa, criativa.

270
FS – Eu imagino que isso aqui deva soar muito bem, o violão em harmônico com o
vibrafone.

AP – Você sabe que quando o compositor está escrevendo, tem momentos em


que, aquilo que é genial na obra, surge de repente. Aqui eu não pesquisei, foi
intuitivo. Mas foi intuitivo porque já existia isso antes, uma conseqüência do
esforço do começo. Então há momentos que eu chamo momentos de dom, em
que você recebe quatro compassos do céu, e que vai ser genial, mais do que
aquilo que veio antes e que foi super trabalhado. Mas se não tivesse o antes, isso
não surgiria. É uma espécie de intermezzo, para respirar, mas que eu não pensei.
Tudo nessa obra é muito pensado.
Agora você vê os compasso que eu uso, 23/16? Isso tudo você vai
encontrar na Cartilha Rítmica. Isso tudo é influência do Messiaen. A influência não
da música dele, mas da concepção que ele tem de tempo, que vem das falas
Hindus, dos ritmos gregos, é uma coisa muito longa, e que você não vai ouvir vinte
e três nunca, mas você organiza em vinte e três. E isso aqui é uma Ilha (c.2, c.7).
E essa organização (de movimento e repouso) é ársis e tesis. É outro momento
absolutamente genial! E eu não tenho falsa modéstia de quanto eu gosto mesmo.
A Hilda Hilst era uma grande poetiza, e ela dizia assim: “você não acha
absolutamente genial esse meu poema?” E a pessoa não tinha que dizer nada, ela
já disse que é genial! E nem conteste! Não dá para contestar na frente assim.

FS – Porque que o sétimo movimento se chama Ia?

AP – É porque é a lembrança do começo.

FS – É como um outro memorial? Porque aqui tivemos um memorial já.

AP – Não, isso aqui ainda é o Memorial! Então é a lembrança do começo da obra.


É como colocar A - B - A1.

271
FS – São seis movimentos então?

AP – Sim.

FS – Tanto que aqui você acaba com esse acorde no vibrafone e continua em Ia.
Não havia reparado nisso.

AP – Isso aqui vai fazer “fuá”, essa cadência maravilhosa.

FS – Eu gostaria de falar com você sobre os andamentos. Aqui está claro,


primeiro movimento, semínima = 120. O segundo movimento está em aberto.

AP – Eu tenho a impressão que aqui (segundo movimento) é 60, ou 69. Por que
para fazer isso, se for muito rápido não vai sair. Pode colocar sessenta ou um
pouco mais.

FS – E no terceiro movimento eu tenho dúvida, porque você coloca 144 - 160.

AP – É entre um e outro. Um ou outro. Esse é rápido.

FS – O restante você já me respondeu, porque tem 72 - 80;

AP – É, se você conseguir tocar 72, pode. E o mais rápido também pode, mas não
mais que 80, nem menos que 72. Você escolhe entre essas possibilidades.
Na execução, use microfone para o violão ficar um grande camaleão!
Porque eu não estou usando orquestra de câmera, é uma orquestra inteira! E o
Messiaen falou assim: você pensou que talvez pudesse ser para piano e
orquestra? E eu falei: não, eu pensei violão. Eu ouvia violão.

FS – Porque você resolveu escrever um concerto para violão e orquestra, sem


jamais ter escrito nada antes para o instrumento?

272
AP – Eu já comecei com isso!
O Ponce era professor do Conservatório de Paris onde eu estudava. Acho
que ele achou difícil. Na verdade ninguém fazia 23/16. Quem na época estava
transando o violão contemporâneo? Pensa bem, o Brouwer? Em 1970? Não, acho
que não era o Brouwer ainda não! Em 1970 nenhum compositor brasileiro fez uma
obra dessa para violão.

FS – Eu estou fazendo um levantamento de concertos para violão e orquestra


escritos por compositores brasileiros entre as décadas de 50 e 70, considerando
esta geração do pós-guerra. Pós Boulez, Stockhausen, até o final da década de
70. E foram poucos os concerto para violão. Tem basicamente Radamés Gnattali,
mas que não tem nada a ver com a linguagem do camaleão. Estou então
concluindo que o Camaleão é o único concerto brasileiro contemporâneo nessa
linguagem.

AP – E que tem uma linguagem realmente contemporânea. Não tem seresta,


baião, nada disso! Não que eu seja contra, mas não tem! É novo. É pensado o
violão de uma maneira completamente nova. Vanguarda. Isso era uma obra para
ter sido tocada pelo Ponce e ter aberto portas para mim em Paris que não abriram!
Como abriram para o Stravinsky a Sagração, para mim fechou. Eu fiquei um aluno
até voltar para o Brasil, e as coisas aconteceram depois. Mas isso não teve
repercussão nenhuma, tanto que ficou guardada. Porque? Na verdade eu me iludi
com esse Ponce. No fim ele não se interessou, era moderna demais a obra. Não
era Cubana demais e nem “muchacha” demais, do violão espanhol. Era uma coisa
anti-violão de certa maneira. Mas é assim, tem obras que são a “bela adormecida”.
Agora é o tempo dela. Nada me levou a redescobri-la, foi por acaso, com o Fábio
Shiro.

FS – Uma outra coisa, a respeito da transição entre os movimentos. Há


movimentos que parecem ser ligados uns aos outros.

273
AP – Raramente pára tudo e recomeça. O primeiro movimento acaba com um
barulhão, e ataca. Aqui (final do primeiro movimento) deveria estar escrito ataca.
Veja o Xilofone, o material do segundo movimento. Como não foi feito material e
não foi tocada, eu não fiz revisão. Até está muito bem escrita, mesmo sem a
revisão.

FS – Nós pretendemos fazer a digitalização.

AP – E tocar!

FS – Exato, além de ver se precisa fazer alguma revisão.

AP – Se precisar fazer é só alguma coisa técnica, sem mexer na estrutura. Porque


ela é o que está aí.

FS – Então, sobre isso, gostaria que você olhasse se a flauta em Sol não está
muito aguda.

AP – Tem que ver se eu não quero um som absolutamente gritado, que não é um
som bonito. É um grito. Tem que experimentar se ela faz esta nota.

FS – Nós mostramos para um flautista e ele disse que não alcança.

AP – Então se for possível, tire a oitava. Não na flauta em Dó, mas na flauta em
Sol. Vai soar aquele Lá na primeira linha suplementar superior, que já é muito
agudo. Isso é algo que pode ser feito, não muda em nada a obra. Esse Lá vai ficar
em dissonância com a clarineta, está muito bom. Mas não tire a intenção que é um
grito.

FS – Então, se não der para fazer um Lá oitava acima, faz sem oitavar.

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AP – Sim. O resto deixa com está. Porque é um esforço, um fortíssimo gritante. É
um ruído. E em Ia retorna o motivo do grito. Começa com um grito. Um pássaro,
uma araponga, um macaco, uma coisa assim. Uma coisa ecológica.

FS – Foi sugerido ainda que o instrumentista tenha as duas flautas, em Dó e em


Sol, e então usaria neste momento a flauta em Dó, e depois trocaria pela flauta em
Sol para tocar o restante.

AP – Acho melhor! Porque é um grito! Esse cluster no agudo é um grito, então é


melhor fazer com a flauta em Dó. E tem momentos que a flauta vai fazer coisas
graves, e então use a flauta em Sol. Você está vendo, é preciso montar a obra!

FS – Então a transição entre os movimentos é sem interrupção?

AP – Sim.
É um trabalho semelhante àquele que o Fiorini teve na Sinfonia dos Orixás.
Ele teve que corrigir muitas coisas. Trechos que estavam mal escritos,
incompletos. Foi um trabalho além da análise, como será o seu! Sorte dele que já
havia sido tocada e gravada, havia uma referência. Esta não tem! Vai ser a
primeira vez!

FS – Você lembra de mais algum dado histórico da obra que seja relevante?

AP – Foi uma encomenda informal do Alberto Ponce, que não sei que fim levou,
que não tocou, e que não está mais dedicada a ele. Eu já retirei a dedicatória.

FS – A dedicatória não aparece escrita em lugar nenhum.

AP – Não. Até que eu esperei muito para retirar, 38 anos. Guarnieri esperava um
ano, não tocou, tira. Mas é lógico, pense bem, a pessoa não tem tempo de fazer?

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O Edino [Krieger] me contou que não dedica nada a ninguém. A não ser que esse
alguém toque uma, duas, três, quatro vezes. Então merece. Mas antes, não. Eu
tenho quantas obras para piano que até hoje não foram tocadas? A Sonata nº1 é
dedicada ao Dagoberto Linhares, e ele tocou muitas vezes. A Sonata Tropical,
para dois violões, o Fábio tocou bastante, e foi gravada com um duo do Rio de
Janeiro no disco “O Som de Almeida Prado”, muito bem tocada. Mas essa
dedicatória eu não tiro! E o Turíbio tocou e gravou o Livro para seis cordas. Acho
que o Turíbio nem sabe da existência do Khamailéon.

FS – Acho que poucas pessoas sabem.

AP – Ninguém sabe! Nem eu mais sabia! Quando o Fabio me ligou da Alemanha,


eu disse: “mas eu não tenho nenhum Camaleão, o Camaleão que eu tenho é para
canto”. E ele disse: “violão e grande orquestra”. E eu falei: “você é louco!” E ele
disse: “eu te mostro”. Faz uns 5 anos isso. Ele pegou na Tonos.

FS – Como você pensava nesta época a questão da forma? Você não pensa em
formas pré-estabelecidas?

AP – Não. Antes da minha viagem a Paris eu escrevi muita coisa formal.


Variações formais, a primeira sonata para piano, formas sonata... Nesse período
na França eu quis me libertar de formas antigas, e ter uma linguagem livre. Mas
nem por isso mal construída. Aliás, muito bem construída, uma nova maneira de
construir. Tanto que as Cartas Celestes não tem forma de sonata, mas cada
objeto tem uma relação. Não é uma sonata, mas é uma construção. Já a partir de
1984 eu voltei a fazer sonata com cara de sonata, eu voltei ao tonalismo, com
meus Poesilúdios, Noturnos, em uma linha pós-moderna. Não somente revisitei o
tonalismo, mas também as formas associadas ao sistema tonal. E agora eu estou
numa fase de síntese. Mas o Camaleão pertence à fase quando eu estou livre, de
criar tudo. Tudo é criado. Até o nome! Não é concerto para violão e orquestra, é

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Camaleão. O Messiaen teve um orgasmo, porque ele tinha horror de coisas
tradicionais.

FS – E você prefere que se utilize o subtítulo “Fantasia para violão e orquestra”,


ou “Concerto para violão e orquestra”?

AP – Fantasia, porque assim o público não fica tão perdido e não me cobrarão A B
A. Pode ser qualquer coisa! Mas a Nádia [Boulanger] não gostou da obra. Mostrei,
e ela achou muito desorganizada. Mas de Ilhas ela gostou! Ela não enxergava
mais, estava quase cega. Então com ela no piano, para mostrar o Khamailéon, era
quase impossível. Como é que vou mostrar hamônicos, com vibrafone, pizzicato,
uma tuba? No piano fica tudo igual, fica uma confusão! Mas se ela ouvisse, iria
gostar, tenho certeza. Já Cartas Celestes para piano ela adorou, porque é para
piano, é diferente. Mas aquilo que tem textura de orquestra, no piano,
principalmente a textura atonal, isso morre. Não é uma sinfonia de Beethoven em
Dó menor, que eu posso tocar no piano. Depende muito do som mesmo, das
misturas. Messiaen viu, ele lia e ouvia, devido à sua prática, e ele adorou. Não
colocou nenhum defeito!

FS – Uma das coisas que você fala na sua tese, a respeito da redundância, é de
que o ouvinte assimila pela repetição. O tempo para o ouvinte assimilar.

AP – Sim, assimila pela repetição. Quando você tem uma situação em Dó maior, o
ritmo harmônico dá tempo de você degustar aquele longo período em Dó maior,
antes que ele vá para Sol maior ou para Mi maior. Na música atonal não há
tempo, porque o tempo todo está mudando, é uma perpétua variação. Com esse
método meu, eu permaneço com um acorde atonal por muito tempo, e esse muito
tempo faz com que o ouvinte absorva os intervalos, na permanência dessa
dissonância, do bloco, por mais tempo do que todo mundo usa. Então ela se torna
mais sonante, mais consoante, pela repetição, mesmo que seja um cluster. De
tanto repetir, ele vai criando harmônicos pela redundância, pela repetição. E isso é

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na verdade a necessidade que teve o minimalismo: uma volta ao tonalismo, à
redundância e à repetição, anti Boulez e anti Stockhausen. Foi uma linha dos anos
oitenta para cá, de Steve Reich e Phillip Glass. Foi o exagero, mas foi eficaz, teve
uma razão de ser. Quando apareceu Schoenberg hierarquizando o atonalismo,
surgiu na época que tinha que surgir. Teve que ter Tristão e Isolda antes, e teve
que ter grandes sinfonias de Malher, Pierrot Lunair, e a Suíte Op.25, que é
absolutamente dodecafônica. Não foi do dia para a noite!

Depois você volta para vermos outras coisas, porque você vai estar
trabalhando a música. O Fiorini que é o seu orientador? Maravilha! Primeiro
porque ele toca violão, segundo porque ele é maestro, e grande maestro, e gosta
da minha música. Você assistiu ele fazer com a Niza, que maravilha que foi? Foi a
estréia. Você sabe, Fabio, eu não sou um compositor que fica correndo atrás do
interprete mendigando que toque. Eu achava que tinha que ser assim. Mas depois
de tantos maestros esquecerem partituras da orquestra no camarim, pianistas que
esqueciam no hotel, e me ligavam dizendo: “tem uma sonata aqui que alguém
deixou no quarto”, ou “tem uma sinfonia que o maestro deixou no camarim”, nunca
mais eu dei nada para ninguém. Tem que me procurar, me pedir, e eu tenho que
pegar o pulso e achar que realmente há interesse. Porque eu não perco meu
tempo para me frustrar! Para que? Eu fico contente que a obra esteja aí, mas eu
não morri até hoje porque ninguém fez o Camaleão! Eu tenho que estar unido à
obra, e ao mesmo tempo solto, porque não me pertence mais. Ela agora é sua,
você que vai trabalhar ela e tocar. Então quando perguntam para mim se quero
compor um concerto para piano e orquestra, eu falo não! Porque não se chega
para um compositor pedindo desse jeito. Eu vou numa loja de marca e peço um
terno. Custa sete mil reais, e não vou sair sem pagar! Então se a pessoa
consegue tantos mil reais, não importa como, e pede um concerto, aí eu vou
pensar! Mas na porta do municipal ou da Sala São Paulo, não. Toque a Aurora
que já está escrito! Pode tocar o que quiser! Eu tenho doze sonatas para piano!
Doze!

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