norte-ame-- ricano Everywhere & Nowhere: sendo dinâmico e relevante para as gerações atuais, mesmo em momentos de menor visibilida- Contemporary Feminism in the de das grandes organizações nacionais. Ade- United States. mais, o uso da noção de “gerações” procura superar as dificuldades epistemológicas das REGER, Jo. “ondas” ao permitir situar diferentes grupos de feministas simultaneamente ativos, mantendo New York: Oxford University Press, 2012, entre si relações de cooperação e conflito, conti- 256 p. nuidade e ruptura. A autora analisa dados produzidos em pesquisa de campo junto a três organizações feministas localizadas no Centro-Oeste, na Costa Professora de Sociologia e diretora do Leste e no Noroeste do país. Além de observação Programa de Estudos da Mulher e Gênero da participante, foram realizadas entrevistas com 40 Universidade de Oakland, Jo Reger vem se ativistas, em que se exploraram questões como dedicando, desde a década de 1990, ao estudo definições de feminismo, narrativas sobre o pro- do movimento feminista contemporâneo nos cesso de se tornar uma feminista, semelhanças e EUA. Interessa-se especialmente por compreen- diferenças entre as gerações contemporâneas der como identidades coletivas são construídas e mais velhas de ativistas, objetivos, táticas e nesse movimento, tema de seu livro “Identity Work networks. in Social Movements” (University of Minnesota Na primeira parte do livro, Reger aborda o Press, 2008). processo de construção de identidades entre as Em Everywhere & Nowhere, a autora exa- entrevistadas. Vivendo num contexto em que a mina a vitalidade do movimento feminista norte- igualdade de gênero é tomada como dada – americano, mostrando como jovens ativistas de “feminismo em toda parte” – sem que os rastros três diferentes áreas do país têm buscado construir da transformação histórica das relações de uma identidade feminista a partir das relações gênero estejam aparentes, dada a ausência de de diferença e semelhança com as gerações grandes lideranças nacionais – “feminismo em mais velhas e das oportunidades colocadas pelo lugar nenhum” –, as novas gerações passam por contexto político e cultural comunitário. A autora um processo gradual de se tornarem feministas. se debruça sobre organizações feministas Suas variadas experiências educacionais, de comunitárias, contrastando-se à tradição de sexualidade e violência, suas relações com uma estudos que foca em organizações formais, de geração feminista de segunda onda e as grande visibilidade nacional, atuando junto ao características do contexto comunitário são Estado e ao parlamento. A imagem de “ondas”, importantes nesse processo de formação das muito difundida nas narrativas históricas do identidades feministas contemporâneas. Assim, feminismo produzidas por essa tradição, é criti- das três organizações pesquisadas emergem cada porque toma essas organizações nacionais diferentes perfis identitários. como porta-vozes de um movimento que é, na Na segunda parte, o livro trata das ações e verdade, diversificado em escalas de atuação, táticas do feminismo contemporâneo. Revelando modos de associação, táticas e temas. Além continuidade com as gerações anteriores, as disso, a noção de ondas enfatiza as diferenças e entrevistas elencam aborto, violência contra a rupturas entre atores e movimentos, enquanto as mulher e igualdade salarial como seus principais relações de continuidade são preteridas. temas. Por outro lado, a liberdade de escolha Diante disso, Reger opta pelo foco em acerca de seus corpos e sexualidade é um tema movimentos comunitários e sua pluralidade de muito valorizado também. Suas táticas são organização e estratégias de ação. Ela argumen- majoritariamente de tipo “cultural”, isto é, ta que a interação nos contextos comunitários é privilegiam a mudança das normas culturais de o que explica o modo como o feminismo segue
gênero por meio da educação e empodera- tativa do movimento em sua totalidade. Principal- mento pessoal, e se contrastam com, embora mente, a própria linguagem das identidades não excluam, as táticas “institucionais”, que políticas tem em si uma dinâmica interna própria buscam mudanças legislativas e demandas por que torna mais complexa a questão da diversi- políticas públicas. dade no feminismo. A constituição de sujeitos Como resultado de um diálogo crítico com políticos em torno de identidades sexualizadas, as gerações anteriores, o tema da diversidade generificadas, racializadas e de classe não é de raça, classe e sexualidade se tornou central apenas reflexo das desigualdades objetivas dos na definição da identidade e política feministas contextos comunitários, mas também resultados das três organizações estudadas, assim como de disputas por reconhecimento e poder no para o feminismo contemporâneo de modo interior do movimento feminista, que mobilizam geral. Entretanto, os diferentes contextos comu- interesses de todas as forças, inclusive, e especial- nitários condicionam o modo como as três mente, as “subalternas”. organizações lidam efetivamente com a diver- O livro traz um vibrante e acurado retrato sidade na construção de suas identidades do feminismo contemporâneo dos EUA, relacio- políticas. As comunidades feministas do Centro- nando de modo habilidoso dados empíricos e Oeste e Noroeste, com mais de 90% de ativistas insights teóricos. No campo dos estudos sobre brancas, são menos predispostas a abordar movimentos sociais, o estudo é relevante pelo assuntos sobre racismo que a comunidade da foco nas interações comunitárias que dão sentido Costa Leste, que tem uma composição racial e continuidade ao ativismo e que não são detec- mais diversa e, logo, interage numa rede de táveis a nível nacional. Para os estudos de gênero, ativismo também mais diversa. Em todas as a discussão sobre como as diferentes gerações comunidades, as integrantes são, em sua maioria, de feminismos se relacionam e produzem iden- da classe média. É no campo das identidades tidades específicas é de inestimável valor. sexuais que a diversidade é mais aparente, e a Protestos como a Marcha das Vadias e o maioria das integrantes se identifica ora como Femen, campanhas virais como “Eu não mereço lésbicas ora como queer, o que, mais uma vez, ser estuprada”, o crescimento de coletivos de depende de fatores contextuais, como a mulheres dentro de organizações políticas de exposição aos estudos de gênero e o grau de esquerda e a proliferação de grupos feministas aceitação ou hostilidade enfrentado. autônomos diversos no Brasil sugerem que, tam- Embora avalie como positiva a descons- bém aqui, o movimento feminista, apesar de trução do sexo e do gênero pelo feminismo, para inúmeras especulações sobre sua crise ou fim, Reger, o quadro analisado mostra que o femi- permanece vigoroso. O livro de Jo Reger permite nismo contemporâneo norte-americano pouco imaginar diálogos que falam sobre processos de avançou para colocar em prática questões de continuidade e mudança no feminismo, que, raça e privilégio. Talvez aqui a autora generalize embora ancorados nas realidades locais, também resultados de uma amostra branca e de classe as transcendem. média, tomada, mais uma vez, como represen- Carla de Castro Gomes Universidade Federal do Rio de Janeiro