OU
ARMAZÉM LITERÁRIO
POLÍTICA.
Documentos officiaes relativos ao Reyno Unido de Por-
tugal dos Algarves e do Brazil.
E D I T A I , D A J U N C T A DA S A Ú D E .
Lisboa, 21 de Junho.
A J U N T A da Saúde Pública faz saber, que por Aviso
expedido pela Secretaria de Estado dos Negocio* Es-
trangeiros, da Guerra e Marinha, em data de 7 do corrente,
lhe foi communicada a gazeta de Amsterdam de 24 de
Mayo próximo passado, na qual. vem incluído um artigo
de Haarlem de 22 do mesmo mez, cujo theor he o seguin-
t e — " O Conselho d'Estado, governador do Norta de
Hollanda, authorizado para o fazer assim em similhantes
casos, participa sem demora a quem poder pertencer, que
conforme as noticias recebidas de Christiansand, em data
de 10 do presente, em Siindfior, distante trinta e seis horas
da parte do Norte da Cidade de Bergen, julga ter appare-
cido uma perigosa, e contagiosa doença, que ataca as pes-
soas, fazendo-as morrer em menos de doze horas ; e dizem
que procede de algumas relíquias de um naufrágio, de
pessoas que vierao parar á costa. Assim se acha necessário
avisar a todos os negociantes, e pessoas marítimas para se
Voi.. X V I I . No.98. A2
4 Politica.
livrarem daquella Costa da Norwega, c naõ terem com-
municaçaõ cora as embarcações, que de lú vierem, c po-
derem ser encontradas no mar. No mais Sua Magestade
mandou já tomar todas as providencias necessárias para o
dicto rim."—Em conseqüência pois deste desagradável, e
perigoso acontecimento, a Junta recorre sem perda ile
tempo ás seguintes providencias para por meio dellas
evitar a communicaçaõ deste novo flagello, que ameaça a
segurança da saodé pública do Reyno.
1. Saó considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Norwega inelusivamente os da Tinmark ;
especificamente—Bergen, Stavangcr, Oroutliein, Chris-
liaii.suud, 11a Ilha de Tosscn, Ctiristiania, Cbristiansanil,
Laitrwigen, Risocr, Tonsberg, Abbcfiord, Frcdcrick-
Shall, Frcdcrickstadt, e o pequeno porto de Wareii^cr.
2. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
porto do Reyno ; e quando sueceda que cheguem a entrar
cm algum dos portos do Reyno, seraõ obrigadas a saliir
com as cautelas, que as suas circumstancias especifica*, e
a> do porto, em que tiverem entrado, rccommeiidarcin, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeira todos os portoi
do Reyno ; e apenas se lhes concede lançarem fora cartas,
ou papeis, que tragam a seu bordo, para serem cutregues
ás repartições, ou pessoas, a quem se dirigem, depois de
purificados pelos desiiifuclantes mais enérgicos, que aclu-
aliiienlc se praticam em similtiautcs casos; ficando rcslrin-
gida esta mesma liberdade ao porto de Lisboa, pelo perigo
que roubaria á segurança da saúde pública, se este nu-
liudroiissimo ramo Ac policia externa de saúde se pcrinit-
tisse em qualquer outro porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeilosos tlisle con-
tagio totlos os porto» ria Julland na Dinamarca, especifi-
camente—Homens, Sabic, .Nickiopirg, Alburg, Mariager,
Arhusen, Freilcricia, líilicii, Kingkiepmg, Wcile, ion-
Politica. 5
ningen, Husum, Hoyer, Flensborg, Apenrede, Hadersle-
ben, e a Ilha de Nordstrand :—Todos os portos da costa
occidental da Snecia, especificamente — Gothenburg,
Marstrand, Uddevall, Kongsbaka, Warburg, Falkcnlierg,
Halmstadt, Lageholm, Engeihorm, Helsingborg, Malmo,
Landseron, Ystad, Falsterdo ;—e o porto de Amai, per-
tencente ao Lago Venere.
4. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. Saõ considerados como levemente suspeilosos deste
contagio todos os portos das Ilhas Dinamarquezas, especi-
ficamente na Ilha de Fyen; os portos de Odenseo, Asseus,
Suenborg, Nieborg, Faborg, na Ilha de Alsen; o porto de
Sonderborg, na Ilha tle Langeland, o porto de Rudkio-
ping : na Ilha de Laland, os portos de Naskou, Saxkio-
bing, Rodbye, Nisted; na Ilha de Falster; o porto de
Niektoping: na Ilha de Moen, o porto de Steege: na
Zeeland, os portos de Copenhagne, Wordingborg, o
pequeno porto dcNestued, Skilskiocr, Korsor, Niekioping,
ELsenor, Kiogc, Fririicsborg, Frcdericsund ; todos os
portos do Holstein, especificamente Lubeck, Travcmunri,
Neustadt, Gluckstat, Meldorf, Hciligenafcn, Rcndsborg,
Kiel porto pertencente á Rússia. Todos os portos Suecos
das provincias de Bleking, e de Smalaod, especifica-
mente ; os portos de Carlscrona, Carlsliam, Christiaxistadt,
Calmar: a Ilha de Oeland : a Ilha de Gothland com o
seu porto de Wisby ; e a Ilha de Bornholm com os dous
portos de Ronde, e Ncxoc.
6. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa debaixo de uma observação
de 10 dias.
7. As providencias que ficam adoptadas nos seis artigos
7
6 PolitiCmU
antecedentes, seraõ reduzidas n sua fiel observância de-
baixo das medidas, cautelas e responsabilidades, que se
eslalieleeôrani peloe artigos 8, 9, e 10, do edital de 30 de
Março do corrente anno.
E para que chegue á noticia de todos, e se nn6 possa
allegar ignorância, se mandou atfaxar o presente edital em
Iodas as praças, c lugares públicos dos porto» do Reyno
para ser cscrupulosauiente observado, era quanto naõ for
dispensada, ou modificada por outro a sua litleral obser-
vância.— Lisboa, 19 de Junho, de 1816.—Luiz Antonio
Rebello da Silva.
ÁUSTRIA.
(Puhlicáram-sc quatro patentes imperiaes, ou decretos
relativos ás finanças. O primeiro, ordena, que se naõ
ponha cm circulação papel-moeda, que tenha circulação
forçada ; e estabelece o modo por que se ha de extinguir
o antigo.)
Resumo do decreto, para extincçaõ do papel-moeda.
As árduas convulsoens, que acommettêrnm a Europa,
pelos vinte e cinco annos passados, nos obrigaram, desde
o principio de nosso reynado, a tomar parte nas continuai
guerras deusoladoras, que puzérara em perigo a segurança
e independência do Império—objectos de inestimável
valor tanto para os soberanos como para os povos. Con-
seguintemente, para a nossa independência e segurança
naõ podíamos nem devíamos poupar esforços alguns.
A dcsenvoluçaõ de toda a força do Estado, porém, oc-
casionou despesas, que excediam muito os meios dos que
haviam de pagar os tributos. Invocamos a confiança do
nosso povo. O papel, representando o valor do ouro, nos
habilitou a prover ás urgentes necessidades do Estado, c a
manter o perigoso conflicto, CUJA renovada terminação
tornou a pôr a Monarchia de posse daquellas provincias,
que lbe foram arrancadas; e confirmou d? novo a sua se-
Politica. 7
gurança e independência. O nosso primeiro cuidado tem
lido restabelecer as nossas desordenadas finanças; e desde
as ultimas negociaçoens de paz nos temos empregado era
preparar os meios necessários para obter este fim.
O resultado tem conrespondido a nossos esforços; e ex-
perimentamos particular satisfacçaõ em poder tomar me-
didas, que nos conduzirão a este objecto, sem infringir os
direitos e legitimas pretençoens de nossos fieis vassallos.
As medidas, que temos adoptado, saõ fundadas na livre
cooperação do nosso bom povo: e descançamos na sua
confiança, que de si mesma se unirá aos arranjamentos que
temos publicado, e que se justificarão completamente por
seus resultados.
Para o futuro naS se porá em circulação papel-moeda,
qoe tenha valor forçado nos pagamentos: nem se aug-
mentará o que ja está em circulação. Se algumas circum-
stancias extraordinárias exigirem despezas, além dos re-
cursos ordinários do Estado, a administração da repartição
de Finanças tomará as medidas necessárias para cubrir as
despezas por novos recursos, e meios extraordinários, sem
introduzir, em caso nenhum, papel moeda, que tenha cir-
culação forçada.
O papel-moeda existente poderá ser trocado no computo
de dous septimos, por notas do novo banco, que se ha de
erigir; e essas notas do banco seraõ trocadas por dinheiro
da convenção, em sua somma total; e no computo de cinco
septimos de sua somma total; e a extensão de cinco sep-
timos, por assignados nas dividas do Estado, vencendo
juro de um por cento, em dinheiro da convenção. Poderá
também o dicto papel-moeda ser empregado como capital,
entrado no novo banco; com esta intelligencia, porém,
que por cada acçaõ (consistindo o capital em 50.000
acçoens) se adiantarão 2.000 florins em papel, e 200
florins e dinheiro da convenção. A vantagem dos possui-
dores do papel moeda consiste na segunda alternativa,
• Política.
1*. no gozo das vantagens, que o banco apresenta; e í*.
no rédito de ÍJ por cento de juros em dinheiro de con-
venção, que seraõ pagos pelo banco em obrigaçoens, que
o banco expedirá para esse objecto.
INGLATERRA.
FRANÇA.
PAIZES-RAIXOS.
R E P U B L I C A DAS ILHAS I O N I C A 8 .
Corfu, 21 de Abril, 1816.
Aos 23 deste mez, o Baraõ E. Theolofcy, Presidente do
Senado de Corfü, pronunciou, perante um grande con-
22 Politica.
corso de pessoas de todas as classes, que por causa da so-
lemnidade do dia se tinham ajunctado na igreja de nosso
illustrissimo Sancto, uma eloqüente oraçaõ em Grego, que
tocou profundamente os ouvintes, e encheo de alegria os
seus coraçoens. Para satisfazer os desejos de muitos que
a ouviram, assim como de outros, que naõ estiveram pre-
sentes, damos a traducçaõ delia, que he com tudo mui
inferior ao original. Daremos uma idea desta oraçaÕ pe-
los seguintes notáveis extractos.
" O tractado de Paris, estipulado entre dous ministros
de Inglaterra e dous da Rússia, um dos quaes he nosso
mui estimado patrício, nos fez felizes, bonrando-nos com
a protecçaõ da Inglaterra.
" Desde os tempos mais remotos, que Homero cantou,
nenhum periodo houve taõ a propósito para nos fazer fe-
lizes.
" Lédc a nossa historia, nos historiadores antigos e mo-
dernos ; lembrai-vos do que nos tem acontecido, durante
os 30 annos passados ; e vereis que temos passado a me-
lhor parte de nossas vidas em feudos e discórdias, ou de-
baixo de Governos arbitrários e fluetuantes. Algumas
vezes como subditos de naçoens estrangeiras, que nos des-
prezavam ; outras vezes protegidos por naçoens, que sin-
ceramente desejavam a nossa felicidade, porém demasiado
longe para poderem contribuir para ella.
Passou depois a provar, que na presente situação das
Ilhas, nenhuma potência lhes pôde dar com soa protecçaõ,
tantas vantagens como a Gram Bretanha, por causa de
sua riqueza, de sua força marítima, de seu extenso com-
mercio, esua eminência na agricultura, artes e manufac-
turas.
" Nenhuma das naçoens Europeas nos tem feito a justiça
que merecemos, em tal gráo como os escriptores Inglczcc
cm suas obras ; somente elles viram c reconheceram em
nós aquellas boas qualidades, que os Francezes, os Ale-
Politica. 23
maens, os Italianos, os Russianos tem tantas vezes procu-
rado depreciar em suas obras.
« Nenhuma he taõ versada na nossa lingua, como a In-
gleza.
** Alegrai-vos, pois, habitantes das Ilhas Ionicas, com o
vosso futuro destino. O Lord Gram Commissario de S.
M. Britannica está a chegar; bem depressa vereis Sir Tho-
maz Maitland, cujo nome se naõ pôde pronunciar sem
veneração: com elle entram nas nossas Ilhas a segurança,
e a felicidade.
" Elle removeo todos os obstáculos do commercio de
nossos portos, e outra vez abundarão entre nós os manti-
mentos.
" Elle tornou a abrir os nossos templos, e ordenará a res-
tituição de sua propriedade.
" As medidas adoptadas por elle, e cuidadosamente exe-
cutadas pelo Major-General Phillips, fizeram parar as de-
vastaçoens da peste, e nos fazem esperar que a vejamos de
todo extirpada.
" Elle vos restituirá o vosso Bispo, e a ordem ecclesias-
tica terá o seu estabelecimento legal.
" A nossa Igreja orthodoxa florecerá, e terá preferencia
sobre todas as outras.
" As leys aristocráticas nao conromperaõ mais os vossos
custumes ; mas vos tereis leys livres e justas, como as que
governam as grandes naçoens ; e vós vereis que se esco-
lhem, para as executar, os mais sábios e mais rectos ho-
mens, os pays e os amigos do povo.
" A vossa industria revivirá; melhorar-se-ha a vossa
agricultura: vós podereis exportar os vossos productos,
em vossos vasos, e uma bandeira inconquistavel segurará
o vosso commercio contra todo o insulto.
" Abertos para nós os portos da Inglaterra, elles nos offe-
receraõ vantagens particulares. As nossas cidades flore-
ceraÕ; o nosso paiz será o empório dos negociantes dos
24 PoKtica.
artistas e doe sábios. Estabelecer-se-haó hospil**" para
os pobr« e enfermos ; e escholas publicas para instruc-
çaõ da nossa mocidade; assim como livrarias, que distri-
buirão os thesouros da literatura antiga e moderna. O
illustre Soberano, que nos protege, fazendo-nos dignos de
seus favores, nos fará dignos de nossos antepassados, e nós
vi viremos perfeitamente felizes."
COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco.
O monopólio do tabaco, que tem enriquecido a mais de
um individuo, nos tem offerêcido occasiaõ para instarmos,
repetidas vezes, sobre a necessidade de aproveitar este ramo
das rendas publicas em beneficio do Etado, e naô con-
sentir que só seja em proveito dos particulares monopo-
listas.
A primeira vez, que expuzemos ao publico o abusivo
modo da arremataçaõ do Contracto do tabaco; porque
esta matéria nunca se tinha feito publica pela impressa em
Portugal, causaram as nossas observaçoens grande ruído.
Os Contractadores chamaram-nos intromettidos, por fallar»
nos do que nos naõ importava. Os do Governo, que
sabiam as razoens porque deviam proteger os Contracta-
dores, assaltaram-nos logo com o nome de jacobino e revo-
lucionário ; incendiario, que deseja tirar as cousas da boa
ordem em que estaõ. Os Desembargadores da Juncta do
Tabaco, também acharam muito mal feito, que depois
d'elles haverem consultado a favor do tal Contracto, se
Y O L . X V I I . No. 98. E
34 Commercio e Artes.
puzcsse o Correio Braziliense a bacharelar, contra a sua
opinião. Os do povo, que naõ querem ter o trabalho de
pensar, admiraram-se que o Correio Braziliense assim fal-
lasse ; porque se o que dizia fosse verdade, ja alguém o
teria dicto dantes. Assim causou o que nós dissemos do
Contracto uma geral desapprovaçaõ do Correio Braziliense,
naquellas classes de pessoas.
Os homens pensantes e imparciaes naõ julgaram assim ;
e nós deixando os outros com as suas teimas, continuamos
a clamar contra o Contracto ; quando elle teve de se arre-
matar a segunda vez. O que escrevemos entaõ, ja naõ
causou tanta admiração : uns diziam que talvez fosse ver-
dade o que trazia o Correio Braziliense ; porque a resposta
que lhe dera o Investigador éra mais para atirar com
chufas ao Redactor, do que para convencer o publico com
argumentos. Outros diziam, que sempre éra bom provai
que o Correio Braziliense éra mentiroso, pondo a lanços
o contracto, e dando assim a conhecer ao publico, que,
naõ havendo quem lançasse nelle, os ganhos dos con-
tractadores naõ eram os que espalhava o Braziliense. O
mesmo Governo foi desse parecer, que éra necessário por
o contracto a lanços para tapar a boca aos falladores.
O modo, porém, de se escapar a uma justa compe-
tência foi pôr o Contracto a lanços taõ tarde, que nenhum
arrematante, a naõ serem os actuaes contractadores, que
poderiam (cr tomado as suas medidas, tinha tempo de
mandar as ordens á Bahia para as compras do tabaco,
antes da saffra seguinte ; assim ninguém be quiz arriscar a
lançar no Contracto, para evitar o perigo de naõ poder
fornecer o tabaco conforme os ajustes.
Nestes termos naõ havendo arrematantes, tornou-se a dar
o Contracto aos antigos Contractadores, os quaes modes-
tamente o aceitáiara por fazer senriço a El Hiy. Mas o
Correio Braziliense, sem se cançar com estas repetidas
tramóias ; tomou a expor estas circumstancias da falta do
Commercio e Artes. 35
tempo na arremataçaõ ; e tanto se gritou com isto; que
por fim veio ordem a Lisboa, para se fazer a arremataçaõ
do Contracto com a devida anticipaçaõ. He possivel,
qoe ainda desta vez se naõ consiga todo o bem, que dese-
jamos ; porém, como ja começa a abalar esta velha e
ruinosa fabrica, devemos ter mui boas esperanças de a ver,
antes de muito tempo, cahir por terra.
Convém portanto explicar o que se esta fazendo em
Lisboa, em cumprimento da ordem do Rio-de-Janeiro,
para se arrematar o Contracto do tabaco cora a devida an-
ticipaçaõ.
Puzéram-se editaes, annuncicando o tempo em que se
receberiam os lanços; pois tal éra a ordem Regia: mas
taõ escondidos ficaram os taes èditaes, que nenhum dos
nossos Correspondentes pôde achar uma sô copia para
nolla remetter. £ com tudo apparecéram alguns pertur-
badores da boa ordem estabelecida, que offerecêram dar
mais pelo Contracto cem mil cruzados. Isto escandalizou
muito a Juncta do Tabaco ; porém ficaram atônitos,
quando os mesmos lançadores offerecêram mais a quinta
parte dos lucros do contracto, no caso de haver lucros ;
para o que offereciam-se também a patentear os seus livros,
a pessoas, que de ordem Regia os examinassem.
Os que offerecêram este lanço fôram Jozé Diogo de
Bastos, Raton, Clamouse, e Rocha do Porto. Sobre o
qual mui cavalheiramente perguntou Quintella, na quella
mesma noite, em uma assemblea em que se achava, e na
presença de um dos Governadores do Reyno, se o tal Rocha
éra Thomas da Rocha Pinto ; on a casa de Roxe ? A
pergunta parecia de zombaria, mas tendia a produzir o
effeito de mostrar a insignificancia de uma casa de com-
mercio, que até naõ he bem conhecida. Vamos ao resto.
Apparecêrem logo novos lançadores, por parte de Bra-
hamcamp e seus sócios, que offerecêram as mesmas con-
diçoens, e mais duzentos e cincoenta mil cruzados.
E2
3$ Commercio e Artes.
Uy, Senhores Contractadores antigos ; pois ja lhes faz
conta augmentar os lanços? Ja *• ossos senhorias nao tem
medo de perder uo contracto ; e arremataho só por lazer
serviço a S. Majestade l
Naõ para aqui o negocio. Estes contractadores, naõ
puderam concordar entre si, sobre qual delles serta o caixa;
porque naõ queriam que fosse Brahamcamp ; assim naõ foi
adiante o que projectaram ; e no entanto, no terceiro dia de
lanços, estava dobrada a primeira offerta : isto he o lanço
estava ja em 200 mil cruzados.
O prazo estava a tindir, quando Brahamcamp apre-
sentou um requirimento dizendo, que tinha ainda que of-
ferecer. Com isto se sospendeo a arremntaçaõ na Juncta,
até obterem novas instrucçoens do Governo.
Na manhaã seguinte foi o Secretario Salter a ('asa de
Quintella ; c posto que nos naõ deva importar muito con-
ferências particulares, com tudo esta visita naõ deixou de
ser em occasiaõ critica.
Com effeito a deshavença entre Brahamcamp e Quintella
desmanchou uni pouco os planos dos antigos Contracta-
dores ; mas no entanto decidio o Governo, que se tor-
nasse a pôr o contracto a lanços, e que preceilt-ssc o Edic-
tal, com toda a publicidade na forma das Ordens Regias.
Deste Edictnl pudemos ter copia ; e he o seguinte : —
" A Juncta da Administração Tabaco, em cumprimento
do Avizo de 25 do Corrente, que ultimamente lhe loi ex-
pedido, põem de novamente a lanços o mesmo contracto,
para se arrematar na forma do uso do Reyno e systema
até agora seguido; e os que se propuserem á mia arre-
mataçaõ apresentarão os seus lanoçs na mesma Juncta nas
tardes dos dias 6,9, e 13 do Julho próximo futuro.
Lisboa, 26 de Junho, de 1SI6."
" LOUBENÇO ANTÔNIO I>K A R A Ú J O . "
Commercio e Artes. 37
He importante explicar as palavras deste edictal, que
puzemos em Itálicos " na forma do uso do Reyno e sys-
tema até agora seguido." O uso do Reyno nunca foi ar-
rematar estes monopólios em basta publica, como agora
se pretende : o uso do Reyno éra dar o ministro d'Estado
o monopoilo ao que lá se chama os meninos bonitos. • A
que se refere, portanto, a expressão de pôr o contracto a
lanços na forma do uso do Reyno ?
A explicação deste enigma he a seguinte. Como uma
das offertas dos novos lançadores éra, que, alem do que
offereciam de mais que os passados, dariam também a
quinta parte dos lucros; acharam os sábios que na matéria
tiveram voto; qne éra mui indecoroso ao Soberano ser as»
sociado nos lucros com os particulares negociantes : assim
para se livrar El Rey da vergonha de metter no Erário mais
a quinta parte dos lucros do Contracto; se tornou a pôr o
Contracto a lanços na. forma do uso do Reyno ; isto he,
sem que se aceite a offerta de alguma parte dos lucros.
A outra questão he a respeito do tempo, que deve durar
o Contracto; e porque um dos partidos declarou, que
a naõ se fazer a arremataçaõ por nove anuos, naõ lança-
ria ( o outro partido disse, que se a arremataçaõ fosse por
três annos, lançaria mais ; com tanto que naõ fosse obri-
gado a manifestar os lucros.
A Juncta da Administração do Tabaco tem toda a razaõ
de querer, que a arremataçaõ se faça segundo o uso do
Reyno ; porque a naõ ser assim, a primeira cousa, que os
novos contractadores haviam de requerer, éra a abolição
da Juncta, que lhes naõ servia de nada, e causava uma
despesa de quize ou desasseis contos de reis ; e como a ley
da própria conservação he geral no universo, mui bem
fazem os Desembargadores da Juncta, em votar que naõ
se alterem os usos do Reyno; visto que essa alteração pode
causar a morte da dieta Juncta. Ergo deve conservar-se
o systema até agora seguido.
38 Coaisxercio e Artes.
Agora observamos mais, que se naõ declara cousa al-
gnraa a respeito do sabaõ c do rape. Donde podemos con-
cluir que esta ommissaõ he para algum fim. E suppo-
nhamos, que os afilhados levara o contracto J comprehende-
se nelle o sabaõ e o rape ? Supponhamos, que os com-
petidores dos afilhados saõ os arrematantes ; pertence-lhe
ou naô, e sabaõ e o rape ? Aqui haõ de variar os doutores,
segundo os casos.
As condiçoens da arremataçaõ de um monopólio tam im-
portante para o Erário, uma vez qne os do Governo naõ
sabem ou naõ querem saber como haõ de cobrar o direito
por este artigo, senaõ continuando o monopólio, devem
ser públicos, e ao menos, ja que o mal do monopólio ex-
iste, seja com o maior proveito possivel para o Erário, a
Mas o uso do Reyno he que os direitos sobre o tabaco,
sobre o sabaõ, &c. se cobrem por monopólio ; he verdade,
que assim he ; e he verdade que nos desejávamos ver co-
brado o direito sobre estes artigos, on por excisa, como
na Inglaterra; ou por outros modos; mas ja qne assim he
o uso do Reyno, e systema atê agora seguido, dé o Erário
esses lucros ao raouopolista, que mais offerecer para a Real
Fazenda. Façam-se as arremataçoens publicas; declarem-
se as condiçoens, que se esperam ; e diga-se que artigos
comprehenderá o monopólio.
Foi por via da Inglaterra, que se soube primeiramente
em Lisboa, qoe o Governo no Rio-de-Janeiro, queria fazer
a experiência de administrar o Contracto por conta do
Erário, a fim de averiguar, quaes eram os verdadeiros
lucros dos monopolistas. Isto fez com que Quintella, o
seus companheiros offerecesaem mais 200 mil cruzados, e
que se lhes desse a elles o contracto, som se esperar pela
decisaõ do Soberano. Agora acerescem mais outros 200
mil cruzados.
i E naõ presta o contracto; e o Correio Braziliense me-
rece ser queimado por andar a fallar em taes coutas ?
2
Commercio e Artes. 39
A nossa opinião, por diversas vezes explicada, tem sido
sempre e ainda he, que, mesmo no caso em que os mo-
nopolistas pagassem ao Erário uma somma equivalente aos
seus lucros ; ainda assim éra mais conveniente ao Estado,
que essa quantia fosse cobrada por um direito de alfândega,
na importação do gênero ; e deixar aos particulares ma-
nufacturar o tabaco da forma que cada um quizesse, e ve-
dêllo pelo preço que pudessem alcançar; porque assim se
dividiam por muitas pessoas industriosas os lucros, que se
concentram só nos monopolistas ; excita-se a competência
entre os fabricantes a qual fabricara melhor, e os consum-
midores comprarão aquelles, que mais barato venderem.
Quando o tabaco chamado Rape se fabricava em Lisboa
da folha terceira, que de refugo vem da Bahia, e que se
vendia a 800 reis a libra, éra freqüente o contrabando do
Rape da França, que sahindo ás vezes por metade do preço
do de Lisboa, e outras vezes pela terça parte, offerecia tal
lucro ao contrabandista, queeste arrostava todos os perigos
das tomadias. Este rape de França he fabricado com o
tabaco de Virgínia, que a industria Franceza, com a
mixtura de outras folhas, leva ao ponto de perfeição, que
lisongea o olfato dos que usara deste cheiro, naõ obstante
que o tabaco da Bahia he superior ao de Virgínia.
Martinho de Mello, conhecendo isto, trabalhou quanto
pôde por aperfeiçoar o tabaco nacional, mas nunca foi
apoiado pelos contractadores, nem pela Juncta; porque o
lucro certo, e o privilegio exclusivo, produzem sempre a
inércia, em vez de fomentar o aperfeiçoamento do artigo ;
visto que o monopolista está seguro da venda, quer o ar-
tigo seja bom quer máo. Tanto isto he assim, que offere-
cendo um sugeito ao Contractador Quintella a descuberta
do methodo, por que se podia fazer o Rape em Lisboa
igual ao Francez, disse o Contractador, que daria por
isso cincoenta moedas, quando o Mestre, que offerecia a
descuberta, exigia emprego e sallario perpetuo. Daqui
40 Commercio e Artes.
naõ resultou outra cousa senaõ obterem os Contractadores
permissão de importar tabaco de Virgínia, com o pretexto
de o mixtnrar com o da Bahia, c com manifesta deterio-
ração do gênero nacional.
Por estes pretensos serviços dos Contractadores se lhes
permittio augmentar o preço do Kapé a 1.200, <* 1.600
reis a libra ; o que opera como novo imposto ao urtigo, e
por conseqüência mais pezatlo tributo ao povo, sem que
dahi resultasse maior rendimento ao Erário. Chegou a
tal ponto o abuso, que até mandaram os Contractadores
buscar á França, e introduziram em Portugal Rape já
manufacturado; sem haver no Governo quem reflectisse
nos males que dahi resultam á naçaõ, e que o melhor
modo tle augmentar o consummo do gênero, e por isso ac-
crescentar os rendimentos do Erário, he fazer o tabaco me-
lhor, e vendado pelo preço mais barato possível.
Havia o Bispo da China obtido da Raynha, D. Maria I.
que Deus haja, uma ordem para que os Contractadores
lhe mandassem todos os annos uma pequena porçaõ de
tabaco (parece que eram 32 libras) para fazer presentes a
certos Mandaiins, e facilitar com isso as suas negociaço-
ens. Passados alguns annos deixaram os Contractadores
de fazer a remessa, queixou-se o Bispo, deram-se novas
ordens ; estas naõ foram executadas ; «• os contractadores
pediram ser aliviados daquella pensaõ. O Governo de
Lisboa, naõquizdccidir a questão, remetteo o negocio para
o Rio-de-Janeiro. Assim com arecusaçaõ desta insificante
remessa, para li.is taõ úteis, se pretendeo fazer crer a pe-
núria dos Contractailores, que naõ podiam dis|>crisar 32
libras de tabaco.
Exaqui as grnndes vantagens, que pode esperar o Estado
de eugortlar monopolistas particulares a custado povo, e
em deterioramenlo da industria geral.
C •« 3
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil em
Londres, 25 de Julho, 1816.
ASSUCAR. branco . . . IIS lib. ">5s. Op 65s. (lp Si. I4s. 7Jd.
trigueiro , 42s. Op 46s. Op
mascavado 37s. Op 41». (lp
Algodão1 , Rio . libra Ss.Td. pMOOlih.
Bahia . . . K.Tlp 2?. Ò'p eut navio Inglez
Maranhão . ls. l l p <<!s. Op ou Portuguez
Pernambuco Ss. l p Ss. Sp S5s. 6d. em na-
Minas novas vio doiitras ca-
D*. America melhor . . . . Ss. 2p 2s. 8p çoe ns.
Annil Brazil ls. 9p 4>. Op 4}d. por libra.
Arroz 119 lib. It. Os. Ofá.
Cacao . . . . Para fios. Op. 76s. Op .ls. 4d. por libra.
Caffé Rio libra .. 56 s. Op. 6-ls. Op Ss. 4d. por libra.
Cebo Bom II* lib. 4Hs. Op. t9s. Op. .<ia.2d.pM 12 lib.
Chifres . . , . . grandes . . . . 1SS . . . . 40s. Op. lis. Op. 5H. 6p. por 100.
Couros de Boy Rio grande libra . . 0s. 5 j p . Os. 8p. 9Jd. por couro.
Rio da Prata Os. 6p. Os. 8}p.
D*, de Cavallo 3s. Op. 6s. Op.
Ipecacuanba boa libra 9s. Op. 9s. 6p. 3s. 6d. por libra.
Quina pálida . . ls. Op. l s . típ. Is.ljd. por lib.
ordinária 1>. 5p.
mediana Ss. Ip. Ss. Sp.
ána Ss. Op. Ss. 6p.
vermelha 6a. 6p. Ms. 9p
amarctla ls. Sp. 1*. 4p
rbata . . . 2s. Op.
torcida . 4s. 6p. 5s. Op
Pao Brazil tooel, 115/. 120/. 4/. a tonelada.
Salsa Parrilha 2s. Sp 4s.0rl
Tabaco.... rolo libra . . . '
Os. 4p. 44 4 a4 d ' S 3 s . i n i p . lib. exciie
c3/.16s.9d.alf.I0Olb.
Prêmios de Seguros.
BRAZIL .... . Ilida 2 tiuineos por cento;
Vinda 2 i 2*
LISBOA E PORTO ..Ilida I] (íuineos.
Vinda I \ (l uineos.
MADEIRA Ilida SO Sir. vinda 30 S b \
AÇORES Mula Ij (íuineos a 2.
..Vinda o mesmo.
Rio DA P R A T A . . . I l i d a 3 G \ ;
vinda o mesmo
a
VOL. X V I I . N o . 98.
[ 42 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .
PORTUGAL.
Tractado de câmbios; offerecido aos Estudantes da
Real A ula do Commercio, para terem um verdadeiro co-
nhecimento deste ramo de commercio, o mais difficuUoso e
importante ; e se faz também digno de todos os negocian-
tes : preço 400 reis.
NOVO M E T R O N O M O .
Carta ao Edictor.
SENOR !—Como he provável, que alguma considerável
porçaõ de vossos Leitores se interessem pela invenção, que
faz o objecto desta carta ; e de que anticiparaos grandes
vantagens para a musica em geral, nós vos ficaremos obri-
gados, se a inserirei» na vossa publicação periódica, o
mais cedo que for possivel.
Tractamos do Metronomo de Mr. Maelzel; ou instru-
mento para bater o compasso; cujo objecto principal he
ministrar aos compositores os meios de indicar com pre-
cisão, e conforme a um padrão universal, o gráo de ra-
pidez que se requer para cada tempo de sua composição :
e com isso escusar a necessidade de recorrer aos termos
vagos e insuficientes de Adagio, Allcgro, Presto, &c.
Ha muito tempo que tal instrumento éra um desideratum
por toda a Europa, e se tinham feito varias tentativas para
o construir, que naõ fôram bem succedidas; por fim ap-
parecêo o Metronomo de Maelzel, que nos parece ter al-
cançado tudo quanto se desejava. He elegante, portátil
e de preço racionavel: simples na construcçaõ ; a escala
hc fundada na divisão do tempo em minutos ; e he uni-
versalmente intelligi vel; as pancadas audíveis, que bate,
podem regular-se para o mais vagaroso adagio, assim como
para o mais rápido presto.
Os melhores compositores do /íbntinente,* tem ja adop-
[Conünuar-se-ha.J
V O L . X V I I . No. 98.
C *> ]
MISCELLANEA.
KDVCAÇAÕ BLBMENTiB.
N \ 4.
Emprego» das differentes Classes de menino» na Eschola.
Primeira Classe.
liiSTA classe he composta dos meninos mais novos, e que
entram para ella sem saber cousa nenhuma, e a quem he
preciso ensinar o alphalieto, e fazer decorar as oraçoens da
cartilha : o seu lugar lie nos bancos mais próximos ao
mestre ; e diante dos quaes estaõ as inezas cubertos de
arêa.
Como cada um dos indivíduos desta classe precisa ser
instruído separadamente, naõ podem haver nesta clasnc
mais de vinte meninos para cada decuriaÕ. A primeira
operação he ensinar-lhes as letras do alphabeto, e para isso
se servem, nas novas escholas, de um engenhoso methodo;
que consiste em fazer que os meninos escrevam as letras do
alphabeto cm uma grande taboa negra, que está suspen-
dida diante delles, como uma espécie de púlpito, e cuberta
de arca : o decuriaõ escreve tom o dedo a primeira letra
diante tio discípulo, e este a copia logo, da maneira, qu*
lhe diz o decuriaõ ; JKW este modo aprende o menino a ler
a a escrever sem despeza de pcnnas, papel ou tinta ; e tu
lhe ensinam ao mesmo tempo a» duas operaçoens, manual
e íntellec tual de conhecei e fazer a» letras: operaçoens,
que, nas eschola» ordinárias, saõ dislincla», e requerem
dous tempo».
Quando se tem corrigido a-, letras ctciiptas pelos me-
nino», o tlecuriaò pas»a por cima da arca uma taboinha
P-»ra a alizar, e dispõlla a servir para nova escripU. As-
sim além da» outras utilidades se poupa o tempo dos mc-
7
Miscellanea. 59
ninos, e se evitam distracçoens, que occorem, com o ar-
ranjamento do papel penna, e tinta.
Quando os meninos tem por esta maneira aprendido a
escrever e conhecer todas as letras do alphabeto, tanto
pequenas como maiúsculas, se lhe põem diante uma
grande carta do A, B , C ; grudada n'um papelão : entaõ
elles nomeam e escrevem as letras na arêa, imitando as da
carta, o que lhes imprime definitivamente na memória, a
figura das letras. O decuriaõ lhes pergunta os nomes das
letras salteadas; e aqui começa nesta classe o systema
fundamental da eschola, de se adiantar ou retrogadar era
classe, conforme o gráo de aproveitamento dos meninos, e
os progressos que fazem.
Calcula-se que os meninos precisam cerca de três sema-
nas, ao mais tardar, para conhecer bem todas as letras;
e dez semanas, quanto muito, para as escrever bem na
arêa.
Logo que tenham copiado sufficiente numero de vezes
as letras da carta, se lhe tira esta de diante, e se lhes faz
escrever as letras de memória ; até ficar certo, que as sa-
bem todas perfeitamente.
Do mesmo modo se procede para os fazer escrever, co-
nhecer e pronunciar algumas syllabas simplices, como Ba,
be, b i ; que elles deverão imitar, e soletrar; mas ter-se-
ha sempre cuidado de lhes naõ dar novas liçoens, sem que
elles estejam perfeitos nas precedentes. Porém, para que
se naõ fatiguem com demasiadas repetiçoens, se interrom-
perá esta occupaçaõ, fazendo-os aprender de t ó as ora-
çoens e o cathecismo. NaÕ se lhe fará repetir mais de
três ou quatro palavras ao mesmo tempo, e se interrompe-
rão, fazendo continuar ao seu vizinho; a fim de estar
certo de que todos estaõ attentos, e que naõ repetem ma-
chinalraente o que acabam de ouvir. Esta instrucçaõ ele-
mentar dura ordinariamente três mezes, ao mais, ainda
com os meninos de menor talento.
H2
60 Atiscellanea.
O methodo de escrever na nría, qne fixa a atfençaôdo»
meninos» o*, diverte ; e he tle grande economia nas escho-
l.is publicas. O Dr. Bell achou este methodo praclicado
na índia, destle tempo immemorial, c elle foi o primeiro,
que o nitrodiizio na Kurnpa.
Cm menino menos instruído deve sempre ser collocado
ao pé dtiuiro, que saiba formar ns letras melhor; e os
que naõ a*, uaõ snln-m absolutamente fazer, as escreverão
sempre depois tio decuriaõ ter escripto a Iclra, para o imi-
tarem immcdiniamenlc, continuando assim até que possa
escrever a letra por si mesmo.
As niftmas letras tio alphabeto se devem dividir em
classes, secundo as suas analogias tle figura : primeira-
mente as letras que constam de linhas rectns, como I, II,
T , L, í' : depois ns que exigem a formação de um an-
gulo, como A, V, M, N , Z , K, Y , X ; dahi ns que con-
stam de curvas; como O, U, C, J , (í, I), P,B, R, Q,
S. Estas classes de letras se nprendem melhor, em con-
seqüência da siinilhança tia figura. A maior tlidiculdatle,
cm ensinar estas letras, (acorre naquellas, cuja forma he
mui similhante, e unicamente tlistint Ia pela variedade de
posição; p, q, b, d, freqüentemente se tomam uma por
outra; poi ém fazendo nuibai no mesmo tempo, os meni-
nos facilmente apreiitlein a tlisliiigiiilla». A demais, elles
-aõ Iodos empregados ao mesmo tempo, em rscrevéllai, c
lie c.iriu»ti tibsci v.ir, como totlos os meninos levantam o
dedo ao mesmo tempo, e escrevem catla um a sua letra
imitando os que menos s*boiu, os seus vizinhos que melhor
escrevem.
lia outio iiiclhodo tle ensinar o alfabeto, que he e»crc-
ventlo-o cm letras mui grandes, em um papel grudado em
papcLó, c (K-ndurado n i parede. Oito meninos, da classe
do» q U l csi rcveiu ua arêa, formam um cenncirciilo cm
i rno drsta caria, e--t.ut.lo de pe conforme os seus nume-
'" • '- -• 3 , «!vc. ate 8. t s t e s numero» estaõ pintados em
Miscellanea. 61
um pedacinho de papelão, pendurado ao botaõ da vestia ;
ou ao pescoço por um cordel. O menino mais aprovei-
tado, tem o N*. 1., e além disso uma tira de couro dou-
rado, como insígnia honrosa de merecimento. Este me-
nino he sempre a quem o decuriaõ pergunta primeiro as
letras salteadas, apontando com o ponteiro para uma letra,
e perguntando? " que letra he esta?" cm quanto elle
responde acertadamente conserva o seu lugar, e insígnia
de honra ; porém logo que erra, perde o numero e a de-
coração, que se dára ao menino seguinte, que responde com
acerto.
Este plano promove uma constante emulação ; e em-
prega constantemente a attençaõ do decuriaõ ; porque
elle naõ pôde olhar para outra parte em quanto pergunta
as letras aos meninos, sem que a sua distracçaó seja logo
percebida, pelos que aspiram ao prêmio. O decuriaõ
naõ somente tem obrigação de ensinar ; mas ver que os
subdeenrioens de sua classe ensinem também com o mesmo
cuidado. Se um menino, quando be perguntado, chama
ao A, B ; o decuriaõ naõ lhe diz, " isso naõ he B , " sim-
plesmente manda ao menino seguinte que diga o nome da
letra, e corrija o erro do precedente. Estes dous metho-
dos da carta no papelão e escrever na aréa, saõ usados al-
ternadamente todos os dias, servem de corrigir um ao
outro, e de variar o emprego dos meninos, que sempre se
fatigam mais, e esgotam a attençaõ, continuando, por muito
tempo, no mesmo exercicio. As letras de conta se apren-
dem do mesmo modo.
O ensino da primeira classe, portanto, he intimamente
connexo com a escriptura ; mas na segunda classe começa
pela escripta ; e he necessário attender a esta distineçaõ;
porque na segunda classe aprendem os meninos a escrever
na pedra o alphabeto, e depois syllabas de duas letras, ba,
be, bi, & c . ; aprendendo também a soletrar estas syllabas
62 Miscellanea.
em cartas conrespondentcs grudadas era papelão, e pen-
duradas na parede.
Segunda Classe.
Esta classe consiste principalmente dos meninos, que,
tendo aprendido a escrever na área todas as letras do ai-
phabeto, e figuras tle conta ; c a distinguillas perfeita-
mente no papel, estaõ capazes tle passar para esta classe,
comparativamente superior.
Aqui aprendem a soletrar syllabas de duas letras, c a
escrever na pedra, com o ponteiro, ns mesmas syllabas,
que aprendem a soletrar na carta. O decuriaõ manda es-
••rever, ix>r exemplo, a sillaba mi ; todos o> meninos a es-
crevem com o ponteiro na pedra, ao mesmo tempo, e a
soletram ; depois voltam as pedras para a parte tle fora ;
para que o decuriaõ as veja: este vai ao longo do banco
olhando pira todas as pedras, e notando as que naõ estaõ
Ivm 1-scrip'as : dahi manda voltar ns pedras para dentro ;
limptllas com a rqionja ; e prepni.tr para escrever nova
syllaba.
A pedra, em que os meninos escrevem, deve ser a pedra
negra, ou sclusin, commumente usada para este» fins;
com oito poli-.ríttl ts de longo, e quatro de largo, com seu
caixilho tle páo ; e um cordel por que está pendurada ao
pescoço tio menino : o ponteiro tle pedra, tom que se es-
t r o e, ileveiá lambem rstai alado á pedra por um cordel
de sutlii ieule cumprimento, para se poder usar sem ficar
solto. N i parte 8ii|H*rior da pedra deve haver um alpha-
beto gr.i-.ado de maneira permanente; o qual servirá de
traslado aos meninos.
Segundo o methodo antigo se ensinava aos meninos a
soletrar qualquer palavra, começando pela primeira »vl-
laba, c repelindo depois »empre, com as outras syllabas,
que soletravam, as s\ llab is precedentes ; o que perde tem-
po considerável, íatiga os meninos, cansa distracçaõ c de-
Miscellanea. 63
mora, em vez de adiantar, os seus progressos. Pelo con-
trario, pelo novo methodo, se dá aos meninos um perfeito
conhecimento de todas as syllabas, fazendo que as palavras
naõ sejam mais do que um composto de duas, Ires ou qua-
tro syllabas, que nao precisam mais do que ser divididas
para serem logo soletradas. Assim se acha que os meninos
sabem ler, logo que sabem as syllabas ; assim como se sabe
dançar, logo se sabe dar os passos. Saõ elementos tios
elementos, e uma marcha proporcional á intelligencia do»
meninos, e ao gráo de attençaõ de que elles saó susceptíveis.
Este methodo permitte ainda seguir a leitura com a escrip-
tura ; porque naõ ha mais difficuldade em escrever uma
syllaba cujas letras se vêm ; do que em a pronunciar,
quando se conhecem as letras.
As liçoens desta classe, pelo que respeita á arithmetica,
se limitam unicamente a escrever as letras de conta, e a
entender o seu valor abaixo de cem, pela uniaõ de duas
letras.
INGLATERRA.
Processo contra o Tenente-general Gore.
F o i este processo uma acçaõ, que poz Carlos Perkin
Wyatt, Esc. contra o Tenente-general Gore, Governador
da Provincia do Canada Superior, por haver publicado
um libello famoso, falso e malicioso; e por ter suspendido o
dicto Wyatt do seu Officio de Medidor-geral das terras da
Coroa naquella provincia, sem motivos sufficientes ; pelo
que soffreo consideráveis damnos.
O advogado Best, que dirigia a accusaçaõ; disse que
havia três fundamentos no libello da demanda, para qne o
A. puzesse esta acçaõ: 1° que sendo o A. Medidor-geral
das terras da Coroa ua província, do Canada Superior, fôra
78 Miscellanea.
ITÁLIA.
Roma, I a de Maio.
T E N D O a Sanctidade de Nosso Senhor Pio V i l . feliz-
mente Reinante dispensado da Entrada publica S. Exc.
9 Senhor Conde de Funchal, Embaixador extraordinário
de S. A. R. o Principe Regente do Reino-Unido de Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves, junto da Sancta Sé, e tendo
concedido ao mesmo se dirigisse na manhaã de Terça feira
30 de Abril á sua Audiência publica, fez S. Exc. partici-
par isto mesmo aos Eminentíssimos Senhores Cardeaes, ao
Excellentissimo Corpo Diplomático, Prelados, Príncipe»,
e alta Nobreza ; pelos quaes foram mandadas á residência
de S. E x c , no palácio do Senhor Duque de Fiano, as car-
ruagens, com os seus Gentishomens, para o Cortejo, e
foram estes tractados com exquisitos refresco».
Pela volta das dez horas, partio da sobredicta residência
o Senhor Embaixador encaminhando-se para o Pontifício
Palácio Quirinal. Eis-aqui a ordem do noblissimo cor-
tejo : Hia adiante um criado abrindo o passo, c após ette
outro criado com oguarda.sol franjado de ouro; seguia-se a
vistosa berlinda onde hia a grande almofada, e traz ella
do*e criados com fardas ricas agaloadas de prata.—Se-
guia-se após estes uma bellissinia Estufa lustrosamente or-
nada, onde hia o Excellentissimo Senhor Embaixador em
uniforme rico, com todos os seus Hábitos e Insígnia».
Hiam nu carroagem com S. Exc. os MonsenboresGuerrieri
Arcebispo de Alhcnas, Serlupi Auditor da Rola, c Fro»ini
Camerario. Aos lados desta, além do Decano, c .Sub-Dc-
Miscellanea. 89
cano vestidos de preto, caminhavam os Pagens luzidaraente
vestidos de veludo com guarniçaõ de ouro. Seguiam-se a
estes Os Guardaportões com suas bandas ricas, e dois
Volantes esplendidamente adornados com barretinas em
que se via o escudo das armas do Regio Embaixador.—
Vinham depois mais três carroagens elegantes, na primeira
das quaes hia o Senhor Cavalheiro Alvares ex-Encarre-
gado dos Negócios de S. M. Fidellissima, o Senhor Cava-
lheiro Suterman Mordomo da Legaçaõ, Monsenhor Nadini,
e o Senhor Cavalheiro João Gherardo Rossi. Na segun-
da carroagem da coiuativa hiam o Senhor Francisco Pe-
reira Arquivista, o os Senhores Innocencio da Rocha
Galvão, e João Theodoro W y s , Secretários, e o Gentil-
homem da Corte o Senhor Giuntotardi. Na ultima car-
roagem hiam os Senhores Hypolito da Costa, Camillo
Silveira, e os dous Adjutantes da Câmara de S. Exc.—
Succedia a estas uma numerosa comitiva de carroagens
dos Eminentíssimos Cardeaes e da Nobreza.
Com este luzidissimo accompahamento, caminhando
sempre em meio de immensa multidão de povo de todas as
classes, chegou o Embaixador de S. M. Fidellissima ao Pa-
lácio Apostólico Quirinal, onde, com a formalidade do
estylo, foireeebido pela familia Nobre de Sua Sanctidade,
e depois foi introduzido por dous Mestres de ceremonias
Pontifícias à Audiência do Summo Pontífice Reinante
Pio VIL
Depois de haver beijado o Pé, e a Maõ, e de ter sido
admittido ao abraço, começou em genuflexaõ o seu cumpri-
mento, apresentando ao Sancto Padre as Credenciaes do
seu Real Principe Regente. Acenou S. Sanctitade ao il-
lustre Portador dos Soberanos sentimentos, que se levan-
tasse, e sentasse. Prosegnio elle, sentado, o seu discurso,
expondo a nobre occasiaõ da extraordinária Embaixada,
naõ dirigida a outra cousa mais que a congratular Sua
Sanctitade em nome do Principe Regente pelo seu feliz e
VOL. X V I I . N o . 98. M
90 Miscellanea.
fausto regresso a Roma, e pela desejada e applaudida re-
cuperação dos Estados Pontifícios, assim como também
para dar um novo testemunho publico tio filial respeito,
summa devoção, e fidelidade daquella generosa Real
Corte para com a Sancta Sé, implorando a Apostólica ben-
ção para o Sereníssimo Principe Regente, para a Regia
Corte, e para todos os Subditos do Reino-Unidodc Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves.
O Santo Padre respondeo com affectuosissimos senti-
mentos, manifestou o sincero agradecimento de seu animo
por este acto de religiosa veneração prestado á Sancta Sé, e
fazendo um publico e distincto elogio do Sereníssimo
Regente, e de toda a Real Familia pelas brilhantes e re-
petidas provas de sua piedade Christaã, * encarregou o
Senhor Embaixador de assegurar cada vez mais ao Se-
reníssimo Principe de seu paternal affecto, e da sua reci-
proca inclinação a toda aquella Fidelissima Real Corte.
Proferio finalmente S. Sanctidade obsequiosas expressões
de estima, e affeiçaõ para com a mesma Pessoa do Senhor
Fmbaixador pelas muitas virtude», que, além de sua
nobilissima ascendência e talentos, o fazem acecito, c dis-
tincto.
Terminada a resposta do Summo Pontífice, conservou-»*
o indvtoReal Interprete na audencia do Sancto Padre, em
quanto este se dignou admittir suecessivamente toda» as
pessoas do seu cortejo a beijar o Pé.—Daqui passou S.
Exc. a visitar o Eminentíssimo Senhor Cardeal Consalvi
Secretario d'Eilado do Nosso Soberano.
Freiras em S. Miguel.
Na parte da conrespondencia, neste N°., achará o Leitor a
narraçaS de um facto, acontecido na Ilha de S. Miguel; que he
Miscellanea. 101
digno de lêf-se, e de meditar.se. Elle prova qnam justas saõ
ai nossas ideas, a respeito dos conventos de frades e freiras.
A nossa opinião a respeito das ordens mouachaes, naS he
ignorada de nossos Leitores ; porque temos sido nisso mui de-
cididamente claros. Consideramos os conventos como azvlos
mal úteis, para onde se retirem as pessoas de ambos os sexos, a
quem uma verdadeira vocação, ou o desgosto do mundo, faça
necessário um retiro daquella natureza. Em Inglaterra, aonde
nao ha estes refúgios, os suicídios saõ freqüentemente o resul-
tado desta falta.
E com tudo, nada he mais horroroso do que o cruel expedi-
ente de algum pays de familias, que para favorecer o filho ou
filha mais velho , mettem os demais nestas prizoens perpétuas,
enganando.os em idade, em que nao saS capazes de escolha; e
sustentando estes aleivosos procedimentos até com a força ar-
mada do Governo.
O easo presente he o de duas meninas, que na tenra idade de
7 ou 8 annos deviam ser fechadas n'um convento, aonde sem
ver outra cousa mais do que as instituiçoens do Convento, e
obedecendo ás ordens de suas mestras; chegam a idade de
profissão ja feitas freiras, e a cerimonia do veo nao he senaõ
uma mera formalidade, para lhes tirar toda a esperança de
«ahir daquella prizaõ ; porque quanto ao mais, freiras eram
desde a idade de 7 annos,
Este roubo, feito ao Estado, de crianças, que assim se forçam
a ser freiras, tem sido de algum modo obviado, pela necessidade
de obter licença Regia, antes que alguma menina seja por esta
forma emparedada. Mas o DeaÕ de Angra, nao obstante as
leys em contrario, violentamente introduzio duas meninas no
Convento de S. Miguel; e porque as freiras nao quizéram
obrar contra as leys, foi ao Convento com uma tropa de sol.
dados, mandou que os portamachados arrombassem as portas,
preudeo a abbadessa, e vi et armis, fez entrar as meninas no
Convento.
i Se as freiras naõ queriam receber as educandas (ainda sem
fallar na ley a seu favor) que utilidade pôde ter o Governo, em
as obrigar a isso, usando até da tropa ? Os Conventos devem
102 Miscellanea.
ter suas leys particulares, ou compromissos, assim como as
mais irmandades, e por ellas se devem regular: se um sócio, em
qualquer corporação particular, offende os mais, estes devem
queixar-se aos mioistros de justiça; e naõ somente sendo a of-
fensa contra as leys do Estado; mas ainda mesmo contrariasas
suas leys ou estatutos particulares, pôde e deve o magistrado
obrigar o individuo, qne quebrantou as leys, a reparar o
damno que fizesse com isso a seus collegas : faltando á obser-
vância dessas leys.
Porém prestar o Governo a força armada, para introduzir
violentamente duas meninas n'um Convento de freiras, he ab-
surdo indesculpável, repugnante a toda a boa legislação, e con-
trario a todos os interesses do Estado.
Olhando para este caso, somente pelo que pertence a utili-
dade publica, e ao que nos parece ser o principio mais justo
de legislação, sobre as ordens monasticas, naõ podemos deixar
de descer desta consideração a observar o padre DeaÕ, que
representou tam notável papel nesta farça.
Jamais vimos um exemplo tam conspicuo de hypocrisia, do
que a Pastoral, que vem copiada na narrativa, que publicamos
sobre esta matéria. O tal Padre Deaõ, por favorecer os seus
empenhos, atropella as leys, mandando admittir no convento as
meninas, que naõ tinham nem idade competente, nem licença
Regia. Porque as freiras resistem a isto, enfurece-se o DeaÕ;
pede o auxilio de tropas, arromba as portas do convento, mette
nelle as crianças, que estava empenhado em fechar ali; atira
com as freiras no cárcere; insulta-as;—em fim mostra em todo o
seu procedimento a ira, o furor, o orgulho, e todas as mais
paixoens que lhe ferviam u'alma—e vem com uma suave pasto-
ral, com o nome de Jezus Christo, com o Apóstolo amado,
com a sancta amargura de seu coração, e com todo o resto da
bateria da mais refinada hypocrisia.
Ehepara sustentar procedimentos desta natureza, que o Go-
verno presta o seu braço armado—e que haja quem supponlia
ser justo obrigar, por meio da força, a que as pessoas illudidas
continuem a ser victimas de sua illusaõ ; e que nao haja meio
Miscellanea, 103
de salvar, pelo arreprendimente, mesmo uma resolução, tomada
em momentos inconsiderados!
ALEMANHA.
ÁUSTRIA.
ESTADOS U N I D O S .
FRANÇA.
HESPANHA.
Apparecêo em Londres uma lista de navios Hespanhoes, que
os corsários de Buenos-Ayres tem aprezado juncto a Cadiz; e
as cartas particulares daquella cidade dizem, que o Governo se
acha sem forças ou meios de fazer sahir ao mar vazos de
guerra, com que possa reprimir aquelles insultos.
As gazetas Francezas trazem uma curiosa noticia de Hespa-
nha, aununciada em uma carta de Madrid, de 17 de Maio; e
he o seguinte extracto dafalla, que fez o Jezuita, nomeado para
abrir a aula de Malhematica.
44
Todos os males," disse o Professor, 44 que a Europa tem
soffrido por estes 30 annos passados, tem sido effeito dos ga-
bados conhecimentos do século passado; e que levaram os ho-
mens á irreligiaõ e á rebelião. Eu, portanto, somente vos ex-
plicarei a Anthtnetica, a Álgebra, e a Geometria; porque
temo que o resto das Mathematicas só sirvam de vos conduzir
ao atheismo e materialismo."
Continua a carta dizendo, que todas as pessoas presentes,
que seriam 120, se escandalizaram com similhante proposição.
N o segundo dia só apparecéram na aula 30 pessoas ; no ter-
ceiro, quatro, e no quarto dia um só discipulo.
Esta falia do tal Jezuita contém um longo commentario,
breve como he, da DeducçaÕ Chronologica. Hespanha he sem
duvida o paiz da Europa mais próprio para arreigar estas dou-
trinas Jezuiticas.
ORDEM DE MALTA.
POTÊNCIAS BARBARESCAS.
Fragatas.
Severn 40
Glasgow 40
Hebrus , 36
Granicus 36
Chalupas.
Britomart; Mu tine ; Heron, Prometheus, Cordelia.
Bombardeiras.
Belzebub ; Herla; Fury; Infernal.
Dizem alguns, que ao Imperador de Rússia se devem estes
preparativos contra os piratas de Barbaria. S. M. Imperial
tem feito deste negocio um artigo importante em todas as ne-
gociaçoens, em que tem ultimamente entrado com outras na-
çoens ; e consente em que as outras potências contribuam par
a despeza da expedição, que se está preparando na Inglaterra.
Também se diz, que uma esquadra Hollandeza acompanhará
a Ingleza.
RÚSSIA.
SUÉCIA.
WURTEMBERG.
CONRESPONDENCIA.
POLÍTICA.
REYNO UNIDO DT PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
LISBOA.
Edictal da Juncta da Saúde.
9 de Julho.
A Juncta da Saúde Pública faz saber, que por Aviso ex-
pedido pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangei-
ros, da Guerra e Marinha, em data de 28 de Junho próximo
antecedente, lhe foi communicada a noticia official de se
ter manifestado na cidade de Cagliari, capital da Ilha de
Sardenha, uma terrível moléstia, da qual se acbavaõ ata-
cadas 680 pessoas no dia 24 de Abril próximo passado ; e
entre estas, 200 em grande perigo de v i d a : Em conse-
qüência pois deste desagradável e perigoso acontecimento,
a Juncta recorre, sem perda de tempo, ás seguintes provi-
dencias, para por meio dellas evitar a communicaçaõ deste
novo flagello, que ameaça por mais um lado a segurança
da saude pública do reyno.
1. Saõ considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Ilha de Sardenha, especificamente—
Cagliari, Ogliastro, Terra Nova, Stagno, Oristagni,
Alghieri, Porto Tore, CapoFrasque, Ilha Santo Antioche:
Todos os portos da Ilha de Corsega; especificamente,
Ajaccio, Girelate, Bonifácio, Calvi, Saõ Fiorenzo, Alga-
giola. ContiuuaÕ a ser comprehendidos nesta mesma
classe todos os portos especificados no artigo I . do edictal
Política. 135
de 30 de Março, do corrente anno, por continuarem os
motivos porque alli foram considerados como taes.
2 As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
Porto do Reyno : e quando succeda que cheguem a entrar
em algum dos Portos do Reyno, seraõ obrigadas a sahir
com as cautellas, que as suas circumstancias especificas, e
as do Porto era que tiverem entrado, recommendarero, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeiro todos os Portos do
Reyno; e apenas se lhes concede lançarem fora as cartas
ou papeis, que tragam o seu bordo, para serem entregues
ás Repartições, ou pessoas, a quem se dirigirem, depois de
purificados pelos desinfectantes mais enérgicos, que actual-
mente se pratiçaõ em similhantes casos; ficando restringida
esta mesma liberdade ao Porto de Lisboa, pelo perigo que re-
sultaria á regurança da Saúde Pública, se este rnelindro-
sissimo ramo de Policia externa de Saúde se permittisse
em qualquer outro Porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeitosos desse con-
tagio os Portos da Ilha d'Elba ; especificamente, Porto
Feraio, e Porto Longon. Na Toscana o Porto de Liorne:
Na Campanha de Roma, Sancto Stefano, Civita Vechia,
Fiumicino, e Porto Dansa : No Reyno de Tunis, Biserta,
Tunis, Galipoli, Susa, e Monaster : ISo Senhorio de Al-
ger, Alger, Bonna, Bougic, Arzeni, Storo, Ilha Taburgo,
Oran, Tenes, e Marsalquivir. Continuam a ser compre-
hendidos nesta mesma classe todos os Portos especificados
no Artigo III. do Edictal de 80 de Março, do corrente
anno por continuarem os motivos por que alli foram con-
siderados como taes.
4. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. As AmbarcaçÕes precedentes dos Portos de Itália
s2
136 Politica,
que nao ficam expressamente nomeadas no Artigo I I I . ; as
que procederem da Ilha de Malta; e as que procederem
em geral dos Portos de Barbaria, que naõ ficam expressa-
mente nomeados no sobredicto Artigo III., saõ admittidas
só, e exclusivamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma
quarentena de 20 dias.
6. Os Artigos VI. e V I I . do Edital de 30 de MaTço,
do corrente anno continuam na sua literal observância.
7. As Providencias, que ficam adoptadas nos seis Arti-
gos antecedentes, seram reduzidas á sua fiel execução, de-
baixo das medidas, cautellas, e responsabilidades, que se
estabeleceram pelos Artigos VIII., I X , e X , do Edictal
de 30 de Março, próximo passado.
E para que chege á noticia de todos, e se nao possa al-
legar ignorância, se mandou affixar o presente Edictal em
todas as Praças, e Lugares Públicos dos Portos do
Reyno, para ser escrupnlosaraeiite observado, em quanto
naõ for dispensada, ou modificada por outro a sua literal
observância.
(Assignado) L u i z ANTÔNIO REBELLO DA SILVA.
Lisboa, 3 de Julho, de 1816.
FRANÇA.
HESPANHA.
INGLATERRA.
ORDEM G E R A L .
SUÉCIA.
Resposta da Dieta.
Senhor!—Chegou o momento, que ha tanto tempo éra
o objecto dos desejos do Naçaõ, e de Storthiug : termi-
naram as nossas deliberaçoens.
He com uma boa fe cordeal, que temos constantemente
trabalhado em dar aos negócios públicos um resultado,
148 Política.
conforme aos desejos, e communs esperanças d' El Rey e
da Naçaõ. Tivemos sempre em vista este objecto, naõ
obstante os obstáculos, que se nos opposéram pelas dificul-
dades das matérias, pela sna complicação, pelas novas cir-
cumstancias e formas a que éra necessário attender. Forti-
ficados pela consciência da pureza de nossas intençoens, e
pelo zelo que temos empregado no preenchimento de
nossos deveres para com a nossa amada pátria, e para
com um Governo sábio e paternal, submettemos os nossos
trabalhos ao juizo de nossos contemporâneos, e da poste-
ridade.
Ainda que tivéssemos de lamentar, que algumas de nossas
resoluçoens, que nós julgávamos de considerável importân-
cia, naõ houvessem tido naquelle momento o desejado
effeito, comtudo lisongeamo-nos de ter feito alguma cousa
para o bem do Reyno.
A constituição, que serve de garantia a nossa liberdade
legal; a uniaõ da peninsula Seandinavia debaixo de um
sábio Governo, que assegura a nossa condição politica; as
bases, que temos trabalhado por fixar, de parte dos nosso-
arranjamentos internos ; e as medidas, que podemos espe-
rar para o futuro, quando as assembléas nacionaes tiverem
adquirido maior experiência, nos fazem esperar a futura
felicidade da Norwega. Ouça o Ceo os nossus rogo!
Vós, Senhor, segundo o desejo da NaçaÕ, oecupaes
presentemente o lugar de Vice Rey ; e vós nobre Prín-
cipe, que segundo as esperanças, que S. M. nos tem dado,
em breve o exerci tarei s ; estais ao ponto de voltar para nm
povo composto de nossos irmaõs. O pezar, que temos, de
naõ ver mais prolongada a vossa estada entre nós, he com-
pensado somente pela convicção de que vós sereis, juncto
ao throno, o interprete da Naçaõ, e o protector de seus
direitos.
Concidadãos, Membros doStorthing;—Depois de haver
terminado os nossos difficeis e importantes trabalhos esta-
7
Politica. 149
mos aos ponto de voltar para nossas casas. Esforceroonos
cada um de nós, por varonil comportamento, e prudentes
discursos, em derramar em torno de nós o respeito ás leys,
e ordenanças do Estado; e a confiança e affeiçaõ aos que
o governam. Porém, sobre tudo, demos as graças ao Ora-
nipotente, que nos tem permittido gozar aquella paz e
felicidade, que tantos outros paizes tem desejado em
vaõ.
Deus guarde a El Rey e ao seu Reyno.
WURTEHBERO.
Memorial dos Estados a Sua Majestade.
Temos sido informados com certeza, de que Vossa Ma-
jestade tem ordenado uma leva de recrutas de 900 homens.
Esta ordenação foi expedida, sem que os Estados tivessem
nenhuma communicaçaõ official délla, em profunda paz,
sem nenhuma razaõ plausível; a tempo em que está ainda
em pé uma força militar, calculada para otempo de guerra,
eque excede muito os meios do paiz: quando os tra-
balhos do campo requerem imperiosamente os braços de
tados os trabalhadores ; quando tudo indica a necessidade
de diminuir as despezas do Estado, e quando a miséria,
que existe entre o povo, he tal, que he impossível descre-
velia. Elles souberam com grande susto, que a sua penú-
ria, que parecia haver chegado ao seu maior auge, havia
ainda de ser augmentada.
Os elementos, de dia em dia, privam o cultivador do
prospecto, que até aqui o tinha snpportado prevenindo a
desesperaçaõ; mas estas misérias augmentam diaria-
mente, e excitam o temor da mais tremenda extremi-
dade. Em taes circumstancias os abaixo assignados naõ
podiam ter esperado tal ordenação : nella vêm uma nova
e triste prova, que os convence da pouca razaõ que tinham,
para fomentar, no espirito dos povos, esperanças de al-
VOL. XVII. No. 99. u
150 Politica.
<ruma mitigação em sua sorte ; e de que voltasse outravez
a ordem politica solidamente confirmada ; porque, ainda
que se debandasse igual numero de tropas, o povo via,
que, depois desse debandamento das tropas, as que ficavam
excediam muito os meios do paiz; e naõ podia assim ficar
satisfeito de que esse beneficio naõ havia de ser inutilizado
pela medida de novas levas de gente. Em conseqüência,
os Estados se vem obrigados a rogar encarecidamente a
S. M., que se sirva condescender em revogar a dieta
ordenação.
H e verdade que V- M. declarou aos abaixo-assignados,
pelo rescripto de 24 de Junho," que se naõ receberia, nem
se responderia a nenhuma petição ou representação, que elles
apresentassem, a naõ ter por objecto o seu peculiar negocio,
que he a Constituição." Porém naõ obstante que essa
declaração seja de taõ pouca satisfacçaõ aos Estados
assim como a todo o povo, nem por isso deixam os abaixo-
assignados de se supporem desligados das obrigaçoens,
que os seus deveres lhes impõem. Se elles se deixassem
ficar mudos expectadores da execução da sobredicta me-
dida, elles teriam sido tanto mais culpados da violação da-
quelles deveres, quanto estes tem sido reconhecidos da
forma mais authentica, tanto por Vossa Majestade e pelo
povo, como por seus representantes. No rescripto de 21
de Julho do anno passado, V. M. expressou que naõ tinha
duvidas, a respeito do direito dos abaixo assignados, em
protestar quanto ás levas de tropas : em outro rescripto da
mesma data, V. M. até declarou da maneira mais formal,
que as negociaçoens entre o Governo e os Estados, sobre as
queixas do paiz, eram independentes das discussoens sobre
a Constituição ; e naõ deviam soffrer demora. Os direitos
do povo, e os dos Estados, de fazer representaçoens ante o
vosso throno, naõ precisam de novas provas. Se, peta
nova convocação, dos Estados, assim como pelos rescriptos
de Vossa Majestade de 16 de Outubro, e 13 de Novembro,
Politica. 151
de 1815, o povo tinha de ser abandonado ao poder arbi-
trário; se os seus representantes naõ separarem os direitos
dos deveres ; se, ainda mesmo sem novo compacto consti-
tucional, elles naõ podem oliiar para o infeliz povo Wur-
temburguez como um povo sem direitos; se, por todos os
seus procedimentos, naõ só os que se referem meramente
ás negociaçoens sobre o restabelicimento da Constituição,
elles tem trabalhado por manter um estado de direitos, que,
até independentemente de toda a constituição primitiva,
existe entre todo c qualquer Governo e o povo, que he
representado por Estados :—naõ se deduz daqui nenhum
fundamento plausível para aceusar a sua assemblea de ter
espirito revolucionário.
HANOVER.
Patente do Principe Regente, pela qual declara a cessaõ
do Ducado de Lauenbvrgo á Prússia.
George, Principe Regente em nome e a bem de Sua
Majestade George III, pela graça de Deus, Rey do Reyno
Unido da Gram Bretanha e Irlanda, Rey de Hanover,
Duque de Brunswick e Lunebuig, &c.
Na final libertação da Alemanha de um jugo estrangeiro,
effectuada pelo auxilio das Potências Alliadas, era o nosso
mais anxioso desejo tomar a unir debaixo do nosso sceptro
todas as possessoens da nossa casa em Alemanha, e con-
servallas inseparáveis; e para poder remunerar os vasallos
dellas, pela lealdade e affeiçaõ, de que elles nos tem dado
as mais assignaladas provas, mesmo debaixoda opressão
de uma occupaçaõ estrangeira. Este esforço, que,
em todos os tempos, temos preferido ao engrandeci-
mento do território de nossos Estados, tinham também
por seu objecto especial a conservação indivisível do
ducado de Saxe-Lauenburg, cujos habitantes tinham
sempre, e especialmente nos últimos tempos calamitosos,
u2
152 Politica.
debaixo de um jugo estrangeiro, dado indubitaveis provas
de sua devoção e aflecto a nós e a nossa Casa: e para o
alcance deste objecto nós o fièrecemos promptamente o fazer
todos os sacrifícios, que fossem compatíveis coma verda-
deira felicidade dos nossos Estados Alemaens como um
todo.
Como, porém, he uma das conseqüências das diversas
mudanças, que tantos dos Estados Europeos tem sido
obrigados a soffrer, pelo aperto das circuinstâncias ; que,
para a confirmação das futuras relaçoens territoriaes da
Alemanha, nem se desprezassem as opinioens das Potências,
com cujo auxilio se libertou o nosso paiz de um jugo es-
trangeiro ; nem que se separassem os interesses da Ale-
manha, e seus differentes Estados, do que éra necessário
para a execução dos differentes tractados concluídos entre
as Potências Estrangeiras, e para a manutenção da tran-
quillidade geral, que delles dependem ; assim dahi se
seguio, que ficasse connexa com as importantes conseqüên-
cias da felicidade de nossos outros Estados da Alemanha,
em geral, a cessaõ ao Rey de Prússia da quella parte do
Ducado de Saxe-Lauenburg, que fica na margem esquerda
do Elbe. Este consentimento de nossa parte foi tam im-
periosamente necessário, que qualquer ulterior demora, que
nisso puzessemos, naõ seguraria aos nossos vassallos desta
parte a sua connexaõ com o nosso sceptro.
Nestas circumstancias, e convencido de que he do nosso
dever fazer este sacrifício, por mais árduo que elle seja a
nosso coração, para utilidade do todo, temos resolvido, em
conformidade de um tractado, concluído com El Rey de
Prússia aos 29 de Maio do anno passado; e ao depois
modificado por outro tractado de 23 de Septembro se-
guinte, ceder, e pôr á disposição de S. M. Prussiana,
aquella porçaõ do Ducado de Lauenburg situada na mar-
gem direita do Elbe, á excepçaõ do Cantaõ de Nenhaus e
do território incluído entre elle e Mecklenburg; por quem
Politica. 153
elle tem de ser immediatamente cedido e traspassado a
Sua Majestade El Rey de Dinamarca.
Temos ao mesmo tempo estipulado a manutenção de
todos os actuaes direitos e privilégios da dieta porçaõ ce-
dida do ducado de Lauenburg • e particularmente o recesso
concluído com os Estados delle aos 15 de Septembro, de
1702, e ratificado por S. M. El Rey aos 21 de Junho de
1765; assim como também, que o novo oecupante tome
sobre si as dividas do Estado, e o prompto e justo paga-
mento dos gastos e dividas contrahidas durante a occupa-
çaõ dos Francezes.
Temos dado commissaõ e poderes a Joaõ Christiano
Duriug, Commendador da nossa Ordem dos Guelfos, para
que ponha em execução a sobredicta sessaõ, e para que,
em nosso nome absolva os Estados e habitantes, era geral,
do juramento de fidelidade e homenagem, porque ate aqui
se achavam ligados á nossa casa ; e ao mesmo tempo que
elle lhes recommenda, que mostrem a mesma fidelidade
e affeiçaõ ao seu novo Governante, que até aqui tem mos-
trado a nós e á nossa Casa, tios lhes communicamos a se-
gurança de que a lembrança de sua lealdade e effeiçaõ a
nós e a nossos antepassados, nunca se riscará de nossos
coraçoens.
Por ordem especial de Sua Alteza Real o Principe
Regente.
C. Von DECXEN,
Von BRBMER,
Von ABNSWALDT.
Hanover, 16 de Julho, 1816.
PAIZES-BAIXOS.
Memorial dos Estados Provinciaes de Liege, á Segunda
Cornara dos Estados Geraes.
Altos e Poderosos Senhores 1—do momento em que a at-
tençaõ dos Estados Geraes he chamada para a organiza-
154 Politica.
çaõ do systema de tributos, no momento em que El Rey
submette á vossa deliberação os planos de seu Ministério,
sobre este importante e delicado ramo da administração, he
do dever daquelles, que S. M. tem chamado a formar os
Estados Provinciaes, o apresentar-vos o tributo de suas
meditaçoens, revelar-vos as suas anxiedades, e fazer-vos
conhecer os desejos do povo. Este dever he também uma
das mais importantes funçocns constitucionaes dos Estados
Provincionaes; e julgamos que, preencbendo-o, conre-
spondemos á confiança de S. M. De todos quantos re.
speitos se lhe podem prestar, a verdade he a que elle
dá mais valor, e que he mais agradável ao seu co-
ração.
Estamos convencidos da necessidade de supprir ás ne-
cessidades do Estado, e invariavelmente daremos o ex-
emplo dos sacrifícios : mas, a fim de que a divida dos
cidadãos para com o Estado seja paga sem queixumes,
he necessário que se observe a ordem natural das contri-
buiçoens, e que a sua repartição seja feita entre todos os
membros do Estado com aquella igualdade, sem a qual
naõ pôde haver justiça. He neste ramo especialmente,
que o Governo se deve mostrar pay commum de todos
os cidadãos, e trabalhar pelos convencer de que, vi-
vendo debaixo das mesmas leys, tem direito ás mesmas
vantagens.
Nesta matéria dos tributos, ha um pequeno numero de
ideas simplices, de principios fundamentaes, de que se
naõ pode o Estadista afastar sem grandes inconvenientes.
Assim, devem impor-se tributos aos productos estrangeiros,
em preferencia aos nacionaes : os objectos de luxo e
mero commodo, antes que os de primeira necessidade ;
e também, ao mesmo tempo que pôde submetter-se aos
tributos o que entra no consuromo doméstico, os artigos
de exportação e o alimento da industria devem ficar
izentos: estes saõ os únicos meios de obter um balanço
Politica. 155
favorável. A questão que se offerece agora he, se o plano
do Ministério he ou naõ conforme a estas ideas e prin-
cipios ? Propôrem-se segeitar o sal a um direito de mais
de 3 florins por 100 libras: a cerveja a um tributo de 1
florim e 14 soldos por hectolitro : e vinho a 24 florins por
pipa : os espíritos ardentes estrangeiros a 40 florins ; e os
nacionaes a 53 florins por pipa ; ao mesmo tempo que o
chá, café, assucar, algudaõ, cacáo, e outros productos
coloniaes estrangeiros saõ quasi izentos de direitos.
Tal systema nos parece destructivo de toda a confiança,
pernicioso á agricultura e ao commercio : parecenos cal-
culado a nutrir uma fatal rivalidade, encadeara industria
e fazer o nosso terreno e a nossa industria tributários aos
estrangeiros. Em primeiro lugar carrega particularmente
sobre o consummo de algumas das provincias do Reyno,
em quanto outras ficam quasi izentas. Em um paiz de
certa extençaõ, o consummo varia, segundo os custumes e
usos : a sciencia da legislação consiste, em pezar devida-
mente estas matérias; taxando os artigos por tal maneira,
que se possa manter a igualdade ; e que a differença das
necessidades dos habitantes naõ seja causa da exempçaõ
de alguns e de sobrecargos em outros. A cerveja he um
artigo de uso geral, nas províncias do Sul: o chá he prin-
cipalmente consummido nas provincias do Norte : entaõ
i porque se naõ ha de establecer ura balanço, taxando o chá
ea cerveja na mesma proporção, em relação ao seu valor. ?
I Porque se naõ ha de lançar antes uma parte destes ex-
orbitantes direitos sobre os productos coloniaes, que está-
vamos acustumados a comprar pot taõ alto preço, em vez
de carregar com elles a cerveja, o sal, e outros artigos de
primeira necessidade, como se pretende no plano dos Mi-
nistros ? i Porque ha de obter uma izençaõ, que nada
justifica, o tabaco, que he um artigo, cujo uso he mera
creatura do habito, e naõ da necessidade ?
O relator do plano dos tributos naõ pôde dissimular,
7
156 Politica.
que seria próprio favorecer a uso da cerveja, bebida sau-
dável, e pouco própria a fomentar o excesso da bebedice:
l como acontece, entaõ, que a par desta judiciosa obser-
vação se acha um regulamento, que eleva o tributo sobre a
cerveja a mais de 50 por cento de seu valor médio nas
provincias? i He a isto que chama favor ? Este direito
he exhorbitante ; assim como os outros, e o he em tal grão,
que o resultado enganará os que o propuzéram : elle
acabará interiamente com as fabricas de cerveja, naquellas
partes, aonde os direitos actuaes, posto que muito menores,
ja as tinham diminuído bastante.
O imposto sobre o vinho hede 40 por cnato do seu valor
médio : a genebra do paiz cento por cento de seu valor
ordinário. A proposição de taõ pezados direitos só se
pôde explicar pelo total esquecimento de grade numero de
artigos, cujo consummo he menos necessário á vida; e
parece que o objecto destas medidas he concentrar as con-
tribuiçoens, em vez de as estender, e de as fazer communs
a todos. Porem ao menos naõ se devia perdoar aos espí-
ritos ardentes estrangeiros, nem deviam estes receber
alguma vantagem, na competência, que éra inevitável; e
com tudo, neste plano, elles tem a quarta parte de menos
nas impossiçoens ; e a genebra fabricada nos paizes vi-
zinhos ao Reyno, sendo admissível, como os espíritos ar-
dentes estrangeiros, ameaça, com uma repentina e desas-
trosa annihilaçaÕ, os lambiques nacionaes, tam úteis a nossa
agricultura.
Propôem-se, contra o exemplo de todas as naçoens es-
trangeiras, e particularmente da Inglaterra, impor um di-
reito sobre o carvaõ, o que causaria rápida diminuição em
nossas fabricas. De toda a parte se tem feito representa-
çoens ; porém a Provincia de Liege deve especialmente
temer as calamidades, que resultariam deste imposto. As
manufacturas de pannos, de pregos, de armas, e de ferro
em geral, as de pedra hume, cobre, e zinco, constituem
Política. 157
haõ somente a riqueza, mas a existência de nossa provin-
cia ; e todas estas forjas, todas estas fabricas, dependem
do uso do carvaõ. Augmentando-se o preço daquelle
combustível (e tal seria o effeito do proposto tributo) rora-
per-se-hia toda a balança, e se daria a superioridade aos
estrangeiros. O Reyno, cercado por industriosas provin-
cias, veria passar para suas maõs o capital das fabricas, e
se substituiria ao que presentemente he objecto de lucrativa
exportação, uma ruinosa importação. Este engano, em
matérias de tam grande interesse, he inconcebível em um
século, em que a competência da industria he um dos mais
csienciaes ramos da política ; e quando o gênio dos ho-
mens se tem applicado, com tam bom successo, em sup-
prir as faltas da natureza, c as desvantagens da posição.
A Inglaterra faz esforços perpétuos, para supprir, pelos
melhoramentos nas artes mechanicas, o que lhes nega o
seu terreno e sua população : o carvaõ, por meio de seus
engenhos de vapor, tem vindo a ser o movei universal de
suas fabricas, i E quererão os povos dos Paizes-Baixos
privar-se dos recursos, que se apresentam á sua industria,
pela fácil extracçaõ do baixo preço do carvaõ? Se a Ze-
lândia, a Hollanda, c Frizelandia tiram a sua opulencia
do commercio e navegação, a Provincia de Liege, e algu-
mas outras da Belgia, devem a sua prosperidade à sua in-
dustria fabricante.
Estes dous interesses tem igual direito á protecçaõ;
porque saõ igualmente preciosos ao Estado : com esta
differença porém, que o commercio marítimo deve sempre
ser precário, em quanto existir uma naçaõ superior no
mar: ao mesmo tempo que as nossas fabricas, fundadas
nos recursos de nosso território, e na industra de seus ha-
bitantes, apresentam uma baze muito mais solida.
Estas penosas verdades nos fôram extorquidas, por um
sentimento de dever, pelo conhecimento das necessidades
do povo, pelo desejo de prevenir as calamidades, qne um
VOL. X V I I . N o . 99. x
158 Commercio e Artes.
máo systema deve ocasionar, e especialmente pela necessi-
dade de estabelecer o Reyno sobre a baze de uma uniaõ
franca e desinteressada. Esta uniaõ só pôde ser estabele-
eida e mantida por uma igual distribuição dos encargos
públicos : os zelos perturbam as familias, assolam as ci«
dades e solapam os fundamentos sobre que descança a se-
gurança do Estado. A uniaõ de todos os vassallos he a
verdadeira garantia da prosperidade das naçoens.
COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco.
A continuação deste monopólio, depois do clamor que
sobre isto se tem feito, he ja tam escandalosa, que até os
mais vis aduladores do Governo se naõ atrevem a defen-
dêllo. Quem tal diria ! O Investigador Portuguez mesmo,
no seu No. 62, p. 256, se declarou abertamente contra o
Governo de Lisboa, incluindo o Principal Souza (he
verdade que ja naõ está em Londres o Conde de Funchal;
por tanto, diz o rifaõ ; " agora frades agora, que anda o
guardião por fôra.) pelos procedimentos que tem practi-
cado sobre a arremataçaõ deste Contracto. Veremos depois
que o Investigador advogou esta causa de má vontade,
pelo mal que a defendeo.
Achamos porém publicadas as condiçoens, que offere-
cêram os negociantes rivaes dos actuaes contractadores, e
dizem que o seguinte papel he copiado que elles apresen-
taram á Juncta do Tabaco.
Pnmeira proposta.
1. O Abaixo assignado Diogo Ratton, Fidalgo Cavalei-
ro da Casa de S. A. R. e negociante desta praça, se pro-
põem fazer um serviço muito relevante ao mesmo Senhor,
pelo qual espera da sua Real benignidade, que conhecido,
Commercio e Artes. 171
haja de o tomar na sua Regia contemplação, para o at-
tender como for servido.
2. Esta lembrança hc filha das repetidas conversas, quu
elle teve com seu pay, Jacomo Rattnn, sobre este assumpto
quando antes de sua deportação viviam junetos : e isto cm
razaõ de ter sido um dos principaes estudos do dicto sen
pay a economia politica, pela precisão que tinha de o
fazer, para desempenho do lugar que servia, de Deputado
do Tribunal da Real Juncta do Commercio, que tantos
annos teve a honra de occupar.
Foi sempre um ramo das rendas Reaes, que mereceo
muito a sua attençaõ, o contracto geral do tabaco c das
saboarias, e o modo porque se poderia fazer mais produe-
tivo ao Real Erário ; e, ao mesmo tempo, o Governo pu-
desse conhecer fia sua administração, e de seus lucros, pa-
ra que assim naõ continuasse a ser uma espécie de patri-
mônio de um pequeno numero de negociantes, sem que se
habilitassem outros, para haver para o futuro a necessária
concurrencia na sua arremataçaõ.
3. Para este fim tem formado uma companhia de nego-
ciantes honrados, c abonados desta praça, e da do Porto,
dos quaes tem procuração bastante, e tendo combinado os
seus próprios interesses com os da Real fazenda, se pro-
põem augmentar o rendimento do contracto gerai do ta-
baco e saboarias, c fazer conhecer ao Governo, qual seja o
seu verdadeiro, e effectivo rendimento, na forma e com as
condiçoens seguintes. A saber.
Ia. Que o contracto geral do tabaco e saboarias, lhe ha
de ser arrematado por nove annos, que haõ de principiar
em o 1*. de Janeiro, 1818, e haõ de acabar em o ultimo de
Dezembro, de 1826 ; pelo mesmo preço e condiçoens, que
o trazem os actuaes contractadores, fazendo as mesmas
despezas da arremataçaõ que elles fizeram ; pagando to-
das as propinas que estaõ cm practica, sem alteração al-
guma ; assim como se obrigarão á mesma forma dos pa-
172 Commercio e Artes.
gamentos cm mezadas, e quartéis, nos dias determinados
sem nenhuma differença.
2*. Que além do dicto preço e condiçoens, por que os
trazem os actuaes contractadores, que todas faz certas, of-
ferece á Real fazenda a quinta parte dos lucros, que se li-
quidarem annualmente ; para o que se obrigará a com-
panhia a trazer sempre a sua cscripturaçaÕ ein dia, com
toda a regularidade ; para no fim de cada anno se fazer
um balanço geral, pelo qual se venha no conhecimento dos
dictos lucros, e quinze dias, depois de fechado o dicto ba-
lanço annual, entrará no Real Erário com a somma, que
importar a dieta quinta parte.
3*. Que quando, porém, sueceda haver perdas (o que Deus
naõ perraitta) ou haver lucros tam diminutos, que a quinta
parte delles naõ preencham cem mil cruzados, a compa-
nhia se obrigará a preenchêllos á sua custa; e a entrar com
elles sempre annualmente no Real Erário, na dieta forma,
quinze dias depois do balanço.
4'. Que para desvanecer toda e qualquer duvida, que
se possa offerecer a respeito do comportamento e boa fé
da companhia, ou delles contractadores, se lhe nomeará
um Fiscal por parte da Real fazenda, que diariamente ex-
amine c fiscalize a exacçaõ da escripturaçaÕ, e do balanço
annual, para o qne lembra Alexandre Antonio das Neves,
por ja se achar aprovado por S. A. R., ou outro qualquer
de reconhecida probidade, e conhecimentos necessários, á
eleição do Governo.
5*. Que, no caso de haver perdas, estas recairão sempre
sobre a companhia, ou sobre elles contractadores, sem que
dellas possam pedir indemnizaçaõ, salvo o cazo de invazaõ
do inimigo, o que Deus taõ permitta.
(Assignado) D I O G O RATTON.
Lisboa, 18 de Junho, 1816.
Nomes dos sócios e fiadores do sobredicto Diogo Rat-
ton: a saber; em Lisboa, Nicolao Clamouse, Browne &
Commercio e Artes. 173
C*. Joze Diogo de Bastos. No Porto, a Casa de Bernar-
do Clamoose Browne and C\, que se compõem dos se-
guintes sócios, Pedro de Clamouse Browne, Joaõ Luiz de
Ia Roque, Manuel de Clamouse Browne, Francisco de
Clamouse Browne.
f
Pernambuco. libra... 2 s . • P 2s.
Ceará 26. èP- 2s.
Bahia ls. llp 2s.
Maranhão .. Is. l l p . '8s. Tp. por lb. 100 em na-
Pará vio Portuguez ou Inglez.
Minas novas
Capitania. ..
An n il Rio 3s. 6p. 4s. 6p. 4|p. por lb.
Ipecacuanha Brazil 9s. 6p. lOs. 6p. 3s. 6|p.
Salsa Parrilha Pará 3s. 8p. 4s. 2p. ls 2*P.
Óleo de cupaiba 3s. 6p. 9p. ls UJp.
Tapioca Brazil 8p. 12p 4p.
Ourocu ls. 6p. 2s. Sp. direitos pagos pelocompdor
Tabaco . em rolo 4p. 5p. > Livre de direitos por e».
Í em folha . . . .
ÍA
4p.
9p.
5p.J portaçao.
9Jp
j
'Rio da Prata pilha < B 8p. 8ip
(C 6íp. 7p.
CA v9|p. por couro em navio
Couros \ Rio Grande <B Portuguez ou Inglez.
c
(
Pernambuco salgados
-Rio Grande de cavalho couro • • 4s. 6p. Ts. 6p.
Chifres RioGrande. 12|3 38s. 6p. 40s. 6p. 5s. 6jp. por 100.
Páo Brazil Pernambuco Tonelada 115/.
Páo amar rello . . . . Brazil
r.
120/. ) direitos pagos pelo com
7s. 0p.| 8s. Op. J prador
Esp<
ecie.
Ouro em barra £%
Peças de 6400 reis.
Dohroens Hespanhoes, por onça.
Pezos dictos
Prata em barra
Câmbios.
Rio de Janeiro 58| Hamburgo 36
Lisboa 55$ Cadiz . . . . 34
Porto 55i Gibraltar.. 31
Paris 25 90 Gênova . . .
Amsterdam 12 6 43*
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2£Gnineo8.
Lisboa )
Porto J .... U
•5 li.
Madeira 1 •í.
Açores 21.
Rio da Prata 2 .
3i. 3 .
Bengala 3
C 179 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R U A .
PORTUGAL.
o
Sahio a luz : o 2 . tomo do Guarda-livros Moderno, ou
curso completo de instrucçoens elementares sobre o Com-
mercio, tanto em mercadorias, como em banco. Preço
1800 réis.
BRAZIL.
Prelecçoens Philosophicas sobre a Theorica do Discurso e
da Linguagem, a Estética e Dicecsina, e a Cosmologia.
Por Silvestre Pinheiro Ferreira. Rio-de-Janeiro,
1813.
No vol. xiii. p . 460, deste Periódico, annunciamos ja
esta obra; e demos uma breve idea das oito Prelecçoens,
que até entaõ tinham apparecido. Agora, neste mez de
Agosto, nos chegaram ás maõs as outras Prelecçoens,
desde a nona até a vigessima segunda, a que acompanha
uma traducçaõ das Cathegorias de Aristóteles ; pelo mes-
mo Author.
Na prelecçaõ nona ; e primeira das que tivemos o gosto
de ler por esta vez; começa o A. a examinar a philoso-
phia dos antigos e modernos Authores ; e dá principio á
matéria pelas Cathegorias de Aristóteles, como aquelle que
sem duvida tem a primazia ; a qual abundantemente se
mostra, nesta sua obra das Cathegorias; aonde se encon-
tram as mais bellas regras de raciocinar, e fallar com
justeza. Esta prelecçaõ nona explica os principios e jus-
tifica as razoens em que Aristóteles fundou as suas catego-
rias, ou distribuição das ideas em differentes classes ; pelo
que vem esta prelecçaõ a ser mui importante, naõ só para
entender o que o A. diz para o diante ; mas para facilitar
a intelligencia da mesma obra d'Aristoleles.
Nada he mais justo do que a importância que o A. dá
(§ 315) á nomendatura das sciencias: os conhecimentos,
que qualquer homem adquirisse por sua experiência e por
sua meditação, findariam com elle, se naõ pudesse com-
municallos aos demais homens por termos intelligiveis:
assim vemos, que muitos remédios, descubertos pelos anti-
gos, se nao podem usar, ja porque a descripçaõ dos medi-
camentos naõ he intelligivel, já porque ás mesmas enfer-
midades naõ saõ suficientemente characterizadas: e nada
188 Literatura e Sciencias.
contribue mais para a clareza, na communicaçaõ de nossas
ideas, do que a boa nomenclatura.
E com tudo, apenas podemos convir com o A. quando
elle leva isto ao ponto de dizer (322) que " as sciencias
nada mais saõ do que o conhecimento do valor das pala-
vras e phrazes, que constituem a particular nomendatura de
cada uma dellas."
Segundo o mesmo A. (^ 10) a nomenclatura das scien-
cias naõ he senaõ um dos cinco elementos de que ellas se
compõem ; e por isso he difficil de entender porque o A.
neste lugar reduza as sciencias unicamente ao conheci-
mento da nomenclatura. Se nós tivéssemos de diffinir a
sciencia meramente por um dos ciuco elementos, que o A.
lhe assigna, diríamos antes, que " as sciencias nada mais
saõ do que o conhecimento dos factos, sobre que cada
uma dellas se versa." Assim aquelle que soubesse maior
numero de factos seria o mais sábio; mas se julgamos esta
nossa difíiniçaõ defeituosa, por naõ abranger quanto he
necessário, muito menos podemos adimittir a do A., que,
conrespondendo com a nossa no demais, em lugar dos
factos põem a nomenclatura.
Nós conhecemos na America Septentrional, em New-
Jersey, um índio mudo, c que naõ sabia lêr nem escrever.
Este homem éra o curandeiro de sua tribu, e tinha feito
um extraordinário estudo de botânica, e dizem, que tinha
aprendido de sua mãy o conhecimento das virtudes de
muitas plantas; e o mais notável he, que, havendo feito
uma espécie de erbolario, ou collecçaõ de plantas secas, as
tinha classificado, em parteleiras, na sua cabana, segundo
a configuração das raízes, e dahi segundo os usos á que as
destinava; como vomitorios, purgas, antídotos para mor-
deduras de cobras, &c.
Deixando de parte o pequeno gráo de perfeição; ou,
para melhor dizer, a imperfeição da sciencia daquelle
índio, he evidente, que elle possuía em algum gráo ás
Literatura e Sciencias. 189
sciencias da botânica e da matéria medica, sem conheci-
mento do valor de palavras e de phrases ; porque as naõ
tinha; e éra mudo. Se porém o tal Índio quizesse com-
municar essa sciencia, que tinha adquirido, entaõ as pa-
lavras e phrases lhe seriam necessárias ; e tanto melhor
daria a conhecer aos outros o que elle sabia, quanto mais
correctas e mais bem diffinidas fossem as palavras e phra-
ses, que para isso usasse, porque em fim concordamos
perfeitamente com o que o A. diz ($ 323) de que as diffini-
çoens, axiomas, theoremas, e problemas abrangem todas
as partes de um tractado de qualquer sciencia; posto
que naõ sejam a mesma sciencia; pois esta, quanto a nós,
consiste no conhecimento que tem o que a possue, e a
quem chamamos sábio, dos factos, que lhe saõ relativos, e
de um bem dirigido raciocínio, na sua combinação. Neste
sentido he impossível admittir a distineçaõ, que o, A. faz,
($ 538) entre conhecimentos e sciencia: porquanto o
mesmo A., quando tracta de distinguir o estado das scien-
cias do gráo de conhecimentos do sábio escriptor (ç 633),
chama sciencia a massa de doutrinas espalhadas por todos
os escriptos, que delia tractam."
A prelecçaõ décima contem explicaçoens ao segundo
aphorismo das Cathegorias d'Aristóteles; por occasiaõ
disso mostra a importância de bem entender os termos de
Aristóteles horaonymo, e synonymo; assim como os do A.
equivoco, e uoivoco; porque traduz os de Aristóteles. A
undecima prelecçaõ continua ainda com o segundo apho-
rismo : e na duodecima passa ao terceiro e quarto» A
décima terceira prelecçaõ oecupa-se com os aphorismos 5*.
e8™.
O A., tractando nesta ultima prelecçaõ a utilissima ma-
téria dos systemas ; c havendo dado aos systemas natural,
e artificial, os nomes de exegetico e diagnostico; inter-
rompe a sua série de explicaçoens sobre os aphorismos de
Aristóteles; e no $ 494, final desta prelecçaõ, diz as ma-
VOL. X V I I . No. 99. 2B
190 Literatura e Sciencias.
terias que se propõem tractar para o diante, do seguinte
modo : —
" Mais teria eu a observar-vos, sobre a arte e a historia dos sys»
temas. Porém o apontado basta por ora, para o fim de vos desen-
volver a doutrina de Aristóteles, e mostrar-vos na applicaçaõ a este
assumpto, a grande comprehensao de suas utilidades. E portanto,
reservando para mais opportuna occasiaõ o voltar á doutrina dos
systemas, passarei a fallar de outra applicaçaõ por extremo interes-
sante das quatro quandes cathegorias de que tractamos, bem como
das três mencionadas nos três aphorismos de Aristóteles; e vem a ser s
a de estabelecer uma espécie de harmonia entre os differentes idiomas -
facilitar o estudo das linguas estrangeiras; e resolver de um modo
indirecto o grande problema de uma lingua universal: ou ao menos
de um modo de conrespondencia geral entre todas as oraçoens; ao
que os modernos tem dado o nome de passigraphia: na seguinte pre-
lecçaõ tractarei destes differentes usos, a que os philosophos naõ
tem prestado toda a attençaõ, que a importância das suas incalculá-
veis vantagens, no tracto social, lhes devera ter aconselhado."
O A. satisfaz ao diante (% 583) a objecçaõ, que aqui se-
ria mui obvia, de interromper a analize das Cathegorias
d'Aristoteles,estendendo-seem todas as seguintes prelecçoens
(14 a ., ate 22 a .) no parallelo entre as sciencias phisicas e
mathematicas com as moraes, para examinar qual dellas se
acha mais adiantada.
A composição e publicação immediata das prelecçoens,
que naõ permitte a escolha das matérias ; e a considera-
ção de que estas prelecçoens philosophicas, sobre as sci-
encias em geral, naõ eram destinadas a servir de curso
elementar de Philosophia; saÕas razoens do A. para naõ se-
guir uma ligação methodica das ideas, que, sé existisse,
haveria mostrado, que o A. trabalhava sobre ura plano
systematico, em que a distribuição das matérias fosse con-
forme ao arranjamento que o A. tivesse adoptado. Porém
segundo esta declaração do A. parecenos que o Leitor so
deve esperar disserlaçoens sobre vários pontos das sci-
encias, e destinadas para aquella classe de pessoas, que,
Literatura e Sciencias. 191
tendo ja feito um curso de estudos, possue os principios, e
entende a linguagem das sciencias.
Nós naõ podemos aqui deixar de observar, que O A.
mostra vasta amplitude de conhecimentos, nos exemplos de
que se vale, para explicar os seus principios. A cada
passo se acham exemplos tirados dos termos técnicos da
Historia Natural, da Medecina, de todos os ramos das
Mathematicas, da Jurisprudência, &c. Ora he evidente,
que a classe de homens estudiosos, que se tenham appli-
cado ao conhecimento geral das sciencias, ainda sem passar
muito além da nomenclatura, he uma classe bem limitada
de pessoas ; c se fallarmos da mocidade, aquém o A.
dirige as suas prelecçoens, os indivíduos, que possam ter
os conhecimentos, que os exemplos de que se usa nestas
prelecçoens prcsupôem, saõ na verdade rarissimos. O A.
mesmo convém, que pudera ter tirado os seus exemplos,
se quizesse, de cousas triviaes ; e que estivessem portanto
ao capto do commum dos ouvintes de suas prelecçoens;
mas aprouve-llie obrar de outra maneira.
O parallelo do progresso das sciencias em que o A, en-
tra, desde a décima quarta prelecçaõ em diante, merece
bastante attençaõ, naõ só pela importância da matéria, mas
também pelo methodo e arranjamento com que o A. tracta
esta questão.
Havendo o A. reduzido a cinco os elementos das sci-
encias ; a saber, factos, nomenclatura, systema, theoria e
methodo, procede a comparar, as sciencias naturaes com
as moraes, em cada uma destas cinco divisoens, para
chegarão resultado de saber, quaes dellas se acham mais adi-
antadas, e em que parte ou partes destes elementos existe
o tal adiamento; e para provar a necessidade de examinar
a questão com estas distineçoens, se explica com o exemplo
da medecina. (§ 437)
" Be assim, que a medecina, rica em factos, he pobríssima em
nomenclatura • e os mesmos factos acham-se ali até o presente isola-
2 B 2
Í92 Literatura e Sciencias.
dos, sem sustenta. Porém muito mais feliz do que outras Sciencias
no que respeita a theorica, pode apontar sobre as causas, razoens, e
effeitos da maior parte dos symptomas senaõ tudo, ao menos, o que
mais nos importa conhecer He evidente, que, estando taõ atrazada
em nomenclatura, e taõ destituída de systema ; nem mesmo podem
estar lançadas as bases para o methodo, ou, como alguns se explicam,
para uma Philosophia Medica.'"
Tara se entender o bem deduzido parallelo, que o A.
faz das sciencias, he mui essencial ter em vista as divisoens,
e subdivisoens, que dellas faz; assim como as deffiniçoens,
que lhes ajuncta (desde o § 507 até % 512); aqui transcre-
veremos esses lugares do A. antes de dar-mos a nossa
opinião sobre o seu parallelo.
" §507 Abordemos á proposta questão do parallelo das sci-
encias Moraes com as sciencias Phisicas e Mathematicas, debaixo
deste mesmo ponto de vista. E primeiro que tudo fixemos os limites
década uma daqueltas sciencias."
" Appellidara-se pois Phisicas aquellas, que tractam das proprie-
dades dos corpos. Todas as outras intitulam-se Moraes como j s
acima notamos (§495). O campo das primeiras abraça todos os phe.
nomenosnaí inlellectiia.es da Natureza: o destas ultimas naõ se estende
além de uma parte dos phenomeuos do Reyno Animal; quero dizer
aquelles, cujo complexo constitue o que se chama Intelligencia."
" 508. £ ainda he de advertir, que, supposto a alçada das sciencias
denominadas Moraes comprehenda todos os phenomenos da Intelli-
gencia ; de facto póde-se dizer, que até ao presente se acha unica-
mente limitada â Psycologia do Homem. Mas he certo, e convém
fazer-vos notar, que cada uma das innumeraveis familias do Reyno
Animal offerece á sciencia uma nova ordem de intelligencias. E sem
duvida enriqueceria a Psycologia com a descuberta de novos entes o
Philosopho que descrevesse com mais exactidaõ e miudeza, do que
até agora se tem feito, algumas das immensas variedades de entes sen-
sives, que o altento observador contempla extasiado nas differentes
classes de animaes, que povoam o universo, desde o homem até ao
Poljpo."
" 509. Tanto as sciencias Phisicas como as Moraes se dividem em
Positivas e fíypotheticas; e tanto umas como outras saõ históricas ou
theoreticas."
" 510. A parte histórica das sciencias Phisicas affeclou-se o nome
Literatura e Sciencias. 193
de Historia Natural. E á theoretica os de Phisica e de Chimica, na
maneira que expuzemos nos •}§ 156, e 160, advertindo que, quando
assim se contrapõem phisico e chimico, significa o mesmo que me-
chanico."
" 511. Quanto ás sciencias Moraes, distinguindo-as igualmente
naquellas mesmas rubricas, denominaremos umas Sciencias Moraes
Históricas, (ou Historia Natural dos Entes Intelligentes) : e as outras
thepreticas $ que vem a ser a Lógica, a Grammatica, a Esthetica e a
Diceosina.
" 512. Assim como as sciencias Phisicas, logo que saem da es-
phera dos phenomenos, que nos offerecem os corpos da natureza, e
simplificando os objectos e as expressoens, se remontam á vasta re-
gião das hypotheses, se appellidatn Sciencias Mathematicas; do
mesmo modo as Sciencias Moraes, partindo dos phenomenos
intellectuaes, que a experiência nos mostra, criam um mundo hypo-
thetico, edam origem a uma nova ordem de sciencias, que eu de-
nominarei Sciencias Moraes Hypotheticas,e que se poderiam chamar
as Mathematicas das Sciencias Moraes; porque também aqui, por
meio da abstracçaõ e simplificação dos objectos, se chega a deduzir
daquellas hypotheses certas formulas, que, supposto naõ representem
os objectos moraes, taes como elles saõ na natureza, servem com
tudo para os virmos a conhecer por approximaçaõ. E para isso naõ
temos mais do que substituir ás expressoens geraes, e indetermina-
das daquellas formulas, as expressoens determinadas, que a sciencia
Moral Histórica nos offerecer, para o caso que se tractar. Quantas
questoens, por exemplo, naõ resolvemos nós cada dia, com a citação
de uma sentença, de uma máxima, de um provérbio ? Pois estas
nada mais saõ do que expressoens geraes, de que a questão que ven-
tilamos he um caso particular; bem como o saõ das formulas da
Mathematica as questoens, que, pela citação detlas, se resolvem."
Discorrendo o A. pelas differentes sciencias, segundo a
divisão que dellas fez ; e em cada uma dellas pelos cinco
elementos, que deixamos apontado; em todos elles acha
que a preferencia está da parte das sciencias moraes ; e
nos que somos perfeitamente de acordo com a opinaõ do A.
somente pudemos notar neste parallelo, que o A. apontando
a maior parte das faltas, que, em cada um dos cinco ele-
mentos, se observam nas sciencias Naturaes ou Phisicas,
naõ se encarrega sempre do mesmo trabalho, pelo que re-
194 Literatura e Sciencias.
speita as sciencias Moraes; o que notamos, naõ por aceu-
sar o A. de parcialidade, mas porque nos parece que a
comparação seria cabal mente entendida, se a pardas faltas
das Sciencias Naturaes viessem os defeitos das Sciencias
Moraes ; e immediato ás vantagens das Sciencias Moraes
viessem expostos também os melhoramentos das sciencias
Phisicas. Explicaremos com um ou outro exemplo o que
dizemos.
Comparando o A. as sciencias, pelo que respeita a sys-
tema, na prelecçaõ J9 ; desenvolve com a maior clareza
cinco differentes espécies de systemas; expõem mui judicio-
samente os systemas artifial e natural, nota os defeitos
dos systemas nas sciencas naturaes, e decide-se pelas
moraes.
Do % 641 em diante toma para segundo exemplo o es-
tado da Jurisprudência ; e lembra o que ha nesta matéria
de bom pelo que respeita ao systema. Mas nós deseja-
ríamos ver comparados o melhor systema de Historia Na-
tural, com o melhor systema de Jurisprudência, para vêr
entaõ qual destes systemas conrespondia melhor aos seus
fins.
Supponhamos que a comparação éra feita entre a Histo-
ria Natural de Linneo, e o Digesto i Qual destas duas
obras classifica melhor os seus objectos ? Qual tem as di-
visoens mais adaptadas á natureza das matérias i Qual
offerece mais auxilio á memória pela ligação dos differentes
assumptos uns depois de outros ?
Quando o A., notando os defeitos do systema de Linneo,
aponta o acharem-se connexos em uma divissaõ o bugie
e a balea; nos teria muito satisfeito, se notasse também,que
os escravos, no Direito Romano, saõ considerados como
cousas e naõ como pessoas, e que por tanto os titulos sobre
os escravos naõ devem entrar na divisão daquelles em que
se tracta de pessoas.
Pelo que respeita a nomenclatura, quando o A. mortra
Literatura e Sciencias, 195
os defeitos da nomenclatura nas sciencias naturaes ; po-
deria também ajunctar logo os grandíssimos defeitos da
nomenclatura na jurisprudência; e que tem sido mo-
tivo de tam bem fundadas queixas de muitos Juriscon-
sultos.
O A. leva esta súperidade das sciencias Moraes ao
ponto de dizer, pelo que respeita a linguagem, que " naõ
constando as línguas vulgares senaó de palavras e de
phrases, cujo valor tem sido determinado e fixado pelo
uso dos povos, naõ pode jamais ser incerto, ainda que al-
gumas vezes possa ser difficil de definir."
Era para desejar, que o A. lembrasse também aqui as
immensas duvidas que occorrera todos os dias, em conse-
qüência da incerteza do valor das palavras e phrases.
Continuamente he necessário recorrer á decisaõ de juizes
ou de árbitros, para dar alguma intelligencia ás disposi-
çoens testamentarias, ainda quando o testador se tem es-
forçado por expressar claramente a sua vontade. As pa-
lavras de que usaõ os indivíduos nos seus contractos, saõ
constantemente a causa de demandas, para averiguar o
seu valor ; e na legislação Romana este inconvemente foi
sentido a tal ponto, que se determinaram certas formulas
das quaes deviam os contractantes usar, sobpena de serem
nullos seus contractos ; formulas que outros legisladores
acharam ser remédio quasi tám pernicioso, como a mal a
que se propunham curar : e assim se puseram outra vez
essas formas ou em desuso, ou sugeitas a muitas excepçoens
e modificacoens.
As mesmas leys, cujas palavras saõ ponderadas com to-
do o cuidado, offerecem exemplos de tanta incerteza na
sua intelligencia, como as expressoens do testador, ou do
contractante.
Isto posto naõ será fácil o provar, em toda a sua exten-
çaõ, que nas línguas vulgares o valor das palavras naõ
pôde jamais ser incerto.
196 Literatura e Sciencia».
O A. fazendo-se cargo de responder a alguma objecçaõ
contra a jurisprudência, diz, (S 646) que he preciso naõ
confundir os erros dos Sábios, com o estado das sciencias;
mas nos julgamos, que nao ha outro modo de comparar o
estado dai sciencias, senaõ comparando os coriíeos de cada
uma dellas um com outro, seja em todos, seja em parte
dos elementos das sciencias. H e por isso que neste paral-
lelo desejávamos ver comparado Linneo com oDigesto,
Tournefort com Coufucio, Boheraave com o Koran. Ou
olhando para os authores novíssimos desejaríamos ver com-
parados o systema nomenclatura e methodo de Cullen, na
Medecina, com Bentham, na Legislação.
Mas nem por isso, que desejávamos ver o parallelo, que
o A. se propôs a fazer das sciencias, exemplificado de
escriptor a escriptor, differimos em opinaõ quanto á con-
clusão, que a vantagem se acha da parte das sciencias
Moraes ; e tanto somos nisto da opinião do A. que naõ
podemos convir na expressão do % 647 (se elle se deve
entender como soa) " de que nenhum dos que escreveram
sobre a Jurisprudência abraçou o plano de recopilar em
um só corpo e tractar methodiamente da Nomenclatura e
Systema da Sciencia:" Porquanto, na nossa opinião isso
fizeram quanto ao Direito Romano, os compiladores das
Institutas deJustiniano,e depois delles Heinecio; e quanto
ao Direito universal Bentham, e outros : a questão he, se
elles fizeram as suas recapitulaçoens com tanto methodo,
taõ boa nomenclatura, e taõ bem aranjado systema, como
Linneo na Botânica, Cullen na Medecina Chaptal na Chi-
raica, &c.
Concluiremos agora esta breve noçaÕ das matérias, que
o A. se propõem tractar nestas Prelecçoens, copiando o
modo porque elle se exprime, sobre a causa da alternativa,
que se tem experimentado em todas as naçoens do mundo,
passando do estado de ignorância ao de instrucçaõ, e deste
outra vez ao estado de ignorância. Ha sem duvida outras
Literatura e Sciencia». 1-97
causas, que a historia nos ensina terem produzido, em al-
gumas naçoens, a fatal passagem das luzes para as trevas,
ott do estado de civilazaçaõ para o da barbaridade, mas
a causa, que o A. assigna, tem sido algumas vezes a única ;
em outras, tem obrado em concurrencia com as demais ;
e se acha taõ enérgica c succinctamente deduzida, que
temos grande prazer em a expor aos nosros Leitores pelas
mesmas palavras do A. (§ 573)
" O vulgo, qualquer que seja a naçaõ, conserva-se sempre em um
destes dous estados. Em quanto o numero dos homens de letras e
de educação he limitado, o vulgo permanece naquella infância de
conhecimentos, a que se chama barbaridade. E depois que, espa-
lhando-se a instrucçaõ, se forma entre os homens de letras e o vulgo
uma classe media, composta de homens encyclopedicos ou charla-
taens $ isto he; que de todas as palavras scienlificai tem idea informe
e estropeada; entaõ começa o império das homonymias ou equí-
vocos."
" 574. Ora como similhante sciencia consista toda em um jogo
de palavras, cousa fácil, e ao alcance de todo o mundo; cresce tanto
mais rapidamente o numero dos adeptos, quanto he agradável a sur-
preza, cora que conduzidos pelo mágico charlatão de metaphora em
metaphora, aprendem e se habituam a discorrer sobre qualquer ma-
téria que se offerece i por quanto dado um thema, isto he uma pro-
posição, em que se affirma ou nega algumas cousa, vara-o sueces-
sivatnente transformando, pela substituição dos synonimos e horao-
nymos, década amadas palavras do mesmo thema: de modo, que
cada nova forma em que elle apparece, por virtude destas suecessi-
vas substituiçoens he uma nova conclusão : he para elles uma nova
verdade, tanto mais notável e preciosa quanto mais paradoxal ou
fora da natural expectaçaõ. Por esta arte o charlatão confunde-se aos
olhos do vulgo com o sábio, naõ só pelo estylo e linguagem, de que
•e serve; mas até pela deducçaõ de novas, e admiráveis conclusoens,
que recebe como outras tantas verdades. Mas aos olhos do vulgo o
charlatão deve apparecer tanto mais superior ao sábio, quanto forem
mais espantosas as conclusoens, que elle deduzir dos seus errôneos dis-
cursos."
" 674. Cresce pois com o numero dos sábios o dos charlat&ens *.
com a differencia porem que a proporção cresce sempre, e com rá-
pido progresso em favor destes: bem depressa a numerosa cohortt
VOL. X V I I . N o . 99. 2 c
198 Literatura e Sciencias.
dos falsos sábios, naõ podendo fazer triumphar seus erros pela per-
suasão, recorre á força : guerras de opinião devastam os Estados *, e
o vulgo, confundindo outra vez os verdadeiros com os falsos sábios,
proscreve de envolta os bons com os máos conhecimentos : mas naõ
podendo banir de uma vez todos os conhecimentos, capitula, e faz
escolha. Ora a verdade he inflexível, naõ sabe capitulai*; a verdade
he uma só, naõ pode haver escolha. A verdade he pois banida, e
dos erros voltam a dominar aquelles, que parecem menos compatíveis
com os erros, que acabam de fazer a desgraça dos poros. Assim
passam alternativamente as naçoens das trevas da barbaridade ás luzes
da razaõ, e destas tornam a cair, sempre conduzidas pela maõ de
charlatanismo, no cahos da ignorância."
diantes, e dos seus músicos, na mesma linha dos seus artífices de toda
espécie.
Isto naõ destroe a distineçaõ entre as duas classes de artistas, por-
que continuando o mesmo inventario, por-se-hia na parte do mo vi-
vei, ou do capital circulante, os productos dos artífices, e até os vi-
veres por consumir, que saem de suas loges ; mas naõ se metteriam
lá as sentenças dadas, as junctas e visitas dos médicos, nem as repre-
sentaçoens, nem os concertos com que o povo se diverte.
204 Literatura e Sciencias.
parte da renda, como já dissemos, naõ he verdadeiramente
um fructo do trabalho humano, mas sim a compensação
de um privilegio; e resulta da espécie de monopólio que
disfructamos proprietários de terras sobre todos os seos
concidadãos.*
Os artífices, e aquelles que possuem trabalho accumu-
lado nunca poderiam obter colheitas, se os proprietários
do solo lhes naõ alugassem o trabalho de terra para con-
correr com o seu. Desta espécie de monopólio resulta,
que o aluguer do trabalho da terra naõ he tam proporcio-
nado á sua força productiva, como á necessidade que delle
ha, ou maior ou menor concurrencia a elle; e que a ren-
da de um campo fértil vale pouco em ura deserto, ao mes-
mo tempo que a de um campo estéril se estima em muito
nas vizinhanças de uma cidade rica e populosa.
0 monopólio he, pois, a base da parte da renda, que se
pagaria pela terra inculta, em quanto a outra parte, que
representa o trabalho que o proprietário tem accumulado
sobre o seu solo, segue a mesma marcha, e he sujeita ás
mesmas regras que a renda dos outros capitães fixos.
MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.
N-.5.
Emprego dos meninos nas differentes classes.
Terceira classe e seguintes,
\JS MENINOS, que chegam ao ponto de conhecer bem
as sylabas de duas letras, entram na terceira classe aonde se
lhes ensinara as sylabas de três letras; justamente pelo
mesmo methodo; e isto constitne os estados da terceira
classe; assim como o conhecimento dos números na com-
binação de três letras de conta.
A quarta classe aprende as syllabas de quatro letras; e
os algarismos também até quatro letras.
A quinta classe estuda as palavras de muitas sylabas,
soletrando sylaba por sylaba, e mui devagar, mas com o
acento próprio da palavra, e imitando o decuriaõ. As
syllabas precedentes naõ se repetem depois das subse-
quentes. Por exemplo Re-li-gi-aõ consta de quatro syl-
labas, que o menino pronuncia rc, li, gi, aõ, sem que fa-
tigue a atenção, nem restrague a intelligencia e o tempo,
com a desnecessária repetição das syllabas. Por este me-
thodo adquire a liçaõ da palavra em menos tempo, e
aprende ao mesmo tempo o acento, que lhe deve dar.
Quanto á arithmetica, o estudo dos algarismos se leva
nesta classe até cinco letras, e se aprende também a for-
mação das fracçoens.
A sexta classe consta dos meninos, que, lendo bem as
palavras, podem ja ler algum livro. Tem-se escripto em
Inglaterra varias obras para este fim; como resumos da
Bíblia, Cathecismos, contos moraes, &c.; e as palavras
saõ lidas sem primeiro repetir as syllabas separadamente.
Vot. XVII. No. 99. 2D
206 Miscellanea.
N a escripta cessam os meninos de escrever na pedra, e
principiam a escrever em papei ; mas para evitar a des-
peza do papel ; que be um artigo considerável nas escholas
gratuitas, inventaram em Inglaterra o uso de um papelão
envernizado com certo verniz, que admite bem a tinta;
mas que se limpa lavando as letras com uma esponja hu-
medecida com água ; o que faz com que o papelão sirva
para muitas escriptas.
Nesta classe começam os meninos a aprender as opera-
çoens de arithmetica ; e portanto daremos aqui o methodo,
que nisto segue Mr. Lancaster, posto que ha outros, que
se dizem ser igualmente úteis e fáceis.
Segundo o methodo antigo, o mestre escreve em um
livro ou papel, para cada discípulo, as somas que elle
deve somar, multiplicar, &c. os menimos vaõ para os seus
lugares, aondem fazem a operação, e depois o mestre ex-
amina se está correcta.
Os defeitos deste methodo consistem; na despeza do
p a p e l ; no tempo que perdem o mestre e os discípulos ; e
na duvida de que a operação foi feita pelo mesmo discípu-
lo ou por outro. Tudo isto se remedeia escrevendo os me-
ninos as somas, quem o decuriaõ manda escrever a todos
ao mesmo tempo, usaudo da pedra em vez de papel; e
fazendo a operação immediatamente á vista do decuriaõ.
Por este methodo o decuriaõ á frente do seu banco,
manda a todos os meninos escrever uma soma, por ex-
emplo 6 4 0 ; por baixo desta outra, 320; e por baixo
desta outra 160 ; dahi manda soinmar as três addiçoens, e
todos os meninos, logo que acabam a operação, voltam
a pedra para fora, para a inspecçaõ do decuriaõ.
Por este modo o decuriaõ vê em primeiro lugar,
quaes saõ os meninos mais expeditos em fazer a
operação; c, em segundo lugar, observa os erros de
cada nm para os corrigir. Daqui provém também a fa-
cilidade de conhecer o gráo de melhoramento dos meninos
2
Miscellanea. 207
para a divisão das classes de arithmetica, assim como de
leitura e escripta ; porque deve sempre haver o cuidado,
de naõ demorar em uma classe inferior, o menino, que tem
feito assás progressos para ser posto na classe comparativa-
mente superior.
O mesmo methodo he exactamente applicavel ás outras
operaçoens de diminuir, e repartir ; porque naõ ha mais
do que o decuriaõ ensinar a todos os meninos a um tempo,
aquilo que nas escholas ordinárias se ensina a cada menino
individualmente. A differença de fazerem todos a mesma
operação, com os mesmos algarismos, naõ altera em cousa
alguma o adiantamento dos meninos, como he manifesto,
ao mesmo tempo que poupa um incançavel trabalho ao
mestre.
Quanto ás operaçoens da somma, e diminuição, os meni-
nos começam por aprendêllas uos papeloens da parede
como as letras do a, b, c ; assim, formando os meninos
um circulo de oito ao redor da carta, em que estaõ os al-
garismos, o decuriaõ lhes pergunta individualmente ; por
exemplo - 9 c 9 quantos saõ ?; o menino deve responder,
18. Se o menino naõ responde acertadamente, a mesma
pergunta se faz ao menino seguinte : assim se dividem as
classesd'arithmetica como as de lêr, com as mesmas distinc-
çoens, números, prêmios, &c. e só depois qne os meninos
podem bem responder a estas perguntas entram na opera-
ção desommar na pedra, como fica dicto.
Como em todas as operaçoens d'arithmetica he necessá-
rio começar por poucos algarismos, e Silos auginentando â
proporção do adiantamento dos discípulos, assim na classe
de sommar se deverão fazer subdivisoens dos meninos, que
sommam addiçoensdeduas, três, quatro, &c. letras de conta.
Nestas novas escholas ha livros, em que se acham ex-
emplos de muitas contas em todas as operaçoens ; e cada
decuriaõ tem um livro destes, para por elle dictar aos
discípulos as parcellas sobre que tem de fazer as opera-
2 D 2
208 Miscellanea.
çoens ; e assim sem ter o trabalho de fazer elle mesmo a
operação, olhando simplesmente para o resultado no livro,
decide se a operação dos discípulos está ou naõ correcta.
Donde se vê, que naõ he necessário que um menino seja
mui provecto cm arithmetica, para poder servir de de-
curiaõ nestas classes d'arithmetica; dictar as somas para
as operaçoens, e decedir se as que fizeram os discípulos
estaõ ou naõ certas. Além de que um decuriaõ gasta o
mesmo tempo em ensinar dez, que em ensinar vinte dis-
cípulos.
Outro methodo para os meninos trabalharem as opera-
çoens, he em circulo ao redor do papelão aonde estaõ es-
cripta s as parcellas que se devem sommar. Cada um dos
meninos copia aquellas parcellas para a sua pedra; e faz
a somma : dahi o decuriaõ pergunta ao primeiro menino
qual he a somma total; se este responde errado; o decuriaõ
naõ o emenda mas pergunta ao menino segundo, o qual, se
diz a somma certa, he premiado com tomar o primeiro lugar,
e decoração honorífica; que conserva até qne responda
alguma vez errado ; porque entaõ he substituído pelo que
primeiro depois delle disser a somma certa.
Seria agora desnecessário decorrer por todas as classes,
tanto de lêr e escrever como de contar; porque os exem-
plos dados mostram bem o systema das divisoens, a dimi-
nuição do trabalho do mestre, e a economia do tempo dos
discípulos. As mesmas regras saõ applicaveis a todas as
classes, e a mesmas vantagens se seguem em todos os pe-
ríodos da educação elementar.
Ainda mais, estas mesmas regras se tem applicado no
ensino de outros objectos ; como he, por exemplo, nas
escholas de meninas, no ensino da custura, aonde este
novo methodo se tem applicado com iudizivel vantagem.
Resta-nos agora examinar a econômica e arranjo geral
adoptado nestas novas escholas ; que muito contribue
para a boa ordem aproveitamento dos discípulos, e rc-
Miscellanea. 209
ducçaó do tempo necessário para os meninos aprenderem
as primeiras letras. Isto será o objecto dos ensaios se-
guintes.
Rio-de-Janeiro, 6 de Abril.
Por Decreto de 31 de Janeiro deste anno, foi S. M.
Servido tendo consideração ao reconhecido merecimento
do Cavalleiro José Corrêa da Serra, de o nomear seu Mi-
nistro Plenipotenciario junto dos Estados Unidos da Ame-
rica.
FRANÇA.
[Continuar-se-ha.]
INGLATERRA.
IV.—Estados Veneziano».
Nestes Estados, durante a sua independência, os dous
Patriarcas de Veneza e de Aguila eram escolhidos pelo
Senado;—-quando vagava uma Se Episcopal, enviava o
Senado a Roma os nomes de três Ecclesiasticos, e a Bulla
da instituição pedida era enviada pelo Papa aquelle cujo
nome era o primeiro na Lista.—Nestes Estados existem a
respeito do Regium Placitum (ou Regio Prazme) os mes-
mos regulamentos que ha nos já mencionados.
V.—Toscana.
Quando vaga um Bispado, apresenta o Governo de Tos-
cana ao Papa os nomes de quatro indivíduos, recommen-
dando ao mesmo tempo, pelo orgaõ do Ministro em Roma,
aquelle que he mais particularmente designado para oc-
cupar a Sé vaga.—Existe ali também o Regium Placitum.
XII.—Dinamarca.
Naõ ha alli Bispos Catholicos Os Sacerdores Catho-
licos recebem as suas nomeaçoens d o Bispo de Hildesheim,
que exerce por delegação a authoridade de Vigário
Apostólico a respeito de vários Estados em que elle naõ
reside.
X I Vi—Suécia.
O Rei authorisa, " por diploma," os Vigários Apostó-
licos para exercerem as suas funcçoens no Reyno, confor-
mando-se aos Edictos de tolerância. Naõ ha alli regula-
mento para o exercio do Regium Placitum.
XV.—Prússia.
A nomeação para o Episcopado pertence geralmente á
Coroa; mas quando a nomeação do Bispo naõ tem sido
reservada á Coroa, exerce o Cabido o direito de eleição.
—O Regium Placitum está em vigor na Prússia.
XVI.—Paizes-Baixos.
Ha presentemente negociaçoens relativas a novos regu-
lamentos entre o Papa e o Rey.
XVII.—Hamburgo.
Naõ ha alli Bispos Catholicos, e naõ se deixa publicar
edicto algum do Papa.
XVIII.—Saxonia.
Depois da Reforma, naõ ba alli Bispo Catholico ex-
cepto o Confessor do Rey, que tem authoridade de Vigário
Apostólico. Naõ se obtiveram informaçoens algumas a
cerca do Regium Placitum.
234 Miscellanea.
X I X . — H a n o v e r , Hessia, Baden.
Estaõ actualmente entabolatlas negociações a respeito
dos regulamentos Ecclesiasticos.
X X . — C a n a d a e Colônias lnglezas.
O Rey de Inglaterra nomeia para cada Sé que vaga, e o
Bispo he depois confirmado pelo Papa.
O Appeodix contém documentos relativos ás Eleiçoens
pelos Cabidos.
U.tl-1-jJ.
Miscellanea. 236
ila regra, se este Jornal instituído, e conduzido como tem
údo, continuasse a defender coherentemente o partido, qne o
i intenta.
Voltou pois o Scientifico acazaca, justamente em um ponto,
em que os seus padrinhos, e mantenedores precisavam do apoio
de sua vozerla, para os ajudar a fazer qne a guerra fosse me-
nos impopular do que he ; e esta deserção dos Scientificos he
ainda mais digna da censura; por ser justamente em ponto,
em que a razaõ está da parte do Governo do Brazil, como
provaremos. Pelo que he bem de suppôr, que os taes Scien-
tificos escolheram de propósito esta occasiaõ de se fazerem
populares, á custa do character de seus protectores, e dos de
seu partido; nao obstante a sem razaõ com que argúem o
Governo do Brazil.
Eis aqui o fira dos trabalhos e dos gastos suggeridos pelo
Conde de Funchal; eis aqui o apoio Scientifico, qne elle pro-
curou com sua habilidade ao Governo do Brazil; defensores,
que voltaram a cazaca quando eram precisos—em fim projectos
Funchalenses.
Nós porém, que nao estamos dispostos, naõ precisamos,
nem desejamos procurar a aura popular, nem estamos acustu-
mados a cortejar o favor de ninguém, tractaremos de expor os
motivos, que julgamos haverem determinado a Corte do Rio-
de-Janeiro a invadir o território de Montevideo; e, se os mo-
tivos forem os que suppómos, mui justificado julgamos aquelle
Governo por obrar como obra; n.iõ tendo a Jornal Pseudo
Scientifico dado outra razaõ do seu dicto, seuaÕ o ipse dixit,
de que ao Brazil nao convinha fazer guerra a ninguém. As
guerras trazem comsigo grandes males, mas nem por isso
deixam de ser necessárias muita* veses. Entre os indivíduos as
disputas decidem-se recorrendo aos magistrados ; e por tanto
ne alguém se determinasse a nunca ter demandas, fossem quaes
fossem as injurias ou damnos que lhe tfzcssem, acharia em breve
que o mundo naõ possue as virtudes, qu-: aquella determinação
B-dge, para se viver socegado. Entre as naçoens nao pôde
haver essa decisaõ de magistrados • e assim também, aquelle
poro que se determinar a aunca ter guerra, sejam quaes forem
236 Miscellanea.
as injurias que lhe fizerem, será sempre o escarneo das outras
naçoens, e acabará por ser escravo.
Amittindo-se pois que a guerra he algumas vezes necessária;
resta-nos o mostrar, que no caso presente ha motivos, que
justificam aquella medida no Governo do Brazil.
Informados, como nós estamos, do incommodo que a vizi-
nhança do general Artigas tem causado ao Brazil, achamos mui
racionavel, que a Corte do Rio-de-Janeiro tentasse a conquista
de todo o território ao Norte do Rio-da-Prata, e a Leste do
Paraguay.
He indubitavel que a addiçaÕ daquelle território ao Brazil,
lhe procura limites mui naturaes, e izentos de controvérsias;
mas naõ bastava isso para que a Corte do Brazil tivesse direito
de invadir os paizes vizinhos. Menos poderia justificar a
guerra, a utilidade da aquisição ; porque, além de que essa
utilidade nunca dá tal direito a naçaÕ alguma; tal utilidade
nao existe, fadando simplesmente do valor do terreno, a respeito
do Brazil; aonde o que sobram saõ terras, sem que haja habi-
tadores que as cultivem.
Mas a justiça, que suppómos, e com que nos parece se deve
defender a medida desta guerra no Rio-da-Prata, provém da
necessidade, que tem El Rey de Portugal, de proteger os seus
subditos, naquella parte do Brazil, contra os repetidos incom-
modos, que lhe causam os Insurgentes debaixo do Governo de
Artigas; e no que concordam exactamente os outros Insur-
gentes de Buenos Ayres. Examinando a origem deste mal se
vè, que elle nao tem outro remédio senão a guerra.
Pelo tractado de Madrid, que fez o embaixador D. Fran-
cisco Ignocencio ; pay do outro celebre negociador Conde de
Funchal; entre outros muitos despropósitos e mostras da igno-
rância daquelle ministro, foi o deixar um campo neutral, entre
os territórios de Hespanna e de Portugal; campo, que, nao
podendo ser occupado por nenhum dos Governos, naõ podia
deixar de servir de couto aos contrabandistas e facinorosos de
ambas as partes. Outro mal que causou D. Francisco com
aquelle tractado, foi deixar para os Hespanhoes os povos
das Missoens, o que punha por aquella parte os habitantes de
Miscellanea. 237
ambas as naçoens em demasiado contacto uns com outros, por
nao serem os limites bem demarcados, por conhecidos rios, ou
outras divisoens naturaes.
No tempo do antigo Governo Hespanhol se remediava o
grande inconvenieute do Campo Neutral, mandando ambas as
naçoens partidas de soldados de cavallo a explorar aquelles
territórios; e supposto que as taes partidas militares pouco
fizessem, além de receber peitas dos contrabandistas, com tudo
sempre atemorizavam de algum modo os facinorosos ali refu-
giados.
Agora, Artigas nao attende a isto ; e como tem necessidade
desses mesmos contrabandistas e facinorosos, para apoiar as
suas pretençoens ao Governo do paiz, qne se naõ fundamenta
em outra cousa, sao baldadas todas as representaçoens do Go-
verno Portuguez, para que elle contenha em ordem os seus sol-
dados. Isto he tanto mais temivel ao Governo Portuguez,
quanto Artigas, nem quer, nem pôde, ainda que quizesse,
manter boa disciplina entre seus soldados.
Constam as tropas de Artigas de bomens alevantados, con-
trabandistas por officio, e malfeitores por habito : nao tem
outra paga senaõ o que obtém com a pilhagem, nao ja contra
os seus inimigos somente, mas até contra os mesmos povos, que
vivem sugeitos ao Governo de Artigas; e este general nao
pôde conduzir taes tropas por outro meio, que nao seja o que
empregam os cabeças de salteadores, que vém a ser, deixando
os de seu bando fazer quanto querem, e capitaneando-os uni-
camente ao combate, quando se tracta da defensa commum.
Os escravos, que fogem do Brazil, os desertores, os facino-
rosos saõ todos bem acolhidos pelas partidas de Artigas no
campo neutral; e se o Governo do Brazil nao puzer cobro a
isto, com tempo, tomando occupaçaõ militar daquelle terri-
tório, o campo neutral se povoará, dentro em bem pouco
tempo, de homens levantados, que se faraõ temíveis com suas
correrias, e que pela natureza do paiz, e modo de vida de seus
habitantes, seraõ ao depois inconquistaveis pelas forças, que o
Brazil lhe pôde oppôr.
Veja-se no mappa a contiguidade daquelle campo neutral
VOL. XVII. No. 92. 2H
238 Miscellanea.
aos estabelicimentos Portuguezes; considere-se a qualidade de
gente, que infecta aquelle território ; aonde nao chega a juris-
dicçaõ de nenhuma das naçoens; reflicta-se na impossibilidade,
quando naõ seja a falta de vontade, em Artigas, de tranqüili-
zar aquelles povos—e se achará que a Corte do Rio-de-Janeiro
nao tem outra alternativa, senaõ tomar posse militar daquelle
paiz. Ora isto he o que se chama fazer a guerra.
Depois deste motivo, que resulta do miserável arranjo da-
quelle tractado, que estipulou a existência do tal campo neu-
tral; ha outro, que vem a ser os Povos das Missoens.
Quando a Hespanha declarou a Portugal a guerra, que fina-
lizou com o tractado de Badajoz, e depois com a paz geral
d'Amiens, tomaram as tropas Portuguezas do Rio-grande vá-
rios povos das Missoens, que pelo citado tractado de Madrid
tinham ficado a Hespanha. Portugal nunca restituio esta con.
quista, e muito máo tempo éra de a restituir, quando as pro-
vincias vizinhas se achavam em estado de revolução.
Os insurgentes commandados por Artigas, assim como os
outros pertencentes a Buenos-Ayres; de quem os primeiros
saõ inimigos declarados ; e os de Sancta F é , aonde ha um Go-
verno separado, que nem obedece ao de Montevideo, nem ao
de Buenos-Ayres, todos concordam na idea de tirar aos Por-
tuguezes esta sua conquista das Missoens; ede certo o teriam
ja feito, se tivessem podido acommodar as rixas, que tem
entre si.
A entrada dos insurgentes nas Missoens, deixa-lhes o campo
aberto até o território do Rio-pardo, ponto de grande impor-
tância na capitania do Rio-grande ; donde se segue que, para
segurar a posse das Missoens, he necessária a posse de todo o
paiz na margem esquerda do Paraná ; principalmente as pas.
sagens deste rio em Corrientes e Sancta F é ; porque saÕ as
chaves de todo aquelle território.
N o estado pois actual das cousas he impossível obter a ne-
cessária segurança da provincia do Rio-grande, tanto da parte
do campo neutral como da parte das Missoens, sem que por
meio da guerra se tome occupaçaõ militar de todo o território
de que tractamos.
Miscellanea. 239
Creaçaõ de novos Lugares de Letras no Brazil.
por alvará com força de ley, dado no Rio-de-Janeiro aos 5
de Dezembro, de 1815, se creou na villa do Penedo, commarca
das Alagoas, um lugar de Juiz-de-fóra do crime, eivei e orfaõs,
com o mesmo ordenado, aposentadoria, e propinas, que vence
o juiz-de-fóra da villa do Recife de Pernambuco; e pelo mes-
mo alvará se erigiram em villas as povoaçoens de Maceió e
Porto-das-Pedras; creando-se para cada uma dellas os offi-
ciaes respectivos, e determinando os termos, qne lhes hao de
pertencer.
Ja em outros N o s . dicemos a nossa opinião, sobre a escu-
sada multiplicação de Lugares de Letras ; e, se nos aceusarera
de repetiçoens, responderemos, que he a repetição do mal,
quem nos obriga a repetir a queixa.
Aqui achamos o exemplo de três villas, nma em que se esta.
belece Juiz-de-fóra, outras em que bastam os Juizes-Ordina-
rios. Se se averiguar a razaõ de differença naS se achará ou-
tra, senaõ a maior ou menor população daquellas villas ; ou,
por outros termos, que as villas de menos habitantes naõ
produzem bastante rendimento para sustentar Juiz-de-
fóra. De maneira que, o que se consulta nao he a melhor
ou peior administração de Justiça; porém sim o maior ou
menor rendimento do Juiz-de-fóra.
De outro modo, se para a Justiça ser bem administrada, na
villa rendosa, he preciso que haja Juiz-de-fóra, também este he
necessário na villa menos rendosa; pois tanto em uma como
em outra podem oCcurrer os mesmos casos para a decisaõ do
Juiz.
Ha alguns annos, que, tocando nesta matéria, citamos o ex.
emplo da Inglaterra, depois tornamos, por occasiaõ similhante,
a lembrar a mesma practica Ingleza; e agora pela terceira vez
nao podemos deixar de metter á cara do Governo do Brazil o
estabelicimento dos Justiças na Inglaterra. Os Juizes Supre-
mos na Inglaterra (exceptuando o paiz de Gales) saõ única,
mente doze, distribuidos nos três tribunaes supremos; o Crimi-
nal chamado Kings-bench; o Civil, chamado Comtnon-pleas ,*
2 H 2
240 Miscellanea.
e o da Fazenda Real, chamado Exchequer. Os Juizes além
de attenderem as causas nos seus respectivos tribunaes, vaõ
quatro vezes no anno fazer a correiçaõ das provincias, distri-
buindo entre si por turnos, e em rotação de dous em dous jui-
zes, as commarcas ou Condados, em que tem de fazer a correi-
çaõ, em cada estação do anno.
Desta pouquidade dos Juizes Letrados se segue, que o res-
peito, que se tem aos seus lugares, he igual ao das maiores per-
sonagens do Reyno ; elles saõ muitas vezes mandados chamar á
Casa dos Lords para darem o seu parecemos debates, sobre a
formação das leys, que respeitam a administração da Justiça;
e o Juiz mais antigo do primeiro tribunal, que he o Criminal,
chamado Kings-bench, he sempre nomeado Lord e Par do
Reyno, com titulo que fica sendo hereditário em sua familia.
He verdade que, sendo os processos na Inglaterra de viva
vós, e nao por escripta como em Portugal, se despacham as
cansas com summa brevidade; e como, por essa razaõ, um juiz
pôde despachar muitos processos em um dia, menos juizes vem
a ser precisos do que em Portugal; aonde para se evitar este
mal seria necessário introduzir a mesma forma de processos
verbaes da Inglaterra.
Mas ainda assim mesmo, sem recommendar uma reforma de
tal magnitude, julgamos que o numero de magistrados letrados
he excessivo em Portugal, e faltando dos Juizes-de-fora, nao
sô o seu numero he demasiado, porém he inútil para a adminis-
tração da Justiça, e pernicioso ao respeito que se deve conser-
var á magistratura; assim como incommodo ao Governo, que
tem deacommodar tantos pretendentes; e pezado aos povos, que
tem de pagar os tributos para a sustentação de empregados
inúteis; inúteis dizemos, por que seus officios podiam ser exer-
citados pelos homens ricos, que seraõ Juizes Ordinários, mera-
mente pela honra do lugar.
DINAMARCA
A p. 151, publicamos a Patente do Principe Regente de
Hannover, pela qual elle cede, como agora se dáá Dinamarca, o
Miscellanea. 241
ducado de Lauenburg. A entrega foi feita em Ratzburg por
um Commissario Prussiano, aos 27 de Julho. Esta cessaõ he
em conseqüência de se haver dado á Prússia a Pomerania, e a
Norwega á Suécia. A porçaõ pois de Lauenburg, que per-
tencia a Hannover foi em primeiro lugar cedida á Prússia.
Estes documentos só tem de interessante, o constituírem parte
do direito publico da Europa: como taes saõ necessários na
nossa colecçaõ.
ESTADOS UNIDOS.
FRANÇA.
HESPANHA.
As noticias particulares de Madrid referem, que aos 19 de
Julho, pela meia noite, fôram tirados das prisoens solitárias
em que se achavam em Ceuta os seguintes prezos d'Estado,
Arguelles, Alvarez Guerra, Merino, Rico, Goycoche, Serrano,
Calvo, Puga, Mesequer, Perez Rosa, e vários outros partidis-
tas das Cortes. Todos elles fôram aquella mesma hora mettidos
abordo de um xaveco; carregados de ferros; e o xaveco se
fez logo a vela sem ninguém saber para onde. Diziam uns,
que os prezos seriam lançados ao mar (porque tudo o que he
máo se suspeita de Fernando VII.) outros, que seriam lança-
dos em terra na ilha dezerta de Cabrêra, juncto a Majorca,
para que ali morressem á fome.
El Rey de Hespanha acaba de dar um passo mui impor-
tante a favor do despotismo, naõ ja em administração, mas
na Constituição do Estado. Havia no reyno de Navarra uma
Commissaõ permanente de Deputados do Povo, a cuja revisão
e approvaçaõ eram submettidas todas as leys e ordens Regias,
antes de se porem em execução naquelle Reyno. Agora man-
dou El Rey uma ordem pasa ser promulgada ; e sem o consen.
timento dos Deputados do Povo, os quaes se oppuzéram a isto.
0 Vice-Rey (Espeleta) prende-os todos em uma noite, pôllos
cm prizoens incommunicaveis, e acabou com isto peremptoria-
raente, e pela simples ordem de um Vice Rey a mais importante
parte da Constituição de Navarra, que tinha escapado invio-
lável a todas as concussoens dos mais despoticos Soberanos da
Hespanha.
0 general Abadia, que estava encarregado da inspecçaõ
das tropas destinadas a uma expedição contra as colônias, foi
demittido daquelle lugar, e partio para Valencia, aonde deve
2i2
248 Miscellanea,
residir debaixo das vistas do Capitão General Elio. Lardiza-
bal, ex Ministro de Estado, foi também desterrado de Madrid,
ficando sugeito á inspecçaõ do CapitaÕ-general Eguia.
As queixas do exercito e marinha pelas faltas de pagamento,
obrigaram o Ministro da guerra a expedir uma ordem do dia
circular, em que se promette aos soldados o terem os seus
pagamentos na mesma proporção dos empregados na lista civil.
Esta ordem confessa, que muitos officiaes de marinha e do ex-
ercito tem morrido de fome e á mingua. Mas ainda assim
esta promessa vai mui pouco ao ponto; por queos mesmos
empregados civis naõ recebem a quarta parte do que lhes he
devido.
Tudo na Hespanha ameaça a dissolução do Estado, por sua
própria fraqueza : a expressão das noticias, que dali vem he,
que a machina politica parará por si, quando as suas differen-
tes partes começarem a quebrar de fraqueza, acontecimento,
que naS pôde estar mui distante.
Eis aqui a copia daquella incrivel ordem do dia :—-
" O Secretario de Estado e da Marinha deo parte a El Re; Nosso
Senhor, de que no Departamento do Fero), o tenente da armada
Real, D. Jozé Labradores, um capitão de fragata, D. Pedro Quevedo,
e um official de Fazenda, morreram de fome, e á mingua: e que
um capitão de mar e guerra, dous commandantes de fragata, e mui-
tos outros de várias classes estavam moribundos, e obrigados ajazer
sobre palha: nesta occasiaõ, elle além disto manisfestou a S. M.,
que a causa da deplorável situação destes meritorios, leaes e dignos
membros da marinha, procedia da maneira desigual, em que a pe-
quena propriedade, que se continha no Real Thezouro, éra distribuí-
da entre os criados d'EI Rey, pelos que dispunham dos fundos do Es-
tado. E havendo-se movido o animo de S. M. no mais alto gráo,
ouvindo o relatório e observaçoen s do dicto Secretario, foi servido
resolver e ordenar, que sejam observadas rigorosissimamente ai suas
Reaes ordens, a respeito de serem os membros da marinha pagos
em igual e regular maneira, cora o resto das pessoas empregadas pelo
Estado: de sorte que se a esta meritoria classe senaõ pagar mais do
que metade, terça ou quarta parte de seu soldo mensal, nenhuma
outra pessoa poderá receber maior proporção ; quer pertença á
repartição do Thesouro, quer ao Militar, Civil ou Ecclesiastico. 0
que participo a V. E. de Ordem Real," &c.
Miscellanea. 249
A p. 137, deixamos publicado o decreto, pelo qual El Rey
encarrega a educação da mocidade de ambos os sexos aos con-
ventos de frades e freires. Esta medida, depois da admissão
dos Jezuitas, e do restabelicimento da Inquisição, nos mostra
bem as intençoens de Fernando VII. Em outro qualquer paiz
teríamos julgado, que esta medida de aproveitar os religiosos
para educar a mocidade, ao menos nas primeiras letras, seria
de summa vantagem ao Estado; porém, considerando o fa-
natismo d'El Rey catholico, os seus esforços para arraigar a
ignorância em sua pátria, e o aborhecimento do clero a tudo que
saõ conhecimeutos úteis, nos faz olhar para o decreto, que men-
cionamos, como baze do systema com que se intenta reduzir a
Hespanha a uma naçaÕ de frades.
Se nós sentíssemos alguma veneração ou respeito por Fer-
nando VII. aconselharíamos, que desistisse de tam terrível em-
preza; mas como as cousas vam, desejamos, que elle continue,
e obre ainda peior; porque elle mesmo trará o remédio ao mal.
Apresse-se pois Fernando V I I , com a sua obra; aperte cada
dia mais e mais as medidas, que vai seguindo, que quanto mais
pressa nisso se der, mas cedo acabará a sua tarefa.
COLÔNIAS HESPANHOLAS.
INGLATERRA.
NÁPOLES.
POTÊNCIAS BARBARESCAS.
SUÉCIA.
WURTEMBERG.
CONRESPONDENCIA.
POLÍTICA.
FRANÇA.
HESPANHA.
N». 2 o .
Resposta do Cap*. General de Andaluzia, datada de
Cadiz, 16 de Maio, de 1816.
SENHOR !—A prizaõ de Mr. Ricardo Meade teve lugar,
em conseqüência de um decreto do Real e Supremo Con-
selho de Guerra, com o parecer e consentimento de S. M.
o qual ordenou, que, se a somma requerida naõ fosse im-
mediamente depositada na thesouraria do Consulado, ou
afiançada com plena satisfacçaõ daquelle tribunal, se
practicasse a sua prizaõ: e que elle naõ pôde fazer nem
uma cousa nem outra, he circumstancia de que vós pareceis
estar plenamente informado, pelo que eu observo na vossa
carta official de 14 do corrente, a qual contém uma serie de
raciocínios absolutamente desnecessários, emprehendendo
provar, que eu naõ devia ordenar a prizaõ de Mr. Meade
por ser isso contrario aos tractados, e á justiça de sua
causa, &c. tudo o que se poderia representar de maneira
mais decorosaá authoridade suprema, aonde se originou o
decreto de sua prizaõ; e naõ a mim, que sou um mero of-
ficial executor : nem eu posso conceber porque seja re-
querido a dar-vos copias officiaes dos procedimentos, que
vós requereis, havendo as mesmas sido ja dadas a Mr.
Ricardo Meade; como parte mais immediatamente inte-
ressada. Este tribunal está bem longe de ter aggravado o
caso de Mr. Meade ; antes pelo contrario tem toda a dis-
posição de lhe conceder todas as facilidades em seu poder,
consistentes com a fiel execução de suas ordens, que lhe
prohibem a permissão de ir para Madrid : porem se vós
ficareis responsável por Mr. Meade, em plena extençaõ, eu
7
270 Politica.
representarei isso ao Consulado, e se elle considerar que
isso satisfaz, entaõ poderei ordenar o que for de justiça e
de direito.
N°. 3o.
Carta do Cônsul Americano ao Governador de Cadiz.
Cadiz, 17 de Maio, de 1810.
S E N H O R !—Em resposta á carta de V. E x \ datada de
16 do corrente, a respeito da prizaõ de Mr. Meade, um
cidadão dos Estados Unidos, seja-me permittido represen-
tar a V. E x \ , que, além das instrucçoens, que tenho de
meu Governo, sempre tem sido, e he o meu desejo, tractar
as authoridades constituídas, juncto as quaes resido, com
aquelle docôro e respeito, que lhes saõ devidos; porém
V. Ex". se naõ admirará, que, como representante de
minha naçaõ, eu deva arguir com aquella energia, que
convém ao presente caso, quando vejo um cidadão dos
Estados Unidos, e um de seus mais respeitáveis sugeitos,
tractado como criminoso, e tido até agora prezo em uma
masmorra, com sentinella a vista, que lhe naõ permitte
sair á distancia de dez passos da porta de sua prizaõ,
quando se practica tal procedimento com um cidadão da
naçaõ que eu represento, faltaria ao meu dever para com
meu Governo e para commigo mesmo, se naõ usasse de
meus maiores esforços para averiguar a causa, e obter os do-
cumentos, efficiaes pelos quaes possa averiguar, se este in-
dividuo tem comettido crime, que mereça tal tractamento;
e particularmente quando vejo, por papeis originaes, que
o caso he absolutamente de natureza civil, e actualmente
pendente ante um tribunal commercial, naõ posso fazer
menos do que expressar a V. Ex a . a minha surprezaaos
procedimentos, que se practicáram com este sugeito, por
nenhuma outra razaõ mais do que por elle recusar o pagar
a mesma somma segunda vez, tendo-a elle ja depositado,
Politica. 271
segundo as ordens de um tribunal competente, no thesouro
de S. M., como se reconheceo formal e solemneraente sob
o signal do punho de S. M., com a determinação de S. M.
que se ajunctassem fundos de outros recursos, para o ex-
presso fim de re-embolçar o Real thesouro.
Tenho requerido a V. Ex*. que se communicassem os
procedimentos, que tiveram lugar, em conseqüência da
ultima ordem Real, que ordenou a prizaõ da pessoa de
Mr. Meade. V- Ex*. responde, que naõ he obrigado a
dar-me isso; porque ja fôram dados a Mr. Meade. Como
representante de minha naçaÕ, tenho de dar contas ao En-
viado Extraordinário e Ministro Plenipotenciario de meu
Governo, de qualquer occurrencia que succeda nos limites
de minha jurisdicçaõ, relativa a cidadãos da minha naçaõ,
e igualmente ao Governo do meu paiz; e, anxioso de des-
empenhar o meu dever, com aquella precisão que exige um
negocio taõ extraordinário e de tanta publicidade, e que in-
volve naõ menos do que a liberdade de um cidadão America-
no e os direitos do meu paiz; hedo meu indispensável dever
repetir o meu requirimento, que V. Ex*. seja servido orde-
nar, que o escrivão encarregado deste negocio me dê copias
authenticas da dieta ordem Real, e de todos os outros pro-
cedimentos, que tiver havido até esta data, incluindo as
ordens do Governador do castello de St». Catalina, aonde
Mr. Meade está prezo, cujas despezas eu pagarei.
Eu observo, que V. Ex*. naõ pôde annuir a meu requi-
rimento de permittir que Mr. Mead volte para sua casa,
e menos conceder-lhe passaporte para Madrid ; e sois ser-
vido acerescentar, que se eu ficar por fiador, na plena ex-
tensão de minha responsabilidade vós apresentareis isto ao
tribunal do Consulado, e, sendo approvado, dareis as or-
dens necessárias. Tenho offerecido, e repito a minha
offerta outra vez a V. Ex". de que estou prompto a em-
penhar a rainha responsabilidade, em toda a sua extensão
e sentido, pela pessoa de Mr. Meade, sendo tudo quanto
272 Politica.
a Real ordem exige, fazendo-me responsável, tanto na
minha qualidade publica como na particular, de que elle
se naõ auzentará desta cidade, antes da terminação do ne-
gocio de que se tracta.
(Assignado) JAIMES LEANDRO CATHCART.
N-. 4 o .
Replica do Capitão General a Mr. Catheart.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
SENHOR]—Em conseqüência da vossa carta de 17 do
Corrente expedi a rainha ordem, cuja copia aqui achareis
para vossa informação.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
S. Ex*. O Capitão General de Andaluzia, Governador
civil e militar desta cidade, tendo visto e examinado os
procedimentos, assim como a ultima carta official do Côn-
sul dos Estados Unidos, a respeito do caso de Mr. Ri-
cardo Meade, foi servido ordenar, que se apresentasse ao
Consuldado desta cidade uma copia do ultimo paragrapho
da dieta carta official, para que, com o pleno conheci-
mento que elle tem da resolução tomada pelo Real e Su-
premo Couselhode Guerra, que ordena, que a fiança que
se receber de Mr. Ricardo Meade seja de sua plena satis-
facçaõ, seja servido significar se approva a que agora of-
ferece o sobredicto Cônsul, tanto na sua publica qualidade
como na particular; e, obtida a sua resposta, se ordenará
outro sim o que respeita ás instrucçoens dadas ao governa-
dor do castello de St». Caí ali na, assim como á pro-
priedade de dar copias autlienliçadas dos procedimentos
em que taõ fortemente se insiste : no entanto se lhe dará
copia desta ordem, acompanhada de uma carta official,
para que até este ponto seja elle informado para seu go-
verno.
Politica. 273
Assim decretado e adoptado, com o conhecimento e
approvaçaõ do Auditor de Guerra, e assignado por S. Ex*.
o Governador.
LINARES.
RODRIGUEZ PELAEZ.
Verdadeira copia do original registrado, em obediência
das ordení do Real e Supremo Conselho de Guerra, para
pedir e obter de Mr. Ricardo Meade, certa fiança por este
tribunal, agora certificado, o principal escrivão da repar-
tição de guerra nesta cidade : em prova do que puz o meu
signal sos 20 de Maio, de 1816.
(Assignado) J O S E F RODRIGUEZ P E L A E Z .
N*. 5°.
Carta do Governador do Castello de Sta. Catalina, ao
Governador-general.
Castello de S'\ Catalina, 18 de Maio, 1816.
0
Ex *». S E N H O R !—D. Ricardo Meade foi conduzido a
esta fortaleza, aos 2 do corrente, pelo Ajudante D. Sebas-
tião Ortiz, como informei a V. Ex*. na minha participa-
ção official do mesmo dia : e, em conseqüência da ordem
de3, foi aqui deixado na qualidade de pessoa debaixo de
prizaõ. Alguns dias depois elle observou-me, que se V.
Ex*. requeresse officialmente ser informado de se achar
elle ou naõ suficientemente seguro na fortaleza, que eu lhe
faria mercê de responder na affirmativa, para que elle naõ
fosse mudado; ao que respondi com a minha custumada
franqueza, que o meu comportamento havia de ser inteira-
mente governado pelo lheor de minbas ordens, e que se
filas exigissem a segurança de sua pessoa, eu naõ podia
deixar de o mudar para uma das casas próprias para esse
fim; porque nunca quiz correr o risco de me implicar por
pessoa alguma, nem quereria que corresse algum risco o
VOL. X V I I . No. 100. 2N
274 Politica.
official da guarda. Aos 13 recebi a carta de V. Ex*., da-
tada de 11, a que alludo, e desejando remover todas as
duvidas, que se podiam levantar, sobre a fugida de Mr.
Meade, V- Ex*. ordenava que o informasse, se o quarto,
em que elle estava prezo nesta fortaleza, éra suficientemente
seguro, sob a responsabilidade das pessoas encarregadas
de sua guarda; no que eu lhe communiquei francamente
a ordem, e que éra indispensável que elle fosse removido
para o quarto que lhe éra destinado, como representei a
V. Ex*. na minha nota de 14. Porém devo observar, que
naõ he uma masmorra, como as que se usam para crimi-
nosos sentenciados a castigo capital, como tam fortemente
exaggera o Cônsul dos Estados Unidos da America; pelo
contrario, he um quarto decente, caiado, com uma grande
janella, e tal que he segundo as circumstancias occupado
por pessoas de todas as classes ; e, se Mr. Meade se naõ
prejudicasse pela sua sensibilidade exaltada com a prizaõ,
devia reconhecer, que o tenho tractado com tal amizade,
respeito e consideração, qual he compatível com a neces-
sária segurança de sua pessoa,como ordena o Supremo Con-
selho ; porque he um facto, que elle pôde passear todo
o dia acompanhado de seus parentes e amigos, sem ne-
nhuma outra mortifiençaõ mais do que a de estar fechado
de noite, o que eu naõ posso evitar ; pois ainda que sup-
ponha, pelo respeitável character de Mr. Meade, que es-
taria igualmente seguro passeando nas ruas de Cadiz, ou
prezo no mais apertado calabouço, com tudo naõ ha ley
pela qual eu possa persuadir o official da guarda, que a sua
responsabilidade naõ augmentaria, se o prezo tivesse a plena
liberdade da fortaleza, que pela sua localidade muito fa-
cilitaria a sua fugida, se a intentasse, o que tem aconte-
cido com outros.
O Cônsul dos Estados Unidos veio aqui antes de hontem
e me aceusou de que V. Ex*. ignorava absolutamente, que
Politica. 275
Mr. Meade estava em estreita prizaõ: e eu nao pude
deixar de observar pelo seu tom imperioso, que elle tinha
tomado este negocio com muita ardencia, tudo o que peço
licença para communicar a V Ex*. em resposta á carta
official de V. Ex*. datada de hontem, pedindo, em con-
seqüência, que V- Ex*. tenha a bondade de me instruir,
em que qualidade continua Mr. Meade nesta fortaleza.
Deus guarde a vida de V Ex*. muitos annos.
N \ 6'.
Decreto official do Consulado.
Temos visto a communicaçaõ official de V- Ex*., da-
tada de hontem, e tendo plenamente considerado o seu
contheudo, somente podemos informar a V- Ex*. que a
fiança proposta pelo Cônsul dos Estados Unidos, como
ali se explica, naõ he, nem em sua natureza nem em seu
objecto, tal que possa ser approvada ou admittida neste
tribunal.
Deus guarde a V. Ex*. muitos annos.
(Assignados) M I G U E L DE MASSOU.
NJCOLAÓ B L A N A .
MIGUEL DE CARRASGUEDA.
NÁPOLES.
Documentos sobre a disputa com os Estados Unidos.
WURTEMBERG.
Decreto do Ministro de Estado, dirigido aos Chefes das
differentes Repartiçoens, sobre os procedimentos, que
tem havido, a respeito da Constituição do Reyno.
Por varias representaçoens, feitas aos Ministros de Es-
tado tem elles visto, com admiração, as errôneas ideas,
que tem naõ somente prevalecido entre grande parte dos
vassallos de S. M. mas que tem sido fomentadas e disse-
minadas pelos chefes de Repartiçoens e Communs, a res-
peito das transacçoens, que tem tido lugar relativamente
á Constituição do Reyno : ideas que tem representado
como suspeilosos actos de S. M., originados nos mais
puros e benéficos motivos.
Ha muito tempo, que S. M. tem publica e inequivoca-
mente pronunciado a sua determinação, de collocar a pros-
peridade de seu povo sobre bazes permanentes, por meio de
uma Constituição, adaptada ás suas relaçoens, preservan-
do ao mesmo tempo o Governo Executivo, na sua firme
e regular carreira, livre de ingerências da parte da pre-
sente Assemblea dos Deputantados, constituída unicamento
para deliberar a respeito da Constituição.
Ainda que S. M. nesta determinação se naõ movesse por
forma alguma, nem pelas demonstraçoens de impaciência
daquelles que pensavam, que os procedimentos tinham sido
demasiadamente prolongados, nem pelo juizo prematuro
de outros, que expressavam as suas duvidas de um resulta-
do proveitoso, nem ainda mesmo pelas transacçoens alheias
7
Politica. 279
deste êxito, que tem tido lugar ; com tudo S. M. tem tra-
balhado com anxiedade, em tanto quanto he possivel, para
corrigir as vistas errôneas, que entretem a parte bem dis-
posta de seus vassallos, e refutar, com verdade e franqueza,
aquelles que imaginam, que naõ podem melhor servir a
sua pátria doque representando todos os actos do Governo
n'uma luz falsa e injusta.
Para este fim os chefes das repartiçoens saõ informados,
pelo presente acto, da situação dos nossos negócios, para
que assim possam instruir, rectificar e tranqüilizar aquelles,
que estaõ debaixo de sua administração.
Desde a introducçaõ do plano de Constituição, annun-
ciado aos 15 de Março do anno passado, que tendia á uniaõ
dos antigos com os novos dominios de S. M . em um todo
bem regulado, tem os Estados, entaõ convocados, causado
demoras; e por isso, depois de varias vicissitudes, se abri-
ram os procedimentos actuaes, na conformidade dos prin-
cipios contidos no Rescripto de 13 de Novembro do anno
passado, e no Ponto Fundamental que lhe éraappenso ; o
fim de S. A. R . tem invariavelmente sido a acceieraçaõ e
feliz terminação desta importante obra: e ainda que éra
de prever, que o complemento deste objecto requeria con-
siderável espaço de tempo; pois involvia naõ somente a
adopçaõ daquellas partes da antiga Constituição, que eram
compatíveis com o bem do Estado, na que se fazia de novo»
e o satisfazer as vistas e expectaçoens dos differentes mem-
bros do Estado, mas também o prevenir todas as futuras
apprehensoens, e falsas concepçoens, por uma explicação
distincta dos mútuos deveres e relaçoens; com tudo S. M .
nunca deixou de aproveitar todas as occasioens de promo-
ver, com a maior actividade, o progresso da obra.
Além disso, S. M. informando-se, em Abril deste anno,
do resultado dos procedimentos, expedio, com as vistas de
os accelerar, vários Monitorios, como testemunham os
280 Política.
Rescriptos de 26 de Maio, e 9, e 21 de Agosto, deste anno,
dirigidos ao Committé para os negócios dos Estados: e
quanto S. M. está ainda anxioso pelo final arranjamento
deste negocio, se tem inequivocamente mostrado nas in-
strucçoens dadas ao Committé Real, para que façam um
relatório de seus progressos duas vezes por semana.
Mas, por outra parte, as differentes representaçoens dos
Estados, estranhas á obra da Constituição, e seus esforços,
antes de seu acabamento, para se metterem de posse dos
direitos dos Estados do paiz, cuja verificação só pôde
começar com a nova Constituição, nao somente distrahe
por muitos modos os Membros do Committé Real de seu
principal objecto; mas também deve obrar geralmente em
forma prejudicial á natureza dos procedimentos. Foi a
respeito destes passos, que S. M. expressou o seu sério
desprazer, e pelos quaes se vio ultimamente obrigado, no
Rescripto de 24 de Junho deste anno, a fazer saber á As-
semblea dos Estados, que naõ tomaria em consideração
nenhum de seus memoriaes e representaçoens, que naõ
fossem exclusivamente limitados ao estabelicimento da
Constituição, único destino daquella Assemblea.
Alem disto, he da natureza dos procedimentos de nego-
ciaçoens, que em nenhum caso he possivel ás authoridades
do Governo effectuar uma terminação mais breve da obra,
se os Estados naõ forem a igual passo com ellas. He tam-
bém sabido, que a declaração do Committé dos Estados, a
respeito dos pontos mais importantes da Constituição; a
saber, o que he relativo aos tributos e organização dos Es-
tados, só ha mui pouco tempo he que fôram transmittidos
aos Commissarios Reaes; e que, se os funccionarios Reaes
nao subemettem estes pontos a uma exacta e attenta con-
sideração, naõ somente obram contra os seus deveres para
com El Rey e a Pátria, mas se expõem ás mais justas accu-
saçoens, da parte dos Estados; e tanto mais quanto estes,
Politica. 281
em sua resposta á Nota dos Commissarios Reaes aos Pleni-
potenciarios dos Estados, em 28 de Junho deste anno, naõ
hesitaram declarar o seguinte:—
"A culpa da demora naõ he imputavel á falta dos bons
progressos, no negocio, mas unicamente á convicção de
que o primeiro e superior dever dos Estados he, o conti-
nuarem tam importante obra, como sangre frioedelibera-
ção Alemaã : e por mais que a Assemblea dos Estados par-
ticipe nos sentimentos de S. M . , quanto ao desejo de que o
povo entre expeditamente na fruição de seus direitos, com
tudo o Committé dos Estados naõ pôde nisso achar justifi-
cação para proceder com demasiada pressa, em negocio,
que deve servir de ley para séculos; porque isso naõ ser-
virá de desculpa, ante a posteridade, aos traços de preci-
pitação, que se desêjam,para poupar as despezas de uma
sessaõ."
Em primeiro lugar, aos 13 do mez, os Estados entrega-
ram vários papeis, relativos aos direitos públicos dos cida-
dãos, communs, e corporaçoens, á legislação, e á proprie-
dade da Igreja Catholica; e elles tem ainda de declarar
os seus sentimentos, a respeito da administração da justiça
civil e criminal, poder do Governo nas matérias de policia,
instituiçoens de educação, matas e caçadas; do que se
pôde facilmente vêr, que credito merece a asserçaõ de que
os Estados tem feito tudo quanto está de sua parte, e que a
conclusão somente espera o assenso de S. M.
No entanto, porém, S. M. tem pensado sobre o modo,
porque seria menos inconveniente a seus fieis vassallos a
demora, inseparável de uma obra de tanta magnitude, e
destinada para a mais remota posteridade; fornecendo
aos dictos seus vassallos meios de deduzir dali toda a ale-
gria e satisfacçaõ possíveis, mesmo antes do acabamento
do todo. Com estas vistas destinou a actual contribuição
Franceza, para a fundação de um estabelicimento, desti-
nado a pagar a divida publica, cujos bons effeitos deveriam
VOL. XVII. No. 100. 2 o
282 Politica.
ser tanto menos mal entendidos pelos Estados, quanto
expressamente se reservara a concurrencia da futura As-
semblea constituída dos Estados.
Pelos regulamentos relativos a impedir o estrago da caça,
se obtinha o objecto, mais efficaz e rapidamente, do que
segundo as antigas providencias, chamadas Commun-
Wildschuetzen ; e se prohibia aos guardas das tapadas, da
maneira mais expressa, que commettessem excesso algum.
Quanto á constituição dos lugares de Chancellaria
(Kauzleistellen) tem-se introduzido melhoramentos essen-
ciaes; e pelo que respeita ás queixas sobre vários outros
objectos, que tem sido representados a S. M., tem-se reme-
diado os aggravos, em tudo quanto elles se tem achado
que eram verdadeiros.
Se, nao obstante os desejos que tem S. M. de aliviar o»
encargos de seu fiel povo, por todos os modos possíveis,
naõ tem até agora podido abaixar a proporção dos impos-
tos ; isto tem em parte sido necessária conseqüência dos
acontecimentos passados, que apertam também em maior
gráo sobre outros Estados ; e deve-se trazer á lembrança,
que, ainda sem diminuir os tributos, o thesouro tem sido
privado de sommas consideráveis, pelo favor, que se man-
dou practicar com as classes inferiores, de pessoas sugeitas
aos tributos, e especialmente pelo atrazamento daquelles,
que estavam em melhores circumstancias e mesmo, em
parte, pelas classes superiores do povo, ao mesmo tempo
que, naõ somente se tem pago sommas consideráveis âs
communs, em compensação de reclamaçoens originadas
em tempos antigos, mas também, em conseqüência da es-
cassez (em vez de tirar partido dos altos preços, como os
proprietários de terras; augmentando por isso as rendas)
se tem repartido dos armazéns Reaes grande quantidade
de mantimentos ; parte a preço módico, e parte a troco de
obrigaçoens de compensação futura, e parte também sem
nenhum equivalente. 7
Commercio e Arte». 283
Nestas circumstancias, por mais penoso que seja a S. M.
Real vêr mal representadas suas vistas paternaes, por tam
vários modos, e por maior que seja a responsabilidade
aque se sujeitam aquellas pessoas, que para isso contribuem
de alguma maneira, com tudo elle continuará com inflexí-
vel seriedade, do modo aqui designado, a usar de seus
maiores esforços, para obter, no mais breve tempo possivel,
o objecto a que se dirigem unanimemente os seus desejos, e
os desejos de todos os amigos da Pátria.
Decretado em Stuttgard, aos 22 de Agosto, de 1816.
O R E A L MINISTRO DE ESTADO.
COMMERCIO E ARTES.
PORTUGAL.
Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre os
regulamentos da Saúde no Baltico.
XJOM Aviso da Secretaria d'Estado dos Negócios Estran-
geiros, Guerra, e Marinha, de 29 de Julho próximo pas-
sado, baixou á Real Juncta do Commercio a copia de um
officio, que dirigio o Ministro da Rússia na Corte de Madrid
ao Ministro de Portugal D . José Luiz de Souza; cuja
traducçaõ he a seguinte :—Senhor. Em conseqüência das
medidas de precaução, adoptadas ultimamente na Rússia,
nenhum navio poderá ser recebido nos portos do Baltico,
e do Mar Branco sem um certificado de segurança do
Governo Dinamarquez, ou documento comprovativo de
ter feito quarentena, ou seja na Norwega, ou na Inglaterra.
Quanto aos navios procedentes dos paizes, que naõ estaõ
bocados da peste, nem mesmo suspeitos delia, mas que
tiverem a seu bordo carregações susceptíveis de commu-
nicar uma moléstia contagiosa, naõ poderão ser admittidos
na Rússia senaõ depois que a authoridade respectiva tomar
as suas informações, sobre o estado da saúde da equipagem,
2o 2
284 Commercio e Arte».
e verificada a natureza das doenças, e das mortes aconteci-
das durante o seu ultimo transito: e no em tanto similhan-
tes navios ficarão debaixo de observação, e naõ poderão
ter alguma communicaçaõ com os outros, nem com algum
ponto da costa. Se se apresentar um navio, que nem possa
produzir o certificado do Governo Dinamarquez, nem
provar authenticamente haver feito a quarentena em um
dos Lazaretos da Inglaterra, ou da Norwega, ou que tiver
a seu bordo producçoes susceptíveis da propagação dos
germes de uma moléstia contagiosa, será obrigado a affas-
tar-se das costas com as precauções ordenadas. Como
naõ ha Cônsul da Rússia em Lisboa, apresso-me neste
momento a communicar a V- Ex*. as sobredictas disposi-
ções, rogando-lhe queira facilitar o seu conhecimento aos
negociantes e navegadores Portuguezes : e aproveito esta
occasiaõ para reiterar a segurança da muito distincta con.
sideraçaÕ com que tenho a honra de ser de V- Ex*. hu-
milde e obediente creado—Tatistcheff—A. S. Ex 1 . Mon-
sieur de Souza.—Madrid, 19 de Julho, de 1816.
E para que chegue á noticia de todos se mandou affixar
o presente Edital. Lisboa, 9 de Agosto, de 1816.—José
Accursio das Neves.
Total - - 13.680
Commercio e Artes. 291
Accresce ainda a isto a despeza de 600 reis por dia para
o guarda-de-bordo, em quanto a embarcação naõ s á e :
donde se segue, que naõ he possivel exportar ou baldear
100 couros, porque fariam a despeza de 220 reis cada ura,
que he maior do que depachando-os para terra; e fica
assim neste caso a providencia da baldeaçaõ mais nociva
do que o mal, para o negociante, e uma pequeníssima
parte destes direitos he a que vem a entrar no Erário ; as-
sim se perde a exportação de pequenas quantidades de
couros, que alias se fariam nas erabarraçoens pequenas
para Ayamonte, Galiza, &c. ; o que tam pezados tributos
fazem impossível; como se vê do seguinte calculo :—
100 Couros avaliados a 3.000 reis pagam pelos
dous por cento - 6.000
Emolumentos da baldeaçaõ - - 13.680
Guarda, pelo menos 3 dias, a 630 reis 2.400
reis 22.080
339.940 383.360
339.940
Total de 2 annos 723.300 361.650 Total 21:437.077
Termo médio de 361.650 — a 65, importa 23:507.250
Annil
Ipecacuanha
{ Ceará
Babia
Maranhão . .
Pará
Minas novas
Capitania...
Rio
Brazil
2s.
ls.
ls.
3s.
9s.
èp.
llp,
llp.
2s.
2s.
I p.
lp.
2s. Op. )8s. 7p. por lb. 100 em na-
Espécie.
Ouro em barra =£3 19 0
Peças de 6400 reis 3 19 0
Dobroens Hespanhoes 3 14 6 > por onça.
Pezos dictos 0 4 10J
Prata em barra 0 0 0
Câmbios.
Rio de Janeiro 594 Hamburgo 36 11
Lisboa 55 Cadiz 34
or
E !° -*.;.'"!".""".' 55 Gibraltar 38 |
Parir; 2 6 Gênova 43i
Amsterdam......'."""'''' ] \ \ \" j2
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2fGuineos.
Lisboa)
Porto \
Madeira 2 2 .
Açores 3 .
Rio da Prata 3 4
Bengala H 3*
[ 296 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.
PORTUGAL.
Saio á luz o 3*. tomo do Diccionario Geographico de
Portugal, preço 400 reis : e uma collecçaõ de mappas de
Portugal e Algarves, por 400 reis, para intelligencia do
mesmo Diccionario.
HISTORIA DO BRAZIL.
Annuncio ao Publico.
O Redactor do Correio Braziliense se está empregando
em escrever a Historia do Brazil, desde o seu descobri-
mento, até a epocha em que para ali se mudou a Corte e
Familia Real Portugueza.
Para isto tem ajunctado uma numerosa biblioteca, de
livros tanto Portuguezes como estrangeiros, em que se
tracta de alguma cousa da America; naõ se tem poupado,
nem a despezas, nem a trabalhos, para obter de todas as
partes as informaçoens necessárias.
Porém ainda assim naõ sobram materiaes, para fazer a
connexaõ dos differentes períodos, e ligar a historia das
differentes capitanias ; assim como noticias locaes, e mo-
dernas, que se nao podem achar nos authores, que até
agora tem escripto sobre aquella matéria.
Pedio, portanto a todos aquelles Portuguezes, seus
amigos, ou que julgou interessarem-se em ver ellucidada
a historia do Brazil, que lhe enviassem as noticias, que
pudessem obter a este respeito, para o que lhe indicou os
seguintes pontos ; que aqui publica ; temendo que alguma
de suas cartas naõ cheguem ás maõs a que eram des-
tinadas.
I o . Os livros Portuguezes, antigos, que tractam do Bra-
zil, alguns dos quaes, por sua escassez e raridade, o Redac-
tor naõ tem podido obter.
2 a . Listas dos Governadores, de cada capitania, com as
datas de seus governos, e familias a que pertenceram;
ajunctando a cada um os factos notáveis, que houverem.
3s Copias das Ordens, e Providencias Regias, destina-
das a cada capitania, ou governo.
4°. Listas dos Bispos das differentes cidades e datas de
Literatura e Sciencias. 301
sua instituição; com os factos notáveis na vida de cada
um, relativos á historia Ecclesiastica.
5\ Noticias sobre os tempos em que se formaram as
differentes freguezias; nomes de seus parochos, e popu-
lação.
6". Bullas Pontifícias, que tenha havido, sobre os ne-
gócios ecclesiasticos do Brazil.
7a. Genealogias das principaes familias das pessoas il-
lustres, que fôram donatários, e primeiros povoadores das
differentes capitanias.
8*. Noticias estatísticas, incluindo população, agricul-
tura, fabricas, artes, &c.
MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.
N \ 6.
Disciplina das escholas. Prêmios.
xS ESTE artigo temos de observar três cousas ; os prêmios
os castigos, e a averiguação das faltas. Nas escholas mui
numerosas faz-se suraraamente difficil ao Mestre attentar por
estas cousas com a necessária exactidaõ ; e o methodo, que
sobre isto se tem adoptado nas novas escholas, tem a grande
vantagem de obviar todas as difficu Idades, facilitar o tra-
balho do mestre, e melhorar muitíssimo a condição moral
dos discípulos.
Ninguém ignora quam grande seja o estimulo da emu-
lação em todas as idades do homem ; e quanto os prêmios
de distineçaõ servem para despertar a energia do espirito,
em uma louvável competência : os prêmios pois destas es-
cholas saõ fundados nestes principios, e a experiência tem
amplamente demonstrado a sua utilidade.
A leitura e escripta dos meninos esta sujeita, como te-
mos visto, á inspecçaõ constante do subdecuriaõ da classe;
muitas vezes he examinada pelo decuriaõ geral; e o mestre
de vez em quando attende também ás classes. Segundo o
resultado desta constante inspecçaõ, saõ os meninos collo-
cados oa sua classe pelos números 1, 2, 3, &c. tirando-se
318 Miscellanea.
a precedência unicamente do seu merecimento; e os nu-
meros estaõ pintados em um pedacinho de papelão, que o
menino traz pendurado ao botaõ da vestia; e logo que
qualquer menino excede aoque lhe fica superior, dando-lhe
quináo em alguma resposta, muda o lugar com elle e
toma-lhe por conseqüência o seu numero. Assim, por ex-
emplo, se o menino N". 7, naõ pôde responder a uma
pergunta; e o menino N°. 8, respondeo a ella certo, este
toma logo o N°. 7, e dá ao que o tinha o N°. 8. O me-
nino que obtém ser N°. 1, traz, além do N°. uma tira de
couro dourado, aonde está escripta a palavra mereci-
mento ; ou merecimento em ler, merecimento em escrever,
merecimento em arithmetica; conforme for o gênero, em
que elle se houver distingnido. Esta distineçaõ honorífica
também se perde perdendo o N°. o que succede logo que
outro lhe der quináo. Os menios ordinariamente se delei-
tam com estes signaes de aprovação, e trabalham ás inve-
jas uns dos outros para os obter e conservar.
Quando os meninos acabam a liçaõ entregam os seus N°.
e marcas de distineçaõ ao decuriaõ; porem aquelles meninos
que tem além disto recebido o prêmio extraordinário de
trazer certa pintura ao pescoço, grudada n'uni papelão, tem
jus, quando a entregam ao decuriaõ, depois da liçaõ, para
receber outra pintura similhante, que fica sendo sua :
prêmio que muito satisfaz aos meninos mais novos, e he
mui ambicionada de todos.
Estas pinturas, além de servirem de prêmio, saõ também
outra fonte de instrucçaõ, pelas inscripçoens nellas escrip.
tas, contendo sentenças moraes, que os meninos se esforçam
em ler e entender ; e explicar uns aos outros. Os prêmios
de brincos, como pioens, cavallinhos, &c. naõ saõ taõ
próprios; porque satisfazem os meninos naquelle gênero até
que ficam saciados ; ao mesmo tempo que nas pinturas se
recebe grande varidade de liçoens e de divertimentos, que
podem mudar em cada premiu ; e com o mesmo custo nas
Miscellanea. 319
estampas, sempre mais baratas, do que qualquer outro
objecto que se escolha para premiar os meninos.
Algumas das estampas saõ feitas por maneira, que se
podem cortar em varias partes, e dar cada uma dellas a
differentes meninos, com igual satisfacçaõ delles ; dema-
neira que a medíocre somma de um shilling, ou 15 reis,
chega para dar cem prêmios destes.
Também se daõ prêmios unicamente de escriptos, em
pedacinhos de papel, aonde está impressa uma passagem em
verso ou prosa, historia, & c . ; prêmio mui interessante
pela applicaçaõ, que excita no menino para o ler.
A distribuição destes prêmios, nas escholas numerosas,naõ
pôde deixar de ser feita pelos decurioens; e pelo que res-
peita o lêr e contar, facilmente pôde o decuriaõ decedir
do merecimento relativo dos meninos; porque tem a regra
geral de fazer mudar para o lugar do que responde errado
oprimeio seu inferior, que lhe deo quináo. Na compara-
ção do merecimento da escripta, porém, este trabalho he
mais difficil; e por isso devem os mestres ter grande cuida-
do em escolher meninos de bom discernimento, para serem
decnrioens, e distribuírem os prêmios, na classe da es-
cripta. Nas escholas pouco numerosas poderá o mestre
fazer esta inspecçaõ da escripta de todos os discípulos ;
porém he isso impossível em grande multidão de meninos,
pelo que em taes casos o mestre se limitará á boa escolha
de decurioens, e a examinar de vez em tempos, se os de-
curioens decidem com justeza do merecimento compara-
tivo da escripta dos discípulos.
Em algumas escholas ha ainda outra sorte de prêmio,
que heem dinheiro; distribue-se este aos meninos que so-
bresáem, dando-lhes um bilhete, em que está escripto o
valor do prêmio; por exemplo 5 reis, \0 reis, &c. ; o
menino que continua por trcs ou quatro vezes, sem perder
0 seu N°. 1, da classe, recebe este bilhete ; mas se outro
lho tira pelo exceder, antes de chegar ao determinado nu-
320 Miscellanea.
mero de vezes, caso o torne o primeiro a alcançar, prin-
cipia a contar do novo as vezes, que he necessário para
obter o prêmio, que lhe he pago, apresentando o bilhete ao
mestre, com a certidão do decuriaõ. Estes prêmios os
limitam ordinariamente á classe de arithmetica.
A emulação nestas escholas naõ só se applica como esti-
mulo entre menino e menino na mesma classe, mas entre
uma classe e outra classe; no que se interessa ja a compe-
tência dos decurioens, em procurar o adiantamento de suas
respectivas classes, e exista um espirito de partido, tra-
balhando todos os meninos em sustentar a honra da dis-
tineçaõ de sua classe.
A classe mais adiantada occupa o mais honrado lugar
na eschola ; cuja honra naõ consiste em outra cousa, se-
naõ em que aquelle lugar he designado como tal; bem
como os números entre os meninos de uma classe. A classe
que excede a outra occupa o seu lugar de preferencia; e
a decisaõ tem lugar examinando a escripta de todos os me-
ninos de uma classe, com todos os meninos de outra; fa-
zendo a comparação de dous a dous ; e vendo no fim em
qual das classes houve maioridade nas preferencias.
O espirito de partido e de corporação he taõ sensível
nestes exemplos, que ordinariamente se observa ser maior
a alegria dos meninos, na elevação de sua classe sobre
outra, do que na preferencia individual, que obtém, sobre
o companheiro da mesma classe : a industria, portanto,
que este methodo excita, he proporcional ao efeito do es-
timulo; e summamente vizivel nos esforços dos decuri-
oens, em excitar cada um os meninos de sua classe, ja com
reproches aos remissos, ja com louvoures aos applicados.
Quando este concurso tem lugar, he tal o interesse dos
decurioens, que naõ cuidariaõ de outra cousa se os dei-
x assem, pelo que estes exercícios se fazem mais raras vezes;
para evitar o pôr a eschola em demasiado fermento. Or-
dinariamente os árbitros saõ tirados dos mesmos meninos
Miscellanea. 321
mais provectos em numero de doze, e presididos pelo
mestre. Os meninos escolhidos para esta funcçaõ de
juizes do facto, ou como lhe chamara nos tribunaes da
Inglaterra, para jurados, inspira aos meninos certo ar de
importância, que os move a decidir com a maior rectidaõ
que podem, e tende consideravelmente a destruir um dos
peiores vicios da educação tanto publica como particular,
que he o habito de mentir, para occultar as faltas de seus
camaradas.
Nas escholas ordinárias o mestre parece ser um ente de
ordem differente, e portanto ha entre os meninos uma
conspiração geral para o enganar; daqui vem esta dissi-
mulação taõ geral na infância, que suffoca muitas vezes as
sementes das mais elevadas virtudes. E se a principa
vantagem da educação publica he, apresentar uma ima-
gem da Sociedade, naõ pôde esta vantagem ser completa,
sem que as differentes relaçoens de superiores e inferiores,
julgados e julgadores, sejam practicadas entre os me-
ninos : pelo contrario a única differença entre mestre e
discípulos, só traz á idea obediência cega, um proceder
de escravo, ura temor do despotismo, d' onde se deve
seguir a dissimulação, a mentira, e outros vicios, que pro-
duzindo habito na infância, nem ainda a maior reflexão
da idade provecta chega a poder remediallos.
O merecimento e naõ o capricho do Mestre be o meio
da promoção ; e a authoridade dos decurioens e dos ár-
bitros, saõ os anéis da cadea, que ligam os superiores
aos inferiores, pelos lugares intermediários, a que todos
tem o direito de aspirar ; e essa consideração diminue o
pezo da authoridade, ao mesmo tempo que o desejo de
•W* a ella promovido estimula o zelo ; e a rotação dos
empregos, obtidos segundo o merecimento, e por árbitros
imparciaes, destróe a tendência aos ódios, e abhorreci-
mento do mestre ; tam geral n' outras escholas.
* Cet Ordre est repandn par toute Ia Terra, il subsiste depois bieo
des Siecles dans les pais les plus policéa; il me s'est jamais ingere
dans les afiaires d'Etet * il n'a jamais fatt que du bien a Ia Bepn-
Miscellanea. 327
FRANÇA.
Processo do Abbade Vinson.
Paris, 4 de Septembro. Ainda que o processo do Ab-
bade Vinson, author da Concordai expliqueê au Roí,
teve lugar hontem, como cousa de Policia Correctional, e a
portas fechadas, com tudo ajunctou-se muita gente para
ouvir a decisaõ, sabendo que a sentença por força havia
de ser publica.
Mr. Emery, o Advogado d'El Rey requereo, que se
supprimisse a obra, e que se declarasse seu author cul-
pado de instigaçoens sediciosas, contra a ley de 1815.
Mr. Roussaible, Advogado, fallou a favor do Abbade
Vinson.
A s 5 horas a Corte pronunciou a sentença, que,em sum-
ma, he a seguinte :—
Considerando ; 1*. Que o Sieur Abbade Vinson, he, se-
gundo a sua mesma confissão, author da publicação de que
se tracta :
2°. Que em todo o decurso daquella obra o Abbade
Vinson, desattendendo o artigo 9 da Carta, e o artigo 13 da
Concordata, tem characterizado de pilhagem, e roubo ma-
nifesto a venda dos domains nacionaes ; e os seus compra,
dores e possuidores, ainda mesmo os do presente dia, la-
droens sacrilegos : que elle tem trabalhado por assustar
as consciências dos dictos possuidores, ameaçando-os com
a vingança do Ceo ; e mantendo que o Papa e os Bis-'
pos naõ podiam legalizar a confiscaçaõ dos bens da
Igreja. 1
Considerando, que, em outra passagem, elle censur;
Miscellanea. 335
severamente o procedimento do nosso Sancto Padre o
Papa, e o Corpo da igreja Gallicaua, que elle designa
debaixo do nome de Concordataire, e denomina scisma-
tica; qac, obrando assim, o Abbade Vinson, quaesquer
que tenham sido as suas intençoens, tem instigado o povo
Francez a violar a ley do Reyno, mantida, ao menos pro-
visionalmente, pela charta, etem faltado ao respeito a El
Rey, e tem até fomentado a desobedencia á sua authori-
dade:
Portanto, o tribunal supprime a obra, sentencea o Sieur
Abbade Vinson a três mezes de prizaõ ; podendo o Procu-
rador d'El Rey fazer a este respeito, um arranjo com os
superiores ecclesiasticos do Abbade Vinson ; e outro sim
o condemna em 50 francos de muleta, e a continuar por
dous annos debaixo da superintendência da Alta Policia ;
e fixa a somma da sua fiança em 300 francos ; e ordena
outrosim que pague as custas.
INGLATERRA.
818
Equadra Hollandeza.
Total mortos - - 13
• feridos 52
Memorandum.
A destruição, que se causou aos Argelinos, foi de 4
fragatas de 44 peças ; 5 corvetas grandes de 24 a 34 pe-
ças ; e todos os barcos de peças e morteiros ; vários brigues
e escunas mercantes; grande numero de vasos de varias
descripçoens,pontoens, barcaças, &c. armazéns, arsenaes;
toda a madeira, e muniçoens navaes, em grande parte:
muitas carretas de peças, e aparelhos de navios de todas as
qualidades.
Aliscellauea. 365
Carta do Almirante Lord Exmouth ao Dey oVArgel.
Navio de S. M. Britannica, Queen Charlotte,
Bahia de Argel, 28 de Agosto, de 1816.
SENHOR !—Pelas vossas atrocidades em Bona, contra
indefezos Christaõs ; e por vosso indecente desrespeito ás
proposiçoens, que vos fiz hontem, em nome do Principe
Regente da Inglaterra; a frota, debaixo do meu comman-
do, vos tem dado um assignalado castigo, com a destruição
da vossa esquadra, armazéns, arsenal, e metade de vossas
baterias.
Como a Inglaterra naõ faz guerra para destrucçaõ de
cidades, eu nao desejo fazer recair vossas crueldades pes-
soaes nos innocentes habitantes do paiz ; e, portanto, of-
fereço-vos os mesmos termos de paz, que vos mandei hon-
tem, em nome de meu Soberano : sem aceitares estes ter-
mos, naõ podeis ter paz com a Inglaterra.
Se receberdes esta offerta como deveis, dareis três tiros
de peça; e se naõ fizereis este signal considerarei, que
vos a recusais, e renovarei as minhas operaçoens, quando
me convier.
Offereço-vos os termos acima, com tanto que nem o
Cônsul Britannico, nem os officiaes ou gente taõ aleivosa-
niente captivados nos botes de um navio de guerra Britan-
nico tenha soffrido algum tractamento cruel, assim como
lambem os escravos Christaõs; e repito o meu requiri-
mento, de que o Cônsul officiaes e gente, me sêjám remet-
tidos, na conformidade dos antigos tractados.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) EXMOUTH.
A Sua Alteza o Dey de Argel.
Memorandum Geral.
Queen Charlotte, na Bahia d'Argel, 30 d'Agosto.
O Commandante em Chefe se julga feliz em poder in-
formar a frota, da final terminação de seus vigorosos es-
forços pela assignatura da paz, com as seguintes condi-
366 Miscellanea.
çoens, dictadas por S. A. R. o Principe Regente da In-
glaterra, e confirmada por uma salva de 21 tiros.
1. A abolição, para sempre, da escravatura Christaã.
2. A entrega, também á minha bandeira, de todos os
escravos nos dominios do Dey. seja qualfor a naçaõ a que
pertencem, á manhaã pelo meio dia.
3. A entrega, também á minha bandeira, de todo o
dinheiro recebido por elle, para remissão dos captivos, desde
o principio deste anno ; e também á manhaã pelo meio dia.
4. Tem-se feito reparação ao Cônsul Britannico, por
todas as percas, que elle tem soffrido, em conseqüência
de sua prizaõ.
5. O Dey tem feito as suas desculpas na presença de
seus Ministros e Officiaes, e pedido perdão ao Cônsul, nos
termos dictados pelo Capitão da Queen Charlotte.
O Commandaiite em Chefe abraça esta occasiaõ de
tornar a agradecer publicamente aos Almirantes, Capitaens,
Officiaes, Marinheiros, Soldados da Marinha, Artiiheira
Real da Marinha, Sapadores, e Mineiros Reaes, e Real
Corpo de Fogueteiros, pelo nobre apoio, que de todos
elles recebeo, em todo este árduo serviço; e be servido
ordenar, que Domingo que vem se façam solêmnes acçoens
de graças ao Deus Todo-Poderozo, pela assignalada in-
tervenção de de sua Divina Providencia, durante o con-
flicto, que houve aos 27, entre a frota de S. M., e os fe-
rozes inimigos do gênero humano.
Exige-se que este Memoranoum seja lido a todas as com-
panhas dos navios.
Aos Almirantes, Capitaens, Officiaes, Marinheiros,
Soldados de Marinha, Reaes Sapadores, e Mineiros, Real
Artilheria da Marinha, e Real Corpo de Fogueteiros.
PORTUGAL.
0 Comissário em Chefe do Exercilo annuncia o sequinte.
Lisboa, 24 de Agosto.
Merecendo a Sua Magestade huma particular attençaõ
todas as dividas contrahidas por occasiaõ da Gurra, que
gloriosamente terminou, e naõ sendo possivel pagarem-se
todas ao mesmo tempo estabeleceo-se a ordem de antigüi-
dade, para segundo a mesma serem pagas. O Commis-
sario em Ciiefe do Exercito, desejando que todos os Cre-
368 Miscellanea,
dores conheçam, que a referida ordem naõ se altera na Re-
partição, que tem a seu cargo, quer facilitar-lhes as épo-
cas de seus pagamentos, sem trabalho, nem dependência
dos Empregados, que os houverem de fazer; e por isso
faz publico aos referidos Credores, que dentro em dous
mezes, contados da data deste annuncio, devem apresen-
tar os titulos, que tiverem desde o anno de 1812, sejam de
Gêneros, e Transportes, ou de outras despezas accessorias
a estas duas classes de divida : Os de Trás-os-Montes ao
Deputado Francisco Luiz Ferreira, em Chaves: os do
Minho ao Assistente Commissario Antonio Vicente Tei-
xeira de Sampaio, no Porto: os da Beira-Alta ao Deputado
Commissario Geral José Maria de Mendonça Mexia Al-
meida Barbarino, na Guarda : os do Alem-Tejo ao Depu-
tado Paulo Gomes de Abreu, em Elvas : os do Algarve ao
Deputado Joaquim Ramalho Ortigão, em Faro : os da
Gorte e Estremadura, sendo divida contrahida pelo Depo-
sito e Remessas, ao Encarregado José Joaquim Alves;
sendo pela Administração dos Provimentos á Tropa, a
Clemente Eleuterio Amado ; e sendo divida geral, que
naõ tenha Departamento a que pertença, ao Pagador do
Commissariado, para que recebidos os referidos Titulos
nas Repartições competentes depois de feita a conta do seu
importe, relacionados, e numerados por ordem de anti-
güidade, serem entregues aos mesmos Credores, a fim de
quando se publicarem os pagamentos pelos números das
Relações assim feitas, saber cada hum dos Credores, a
vista do numero de seu titulo, e dos dinheiros, que se fo-
rem consignando, quando tem lugar o pagamento de sua
divida ; e previne aos referidos Credores, que nao entrará
a pagamento aquelle titulo, que naõ estiver em Relaçáo,
ou que naõ forem conformes os números, bem como findo
o termo de dous mezes, os titulos, que depois se apresen-
tarem, seguirão o numero, em que estiver a dieta Relação,
ainda que sejaõ mais antigos.-—Lisboa, 22 de Agosto, de
1816. 6 D O M I N G O S J O S É CABDOZO.
Miscellanea. 369
Guerra do Rio-da-Prata.
Espalhou-se um rumor em Inglaterra, de que a expedição,
que sairá do Rio-de-Janeiro para o Rio-da.Prata, arribara a
S". Catharina, c que ali recebera ordens para nao continuar o
seu destino ; em conseqüência de representaçoens do Gabinete
Inglez.
Os Jornalistas de Londres, que haviam desapprovado aquella
expedição, pela julgarem contraria aos interesses da Inglaterra,
acharam mui natural e justa esta supposta ingerência de seu
Governo, e se gloriaram (lc que, ao menos pelo presente, se
frustrassem as vistas da Corte do Brazil.
Os motivos, que presumimos haverem determinado a S. M . F i -
delissima naquella empreza, sao tam racionaveis e tam j u s t o s ;
que nao podemos descubrir razaÕ sufficiente, com que a Ingla-
terra pudesse persuadir o Gabinete do Rio-de-Janeiro a largar
por maõ o que intentava ; e de tal modo explicamos esta maté-
ria no nosso N°. passado, que naS julgamos necessário dizer mais
cousa alguma neste ponto.
Porém, se os Jornalistas Inglezes suppoem, que o seu Go-
verno devia oppor-se á expedição, de que se tracta, por motivos
de interesse de sua Naçaõ, o seu juizo he muito errado, e só
poderia originar-se na falta de conhecimentos do verdadeiro
estado das cousas, ou em nao reflectir com justeza nos in-
teresses de ambas estas Naçoens, tam intimamente alliadas.
Deixaremos de parte a incoherencia de tal procedimento da
parte da Inglaterra, em se ingerir nos planos políticos da Corte
do Brazil, relativamente ás Colônias de Hespanha ; quando o
Governo Inglez tem tantas vezes declarado, que se nao deseja
nem deve iatrometter com a política interna dos outros Go-
vernos; principio, que os Inglezes tem applicado constante-
mente a respeito destas mesmas colônias Hespanholas, e que
Lord Castlereagh tam decididamente annunciou na Casa dos Com.
rauns, quando foi accusado de consentir nas extravagantes me-
didas oppressivas de Fernando V I I .
VOL. XVII. No. 100. 3B
370 Miscellanea.
Porém, quanto aos interesses da Inglaterra, naõ vemos como
pudesse ser-Ihe prejudicial, que S. M. Fidelissima tractasse de
segurar os seus estados do Brazil, tomando posse do território,
que fica na margem septentrional do Rio.da-Prata.
A importância do commercio Inglez, no Brazil, deriva a sua
consideração, da prosperidade e soergo daquelle paiz; porqne,
quanto mais rico c mais florocente for, tantos mais meios
terá de comprar á Inglaterra as fazendas, que necessita, e em
cuja venda tem os mesmos Inglezes o seu maior interesse.
Considerando o commercio, que os Inglezes fazem agora no
Rio-da-Prata, nao podia a Inglaterra deixar do melhorar tnnito
a sua condição naquelle negocio, apossaodo.se os Portuguezes
da margem septentrional, ou território de Monte-video; por.
quo esta circumstancia devia necessariamente fazer cessar a
guerra civil, tranquillizar os povos, fomentar a industria, e ha-
bilitar os habitantes a comprar aos Inglezes maior porçaõ de
suas fazendas, do que podem fazer actualmente, no seu presente
estado de distúrbios e inquictaçoens publicas.
As fazendas lnglezas, que se consomem no território do Rio-
da-Prata, tanto saõ necessárias aos povos no seu estado actual,
como se precisariam seos Portuguezes governassem em Monte-
video. Se o Governo do Brazil permitte a importação das fa-
zendas lnglezas ; porque dellas ali necessita, pula mesma razaõ
deverá extender essa permissão ao território de Monte-video,
achando-se este debaixo de seu dominio; assim a Inglaterra nau
podia perder cousa alguma nesta mudança ; antes sim ganhar a
differença, que se devia seguir no commercio, á maior prospe.
ridade do Brazil, e do território de Monte-video.
A utilidade do commercio Inglez, se acha nisto conforme aos
interesses políticos da NaçaÕ, na consideração da estreita alii-
ança. que ha entre Portugal e Inglaterra; porque, sendo a
posse do território ilc Monte-video tam importante á tranquil-
lidade do Brazil, como temos mostrado, naõ pode deixar de
utilizar-se a Inglaterra com a segurança de seu aluado, que lhe
poderá servir tanto mais, e ser tanto menos pezado, quanto
mais recursos tiver em si para sustentar a sua dignidade e inde-
pendência.
Miscellanea. 371
Também julgamos que a Inglaterra se naõ deveria oppôr aos
planos da Corte do Brazil, por principios de justiça universal ;
ainda que nisto quizesse fundamentar a sua ingerência na po-
lítica interna de naçoens estrangeiras, contradizendo suas mes-
mas declaraçoens ; porque, da boa intelligencia, que reyna,
entre as cortes do Rio-de-Janeiro e de Madrid, fica manifesto,
que a expedição do Rio-da-Prata éra feita com o consenti-
mento d'El Rey de Hespanha; e todas as noticias concorrem
em persuadir-nos, que neste arranjamento convinha uma grande
parte dos povos, e mais judiciosas pessoas do paiz; porque
olhavam para a expedição do Brazil, como seguro meio de
terminar as suas discórdias civis. Nestes termos, havendo a
concurrencia do antigo Governo, e a vontade dos habitantes, naõ
sabemos que pudesse* S. M. Fidelissima combinar mais justos
titulos aquella acquisiçaÕ, nem que pudesse produzir mais pon-
derosas razoens, para nao admittir naquelle negocio a ingerên-
cia de naçoens estrangeiras.
Resta considerar o ultimo motivo, que se tem allegado, para
justificar esta intervenção da Inglaterra, que he o temor ex-
presso pelos taes jornalistas, de que o Reyno do Brazil se faça
demasiado poderoso.
A grandeza c importância daquelle paiz, resulta de sua situ-
ação gcographica, da riqueza de suas producçoens, e da bon-
dade de seu clima : nao está no poder das naçoens estrangeiras
annihilar estas vantagens do Brazil; e somente ellas podem ser
diminuídas, pela indolência de seus liabitatlores, ou pelos des-
cuidos de seu Governo. A guerra civil do seus vizinhos, que
se pretendia suffbcar com esta expedição, incommodará os ha-
bitantes das provincias do Brazil, que lhe ficam contíguas, e
nesse sentido retardará os progressos da prosperidade nacional,
"aquella parte; porém, quanto ao todo, nunca poderá ter in-
fluencia bastante para que se julgue de assas importância a sua
conservação, a fim de com isso impedir o augmento da riqueza
e Poder nacional do Brazil, ainda que taõ immoral consideração
pudesse ser admittida pela justiça da Naçaõ Ingleza.
Julgando, pois, absolutamente inattendiveis os raciocínios
3 B 2
372 Miscellanea.
dos Jornalistas Inglezes a este respeito, esperamos, que, sejam
quaes forem os motivos porque a expedição se acha actualmente
demorada em S'*. Catherina, a Corte do Rio-de-Janeiro se naõ
descuidará em grangear a boa vontade dos povos, que habitam
ao Norte do Río-da-Prata, e que, pela natureza das cousas haõ
de irremissirelmente, mais dia, menos dia, vir a fazer parte do
Brazil.
ESTADOS U N I D O S .
Homens 51.878
Mulheres 48.741
Total 100.619
3c2
380 Miscellanea.
Excesso do anno passado 3.137
Estrangeiros 6.985
Negros, &c. livres 7.774
Dictos escravos 617
Em 1712 a população de Nova-York, que só tinha três
ruas, éra de 5.840 habitantes; em 1731 toda a provincia con-
tinha 43.058 brancos e 7 2 3 1 negros. Em 1756 a cidade con-
tinha somente duas casas de três andares, uma dás quaes estava
alugada por 40 libras por anno: em 1800 as casas na mesma
rua se alugavam por 200 a 600 libras por anno, em 1742, o
porto só tinha dous navios empregados no commercio de Lon-
dres, e ás vezes um para Bristol; e 1799 o total das exporta-
çoens desta cidade chegavam a 18:719.527 dollars; ou
3:785.560 libras esterlinas; e em 1774 (quando éra colônia
Ingleza) as exportaçoens da cidade eram de 531-000 libras es-
terlinas. Em 1756 Nova-York tinha um só livreiro ; uma es-
chola de latim, e nenhum collegio : em 1800 tinha mais de 30
livreiros, muitas escholas de latim e um Collegio, com o nome
de Universidade.
FRANÇA.
Ordenança Real.
Luiz, &c.—Havendo o Visconde de Chateaubriand, em uma
obra, que imprimio, excitado duvidas, a respeito de nossa von-
tade pessoal, manifestada pela nossa ordenança de 5 do pre-
sente mez de Septembro, temos ordenado e ordenamos o se-
guinte :—
O Visconde de Chateaubriand cessará de ser, desde este dia
em diante, contado entre o nnmero dos nossos Ministros de
Estado.
Dada no nosso Castello das Thuillcrias, aos 20 de Septem-
bro, &c.
(Assignado) Loiz.
(Contrassignado) O DUQUE DE RICHELIEU.
Chateaubriand heum fanático pela Realeza; e talvez, como
acontece aos fanáticos em outras cousas, mistura muita hypo-
crisia, com o seu pretendido zelo pelas monarchias. Porém
seja como for, escreveo elle uma obra, institulada De Ia Mo-
narchie selon Ia Charte, em que duvidava da razaõ ou justiça,
com que El Rey tinha mandado dissolver a Câmara; e dizia
que tal naõ podia ser a vontade de S. M.
Chateaubriand tinha direito de fazer e escrever o que fez e
escreveo ; porque segundo essa tal Charte, todos podem escre-
ver o que quizerem, imprimir, e publicar, ficando somente su-
geitos ás conseqüências; isto he a serem accusados, processa,
dos, e julgados, se no escripto se achar alguma cousa contra as
leys.
Assim o riscar o nome de Chateaubriand da lista dos Minis-
tros d-Estado, como castigo do que elle escreveo a favor da
Realeza, he obrar contra a constituição, punindo o A. sem
que houvesse, como a Charta requer, accusaçaõ, processo, e
sentença.
0 declarar ser crime, na tal obra, a expressão de que a or.
384 Miscellanea.
denança d' El Rey, para dissolver as Câmaras, naõ he obra de
sua vontade, mas sim effeito dos Conselhos dos Ministros, he
outra violação dessa Charta; porque segundo ella fica estabe-
lecido, que os Ministros saõ responsáveis pelos actos do Mo-
narcha; logo pede a mesma Charta, e o decente modo de fallar,
segundo a phrase dessa Charta, que se imputem aos Ministros
e naõ a El Rey, todas as censuras, que se houverem de fazer,
contra algum acto do Governo. E no entanto he por estas
mesmas expressoens constitucionaes, que se castiga Chateau-
briand. Talvez estas inconsequencias persuadam ao fanático
Chateaubriand a nao ser tao Ultra-realista como he.
Daqui, pois, se vè, que a França continua a ser governada
por facçoens, como tem sido em todos os períodos de sua revo-
lução ; atê aqui tinham a ascendência os Ultra-realistas; agora
governam os Constitucionaüstas, ou, como lhe chamam os seus
adversários, os Revolucionistas.
Fouche, na sua carta ao Duque de Wellington, que acaba-
mos de pnblicar neste N ° , descreve a situação interna da
França em cores tam naturaes, que he impossível duvidar dos
factos que elle refere, e em que se funda para os planos que
propõem. Achamos também nesta carta, que os Relatórios
publicados em seu nome, e cuja authenticidade tanto disputa-
ram os do partido opposto, saS verdadeiramente de Fouche;
supposto que publicados com alguma inexactidaÕ, que o mesmo
Fouche se propõem emendar, publicando-os de novo com sua
correcçaÕ.
He impossível ler esta carta de Fouche, comparando-a com
os seus relatórios sobre o estado interno e externo da França,
sem ficar persuadido da instabilidade do actual Governo Fran-
cez ; e do espirito de desorganização, que reyna naquelle paiz;
assim como da inetücacia das medidas, que até aqui se tem
adoptado para o remediar.
O resentiiui nto dos emigrados, que se recolheram a França
com El Rey, naõ lhes permUtia acommodarem-se com o que
achavam estabelecido pela revolução ; e a sua falta de pene-
tração os persuadia, qqe poderiam fazer outra revolução a seu
Miscellanea. 385
favor, destruido o que tinha feito a revolução anterior, sem
que isso arriscasse a segurança e tranquillidade publica.
Fouche combate este erro; e naõ podemos deixar de sup-
pôr, que á impressão que fez a sua carta he devida a mudança
da Câmara dos Deputados, que os actues ministros intentam ;
mas he mui problemático o êxito que terá a decedida opposiçaõ
dos dous partidos, que mais meios tem para se disputar o poder.
Seja qual for o vencedor, sempre a França ficará sendo gover-
nada por uma facção, e esta solapada por outra; e sendo
para ambas o patriotismo consideração secundaria ao grande
e primário objecto de adquirir o poder do governo ou de o
conservar.
0 estado deplorável das finanças Francezas, he um grande
embaraço para o Governo actual; o qual tem feito todos os
esforços, para pagar, até aqui punctualmente, a contribuição
aos aluados, como se vê da seguinte noticia, que foi publicada
oficialmente no Moniteur.
" Os Commissarios das quatro Potências Alliadas, encarre-
gados de examinar a execução dos arranjamentos pecuniários,
entre ellas e a França, se ajunctáram com os Commissarios
Francezes, aos 7 do corrente, no Thesouro Real, a fim de pro-
ceder á verificação dos pagamentos, feitos na conformidade
destes arranjamentos.
" Por esta verificação se averiguou, que a Frauça tinha
pago o que devia, até os 31 de Julho, de 1816. E portanto,
que nao havia fundamento para reclamar delia sommas algu-
mas, das que eram devidas até aquella data; e que por isso
convinha, que se nao fizesse applicaçaõ alguma dos sette mi-
lhoens de annuidades, creadas como garantia destes pagamen-
09
; e que, portanto, ficassem as dietas annuidades intactas,
nas maõs dos depositários.
" Os pagamentos, depois dos 31 de Julho, tem continuado
diariamente com a mesma exactidaõ, e no fim de seis mezes se
fará segunda verificação, na conformidade da primeira: a fim
de authenticar até aquelle periodo o desempenho do thesouro.
A p. 334, Damos a sentença, que se proferio contra o Ab-
bade Vinson, pelo crime, que annunciamos no nosso N°. pas-
VOL. X V I I . N o . 100 3 D
386 Miscellanea.
sado. A sentença foi de uma brandura, igual ao grande pa-
trocínio do réo; mas ainda assim prova, que o Governo naõ
pôde absolutamente escusar-se de castigar o Abbade, para acal-
mar os sustos, que a obra de Mr. Vinson devia naturalmente
causar aos possuidores de bens nacionaes.
HESPANHA.
A prizaõ do Vice-cônsul Americano, que residia em Cadiz, tem
causado bastante sensação nos Estados Unidos. Este Vice-côn-
sul, Mr. Meads, havia feito contractos com o Governo Hespa-
nhol, durante o tempo das Cortes, e he credor ao dicto Governo
de 300.000 patacas. Fernando V I I . como éra de esperar de sua
justiça, naõ quiz pagar esta divida do Governo precedente;
posto que ella fosse incorrida para lhe restituir o throno ; o
cônsul foi obrigado a fazer publica esta falta de palavra no
Governo Hespanhol; porque essa publicidade éra o único
meio que tinha de se justificar para com seus credores. Fer-
nando V I L como se podia esperar de sua amável clemência,
mandou logo prender o Cônsul, em prisaõ rigorosa. He ne-
cessário confessar, que S. M. Catholica segue bem de perto o
código de seus vizinhos em Argel; e que portanto merece
iguaes louvores, e sem duvida obterá do Governo Americano
os mesmos agradecimentos que ha pouco se enviaram d'Ame-
rica, ás Potências de Barbaria.
COLÔNIAS HESPANHOLAS.
INGLATERRA.
NÁPOLES.
WÜRTEMBEnG.
Publicamos a p. 278 uma declaração official, que he como
manifesto d'El Rey, para se justificar com seus subdictos, e com
as potências estrangeiras, sobre as disputas, que tem tido com
os Estados.
Mas aceresse agora outro motivo de discórdia, entre El Rey
eos Estados, e vem a ser, a prizaõ arbitraria de um rico ne-
gociante chamado Seyfford. Os Estados tomaram este caso
com grande calor ; dizem que aquelle procedimento he contra-
rio á forma das leys, e requerem que o negocio seja remettido
aos juizes ordinários.
VOL. XVII. No. 100. 2E
394 Miscellanea.
POLÍTICA.
Resposta.
El Rey soube com satisfacçaõ da sabia medida, que tomou
S; A. R. o Principe Regente de Portugal, de constituir
seus Estados em Reyno Unido de Portugal, e do Brazil, e
Algarves.
S. M. tem os mais vivos desejos de que uma resolução
taõ própria para mais ligar entre si todas as partes da-
quella Monarchia haja de surtir todo o seu effeito ; e con-
Politica. 8Í>9
sidera este arbitrio de S. A. R. como um novo testemunho
da previdência e judiciosa politica do seu Governo ; co-
mo d.mdo uma mais alta e justa idéa da importância e
extens õ do seu Reyno, e como prestando a cada um dos
Estados, que o compõe, a garantia do interesse igual, que
S.A. R. toma na prosperidade de todos os Seus Vassallos.
Esta declaração das vistas e amigáveis disposições de
S. M. serve de resposta á Nota, que ao abaixo assignado
Ministro Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros
dirigio em data de 26 do corrente o Senhor Cavalheiro
Brito, Encarregado dos Negócios de S. A. R. o Principe
Regente do Reyno Unido de Portugal, do Brazil, e Al-
garves, a quem tem a honra de renovar as asseverações da
sua distineta consideração.—Parts, 29 de Fevereiro, 1816.
(Assignado.) RICHELIEU.
Ao Senhor Cavalheiro Brito, Encarregado dos Ne-
gócios do Reyno Unido de Portugal, do Brazil, dos Al-
garves.
Resposta.
Officio da Câmara.
Senhor.—Aos Pés de V. A. R. prostrados o Juiz Presi-
dente, Vereadores e Procurador da Câmara da Leal Ci-
dade Marianna, cheios do maior respeito e acatamento, elles
por si,e em nome daNobreza e Povo da mesma Cidade e seu
Termo, depois de tributarem os mais sinceros puros votos de
obediência, fidelidade e amor á Augusta Pessoa de V. A.R.
em reconhecimento do Paternal Decreto, e da incompara-
vel Beneficência, com que V A . R. tem feita por tantos
modos prosperar o Estado do Brazil, felicitando-o ulti-
mamente com a sua elevação á preemincncia e cathegoria
de Reyno Unido ao de Portugal e dos Algarves, pela sabia
e providente Carta de Ley de 16 de Dezembro, do anno
próximo possado; vaõ submissa c affectuosamente agra-
decer esta taõ grande Mercê e Beneficência; qne ja tinhaõ
applaudido penetrados da maior gloria e alegria com os
públicos festejos, que lhes foram possíveis em demonstra-
ção de seu júbilo e gratidão.
Politica. 407
E porque era razaõ dos seus cargos naõ podem elles Juiz,
Vereadores, e Procurador da Câmara cumprir pessoal-
mente este dever, e conseguir a honra de beijar a Augusta
e Benéfica Maõ de S. A. R., como ardentemente desejam ;
deputaram para o fazer em seus nomes ao Coronel Fer-
nando Luiz Machado de Magalhães, da Governança desta
Cidade, e apresentar ao mesmo tempo na presença Au-
gusta de V. A. R. todos estes votos do seu reconheci*
mento, gratidão, e lealdade.
O Ceo felicite por longissimos annos a preciosa vida de
V. A. R., e de toda a Augusta e Real Familia, como ha-
vemos mister.
Na leal Cidade Marianna, em Câmara de 16 de Março,
de 1815.
Vereador que serve de Juiz de Fora Presidente,
MIGUEL MARTINS CHAVES.
Vereadores, MANOEL IGNACIO VALADAÕ.
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA BRANDÃO.
Procurador, PEDRO VIDIGAL DE BARROS.
HESPANHA.
PAIZES-BAIXOS.
Artigos Addicionaes,
1. Naõ estando S. M. Catholica actualmente em estado
de guerra com o Dey de Argel, o Commandante das for-
ças navaes Hespanholas irá, com as forças marítimas do
Rey dos Paizes Baixos, até em frente de Argel; e, em
virtude dos artigos 4, 5, 6 e 7 do tractado de hoje, re-
quererá ao Governo Argelino reparaÇaô pelas offensas com.
mettidas contra ambas as Potências Contractantes; decla-
rando ao mesmo tempo, que he da intenção das Potências
observar escrupnlosamente, para com as Potências da
Barbaria, o direito das gentes estabelecido na Europa.
426 Politica.
2. Seo Governo Argelino se recusar a prestar ouvidos
á vóz da justiça, c naófizera reparação requerida, se re-
conhecerá existir entaõ o casus fcederi» do presente, e as
respectivas forças das Potências Contractantes obrarão na
conformidade das estipulaçoens dos artigos, 7, 8, 9,19,
SO, e 21.
ROMA.
Resumo do Edicto de S. S. para a organização politica
dos Estados Pontifício».
1 de Agosto, 1816.
O edicto de S. Santidade, qoe estabelece nova forma
de Govemo e de Administração, he precedido das consi-
derações seguintes:
" Pensamos, diso Sancto Padre, que a unidade e a uni-
formidade devem ser as bases de qualquer Instituição po-
litica : sem ellas he difficil segurar a solidez do Governo
c a felicidade dos Povos. Quanto mais um Governo se
approxima a este systema de unidade estabelecido por
Dens na ordem da Natureza, e no sublime edificio da Re-
ligião, tanto mais lisonjear.se pode de apropinqnar-se à
perfeição. Esta convicção nos move a procurar, quanto
nos he possivel, a uniformidade de systema em todo o Es-
tado pertencente à Sancta Sé. Esta preciosa vantagem
faltava ainda ao nosso Estado, porque formado da sue-
cessiva reunião de differentes dominios, appresentava um
aggregadodeusos, de leys,ede privilégios contradictorios
entre si, que muitas vezes faziam uma Provincia estranha
das outras, e ás vezes na mesma Provincia separava um
território de outro."
Expõe depois disto o Legislador as tentativas feitas pe-
los Sumtnos Pontífices seus predecessores, e as suas pró-
prias, no principio do seu Pontificado, para reduzir aos
princípios de uniformidade os diversos ramos da Adminis-
tração publica. Estas tentativas, contrariadas pela colli-
saõ dos interesses e pelo aterro aos antigos hábitos, só po-
VOL. XVII. No. 101. 3K
430 Politica.
deram effeituar-se em algumas partes. " Mas a Providen-
cia, sempre admirável, que em sua sapiência dispõe os
negócios humanos de modo que muitas vezes das maiores
calamidades surgem grandes vantagens, parece ter querido
que as desgraças dos últimos tempos, e até mesmo a in-
terrupção do exercicio da nossa soberania temporal, faci-
litassem esta operação, no momento em que a paz tem res-
tabelecido as Potências legitimas : julgamos pois acertado
escolher esta occasiaõ para concluir a obra começada."
Este grande projecto, terminado no espaço de um anno,
desde o estabelicimento do Governo Provisório, submet-
tido ao exame de uma Congregação composta de Car-
deaes, e de outra personagens distinctas, foi apresentado
a S. Santidade, que o sanccionou, depois de lhe haver
feito algumas mudanças e modificações.
" Os nossos desvélos, a nossa sollicitude, accrescenta
o Summo Pontífice, naõ teraõ unicameute por alvo a uni-
formidade dos principios : quizemos também fazer sentir
aos nossos Povos os effeitos do nosso amor paternal, por
uma notável diminuição dos impostos públicos ; e se o
pezo enorme dos encargos já existentes, e o das sommas
para repartir entre as Provincias que compuham o antigo
Reyno da Itália para pagamento das dividas hypotheca-
das sobre o Monte que existia em Milaõ, as quaes sommas
devem ser pagas pelo nosso Erário, já exhausto pelas des-
pezas extraordinárias e inopinadas a que o obrigaram o
cordaõ de saúde, e os soccorros a grande numero de po-
voaçoens, que carecem de subsistência; se todas estas cir-
cumstancias naõ tem permittido ao nosso amor fazer a bem
dos nossos Povos tudo quanto desejamos, ao menos deter-
minámos moderar os tributos tanto quanto o permittem as
obrigações, a que o Governo he absolutamente obrigado
prover."
Politica. 481
Resumo do Titulo I.—Organização do Governo.
O território he dividido em sette Delegações. Em cada
Delegação ha um Delegado, o qual, se for Cardeal; tem
o titulo e as honras de Legado. O Delagado exerce a
jurisdicçaõ em todos os actos do Governo e da administra-
ção publica. Juncto de cada Delegado haverá uma Con-
gregação ou Juncta de Governo, composta de quatro pes-
soas, duas das quaes seraõ da capital do Governo, e
as outras duas das outras terras da mesma : reunir-
se-haõ três vezes na semana, e teraõ voz consultativa
(ou voto em conselho.) Porém a resolução definiti-
va dependerá do Delegado; dever-se-haõ com tudo re-
gistar os votos com as suas razões, enviando copia delles
ao Secretario d'Estado, para que nunca possa ser arbitra-
ria a decisaõ do Delegado, e se vir no cobecimento das
razões que motivaram a mesma decisaõ. Esta Congrega-
ção será renovada de cinco era cinco annos. Os Gover-
nadores dependem do Delegado. Os Delegados deveróÕ
ser Prelados : saõ nomeados pelo Soberano. As jurisdic-
çÕesdos Barões ficam supprimidas nas Marcas, e nas Pro-
vincias de Urbino, de Camerino, e de Benevento.
TU. II e III.—Organização dos Tribunaes Civis e
Criminaes.
Estes dous Titnlos abrangem as jurisdicçoes dos Gover-
nadores, dos Tribunaes de Primeira Instância, d'Appel-
laçaõ e da Rota. Em cada Capital de Delegação haverá
um Tribunal de Primeira Instância composto de cinco
Juizes e de dous Assessores nos de primeira classe, e de
três Juizes e de um Assessor nas outras duas classes. Ha-
verá em todo o Estado quatro Tribunaes de Apellaçaõ,
um em Bolonha, outro em Macerata, e dous em Roma.
Os Juizes teraõ ordenados convenientes e fixos, e naõ po-
derão receber outros emolumentos. Formar-se-haõ com a
possivel brevidade um Código Civil, um Código Criminal,
3x2
482 Politica.
e um Código de Commercio. Entretanto, observa r-se-liaõ
as leys que se achara em vigor. Os tratos, e o supplicio
do empoleamento saõ abolidos.
RÚSSIA.
Manifesto do Imperador.
Nos Alexandre, pela graça de Deus, Imperador e Au-
tocrata de Todas as Russias, &c.—Na sempre-memoravel
epocha de 1812, quando o paiz foi libertado da invasão
de numerosos e poderosos inimigos ; fôram nossos cuidados
dirigidos com preferencia á antiga capital de Rússia, e re-
solvemos ir ter a ella, e expressar entre seus habitautes os
sentimentos que elles nos inspiravam. O seu amor para
com nosco e para com sua pátria fazia crer, que nenhum
sacrifício éra demaziado. O que elles passaram e soffrêram
penetrou o nosso coração com profunda afflicçaõ. Porém
o Todo Poderoso, que preside ao destino das naçoens,
tinha determinado, que por meio de seus soffriraentos se
salvasse a Rússia e a Europa. O incêndio de Moscow foi
a aurora da libertação dos Estados. Da profanação de
seus sanctos templos se levantou victoriosa a Religião. O
gênio da destruição, que derribou o Kremlin, ficou sepul-
tado debaixo de suas ruínas ; e Moscow, pelo» seus feitos,
sua fidelidade, e sua própria abnegação, deo o exemplo de
heroísmo e grandeza. Profundamente penetrados destas
circumstancias, que estaõ gravadas em nossa memória e
6
Commercio e Artes. 435
nosso coração; mesmo durante a guerra lheextendemos
todos os nossos paternaes cuidados, a fim de ministrar
todos os soccorros possíveis aos seus habitantes prostrados
até á terra. Estes cuidados foram objecto de repetidas
instrucçoens, que transraittimos ao Governador-geral de
Moscow.
Concluída a guerra, depois de termos co-operado para
o equilíbrio geral dos Estados da Europa, e demorado-nos
em S. Petersburgo somente o tempo, que éra inevitavelmente
necessário, resolvemos gratificar os desejos de nosso cora-
ção visitando a nossa capital, taõ honrada por seus feitos,
como por sua antigüidade; informar-nos pessoalmente de
sua situação e necessidades; e reconhecer, á face de todo
o Mundo, os seus memoráveis serviços; que, sanetificados
pela bençaõ divina, e devidamente apreciados pelas Po-
tências estrangeiras, chamam pelo nosso amor e gratidão,
assim como pela da pátria. Em ordem, pois a transmittir
á posteridade a lembrança de seus feitos, ordenamos que o
presente manifesto, publico testemunho de nossa gratidão,
seja depositado nos archivos do Senado de Moscow.
(Assignado) ALEXANDRE.
COMMERCIO E ARTES,
PAIZES-BAIXOS.
Importação Exportação
Algodão em rama . . 3 por cento 2 por cento,
Assucar em bruto . . 6 stivers
— mixtiirado com rcfimido 10 Horins
— refinado . . . . 10 florins
Azeite de peixe . . 10 florins
Barba de Balea . . . . 8^ por cento
Cha 10 por cento
Todos os regulamentos an-
tigos sobre este artigo
continuam
Chumbo, era barra 1001b. 2 florins
Cobertores . . . . 10 per cento
Dentes d' Elephante 1001b. 2 florins
Do. de balea . . . . 8 por cento
Especiaria
Gingibre seco 1001b. 6 stivers
D o . de conserva do. 3 florins
Massa . . . 3 por cento
Canella de Ceylaõ lb. 3 stivers
D o . China . . . 3 do.
Cássia lignea . . . 3 por cento
Noz muscada . . . . 3 do.
Pimenta 1001 b. . . 3 florins
Lsianlio em barra 1001b. 5 stivers
Do manufacturado . . 8 stivers
Fazendas d' algodão branco
1001b 30 florins
Commercio e Artes. 449
Importação Exportação.
Chitas pintadas . . 35 ílorins
Feitas de canhamo ou linho
cru 2 por cento
Do. coradas ou pintadas 4 por cento
Do. para pano de colxaõ 12 por cento
G anga fr . 3 por cento
Musselinas . 5 por cento
Ferragem 1001b. . . 8 por cento
Manteiga lOOib. . . . . 30 stivers.
Melado, naõ refinado . . 3 por cento
-— refinado 1001b. . 6 florins
Obras de torneiro . . 6 por cento
Pannos de laã . . 8 por cento
Queijo de Edam e Gouda
1001b. 5 stivers
• de Cummin . . . . 2£ stivers
Cauter 2\ stivers
• Estrangeiro 3001b. 6 florins 1 florin
Ruiva de tinetureiros, fina . . . 10 stivers
—— mediana 1001b. . . 6 stivers
—— com ruti . . . 4 stivers
Sumagre 8001b. . . 3 stivers
Tabaco, Virgínia, Maryland,
e Porto-nco e Ukrmia em
rama 2 por cento
— Marinos 3 por cento
•— Brazil rolo 2\ por cento
— Folha naõ preparada 4 por cento
— Do preparada 8 por cenfo
Tapetes 10 por cento
Uraela 1001b. 8 stivers
450 Commercio e Artes.
Pode introduzir-se, por transito, toda a qualidade de
fazendas, pagando os direitos de importação on expor-
tação, segundo o que destes for o mais subido ; ou pa-
gando 3 por cento sobre o valor das fazendas ; e tendo e
importador a escolha de um destes três modos de paga-
mento.
Haverá armazéns públicos, em que se depositem as
fazendas, com fiança, ou para se reexportarem, ou para
o consummo do interior. As fazendas podem ficar sob
fiança um anno ; passado o qual tempo perdem o di-
reito de transito.
[ 451 ]
Preços Correntes dos principaes Prodvctos do Brasil.
LOWDRES, 20 de Outubro, de 1S16.
Qualidade. Q»-m*idad( Preço de
Gêneros. Direi'o>
{
Pernambuco.
Ceará 2s. jp .%. lp. 8s. l p . por lb.
Bahia ls. llp 2s. Op. 100 em navio
ls. llp 2s. Op. Portuguez on
Maranhão . .
Pará Inglez.
Minas novas
Capitania. . . Ss. 6p. 4s. 6p. 4}p. por lb.
Aiinil Rio lOs. Op. lis. Op. 3s. 6 | p .
Ipecacuanha Brazil 4s. 6p. 5s. 6p. ls. ü:ip.
Salsa Parrilha Pará Ss. 6p. 3s. 9p. ls. I l j p .
Óleo de cupaiba 8p. llp. 4p.
Tapioca Brazil.... ls. 6p. 2s. Sp. direitos pagos pelo
Ou roeu comprador
etn rolo . 4p. 5p. > Livre de direitos
Tabaco,
Í
em folha ,
;A
4p.
9p.
5p. \ por exportação.
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.
PORTUGAL.
Sahio á luz: Theoria das faculdades e opera-
çoens intellectuaes e moraes. Author Rodrigo Ferreira da
Costa. Preço 240. Lisboa, 1816.
VOL. XVII. No. 101. S N
454 Literatura e Sciencias.
Pensamentos sobre a Philosophia da Incredulidade;
ou reílexoens sobre o espirito e desígnio dos philosophos,
sem religião do presente século, dedicados a Monsieur, ir-
maõ d'EI Rey de França, pelo Abbade Lamourette; e
traduzidos em Portuguez. Lisboa. 1816, preço 360 reis.
ino comprador os destina pasa seu uso, ja naõ fazem parte do capital
circulante, e naõ produzem mais rendimento : saõ separados dos
capitães para passarem ao fundo destinado á despeza.
A prolongaçaõ da sua existência he comtudo uma vantagem: os
particulares, ou a naçaõ, que empregam rendas em objectos desta
natureza, ficam mais ricos que os que as consomem no luxo de
suas mezas ; esta riqueza iinproductiva, e ainda naõ consummida
augmeota a todo tempo os meios nacionaes; e nos dias de calami-
dade, he um recurso que a gente tem, porque se pode trocar por
outra riqueza mais precisa.
Literatura e Sciencias. 457
culante e do capital fixo, deve comprehender toda a ren-
da nacional.*
Notemos agora que uma porçaõ do salário dos obreiros
productivos representa aquella parle da riqueza movei
que be estrictamente necessária para a sua sustentação ;+
esta porçaõ, que vai também necessariamente accumulada
no preço dos productos do seu trabalho, naõ faa parte, a
fallar com rigor, nem da despeza, nem da renda da naçaõ,
pode-se separar de uma e da outra ; he uma quantidade
igual, que, separada de ambas, naõ alterará a sua pro-
porção ; e chaniar-lhe-hemos o salário necessário.
Naõ pôde haver inconveniente algum em separar de
uma e outra parle este salário necessário, porque na reali-
dade naõ se pode considerar como uma despeza nacional.
O que o artífice produetivo destina á sua subsistência he-
lhe fornecido, por especulação, por aquelles que lhe fazem
avanços, certos de que a obra, que elle lhes ha de dar em
pagamento, ha de valer mais doque o consumo do jor-
noleiro representado pelo salário que elles lhe avançam.
Todos os outros indivíduos da naçaõ cousomem, mas o
obreiro produetivo naõ faz senaõ trocas. A mesma naçaõ,
como temos visto m»s capítulos precedentes, líãõ pôde
enriquecer-se senaõ por meio das trocas do presente pelo
futuro.
* Mr. Garnier (em a nota XX. p. 181.) notou com razaõ, que certas
profissoens improduetivas se distinguem pela sua inclinação para a
economia. Que os creados, particularmente, com seus pequenos
capitães, fructo de suas poupanças, alimentam uma boa parte do
commercio das cidades grandes, E nesta razaõ pertencem á segunda
classe da sociedade coino capitalistas; e á quinta como creados:
por isso as suas rendas saõ em parte directas, em quanto aos lucros ou
interesse que percebem; e em parte indirectas, em quanto á soldada
que ganham.
Literatura e Sciencias. 463
Supponhamos uma naçaõ que nao tenha habitualmente
commercio exterior; o producto do seu trabalho será con-
seguintemente igual ao seu consumo : porque, se ella pro-
duzisse mais do que podia consumir, naõ fazendo exporta-
ção, uma parte dos fructos do seu trabalho ser-lhe-hia
inútil, abateria o preço, e pararia a producçaõ para o anno
seguinte.
A pezar desta isolaçaõ, e igualdade entre a producçaõ e
o consumo, o balanço entre as rendas e as despezas pode,
comtudo, ser igual, favorável, ou desfavorável. Será
igual se as tres classes produetivas consagrarem ao salário
necessário uma porçaõ de riqueza movei exactamente
igual á que ellas lhe haviam destinado no anno precedente :
porque entaõ deduzindo duas sommas iguaes de duas quan-
tidades iguaes, a saber, o consumo e a producçaõ, os res-
tos seraõ iguaes, e a naçaÕ nem terá perdido nem ganhado :
um salário necessário igual, porá em acçaõ para o anno
seguinte uni trabalho igual, e a renda será a mesma. Será
favorável, se a despeza das tres classes produetivas fôr
menor que as suas rendas; o que naõ pôde ler lugar senaõ
por meio de haverem avançado maior porçaõ de salário
necessário no anno actual, do que haviam avançado no
anno precedente. Sendo o consumo e a producçaõ iguaes,
e toda a differença entre elles sendo, que do primeiro he
preciso separar o salário necessário do anno passado, para
obter a renda; e da segunda he preciso cortar o salário
necessário do anno corrente para obter a despeza : se neste
anno empregarmos maior quantidade de salário necessário,
mais trabalho se fará, e a renda do anno próximo será
maior. Se cada anno se fizer a mesma economia sobre as
rendas, as dos annos seguintes crescerão progressivamente,
» riquezas do Estado iraõ sempre ern augmento, sem que
para isso se precise de commercio algum estrangeiro. E m
nm, o balanço será desfavorável, se a despeza das tres
classes produetivas exceder as rendas ; porque entaõ cada
3 o 2
464 Literatura e Sciencias.
anno avançarão menor salário necessário, e cada anno a
renda nacional demiiiiiirá, sem que a sua mingua se deva
a exportaçõens, ou a que alguma naçaÕ estrangeira obte-
nha parte delia.
Se a naçaÕ, que suppómos, fizer commercio com estran-
geiros, poderá este consistir principalmente na troca das
suas producções por outras de fôra ; e o seu consumo po-
derá ser igual aos fructos do seu trabalho annual: mas
lambem poderá ser que dê parte de suas mercadorias a
credito para fôra, e deste modo empreste ás nações com
quem commerciar: ou, pelo contrario, poderá receber
mercadorias estrangeiras a creciito, isto he tomar empres-
tado das nações com quem traflacar. No primeiro caso a
sua despeza será igual á sua producçaõ afora o salário
necessário que avançara, c os créditos ou empréstimos que
fizera : e no segundo, será igual á sua producçaõ juncta
aos empréstimos que contratura, ou créditos que recebera,
afóra o salário necessário que avançara. Isto deve de ser
assim, pois na primeira supposiçaõ he precisa toda a som-
ma dos seus créditos ou empréstimos feitos aos estrangeiros
para que o seu consumo seja igual á sua producçaõ; e no
segundo, lie preciso que o seu consumo exceda a sua pro-
ducçaõ tanto quanto fora importância das suas dividas.
Como este modo de apresentar o balanço nacional lie
absolutamente novo ; e como importa muito percebello
bem, e he preciso dissipar toda a obscuridade que ainda
talvez o rodee, representaremos em algarismos a renda,
despeza, salário necessário, e credito, que supporemos de
pequenas nações, para explicarmos as differentes alterações
que pode haver no balanço das suas rendas.
Supponhamos que existem tres cantões ou pequenos
povos mercantes, cujo consumo seja exactamente igual;
motando em o anno de 1816 a 10 milhões de cruzados.
Designemos estes tres Cantões pelas letras A. B. e C. Se-
gundo o systema dos economistas, e mesmo de muitos dos
Literatura e Sciencias. 465
mercantes, o consumo he á medida da reproducçaõ; de
sorte que estes tres povos deveram achar-sc no mesmo
gráo de prosperidade. Todavia, vamos ver que, pelo
contrario, com um consumo igual, segundo a sua industria
crescer ou deminuir, e também segundo o estado dos seus
créditos, ou das suas dividas aos estrangeiros, cada um
destes povos pode fornecer um salário necessário maior
ou menor, e gozar de uma renda também maior ou menor.
Supponhamos que o Cantaõ A. naõ commercia para
fora; a sua producçaõ será por conseguinte igual ao seu
consumo. Supponhamos que em 1815 os seus capitalistas
avançaram 4 milhões de salário necessário, os quaes lbe
produziram cm 1816 obra de valor de 10 milhões, e ahi
temos 6 milhões de renda para repartir por todos os seus
habitantes. Se em 1816 o CantaÕ applicar 4:400.000
de cruzados ao salário necessário, seguir-se-ha que por estes
400.000 crusados mais que poupou da sua renda para em-
pregar deste modo, recolherá em 1817 onze milhões de
producto bruto, e 6:600.000 cruzados de renda; e assim
por diante.
Supponhamos agora que o Cantaõ B. commercia para
fora, de sorte que a sua producçaõ exceda o seo consumo,
e que venda para fora o valor de 250.000 crazados mais
do que recebe de fora, de sorte que fique credor desta
somma aos estrangeiros supponhamos mais que o producto
do seu trabalho, montando a 10:250.000, cruzados, he o
fructo de um salário necessário de 4:100.000, cruzados
fornecido em 1815. Era 1816, montando o seu consumo
so a 10 milhões, terá economizado todo o credito que lhe
MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.
N°. 7.
Disciplina nas Escholas. Castigos,
O Investigador, e o Espectador.
Estes dous campeoens do systema de corrupção, estes
doas formidáveis opponentes do Correio Braziliense, appá-
recera de novo em campo com todo o ar de triumpho;
cantando victoria, antes de verem o fim da peleja. Hesi-
tamos sobre qual delles deveria ter a preferencia, na nossa
resposta, pois ambos saõ igualmente dignos do character
Miscellanea. 473
que o publico lhes attribue. Um escreve em Londres outro
era Lisboa, mas ambos convém em sentimentos, ambos en-
tretem as mesmas ideas, e ambos estaõ persuadidos da ne-
cessidade de combater e derrotar as perniciosas opinioens
do Pedreiro-livre, do Jacobino Correio Braziliense. Vir-
tuosa empreza, a destes religiosos patriotas 1
Foija em outro tempo nossa sorte termos dé atacar e
defender-nos destes dous antagonistas; e continuaremos
gostosamente a fazêllo; sem cora tudo occuparmos com
isso demaziadas paginas em nosso jornal; que he preciso
se dediquem a outras matérias. E como aquelles dous
Jornaes saõ similhantes em tudo (excepto no volume) uma
só resposta servirá a ambos; e alcançará também o appen-
diculo do Redactor da Gazeta de Lisboa.
Quanto a este, damos o devido louvor ao Governo de
Lisboa; por se ter aproveitado do que lhe lembramos, naõ
consintindo que aquelle Redactor escrevesse mais na Gazeta
de Lisboa os seus despropósitos sobre os Pedreiros Livres,
nem suas controvérsias com outros Jornalistas. Assim a
ultima catilinaria, que elle escreveo contra o Correio Bra-
ziliense, foi mandada inserir naõ na Gazeta Official da
Corte, mas no Espectador, N°. 3*.; que foi o mesmo que
mandar a tal composição para o hospital dos incuráveis,
que tal se pode chamar em literatura o minguado jornal do
Exfrade.
Muito embora se escreva contra o Correio Braziliense ;
longe de desapprovar, estimamos isso ; mas he ja um me-
lhoramento, que as sandices de tal geiüe naõ a ppareçam na
Gazeta do Governo, aonde tudo que se publica deve ter o
cunho da authoridade official.
O Espectador Portuguez, e o Investigador Portuguez
saõ dous Portuguezes em norne mui próprios para os ata-
ques contra o Braziliense ; e a carta sobre o primeiro, que
adiante inserimos na correspondência, tal medo nos inspi-
rou, que por agora, e em quanto nos durar o susto, tracta-
2
474 Miscellanea.
remos o Energúmeno com alguma brandura; perdoe-nos
pois a pouquidade, qne para a outra vez terá melhor qui-
nhão.
O Investigador (valha-nos a fortuna com tantos adversá-
rios) entrou nesta occasiaõ mui largamente na refutaçaõ do
que delle dissemos; assim também será preciso perder
com elle mais algum tempo; ainda que seja gastar cera
com ruins defuntos: e como nos promette escrever recorda-
çoens, esperamos ter occasioens repetidas de lhe darmos
também nossos lembretes.
A idea de escrever recordaçoens tirou aquelle plagiario
jornal de uma série de ensaios ou observaçoens, que tem
apparecido no Morning Chronicle, com o nome de Re-
miniscences, em que o Edictor, ou o escriptor dos ensaios,
quem quer que he, ataca Mr. Canning pelas opinioens
que seguio em seus escriptos, quando éra redactor de um
periódico; e quando escreveo contra as pessoas, com quem
se une agora em sentimentos políticos. Assim o pobre
Investigador nem gênio tem para inventar um nome, que
dê, ás composiçoens, que pretende fazer contra nós, sem,
qual pirata do Parnaso, roubar as ideas dos ontros.
Ja que falíamos nas Recordaçoens promettidas, antes de
passarmos a pontos mais sérios, mencionaremos o lugar do
Investigador em que elle diz, que nós nem sempre fomos
o inimigo do Conde Funchal; e para isto cita o lugar do
Correio Braziliense, em que se publicou uma falia do
Conde, a favor, em certo modo, do Correio Braziliense.
Nós estimamos tanto que se fali asse neste assumpto,
que até desejamos refrescar a memória do Investigador,
para suas recordaçoens. E assim lhe lembramos, que
essa falia do Conde foi trazida ao Redactor do Correio
Braziliense; por esses mesmos do Investigador; e tam-
bém serviram a seu Amo, que deixaram na officina
do Correio Braziliense essa falia, escripta pelo punho
do Orador. Os mesmos mensageiros, trabalharam por
Miscellanea. 475
persuadir o Redactor do Correio Braziliense, que o Conde
de Funchal e seu irmaõ, o Conde de Linhares, estavam
tam longe de ter as ideas que o Correio Braziliense lhe
atribuía, que eram a seu favor; em prova do que entre
outras cousas apresentaram ao Redactor do Braziliense
naõ só a dieta falia do Conde de Funchal, mas o Avizo
do Conde de Linhares pelo qual dava liberdade á imprensa
no Brazil ; e além disto continuaram, tanto o Conde Fun-
chal como os seus Emissários a escrever para o CorreioBra-
ziliense; e entre outras cousas, vários paragraphos contra
os amigos de Araújo, hoje Conde da Barca ; e contra elle
mesmo.
Por estas apparentes mostras de coincidência de ideas
políticas, louvou o Correio Braziliense, como devia, aquel-
les Ministros, e principalmente o Conde de Linhares;
porque, em fim, se fosse verdade, que elle tivesse esta-
belecido no Brazil a liberdade da imprensa, que cousa de-
veria ter mais bem merecidos elegi os ?
Em pouco tempo, porém, se descubrio a tramóia, com
que tudo isto assim éra representado ao R dactor do Cor-
reio Braziliense; e assentaram os mestres da intriga, que
uma vez, que tivessem induzido o Redactor a dizer bem
dos dous Condes; e admittir no seu Periódico as compo-
siçoens delles e seus emissários, ficava in habilitado para
ja mais fallar contra elles.
Suecedeo porém saber-se, que a noticia da liberdade da
imprensa no Brazil éra taõ falsa, que, muito pelo contra-
rio, o mesmo Conde de Linhares se tinha erigido em Cen-
50r
5 e, quando lhe apresentavam obras para licença de
imprimir, riscava elle passagens, e mcttia outras de sua
cabeça ; de maneira que além de censor éra em parte au-
thor ou conector das obras.
Mas vejamos, em que consiste esta contradição, de que
agora os Investigadors aceusam o Braziliense, depois have-
476 Miscellanea.
rem os mesmos Investigadores induzidocom falsas represen-
taçoens o Brasiliense a inserir os papeis que lhe traziam.
I Que cousa ha mais natural do que dizer o Correio Bra-
ziliense, que o Conde de Linhares obrava, com sumiria
prudência e summa honra, havendo dado a liberdade á
imprensa no Brazil: e dizer delle tudo pelo contrario,
quando se soube, que o tal Avizo impresso, aonde aquella
faculdade se mencionava, fui um mero ardil, para se po-
der mostrar ao Redactor do Braziliense ?
I Que cousa mais natural do que permittir, que se im-
primisse neste Periódico uma falia, que se dizia ter feito a
seu favor o Conde Funchal, e que apparecêo escripta de
seu punho ? *e que cousa mais natural também do que
expor esse homem em suas verdadeiras cores ; quando se
descubrio, que ao mesmo tempo que o Conde de Funchal,
aflirmava que o Correio Braziliense naõ seria proliibido,
seu irmaõ no Rio-de-Janeiro solicitava do Soberano, que
se prohibisse o Corr. Braz. ; e, porque isso naõ pôde ob-
ter, deo ordens á alfândega, para que se furtasse (naõ tem
outro nome) o Correio Braziliense, aonde quer que se
achasse, e se naõ entregasse a seus donos ?
I Que cousa mais natural do que louvar o Conde dt
Funchal, quando elle dizia, que seu irmaõ lhe havia es-
cripto de que o Correio Braziliense senaõ prohibiria ? e
quando se soube que esse mesmo irmaõ estava expedindo
a Lisboa o Avizo, porque mandava prohibir naõ só o
Corr. Braz. mas todas as obras de seu furioso author
(palavras do Avizo) expor esses intrigantes á ignomínia
que merecem ?
Temos pois que indivíduos agora empregados na redae-
çaõ do Investigador, fôram os que communicáram aquella
falia, e outros papeis, para serem publicados no Corr.
Braz—que se esforçaram em persuadir ao Redactor, que
o Conde de Funchal, Conde de Linhares e todos os de
Miscellanea. 477
seu partido, eram os verdadeiros promotores do Correio
Braziliense—que Araújo e todos os seus amigos eram os
peiores inimigos das ideas do Correio Braziliense: e quando
com taes artes conseguiram inserir estas cousas no Cor-
reio Braziliensw, he este mesmo Investigador, que accusa o
Redactor do Correio Braziliense de contradictorio !
Se estas lembranças naõ saõ bastantes para ajudar o In-
vestigador nas suas recordaçoens, cá temos ainda mais
factos, que de boa vontade llios communicaremos para
servirem nas recordaçoens. Mas de certo aquelles que
communicáram taes embustes ao Redactor, do Corr. Braz.
e que com apparencias de amizade e cooperação o estavam
vendendo e procurando arruinai Io; nao saõ os que o de-
vem aceusar agora de contradictorio, quando elle, co-
nhecendo as falsidades, expõem, como deve, a seus au-
thores.
Isto, pelo que respeita a recordaçoens : agora pela con-
trovérsia, sobre a lâmpada das Minas.
Por esta vez servio ao Investigador a liçaõ "que lhe de-
mos ; porque foram os Redactores estudar a matéria ; e
com effeito se valeram de publicaçoens, que sahiram ao
depois, para sustentar o erro em que persistem. E para
melhor mostrar a sua sciencia lá se saíram com um " que,"
do Corr. Braz. na sua opinião mal introduzido, e isto
porque conjecturam, que a traducçaõ está malfeita, sem
que, antes de dará sua decisaõ, fossem consultar o original.
Porém deixando os Investigadores, com a sua grande
descuberta do tal que fora de seu lugar; e attendendo ao
ponto que he importante ; a saber se a tampada de Sir H.
Bavy he ou naõ segura nas min is ; asseveramos ainda,
que tal naõ he ; e tem sido provado, na Sociedade das
Artes, que os Mineiros empregados em limpar as minas
do gaz, e no que tem muitos lucros, obstinadamente se
Oppóem a todos os melhoramentos da ventilação; e para
detrahir de suas vantagens tem louvado a tal lâmpada, a
VOL. X V I I . No. 101. 3Q
478 Miscellanea.
qual mesmo o seu inventor original (que naõ he Sir H.
Davy) confessa, que naõ he própria para o objecto. E
ultimante tem esta controvérsia sido levada a um ponto de
partido, que tende a obscurecer em vez de acclarar a
questão.
Mas supponhumos, que as experiências citadas pelo In-
vestigador a favor da lâmpada, eram feitas sem espirito
de partido; e com tanta imparcialidade, como as outras
citadas por Mr. Holmes, contra a mesma lâmpada : está
claro, que, nesse caso, alguma das partes se teria enga-
nado; porém, na duvida, ; naõ valeria a pena de o In-
vestigador ter pauzado antes de decidir; ou ao menos
referir as experiências de uma e outra parte f
Isto porém naõ fez o Investigador ; só referio a opinião
de uma parte ; e por isso dissemos, que ou o devia ter
feito por ignorância, ou por maldade. Porque uma vez
que o perigo da lâmpada he representado por taõ séria
authoridade, recommendar o seu uso, sem ao menos di-
zer, que havia objecçoens em contrario, he promover te-
raeridades.
Mas como o que temos dicto sem duvida basta para que
os Mineiros de Portugal naõ vaõ ás cegas atraz do Inves-
tigador, as suas experiências lhes indicarão o partido que
devem seguir; porque neste mundo ha mais alguém que
tenha estudado chimica, além dos Scientificos do Inves-
tigador.
Tínhamos outro ponto de rixa, que éra sobre o con-
tracto do tabaco. Aqui deo o Investigador completa-
mente as maõs á palmatória ; porque naõ somente confes-
sou, que tinha dicto ura despropósito, quando a direito;
mas que tinha asseverado uma falsidade quanto ao facto:
como lho explicou um de seus mesmos conrespondentes.
Vamos agora á matéria importante ; porque o que fica
acima he mera bagatélla, quando se compara ao objecto
seguinte.
Miscellanea. 479
O Investigador Portuguez arripiou-se bastante, com o que
dissemos sobre a guerra do Rio-da-Prata. O Collega Es-
pectador ainda naõ apparecêo em campo com a sua tirada
sobre o assumpto ; e assim vamos por óra só com o Inves-
tigador.
Fundam os nossos antagonistas o seu triumpho sobre nós
a este momento, na noticia de que a expedição se suspen-
dera, em conseqüência da opposiçaõ que a isso fez a In-
glaterra; e vem com uma cnfinda de quesitos, se nós sa-
bíamos isto, se consideramos aquillo, & c , e que (Invest.
N". 64, p. 584), " o Investigador Portuguez naõ estava
authorizado para fallar em um ponto taõ melindroso, e
nem sabia os verdadeiros intentos do Governo, naõ que-
rendo dizer parvoices nem approvou nem desapprovou
formalmente a guerra ; " &c.
Por naõ dizer parvoices no que naõ sabia, nem appro-
vou diz o Investigador nem desapprovou a guerra. Se he
parovice decidir-se em opinião, nas suas circumstancias,
o Investigador, dizendo que ao Brazil sô convinha a paz,
disse a parovice de desapprovar a guerra ; porque quem
se decide pela paz, desapprova a guerra : e sem duvida
parovice he aconselhar a paz, e dizer ao mesmo tempo,
que " naõ estavam ao alcance dos motivos da expedição."
Para ser congruente éra preciso, uma vez que o Investi-
gador disse que éra parvoice fallar da matéria, sem co-
nhecimento de causa, e confessando naõ saber nada disto,
que se callasse, e naõ dissesse, que a*paz éra preferível à
guerra. Outros que seguissem a mesma opinião, mas des-
sem delia as razoens que soubessem, iam, quanto a nós,
errados, porém naõ seriam incougruentes.
A impopularidade da guerra he ura dos argumentos
cora que o Investigador quer mostrar, que ella naõ he
útil. E atreve-se este jornal parazita da Corte, a alegar
como argumento de voltar a cazaca contra seu partido, o
dizer que a guerra he impopular!
3Q 2
430 Miscellanea.
Senhor Invcstigadeiro, as medidas de um Governo naõ
saõ boas ou más, por que sejam ou deixem de ser popu.
lares. Bem popular foi em Portugal a perseguição con-
tra os Judeus, ma« porque aquelles horrores eram conve-
nientes aos frades, e ex-frades, que lhes procuravam a
popularidade, nem por isso se segue que tal perseguição
fosse justa, ou política.
Se infelizmente a torrente popular vai contra alguma
medida justa, ou politica, do Goveruo, he do dever dos
escriptores públicos guiar a opinião publica, e nunca fa-
vorecer os erros ou prejuizos da naçaõ, e alegar com elles
para fazer desviar o Governo de seus bons proposisos. O
Governo tem obrigação de promover o bem publico, mas
naõ de fomentar e seguir a falsa opinião do povo. Os dema-
gogos, e os revolucionários saõ que lisongeam em todos os
casos os prejuizos e opinioens do publico, para tirarem
disso partido, pescando nas águas turvas. Promover o
bem publico, e lomentar os prejuizos do povo saõ cousas
mui differentes.
Pergunta-nos o Investigador ; se ponderamos as diffi-
culdades da expedição do Rio-da-Ptata ? E nos lhe per-
guntamos.
i Qual he a empreza importante que nao tem difficul-
dades ? Nos dissemos, e ainda estamos disso convenci-
dos, que a protecçaõ do Brazil, cubrindo as suas frontei-
ras contra os revolucionários das colônias Hespanholas no
Rio-da-Prata, éra necessária. As difficuldades eram pro-
vavelmente venciveis. Logo o Governo éra justificado
na quella empreza, uma vez que ella éra factível e útil.
Outra pergunta nos faz o Investigador dizendo-nos.
^ Estava completamente informado e persuadido o Correio
Braziliense que o Governo do Brazil tinha um erário suffi-
ciente naõ «ó para preparar mas para levar ao fim uma
expedição, que podia encontrar mil difficuldades: e ao
Miscellanea. 481
mesmo passo linha a marinha necessária para defender
seu commercio contra os corsários dos insurgentes?
Temos provado, que sabemos alguma cousa sobre o
Erário do Brazil; eque (ao menos segundo a nossa opi-
nião) tem rendas de sobra, ainda que esta seja a mais mal
administrada repartição no Brazil. i Qne erário tem os
de Buenos-Ayres ? í Que marinha possuem, ou que
meios de a construir, que o Brazil naõ tenha quadrupli-
cado?
Os de Buenos-Ayres poderiam dar lincença aos parti-
culares para armar corsários ; e se no Brazil fizessem
o mesmo, quem teria mais vasos para armar em guerra ; o
Brazil ou Buenos Ayres ?
Outra objecçaõ do Investigador he, que a tropa era
Portugal, desgraçadamente, como elle diz, anda sempre
mal paga. Porém o remédio que se deve aconselhar para
este mal he que se pague á tropa ; e naõ alegar com o
máo pagamento para deixar de se fazer a guerra. Se a
guerra he nessaria, naõ se pode dizer, que ella se naõ
deve fazer; por que be o máo custume de Portugal pagar
mal á tropa Em tal caso, o que se deve dizer he : se a
guerra he necessária faça-se a guerra ; para ella ir bem
deitem-se fora os ministros, que naõ sabem ecconomizar as
rendas publicas para pagar bem á tropa, e nomeem-se
outros, que obrem melhor. O Investigador, pois, alega
com a existência de um mal, que se pôde remediar, para
argumentar com isso, que se deve soffrer outro mal.
Porém vamos ao argumento, que mais põem os nossos
adversários, neste ponto, de crista levantada. A Ingla-
terra oppoz-se a isso: a expedição parou : ganhamos a
victoria
Vis parazitás! Admiradores do superior do momento !
Escravos de quem he poderoso !
Supposanhamos, que a Inglaterra se intromette no que
482 Miscellanea.
lhe naõ pertence ^ que prova isso contra a justiça da causa,
ou contra a politica da medida ?
Diz o Investigador (p. 505.) " Pesou elle (o Correio
Braziliense) na sua alta e profunda sabedoria, se o mes-
mo Governo do Brazil ia também de accordo com o gabi-
nete Britannico : a se uma vez que este ultimo naõ appro-
vasse a expedição, o Gabinete do Rio-de-Janeiro teria
força e constância, para a pezar disso a realizar ?"
Quam fácil he responder a este abjecto contemporiza-
dor ! " Se a Inglattera, diz elle, approvasse a expedição!"
Que! i Deve Portugal estar á espera da approvaçaõ da
Inglaterra, para.decidir das medidas sobre que delibera?
A mesma supposta opposiçaõ da Inglaterra, (para o que
o Investigador naõ tem outra authoridade senaõ o rumor
das gazetas) prova que éra do interesse da Corte do Rio-
de-Janeiro realizar os fins daquella expedição.
Uma das maiores queixas, que temos contra o governo
do Rio-de-Janeiro, he a má administração de suas finanças,
sobre isto temos ja dicto bastante, e ainda contamos dizer
mais, em occasiaõ opportuna. Temos mostrado, pelos
cálculos de receita e despeza ; que no estado ordinário das
cousas pôde o governo attender a todas as despezas, sem
ficar devendo cousa alguma; c a continuada prosperidade
daquelle paiz mais nos faz crer, que, havendo necessidade,
se podem levantar sommas consideráveis, sem causar op-
pressaõ ao povo.
E porque, logo, ha de suppôr o Investigador, que ura
Estado como o Brazil, em taes circumstancias, deve
esperar a approvaçaõ da Inglaterra, primeiro que adopte
as medidas, que julgue convenientes?
Parece que o Investigador segue a opinião daquelles,
que comparara o Brazil ao perqueno reyno de Napoies.
O Brazil he ja um Estado poderoso, em riquezas e produc-
çoens ; e só deixará de figurar no Mundo como Potência
da Primeira ordem, se o seu Governo seguir os conselhos
Miscellanea. 483
do Investigador, e de seus protectores, e julgar, que naõ
deve tomar alguma resolução importante ; sem a previa
approvaçaõ de Inglaterra.
Quando os Estados Unidos sustentaram a sua guerra da
Independência contra a Inglaterra, naõ tinham a popu-
lação, nem os recursos, que possue o Brazil: dir-nos-haõ,
que tiveram o apoio de naçoens estrangeiras : he verdade
l mas quem tolhe o Brazil de se naõ fortificar também
com allianças úteis, para os casos de necessidade ?
Nós estamos bem persuadidos, que a Inglaterra naõ in-
sistiria em se oppor a que á Corte do Rio-de-Janeiro cu-
brisse as suas fronteiras, com a acquisiçaõdo território de
Montevideo ; mas supponhamos, que sim : nem por isso
declararia a guerra aos Portuguezes; e quando o fizesse ;
nem os Estados Unidos, nem a Rússia, por nao fallar em
outras potências, permittiriara ja mais que Inglaterra se
apoderasse da menor possessão Portugueza; mais depres-
sa se tornaria a declarar a guerra na Europa.
Naõ seguiremos o Investigador, em todos os seus argu-
mentos d' água morna, quando diz a p . 506, que naõ de-
approvou absolutamente a expedição, mas teve o grande
merecimento de fallar na necessidade de augmentar a po-
pulação, conservar o exercito, e fortificar as fronteiras.
Aqui temos um modo de fallar, como nariz de cera, que
se acommoda a todos os feitos. Ao Brazil naõ convém se
naõ a paz, mas naõ desapprova absolutamente a expedi-
ção; e he necessário fortificar as fronteiras.
Entaõ, faça-se entender, senhor Investigador i approva
ou naõ approva, que a Corte do Rio-de-Janeiro use dos
meios da força, para cubrir suas fronteiras ? Falle claro,
P»rquc he importante, que o publico, para quem ambos
escrevemos, conheça as razoens porque deliberamos de
differentes modos.
Resta-nos responder á chufa, com que o vira-casaca do
484 Miscellanea.
Investigador diz, que nós nos temos callado a respeito das
Colônias Hespanholas.
Os nossos sentimentos a este respeito naõ saõ segredo;
elles nos tem obtido por varias vezes o chamar-nos o Inves-
tigador, Caraquenho, revolucionário, saguinario: as pa-
ginas do Investigador estaõ cheias destas accusaçoens con-
tra nós; e por que ? Porque foi, e he, a nossa opinião,
que o Governo de Hespenha se portava e se porta pessi-
mamente a.respeito de suas colônias j e que ellas tinham
direito a salvar-se da opressão.
Porem i approvamos nós jamais os horrores da guerra
civil, que desgraçadamente devoram aquelles paizes ?
Temos ha muito tempo deixado de transcrever as noti-
cias, que correra nas gazetas lnglezas, sobre a guerra civil
da America Hespanholas, pelas razoens que temos em outros
N o s . explicado : e a principal he, que naõ temos ne-
nhumas noticias authenticas; e que os rumores, que ordi-
nariamente chegam pelos Estados Unidos, sempre contracti-
dorios, e até inintelligiveis, saõ os mais das vezes inventados
por persoas de ambos os partidos, interessados na propa-
gação dessas falsidades.
Quanto ao facto averiguado he, que a guerra civil na
quelle infeliz território, consta de correrias de pequenas
partidas de homens armados, que nem tropas se lbe podem
chamar, que roubam a torto e a direito amigos e inimigos;
e saõ alternativamente batidos ou victoriosos todos os dias;
sem que haja plano formado de operaçoens algumas-, de-
pois da catastrophe do terremoto, em conseqüência do
qual perdeo Caracas o homem mais capaz que tinham,
que éra o geral Miranda; o qual foi atraiçoadamente entre-
gue aos Hespanhoes em L a Guira, por um official de seu
mesmo exercito.
Nos desejamos ver remediados os males dos Americanos
Hespanhoes, e desejamos-lhe por mais de uma razaõ os
Miscellanea. 485
melhores suecessos; porém nunca louvamos, nem pro-
moveríamos, directa ou indirectamente, os horrores que
deixamos mencionados.
Instiga-nos o Investigador, a que fallemos nisto. De-
nos cá a sua opinião clara e distineta nestas matérias;
assim como nós temos feito sempre, e fazemos agora.
Está na tinta, que tal façam ; palavras vagas, meias
expressoens, nariz de cera, que se acommo e a voltar-se
para todas as partes : he o que se acha no Investigador.
Lembra-nos muito bem, sem precisar de suas recorda-
çoens; que o Investigador teve a providente lembrança
de publicar por extenso, na lingua Pertugueza, a consti-
tuição dos Negros de S. Domingos; e fazer delia presente
ao Brazil, no seu Jornal, que o Sectário de Estado Conde
de Linhares fazia todos os esforços por circular em toda a
parte. Esta publicação causou tal horror a todos os na-
turaes do Brazil, que entaõ se achavam em Londres, que
houve algum delles que fez as mais sérias representaçoens
sobre isto ao Conde de Funchal; entaõ primeiro Peda-
gogo Investigador. Se os Redactores quizerem algumas
noticias sobre isso para as suas recordaçoens nós lhe dare-
mos parte dessas correspondências, que existem em nossa
maõ.
O Correio Braziliense desejou e deseja a felicidade de
Caracas e mais paizes da America ; sem que deseje promo-
ver os horrores das guerras civis; as quaes se teriam se-
guramente evitado, e o paiz estaria feliz ; se ânimos apou-
cados e ignorantes naõ tivessem sacrificado o bem geral a
consideraçoens pessoaes. Mas o Correio Braziliense ainda
naõ fez ao Brazil o presente de uma Constituição para
uma Republica de Negros. Isto ficou reservado exclusi-
vamente ao Scientifico Investigador.
INGLATERRA.
iNSTrrrjiçAÕ A N T I - P I R A T I C A .
Annuncio para uma convocação dos cavalleiros,
em Paris.
A assemblea dos Cavalleiros e outros membros da In-
stituição, designada para os 29 de Septembro, terá lugar
nesse dia, na salla do Circulo Inglez, no Hotel Montesson.
1. Ler-se-haõ os Telatorios dos Cavalleiros e outros
Membros assistentes e conrespondentes, que se tem em-
pregado com actividade e bom effeito, nos ulteriores ob-
jectos da Instituição, nas costas e interior de África.
2. Considerar-se-ha o estabelicimento de meios, para
vigiar sobre os prisioneiros de guerra, que os piratas con-
tinuarem a fazer das naçoens, com quem tiverem a insolencia
de dizer, que estaõ em estado de guerra; e que naõ possam
ler nem uma força naval formidável, nem bandeira, nem
representante official juncto ás Regências, para as fazerem
respeitar os principios reconhecidos, e as pessoas, que
caírem em suas maõs. Considerar-se-ha também algum
VOL. X V U . N o . 101. 3s
494 Miscellanea.
meio de naõ perder de vista os captivos, que possam ser
mettidos em suas prizoens, sem ar, nem exercicio, c peior
nutridos do que nunca, debaixo do systema agora reco-
nhecido e admittido nao se alterando o estado destes in-
felizes senaõ no nome, nas maõs de taes senhores.
3. Considerar-se-ha, que medidas se haõ de tomar, e
que meios se haõ de empregar, para recuperar os escravos
transportados violentamente, ou removidos do território do
Dey de Argel; e que naõ podiam gozar das vantagens da
estipulaçaõ feita em seu favor, ainda suppondo a bua fé e
sinceridade pessoal do Dey ; e para reconhecer de ma-
neira conveniente e digna da Sociedade, os serviços de al-
guns Árabes e Mouros, que, pelo favor e debaixo dos aus-
pícios do Imperador de Morrocos, tem libertado escravos
brancos do interior; para o fim de animar esta louvável
practica, e excitallos a continuar no exercicio desta cha-
ritaíiva indagação.
4. Também se considerarão os meios, que se devem
adoptar, para descubrir os esconderijos dos piratas, e pre-
venir a execução do seu conhecido plano, infelizmente ja
reduzido a practica, de naõ fazer mais captivos (visto
que lhe naõ será permittido leduzillos á escravidão, nem
fazêllos trabalhar com as bestas) mas sim assassinar as
equipagens e passageiros dos pequenos vasos, que navegam
pelas costas do Mediterrâneo, e principalmente no Adri-
ático.
5. Examinar-se-haÕ as qualidades e meios de duas pes-
soas (uma das quaes he natural de Mogador, falia o Ará-
bico e varias línguas Europeas :) estas duas pessoas se
offerecem para fazer uma jornada ao interior de África;
e mesmo até Tombuctoo, para facilitar o objecto da Insti-
tuição, e verificar as relaçoens de Joaõ Adams, que nau-
fragou na costa de Morrocos, e foi transportado como es-
cravo para aquella capital do Império Negro, e libertado
pela humanidade e justiça do Imperador de Morrocos.
Miscellanea. 495
Noticias do Exercito Portuguez, no Brazil.
Gazeta do Rio-de-Janeiro, 22 de Maio.
Como S. M. se tivesse transferido ao Sitio de S. Domin-
gos, para o fim de honrar com a sua presença, revistar, e
vêr manobrar a divisão de voluntários Reaes, que desta-
cada do exercito de Portugal, se acha aquartelada no
referido sitio, quiz o mesmo Senhor, por complemento de
honra á mesma divisão, ficar entre aquelles seus vassallos,
nofaustissimo dia 13 do corrente.
Constando esta Real resolução, concorreram ali muitos
mcinbos do Corpo Diplomático, e um grande numero de
pessoas da nobreza para terem a honra de cumprimentar a
S. M. pela solemnidade do dia.
Em observância da ordem do dia, que abaixo publica-
mos, a divisão dos Voluntários Reaes, tendo á sua frente o
General Lecor, se havia postado no Campo de D. Helena,
formando um quadro vasio, em cujo centro se tinham le-
vantado tres barracas.
Ao meio-dia El Rey Nosso Senhor, SS. A A. os Senhores
Principe D. Pedro, e Infante D. Mignel monta rama cavallo
acompanhados de um grande numero de officiaes, gene-
raes, (entre os quaes hia o Excellentissimo Mareclml-Gene-
ral, Marquez de Campo Maior,) e de criados de sua Casa ;
e se dirigiram ao lugar da parada. Seguiram-se cm coches
a Raynha Nossa Senhora, e as Princezas Suas Augustas
Filhas.
SS. MM. e SS. AA. se apeáram defronte das barracas,
que lhes estavam destinadas, e immediatamente as tropas
fizeram as continências devidas, deram as descargas do cos-
tume, e seguidas de muitos vivas ; desfilaram em parada
depois na presença d'El Rey, e da sua Augusta Familia ;
e formando depois quatro columnas cerradas se reuniram á
do centro, e na mesma linha marcharam em frente da bar-
raca de S. M. e fizeram alto em distancia conveniente.
Entaõ o seu desvelado chefe o Excellentissimo Marechal
3s 2
496 Miscellanea.
General, Marquez de Campo Maior, mandou ao Marechal
de Campo o Excellentissimo Marquez d'Angeja, que lesse
o munificente decreto, que abaixo vai transcrito. Este
acto, o único com que S. M. solemnizou o seu faustissimo
anni versario, tem por isso mesmo muito mais subida valia.
Todas as tropas assim o reconheceram, c as fervorosas
acclamações em que romperam, por exuberância dos cora.
ções, saõ a mais ostensiva e a menos equivoca prova da sua
gratidão.
Ao ver o aceio, a firmeza, a boa ordem, a disciplina,
em que se achava toda a divisão, naõ era possivel desço»
nhecer os bravos de Bussaco, Albuera, Salamanca, Victoria,
e Orthez; lugares onde o herdado valor e brio nacional
tanto se estremaram.
As tropas estavam cheias de ufania pela honra singular
de manobrarem na presença do seu Rey, em ura tal dia,
sob o commando do seu Marcchal-General, Marquez de
Campo Maior, e dos seus Generaes Lecor, Pinto, Silveira,
Pissarro, e Velez, officiaes de reconhecido denodo, e que
taõ dignamente se empregam na conservação da disciplina,
com os beneméritos commandantes dos corpos, e mais
officiaes.
Acabada a leitura do sobredicto decreto, recolheram-se
SS. MM. e SS. AA. ásua barraca, aonde os Grandes do
Reyno, e os criados da casa passaram a occupar os seus
respectivos lugares : entaõ S. M. ordenou ao Excellentis-
simo Conde da Barca, ministro e secretario d'Estado, que
estava presente, que fizesse constante ao corpo diplomáti-
co, e a toda a Corte, " que S. M. C. por carta do seu pró-
prio punho, em data de 7 de Fevereiro lhe havia antici-
pado a noticia de que na Corte de Madrid, com a benção
do todo Poderoso, se havia de celebrar naquelle faustissimo
dia o seu feliz desposorio com S. A. a Senhora Infanta D.
Maria Izabel, e o do Sereníssimo Senhor Infante D. Carlos
com S. A. a Senhora Infanta D . Maria Francisca." Isto
Miscellanea. 497
diclo principiou o cortejo. Esta agradável noticia foi
recebida com a mais viva satisfação e alegria: e tantos
motivos de júbilo, reunidos em ura só dia, fizeram com que
elle fosse um dos mais festivos e celebres dias entre nós.
Quando he notório que os Portuguezes de ambos os hemis-
férios tem por timbre um extremoso amor pela sagrada
pessoa do seu Soberano, e de toda a sua Augusta Familia:
quando he notório, que as duas Augustas Esposas saõ,
como as outras Princezas Suas Irmaãs, o objecto da publica
adoração, será bem fácil aquilatar a exultaçaõ geral ao
saber-se de taõ bem ajustada uniaõ.
O espectaculo, que appresentava o Campo de D. Helena
no dia 13 do corrente, era único e tocante : o espectador
extasiado imaginava vêr ali o throno do primeiro Affonso,
o altar do Hymeneo, e os memorados Campos de Albuera,
Victoria, e Orthez; e a simplicidade do ornato, ao mesmo
tempo que quadrava com a natureza do local, dava realce
á magestade do cerimonial.
Durante o cortejo o transporte geral foi interrompido por
alguns instantes, por S. A. o Principe D . Pedro se achar
indisposto por algum tempo ; mas o prompto restabeleci-
mento de S. A. veio augmentar inda mais o regosijo e o
transporte geral.
ORDEM DO D I A .
Decreto.
Querendo dar á divisão de voluntários Reaes do Principe
uma especial demonstração da minha Real benevolência,
pela boa vontade, com que tem vindo servir-me neste meu
Reyno do Brazil, e pela excellente disciplina, com que
tem executado na minha augusta presença as manobras,
em que, debaixo das ordens do seu illustre chefe o Mare-
chal-General Marquez de Campo Maior, tem sido exerci-
tada pelos seus respectivos generaes, commandantes de
corpos, e mais officiaes; os quaes todos me tem dado em
todas as oceasiões as mais decididas provas de zelo e leal-
dade : sou portanto servido, e me praz fazer mercê naõ
Miscellanea. 499
somente da gratificação de um vintém por dia aos soldados
e músicos da mesma divisão, e do que similhantemente
deve competir aos officiaes inferiores delia, em quanto es-
tiver destacada neste reyno ; mas lambem da restituição
completa da somma, que se lhes deduzio para a compra
de jaquetas de policia, dragonas de franja verde, ponteiras,
e pincéis : e outro sim hei por bem, que á primitiva deno-
minação de Voluntários Reaes do Principe se substituirá
de hoje em diante a preeminente denominação de Voluntá-
rios Reaes d'El Rey. O Marquez de Aguiar, do meu
Conselho de Estado, Ministro Assistente ao Despacho do
Gabinete, encarregado interinamente da repartição dos
Negócios Estrangeiros, e da Guerra o tenha assim enten-
dido, e o faça executar.
Dado no Sitio de S. Domingos, em 13 de Maio, de 1816.
Com a Rubrica de Sua Majestade.
ORDEM DO D I A .
Quartel-general da Praia Grande, 14 de Maio, de 1816.
O Marechal-General Marquez de Campo Maior tem
muito prazer em significar ao Senhor Tenente-general
Carlos Frederico Lecor, commandante da divisão de vo-
luntários Reaes d'El Rey, aos senhores officiaes generaes,
e commandantes dos corpos, que a compõe ; assim como
aos officiaes, officiaes inferiores, e soldados delles a satis-
fação completa, que Sua Majestade expressou com a appa-
rencia militar, arranjo, e disciplina, patenteada pelas tro-
pas em a grande parada, que hontem fizeram na augusta
presença de sua Majestade.
O Marechal-General congratula-se igualmente com as
tropas da dieta divisão, por motivo dos novos signaes de
favor honrosos, e úteis, que Sua Majestade se dignou
conferir-lhes, dando-lhes o nome de voluntários Reaes
d'El Rey, (com que baÕ de ter a honra de denominar-se
daqui por diante) um acréscimo de soldo, e ultimamente
5
ÕOO Miscellanea.
a importância da restituição de descontos consideráveis,
que se lhes haviam feito no soldo. Estes testemunhos da
approvaçaõ, distineçaõ, e liberalidade do Soberano saõ
taes, que nao precisam de amplificaçaõ por palavras, faliam
por si mesmos, e haõ de ser apreciados por todos, e dar
novo estimulo á lealdade, affeiçaõ, e zelo manifestado em
todos os tempos pela naçaõ Portugueza aos seus Soberanos;
e com muita especialidade agora neste ultimo periodo, e
de um modo taõ distincto pelo exercito, de que esta divi-
são fez parte, e faz ainda.
O Marechal-General publica nesta ordem, para inteiro
conhecimento das tropas, uma copia do decreto, que por
ordem immediata de Sua Majestade lêo hontem na sua
Real presença, e á frente da divisão, o Excellentissimo
Senhor Marechal de Campo Marquez de Angeja. NaÕ
será menos lisongeiro para a divisão, nem lhe causará
menos contentamento o saber, que as graças concedidas
neste decreto foram effeito da Regia lembrança, e emana-
ram immediatamente da sua Real vontade.
Marquez de C A M P O M A I O R , Marechal-generaL
S E B A S T I Ã O P I N T O DE A R A Ú J O C O R R Ê A .
Marechal de C A M P O , Ajudante-general.
PORTUGAL."
Ordem do dia do Marechal-general.
Quartel-general do Pateo do Saldanha,
21 de Septembro, de 1816.
Sua Excellencia o Senhor Marechal General Marquez
de Campo Maior tem a honra, e satisfacçaõ de communi-
car ao Exercito a sua volta a Portugal para retomar o
Commando do mesmo Exercito. S. Ex* lembra agora
ao Exercito a sua ultima Ordem do Dia 9 de Agosto de
1815, quando partio para ir á presença de Sua Majestade
E l Rey seu Senhor, e todas as outras Ordens, em que S.
Miscellanea. 501
Ex*. lhe assegurou sempre, que podia firmemente espe-
rar, e confiar na Bondade, e Amor do Soberano, e na
sua natural Munificencia em recompensar o merecimen-
to, e os serviços. Tudo quanto S. Ex". tinha pertendi-
do inculcar a este respeito aos membros da Corporação
Militar, teve o extremo contentamento de ver excedido no
espirito, e desejos de Sua Majestade, para testimunhar
a sua Real satisfacçaõ ao seu Exercito pelos serviços,
que fez durante uma guerra taõ extraordinária, taõ hon-
rosa, e proveitosa para os seus Vassallos Portuguezes. O
Exercito verá as conseqüências do Amor, e Approvaçaõ
do seu Soberano para com elle pelos cuidados, e interesse,
que se manifestam nos arranjamentos, que Sua Majestade
foi servido ordenar no que pertence ao ramo Militar,
onde brilham os signaes do favor, e da munificencia de
ura Soberano bom, e grato a Vassallos beneméritos. Fo-
raõ os desejos de Sua Majestade, que todas as Classes do
Exercito experimentassem, quanto fosse possivel, os effei-
tos da sua Real benevolência, c sem duvida tiveram estes
toda a extensão, que as circunstancias do Reyno permittem;
e S. Ex*. o Sr. Marechal General foi humilde testemunha
de que Sua Majestade até sentio naõ poder em razaõ das
circunstancias extender mais as suas Graças: mas S.
Ex*. está convencido de que o contentamento será g e r a l ;
de que todo o individuo do Exercito se unirá a S. Ex*.,
para exprimir a sua satisfacçaõ, o seu reconhecimento, e
agradecimentos ao melhor dos Soberanos; e de que os
signaes extraordinários da sua Real benevolência, e dos
seus cuidados pelo conforto, commodidade, e interesse
do Exercito seraõ novo estimulo para toda a classe de
Militares procurar conhecer, e executar bem os seus de-
veres, como único meio, que temos de testimunhar a nos-
sa gratidão por tantas mercês: e S. Ex*. he o primeiro
em confessar, que as suas obrigações para com El Rey
VOL. X V I I . N o . 101. 3 T
502 Miscellanea.
seu Senhor saõ as maiores, e impossíveis de serem retri-
buídas, senaõ pelos seus desejos, e esforços por bem o
servir. Em situação quasi igual considera S. Ex*. todo
o Exercito; e esta certo, que este se acha geralmente pos-
suído dos mesmos desejos.
Finalmente o Sr. Marechal-general pôde certificar ao
Exercito de Portugal, que este tem no seu Soberano um
Senhor dos mais indulgentes, ura Pai o mais affeiçoado, e
um Amigo verdadeiro, do qual o maior desejo he recom-
pensar a virtude, e o merecimento. S. Ex'. o Senhor
Marechal-general goza agora da satisfacçaõ de poder
affirmar ao Exercito o conhecimento de tudo o que refere,
adquirido por sua própria experiência, resultado da con-
descendência e favor, que Sua Majestade foi Servido
mostrar-lhe, e que S. Ex". nunca poderá suficientemente
reconhecer ou pagar.
Os Senhores Governadores de Provincias, e de Praças,
e os Senhores Generaes empregados no Serviço, e todos os
mais Officiaes, e pessoas Militares dirigirão as suas com-
municaçoens, e participações aos Chefes das Repartições,
conforme as Ordens do Exercito, para serem presentes a
S. Ex a . o Sr. Marechal-general.
AJUDANTE-GENERAL-
Miscellanea. 503
Inquisição.
A p. 407, copiamos uma pastoral do Bispo do Funchal, se-
guida de um Avizo Regio, e depois outra pastoral do mesmo
Bispo, a respeito dos crimes ecclesiasticos, e dos procedimen.
3 T2
504 Miscellanea.
tos do Commissario da Inquisição na Ilha da Madeira, que
deo lugar aos documentos, que publicamos.
Tem sido constante máxima do sanguinário tribunal da In-
quisição, parar com suas crueldades, todas as vezes que as cir-
cuinstancias dos tempos lhes podem ser desfavoráveis, e soltar
as rédeas á perseguição, logo que se lhe oííerece conjunetura
opportuna.
Assim, no tempo d'El Rey D. Jozé, nao só se deixaram de
divertir com queimar a gente viva, por amor da Charidade
Christaã, mas até espalharam os Inquisidores, que as suas
funcçoens estavam quasi aunihilartas. Apenas, porém, aca-
bou a administração daquelle Rey, quando houveram no Reyno
tres autos-da-fé; e porque estes causaram um escândalo geral
no Reyno, suspenderam aquellas inhumanas tragédias ; e conti-
nuaram os Inquisidores as suas perseguiçoens somente em par-
ticular ; e no profundo segredo de seus cárceres oceultos ; en-
cobrindo assim todas as suas iniquidades, certos de que sepul-
tando suas victimas, sepultavam igualmente as provas de suas
maldades.
O ódio, que inspirou na Europa o despotismo de Buona-
parte, fez com que os povos desejassem e conseguissem destruir
todos os estabelicimentos daquelle tyranno; e como, na res-
tauração dos Governos antigos, pareceo, e ainda parece a mui-
tos políticos do vistas apertadas, que se deviam restituir todos os
abusos passados, julgaram os Inquisidores, que éra favoravela
occasiaõ de tentar também a publica ostentação de sua fatal
authoridade.
A Inquisição de Lisboa, começou manhosamente com passos
vagarosos, e usou do rodeio de mandar ao seu Commissario na
Ilha da Madeira, que publicasse editaes, convidando o povo a
fazer denuncias. A velhaearia dos Inquisidores, em começar
a mostrar o seu rigor na Madeira, fundava-se no machiavelismo
de ver se eram ou nao bem recebidos do Governo e do povo,
os seus procedimentos na Madeira; se o fossem, alargavam-se
e dilatariam os seus horrores ; se o nao fossem, disfarçava.se
facilmente a tentativa, por ser feita só em uma ilha; e conti-
nuava-se com a pretendida idea, que a Inquisição esta muito
Miscellanea. 505
mais moderada; e que a mesma instrucçaõ dos actuaes Inqui-
sidores, faz com que elles nnllinquem, na practica, a jurisdic-
çaõ, que tem unicamente em nome ; visto que a nao querem
exercitar.
Desta vez. porém, nao sortiram effeito as atraiçoadas artes
dos Inquisidores ; porque quiz a for'una, que houvesse na Ilha
da Madeira um Bispo, que teve assas coragem para vindicar os
direitos, que lhe competem como chefe de sua Igreja ; e um Go-
vernador assas patriota para apoiar o Bispo, em suas justas
pretençoens; e ambos de acordo, prohiblram que o Commissario
da Inquisição publicasse os seus editaes, pelos quaes queria fo-
mentar as delaçoens oceultas ; e deram parte do que tinham
feito á corte do Rio-de-Janeiro
O Bispo publicou entaõ um edital seu, em que assevera uma
verdade conhecida por todos os Theologos eCanonistas, de que
os Bispos saõ os pastores supremos, cada um em sua igreja;
pois he facto ornais patente na historia ecclesiastica, que a ju-
risdicçaõ exercitada pelos Inquisidores, he um verdadeiro esbu-
lho dos direitos dos Bispos, e tam conhecido he isto dos mesmos
Inquisidores, que, para darem suas sentenças, mandam pedir a
assistência do Ordinário; formalidade inútil, quanto ao effeito;
porque os Inquisidores nunca fazem caso do Ordinário, que
sendo um voto contra todos os Inquisidores, e decidindo-se as
matérias á pluralidade de votos, vem a presença do Ordinário
a ser de nenhum uso. Mas ainda assim prova, que os Inquisido-
res naõ puderam negar o direito dos Bispos.
A Corte do Rio-de-Janeiro approvou o que fizeram o Bispo
e Governador da Ilha da Madeira, expedindo sobre isto o Avizo
Regio, qne deixamos copiado a p. 409 : com o qne se calaram
os Inquisidores, e tornaram a apregoar ; que a Inquisição ja
naõ he o que éra: e que os actuaes illuminados Inquisidores ja
naS desejam exercitar a sua jurisdicçaõ, c que as sanguinárias
leys, que lhes servem de norma; saõ mera formalidade, de que
elles naõ intentam ja mais fazer uso.
No entanto, a gente perversa da Madeira, suppondo que
aquella pastoral do Bispo lhes dava occasiaõ a pôr em obra
suas vinganças particulares, com a capa de religião, entraram a
506 Miscellanea.
fazer denuncias secretas ao Bispo, o qual se vio obrigado, para
atalhar o fogo da discórdia, a publicar a outra pastoral, que
copiamos a p. 4 1 0 ; pela qual, rejeitando as denuncias secretas
e anonymas, fez parar a torrente dos hypocritas, que ao abrigo
da escuridão, com o pretexto da religião, queriam satisfazer
suas paixoens.
A segunda pastoral do Bispo prova bem, quaes eram os hor-
rores, que se destinavam áiufeliz Ilha da Madeira, se se dei-
xasse ao Commissario dos Inquisidores proceder em seu plano.
Todas as accusaçoens secretas e mesmo anonymas, que a pru-
dência do Bispo rejeitou, e que publicamente desapprovou em
sua pastoral, seriam bem recebidas pelo Commissario da Inqui-
sição : muitos indivíduos seriam prezos, e por conseqüência
remettidos a Lisboa, para ali serem processados : a dessolaçaõ
de suas familias, com esta auzencia; a ruina de seu credito; o
estrago de suas propriedades, eram conseqüências infalíveis,
ainda que esses reos mandados a Lisboa fossem absolvidos eu
declarados innocentes ; e a Madeira teria de experimentar em
1816, os mesmos estragos que naõ ha mais de 15 annos lhe cau-
saram os Inquisidores de Lisboa, com um procedimento simi-
lhante.
Naquella epocha se vio chegar a Nova York, nos Estados
Unidos, um navio da Madeira, com uma bandeira branca, e
nella em letras azues a inscripçaõ " Asilum quwrimus." Este
navio levava parte dos refugiados, que se viram obrigados a
lagar a sua pátria pela perseguição dos luquisidores, e que vio-
lentamente foram contribuir, com suas riquezas e com sua in-
dustria, para o augmento de paizes estrangeiros.
Temos visto assas reformas em Portugal, depois que come-
çamos a escrever este Periódico, para naõ desesperarmos de
ver esta matéria da Inquisição considerada como deve ser por
S. M . : Et Rey naõ pode deixar de reflectir nestes exemplos;
e conhecendo que se naõ fosse o seu providente Avizo, em ap-
provaçaõ das medidas do Bispo, a Ilha da Madeira arderia de
novo com o fogo das prrseguiçoens da Inquisição ; S. M. verá
claramente, que hc preciso estender a sua protecçaõ, a este re-
speito, a todos os Vassallos de seus domínios.
Miscellanea. 507
Está determinado, que no Brazil naõ haverá Inquisição : a
de Goa foi extincta; e se estas medidas se julgaram conveni-
entes para aquellas duas partes dos Estados Portuguezes J por-
que o naõ seraõ também na Europa?
Mas, diraõ os hypocritas e tartufos da Corte, £ que ha de
ser dos crimes ecclesiasticos, nao havendo Inquisidores que os
castiguem? Isto foi seguramente considerado por El R e y ,
quando S. M. decidio, que nem no Brazil, nem em Góa, have-
ria Inquisição : e as leys ecclesiasticas, e a mesma essência da
disciplina, e da doutrina da igreja Christaã, mostra o remédio.
Os bispos tem o direito de punir os seus subditos, por todos os
crimes de religião, com penas ecclesiasticas, das quaes a maior
heaescomunhaÕ. Se taes crimes perturbam o Estado ; entaõ
El Rey tem o direito e o poder de lhe impor penas temporaes ;
e isto independentemente dos Bispos, e muito menos dos Inqui-
sidores. Assim naõ tem esses tartufos de que se fingirem as-
sustados, affectando o medo de que, por falta dos Inquisidores,
fiquem os crimes ecclesiasticos sem castigos.
Guerra do Rio-da-Prata.
Uma gazeta Ingleza, que tem por varias vezes fallado contra
as medidas da Corte do Rio-de-Janeiro, saío ultimamente com
um longo artigo a este respeito (Morning Chranicle, 14th Oc-
tober,) em que ataca mui decididamente o Governo Portuguez;
e diz, " que naõ vê qual seja o direito, a menos que nao seja
a fraude e a violência ; porque o Governo Portuguez se possa
intrometter na disputa entre a Hespanha a suas colônias."
Julgamos necessário mencionar a opinião deste gazeteiro,
aliásjudicioso; porque infelizmente ha Portuguezes que saõ da
mesma opinião.
Se aquelle gazeteiro quizesse reflectir no que tem dicto a este
respeito o Correio Braziliense, teria achado que algumas ra-
zoens se podem alegar, para o Governo do Brazil se intromet-
ter naquella disputa, sem que seja a fraude e a violência : e que
os Redactores daquella gazeta sabem o que diz o Correio Bra-
508 Miscellanea.
ziliense vemos nós do que por mais de uma vez elles tem extra-
hido deste Periódico.
Isto he tanto mais notável; porque aquella mesma gazeta
tem repetidas vezes dicto, que o Governo Inglez se devia in-
trometter nesta questão ; e neste mesmo artigo traz um longo
raciocínio para mostrar, que a Hespanha he quem tem provo-
cado as hostilidades das colônias; pelo mal com que as tem
tractado.
Porém se o Morning Chronicle suppoem que ha casos, em
que a Inglaterra tem o direito de se ingerir na questão entre
Hespanha e suas colônias, seguramente deve admittir o mesmo
direito em uma naçaÕ vizinha, qual he o Brazil, á qual nunca
pôde ser indiiferente a guerra civil entre seus vizinhos, com
quem naõ pôde deixar de ter as maiores relaçoens, tanto na
Europa como na America.
As razoens que aquella gazeta alega, a favor da revolução
Americana, saõ mui ponderosas, principalmente quando alega,
que as colônias Hespanholas nao cuidaram em se fazer inde-
pendentes da Hespanha, senaõ depois que seu Rey as tinha
desemparado, largando a coroa a um dos Buonapartes, a quem
esses Americanos, nem tácita nem expressamente tinham jamais
promettido obediência.
Mas deste principio tira aquelle Redactor uma conclusão
errada; e he, que o Governo do Brazil obra mal, em fazer
guerra aos Colonistas Hespanhoes, a favor das injustas preten-
çoens do Rey de Hespanha.
Esta conclusão he errada, pelo que respeita os motivos da
guerra da parte da Corte do Rio-de-Janeiro. Aquelle Go-
verno naõ se vai metter a ser juiz na disputa entre Hespanha e
suas Colônias: pelo menos ainda ninguém provou, que tal
fosse a intenção da expedição que saio do Rio-de-Janeiro;
antes, pelo contrario, todas as circumstancias sabidas em pu-
blico tendem a mostrar, que o Governo do Brazil, intenta se-
gurar.se contra as fataes conseqüências da guerra ci-
vil entre seus vizinhos ; e a razaÕ está mostrando, que a posse
do território de Montevideo lhe pôde dar esta segurança, que
nenhuma outra precaução pode ministrar: principalmente
Miscellanea. 509
Exercito Portuguez.
A p. 495, damos as noticias officiaes, do que se passou com
a divisão que de Lisboa foi para o Brazil; o modo porque El
Rey recebeo estes beneméritos defensores da Pátria; e como o
Marechal General Lord Beresford, Marquez de Campo
Maior, se alegrou com isso. Este official voltou na fragata D .
Pedro a Lisboa, aonde expedio logo a ordem do dia que copia-
mos a p. 500 : e nos regosijamos de ver premiados os seus ser-
viços. Até lhe concedeo El Rey a inspecçaõ das Milicias, que
tinha o Ministro da Guerra. He triste cousa, que em tempo
de paz nao cuide a uaçaÕ em formar officiaes, de quem se valha
no tempo da guerra, mas nao os tendo seus, e chamando es-
trangeiros, pede a justiça e he da honra nacional traclallos co-
mo 9eus serviços merecem ; pelo que repetimos os louvores a
El Rey por ter desempenhado o character nacional, honrando
ao Marquez de Campo Maior, como elle merece.
Consulado Portuguez.
*l Ao Edictor do Times.—Senhor! Observando, nas novida-
des sobre a Policia, na vossa gazeta de hontem, o caso de ai.
guns marinheiros Portuguezes, que se tinham dirigido ao Lord
Mayor, ficar-vos-hei obrigado, se inserireis uma breve observa-
ção, para corrigir as falsas idéas que poderiam ter occurrido
pela pressa de vosso relator. Quando S. S. me perguntou,
que providencias havia, para os marinheiros desamparados
neste paiz, eu lhe disse; que o caso, em que o Cônsul Portu-
guez tinha authoridade para os soecorrer, éra o de marinheiros
naufragados em navios Portuguezes, nas costas a que se exten-
dia a sua jurisdicçaõ, supriudo-se a esses marinheiros imme-
diatamente, e fazendo-os voltar para o seu paiz. Todos os
capitaens de navios Portuguezes, que navegam para este paiz,
saõ obrigados a tornar a levar a sua equipagem ; e se ha algu-
ma queixa contra o capitão, por se naõ conformar com este
regulamento, remedeia-se isto immediatamente: por conse-
qüência, se ha alguns marinheiros lançados a terra, nao he
possivel que elles estivessem servindo em navios de sua naçaÕ;
e se estavam em vasos de outras naçoens, naõ tem o Cônsul
jurisdicçaõ sobre seus capitaens. Também informei a S. S. de
que, na conclusão da paz, muitas centenas delles tinham sido
Miscellanea. 511
remettidos para sua terra, por motivos de compaixão, e á custa
do Governo Portuguez; porém que eu pensava, que nunca
se poderia admittir como principio, que o Governo Portuguez,
ou outro qualquer Governo, fosse obrigado a cuidar de ho-
mens, que, em vez de andar, como deviam, no serviço de seu
paiz, estavam servindo debaixo das bandeiras de outras naco.
ens; e, em apoio desta observação, accresccntei, que isso naõ
éra conforme aos seus deveres, como vassallos de Portugal;
porque existiam leys antigas, segundo as quaes os marinheiros,
que assim obravam, eram sugeitos a castigo. Que vários ma-
rinheiros, mandados para a sua terra por motivos de compaixão,
tinham voltado para este paiz ; e se nao devia esperar, que o
Governo Portuguez continuasse com taes despezas ; quando as
mesmas pessoas tornavam a apparecer, com o mesmo pretexto
no seu Consulado.
u
Tenho a honra de ser
Senhor. Vosso humilde criado
AEEXANDRE ANDRADE.
Consulado Portuguez, 18 de Outubro, 1816.
Contracto do Tabaco.
Torna a ficar esperado, para a primeira audiência; porque ja
morreo o primeiro contracto, e o successor está introduzido:
assim naõ apressa por óra. NaÕ nos descuidaremos da victo.
Tia, que ja alcançou a naçaõ; nem dos melhoramentos, que
ainda esperamos nesta matéria.
ESTADOS U N I D O S .
FRANÇA.
258 Total.
514 Miscellanea.
O partido Ultra-realista queixa-se, que os Ministros tem in.
devidamente influído nas eleiçoens : e as cartas officiaes, que
inserimos a p. 489, dam claramente a conhecer isto; nem disso
se faz segredo em França. Quando este partido Ultra-realista
tinha a scendencia no Ministério, El Rey éra para elles o me-
lhor dos Monarchas, e as violaçoens, que se commettiam contra
a Charta Constitucional, se chamavam mudanças de bagatella,
necessárias para supportar o poder Real. Agora gritam deses-
pcradamente contra o partido Constitucionalista, que he o qne
governa ; pelas iníracçoens que elles commettem dessa mesma
Charta, principalmente a violação da liberdade da imprensa, de
que tem sido victima até o mesmo Chateaubriand o mais ultra
dos Realistas.
Assim se continua o proceder dos Francezes, durantetoda
a sua revolução, gritando pelo cumprimento das leys o partido
opprimido ; e obrando despoticamente o partido mais pode-
roso ; mas tendo ambos cm vista o governar sem o freio das
leys.
A nossa decidida opinião he, que seja qual for o partido
triumphante, os Francezes nunca gozarão de uma Constituição
livre, tal qual se podia colligir das palavras de sua Charta Con-
stitucional. O partido Ultra-realista, composto principalmente
dos Príncipes de sangue e Pares do Reyno, grita pela execução
da Charta, na parte que pertence a seus poderes e privilégios,
que temem sejam infringidos : mas pelo que respeita o povo, e
segurança pessoal, ou de propriedade, nunca disso curaram,
quando tinham a ascendência na administração. O partido
Constitucionalista declarou, que se nao fariam alteraçoens na
Charla; porque temia, que as alteraçoens, que se intentavam,
Tendiam a restringir-lhes o seu poder, e augmentar a influencia
das Câmaras : e com essas vistas, affectando supportar a letra da
Charta, diminuíram o numero dos Deputados; porque lhes éra
mais fácil attrahir d seu partido poucos, do que muitos indi-
víduos.
A interpretação dada á Convenção de Paris, pela qual se
reduz a nullid.ide o artigo, em que se estipulou amnestia, he
approvada por todos os partidos, que governam ; e por uma
razaõ beui íacil de explicar: isto he, que, havendo todos os
Miscellanea. 515
Francezes, com raras excepçoens, tomado o lado de Buona-
parte; logo quê o partido dominante se quer ver livre de al-
gum individuo, está á maõ o expediente de o fazer aceusar de
alta traição, por ter obrado contra El Rey.
Assim em Janeiro, de 1816, se tinham prendido mais de
60.000 pessoas; em Março mais de 110.000; e até o tempo
presente tem continuado as mesmas proporçoens. Em quanto
estavam na administração os UJtra-realistas tudo isto parecia
mui bom; agora que estaõ de fora, e que lhes pode cairo
rayo em casa, queixam-se de se continuarem os mesmos proce-
dimentos.
Quanto á Charta Constitucional, todos convém que precisa
de alteraçoens essenciaes ; porém a questão he se no caso de se
admittirem taes alteraçoens, seriam cilas para melhor ou para
peior ? Mas naõ pode duvidar-se, que a resolução da questão
depende de saber quem saõ os que propõem as alteraçoens;
porque uma Tez que se tracta de fortificar partidos, o augmento
do poder dos que governam hc o que se ha de ter cm vista, e
nunca o beneficio do publico.
Como quer que seja todos os rumores concordam, em que
as Potências Alliadas, que estaõ determinadas a sustentar EI
Rey, acharam que o uaõ poderiam fazer, se o governo fosse
conduzido segundo as maxknas dos Ultra-realistas. Resta
agora ver de que tempera sáe a nova Câmara dos Deputados,
cuja sessaõ deve principiar, segundo se diz, em Fevereiro.
HESPANHA.
Copiamos a p. 419, o decreto de perdaõ; pelo qual El
Rey Fernando V I I . quiz assignalar a epocha de seu casa-
mento.
Se o character daquelle monarcha dependesse do que elle diz
de si mesmo, a sua clemência mereceria os maiores louvores ;
porém, infelizmente para M. S., a opinião publica da nossa
idade; e a historia nos tempos fucturos, saõ quem deve julgar
de seus merecimentos ; e apezar do que elle diz, o mundo lhe
fará justiça conforme o que elle obra.
516 Miscellanea.
Parece incrivel a falta de modéstia, com que no preâmbulo
deste decreto EI Rey canta os seus mesmos louvoures, como se
elogia a si, e pinta a sua clemência com taÕ vivas cores; e no
entanto, pretcntendo solemoizar a epocha do seu casamento,
com um perdão geral, tantas excepçoens arranjou, que só per-
doa a quem nunca o offendeo—notável generosidade!
As noticias de Madrid dizem, que os Grandes de Hespanha
se ajunetáram em uma conferência por ordem d'EI Rey, debaixo
da presidência do Infante D. Antonio; e os Grandes que es.
tavam auzentes mandaram as suas procuraçoens. Esta assem-
blea elegeo uma deputaçaõ, que ha de ser permanente; e insti-
tuio a sua secretaria: deverá a assemblea ajunetar-se todos os
annos, por ordem d'El Rey. Dizem igualmente que a Depu-
taçaõ das cidades e villas, que naõ he chamada senaõ para as-
sistir á coroaçaõ dos Reys, será posta cm actividade para com-
pletar a systema representativo.—Credat Judeus.
HAMBURGO.
PAIZES-BAIXOS.
POTÊNCIAS BARBAIIESCAS.
A associação dos Cavalleiros Christaõs, em Paris; a que
chamam Sociedade Anti-piratica, parece nao sedar por satisfeita'
com o que os Inglezes fizeram a respeito d'Argel. Pelo avizo,
que publicamos a p. 493, se conhece, quaes saõ os pontos, que
aquelles Cavalleiros julgam terem ficado por arranjar, no trac-
tado entre a Inglaterra e Argel, e que se suppoem necessários,
Miscellanea. 519
para segurar as Potências Christaãs contra as violências dos
Governos de Barbaria.
No entanto, o Almirante Inglez, que derrotou os Argelinos
e negociou o tractado, parece estar completamente satisfeito
com os seus resultados; o que se colhe das duas cartas, que. co-
piamos abaixo ; na segunda das quaes, o Almirante até se sup-
poem com direito a exigir o beneficio das oraçoens do Sancto
Padre. Porém como aquelle Almirante he um hereje, as ora-
çoens de Sua Sanctidade naõ poderão, por hora, ser para ou'
tra cousa mais do que para a sua conversão.
RÚSSIA.
O Conde de Nesselrode, Conselheiro Director dos Negócios
Estrangeiros, escreveo uma circular aos Ministros das Potên-
cias Estrangeiras, explicando, que a jornada do Imperador as
partes interiores do Império, naõ tinha outro objecto mais do
que remediar os estragos, que tinham soffrido as provincias,
com a invasão do inimigo ; que S. M. tinha partido para Mos-
cow e Warsaw, e esperava voltar á sua residência pelos 15 de
Outubro : que S. M. desejava indagar por si mesmo o curso da
administração, que de novo tinha estabelecido, a fim de confir-
mar a felicidade de seu povo, sob a protecçaõ da paz, con-
forme se tinha fixado em Vienna; e que o Conde Nesselrode
notificava isto, para destruir os falsos rumores, qne poderiam
attribuir esta jornada a outras mal fundadadas causas.
Nas ultimas Memórias da Academia de S. Petersburgo ap-
parece a analyze de uma obra Estatística; em que se acham os
seguintes resultados.
Miscellanea. 521
Os rendimentos da Rússia, em 1811, importaram em
215:000.000 rublos ; e as despezas chegaram a 274:000.000.
As forças de terra, em 1810, eram 621.165 homens: a marinha,
em 1813 éra de 289 velas, com 4.348 peças cPartilheria. A
igreja Grega, que he a dominante, incluo 4 igrejas metropoli-
tanas, 11 arcebispados, 19 bispados, 26.747 igrejas e maior
numero de conventos. Como a tolerância he g«-ral, havia, em
1811; 3:500.000 Catholicos; 1:400.000 Luteranos; 3.800
Reformados; 9.000 Heruhutters; 60.000 Armeniauos ;
3:000.000 Mahometanos ; 300.000 sequazes do Dalai-Lama; e
600.000 dos adores dos Fetichcs. Ha em S. Petersburgo 14
imprensas, 13 lojes de livreiros estrangeiros, e 30 de Russia-
nos. Em 1815, as fabricas do Império Russiano chegavam a
3.253.
Os esforços do Império Russiano, em augmentar a sua ma-
rinha, saõ, se dermos credito ás novidades das gazetas, iguaes
ao bom successo, que o Governo alcançou, em trazer o exercito
a um pé de grandeza e perfeição, que constituem a Rússia,
neste momento, uma das primeiras Potências militares.
Os meios, que tem a Rússia, para créar uma grande marinha
militar, saõ superiores aos de todas as outras Potências Euro-
peas. Sabe-se muito bem que as repartiçoens da esquadra
Russiana, no Ponto Euxino, e Mar de Azof; assim como em
Cronstadt, estaõ em grande gráo de perfeição ; mas agora se
diz nas gazetas, que em Archangel se tem estabelecido conside-
ráveis estaleiros e arsenaes, e que em Ochatz ha uma marinha
de guerra, que, supposto consista pela maior parte em vazos
pequenos, saõ estes comtudo assas números para a protecçaõ
do commercio Russiano no mar Pacifico, costa do Noroeste da
America, c China. Com estas vistas he que a Rússia concluio
o ultimo tractado com os Estados Unidos da America.
0 Imperador expedio uma ordem em data de 16 de Septem-
bro, pela qual manda suspender os recrutamentos em todo o
Império; e desbandar o sexto corpo do exercito, o qual será
empregado em completar as faltas nos differentes regimentos da
tropa de terra e da marinha; e dá como razaõ disto, a paz
geral, que reyna na Europa. E com tudo o total das forças
522 Miscellanea.
Russianas he assas grande para dar á Corte de S. Petersburgo
um sufficiente apoio em sua inilucucia politica.
SUISSA.
CONRESPONDENCIA.
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530 Conrespondencia.
Carta ao Redactor sobre o Espectador Portuguez.
SEVHOR R E D A C T O R DO B R A Z I L I E N S E .
Muito dó tenho da sua Pessoa ; agora sim, que o seu Correio vai
3 naõ ler quem o leia (sendo cego) porque o Camões da Bombarda,
ex Capellaõ do exercito da Penha, o Presbytcro secular Jozé Agosti-
tinho de Ma-sede tomou a tarefa de analyzar o que V. Mce. escreve
juncto com o seo caudatario, segundo me aflirmaõ, o Gazeteiro de
Lisboa, o homem das lamúrias, e o Bluteau dos nossos dias : agora,
sim i está o edificio por terra; tudo quanto o Correio do Brazil tem
dicto ha tantos annos, e de tanta utilidade, até para os ali notados,
he nada tudo á vista do profundo saber do Energúmeno; que lógica,
que raciocínios, que idéias, que taõ vastos planos, que encyclopedia
de conhecimentos tanto humanos, como deshuraanos, que energia,
que moral, que amor do publico, que actividade incau-
çavel, e ale que cozinheiro!!! á vista deste assombro do Século
XIX. e dos passados séculos—Cessa tudo quanto a Grega Muza
Canta—ninguém mais amigo da sua Familia, nem mais fiel amigo :
sua defuncta May obteve por seus caridosos socorros morrer pobre,
que he o que se leva deste mundo ; e os ossos do Supelveda advoga-
do, se faltassem, fatiariam da amizade, que este bom amigo lhe teve,
Pilades e Orestcs, Scipiaõ e Lelio, Valverde e o seu archote naõ fu-
rão mais unidos. Ninguém mais sábio, nem mais Poeta: um ho-
mem qne escreve que se desunha ; que falia em Aristóteles, Leibnitz,
Newton, Descartes, Meslier, Diderol, Cabaniz, e outros faroes das
sciencias; e meneando Camões enfeixa no acanhado broquel de um
Prólogo, Dante, Petrarcha, Cesaroti, Darwin, Sheakspear, Voltaire,
Homero, Ovidio, Delille, e o Palito Métrico, e outros cuja nomen-
clatura he ja uma sciencia sabêlla ; isto he um sábio naõ vulgar.
Que conhecimentos naõ tem elle de geografia I avistando as Dunas
saltou em Falmoulh, naõ lie isto o que lhe diz elle? ora veja quam
errados vaõ esses feitores de Mappns ; meu amigo que ignorância
-vai pelo mundo ! Ninguém mais medico : Wan-Snithen, Galeno, Zi-
merraan, e os Pedreiros modernos descubriram acazo, que Hypo-
crates foi assa sino, como descubrio elle ? está na tinta. Ninguém
até agora achou o elixir da iminortalidade, porque tanto se tem tra-
balhado em vaõ, mas buscou-o elle em uma colher de mel pela ma-
nhaã em jejum ; isto hc que he saber da diasostica. Quem mais
Orador! Elle se toma do seu assumpto, que parece um possesso, o
rosto se lhe encarniça, a voz naõ abaixa do tora do berro, de modo
5
Conrespondencia. 531
qne une o que Cicero naõ possuio, nem Démosthenes nem Horten-
cio ou do que nos contaõ de Massillou, Bcmrdaloue, Ciceri, Bossuet,
Passionei, Vieira, Gabriel, e vários, os quais por sua melodia, e per-
suasaÕ penetravaõ os mais endurecidos Corações : isto cá he outra
laia penetra bem os ouvidos, e tem convertido surdos, coiza, que
aquelles naõ fizeraõ. Quem mais amante do próximo! elle fez o
Poema dos burros para os louvar, e naõ ha escrito seu em que esta
virtude naõ brilhe fulgurozaII ! Que amor da Pátria? acazo he
pouco ter escripto tanta lógica, tantos poemas, tantas papeletas í
viajar por todos os Conventos da sua Provincia para fallar digna-
mente do seu paiz; extirpar o illuminismo ; abolir a terrível, peri-
goza, e incendiaria seita dos Sebaslianistas, isto naõ presta! I! Quem
mais homem de bem ? ainda mal o trazem nos dentes ja elle os
aguça, e dá dentada• a mansidão naõ he da sua ley,e inal vai ao ho-
mem, que deixa o seu credito em alheias maõs. Quem mais pru-
dente? e mais intrépido quem mais? recólhc-se com as galinhas naõ
por medo, porém para se empregar utilmenteem fazer Sóis, Orien-
te», Occazos, trovoadas, empadas; e o cazo he, que as recolhidas o
tem livrado de bons camarços moléstia contagioza, que se alimenta
com o ar da noite : sua intrepidez he provada até pelos seus canhe-
nbos " Eu, disse ja elle, me deito como um lcaõ ás mais formidáveis
batarias, luteranas" e está dicto, he o que basta. Quem mais eco-
nômico, e humilde? um burro he sufficiente para conduzido aos lon-
ges de seus sermões, e amores: O tu ameno sitio de Odivellas, que
em teu seio encerras esse non plus ultra da confeitaria, aonde a mar-
melada cticóva por sua alvura, e doçura, macio, egosto o nectar dos
Deozes; aonde uma Filha do Copeiro de Uvamba faz esquecer Ve-
nu», Minerva, e Hebe; dize quantas vezes tens visto ufano babando-
K de gáudio—
POLÍTICA.
Rio-de-Janeiro, 29 de Maio.
A Câmara de Villa Rica enviou a esta Corte o CapitaÕ
Mór e actual Vereador da mesma Villa Antonio Eulalio
da Rocha Brandão, para ter a honra de beijar a Augusta
Maõ de S. M. em seu nome e da Nobreza e Povo, pela in-
comparavel Mercê, que o Mesmo Senhor Se Dignou Con-
ceder-lhe elevando o Estado do Brazil á Pre-eminencia e
Dignidade de Reyno Unido ao de Portugal, e Algarves :
E Dignando-se S. M. assignar o dia 14 do corrente para a
audiência deste Deputado, elle teve a honra de dirigir ao
Mesmo Senhor a seguinte falia.
Senhor.—A Câmara, Nobreza, e Povo de Villa Rica e
seu Termo, Capital da Provincia de Minas Geraes, onde
tenho o honra de servir a V. M. actualmente em Vereador
e Capitaõ Mor, naõ podendo conter os transportes do seu
júbilo pela sublime Munificencia, com que V. M. Se Dig-
nou elevar o Estado do Brazil a Pre-eminencia c Condeco-
ração de Reyno Unido ao de Portugal e Algarves, depois
de concorrerem ao Templo, e nelle renderem uo Omnipo-
tenteas devidas graças por taõ grande Mercê, e de lhe pe-
direm fervorosamente pela Vida e Prosperidade de V- M.
e toda a Sua Real Familia, além de outras publicas de-
monstrações, que deram, do seu contentamento e alegria ;
me enviam da sua parte a protestar na Augusta Presença
de Y. M. os sentimentos da mais cândida e pura gratidão,
e renovar os votos, com que todos acclamamos a V. M.
pelo Soberano o mais Virtuoso, o mais Benigno, e o mais
Digno do amor dos Seus vassallos.
Digne-se pois V M. receber em Seu Paternal Coração
estes protestos de reconhecimento, que elles submissos vem
render a V. M., supplicando tome na Sua Real Conside-
ração esta mensagem como o testemunho mais expressivo
do seu amor, de sua gratidão, e da sua vassallagem.
554 Politica.
Reposta de Sua Magestade.
Estimo muito ter felicitado os Meus fieis vassallos, e me
lisongeio por isso com as demonstrações de contentemento
e gratidão, que a Câmara e Povos de Villa Rica Me aca-
bam de manifestar.
Officio da Câmara.
Senhor.—A Graça incomparavel, que V. A. R. Foi
Servido Liberalisar ao Seu Estado do Brazil elevando-o á
Pre-eminencia e Dignidade de Reyno Unido ao de Portu-
gal e Algarves, he um completo e irrefragavel Testemu-
nho da Alta distineçaõ, com que V. A. R. se digna At-
tender e Galardoar a inalterável fidelidade, o amor, e ad-
hesaõ, que os Povos do mesmo Estado constantemente tri-
butaram aos Seus Augustos Soberanos.
A noticia desta sublime Graça foi, como cumpria, ap-
plaudida por esta Câmara de Villa Rica e pelo Povo, que
ella representa, já rogando no Templo ao Omni potente
pela conserv açaÕ da Preciosa Vida de V A. R. e da Sua
Real Familia, já practicando aquellas festivas demonstra-
ções do seu extraordinário júbilo e contentamento, que es-
tavam ao seu alcance.
A mesma Câmara teve a honra de fazer constar na Au-
gusta Presença de V- A. R. estas demonstrações, suppli-
cando a V A. R. Houvesse por bem permittir, que se so-
lemnisasse todos os annos o Dia 16 de Dezembro ; Dia em
que V A. R. Se Dignou Patentear na Carta de Ley a
Contemplação, em que tem os seus Vassallos da America;
Dia, cuja memória impõem aos habitantes do Reyno do
Brazil, um dever de eterna gratidão, e que será perpetua-
do nos annaes da Historia como um PadraÕ da Inimitá-
vel Beneficência de V- A. R.
Naõ contente porém com aquellas demonstrações, e de-
sejando manifestar inda mais a sua gratidão, designou ao
Capitão Mór da dieta Villa Antônio Eulalio da Rocha
Politica. 555
BrandaÕ, um dos Membros desta Câmara, para em seu
nome e de todos os habitantes da dieta Villa e seu termo ir
protestar aos pés do Throno de V- A. R. a mais rendida
vassallagem, esperando que V A. R. se Dignará conce-
derão mencionado Vereador a honra de beijar a Augusta
maõ de V. A. R., entretanto que esta porçaõ de seus fieis
vassallos fica dirigindo ao ceo as mais ardentes suppiicas,
para que continue a encher das maiores prosperidades a
pacifica e doce Regência, com que V A. R. os tem in-
cessantemente felicitado.
O Juiz de Fora IGNACIO J O S É DE SOUSA R E B E L L O .
Os Vereadores J O A Q U I M F E R R E I R A DA FONSECA
ANTÔNIO E U E A L I O DA ROCHA B R A N D Ã O ,
JOAÕ DE DEOS M A G A L H A E N S G O M E S .
Rio-de-Janeiro, 6 de Julho.
A Câmara da Villa do Sabará dirigio á Augusta presença
de S. M. o officio do theor seguinte :—
Senhor!—A incomparavel beneficência de V. A. R. em
elevar o Estado do Brazil á dignidade de Reyno Unido ao
de Portugal e dos Algarves, tem penhorado por um tal
modo os nossos coraçoens, e os do povo, que consideramos
como dever o mais sagrado levar á Soberana presença de
V. A. R. pela pessoa do Capitão Manuel de Freitas Pa-
checo, os nossos puros agradecimentos ; pedindo nós a
V. A. R. com a maior submissão e respeito, a graça de se
dignar, que elle tenha a honra de beijar a Augusta maõ de
V. A. R., e por tam assignalado beneficio ; e d e assegurar
ao mesmo tempo os votos da nossa mais fiel e constante
vassallagem. Deus guarde a V. A. R. por muitos e dila-
tados annos, como muito desejamos. Sabará, em Câmara
de 30 de Março, de 1816.
(Assignado) O Juiz de Fora. José Teixeira da Fonseca
Vasconcellos. (Vereadores) Manuel de Araújo da
Cunha. Bernardino de Sena e Costa. Manuel Car-
valho Marante. Procurador. Ignacio Antonio César.
556 Politica.
O Capitão Manuel tle Freitas Pacheco, tendo a honra
de apresentar a S. A. R. no dia 2 mez passado e officio de
que foi portador, expressou assim :
Senhor. A câmara da villa do Sabará me envia para
ter a honra de beijar a Augusta maõ de V M., pelo sin-
gular beneficio, que V. M. se dignou liberalizar aos seus
fieis vassallos elevando o Estado do Brazil á preeminen-
cia de Reyno Unido aos de Portugal e dos Algarves:
beneficio este que por sua perennidade fará eterna a gra-
tidão dos habitantes daquella Villa, e seu termo ao pa-
ternal desvelo, com que V- M. promove a prosperidade
geral de seus vassallos.
S. M. se dignou responder-lhe— u SaÕ e seraõ sempre os
meus desejos felicitar os meus fieis vasallos."
ALEMANHA.
FRANÇA.
NÁPOLES.
PAIZES B A I X O S ,
Falia de S. M. na abertura da Sessaõ dos Estados Geraes.
em Bruxellas, aos 21 de Outubro, de 1816.
ALTOS E PODEROSOS SENHORES !—Sinto a mais viva
satisfacçaõ em annunciar-vos, que existe a melhor intelli-
gencia entre este Reyno e as Potências Estrangeiras, e que
tudo nos authoriza a contar com a permanência destas
amigáveis relaçoens.
Por outra parte, naõ podemos deixar de sentir-nos pe-
nosamente affectos, com a extraordinária carestía que tem
havido de mantimentos, neste paiz, assim como na maior
parte da Europa.
Eu examinarei, com extrema attençaõ, os meios que o
Governo pôde oppor a esta calamidade ; porém, em ma-
téria taõ susceptível de exaggeraçaõ, e tantas vezes obscu-
recida pelas paixoens e pelo prejuizo, o ponto mais indis-
pensável he, um exacto conhecimento das particulari-
dades. Tem-se dado ordem para colligir, com o maior
cuidado, todas as informaçoens a este respeito; e a con-
vicção, que dellas resultar, regulará o meu comporta-
mento.
VOL. X V I I . N o . 102. 4E
574 Politica.
Apresentar-se-haõ a Vossas Altas Potências, nesta
sessaõ, varias medidas, tendentes a favorecer a desenvo-
luçaõ da industria e da agricultura, e d e nossas institui-
çoens e obras de utilidade publica. O exame, que dellas
se deve fazer nesta Assemblea, vos ministrará novas occa-
sioens de manifestar aquelle zelo infatigavel, e profundo
conhecimento, dos recursos da prosperidade publica, de
que a vossa sessaõ passada deo tantas provas.
Entre os estabelicimentos, que prescreve a ley funda-
mental, e pára que ainda naõ temos leys, que lhes sejam
applicaveis, nenhum he mais importante do que a milicia
nacional.
Está agora prompto, para ser submettido á vossa deli-
beração, o projecto de uma ley, que ha muito desejava ter
podido apresentar-vos ; e anticipadamente o recommendo
á particular attençaõ de Vossas Altas Potências.
Razoens de interesse geral dérara occasiaõ aos projectos
de troca, de pequenas porçoens de nosso território, por
algumas partes do território Prussiano. Hc esta uma das
oceasioens, em que, pelo Art. 38, da ley fundamental,
deve o tractado ser examinado pelos Estados Geraes. Eu
ordenarei, que se vos apresente, immediatamente, a Con-
venção, que se fez sobre este negocio; e se a vossa ap-
provaçaõ me abilitar a ratificálla, a linha das fronteiras
orientaes do Reyno ficará definitiva e completamente
regulada.
Quando se communicar aos Estados Geraes o mappa
dos rendimentos c despezas do thesouro publico, para o
anno que vem, veraõ Vossas Altas Potências, como espe-
ro, com muita satisfacçaõ, a considerável diminuição,
que, na conformidade de vossos, e meus desejos, se tem
feito nos encargos da administração geral. Em conse-
qüência, naõ será necessário, para cubrir as despezas, ne-
nhum augmento dos meios existentes, nem a creaçaõ de
recursos extraordinários. Ao mesmo tempo, a regulari-
Politica. 575
dade e facilidade na cobrança das rendas, cm quasi todas
as provincias, demonstram a saudável influencia, que a
liberdade do commercio, e de toda a sorte de industria
tem ja exercitado sobre a situação dos habitantes: porém,
nem esta circumstancia, nem algum dos factos, de que he
permittido presumir o constante augmento da solidez do
credito publico, me faraõ esquecer a necessidade de
maiores economias, e o dever, que me incumbe, de naõ
exigir de meus subditos nenhuns sacrifícios, senaõ os que
saó indispensável mente necessários para manter a honra e
segurança do Estado.
Se nos lembrar-mos, Altos e Poderosos Senhores, do que
se tem feito, no momento da maior difficuldade, para
segurar a independência do paiz, e a uniforme acçaõ do
Governo, he-nos permittido esperar, que os esforços, que
ainda temos para fazer, nos conduzirão a resultados igual-
mente favoráveis.
Perseverança para alcançar os nossos fins, franqueza em
concertar as medidas, constante applicaçaõ em fomentar,
em todos os coraçoens, as sementes da concórdia, confi-
ança, e benevolência,—he o que a NaçaÕ Bélgica espera
de nós: e nem o seu Rey, nem os seus Representantes
frustrarão taõ justas esperanças.
ROMA.
COMMERCIO E ARTES.
CONTRACTO DO T A B A C O .
Companhia de Ratton.
Diogo Ratton.
Clamouse & C°
Domingos Gomes Loureiro, & filhos.
Jozé Diogo de Bastos.
Beruardo Clamouse Browne & C*.
Companhia de Fonceca.
Viuva Mendes & C \
Jozé Antonio da Fonceca.
Francisco Antonio do Silva Mendes.
Dr. Francisco Antonio de Campos.
Jozé Ferreira Pinto Basto.
Custodio Basto.
Domingos Ferreira Pinto.
Antonio Pinto Basto.
Jozé Luiz da Silva.
Manuel Jozé da Silva Serva.
PAIZES BAIXOS.
Decreto Real, sobre os pezos e medidas; expedido no
Palácio de Loo aos, 21 de Agosto, de 1816.
Tendo tomado em consideração que he de summa im-
portância pôr termo aos inconvenientes que resutamda
variedade dos pezos e medidas existentes neste Reyno,
adoptando, a este respeito, um systema uniforme nas dif-
ferentes partes, applicaveis a todas as operações e aos
misteres do Commercio, e que tenham entre si uma relação
necessária e exacta ; por estes justos motivos, ouvido o
nosso Conselho d'Estado, e de commum accordo com os
Estados Geraes, havemos decretado, e decretamos o se-
seguinte.
Art. 1°. Taõ depressa as circumstancias o permittirem,
Commercio e Artes. 613
e no mais tardar até ao I". de Janeiro, de 1820, será in-
troduzido em toda a extensão do Reyno um único e idên-
tico systema de pezos e medidas.
2°. Depois da introducçaõ deste systema, naõ será per-
mittido a pessoa alguma servir-se de outros pezos nem de
outra-, medidas.
3 o Desde o Io. de Janeiro do segudo anno, que se seguir
aquelle em que tiver lugar esta introducçaõ, naõ se fará
justiça a pertençaõ, ou petição alguma, fundada em actos
que tenham esta data, ou outra data posterior, toda a vez
que estes actos naõ declarem a especificação de seus ob-
jectos segundo o novo systema.
4°. Saõ exccptuados da regra estabelecida no prece-
dente artigo, os testamentos mysticos, e ológrafos (escriptos
pelo punho do testador), assim como os actos passdos
fora do Reyno, ou relativos a objectos situados em
paiz estrangeiro.
5*. No. I o . de Janeiro, de 1817, ao mais tardar, deverá
o systema de pezos e medidas estabelecido pelo presente
Decreto ser comprehendido no ensino de todas as escholas
do Reyno, cm que se dám liçoens de Arithmetica e Geo-
metria, e desde a dieta época, ninguém piderá ser admit-
tido a Mestre de Eschola, sem que esteja suffientemente in-
struído para ensinar a outros este sytema.
6°. O novo sytema de pezos e medidas deste Reyno
terá por baze um comprimento igual á decima-miliones-
sima parte do Arco Terrestre, que se estende do Polo ao
Equador, e que passa por Paris.
7U. Todos os pezos e medidas se refiriraõ a este com-
primento, e todos os múltiplos e subdivisões seraõ de-
cimaes.
8°. Naõ se lhes dará nomes diversos dos que se usaõ
nos Baizes-Baxos, e com preferencia se lhes daráõ as de-
nominações empregadas hoje em dia nos pezos e medidas
que mais se approxirnam aos novos.
VOL. X V I I . N o . 102. 4K
614 Commercio e Artes.
9 . O comprimento mencionado no art 6o he a baze de
a
4 K2
[ 616 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LOJV&HES, 26 de Novembro, de 1816.
Annil
{ Ceará
Bahia
Maranhão' . .
Pará
Minas novas
Capitania...
Rio
Ipecacuanha . . BrazU . . . .
ls. IOp
ls. IOp
í
8s. 7p. por l b .
100 em navio
Portuguez ou
Inglez.
4 | p . por lb.
3s. 6$p.
Salsa Parrilha .|Pará 4s. 6p. Ss. 6p. ls. 2 | p .
Óleo de cupaiba 3s. 8p. 38. 9p. ls. l l | p .
Tapioca Brazil.... 9p, llp. 4p.
Ourocu ls. 6p 2s. 3p. direitos pagos pelo
comprador
em rolo . 3è *-il'* l Livre de direitos
Tabaco , 4^p. J por exportação.
\ em folha 4p.
;A 8Jp.
Rio da Prata pilha ;B 8p. 8ip.
'c
a
Í , Rio Grande
'A
<B
(c
6ip. 7p.
.9Jp. por couro
em navio Portu-
guez ou Inglez.
LITERATURA E SCIENCIAS.
N O V A S P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .
MISCELLANEA.
EXERCITO PORTUGUEZ.
Ordem do Dia.
Quartel-general do Pateo do Saldanha,
21 de Outubro, de 1816.
Havendo Suas Excellencias os Senhores Governadores
do Reyno comniunicado ao Ex mo . Senhor Marechal-gene-
ral Marquez de Campo Maior, com o fim de serem pu-
blicados ao exercito os regulamentos, e disposiçoens que
S. M. El Rey N . S. foi servido ordenar, e estabelecer
para o governo futuro do mesmo exercito, respectiva-
mente aos seus diversos ramos, e administraçoens; S. Ex*.
naõ pôde com tudo deixar de chamar a attençaõ do exer-
cito aos benefícios, e aos favores do seu Soberano para
com elle, e aos cuidados paternaes que se mostraõ em
estas regulaçoens de S. M., para aquelles, naô só que o
4M 2
632 Miscellanea.
compõem actualmente, ma3 para com os que devem daqui
cm diante ser chamados para a defensa de sua pátria ; o
que com effeito toca immediatamente a toda a naçaÕ, da
qual o bem, e a felicidade naõ entrou menos em a con-
templação de S. M. quando formou estas regulaçoens, do
que daqueila parte da naçaõ que mais inimediatamente se
acha debaixo das armas. S. M. com a sua benevolência
ordinária, e cora os seus continuados desejos pela felici-
dade de seus vassallos, e para a sua defensa, e segurança
(sem o que nem a prosperidade delles, nem os direitos de
S. M. estarão seguros um momento) deliberou formar o
sen exercito, tanto a respeito da sua força numérica, como
da sua effectiviclade, da maneira menos onerosa á naçaÕ,
e aos indivíduos; combinando haver sempre uma força
sufficiente, e em estado de proteger os seus direitos, e
aquelhs dos seus Vassallos, e attendendo ao que he neces-
sário para o augmento do commercio, agricultura, manu-
facturas, &c. do seu reyno. Para estes objectos o syste-
ma que contém a organisaçaõ do exercito foi estabelecido
de maneira, que os dous terços da sua força total seraõ
regularmente mandados aos seus lares para continuarem
seu commercio, ou os seus trabalhos, naõ retendo por
este modo de suas oecupaçoens ordinárias senaõ um terço
da força total; e certamente jamais Portugal teve por
este modo taõ poucos braços subtrahidos aos trabalhos da
pátria. Deve o exercito, e o publico também observar
com attençaõ os paternaes cuidados, que S. M. mostra no
regulamento respectivo ás ordenanças, sendo este um ramo
essencial do serviço militar, e que formando a baze delle
em Portugal, tem analogia com toda a população do
Reyno. O objecto nisto foi de tornar a levar este ramo
ao seu antigo p é , e intenção, dos quaes em um longo
lapso de tempo se havia apartado por diversas circum-
stancias ; e esta separação tinha chegado a tal ponto, que
o exercito já naõ podia completar-se, qualquer que fosse
Miscellanea. 633
o seu estabelecimenlo, e que os officiaes executores desta
ley foraõ ultimamente obrigados ao recurso odioso, de
recrutarem aquelles, que a ley naõ permittia que fossem
obrigados, senaõ na ultima extremidade. E qual será o
Portuguez que senaõ horrorize de saber, que nnõ só nas
provincias os officiaes das ordenanças foram obrigados a
arrancar das familias as mais pobres, os últimos filhos que
as assistiaÕ, mas que mesmo nesta populosa cidade naõ
podiam escusar-se, naõ só de lançar maõ dos filhos únicos
de pays, e mãys decrépitos, enfermos, e incapnzes de se
sustentarem, mas que mesmo o filho único da infeliz, e
inconsolavel viuva por pobre, e sem ter paõ, foi recrutado,
por naõ haverem outros que nao fossem privilegiados, e
chegando a um tal ponto os abusos a esto respeito, que em
Capitanias Mores aonde haviam mil e duzentas, ou mil e
trezentas ordenanças, alem dos escusados por causas phi-
sicas, ou naturaes, naõ se encontravam sem privilegio
para a I a . linha mais que de doze a trinta homens, e isto
depois de haverem ficado dous annos sem darem recrutas,
por todos chegarem a ter privilégios de um modo, ou de
outro. Em fim as leys benignas feitas por S. M., e por
seus.. augustos antecessores, para repartirem com igual-
dade entre os protegidos a protecçaõ do reyno, e para
limitarem o tempo de serviço do vassallo, que entrava no
exercito para a defensa de seus compatriotas, dos seus
bens, dos direitos do seu Soberano, e de adoçar o tempo
do seu serviço, com a esperança de em uma certa epocha
voltar á sua familia, já naõ podiam ter execução, mm
lugar; e esta parte da naçaõ que entrava no exercito
ficava escrava da outra ; e a naç:ió sabe a consideração
com que ella a olhava para este duro serviço. Foi para
evitar esta extrema injustiça, tap dolorosa á humanidade,
como á bondade, e rectidaõ de S. M., e que este augusto
Senhor quiz ao menos adoçar, que elle fez, e ordenou os
regulamentos actuaes; e nelles nao somente S. M. desejou
7
634 Miscellanea.
que em unia idade vigorosa todo o vassallo que entre na
vida militar voltasse ao seu lar, mas taõ bem pelo systema
de licenças agora doptado, S. M. quiz providenciar, que a
vida do soldado sem interrupção n3Õ lhe tirasse o habito
do trabalho, e da industria, nem o fizesse estranhar seus
parentes, e familias, e o reduzisse por este modo no tempo
da sua baixa a pezar sobre o publico por falta de meios,
ou de inclinação de prover â sua subsistência; por isto
S. M. cuidou, que as suas benignas intençoens tinham o
seu pleno effeito; e como pelos arranjamentos que foi
servido ordenar, todo o soldado pôde ter cada anno, com
pouca differença nove mezes de licença, depois de ser uma
vez disciplinado, elle guardará assim as snas ligaçoens,
tanto com a sua familia, como com o seu lavor ; e no
tempo da sua baixa naõ experimentará mudança alguma
súbita de condição, e naõ terá por fim senaõ de ficar de
todo em sua casa, em lugar de applicar os seus tres mezes
de serviço cada anno ao exercito. Naõ se pôde taõbem
duvidar que esta medida assim como ella tira todos os
motivos de deserção, taõbem desvanecerá os seus effeitos ;
acontecimento este taõ desejadq por S. M. ; naõ só pelo
resultado muito serio para o Reyno de perder tantos dos
seus vassallos, pois que muitos dos desertores fogem para
fora do reyno, mas taõbem para evifar o castigo a tantas
pessoas, que saõ arrastadas a commetter este crime. Taõ-
bem se verá que os braços destinados á defensa da pátria,
naõ continuarão a ser tirados á agricultura, ou ás manu-
facturas, porque, por este systema adoptado por S. M.,
elles servem a ambos estes objectos, ao mesmo tempo que
estaõ promptos a defender a pátria; e S. M. tomou taõ-
bem na sua Real consideração, que isto será um allivio
para todos os seus vassallos de Portugal, naõ só por serem
todos elles pelas leys do reyno, e as naturaes, sujeitos a
serem chamados para a defensa do reyno, mas porque naõ
pôde haver uma só familia nelle, que naõ seja interessada
Miscellanea. 635
por algum parente no exercito ; e que os favores feitos a
esfes, recahiraõ assim sobre todos os seus vassallos, e foi
com o mesmo objecto que S. M. proveo a que os officiaes
do seu exercito, dando meia paga aos licenciados por um
certo tempo, possam ter a possibilidade de se consolarem
de tempos em tempos em a companhia de seus parentes, e
familias sem lhe serem onerosos, o que naõ será menos
agradável a estes últimos.
O Senhor Marechal-general encarrega os Senhores Ge-
neraes de Provincia (bem certo de que nisto se emprega-
rão zelosamente) da justa execução dos regulamentos
sobre o recrutamento, esperando que tanto elles, como os
Capitaens Mores, e todos os officiaes de ordenanças to-
marão o maior cuidado em que as novas regras, e arran-
jamentos para a limitação do tempo do serviço, como as
indulgências para licenças taõ extensas, sejam bem expli-
cadas, e entendidas pelo povo.
Em quanto á diminuição dos Capitaens Mores, e ás
novas divisoens dos districtos, e arranjamentos a este re-
speito, ninguém ignorava a necessidade desta medida
para pôr termo, ou aliviar os abusos sobre o recrutamento,
que pôde para o futuro ser melhor vigiado por aquelles
aquém elle competente ; naõ sendo isto mais, que tornar
a levar este ramo do militar á sua antiga simplicidade, e
igualdade, de onde elle se havia desviado pela successaõ
dos tempos.
As outras mudanças, e arranjamentos, que S. M. foi
servido ordenar para differentes departamentos, tem todas
o mesmo objecto de haverem por limite em tudo o levarem
a uma simplificação necessária a sua boa, e perfeita arre-
cadação (da qual todo o mundo sabe quanto delia por
causa do tempo, e de outras circumstancias, tem estado
taõ afastados) e de diminuírem as despezas, e os abusos.
Se S. M. em a sua bondade se dignou de augmentar os
meios de subsistência, tanto dos officiaes, como dos sol-
636 Miscellanea.
dados do seu exercito, foi em consideração dos seus ad-
miráveis serviços em uma guerra sem exemplo, e durante
a qual jamais de taõ perto a salvação da pátria esteve em
perigo, e para lhes proporcionar seus vencimeutos ás cir-
cumstancias, e carestias do tempo, como debaixo das
mesmas consideraçoens tem sido ultimamente taõ justa-
mente feito a outros departamentos, e empregados neste
reyno ; e toda a classe do exercito será reconhecida á sua
Soberana benevolência, e a naçaõ applaudirá que os seus
defensores ten haõ ao menos uma subsistência medíocre ;
porque, quem pensará em Portugal que quatro vinténs
sejaõ superabundantes para a subsistência de um homem,
quando naõ ha trabalhador que se contente com menos do
triplo, ou quádruplo pelo seu jornal ? He certo, que
estes accrescenlamentos parecem augmentar consideravel-
mente a despeza publica, e elles o fazem na casa de sol-
dos, e gratificaçoens; mas também he verdade, que ha
nestas regulaçoens economias em outros ramos militares
muito consideráveis feitas a respeito do antigo regimen, e
que pódera contrabalançar os augmentos ; e o que mais
he, com o novo systema S. M. terá um exercito de 50 a
60.000 homens, sempre prompto a correr á defensa do
reyno, ainda que geralmente se achem seguindo as suas
occupaçoens ordinárias; e só com a despeza de 25 ou
30.000 homens conservados sempre debaixo das armas;
o que quer dizer, que o exercito custará pouco mais ou
menos ámetade de um exercito da mesma força debaixo
do antigo pé do exercito de S. M. em Portugal ; e uma
consideração de muita importância, e que consideravel-
mente infiuio a S. M. o adoptar o systema actual, foi o
desejo de ter sempre prompto tudo que for necessário para
a defensa de seus vassallos; e a sabedoria de S. M. cal-
culando pela experiência do passado, teve em vista a
incerteza, e perigo de deixar para o ultimo momento o
prover á defensa da pátria, o que será muito incerto, e
Miscellanea. 637
perigoso, porque em primeiro lugar as gentes em taes cir-
cumstancias estaõ em consternação, e um grande recruta-
mento feito, ou intentado em tal tempo, será por este
motivo ineffêctivo ; e se se fizesse o contrario, como se
disciplinaria uma massa taõ grande, quando tudo que saõ
tropas promptas, saõ as que correm ás fronteiras a oppôr-
se ao inimigo, e naõ podendo as recrutas apromptar-se
como deve ser em menos de doze mezes; e em todo o
caso, senaõ he absolutamente impossível recrutar em taes
circumstancias um exercito situado como he o de Portu-
gal, he certo que em um tempo em que tudo deveria ser
socego, e tranquillidade tudo se tornará em confusão e
terror. Nós todos nos lembraremos das funestas confu-
soens que provieram da falta de todos os meios, e insti-
tuiçoens necessárias para a promptificaçaÕ de um exercito
no principio da ultima guerra, ainda que o enthusiasmo,
e lealdade do povo Portuguez foi taõ exuberante, que naõ
foi falta de gente, mas dos meios de aproveitarmo-nos do
seu zelo, a falta dos quaes com a reunião de tanta gente,
finalmente causou tantas doenças, e despezas quasi inúteis
em depósitos, e lugares de ajunetamentos de recrutas, por
naõ haver nada prompto, e ninguém ignora quanto tempo
se gastou antes de poder organisar estes, e qual he o Por-
tuguez que naõ deseja v£r remediado isto para o futuro ?
Em fim, naô será mais tempo de recrutar, e disciplinar
quando já uma guerra está principiada, devendo a naçaõ
de antemão estar preparada para poder-se defender, ou
offender ao inimigo.
A parte conhecedora da Naçaõ, que he toda com poucas
excepçóes, quando se lembrar do que nenhuma pessoa
ignora, isto he, das perdas, e que podem antes ser cha-
mados roubos, causadas aos infelizes officiaes sobre a sua
medíocre paga, e subsistência durante a guerra, e isto
naõ obstante todo o ciudado do governo para as remediar,
achando-se estes, assim como as infelizes viuvas, e orfaõs
VOL. XV11. No. 102. 4N
638 Miscellanea.
em a obrigação de rebaterem, posto que com metade de
perda, e algumas vezes muito mais, para poderem conse-
guir para si, e para as suas familias o paõ do dia, e pela
usura exorbitante, e horrível daquellas gentes, que se de-
nominavam rebatedores, e que infestavam, até no interior
da thesouraria do exercito; e á usura dos quaes naõ havia
nem limites, nem regra, nem consciência, aggravando
assim males que as infelizes circumstancias do tempo
faziam ser impossível em tudo remediar, diz S. Ex*. que
debaixo de similhantes circumstancias, ninguém se admi-
rará de que S. M. com a sua humanidade, e com a sua
Teconhecida justiça tenha desejado prevenir para o futuro
estas conseqüências horríveis, filhas de uma necessidade
absoluta da parte dos officiaes, e viuvas ; o Senhor Ma-
rechal-general a quem chegavam de tempos em tempos, e
continuamente estes clamores, e que naõ ignorava as tristes
conseqüências, teve por isto tanto sentimento, que se vio
muitas vezes no caso de quasi perder a prudência em
favor destes infelizes, para poder alcançar-lhes algum me-
lhoramento ; e posto que o Governo teve sempre, e em
todos os tempos os mesmos sentimentos, e desejos, nunca
jamais se pôde quebrar a cadêa com a qual estes usura-
rios haviam agrilhoado aquelles, que, por qualquer preço
que fosse, estavam em a necessidade de procurar pão para
o próprio dia. Os desejos de S. Exa*. os Senhores Go-
vernadores do Reyno, para fazerem justiça, e adoçarem o
soffrimento desta infeliz classe do exercito, que está taõ
atrazada em os seus pagamentos, se provam pela Portaria
de 13 de Agosto pretérito, e ainda isto naõ foi até ao pre-
sente, com poucas excepçoens, útil senaõ aquelles usura-
rios, e a seus amigos ; porque elles sabem metter-se como
uma muralha entre os necessitados, e a thesouraria mili-
tar, e como a somma das despezas militares naõ pôde
jamais ser senaõ em razaõ das receitas, ou rendas publi-
cas, e das outras despezas do Estado, que mal se segue de
5
Miscellanea. 639
se poder vêr que o militar seja pago, o qual he ordinaria-
mente pobre, e a quem ninguém emprestará senaõ debaixo
dos termos abomináveis dos rebatedores!
O exercito verá com satisfacçaõ outro signal da bon-
dade, e consideração do seu Soberano para com elle,
achando-se reintegrado em os direitos antigos do seu foro;
e he este um ponto, ainda que de muito momento para os
indivíduos do exercito, de muito pouco para com a naçaõ
era geral, a quem deve ser muito indifferente a maneira
de serem julgados os militares, excepto em o interesse que
ella tomará de que cada um conserve os seus direitos, par-
ticularmente os do seu foro ; e S. M. naõ considerou
menos a parte naõ militar da naçaõ, que estava muito ex-
tensamente sujeita a ser julgada por tribunaes militares, e
dos quaes S. M. os isentou, tirando aos tribunaes militares
todo o direito de julgarem os paizanos, e restituindo estes
últimos ao seu próprio foro ; e isto está bem longe de ser
indifferente á naçaõ. Mas eis-aqui o modo porque um
Soberano benéfico, e justo, administra uma igual justiça,
e mostra igual amor a toda a classe dos seus vassallos.
Sua Excellencia o Senhor Marechal General naõ fez
esta espécie de observações sobre os Regulamentos Milita-
res, que Sua Magestade El Rey Nosso Senhor se dignou
ordenar, e que Suas Excellencias os Senhores Governa-
dores do Reyno apresentam agora ao publico, senaõ com
o intento de chamar a attençaõ geral ao seu conhecimento,
satisfeito de que, quanto mais elles forem lidos, e compre-
hendidos, mais as Intenções Benéficas de Sua Magestade
seraõ reconhecidas, tanto pela naçaõ, como pelo Exer-
cito ; porque este ultimo quasi naõ será mais uma parte
separada da primeira, pois que o Soldado daqui em diante
será tanto Paizano, como Soldado, e entregue ainda muito
mais tempo ás suas obrigaçoens domesticas, e particu-
lares.
Sua Excellencia o Senhor Marechal-General, bem vê
4N 2
640 Miscellanea.
que estas observações saõ muito superficiaes; mas os re-
gulamentos mesmos (a.quem está no caso de os procurar, e
que tem o tempo de os lêr) saõ as melhores explicações.
O Senhor Marechal-General naõ tem em vista neste limi-
tado resumo, senaõ aquelles que naõ podem alcançar os
Planos; e sendo taõ obrigado como elle he a El Rey
Nosso Senhor, com infinito gosto se aproveita de todas as
occasiões que o seu dever lhe offerece, de patentear aos
Vassallos de Sua Magestade, o quanto elles gozam do seu
Amor, e dos seus Desvelos, e Cuidados.
Sua Excellencia o Senhor Marechal-General communi-
cará ao exercito, quando elle estiver competentemente au-
thorizado por Suas Excellencias os Senhores Governadores
do Reyno, a época em que pode principiar a pôr em exe-
cução o que toca aos vencimentos mandados nestes Pianos,
o que requer ainda para se poder determinar, muitos cál-
culos, e outras dependências, qae naõ podem deixar de
levar tempo.
Ajudante-general.—MOZINHO.
HESPANHA.
Ceremonias e Etiquetas que se devem observar na entrada
de S. M. a Raynha nossa Senhora, e da Sereníssima
Snr1. Infanta D. Maria Francisco de Assis, em Ma-
drid : Desposorios de ambas as Senhoras; Benções:
Ida a dar graças a Nossa Senhora oVAtocha : Beija-
maõs geraes e dos Conselhos, Src.; recopiladas do
Ceremonial observado em iguaes casos, e ordenadas
segundo a etiqueta do dia, para o maior decoro e obsé-
quio de Sua Magestade e Alteza.
Inquisição.
O Avizo Regio, que publicamos no nosso N°. passado, pelo
qual S. M. approvou o procedimento do Bispo e Governador
do Funchal, os quaes obstáram ás tentativas do Commissario
da Inquisição na Ilha da Madeira, he uma prova nao equivoca
de que o Governo do Brazil olha para o estabelicimento do
Sancto Officio, pela face que elle merece ser visto.
Porém as noticias que se receberam este mez, tanto de Roma
como do Rio-de-Janeiro, nos dam as mais bem fundadas espe-
ranças de vermos em breve tempo annihilado de todo um tri-
bunal, que tam funestos males tem causado em Portugal, e
cuja existência serta sempre o mais decidido embaraço aos pro-
gressos de civilização no Brazil.
De Roma avizam, que o Papa se acha em estado de naõ po-
der negar a El Rey de Portugal a proposição, que lhe fez, de
abolir o tribunal da Inquisição : e do Rio-de-Janeiro nos in-
formam, que aquelle Governo está determinado a decretar a li.
berdade de consciência.
NaÕ he de esperar, que havendo o fanatismo e espirito de
perseguição religiosa oprimido os dominios Portuguezes, desde
a infausta epocha em que nelles se introduzio a Inquisição,
pudesse agora o Govemo fazer nesta matéria uma mudança
total e repentina, adoptando as ideas liberaes dos Estudos Uni-
dos ou de Inglaterra, ou de outros paizes, aonde a liberdade de
consciência he e tem sido uma das primeiras causas da prospe-
ridade nacional. Mas ha melhoramentos que saõ fáceis de in-
troduzir presentemente, vista a disposição em que se acham os
povos; ou ao menos a parte mais instruída da naçaÕ.
A prova disto a achamos no tractado de paz feito com a I n .
glaterra em 1810. Ali, no artigo 9 o ., se declara, que a Inqui-
sição nao será introduzida no Brazil ; e, no arligo 12, do
tractado de Commercio do mesmo anno, se concede aos Ingle-
V O L . X V I I . No. 102. 4 p
654 Miscellanea.
ses plena liberdade de consciência, nos domínios de Portugal,
e o direito de edificarem seus templos, com a única reserva de
que taes templos tenham no exterior O feitio de casas de habi-
tação. A liberalidade do Governo Portuguez estendeo esta li-
berdade, no mesmo artigo, a todos os mais estrangeiros.
A naçaÕ Portugueza recebeo estas declaraçoens liberaes,
com o mais decidido applauso; e, naõ obstante a opposiçaõ
do Núncio do Papa, no Rio-de-Janeiro, que julgou ser do seu
dever proteger o systema da intolerância, a vóz dos fanáticos
foi suffocada com a immensa maioridade dos que altamente se
regozijaram, vendo rayar a luz de uma politica illuminada, na-
quelle Gabinete, que por séculos tinha sido humilde instru-
mento das crueldades da perseguidora Inquisição. A Europa
confuudio-se, vendo assim demonstrada uma verdade, que naõ
éra conhecida; e deixaram de attribuir ao caracter nacional
os horrores das perseguiçoens religiosas, que só provieram da
maldade dos Inquisidores, e da fraqueza do Governo, que naõ
cohibio os ultragens daquella intrigante e sanguinária insti-
tuição.
Obtida pois, desta maneira, a prova incontestável de que o
povo do Brazil olha como deve para estes melhoramentos na
ordem social; só resta que o Governo tome as medidas con-
venientes para os pôr em practica, de maneira que produzam
todo o effeito que delles se pode esperar.
Em primeiro lugar he summamente impróprio, que as decla-
raçoens de que se tracta, consistindo unicamente em pontos de
mera policia interna, sejam feitas em um tractado com uma
Potência estrangeira. Depois, esse mesmo tractado está an-
nulado pelas convençoens de Vienna. Em terceiro lugar, os
artigos dos tractados, a que nos referimos trazem com sigo
saneçoens penaes, que requerem explicaçoens e determinaço-
ens legaes para sua justa execução.
Admittidos, pois, pelo Governo do Brazil, os princípios da
tolerância ; e sendo bem recebidas pela naçaÕ em geral as de-
claraçoens a este respeito; convém agora, que El Rey pro-
mulgue uma carta de ley, com as maiores solemnidades, que se
podem ajunctar a taes documentos públicos, e que nessa ley
Miscellanea. 6Õ5
estabeleça e adopte os principios, que ja tem reconhecido; e
ao mesmo tempo declare as limitaçoens com que admitte a li-
berdade de consciência; o modo porque esta se deve gozar, os
actos, que se devem julgar criminosos, por obstarem a esta liber-
dade; os castigos que se devem impor a taes actos de intole-
rância ; e o modo porque estes crimes devem ser processados e
julgados.
Quanto á negociação com a Corte de Roma, sobre a ex-
tincçaõ da Inquisição ; poucas palavras bastam a este respeito;
porque, hoje em dia, nao ha quem ignore os dous principios
de direito publico, relativos a estas matérias ecclesiasticas: I o .
Que o Soberano nao tem direito de legislar sobre as matérias
de consciência, nem obrigar os seus subditos a seguir este ou
aquelle dogma religioso: 2*. Que nem o Papa, nem outro al-
gum individuo ou corporação de indivíduos sobre a terra, tem
direito a intrometter-se na legislação que algum Soberano pro-
mulgar em seu paiz, para promover o bem temporal de seu s
subditos; Isto posto, as Concordatas entre os Papase os Reys,
devem ser olha das como documentos contrários ao direito pu-
blico ; e feitos sobre matérias em que nao pôde nem deve haver
compromisso; porque se o objecto he meramente temporal,
El Rey pôde legislar sem ter nenhuma obrigação de ouvir o
Papa; e se o negocio he puramente de consciência, legisle o
Papa ou o Bispo, ou quem quer que se suppozer com direito
de legislar nessas matérias, e, se achar quem lhe obedeça, em-
bora nisso governe, comtanto que logo que use da força con-
tra algum cidadão, seja este protegido, como deve ser por seu
Soberano; ecomo he de justiça, reconhecida pela legislação de
Portugal; aonde estes inegáveis principios se acham admitti-
dos como fundamento para os recursos á Coroa; naS obstante
o absurdo, com que se negociaram concordatas, em tempos de
iguorancia, de que se soube aproveitar mui bem a Corte de
Roma.
Convém aqui lembrar, e nunca perder de vista, a necessida-
de que ha de fazer declaraçoens solemnes, sobre estes direitos
Majestaticos ; porque as profissoens da Corte de Roma o dos
4 P 2
656 Miscellanea.
Inquisidores, mostrando liberalidade de ideas ou respeito aos
princípios de direito publico, nao saÕ senaõ fingimentos de hy-
pocritas : para adormecer a vigilância dos Governos ; c deixar
debaixo das cinzas, a faisca de suas pretençoens, com que pos-
sam, em momentos favoráveis, reviver o fogo das persegui-
çoens.
N o Cap. Grandi, De supplenda negl. Prael. exhibc o Direito
Canonico a mais irrefragavel prova desta verdade. Ali se ar-
rogam os Papas o direito de dupôr os Reys: e aquella legisla.
çaÕ he fundada na manifesta usurpaçaõ da Sé de Roma, que
pelo mais abuzivo uso da influencia ecclesiastica se atreveo a
depor do Governo El Rey D. Sancho I I . de Portugal: em nos-
sos tempos nao ha ninguém que nao conheça a illt^alidade de
tal procedimento da parte do P a p a ; e com tudo aquella legis.
laçao se conserva no Código de Direito Canonico, e nao ob-
stante as humilLaçoens que tem sotFrido a Corte de Roma, ainda
ninguém lhe pode arrancar a declaração contraria aquella de-
cisão do chamado Direito Canonico; e isto para que? Para
poder rtvivir a pretençaõ, lot>o que a guerra civil em algum
Estado, ou outros circumstancias favoráveis lhes derem occa-
siaõ a pôr em practica o pretenso direito de pôr e tirar reys a
seu arbítrio. Isto he tanto verdade, que neste canon se fun-
daram os Clérigos do partido de Bonaparte, para argumentar
que o Papa podia ungir, como com effeito fez, em Rey de
França, aquelle chefe militar revolucionário, e excluir assim a
familia reynante ; e foi justamente debaixo dos mesmos princi-
pios que o Papa Estevão no anno de 754- ungio Rey ao usur-
pador Pepino, e mudou assim a dynastia que reynava em
França. Depois disto ^ quem pôde negar a necessidade que ha
de estabelecer, du maneira mais formal eauthentica, estes prin-
cipios de direito publico, úteis á naçaÕ, pelos quaes o Sobera-
no pode legislar o m.uidar o que for a bem de seus povos, inde-
pendente d^ nenhumas concordatas com o Summo Pontífice?
Devemos a.iui lembrar, anticipadamente, aquelles que nos
quizerem chamar Jacobinos, Irreligiosos, Pedreiros-Livres, &C.
por sustentarmos esta doutrina, que El Rey de Portugal he da
Miscellanea. 657
nossa opinião, e se por ella m. rocemos aquelles epithetos, he
preciso, que também pela mesma razão os appliquem a EI
Rey.
A prova de que S. M. lie da nossa opinião a achamos ; 1*.
nas declaraçoens dos tractados acima citados, que foram feitas,
sem concordatas, nem approvaçaõ alguma, directa o indirecta,
que se pedisse á Corte de Roma: 2°. na extincçaõ da Inquisi-
ção de Goa; para o que El Rey UBOU de seu poder Real e
Supremo ; sem que nisto fosse ouvida a Corte de Roma ; e até
El Rey mandou que nos seus Estados da índia se naõ deixas,
sem traços alguns daquelle estabelicimento da Inquisição ; nem
os Inquisidores actuaes fossem mais contemplados em cousa al-
guma, ou pudessem alegar que tinham feito serviço algum ao
Estado ; ou pedir remuneração alguma. O Conde de Sarze-
das, porém, Governador da Índia, imterpretou tam mal esta
ordem Regia, que mandou continuar aos Inquisidores de Goa,
depois de extineta a Inquisição, metade de seus ordenados.
Para que os fidalgos nao percam a posse do custume protervo,
de apadrinhar perversos.
A fingida submissão ás ideas liberaes, de que aceusamos a
Corte de Roma, sempre mostrou a Inquisição, quando achou
em sua carreira perseguidora obstáculos que nao pôde vencer ;
assim usam os Inquisidores agora, que a opinião publica e a do
Governo está contra elles, a mesma linguagem que fallavam no
tempo d'El Rey D. Jozé ; mas sêja-lhes o vento favorável, e
os veremos outra vez accender o facho abominável da intole-
rância.
Guerra do Rio-da-Prata.
As noticias, que nos chegaram de Buenos-Ayres, este mez;
e os raciocínios de alguns Jornalistas Inglezes, sobre os negó-
cios públicos daquella parte do Mundo, exigem que tornemos
a tomar esta matéria cm consideração. E primeiramente,
quanto ao direito que tem a Inglaterra e o Brazil se de intro-
metterem nos negócios das Colônias Hespanholas.
Quando um individuo, ou alguns poucos indivíduos se re-
7
658 Miscellanea.
béüam contra o Governo de seu paiz, este hc sem duvida o
único juiz competente dos rebeldes ; porém quando os chama-
dos rebeldes abrangem uma parte tam considerável dos subdi-
tos, que possam constituir uma naçaÕ ; o caso se suppoem dif-
ferente; e as naçoens estrangeiras podem nisto intrometter-se
com razaõ e justiça.
A historia nos mostra inumeráveis exemplos em prova de
nossa asserçaõ; e os melhores publicistas saõ da mesma o p i .
niaÕ.
Dos tempos antigos referiremos um exemplo; e dous da
nossa idade. DepoÍ9 da morte de SoiomaÕ, dez das tribus de
Israel se rebelaram contra o Monarcha, nomearam outro rey, e
formaram-se em Estado independente, uaõ ficando o outro Es-
tado da naçaÕ, em que reynava o successor de SoiomaÕ senaÕ
com duas tribus: nestes termos, dos reys circumvisinhos uns
tomaram parte c fizeram allianças com os reys d J Israel, outros
com os reys de Judá (que assim se denominaram os dous reynos
depois da separação) cada um segundo julgou que a parte, a
que se alliava, éra a que tinha por si a razaõ.
Em 1640, Portugal se separou da Hespanha de que entaõ
fazia p a r t e : as Potências da Europa intervieram nisto uina3 a
favor de Portugal outras da Hespanha.
Em 1774, varias das Colônias lnglezas se declararam inde-
pendentes, denominando-se os Estados Unidos: as Potências
Estrangeiras metteram-se nesta questão, umas a favor da In-
glaterra, outras a favor das colônias.
Escolhemos estes exemplos por serem tam geralmente sabi-
dos, que nao haverá Portuguez que os ignore. E esta prac-
tica das naçoens he reputada justa e legitima, por todos os es.
criptores de direito publico e das gentes. Bastará citar o que
diz Grotius, De Jure Belli et Pacis, Lib. I I . Cap. 25. § viii.;
e as authoridades com que elle allega.
Isto posto, fallando cm abstracto, tanto a Inglaterra como o
Brazil podem ter direito de se ingerir na questão da guerra en-
tre a Hespanha e suas colônias ; porque naõ he ja um indiví-
duo ou alguns indivíduos, que se rebéllam contra seu Governo,
Miscellanea. 659
mas uma secçaõ mui considerável da naçaÕ, que deseja obrar
independente. O ponto agora está em decidir se ou a Ingla-
terra ou o Brazil, ou ambos tem razaõ bastante para por em prac-
tica, neste caso, o direito que lhe reconhecemos em abstracto.
Pois ainda que todos convenham, que uma naçaÕ tenha direito
de fazer guerra a outra; quando se tracta de pôr este direito
em execução, he preciso examinar se entaõ ha razaõ bastante
para o fazer.
Pelo que respeita a Inglaterra, he perfeitamente indifferente,
que as Colônias Hespanholas estejam unidas, ou separadas, ou
em estado de rebelião com a sua Metrepole ; porque em qual.
quer dessas hypotheses se nao atacam nenhuns direitos da na-
çaõ Ingleza, nem correm perigo de serem atacados. E a única
razaõ, que poderia allegar a Inglaterra para se metter nisto, se-
riam os deveres- da humanidade, julgando que a tyrannia dos
Hespanhoes para com seus colonos éra tam insupporíavel, que
o dever de homens iropellia os Inglezes a proteger os opprimi-
dos. (Este caso he lembrado e admittido por Grotius no lu-
gar citado.) Mas o Governo da Inglaterra nem alega este ul-
timo motivo, nem diz que deseja obrar em conseqüência delle;
antes os escriptores Inglezes (com poucas excepçoens) o que
affirmam he, que a'Inglaterra deve impedir que os Portuguezes
vam ao Rio-da-Prata. Logo, privaudo-se os Inglezes, em seus
argumentos, e por suas acçoens, do único motivo que podia
dar-lbes direito a intrometter se na questão da independência
das Colônias Hespanholas, dizemos que nao devem obstar a
que os Portuguezes obrem nesta matéria conforme o que lhes
for de razaõ e justiça.
Pelo contrario opinamos a respeito do Brazil; porque tendo
demonstrado em outro N* (Corr. Braz. Vol. X V I I . p. 369,)
que os interesses da Inglaterra nao perdiam nada, antes ganha,
riam, se os Portuguezes estivessem de posse da margem Septen.
trionai do Rio-da-Prata; havemos em outra parte (Corr. Braz.
Vol. XVII.-p. 234,) exposto mui ponderosas razoens, para
que o Brazil oecupe aquella posição, tam essencial ao socego e
protecçaõ daquelle reyno.
660 Miscellanea.
Pela ultimas noticias, que chegaram de Buenos-Ayres este
mez, se publicaram factos, que reduzem a certeza os argumen-
tos, que nós propuzéramos em hypothese; e demonstram, com
evidencia, o perigo em que se acha o Brazil, se nao tomar as
precauçoens que temos indicado, apossando-se da margem sep-
tentrional doRio-da Prata. Estas noticias dizem:—
Que o Governo de Buenos-Ayres se declarou independente
—que fez uma ligi com Artigas o chefe de Montevideo—que
muitas das cidades do território da Prata tem Governos inde-
pendentes de Buenos-Ayres—que S. Fé nao obedece a nin-
guém, e que um corpo daquella gente derrotara um exercito
que lhe mandou Buenos-Ayres, para os reduzir á obediência
—que o General de Buenos-Ayres Dias Velles, se rebelara
com 2 0 0 0 homens, porque o nao fizeram Governador de Bue-
nos Ayres.—que Artigas, entre outros damnos que tem feito
aos Portuguezes, ultimamente lhes tomou os navios, que achou
ao alcance de suas forças, e que ali estavam afazer commercio—
que a união ou liga de Buenos-Ayres com Artigas, nao he
para que este reconheça aquelle Governo; mas para melhor
resistir ás forças Portuguezas—que no território da parte Sep-
tentrional do Rio-da-Prata, naõ ha nenhuma forma de Go-
verno estabelecido, governando Artigas de facto, sem que
alegue de quem lhe veio a jurisdicçaõ que exercita, nem que ti-
tulo tem, nem a que legislação obedece.
Taes saõ os vizinhos do Brazil! ; E hc possivel que possa
alguém desapaixonadamente dizer, que isto deve ser indifferente
ao Governo do Brazil ?
Dir-nos-haÕ porém, que, antes do Brazil se apossar pela
força do território de que se tracta, pí>,ra sua justa protecçaõ,
deve propor negociaçoens e pazes. Mas a isto respondemos,
que nao ha com quem se negocie, senaõ com os indivíduos
respeitáveis daquelles povos; os quaes, por estas mesmas no-
ticias se vê, nao tem sido desprezados do Governo T!O Brazil:
a eites tractam os seus opponentes de traidores á pátria, que a
querem vender por carachàs da Ordem de Christo ; prova de
que o Governo do Brazil o> contempla; mas quanto aos Go-
Miscellanea. 661
vemos daquelles paizes, saõ elles tam numerosos e differentes;
tam inconstantes, tantas vezes destruídos, e supplantados por
outros, c tam oppostos entre si mesmos uns aos outros ; que
seria impossível propor alguma ncgociiçaõ em que todos elles
concordassem, c que oíferecesse ao Brazil uma segurança, em
que se pudesse de«cançar.
Se todo aquelle território estivesse debaixo de um Governo,
a Corte do Brazil lhe poderia propor uma troca ou pagamento
por aquella porção de terreno, que. lhe he necessário para sua
segurança ; mas no estado actual de anarchia, cm que o paiz
se acha ,i a quem se IMÕ de fazer essas proposiçoens ? £ quem
he o governo legal de Montevideo; ou ainda mesmo o governo
illegal, que prometta duração, ou seja capaz de cumprir e fazer
cumprir os ajustes, que fizer com a Corte do Brazil ?
A tomadia destes navios Portuguezes cm Montevideo, e outros
damnos que Artigas lhes tem causado, nao saõ approvados, nem
•'•;la parte saa do povo, nem mesmo pelo Governo de Buenos-
Ayres, que só poderia querer unir-se com Artigas, na suppo-
siçaõ de quea Corte do Brazil tinha vistas de conquistar terri-
tórios além do Rio-da-Prata. Neste caso ^ a quem se ha de
podir a indemnizaçaõ dos navios tomados ? • e quem ha de
garantir que se naõ commettam iguaes injustiças para o fu-
turro ?
Concluimos, pois, que, se, no estado actual das cousas, o
Brazil naÕ tem direito de se apossar d'uin território vizinho,
oecupado por um povo sem Governo legitimo a que obedeça,
ou coin quem se negocie; e que ameaça tam de perto a segu-
rança do Brazil; entaÕ he preciso dizer como os Quaqueros,
que nunca ha direito de fazer a guerra, nem de usar da força
armada.
Finaneas do Brax.il.
Se a abilidade de um indi/iduo, eto augmentar suas riquezas,
fosse por si só bastante para qualificar alguém a ser adminis-
trador das finanças de um reyno, sem duvida Targini, BaraÕ
VOL. X V I I . N o . 102. 4a
662 Miscellanea.
do quo querque he que nos naõ lembra, devia reputar-sc um
excellente financeiro.
He verdade, que poderíamos aqui applicar o rifaÕ Hespa-
nhol " Quien cabras no tiene y cabritos vende de algures le
viene." Targini escrevente do Erário, sem outros bens mais
que o seu minguado salário, acha.se elevado a Thesoureiro-mor
do Erário, Baraõ, c homem riquíssimo; administrando um
Erário, que sempre se acha pobre.
Ninguém dirá que estas matérias saõ segredo de Gabinete,
que naõ convém que nenhum do povo examine. O Erário he
o deposita das contribuiçoens do povo: a bem do povo se de-
vem empregar as suas rendas; o Erário rico pode gastar em
cousas que enriqueçam a naçaõ; o Erário pobre nao he capaz
de promover os estabelicimentos nacionaes, que exigem despe-
zas do Governo; logo as circumstancias, que oceasionam a ri-
queza ou pobreza do Erário, naõ devem ser matéria de segredo
de Gabinete, mas sim um ponto, em cujo exame pôde entrar
todo o individuo da naçaõ ; porque a todos isto toca de mui
perto.
Explicaremos, pois, o pouco que por agora intentamos dizer
nesta matéria; suppondo que El Rey mandara chamar Tar-
gini, e tinha com elle uma conferência, sobre o estado actual do
Erário; no que se passava o seguinte dialogo.
Rey. Preciso de uma somma considerável para fortificar as
fronteiras do meu reyuo do Brazil, crear uma boa marinha de
guerra, chamar para este paiz artistas e povoadores da Europa;
diz.ei-me, Thesoureiro-mor, quaes saõ os restos das despezas, e
as poupanças, que tendes feito nas minhas rendas.
Thesoureiro. Restos, Senhor! O Erário naõ tem um real;
V. M. está pobre; as rendas naõ chegam para as despezas.
Rey. i Como pôde o meu Erário estar pobre, sendo eu o So-
berano de um paiz, em que se produz o ouro, os diamantes, o
assucar, o cafle, o arroz, o algodão, e tantos outros objectos
preciosos e em tanta abundância, qae nenhum outro paiz do
mundo o excede ?
Thesoureiro. Senhor, tudo isso será assim, mas as despezas
saõ tam consideráveis, que para ellas naõ chegam as reudas.
Miscellanea. 663
Rey. i Quo despezas temos nós a fazer, que sejam mais
consideráveis, que as de outros Estados de igual grandeza, (por
exemplo os Estados Unidos) aonde o Erário naõ padece a po-
breza, que aqui se allega ?
Thesoureiro. Os Estados Unidos naõ tem Casa Real que
sustentem, nem o Clero, nem eutras muitas cousas, que nós cá
temos.
Rey. Valha-me a fortuna; ahi vem as despezas da Casa
Real em primeiro lugar; pois principiemos por diminuir estas.
Eu commigo nao gasto mais do que outro individuo meu vas-
sallo, e o que ha de mais he para sustentar o decoro da Coros,
com criados, cavallos, carruagens, &c.; e ainda assim enver-
gonho-me de ser puchado em uma carruagem velha, com duas
mulas miseráveis, e dous lacaios esfaimados ; mas disso mesmo
me quero privar, para dar o exemplo de economia ; e espero
quo o meu Thesoureiro-mor fará o mesmo, largando metade do
seu ordenado.
Thesoureiro. Deus tal nao permitia. Os ordenados das
pessoas empregadas saõ mui tênues, a mal lhe chegam para
viver.
Rey. Isso naõ pode ser; pois conto aju netas tes riqueza para
comprar casas, terras, e metter dinheiro nos fundos do Banco
da Inglaterra, se o vosso ordenado vos nao chega para viver ?
Thesoureiro. Senhor, ha outra cousa, que V. M. naõ re-
para, e he, a necessidade de sustentar a dignidade Real, com
os criados, cavallos, carruagens, &c. ; e tudo isto requer des-
pezas.
Rey. Ja me fallastes nisto outra vez. Eu esteu capacitado
de que todos os meus vassallos estimariam, que eu gastasse do-
brada somma na sustentação da dignidade Real; porque isso
mesmo he gloria e esplendor para o Reyno ; com tanto que se
naõ dissipassem as rendas do Erário, que saõ applicaveis a ou.
trás despezas publicas ; mas ja disse, que ainda assim, e para
dar exemplo, quero diminuir essas despezas da Casa Real.
Porém a questão he { como podeis vôs estar tam rico, oaõ
teudo tido bens patrimoniaes, e dizercis ao mesmo tempo, que
os ordenados apenas chegam para viver.
4 Q °
664 Miscellanea.
Thesoureiro. Senhor, eu naõ fallava de mim ; mas sim das
despezas da Casa Real.
Rey. He ja terceira vez que fallacs nisso; estou prompto a
diminuillas—que outras despezas ha que admitiam diminuição?
Thesoureiro. As despezas da Casa Real he certo que saõ
mui consideráveis; porém eu naõ posso aqui de repente
dizer, quaes sejam as outras que se possam diminuir.
Rey. Pois nem ao menos podeis dizer, se podeis ou naõ dis-
pensar parte do vosso ordenado ?
Thesoureir o. So formos a bulir com tudo, por força have-
mos de diminuir também as despezas da Casa Real, e a minha
lealdade e amor a V. M, naõ me permittem que pense cm tal.
Rey. Uma vez por todas, eu sou o primeiro a querer dimi-
nuir as despezas de Casa Real; naõ me falleis mais nisso: sai-
bamos quaes saõ os outros gastos,que se fazem, e podem admit.
tir diminuição.
Thesoureiro. Eu, quanto mim, Senhor, ficarei sem nada, se
V- M. assim o determina.
Rey. Tal nao desejo, quem serve deve ser pago. Mas di-
zci-me i de que viveis, se vos naõ chegam os vossos ordenados,
ou de que viviries se continuasseis a servir sem ordenado ?
Thesoureiro. Das minhas economias.
Rey. Que economias pode fazer, quem naõ tem rendas para
economizar ?
Thesoureiro. Eu cá me arranjaria com as minhas linhas.
Rey. Quizéra eu que applicasseis essas tinhas a traçar al-
gum plano, para que os pagamentos andassem cm dia; e naõ
fosse eu atormentado com ouvir fallar cm rebates do que tem
de pagar o Erário.
Thesoureiro. Senhor os rebates saõ necessários, e os rebeta-
dores gente mui útil.
Rey. Ao Erário naõ podem os rebatedores ser úteis; por
que o Erário sempre paga a divida por inteiro.
Thesoureiro. Mas sao úteis ao indivíduos a quem os reba-
tedores adiantam o pagamento, para depois o receberem do
Erário.
Miscellanea. 665
Rey. Mas o credor do Erário quando rebate paga usuras
horrorosas.
Thesoureiro. Isso naõ pode deixar de ser, pela incerteza
em que está o rebatedor do tempo em que ha de receber a di-
vida do Erário.
Rey. Eis ahi justamente o que Eu queria ver remediado;
pois ainda que o Erário naÕ pudesse pagar em dia, pouíam os
pagamentos fazer-se por ordem alphabetica, datas, ou outras
divisoens, demaneira que todos soubessem quando lhe cabia a
sua vez de ser pago, sem que nem o Thesoureiro-mor, nem
algum outro official do Erário pudesse fazer mercê ou injuria a
ninguém com indevidas preferencias, de que se queixam todos,
e Eu naõ sei, nem tenho meios de averiguar, se com razaõ ou
sem ella.
Thesoureiro. Eu naõ posso impedir, que os calumniadores
emas línguas faltem; nem está no meu alcance faz ar novos
planos de finanças.
Rey. Más línguas sempre houve no Mundo, mas he preciso,
que se tirem os motivos de suspeita, estabelecendo tal ordem
dos pagamentos, qiu ninguém possa fazer preferir os pagamen-
tos de seus afilhados aos de outros que naÕ tem padrinhos. E
quanto aos plano» a este respeito, eu devo espcrállos do The-
soureiro-mor ; porque o seu officio naÕ he outro senaõ fazer
os pagamentos do Erário em boa e devida forma.
Thesoureiro. Crcia V. M. que tudo quanto se diz a res-
peito do máo arranjamento do Erário he sem fundamento. Só
eu sei o que me custa alcançar o dinheiro para os pagamentos ;
pois o Banco naõ me quer nunca ajudar; e até se me dificul-
tam os saques para a Inglaterra.
Rey. Ouvi dizer, qne as ultimas letras, que daqui sacou o
Erário sobre os Administradores dos Contractos Reaes em
Londres, fôram saeadas a quasi 3 por cento mais caras, do
que éra o preço do Cambio na praça { porque razaõ perdeo o
Erário esta difierença.
Thesoureiro. Senhor as despezas da Casa Real obrigáram-
me a fazer esses sacrifícios, para ter dinheiro com que as sup-
prir.
666 Miscellanea.
Rey. Outra vez as despezas da Casa Real ?
Thesoureiro. V. M. prohibio-me que fallasse nas despezas
da Casa Real, quanto ao futuro, mas isto he quanto ao passado,
o que eu digo.
Rey. Quem foi o corretor, que negociou essas letras, com a
differença de 3 por cento.
Thesoureiro. Eu naõ sei que houvesse tal differença de tres
por cento.
Rey. Naõ vos pergunto isso; pergunto-vos quem foi o
Corrector que negociou as letras.
Thesoureiro. Supponho, que foi Samuel.
Rey. Pois manda.mc cá a Samuel, e lhe preguntarei se
houve nas dietas letras a tal differença de 3 por cento demais
do cambio corrente na praça; e se eu achar que tal differença
houve ; quero ser informado da razaõ.
Thesoureiro. Veja V. M. que se nos mettemos nisso, he pre-
ciso examinar as contas das despezas da Casa Real.
Rey. Pois bem; se eu achar, que todas as extravagâncias
das despezas publicas, saõ para a Casa Real; como eu naõ
tenho culpa diso, eu o direi publicamente ao meu Povo; e lhe
declararei que tal naÕ he minha vontade, e elles me acredita,
raõ : deixemos pois isso ; manda-me cá o Samuel, que quero
examinar o negocio das letras.
Thesoureiro. Qual Samuel ?
Rey. Pois naÕ me dissestes, que suppunhas que o Corrector
das letras fora Samuel ? He esse Samuel quem eu quero ex-
aminar.
Thesoureiro. NaÕ sei aonde está, uns dizem que foi para In-
glaterra, outros que está doente ; e outros . . .
Rey. Basta. Chegará o tempo de ajustarmos contas. NaÕ
digo que sejas culpado; porque se o pudera dizer, do meu de-
ver fora castigar-vos ; porém digo, que a repetição quo tendes
feito, em fallar das despezas da Casa Real, e o naõ explica-
res o negocio das letras naÕ he de quem sabe e entende da ad-
ministração das rendas publicas ; mas sim de quem deseja em-
baralhar; e se naõ dereis disto a conveniente satisfacçaõ será
Miscellanea. 667
Exercito de Portugal,
A p. 538, damos o Alvará, pelo qual S. M. deo novo regu-
lamento as thesourarias Exercito, e a p. 631, a Ordem do dia do
Marechal General, em que expõem em summa as vantagens
das providencias de S. M. sobre o Exercito. A esta ordem do
668 Miscellanea.
dia remettemos o Leitor, porque ella faz desnecessárias as nos-
sas observaçoens sobre a utilidade do novo plano, em quanto
o naõ publicamos.
Notaremos porém, que o numero do Exercito agora pro-
posto, naÕ he maior do que em outro tempo calculara o Ge-
neral Gomez Freire d'Andrada, na excellente obra, que pu-
blicou, em 1806; com o titulo de " Ensaio sobre o methodo
de organizar em Portugal o Exercito, relativo á população,
agricultura e defeza do paiz." E vemos que em grande parte
se adoptáram nos novos regulamentos as justas ideas daquelle
distincto official; mas desejaríamos, que o Capitulo X . da-
quella obra fosse attendido com a mais escrupulosa exactidaõ.
Examinando aquelle capitulo se verá, que o licenciamento da
tropa se pôde extender a tal ponto, que os recrutamentos nunca
esgotem a população necessária ao emprego da agricultura e
das artes ; e ao mesmo tempo que os licenciamentos naÕ se-
jam tam dilatados, que afrouxem demasiado a disciplina mi-
litar.
ALEMAHNA.
4 »2
672 Miscellanea.
FRANÇA.
El Rey abrio a sessaõ das Câmaras com a falia, que deixa-
mos trasladada a p. 5 7 2 ; e supposto contenha muitas expres-
soens vagas, e que o partido dominante poderá interpretar
como quizer, com tudo ha dous pontos em que El Rey se ex-
plica claramente. Um he que se naõ desviará da máxima de
admittir liberdade de consciência; outro he que naÕ concederá
ao Clero as mesmas riquezas que possuía antes da Revolução.
As respostas usuaes a esta falia, tanto da Câmara dos Pares
como da Câmara dos Deputados, fôram apresentadas a El Rey
aos 15 de Novembro. Deixamos de copiar essas respostas;
porque, na forma do custume, contém uma repetição dos sen-
timentos expressos por El Rey, e quasi pelos mesmos termos.
A deputaçaõ do Clero, que recebeo El Rey, á portada Ca-
thedral, no dia da abertura da sessaõ, aproveitou esta occasiaõ
de offerecer ao Soberano o velho incenso, dizendo que o poder
dos reys procede de Deus. Nós sustentamos ha annos esta
mesma opinião, que ainda conservamos ; e extendemos a todo
o Poder Supremo e Majestatico; porém sem duvida em accep-
çaõ bem differente da que o Clero Francez aqui deseja incul-
car; mas naõ ha para que entremos agora na discussão do
principio ; basta notar aqui qual he o espirito dos partidos em
França.
O primeiro dia, cm que as Câmaras entraram a tractar dos
negócios, depois de ananjarem as matérias de mera formalida-
de, foi em 14 de Novembro, quando o Ministro apresentou a
conta do seu Taleigo, ou calculo de receita e despeza.
Segundo esta exposição, as despezas do anno corrente im.
portarão em 840 milhoens de francos ; e se admitte, que a re-
ceita será menos que a despeza em 314 milhoens de francos.
Para oceurrer a este déficit propõem o Ministro a venda de
matas pertencentes ao Governo; quehe um dos pontos demais
altercaçaÕ entre os partidos.
Até aqui parece que os Constitucionaüstas, ou adherentes
dos actuaes Ministros tem obtido a maioridade de votos cm
ambas as Câmaras, na eleição de Presidentes e outros objectos
Miscellanea. 673
de menor importância; mas, naõ obstante, o partido dos Ul-
tra-realistas he assas considerável.
Pelo que respeita as profissoens de moderação do partido
Constitucionalista, naõ achamos que as suas obras concordem
sempre com suas palavras; porque, além da perseguição, que
tem feito ao Visconde de Chateaubriand, por nenhum outro
crime mais do que a differença de suas opinioens politicas, acaba
El Rey de publicar um decreto, pelo qual exclue o Duquo de
Bourbon e o Duque d'Orleans, de terem assento ou voto na
Câmara dos Pares. Este he o decreto :—
" Os Príncipes de nossa Familia e nosso sangue, que estaõ
agora em França, saõ authorizados, durante apresente sessaõ,
a tomar na Câmara dos Pares a graduação e assento, que lhe
pertencem, pelo direito de nascimento."
Segundo a Charta Constitucional os Príncipes de Sangue saõ
membros natos da Câmara dos Pares ; porém he preciso, que
sêja-jn chamados por Et Rey em cada sessaõ. Os Constitucio-
iialisfas, valendo-se desta disposição, chamaram unicamente os
Príncipes que se achavam em França, pelo que excluíram os
Duques de Bourbon e Orleans, que presentemente se acham cm
Inglaterra.
Corre mui de plano, que Talleyrand se declarara tam aber.
tamente contra os Miniàtros, cm uma assemblea publica, em
casa do Embaixador Inglez em Paris, que El Rey lhe prohibio
a entrada no Paço. Deste incidente conjecturaram alguns,
que naÕ estará distante nova revolução no Ministério; visto
que Talleyrand se tèm sempre mostrado tam prudente em to-
das as revoluçoens, que tem suecedido em França, e as suas
precauçoens tem sempre obtido tam decidida vantagem ; que
elle se naÕ exporia assim em publico, a menos q e naÕ esti-
vesse completamente seguro, de què podia levar a melhor uos
ministros.
HESPANHA.
NÁPOLES.
As disputas, entre o Governo Napolitano e o dos Estados
Unidos, parece que terminaram muito á satisfacçaõ d'El Rey
das Duas Sicilias. O que se espalhou em Londres, como no.
ticlas recebidas pelo Governo Inglez, a este respeito, he o se-
guinte :—
" Mr. Pinckney exigio peremptoriamente a restituição de
vários dos navios tomados por Murat, ou uma completa in-
demnizaçaõ por elles e suas cargas Quanto ao resto, elle of-
fereceo c der todas as pretençoens da parte de seu Governo,
com a condição de que os Estados Unidos tivessem um estabeli-
cimento, em algum porto conveniente nos territórios Napolita-
nos. Elle particularizou Messina, como o mais elegi vel; e
disse, que o requerido estabelicimento comprebenderia um hos-
pital, um deposito de muniçoens navaes, e algumas estaçoens
de telegraphos. O Governo Napolitano, affectando naõ per-
ceber o xiste deste petitorio, expresso em taes termos, posto
que éra impossível deixar de o comprehender, pedio a Mr.
Pinkney que o informasse, se o estabelicimento requerido de.
via ser considerado como negocio reconhecidamente do Go-
verno, ou se havia de ficar simplesmente no pé de um estabeli-
cimento de indivíduos particulares Mr. Pinckney respondeo,
sem hesitação, que se devia olhar como um estabelicimento do
676 Miscellanea.
Governo. O Governo Napolitano, recebendo éstaexplicaçaÕ,
regeitou a proposição in tolo; intimando ao mesmo tempo,
que naõ se faria objecçaõ a que os Agentes do Governo dos
Estados Unidos tivessem muniçoens navaes depositadas nos
dominios Napolitanos; uo mesmo pé dos depósitos mercantis
ordinários. A negociação, quanto aos navios confiscados,
terminou de uma maneira igualmente desagradável para Mr
Pinckney."
Os nossos Leitores observarão aqui que estas noticias vem
de Napoies.
Publicamos, a p. 575, um decreto de S. M. Siciliana, contra
as associaçoens dos Pedreiros Livres, e todas as mais sociedades
secretas. Copiamos este papel da Gazeta de Lisboa, o qual foi
nella inserido, evidentemente, para dar ao energúmeno Jozé
Agostinho uma occasiaõ de se estender no seu Espectador contra
as pessoas, que suppoem Pedreiros Livres; e despregar assim
a sua raiva, por naÕ o terem querido admittir naquella sociedade.
Se as Loges de Portugal fôram, como se diz, unanimes, em
regeitar a petição de Jozé Agostinho, quando elle requereo ser
admittido Framaçon, isto basta para mostrar, que a Sociedade
naõ está ainda tam depravada, que admitta em seu seio um
homem de character tam conhecidamente péssimo, e accusado
no convento de que éra frade, e d'onde foi expulso, de crimes
tam denegridos.
Mas voltando á Gazeta do Governo de Lisboa, aonde tal
decreto foi inserido; achamos aqui outra prova do systema,
que por outras vezes temos notado, de alegar com os abusos,
e medidas erradas das outras naçoens, para com isso cohones-
tar os máos procedimentos do Governo Portuguez. He por
este principio, que se acha sempre na Gazeta de Lisboa, tudo
quando se diz ou se faz em outros paizes, contra a liberdade da
imprensa, contra a reforma dos abusos públicos, e contra a
felicidade dos povos. Assim, na Gazeta, N°. 264, se publicou
uma falia feita nos Estados Geraes dos Paizes baixos, contra a
liberdade da imprensa, mas nupca se copia a menor palavra do
que a seu favor se tem exposto no Parlamento Britannico.
Se naÕ fosse este estudado systema, de querer argumentar com
Miscellanea. 677
os erros alheios, para desculpar a própria ignorância, quando
o Governo de Lisboa manda inserir na sua Gazeta o decreto in
concludente do miserrimo Governo de Napoies, contra os Pedrei-
ros Livres, deveria fazer saber a seus povos, que o Principe
Regente da Gram Bretaaha, acabando de ser Gram Mestre dos
Framaçoens em Inglaterra, assumio o tituio de Patrono da Socie-
dade. Que El Rey de Suécia foi também Gram Mestre da Ordem
até que subio ao throno, e deixou entaõ aquelle lugar, que
ja naõ podia exercitar, pela sua qualidade de Rey, e tomou
o cargo honorífico de Protector da Sociedade. Que o Im-
perador de Rússia, sem duvida um dos mais illuminados sobe-
ranos da Europa, naÕ só he Framaçon, mas favorece a or-
dem mui particularmente. Que El Rey de Dinamarca igual.
mente se porta para com os Framaçoens. Alem disto o im-
menso numero de príncipes Alemaens, todos os da Familia Real
de Inglaterra; e inuumeraveis Nobres de primeira ordem, e
personagens he todas as Jerarchias, que se acham alistados
Framaçoens. Em nada disto falia a Gazeta de Lisboa ; mas
achou, que éra argumento irrespondível o decreto do Rey de
Napoies.
Mas a explicação deste absurdo acha-se, no plano de dar
ao apóstata Joze Agostinho o aportunidade de fallar contra os
Pedrerios Livres, pára iovolver nisto os deportados da Septem-
brizaida, cujos trabalhos e perseguiçoens se querem assim in.
directamente justificar. Porém naÕ he com os escriptos do
energúmeno, que o Governo de Lisboa pôde lavar tam negra
nodoa. Se entre os deportados havia Framaçoens, e se as leys
de Portugal fazem disto um crime, mandassem processar os
réos, provassem o facto, e impuzessem-lhe a pena da ley.
Os castigos ainda continuam, depois de tantos annos de per-
seguição ; e por toda a razaõ naõ faz o Governo mais do que
permittir, que elles sâjam atacados em sua reputação, com os
mais atrozes insultos de accusaçoens vagas nos escriptos do
energúmeno, negando ao mesmo tempo aos injuriados toda a
occasiaõ de se justificarem. Tal he a impartialidade com que
os Governadores do Reyno administram a justiça ; e diz o
VOL. X V I I . N o . 102. 4 s
678 Miscellanea.
energúmeno, que j a o enjoa ouvir fallar na injustiça, que con-
tinuam a soffrer os deportados : mas no poema dos Burros naõ
se falia.
PAIZES-BAIXOS.
O Ministro das Finanças apresentou aos Estados Geraes,
aos 5 de Novembro, as suas contas de receita e despeza, para
o anno seguinte. As despezas do anno de 1816, fôram fixadas,
pela ley de 11 de Fevereiro, em 82 milhoens de florins: o Mi-
nistro propõem agora, para o anno de 1817: 73:400.000 fio.
rins somente ; na seguinte forma.
Casa Real 2:600.000
Corporaçoens, differentes da Administração 1:184.000
Repartição do Secretario d'Estado 306.000
- dos Negócios Estrangeiros 856.780
da Justiça , 3:000.000
. do Interior 1:850.000
. Protestantes e mais cultos 1:300.000
Culto Catholico 1:800.000
. , — Educação publica 1:200.000
— — — Finanças, incluindo juros da divida pu-
blica 24:750.000
Marinha 5:000.000
Exercito 23:000.000
. Diques, canaes, obras publicas 4:500.00o
•• .. Commercio e Colônias.. 1:239.457
Despezas imprevistas 813.763
RÚSSIA.
SAXONIA.
WURTEMBERG.
El Rey de Wurtemberg falleceo; e foi succedido pelo
Principe seu filho. A obstinação, com que o Rey defunto se
tinha opposto aos Estados do Reyno, tinha trazido aquelle
paiz á uma situação mui perigosa ; porém com a morte d'EI
Rey devem os negócios públicos mudar muito de face.
O actual Rey, quando Principe, servio varias vezes de me-
dianeiro entre seu Pay e os Estados; e parece, que o theor
geral de suas ideas naÕ tem a mesma tendência ao despotismo,
que mostrava o Rey defunto.
Miscellanea. 683
CONRESPONDENCIA.
POLÍTICA.
Regulamento
Para organização do Exercito de Portugal.
Artigo I.—Organização do Exercito.
§ I. O exercito será composto.
At 1 General em Chefe, que o de 12 Batalhões de Caçadores.
commandará. de 12 Regimentos de Cavallaria.
de Tenentes Generaes. de 4 Regimentos de Artilheria.
de 16 Marechaes de Campo. de 1 Batalhão de Artífices En-
de 24 Brigadeiros. genheiros.
de 62 Officiaes de Estado Maior, de 3 Companhias de Artilheiros
de Ajudantes de Ordens, ou Conductores.
de Campo. de 1 Companhia de Guias,
de 1 Corpo de Engenheiros. de Estado Maior das Praças,
de 24 Regimentos de Infanteria.
V I I . Os Regimentos de Infanteria, e Batalhões de
Caçadores, estarão regularmente formados em 6 Divi-
sões e 12 Brigadas, que teraõ os seus Chefes correspon-
dentes.
§ 111. Os Regimentos de Cavallaria estarão forma-
dos em 6 Brigadas com os seus respectivos Chefes, e se
unirão em Divsisões quando necessário for ; reservando-se
para essa occasiaõ a nomeçaõ dos Generaes, que devam
commandar Corpos desta Arma, maiores do que Bri.
gadas.
S IV- A Artilheria estará regularmente formada em
Regimentos, collocados como melhor parecer, para a sua
instrucçaõ, e serviço. N a occasiaõ em que se reunir o
Exercito, ou parte delle, se destacarão desta as Baterias
Ligeiras que parecer, e se uniraõ ás Divisoens de uma e
outra Arma.
§ V. Os Officiaes Generaes seraõ, por via de regra,
•rapregados na fôrma seguinte:
4u2
692 Politica.
Em Ajutante General 1 Em Commandantes ou Generaes
Em Quartel Mestre General I de Provincia . . 7
Em Inspectores Geraes 5 Em Generaes de Divisão 6
Em Chefe de Engenheiros 1 Em Generaes de Brigada 18
§ VI. Haverá, além destes, outros empregados nas
Praças principaes, que pela Ley, estabelecida a este re-
speito, podem ter por Governadores Officiaes Generaes.
§ VII. Todos os Generaes, que naõ estiverem empre-
gados nas CommissÕes acima declaradas, seraõ reputados
naõ empregados.
§ VIII. Os Generaes, que excederem o numero de-
terminado no §. 1. seraõ reputados aggregados.
1:552 24 37:24S
Politica. 697
Composição de um Batalhão de Caçadores.
Estado Maior. Vem 4
Tenente Coronel 1 Ajudantes Sargentos 1
Major . 1—2 Quartel Mestre Sargento 1
Pequeno Estado Maior. Capellaõ 1
Ajudante 1 Cirurgião Mór 1
Quartel Mestre 1 Ajudante de Cirurgia 1 T
Sargentos de Brigada ou 2
7 2
4
N. B. Os dous Alferes, que excedem o numero dos das Companhia»,
saõ destinados pára levar as Bandeiras, que seraõ sempre conduzidas
pelos dous Alferes mais modernos em lugar dos Porta-Bundeiras,
que ficara supprimidos.
Coronheiro 1
Espingardeiro 1
Mestre de Musica 1
Músicos 8
Cometa Mór 1— 12
Officiaes das Companhias.
Capitães 6
Tenentes 6
Alferes 12— 24
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos 6
Segundos Sargentos 24
Furrieis 6— 36
Cabos de Esquadra 36
Anspeçadas 36
Soldados 628—600
Cometas 12 B. H.
693 12 8:316
8 3 8 7
Capellaõ • * 1
Cirurgião Mór . 1 1
Ajudante de Cirurgia • 1
Picador • « 1
Trombeta Mór
Selleiro • 1 1
Coronheiro 1
Espingardeiro • 1
Officiaes das Companhias
Capitaens . 8 8
Tenentes . 8 8
Alferes 8— 24 8- 24
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos . 8 8
Segundos Sargentos . 8 8
Furrieis 8— 24 8- 24
Cabos de Esquadra 32
Anspeçadas . 32
Soldados 448—512 446
Trorabetas 8
Ferradores 8— 16 16
H 595 C 331
276
Recapitulaçaõ.
24 Regimentos de Infanteria
12 Batalhões de Caçadores Cavallos
12 Regimentos de Cavallaria 6:372
4x2
700 Politica.
4 Regimentos de Artilheria 3:568
1 Batalhão de Artífices En- Cavallos, ou
genheiros muares 6X1
4 Companhias de Artilheiros
Conductores 400 27 6
C. 6:772 H. 57:229
Commandantes de Companhias.
Sendo Capitão 10:000
Subalternos 5:000
§ II. O Ajudante General, e Quartel Mestre General,
e o Secretario Militar vencerão as Gratificações, que lhes
tocarem, segundo ás suas Graduações, além dos cincoenta.
mil réis que tem por estes empregos.
haõ os mais velhos, e peio menos uma quarta parte dos que
excederem á idade marcada.
Dos Officiaes.
§ I I . Tendo o Alvará de 16 de Dezembro,de 1790, de-
terminado o limite maior das recompensas por via de re-
forma, que deveriam obter os Officiaes do Exercito, na es-
perança de que todos se fizessem igualmente dignos de uma
similhante graça; e tendo depois mostrado a experiência,
que de uma similhante igualdade, resultava prejuizo ao
Serviço, e injustiça para os que serviam com distineçaõ,
ficará o sobredicto Alvará entendendo-se d'aqui por diante
na fôrma seguinte.
" Seraõ reformados pela tarifa determinada no referido
Alvará todos os Officiaes, que se impossibilitarem do Ser-
viço por feridas adquiridas na guerra, e aquelles que, por
um merecimento distincto no cumprimento dos seus deve-
res, merecerem uma reforma com distineçaõ : a reforma de
lodosos outros será graduada conforme o seu merecimento,
ficando o General em Chefe encarregado de propor as
reformas com attençaõ ao que fica dicto, e aos annos de
serviço de cada Official."
5 B 2
732 Politica.
B et V
O ?o
E
Quartéis Propostos. *T3
CO 93
CQ
To 3
o «
tf
í Belém.
'••1
-L
1*. i 19
'Caçadores 5
Cascaes.
Feitoria.
Lagos. >l'
2a. J 14 Tavira.
l Caçadores 4 Mertola. 4-.J
Braga.
8*. •! 15 Guimarães. I
t Caçadores 6 Penafiel.
Torres Vedras.
4'. i 13
t Caçadores 9
s
Peniche.
Lourinhã.
Extiemôz.
J
5*
r Monte Mór o NOTO. *1
5'. \ 17 Portalegre.
l Caçadores 1 Oliveira de Azimeis. >3*.
6 Porto. I
r
6*. \ 18
Feira. 9*.J
Setúbal. 6
7' \
{Caçadores 11
16
'Caçadores 2
Santarém.
Thomar.
Castello-Branco.
1 >4*.
8
r Abrantes. I
8*. I 20 Fundaõ. 10*. J
{Caçadores 7 Vianna. 7*1
$ 9 Caminha.
9*. I 21 Ponte de Lima.
4
>5*
^Caçadores 12 Figueira.
10 Leiria. I
.1 22 Aveiro.
Caçadores 10 Vizeu.
ll Lamego.
C
11*. 1 23 Trancozo.
£ Caçadores 8 Chaves. >6*.
c 12 Bragança.
12*. 1 24 Villa Real. 12-J
(Caçadores 3
( 733 )
Quartéis propostos.
n E
M
HESPANHA.
WURTEMBERG.
LITERATURA E SCIENCIAS.
PORTUGAL.
Saio á luz o primeiro folheto da nova obra de Joz«
Daniel Rodriguez da Costa, intitulada a Roda da For-
tuna. Lisboa.
MISCELLANEA.
* Socr. liv. 4. cap. 19. Sozom. liv. 6. cap. 35. Fleury Hist.
Eccles. tom. 4. liv. 16. § 29. Diction. Hist. Vid. Valens.
t Naõ há paixaõ, que se commnuique ao povo com mais acceie-
raçaõ do que o fanatismo. E vós tratando a Sociedade dos P. L.
como uma seita a mais odioza do mundo naõ tendes outro fim, que
preparar o povo á uma guerra civil. Os suecessos passados saõ
quadros onde podeis ver pintadas as calamidades futuras. Uma ir-
rupção á Portugal pelo inimigo facilitaria mais a sua conquista pela
matança, que o povo faria nos seus Concidadãos, do que pela força
das armas. Muitos fanáticos como vós gritariam :—Morraõ os P. 1,
e os Jacobinos.—A guerra seria contra pertendidos culpados; e o ini-
migo entraria á passo largo, e calcando cadáveres á conquista do
Reyno. Dou por testemunhas os espectaculos horríveis do Porto,
e Braga. Sois um vassallo fiel.' Os que permittem a publicação
dos vossos Folhetos podem intitular-se os Defensores da Pátria, cs
Protectores da Naçaõ, e os amigos do Príncipe i
Miscellanea. 759
naquellas idades tenebrozas, em que o espectaculo de ho-
mens ardendo nas fogueiras regozijava olhos, e corações
ferinos. Os escarneos a que ajuntastes revoltantes insultos
viraõ a ser algum dia o vosso tormento. N o leito da
morte a vossa alma devorada de pezares amargozos, e
remorsos penetrantes clamará pela Mizericordia de Deos,
que agora desprezaes com a vossa obtinada perseguição.
Tendes semeado calumnias ; que esperaes recolher ? O
que se alegra com a ruína de outrem naõ ficará sem
castigo.*
Hé indespensavel naÕ só ao ChristaÕ, mas á todo o ho-
mem, que consulta a consciência, e a probidade julgar
das couzas como ellas saõ em si, e naõ por apparencias,
ruídos vagos, e por prevenções de inveja, e de ódio.
Nada pode dizer-se de solido, e de crivei sobre ura as-
sumpto, que se ignora.t Quando se falia sem a verdade
por guia, o declamador se enreda num tecido de mentiras,
e de erros. O edificio naÕ pode subsistir sem um funda-
mental alicerse. O conhecimento hé a baze do discurso.
Se este conhecimento falta, tudo quanto se profere hé
irrizorio, e desprezível. Se regulasseis pela verdade as
vossas expressões, naÕ farieis apparecer no mundo uma
caterva de sofismas, de imaginaçoens aéreas, e de calum-
nias tantas vezes repetidas^ e outras tantas victorioza-
mente refutadas.
+ Montesquieu: Jje TEsprit de3 Loix: tom 3. liv. 24. cap. 14.
* A Sociedade dos t \ L. íeni-se enganado muitas vezes na escolha
dos seus membros, mas is',o nada. prova coutra a pureza da sua insti-
tuição ; alias dever-se-hia applicar o mesmo argumento á todas »s
Corporações Religiosas, e ás mais santas Instituições: n'uma e n'ou-
tras tein apparecido homens fracos, ambiciosos, caluinuiadores, e
Apóstatas, que vendo-se conhecidos, e desmascarados, o seu ódio os
arrojou a serem os perseguidores da mesma Mãy, que os protegia, e
alimentava. A Historia tanto Ecclesiastica, como profana nos apre-
senta destes quadros revoltantes. O medo, a inveja, e a vingança,
que em todos os lempos tem sido o movei do coração do homem, e
a causa de todos os seus delírios, e criminosos attentados, apoderan-
do-se igualmente da Maçonaria, produzio entre ella os Barrueis, e os
Apóstatas que levautand<<-lhe os mais falsos testemunhos ; tem per-
tendido indispor todos os Governos contra taõ respeitável Ordem.
A perseguição fez apparecer destes miseráveis taõbem em Portugal,
uo meio da sua revolução; os seus nomes j a suõ conhecidos, porem
a Posteridade os saberá algum dia, para os olhar com o desprezo,
• exacraçao, que elles merecem.
5 H 2
780 Miscellanea.
a expulsão. Para ser admittido sempre precede um rigo-
roso exame sobre a conducta moral do Candidato; e a
sua immoralidade hé um titulo o mais forte, e decisivo
para a sua inadmissaõ.
Hé uma calumnia affirmar, que entrando na Sociedade
se muda de Religião, e se abraça nma seita. Que há
muitos seitas nos Ajunetamentos Maçonicos, e que ali
entraõ muitos, que professaõ a Religião Catholica, hé
uma verdade, que naõ exige prova. Mas hé precisa
muita ignorância no espirito do homem para a fatua per-
suasão, de que possa subsistir á tantos séculos uma Socie-
dade, em que os membros delia naõ estaõ de accordo sobre
os sentimentos de Religião. J á vos fallei sobre este as-
sumpto na minha resposta ao vosso Opusculo: Agora am-
plificarei as razões, que saõ uma prova convincente para
todo o homem attento, e sensato. Ou nesta Sociedade se
disputa sobre a crença, que cada um professa, ou sobre
esta matéria há um profundo silencio. N o primeiro caso
eada um julgando preferível a sua fé, principiariaõ reci-
procas disputas, inflamar-se-hiaõ os ânimos, nasceriaõ os
duellos, e em pouco tempo a Sociedade seria dissolvida de
um modo estrondozo. Lede a Historia da Igreja, e vereis
que as contendas sobre a Religião tem sido mais funestas,
e tem feito correr mais sangue á humanidade do que as
guerras dos heroes ambiciosos. No segundo caso, o ob-
jecto da Sociedade he sobre um bem pacifico. O amor
fraterno, esuas irmãas a caridade, e a beneficência saõ vir-
tudes do homem religioso, e sociavel. Estas virtudes,
que ali o veneno das paixões naõ infecta, tem um exerci-
cio útil em socorro, e alivio da humanidade.
Parece-me ter dado em geral uma plena refutaçaõ aos
vossos folhetos. Responder em particular á cada uma
das inepcias, que ali estaõ dispersas, naõ hé de um carac-
ter sizudo; e eu lamentaria a perda de tempo taõ mal
applicado. Só me resta dar-vos alguns conselhos, que
Miscellanea. 781
me parecem saudáveis, e necessários. Tendes infamado
horrivelmente uma Sociedade de homens, que naõ tem
outro fim senaõ fazer bem â familias consternadas ; cujo
symbolo hé a caridade, principal virtude da Religião;
cuja beneficência tem chegado por muitas vezes ao excesso
de se privarem os Sócios de uma grande parte dos seus
bens para arrancar innocentes a castigos injustos: Tendes
deitado no seu caracter as mais negras cores, querendo
que o mundo os olhe como traidores á Pátria, Vassallos
infleis, sem Religião, e sem probidade. Vacillo muito se
os remorsos, que agora naõ sentis, mas que vos estarão
devorando no leito da morte, seraõ capazes de suspender a
Justiça de Deus. Temes, que preferindo o interesse á sal-
vação, naÕ appareça escrita na vossa alma em caracteres
indeléveis esta formidável sentença. E de que serye a ura
homem o ganhar todo o mundo â custa de si mesmo, e
perdendo-se a si mesmo ?*
Acabo pedindo-vos, que deis toda a consideração ás
palavras seguintes filhas da eterna verdade, que hé Deus.
O homem, que naõ modera a sua lingua naõ será bem
succedido na terra. O homem injusto achar-se-há oppri-
mido de males na morte.t O que anda buscando como
fará ma], será delle oppriinido.J Sabei, que as vossas
obras, se hé que merecera este nome, em pouco tempo se
riscarão da memória, e teraõ a mesma sorte dos fogos vo-
lantes, que na afomosfera lançaÕ um falso claraõ, e de re-
pente desaparecera. Porque o homem dar-se-há a conhe-
cer pela sua doutrina; mas o que hé vaõ, e naõ tem senso
* Doctrina sua noscetur vir: qui autem vauus et excors est, pa-
tebit contemptui. Prov. cap. 12. v. 8.
Miscellanea. 783
Refiexoens sobre as Novidades deste Mez.
REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
ALEMANHA.
ESTADOS U N I D O S .
FRANÇA.
O Governo Francez, depois de haver convocado nma Câ-
mara de Deputados á sua satisfacçaõ, tem promovido a pro-
mulgação de leys, que, se dirigem a estabelecer gradualmente
aquelle despotismo constitucional, que éra objecto das queixas
dos Francezes antes da Revolução, e que fez o nome de Napo-
leaõ detestado em toda a Europa. A estes projectos se tem
opposto o partido chamado ultra-realista, o que he bem admi-
rável, vistos os principios que professa este partido, e os que
impugnavam muitos dos membros que compõem agora o Go-
verno. Veremos isto nos tres seguintes projectos de ley.
1°. Sobre a liberdade do indivíduo.
" Art. 1. Todo o individuo accusado de fazer planos oa
conspiraçoens contra a pessoa d5El Rey, segurança do Estado,
ou pessoas da Familia Real, poderá, até a expiração da pre-
sente ley, e sem que seja levado ante os tribunaes, ser prezo e
detido, em virtude de ordens assignadas pelo Presidente do
nosso Conselho de Ministros, edo nosso Ministro Secretario de
Estado da Policia Geral.
" Art. 2. Todos os Carcereiros, e guardas de prisoens seraõ
obrigados*a transmittir ao Governador d'El Re-y, dentro em
24 horas, depois de haverem recebido alguma pessoa, preza em
conseqüência do artigo precedente, uma copia da ordem de
prizaõ»: o Procurador d'El Rey ouvirá immediatamente a
parto, se ella desejar ser ouvida; escreverá minutas de suas
5 K 2
796 Miscellanea.
declaraçoens, receberá as suas representaçoens e seus docu.
mentos, e remetterá tudo, por via do Procurador Geral, ao
Ministro de Justiça, para ser participado ao Conselho d'El
Rey, que decidirá sobre isso.
" Art. 3. A ley de 23 d'Outubro, de 1815, he abrogada.
As medidas adoptadas em execução da dieta ley deixarão de
ter effeito, um mez depois da promulgação da presente ley, a
menos que outra cousa se determine, nos casos e debaixo das
formas da presente ley.
" Art. 4- A presente ley deixará de ter effeito, no 1°. de
Janeiro, de 1818."
A isto chamam os ministros Francezes projecto de ley sobre
a liberdade do individuo; determinando que os indivíduos ob-
noxios aos Ministros possam ser prezos sem processo; e que
as suas representaçoens e documentos sejam entregues ao Pro-
curador Geral; isto he aquelle A vogado d'EI Rey, que. no
caso de processo, tem de ser o accusador do prezo. Nenhum
Portuguez, que conhece a equidade da legislação de sua Pátria,
deixará de fazer aqui a comparação das duas legislaçoens, e
tirar a conclusão do quanto os Francezes trabalham por dar
passos retrogados, do estado de civilização, para o de barba,
rismo.
2 o . Projecto de ley. Liberdade da imprensa.
" Art. 1. NaÕ se poderão publicar gazetas, nem outras
obras periódicas, sem authoridade d'El Rey.
" Art. 2. A presente ley deixará de ter effeito, no 1 \ da
Janeiro, de 1818."
Quanto a esta liberdade da imprensa Franceza, escusamos
dizer mais nada, senaõ recommendar ao Gazeteiro de Lisboa,
que copie isto para a sua Gazeta, como exemplo digno de imi-
tação ; e prova da bondade da Administração de sua Pátria,
no que respeita a liberdade da imprensa.
3 o . Projecto de ley. Confiscaçaõ dos escriptos prohibidos,
" Quando, em virtude do artigo 15, da ley de 24 de Outu-
bro, de 1814, se confiscar ou aprehender alguma obra, a or-
dem e minutas da aprehençaÕ seraõ, sob pena de nulidade,
Miscellanea. 797
notificadas, dentro em 24 horas, á parte, a qual poderá, dentro
em tres dias, proceder em opposiçaõ.
" No caso de opposiçaõ o Procurador d'El Rey usará de
toda a diligencia para decidir, dentro de uma semana desde a
data da opposiçaõ, sobre a confiscaçaõ.
" Depois da demora de uma semana, se a confiscaçaõ naõ
for mantida pelos tribunaes, ficará de nenhum effeito. Todas
as pessoas, em cujo poder se tiver depositado a obra aprehen-
dida, seraõ entaõ obrigadas a entregalla aos proprietários."
Este ultimo projecto, pelo menos he conseqüente com os
outros; o que aconteceo bem diversamente em Hespanha n um
caso que vamos a referir. Flores Estrada, um dos membros
das Cortes Extraordinárias, foi processado em Cadiz, estando
auzente, por haver publicado varias obras de grande perigo,
aonde se mantinham heresias (as obras de Estrada nem uma
palavra trazem sobre Religião) e principios democráticos;
sábio o author por isso condemnado a morte, confiscaçaõ de
bens, e que as suas obras fossem aprehendidas e queimadas.
El Rey confirmou a sentença; excepto no que respeita as
obras, que se naÕ aprehenderam nem queimaram ; posto que o
perigo de suas doutrinas fosse o único motivo da sentença, e
condemnaçaõ do Author.
Porém voltando aos negócios internos da França, achamos
outro projecto de ley, que he igualmente importante, e regula
o modo das eleiçoens para os membros da Câmara dos Depu-
tados. Segundo esta ley se extinguiram os collegios Electo-
raes; e se elegerão os Deputados immediatamente pelos votos
das pessoas, qualificadas a votar; que seraõ todos os homens
do districto, que tiverem chegado á idade de SO annos, e paga-
rem tributos directos annualmente na somma de 300 francos :
calcula-se que o numero de taes pessoas naõ excederá, em toda
a França, 140.000.
O projecto para facultar aos estabelecimentos ecclesiasticos
a acquisisicaõ de bens moveis e de raiz, passou em ley na se-
guinte forma:—
Art. 1. *« Todos o Estabelecimentos Ecclesiasticos, reco.
798 Miscellanea.
nhecidos pela ley, poderão, com a authoridade d'EI Rey, acei-
tar toda a propriedade movei, ou pensoens vitalícias, que lhes
forem concedidas por escriptura, durante a vida das partes,
ou deixadas em testamento.
2. " Todos os Estabelecimentos Ecclesiasticos poderão tam-
bém, com a authoridade d'El Rey, adquirir propriedade immo-
vel ou pensoens vitalícias.
3. " A propriedade immovel, ou pensoens vitalícias, perten-
centes a algum Estabelecimento Ecclesiastico, seraõ possuídas,
in perpetuum, pelo dicto Estabelecimento, e seraõ inaliená-
veis, a menos que a alienação se faça com authoridade d'El
Rey."
A impolitica de conceder ás corporaçoens de maõ morta
bens de raiz, he tam conhecida de todos os Governos, que pa.
rece ser esta medida dos Francezes feita de propósito, como nm
dos passos necessários, para fazer retrogradar o estado de ci-
vilização daquelle paiz. Nem se poderá dizer, que esta objec-
çaõ contra as acquisiçoens de bens de raiz pelas corporaçoens
de maõ morta, seja filha das ideas da revolução chamada Fran-
ceza; pois muito pelo contrario achamos na legislação de
quasi todas as naçoens Europeas, regulamentos tendentes a im-
pedir este conhecido mal da possessão de bens immoveis nas
corporaçoens de maõ morta; e, para naÕ irmos mais longe, em
Portugal sempre os Soberanos se esforçaram por acudir a isto
deste tempos mui antigos, como se vê pelas disposiçoens da
Ley Mental; posto que os obstáculos, que se encontravam nos
custumes religiosos do povo, fossem mui difficultosos a vencer.
A revolução, na França, cortou o nó Gordio, e agora El Rey,
em vez de se aproveitar de um successo, que naõ fôra condu-
zido por elle, e que por tanto lhe naÕ podia attrahir o ódio
dos religiosos, tornou a pôr as cousas naõ só antigo estado em
que estiveram, mas ainda em peior condição.
A mais singular circumstancia na adopçaÕ destas medidas,
para estabelecer o poder arbitrário, he o serem todas ellas pro.
postas pelo partido do Governo, composto de pessoas a quem
os seus antagonistas chamam Jacobinos e Democratas; e serem
Miscellanea, 799
estas medidas oppostas pelo partido a que os Ministeriaes cha-
mam Ultra-realistas, e favorecedores do Despotismo.
A opposiçaõ, porém, ao Governo naõ se limita meramente
ás discussoens nas Camarcas, ou intrigas fora dellas; porque
em La Vendeé tem os Ultra-realistas actualmente recorrido ás
vias de força e violência, para se oppôrem a El Rey e seu Go-
verno, como consta das proclamaçoens, que ambos os partidos
tem publicado a este respeito. Acha-se á frente da insurrei-
ção em La Vandée um M. Menars de St. Jean, Inspector de
Guardas Nacionaes, que se diz ser protegido de Monsieur. Os
partidistas deste bando constam principalmente da nobreea
pobre, e camponezes, que parece naõ terem outro plano fixo,
mais do que destruir as propriedades, que se chamam dos bens
nacionaes vendidos ; e algumas vezes roubando também os
viajantes, carruagens de posta, &c.
Este desarranjo interno da França tem naturalmente produ-
zido tal desfalque nas Finanças, que se dá por certo achar-se
o Governo Francez absolutamente impossibilitado de poder
pagar as contribuiçoens ás Potências Alliadas, nos períodos
estipulados. A conseqüência desta falta, diz o rumor, que tem
sido uma discordância de opinião entre os Aluados, querendo
algums, e oppondo-se outros, a que se perdoe ou demorem os
pagamentos da Contribuição Franceza.
Estes rumores parece confirmarem-se, pela repentina che-
gada do Duqne de Wellington a Londres, aos 26 de Dezem-
bro; naõ podendo esta viagem deixar de ter por fim negocio
importante relativamente á França, e ás tropas alliadas, que
o mesmo Duque commanda. O que se suppoem mais provável
(porque o que na realidade he ainda se nao fez publico) he
que El Rev de França, inhabilitado para pagar as contribui-
çoens aos Alliados, pede que se retire da França parte do ex-
exercito ali postado, para o proteger; mas que algumas das
Potências Alliadas saõ de opinião, que se deve continuar toda
aquella protecçaõ ao Rey de França, quer elle a queira quer
naÕ.
gOQ Miscellanea.
HESPANHA.
RÚSSIA.
CONRESPONDENCIA.
5L2
804 Conrespondencia.
aquelle systema de igualdade, que deve reunir a todas as Nações do
Mundo em uma perfeita harmonia.
Assim como cada uma das Nações deve procurar todos os meios
de firmar sobre as mais sólidas bazes uma estável felicidade, prote-
gendo sempre a sua própria causa, da mesma sorte os habitantes de
qualquer Colônia se devem empenhar em promover a felicidade do
seu próprio Paiz. Deveriam todos os Soberanos reputar por um
crime digno de exemplar castigo a relaxada, e indisculpavel omissão
daquelles, que, abuzando das rigorosas obrigações do seu Ministé-
rio, naõ fossem activos em acautelar os males de um Povo inteiro;
intercedendo por elle aos mesmos Soberanos em casos de extrema
necessidade, que exigem um prompto, e efficaz remédio naõ só para
melhorar a desgraçada sorte do mesmo Povo, mas taõbem para evi-
tar a decadência dos interesses do Estado.
Fundada sobre estes sólidos principios a Câmara desta Cidade fez a
S. M. El Rey Nosso Senhor a reprezentaçaõ, mencionada no Informe
dado em sua Carta ao Reverendo Padre Joaõ Quaresma Caldeira da
Silva, cuja Carta a mesma Câmara mandou ao dicto seu Procurador,
para com ella se poder dirigir na Corte do Rio-de-Janeiro em tudo
aquillo que fosse relativo á mesma reprezentaçaõ. A causa, que a
moveo a levar aos Pés do Throno taõ justas deprecações, he de
tanta ponderação como se manifesta da mesma Carta; e se o rezul-
tado dellas corresponder aos desejos de taÕ providente corporação,
a Madeira recobrará a sua antiga prosperidade, e as Rendas da Real
Fazenda deste Estado, sem a menor vexaçaõ do Povo, viraõ talvez
a ser o duplo do que prezentemente se pôde liquidar.
O Povo desta Ilha, infelizmente reduzido á mais deplorável situa-
ção, tanto pelos flagellos da natureza, como pela excessiva carestía
dos viveres, oceasionada pelas tristes revoluções do Mundo, e muito
principalmente pela guerra da America, naõ vê em torno de si mais
do que os funestos desassocegos que nascem da mísera indigencia :
no meio do immenso turbilhão de infelicidades, que por todos os
lados o perseguem, elle a penas tem a consolação de que o seu Be-
néfico, e Augusto Soberano, naõ deixará de concorrer para a salva-
ção de taõ importante porçaõ dos seus fieis Vassallos, auxiliando a
justa causa do seu Povo, e ao mesmo tempo a sua própria causa.
Baldados naõ seraõ por certo os esforços de uma Câmara taõ cir-
cunspecta, pois que ella justamente se lizongêa de ter dado um taÕ
vantajoso passo para conservar a ramificação do bem publico da
Terra de que tanto depende a prosperidade da Real Fazenda deste
Estado.
6
Conrespondencia. 805
Prodigalizar benefícios a quem os naõ merece, nem pelos seus tra-
balhos, nem pelas suas luzes, nem pelas suas virtudes, só serve de
acostumar os homens a uma perpetua desmoralização, que necessa-
riamente ha de perverter a ordem politica da Sociedade, pois jul-
gando-se os ignorantes, e os indolentes com os mesmos direitos que
os sábios, e os activos, para alcançarem o prêmio devido ás Scien-
cias, e ás fadigas, procuram unicamente exercer empregos que elles
naõ podem por si mesmo desempenhar, atraiçoam os direitos daquel-
les que, por uma continuada serie de trabalhos, os tem merecido,
entregam-se á mais crassa ignorância, e só se esforçaõ em adquirir
aquellas honras, e aquellas riquezas, que por titulo algum lhes po-
dem pertencer: mas quando, pelo contrario, se premia o zelo, a
sciencia, e a actividade dos bons Vassallos, estimula-se com este sau-
dável exemplo a todos os coraçoens susceptíveis de uma bem mere-
cida gloria para a adquirirem por aquelles meios de honrosos traba-
lhos, a que se devem dedicar todos os homens para se fazerem úteis
a si, e precizos ao Estado. E quem mais merece uma proporcio-
nada recompensa ao seu zelo, e á sua actividade do que os filhos da
Madeira ? Quem mais do que elles tem desejado promover uma agri-
cultura de tanta fadiga, e taõ dispendroza como interessante às
Rendas de S. M. ? Qual he o Povo, que, à imitação deste, queira ar-
riscar tanto a sua própria vida propondo-se em lugares os mais peri-
gozos a beneficiar aquelles terrenos onde com os seeulos tem fugido
a terra, as plantas, e a vegetação ?
Se a verdade incontestável de que a Ilha da Madeira só pelo ex-
cessivo trabalho, e despeza que exige a sua agricultura, sempre me-
receo que os nossos Augustos Soberanos prodigalizassem beneficies
a todos os seus habitantes, eximindo-os de pagarem uma grande
parte daquelles tributos, que sempre tem sido impostos aos outros
Vassallos dos seus Reynos, e mais Dominios de Portugal; que naõ
devemos nós esperar nas actuaes circunstancias, em que todo este
Povo se acha por extremo opprimido com os numerosos males, que
sobre elle tem recahido desde a espantosa alluviaõ de 9 de Outubro,
de 1803. ? Foi ella que deo principio a uma enorme maça de fataes
suecessos, que parece ter tocado o ultimo extremo das causas natu-
raes contrarias ao augmento, e prosperidade da cultura desta Colô-
nia, e os fracos esforços de todos os seus habitantes j á naõ podem
impedir a sua total ruina. i Que poderão elles fazer era beneficio de
taõ importante agricultura, se ainda naõ poderam apagar o ferrete
da fome, marcado sobre o seu semblante pela escacez, e carestia,
806 Conrespondencia.
antes de dia em dia tem visto desvanecidas todas as esperanças do
seu melhoramento? ; Em que pobreza senaõ ha de achar este nume-
roso Povo vendo destruída a maior parte das suas vinhas, única es-
perança da sua felicidade, naõ só por effeito de arrebatadas cheas,
mas ainda muito principalmente pela irregularidade das estaçoens que
com estragadoras nevoas, e furiosos ventos as tem consumido, na-
quelle mesmo tempo em que ellas promeltiain as mais abundantes
colheitas ? * Que ruínas se lhe naÕ tem seguido no decurso de oito
annos suecessivos, em que tem havido as mais escaças colheitas, con-
tando cora a que actualmente se vai colher como uma das mais demi-
nutas destes mesmos annos ? • A que decadência o naõ tem reduzido
as dispendiosas, e mortíferas moléstias, que tem graçado nos habi-
tantes deste Paiz, originadas das bebidas espirituosas de que diaria-
mente usavaõ aqui os soldados Britannicos, que foram as primeiras
victimas destes venenosos liquidos, os quaes até entaõ estavam cos-
tumados a bebêllas em paizes humidos, e demaziadamente frios,
onde he preciza a applicaçaõ de taes bebidas, para a conservação da
vida, e cujo uso neste clima he de terríveis conseqüências para a
saúde Publica, que era qua nto bastava para ser logo vedada a en-
trada dellas, alem do atrazo, que taõbem fazem ao dispendio dos nos-
sos vinhos no consumo interno do Paiz ?
Ninguém pôde verdadeiramente exprimir o estado de decadência
em que se acha este mesmo Povo ; mas para se fazer uma idéa da
sua geral consternação basta dizer-se, que para pararem inteiramente
as pequenas transacçoens, que ainda entre elle se fazem, seria muito
bastante que a Juncta da Real Fazenda deste Estado obrigasse todos
os devedores fiscaes a entrarem immediatamente nos Reaes Cofres
com tudo o que a elles saõ obrigados s pois que isto faria logo ab-
sorver o pouco dinheiro que gyra nesta Praça; porque os prejuizos
dos Rendeiros tem sido excessivos ; e a pezar disso tem feito todos
os esforços possíveis, para sol verem as suas dividas em prazos menos
dilatados. Finalmente por qualquer dos lados que se possa contem-
plar todo este Povo, naõ se encontra nelle se naõ obstáculos insupe-
ráveis, para se poder dar o mais pequeno passo na continuação da
grande cultura desta arruinada Colônia.
Taes saõ os justos motivos porque a Câmara desta Cidade implo-
rou de S. M., em nome de todo este mesmo Povo, a extincçaõ dos
impostos, com que elle absolutamente naõ pôde contribuir sem um
grande vexame seu ; assim como a especialissima graça de só os
filhos desta Terra poderem exercer os O.Ticios e Empregos públicos
Conrespondencia. 807
delia, tanto seculares, como ecclesiasticos, privilegio que por muitas
vezes foi concedido a estes pelos nossos Augustos Soberanos. Nega-
dos que lhes fossem agora estes unicos recursos para melhoramento
da sua a tcnuada existência, que felicidade restaria a os filhos da
Madeira? Abandonando entaõ as Sciencias, e a cultura como objec-
tos para elles inteiramente inúteis, seria para lamentar mais a sua
desgraça doque a de todos aquelles a quem a vizinha morte vai mar-
cando o fatal termo da sua existência.
Só por um nobre estimulo de gloria, que sempre tem sido insepa-
rável da Naçaõ Portugueza, he que este Povo deseja conservar a
cultura da sua vinha, por ser esta a única que produz o vinho mais
superior de todo o Universo ; pois do contrario elle a teria inteira-
mente abandonado, procurando tirar a sua subsistência de outras
muitas producções de que o terreno he susceptível, eque prestassem
mais promptos, e efficazes soccorros á sua necessidade diária - mas
esta mudança seria para as Rendas de S. M. de um prejuizo incalcu-
lável, e para o Povo seria um bem permanente, porque naõ ficaria
sujeito á importação dos gêneros da primeira necessidade, que, alem
de absorverem todo o rendimento deste mesmo Povo, por causada
sua continuada carestía, ainda assim mesmo he preciso que elle faça
penosos sacrifícios na sua sustentação. Tanto por este motivo, co-
mo pela aspereza do local, he por extremo custoso promover a cul-
tura desta Colônia, que em uma grande parte dos annos naõ chega
a render para os gastos que com ella se faz. A única felicidade des-
tes Lavradores he terem bastantes filhos para os empregarem no fa-
brico de suas terras, pois entaõ com menos despeza as beneficiam ;
mas aquelles que os naõ tem, ou a peuas tem algumas filhas, preci-
zaõ muito ser ajudados com algum empréstimo de dinheiro : a estes
inconvenientes acudiam sempre os Proprietários ricos, no que res-
peitava as suas propriedades, emprestando dinheiro aos Colonos de-
suas terras para estes as poderem beneficiar, recebendo o diminuto
interesse de cinco por cento,em quanto naõ estivessem pagos da sua
divida; mas hoje em tanta consternação se acha o rico Proprietário,
como o mísero Lavrador: e só um empréstimo de dinheiro dos
Reaes Cofres a muitos destes mesmos Lavradores poderá pôr a Cul-
tura desta Colônia no seu antigo estado.
Naõ se pode duvidar de que os rendimentos mais sólidos para a
Coroa de Portugal saõ os Dizimos, e «>s Direitos do Commercio,
muito especialmente naquellas terras, cuja producçaõ dominante he
o vinho. Por um calculo escrupulosamente feito, dando-se-lhe sem-
808 Conrespondencia.
pre os maiores descontos, e que foi apprezentado em Juncta da Real
Fazenda deste Estado, para demonstrar a verdade Juncta da Real
que acerca desta importante agricultura deo o Contador Geral da
mesma Real Fazenda, Francisco Joaõ Moniz, cora o intuito de ver
melhoradas as rendas de S. M. por meio de justas, e sabias provi-
dencias; se prova, que cada pipa de vinho rende para a Coroa 54.175
reis, e que por conseqüência o Lavrador interessa tanto a S. M.
quanto se pode interessar a si mesmo, poisque a pouco mais chega
na sua maõ o rendimento de uma pipa de vinho. Ora tendo este
Povo o mais ardente desejo de ver conservada a agricultura, e o
Commercio, do seu Paiz, que tanto inlerressaõ os Reaes Cofres, naõ
merece elle o poderoso auxilio, e a magnânima protecçaõ do seu
Soberano ? ; Por ventura quererá S. M. negar as suas Reaes Graças
a esta Colônia, sempre protegida por todos os seus Augustos Prede-
cessores, e que tem sido a inveja de Nações estrangeiras, deixando-a
naõ só ficar abatida na sua agricultura, mas até mesmo convertida
em um terreno inútil ? Por certo que estes naõ saõ os seus desejos;
como amante Pay dos seus Vassallos naõ quererá ver a desgraça dos
filhos da Madeira, e como recto Monarca naõ deixará de promover
a prosperidade de uma Colônia, que, a pezar de todos os sacrifícios,
sempre tem sabido conservar livre do jugo, e dominio estrangeiro.
Alem da esperança que anima a tudo este Povo, deque se daraõ as
mais promptas, e activas providencias para promover a industria
territorial,naõ se omittindo objecto algum, quepossa concorrer para
este taõ desejado fim ; ser-lhe-hia por extremo grato vêr taõbem
animado, e protegido o Commercio desta Ilha por aquelles mesmos
meios que ainda ha bem poucos annos tanto concorreram para a pros-
peridade delle, e para os interesses da Fazenda de S. M. O dinhei-
ro a Letra, tirado dos Reaes Cofres, dando-se aos Negociantes,
com a segurança que neste cazo se requer, sempre tem produzido
vantajosos eflèitos: com elle lucra S. M. o Cambio, que pôde mon-
tar a uma quantia considerável, segundo fôr o Capital que exigirem
os mesmos Negociantes • augmenta os Direitos ; porque engrossa o
Commercio, e ao mesmo tempo facilita aos Proprietários, e aos
Lavradores a venda do seu vinho, oquecontribue efficazmente para
augmentar os Dizimos, pois achando todos elles quem promptamen-
te lho compre, remedeam as suas precizões, promovem a agricul-
tura, nella trabalhaõ com incansável disvello como a mais segura
origem da sua felicidade; mas sendo esta uma das providencias re-
comendadas pela Ley da Instituição da Juncta da Real Fazenda deste
Conrespondencia. 809
Estado, de 20 d'Agosto de 1775, e que se pôz em pratica no anno de
1776, foi inteiramente terminada no de 1808, pela difficuldade que
entaõ havia do saque das Letras, em conseqüência da intrusão dos
Francezes em muitos Reynos da Europa; e desde aquelle mesmo
anno até o presente, apezar de ter a referida Juncta lucrado para cima
de 308, contos de reis, por ter girado nesta Praça perto de 1:600 con-
tos que ella desembolçou, e arrecadou no espaço de 32 annos nunca
mais se pôs em observância o que a este respeito determina a referida
Ley. Esta Praça sem um tal soccorro falta-lhe muito o gyro da moeda,
pela grande applicaçaõ que delia se faz para a mesma Real Juncta,
e seria de surama importância, para auxiliar as Casas que de novo se
estabelecem, e aquellas aquém a demora das liquidações pode pôr
em demaziada consternação, que se renovasse este mesmo gyro tan-
to interessante a S. M. como útil ao Publico ; naõ devendo servir de
obstáculo o dizer-se que parte dos interesses sempre saõ difficeis de
arrecadar, porque existindo por fora menos da sexta parte dos que
ficara apontados, nunca he uma divida que se deva reputar perdida,
e ainda que assim fosse nada se perdia do principal, e sempre o lucro
ficava sendo vantajoso.
Naõ posso taõbem deixar em silencio o grande damno que rezulta a-
os Povos desta Ilha da perda da maior parte das águas, que nacsem nas
serras, por causa da despeza, que se deve fazer, em as conduzir a lu-
gares que só com o soccorro dellas se poderão fertilizar, para o que
deveria sair dos Reaes Cofres todo o dinheiro que fosse precizo, para
com elle se abrirem novas Levadas, ou ficassem estas pertencendo á
Coroa, para receber os rendimentos das mesmas águas, ou aos pro-
prietários particulares, que se obrigassem á satisfação do referido
dinheiro, como antigamente se fez na tirada de muitas Levadas, qu»
actualmente existem, cujo desembolço, feito em conseqüência da
dous Alvarás do Senhor Rey Dom Joaõ IV. o primeiro de 13 de Sep-
tembro de 1844, e o segundo de 7 d' Abril, de 1654, foi pago com.
promptidaõ pelos respectivos hereos das mesmas levadas, resultando
daqui naõ só o benefficio publico, mas taõ bem grandes interesses &
Real Fazenda deste Estado. Um objecto de tanta utilidade para esta
Colônia, naturalmente árida por causa da sua situação local, naõ dei-
xando o demaziado declive delia conservar pôr muito tempo a precisa
huraidade na terra, nunca deveria ter passado em taõ profundo es-
quecimento. Se alguns dos primeiros passos, que se derem para a
salvação da agricultura desta Ilha, naõ forem taõbem dirigidos ao
rompimento de novas levadas, sempre será tardio o melhoramento
VOL. XVII. N o . 103. 5M
810 Conrespondencia.
ella • e uma grande parte dos Lavradores teraõ continuados motivos
de lamentar a perda do seu trabalho, vendo perecer sem remédio,
nas estações calmozas, como sempre lhes tem acontecido, todas aquel-
las novas plantas que por muito temp o naõ podem subsistir em um
dessecado terreno.
Deveria igualmente fallar circumstanciadamente de outros objectos
de grande ponderação ; mas para que naõ seja censurado dedemazi-
adamente extenso, he precizo que reprima os excessos d'aqueüa
paixaõ que tenho concebido pelo bem da minha Pátria, que de certo
merece os maiores indultos do nosso Augusto Soberano. Disculpe
V. Mcc. o triste desafogo de um afflicto, que entranhavelmente
deseja o bem geral dos seus Compatriotas, e ao mesmo tempo taõ
bem dezeja ser,
De V. Mcc.
0 seu mais attento Servidor,
IGNACIO JOZE CORRÊA DRUMMOND.
O ENERGÚMENO.
Annotações.
(l) Jaz o corpo do delicto em um Sermonario Italiano na
livraria de S. Francisco da Cidade.
(9) A dos Paulistas.
(3) O Exercito da Penha.
(4) Quando sahio de pregar, de S. Izabel, pendindo-lhe esmólla.
(5) Sendo procurado pelo Manique.
(6) Maria da Luz, cômica, de quem era amantarraõ.
(7) No tempo de Lucas de Seabra.
(8) O Sepulveda accuzado na Intendencia de Pedreiro.
(9) Sempre foi seu argumentar.
(10) Seu nome todo verdadeiro he Jozé Agostinho Teigueira.
Feito em 1803.
Respostas a Conrespondentes.
X. P. T. Recebemos todos os papeis; e intentamos publicados,
quando houver opportunidade: pois saõ interessantíssimos para com-
pletar a collecçaõ.
INDEX
DO VOLUME XVII.
©0. 98.
POLÍTICA.
COMMERCIO E ARTES.
Estado decadente do Commercio de Portugal . 28
Contracto do Tabaco . . . ã9
Preços correntes em Londres . • . 4 1
822 Index.
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra p. 49
. Portugal 45
Abertura da Academia em Lisboa 46
Novo Metronomo 47
Economia Politica de Simonde 49
MISCELLANEA.
J0Ü. 99.
POLÍTICA.
COMMERCIO E ARTES.
Edictal da Juncta de Commercio de Lisboa, sobre as reclama-
çoens em França. 153
Observaçoens, sobre o edictal acima . 159
Decadência do Commercio de Portugal . 161
Contracto do Tabaco . 170
Preços correntes em Londres , . 178
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 179
Portugal 181
Descuberta importante para as minas de carvaõ 182
Brazil. Prelecçoens Philosophicas de Ferreira 187
Economia Politica de Simonde 198
824 Index.
MISCELLANEA.
Educação elementar, N°. 5 , p. 205
Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho . 209
IDO* 100.
POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal Algarves e Brazil.
Portaria do Governo de Lisboa; pagamento de reformados , 257
França. Ordenança para convocar as Câmaras 2.9
Index. 825
Nomeação dos Presidentes dos Collegios Electoraes p. 268
Hespanha. Documentos sobre a prizaõ do V. Cônsul Americano 266
Napoies. Documento sobre a disputa com os Estados Unidos 277
Wurtemberg. Decreto aos Chefes das Repartiçoens . 273
COMMERCIO E ARTES.
Portugal. Edictal sobre os regulamentos da Saúde 283
Decadência do Commercio de Portugal 284
Preços correntes em Londres . 295
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas Publicaçoens em Inglaterra 296
Portugal 298
Historia do Brazil. Annuncio ao Publico 300
Economia Politica de Simonde . . 301
MISCELLANEA.
Educação Elementar, N°.6. . . 317
Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho 322
Compromisso do Monte Pio Literário em Lisboa 327
França. Processo do abbade Viuson . 334
Carta do Duque de Otranto ao Duque Wellington 335
Inglaterra. Expedição conlra os Argelinos . 355
JI30. 101.
POLÍTICA.
COMMERCIO E ARTES.
Decadência do Commercio de Portugal , p. 435
Paizes Baixos. Abstracto da nova tarifa 443
Preços correntes em Londres 451
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 452
Portugal . . 453
Economia Politica de Simonde 454
MISCELLANEA.
Educação Elementar, N°. 7""°. 468
0 Investigador e o Espectador . . 472
Compromisso do Monte-pio Literário de Lisboa . 486
Conrespondencia,
Carta sobre o Hospital do Funchal . . . 523
Carta sobre a Espectador Portuguez . . 530
390. 103.
POLÍTICA.
COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco em Portugal . , 585
Novo Systema Comercial , 609
Paizes Baixos. Pezos e Medidas novos 612
Uso nas letras de cambio, como se entende . , 614
Preços correntes em Londres . 616
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra . 6IT
Portugal . . 613
Economia Politica de Simonde . 6i9
MISCELLANEA.
Resposta aos folhetos de Joze Agostinho , . 624
Melhoramentos no porto de Pernambuco . . 628
Exercito Portuguez. Ordem do dia . 631
Hespanha. Ceremonial do casamento d'El Rey . . 640
Hospital de Lázaros, no Para . . , 650
Reflexoens sobre as novidades deste mez , . . 652
Brazil. Inquisição . . . 653
Guerra do Rio-da-Prata . . . . 657
Finanças do Brazil . . 661
Participação na contribuição Franceza . . 667
Exercito de Portugal . . 667
Alemanha . . . 668
Estados Unidos . . . . . 670
França . . . . . . 672
Hespanha . . . . . . . 673
830 Index.
Nápoles p. 675
Paizes Baixos 678
Rússia . 679
Saxonia 681
Wurteraberg 682
Conrespendia. Carta sobre Jozé Agostinho 685
J130. 103.
POLÍTICA.
COMMERCIO E ARTES.
Preços correntes em Londres 741
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicacõeus em Inglaterra 742
Portugal 674
Economia Pofitíca de Simonde 674
MISCELLANEA.
Resposta aos folhetos de Joze Agostinho 757
Conrespondencia.
Carta ao Redactor sobre a Ilha da Madeira 803
Do. Do. a favor do contracto do Tabaco 810
Jozé Agostinho . 818
Respostas a Correspondentes 820