Resumo: O neoliberalismo, ao reduzir o papel do Estado nas políticas públicas, acarreta uma
sobrecarga de cuidados para as mulheres. Essa sobrecarga aprofunda a desigualdade no mundo do
trabalho, criando obstáculos à capacitação e para a representação política das mulheres. A
sobrecarga também acarreta culpa e sacrifícios para as mulheres em sua tentativa de afirmar sua
cidadania plena, ficando mais vulnerável ao estresse e outras doenças, como a síndrome de pânico.
O neoliberalismo coloca um novo impasse para a sociedade: se o Estado abre mão de seu papel nas
políticas públicas, não pode culpabilizar ou responsabilizar a mulher para assumir essa
responsabilidade. Uma nova articulação entre a vida privada e o mundo do trabalho torna-se
necessária para que se possa preservar o direito de ambos os sexos de usufruir ambos os mundos,
sem sacrifícios individuais. Nesse caso, haveria de ser considerada, de modo mais profundo, a
existência de uma “subjetividade coletiva” e de uma dimensão ideológica, que não respondem de
maneira tão rápida, como as mudanças na superestrutura juridico-política. São fundamentais ações
educativas e transformadoras.
...quando o homem toma parte na vida pública abre para si uma dimensão
de experiência humana que de outra forma lhe ficaria impedida e que de
certa maneira constitui parte da felicidade completa.
(ARENDT, 2005)
Chocou a todas nós, feministas, quando a esposa do presidente Temer foi apresentada à
sociedade como “Bela, Recatada e do Lar”. No momento em que quase metade da força de trabalho
é de mulheres e elas estão em todas as esferas, ainda que sub-representadas na política e no poder, é
quase inimaginável para nós acreditar que este é o lugar da mulher. Uma vez que nossa visão é de
que o lugar da mulher, hoje, é onde ela quiser.
Esse papel apresentado e cultuado expressa justamente a visão conservadora do novo
governo golpista, cujos primeiros atos incluíram a extinção do Ministério da Mulher, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos. A visão da mulher-objeto, do lar, recatada, condiz com o atual
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Mestra em Serviço Social pela UERJ e especialista em Políticas Públicas e Governo pela UFRJ, Rio de
Janeiro, Brasil. Psicóloga, jornalista, ex-Secretária de Políticas para as Mulheres do Município do Rio de Janeiro,
Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisa da União Brasileira de Mulheres (UBM), Assessora de Gênero do
Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro.
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A vida privada ficou à margem dos avanços no espaço público, a sociedade continua
organizada como se a mulher estivesse apenas em casa, afirma Rosiska Darcy de Oliveira (2003).
Apesar desse impasse, a mulher esta longe de pensar em abrir mão das conquistas alcançadas. De
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E o neoliberalismo?
O fato é que as mulheres avançaram em sua presença no espaço público, mas mantiveram a
dupla jornada que afeta suas vidas e aumenta seus impasses, estresse e sobrecargas. Para
entendermos como o neoliberalismo aprofundou essa sobrecarga e trouxe uma ameaça de retrocesso
na condição da mulher, é necessário abordarmos em que consiste a ameaça da ideologia neoliberal
no mundo. Segundo Atílio Boron (1999), essa ameaça pode ser vista em quatro dimensões:
a) A avassaladora tendência a mercantilização de direitos e prerrogativas conquistados pelas
classes populares ao longo de mais de um século de luta, convertido agora em “bens” ou “serviços"
adquiríveis no mercado. A saúde, a educação e a seguridade social, por exemplo, deixaram de ser
componentes inalienáveis dos direitos de cidadão e se transformaram em simples mercadorias
intercambiadas entre “fornecedores" e compradores à margem de toda definição política; b) O
deslocamento do equilíbrio entre mercados e Estado, um fenômeno objetivo que foi reforçado por
uma ofensiva no terreno ideológico que “satanizou” o Estado ao passo que as virtudes dos mercados
eram exaltadas. Qualquer tentativa de reverter esta situação não só deverá enfrentar os fatores
estruturais, mas também, ao mesmo tempo, se haver com potentes definições culturais solidamente
arraigadas na população, que associam o Estatal ao mau e ineficiente, e os mercados ao bom e
eficiente; c) A criação de um “senso comum” neoliberal, de uma nova sensibilidade e de uma nova
mentalidade que penetraram profundamente no chão das crenças populares. Temos,
consequentemente, por um lado, crenças e mentalidades ganhas pela pregação neoliberal e, por
outro, teorias e ideologias que avalizam e reforçam as primeiras e, simultaneamente, exprimem e
defendem com grande eficácia os interesses do capital; d) Importante vitória no terreno da cultura e
da ideologia, ao convencer amplíssimos setores das sociedades capitalistas de que não existe outra
alternativa. Essa operação ideológico-cultural é o coroamento da ofensiva econômica e política do
grande capital: não apenas se diz que a escravidão do trabalho assalariado não é assim, mas que é a
“ordem natural” das coisas. Além disso, é rejeitado como ilusório fantasioso todo discurso que se
atreva a dizer que a sociedade se organiza de outra maneira (BORON, 1999).
A evolução da realidade desde o início dessa política vai evidenciando que o projeto
ideológico do neoliberalismo é essencialmente conservador, que procura defender e aumentar os
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Torna-se claro porque Juliet Mitchel (1967) considera que a total emancipação das mulheres
é a revolução mais longa. Nesse sentido, as desigualdades entre mulheres e homens só serão
superadas com mudanças radicais e de fôlego.
O contraditório se impôs na vida das mulheres. Há quem diga que elas foram com muita
sede ao pote da liberdade e das novas responsabilidades sociais e que muitas delas estariam
percorrendo o caminho de volta ao lar. Mas, na verdade, as mulheres atravessaram uma fronteira e o
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Astract: Neoliberalism, by reducing the role of the state in public policies, entails an overload of
kare for women. This overload deepens inequality in the work, creating obstacles to the
empowerment and political representation of women.The overhead also entails guit and sacrifices to
women in their attempt to assert their full citizenship, becoming more vulnerable to stress and other
diseases such as panic syndrome.
Keywords: Neoliberalism. Public policies. Care. Overload.
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