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Introdução
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Até o século XIX, os juristas, imbuídos pela ideia de que ação e processo eram simples
matérias do direito substancial, não visualizam a possibilidade de a ação ser colocada
em um plano distinto do plano do direito material. Assim, em decorrência desse
entendimento a ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito
reagindo a uma violação (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 272). À
época se afirmava que a ação nada mais seria do que o direito de alguém perseguir em
juízo o que lhe é devido, ou seja, conforme lecionava Savigny, um dos maiores
expoentes dessa corrente, não podia haver ação sem direito, nem direito sem ação
(MARINONI, 2008, p. 159). A ação revela-se, então, como uma qualidade inerente ao
direito[1].
Importante ressaltar que essa teoria é reflexo de uma época em que não se
considerava ainda o direito processual como ciência autônoma, sendo o processo civil
mero apêndice do direito civil. Assim, a ação era considerada o próprio direito
material depois de violado (CÂMARA, 2003, p. 134). Nesse período, alguns
doutrinadores viam a ação como uma face do direito material ou como o direito
material violado em estado de reação, enquanto outros a explicavam como um direito
novo, derivado da violação do direito material, tendo por conteúdo uma obrigação do
adversário de fazê-la cessar. Esse direito novo era concebido como um direito que,
nascendo da violação do direito material, deveria ser exercido contra o violador, e
assim estava muito longe de constituir um direito autônomo em relação ao direito
material (MARINONI, 2008, p, 160).
Com efeito, a inegável contribuição de Muther foi afirmar que embora a estrutura do
processo tenha variado de forma substancial, manteve-se o direito do prejudicado
exigir a tutela jurisdicional em face do Estado. É, de fato, nesse sentido a conclusão de
Muther: "até podemos afirmar que esse direito é hoje ainda mais incondicional do
que antes, pois qualquer pessoa pode invocar o processo afirmando simplesmente ter
havido lesão a um direito" (apud SILVA; GOMES, 2002, p. 22).
Então, a partir dessa polêmica entre Muther e Windsheid surgiu a noção de que o
direito material e o direito de ação seriam distintos, este último devendo ser
entendido como um direito à prestação jurisdicional. Surgem a partir daí inúmeras
teorias sobre a ação, todas elas com este caráter dualista, ou seja, todas defendendo a
autonomia do direito de ação em relação ao direito material (CÂMARA, 2003, p. 135).
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Para os defensores da ação como direito concreto à tutela jurisdicional, este direito
público subjetivo, embora diverso do direito material lesado, só existe quando
também exista o próprio direito material a tutelar. Em outras palavras, para essa
corrente, embora o direito material seja agora desvinculado do direito de ação, aquele
é pressuposto para esse. Assim, a ação seria o direito à sentença favorável, isto é, o
direito público voltado contra o Estado, de obter uma proteção pública para o direito
subjetivo material. Os maiores expoentes dessa teoria foram, entre outros, Wach,
Bulow, Hellwig e Chiovenda (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 65).
E foi Wach, ainda na Alemanha que elaborou a teoria do direito concreto à tutela
jurídica. Para ele, a ação é um direito autônomo, não pressupondo necessariamente o
direito subjetivo material violado ou ameaçado, como demonstram as ações
meramente declaratórias em que o autor pode pretender uma simples declaração de
inexistência de uma relação jurídica. Entretanto, como a existência de tutela
jurisdicional só pode ser satisfeita através da proteção concreta, o direito de ação só
existiria quando a sentença fosse favorável. Nesse mesmo contexto, Bulow afirmava
que a exigência de tutela jurisdicional é satisfeita pela sentença justa (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 272-3).
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ônus para o outro, o qual nada deve fazer, mas também nada pode fazer a fim de
evitar tal efeito (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 273).
Nesta senda, segundo Chovienda, a ação deve ser entendida como um direito
concreto atual, existente antes do processo e precisamente como uma potestad
jurídica para obter, contra o adversário, um resultado favorável no processo. A ação,
como todos os direitos potestativos, é um poder meramente ideal, ou seja, um poder
de querer determinados efeitos jurídicos (SILVA; GOMES, 2002, p. 71).
Conclui-se que para essa teoria, a ação se destina a provocar um efeito jurídico contra
o adversário, derivado da sentença de procedência que faz atuar a lei. De modo que a
ação, ao levar à atuação da lei e, por consequência, fazer produzir efeitos jurídicos
sobre o réu, estabelece uma relação de poder entre o autor e o réu. A ação seria um
poder em face do adversário mais do que um poder contra o adversário. Por
conseguinte, para Chiovenda, a ação é um direito potestativo, ou seja, um direito que
não tem como conteúdo uma obrigação alheia; a ação é um poder que sujeita o
adversário (MARINONI, 2008, p, 168).
Por outro lado, firmada a autonomia do direito de agir em relação ao direito material,
alguns juristas passaram a pensar sobre a situação do autor que, movimentando o
juízo, chega a uma sentença que nega a existência do direito material. Assim, Plósz e
Degenkolb entenderam que o direito de agir não exclui a possibilidade de uma
sentença desfavorável, que então restou qualificado por Plósz como “direito abstrato”.
Para esses juristas, o direito de agir é, além de autônomo, independente do
reconhecimento do direito material (MARINONI, 2008, p. 164-5).
Nesse sentido, Degenkolb diz que, em face de qualquer conflito, um dos litigantes tem
o poder de levar o outro para diante do juiz e, assim, que o réu tem a obrigação de
participar do processo. Além disso, argumenta que o que obriga o réu a participar do
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processo é o direito de agir, que nada tem a ver com o direito material. O fundamento
desse direito de agir é a própria personalidade do autor, porque dessa vem a
consciência ou a convicção subjetiva ao direito, ou mais precisamente a aspiração ao
direito, o direito ao direito, em relação ao qual a efetiva existência do direito material
é meramente acidental (MARINONI, 2008, p. 165).
Paralelamente, Plósz entendeu que o direito abstrato de ação exige apenas a boa-fé do
autor, embora tenha sustentado a existência de dois direitos de ação, um processual,
de caráter público, e outro material, identificado com a pretensão de direito material.
Dessa forma, Degenkolb e Plósz sustentaram a idéia de que o direito de agir é
antecedente ao seu exercício, que se daria através da demanda (MARINONI, 2008, p.
165).
A esse respeito, Ovídio Baptista e Fábio Gomes (2002, p, 73) trazem a conclusão de
Degenkolb acerca do direito de ação: “em razão da manifesta inconveniência do
exercício da chamada justiça de mão própria, expõe Degenkolb, proibiu-a o Estado,
assumindo ele esta grave tarefa, mediante a função jurisdicional. Ao cidadão,
impedido de exercê-la diretamente, foi concedida a ação judicial, que representa,
assim, o preço pelo qual renunciou à defesa privada”.
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mesmo, o que significa dizer que todos teriam o direito de provocar a atuação do
Estado-juiz, a fim de que se exerça a função jurisdicional (CÂMARA, 2003, p. 138).
Em suma, o direito de ação seria o direito à composição do litígio pelo Estado, que,
por isso, não depende da efetiva existência do direito material da parte que provoca a
atuação do Poder Judiciário. Mesmo quando a sentença nega a procedência do pedido
do autor, não deixa de ter havido ação e composição da lide. É, assim, suficiente, para
o manejo do direito público de ação, que o autor invoque um interesse abstratamente
protegido pela ordem jurídica (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 65).
A teoria eclética do direito de ação tem como seu maior expoente Liebman. Esse autor
definiu ação como direito subjetivo instrumental e, mais do que um direito, um poder
ao qual não corresponde a obrigação do Estado, igualmente interessado na
distribuição da justiça; poder esse correlato com a sujeição e instrumentalmente
conexo com uma pretensão material (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p.
275).
A ação como direito de provocar o exercício da jurisdição deve ser tida, segundo
propugna Liebman, como direito de provocar o julgamento do pedido, ou seja, a
decisão da lide, ou, em suma, a análise do mérito (SILVA; GOMES, 2002, p. 70).
Liebman também destaca a existência de um direito constitucional que garante que
todos os cidadãos possam acionar a função jurisdicional do Estado[3]. Entretanto,
esse direito de agir garantido constitucionalmente não se confunde com a ação, pois
essa, embora se funde no direito constitucional de acesso aos tribunais, em si mesma
nada tem de genérico. Pelo contrário, guarda relação com uma situação concreta,
decorrente de uma alegada lesão a direito ou a interesse legítimo seu titular e
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Assim como nas teorias da ação como direito autônomo, na teoria eclética a ação
independe do reconhecimento do direito material ou de uma sentença favorável. A
ação constitui apenas direito ao julgamento do mérito, por conseguinte atinge sua
completude com uma sentença tanto favorável como desfavorável. Com efeito, o que
realmente importa para a configuração da ação é a presença de suas condições, que a
princípio foram apresentadas por Liebman como legitimação para agir, interesse de
agir e possibilidade jurídica do pedido, que posteriormente foram reduzidas por ele
apenas à legitimidade para agir e ao interesse (MARINONI, 2008, p. 171).
No que pertine a legitimação para agir Liebman a define como a titularidade ativa e
passiva da ação. Dessa forma, a legitimação individualiza a pessoa a quem pertence o
interesse de agir. Outrossim, dessa condição decorre o entendimento de que apenas o
titular da ação pode exercê-la, e tratando-se de direito a ser exercido necessariamente
com referência a uma parte contrária, também esta deve ser precisamente a pessoa
que aparece como titular de um interesse oposto, ou seja, aquele sob o qual incidirá
os efeitos do provimento pedido (MARINONI, 2008, p. 172).
Tais condições são requisitos para a existência da ação, de sorte que ausente qualquer
uma delas há carência da ação. Nesse ínterim, Liebman leciona que as condições da
ação são os requisitos constitutivos da ação, de modo que na presença deles, esta deve
ser considerada existente, como direito a provocar o exame e a decisão do mérito.
Não obstante, posteriormente, essa decisão poderá ser tanto favorável como
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5. Considerações Finais
Além dessas, ergue-se a teoria da ação como direito autônomo e abstrato que diz que
não deixa de haver ação quando sentença justa nega pretensão autoral, bem como
quando sentença injusta procede ao pedido do autor sem haver direito subjetivo
material correspondente. Porém, acaba confundindo direito de ação com direito de
petição.
Por fim, desenvolve-se a teoria eclética da ação que assevera que o direito de ação é
autônomo, ao passo que não está vinculado ao direito material a não ser pelas
condições da ação expostas pela teoria. Todavia, essa teoria erra no instante em que
afirma que somente existe ação e jurisdição quando estão presentes as condições da
ação.
Com efeito, as condições da ação somente podem ser requisitos para o seu pleno
exercício, ou seja, esses requisitos relacionam-se diretamente com o mérito e, dessa
forma, não podem ser considerados requisitos para a existência da ação.
Portanto, as condições da ação são requisitos somente para o pleno exercício da ação.
Apesar dessa falha, a teoria eclética é a mais acertada para explicar esse fenômeno
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jurídico complexo. Tanto é verdade, que essa teoria é adotada, ainda que de forma
mitigada, pelo nosso Código de Processo Civil.
Referências Bibliográficas
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – vol. 01. 9ª ed.,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil.
3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[3] Nesse sentido, dispõe a CFRB/88 em seu artigo 5º: “XXXIV - são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos
Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
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