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Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez

Uma Imperfeita Flor Inglesa


Concha Álvarez

Hisnaider, Stella Maris, Caren Cruv, Sarah Cortez, Guinha Souza e Val Nascimento

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Sinopse

Elena, a antiga herdeira da casa MacGowan, é uma mulher forte apesar das
queimaduras sofridas durante a infância que a mantêm afastada da sociedade
vitoriana. Quando seu tio lhe comunica que abandone seu lar compreenderá que
sua vida se encaminha ao desastre. Mas sem dote nem um título jamais conseguirá
um marido. Desesperada, reclamará seus direitos de nascimento, embora o
resultado seja tão desalentador que ao cruzar uma rua não verá uma carruagem
que se aproxima a toda velocidade.
O chofer é um homem grosseiro e detestável. Um antigo conde francês,
chamado Laramie Devereux, cuja tragédia pessoal marcou sua existência e da qual
se diz que, graças ao contrabando de ópio, obteve uma enorme fortuna. Em um
ataque de fúria o conde a julgará como mulher, e a achará imperfeita por causa das
queimaduras.
Entretanto, o destino e uma partida de cartas os unirá de novo. Graças à
insensatez de sua prima, Elena aproveitará o acusado desconhecimento das
normas sociais de Laramie e idealizará um plano para lhe enganar.

“A meu marido José Antonio e a minha filha Nerea.”

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Capítulo 1
Primavera de 1855, Londres.
Elena deixou de cantar uma canção irlandesa quando escutou como seu tio
entrava no salão de música. A voz da moça era embriagadora. Cada vez que Troy
contemplava o cabelo dourado e os belos olhos verdes de sua sobrinha via Vitória, a
mãe da Elena e a mulher que sempre amaria. Fugir dela foi a maior estupidez que
cometeu em sua juventude. Por causa da falta de atenção de uma criança, uma
vela prendeu as cortinas da mansão MacGowan e no incêndio seu irmão Robert e
Vitória perderam a vida. Graças a um dos criados Elena se salvou, não sem pagar
um grande preço. Observou a beleza murcha de sua sobrinha. As queimaduras de
seu queixo caiam até o ombro. Durante as mudanças de estação a via dolorida e
sempre utilizava vestidos abotoados até o pescoço. Lamentou que fora ele quem
tivesse que lhe comunicar a decisão que Rosalyn lhe tinha obrigado tomar. Casou-
se com ela por despeito, em um arrebatamento de insensatez do que se arrependia
cada dia de sua existência. Elena se levantou do tamborete do piano e confrontou
seu tio que raramente lhe emprestava atenção.
― Bom dia. ― A jovem alisou as rugas da saia do vestido cinza que lhe deu um
aspecto muito mais triste e desgracioso.
― Elena... ― durante um instante, olhou-a além da realidade, como se visse
um fantasma. Sua sobrinha desviou o olhar, incômoda. ― Tenho algo que te
comunicar, embora se estiver ocupada... ― a voz estridente do Rosalyn anunciou
sua chegada.
―... é lorde MacGowan, por que pede permissão para falar? ― Troy apertou os
punhos para controlar a ira, mas Rosalyn suavizou o discurso. ― Meu amor deve se
acostumar a seu título. ― Os músculos faciais de seu marido se relaxaram.
― O que querem me dizer?
A moça fechou a tampa do piano com lentidão, com a única intenção de
recuperar um pouco de integridade. O olhar vitorioso no rosto de sua tia não
pressentia boas notícias.
― Deve partir desta casa ― lhe anunciou Troy. Elena se agarrou ao piano para
evitar sentar-se de novo pela notícia. ― Já cumpriste a maioridade e pensamos que
seria melhor que fosse viver com a senhora Turquins; era prima de sua mãe, é
viúva e necessita de companhia. Suas... ― disse, e assinalou seu rosto ―
queimaduras não lhe ajudarão a encontrar um marido e espantarão os futuros
pretendentes de sua prima.
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Troy havia proposto com clareza a expulsar de sua própria casa. As feridas a
obrigavam a manter uma postura rígida. Em troca, seu tio estava caminhando pela
sala com inquietação ante o olhar atento do Rosalyn.
― Por quê? ― perguntou consciente de que nada do que argumentasse se teria
em conta. Não entendia no que prejudicariam suas queimaduras a Virginia. ― Nem
sequer assistirei aos atos sociais aonde venha minha prima ― propôs esperançada.
― Por Deus! Não o faça mais difícil ― os olhos de seu tio se mostravam
envergonhados pela decisão. Naquele momento, sua semelhança com Robert era
evidente e muito mais doloroso para Elena.
A jovem conhecia muito bem as vontades de Rosalyn por desprender-se dela.
Para essa mulher era um lembrete perpétuo de lady Vitória. Toda a sociedade
londrina a comparava com sua mãe e na comparação, sempre saía perdedora. Com
os anos se converteu em uma ferida entrincheirada que agora curaria jogando na
rua a filha de sua eterna competidora. Nada do que Troy dissesse a convenceria de
que tomasse outra decisão.
― O que vou fazer? ― sussurrou em voz baixa ante a incerteza pelo futuro.
― É uma jovem preparada, seu tio te conseguiu um lugar onde viver. Se não
for de seu agrado pode procurar um emprego como dama de companhia ou
governanta ― adicionou Rosalyn com um sorriso de triunfo insalubre. Olhou a sua
sobrinha e agarrou seus cabelos com uma mão ossuda repleta de anéis.
― Com certeza que sim ― respondeu, e apertou os dentes.
No fundo ambas as mulheres sabiam que ninguém em Londres a contrataria.
Quem quereria um monstro como ela para ser uma dama de companhia ou
governanta de seus filhos?
― Nenhuma MacGowan trabalhará para ganhar o sustento ― sentenciou Troy,
ao menos, isso o devia a Vitória.
Rosalyn acatou a decisão, mas em seus olhos se observou o ódio que ela
sentia. Troy teria uma dura briga que não ganharia, embora nenhuma das
consequências que derivassem dessa ordem lhe impediria de cumprir a promessa
de manter a sua sobrinha.
Elena assentiu com uma inclinação de cabeça. Conhecia muito bem Rosalyn,
ele não gastaria um centavo se ela insistisse nisso. Tinha vontade de gritar, de dizer
a esses dois que ela era a autêntica lady MacGowan, a única herdeira dessa casa.
Ninguém a baniria como se fosse uma praga a um lugar perdido na metade do um
nada. Conteve a vontade de chorar ao recordar aqueles espantosos dias depois do
incêndio. Era a responsável pela morte de seus pais. Durante muito tempo os
pesadelos lhe impediram de dormir. Ainda revivia aquela noite. No instante em que
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a vela prendeu as cortinas seu mundo se desfez como uma fina capa de gelo na
primavera. O sorriso cínico de Rosalyn e suas bochechas maquiadas lhe davam um
aspecto vulgar. Dizia-se que um verdadeiro MacGowan não rogaria, não deixaria
que a vissem humilhada e afundada.
― Dispõe de um mês para organizar sua nova vida ― anunciou com satisfação.
Sua tia ficou em pé, o encaixe das mangas lhe caiu como uma cascata de
algodão sobre o colo. A forma colorida e carregada de vestir contrastava com o
aspecto sombrio e discreto da Elena. A mulher observou com malícia a garota cuja
beleza tanto prometia. Alegrou-se de que o destino tivesse concedido o posto que
correspondesse a sua filha Virginia. Pigarreou duas vezes antes de anunciar que a
reunião tinha concluído.
― Eu... ― Troy tentava dizer umas palavras.
― … Troy, não me acompanha?
― É óbvio, querida, agora mesmo.
Seu tio não se assemelhava em nada a seu pai, que jamais teria permitido que
uma mulher como Rosalyn desempenhasse o posto de lady MacGowan. Durante
um bom momento permaneceu imóvel na sala. O dia deu passo de noite e as
sombras se estenderam pelos recantos do quarto, Elena se misturou nelas com a
esperança de desaparecer.
No dia seguinte despertou com a intenção de fazer valer seus direitos. Não se
deixaria vencer sem batalhar. Deduziu que seu pai teria ido aos melhores
advogados de Londres. Salvo alguma libra, carecia de dinheiro, embora esperasse
que George Harrington, o letrado e antigo conselheiro de seu pai a aconselharia
sem pedir nada em troca. A primeira hora da manhã se esgueirou na casa sem ser
vista por nenhum dos criados. Caminhou até o escritório de Harrington & Pearce
associados, temerosa pelo rumo desastroso ao que se encaminhava sua vida. Na
porta a recebeu um jovem ao que entregou um cartão de visita. Se ele estava
surpreso que uma dama desacompanhada solicitasse uma entrevista com seu
chefe, teve o cuidado de não demonstrar. Ele a levou a uma sala com várias
prateleiras de livros encadernados em couro vermelho e verde ordenados de forma
escrupulosa e metódica. O jovem advogado se sentou atrás de uma mesa, molhou a
caneta em um tinteiro e começou a trabalhar. O fato de que a ignorasse a
tranquilizou.
― Querida! ― disse um homem algo mais envelhecido do que ela recordava que
lhe sorria de uma das portas da sala.
A moça se aproximou do antigo amigo de seu pai. Ele pegou suas mãos e
levou-a para um escritório iluminado graças a várias janelas das que penduravam
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grandes cortinas verdes. Uma enorme área de trabalho de madeira envelhecida
estava quase coberta por pilhas de papéis. Harrington ajustou os óculos ao nariz,
conduziu-a até uma poltrona de couro marrom um pouco desgastado e esperou que
se sentasse.
― Senhor Harrington... ― o advogado silenciou suas palavras.
― Não faz muito nós conversávamos; me chame George ― pediu com um
sorriso.
― George... Eu...
― Vamos pequena ― a animou, e lhe deu um par de palmadas carinhosas nas
mãos ao ver que lhe resultava difícil falarem, ― a que vieste?
― Meus tios me pediram para partir ― conseguiu pronunciar, ― dizem que não
sou bem-vinda em sua casa.
O advogado começou a passear pela sala. Durante um instante o silêncio se
apoderou da sala. Elena olhou uma mesa de pernas torneadas, algo que
desaprovaria a rainha, de uma suave cor mogno. O móvel a distraiu durante o
tempo que Harrington se manteve pensativo.
― Não poderá evitá-lo ― sentenciou o advogado, e suas palavras lhe soaram
como uma condenação.
― Acreditei..., Deus! É minha casa! ― exclamou com a esperança de que o
advogado solucionasse o problema por arte mágica.
Sentia-se derrotada, tinha pensado com uma ingenuidade infantil que ali
encontraria a ajuda que necessitava e escutou uma realidade muito mais fria e
desalentadora do que o esperado.
― Sinto muito, Troy é o herdeiro. Sem irmãos varões, seu tio passa a ser lorde
MacGowan. Nenhum tribunal sentenciará o contrário.
― Então..., pode me jogar de minha casa?
― Pode ― afirmou com voz rouca. ― Deveria considerar outras opções, dado
seu estado. ― O advogado pigarreou incômodo um par de vezes e agarrou de novo
as mãos da moça. ― Um casamento pode ser difícil em sua situação. ― A jovem
ficou rígida. ― Carece de um dote e sua posição na família MacGowan se debilitou
muito. Além disso, suas queimaduras podem ser algo dissuasivo para contrair um
matrimônio vantajoso. ― Fez uma pausa e logo continuou ― Sempre pode procurar
um marido na América, ali as mulheres de qualquer tipo são muito apreciadas ―
recomendou.
― Obrigado pelos conselhos ― se apressou a dizer humilhada por uma opinião
tão franca do antigo conselheiro de seu pai.

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Ficou em pé e ajustou o xale nos ombros. Seu orgulho tinha sofrido um
reverso. A opinião de Harrington lhe revelou uma verdade tão inequívoca que ficou
sem palavras pela humilhação.
― Elena... ― George tinha visto a dor refletida nos olhos da jovem.
― Bom dia ― disse com o queixo elevado. Partiu da sala sem esperar as
palavras compassivas do advogado.
― Necessitava ar para respirar; o desespero a cegava. Considerou que
Harrington solucionaria seu problema como se fora um cavalheiro de
resplandecente armadura. Em seu lugar, tinha-a entristecido ainda mais ao lhe
recordar o que não teria jamais: uma família, uns filhos e um lar.
No caminho de volta para casa, perto do West End, Elena não viu a carruagem
que vinha a toda velocidade em direção oposta. Tão somente escutou umas
maldições, o relinchar de um cavalo e seu próprio grito. O animal se assustou o
suficiente para elevar as patas dianteiras, enquanto o condutor tentava não
atropelá-la. A jovem perdeu o equilíbrio e caiu, golpeou a cabeça em um dos
paralelepípedos e a dor a deixou aturdida. De repente rodearam-na dois homens;
alguém lhe sorria com uns olhos azuis cheios de preocupação e lhe tocava a cabeça
para assegurar-se de que não estava ferida enquanto o outro a culpava do ocorrido.
Seus olhos negros a olharam com desprezo como se fosse escória. Tinha perdido o
chapéu e deixado descobertas as queimaduras de seu queixo. Tentou tampar-se,
mas os olhares curiosos das pessoas a coibiram e foi incapaz de atar o laço que o
sujeitava.
― Senhorita, encontra-se bem? ― perguntou-lhe o jovem de olhos azuis.
― Sim… ― respondeu um pouco perturbada pelos olhares das pessoas. O
jovem amável lhe atou o chapéu à cabeça.
Elena o agradeceu com o olhar, por uma vez não tinha visto asco nem
compaixão nos olhos de alguém.
― Está cega! ― Seu companheiro a pegou com raiva pelos ombros até levantá-
la. Sacudiu-a com força e de novo o chapéu se desatou e caiu ao chão. ― Poderia
matá-la! Gaisi! Zhèng shì wo xuyào jin wan! ― gritou, e se conteve ao observar os
olhos mais formosos que nunca tinha visto, entretanto, as queimaduras da jovem
lhe impediram de falar.
― Sinto muito... ― tentou desculpar-se ante o homem de olhos negros que a
sujeitava com força. Suas mãos lhe causavam dor, sobretudo no ombro com
cicatrizes. Tinha sido uma estúpida ao cruzar sem olhar.

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― Basta! Laramie! ― O jovem de olhos azuis agarrou o braço de seu
companheiro. Pela expressão do rosto da moça compreendeu que a estava
assustando e que não tinha entendido nada do que lhe havia dito.
― Não temos todo o dia ― disse aborrecido Laramie. ― Necessito um gole e boa
companhia, não perder o tempo com meninas estúpidas.
Elena se surpreendeu por tão rude comportamento. O tal Laramie tinha um
aspecto cuidado e um porte soberbo.
Além disso, arrastava ao falar de uma forma atraente, parecia estrangeiro e
por suas roupas membro de alguma família enriquecida. Em troca, suas maneiras
eram as de um rufião do porto.
― Laramie, não seja mal educado, a senhorita não entende o chinês. ―
Estendeu a mão a jovem. ― Esta dama necessita de nossa ajuda e estiveste a ponto
de atropelá-la com seu carro.
― Ela não olhava aonde ia ― se defendeu seu amigo, e desviou o rosto da
jovem. ― C’est de sa faute ― acrescentou em francês sem deixar de olhar com
impaciência a moça.
― Isso não justifica que a deixemos aqui. Ao menos a levaremos até sua casa
para nos assegurar de que está bem.
Elena comprovou pelo furioso gesto do homem que as palavras de seu amigo
lhe tinham incomodado ao deixar em evidência umas péssimas maneiras.
― Não será necessário ― assegurou, mas se sentia enjoada, as notícias do
advogado e a rudeza desse homem a tinham deixado sem forças.
― Já escutaste a... ― disse Laramie, e assinalou a garota. ― Não necessita
nossa ajuda.
― Não ― insistiu Charles, recolheu o chapéu e o entregou. ―Meu nome é
Charles do Chapdelaine e ele é o conde Laramie Devereux, você se chama?
― Elena ― omitiu dizer seu sobrenome.
Quando pronunciou seu nome, observou no conde um olhar de compaixão.
Compreendeu que conhecia o significado. O destino era cruel e o seu ria dela por
chamá-la “a mais bela”. Não soube do que mais a surpreendeu: que esse caipira
com roupa de cavalheiro entendesse o significado do nome ou a lástima que
apreciou em seus olhos.
― Senhorita, não fale mais ― sentenciou Chapdelaine sem mencionar a falta de
sobrenome, ― vamos acompanhá-la até sua casa. ― Elena exibiu em seu rosto a
perplexidade, não subiria em uma carruagem sem companhia de outra mulher e
Charles se deu conta. ― Não se preocupe, sou médico e você desde este instante é
minha paciente ― a tranquilizou.
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Elena assentiu com um tímido sorriso.
― Qual é a direção? ― terminou por desistir Devereux. Elevou a cabeça para
lhe ver o rosto. Apresentava um gesto severo, sério e tão atrativo como os
protagonistas que apareciam em algumas das novelas de aventuras que tanto
gostava de ler. Por sua parte, Laramie jurava que jamais tinha visto uns olhos tão
verdes em um semblante cuja beleza teria sido extraordinária, de não pertencer a
essa jovem com queimaduras.
― O número 109 do Trafalgar Square ― disse Elena cuja voz removeu as
vísceras do Devereux. Essa moça possuía uma voz angelical, algo que lhe
incomodou o bastante para mostrar um gesto muito mais áspero e belicoso.
― Um lugar muito elegante.
Devereux elevou uma das sobrancelhas. Possivelmente essa garota com voz de
anjo fora uma criada, embora seus costumes fossem próprios de uma dama.
― Cada vez é menos elegante ― Elena respondeu com altivez.
Estava acostumada a ignorar as olhadas compassivas ou depreciativas das
pessoas, mas esse dia precisava enfrentar alguém para sossegar seus medos. Esse
homem lhe parecia um alvo perfeito para desfazer-se de parte da raiva que a
carcomia por dentro.
― A que se refere? ― perguntou quase com desconcertante inocência infantil.
― Ao dinheiro, senhor Devereux. O excesso está acostumado a ser um inimigo
da elegância.
Charles riu das palavras irônicas de Elena e da cara de assombro de Laramie.
Abriu a portinhola da carruagem e a ajudou a entrar. Com um gesto indicou a
Devereux que subisse à boleia. O homem saltou e esporeou os cavalos com raiva.
― Perdoe o meu amigo ― se desculpou, e o carro ficou em marcha. ― Teve uma
má noite com as cartas e está de mau humor.
― Não importa, embora ele tenha perdido seu...
― Maneira de falar ou de comportar-se? ― disse-lhe Charles com um sorriso.
― As duas coisas. Devo lhe confessar que é uma mescla estranha.
Laramie escutava a conversação de ambos e a fúria se apropriou dele. Essa
mulher não era ninguém para lhe julgar.
― Deve lhe desculpar, é francês.
― Então, isso explica tudo.
Ao ouvi-la Charles riu de novo. Elena se sentia à vontade com Chapdelaine,
não brincava com ninguém há muito tempo.
― Chegamos! ― anunciou Devereux com um tom cortante como o que usava
com seus homens quando cometiam algum engano em seu navio.
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O carro se deteve ante uma impressionante casa de pedra branca e telhados
de ardósia. Numerosas janelas davam fé da grandiosidade de uma das mansões
mais majestosas da Inglaterra. O conde a ajudou a descer do carro, quando sua
mão tocou seus ombros se olharam com uma estranha intensidade. Nesse instante,
sentiu que ganhou a inimizade desse homem.
― Obrigada... ― ela disse algo autoconsciente e intimidada por aquela maneira
de vê-la.
― Isto é pelo incomodo. ― Elena se viu com umas quantas moedas na mão. ―
Um cavalheiro francês sempre paga os enganos que comete.
― Uma dama inglesa, também. Além disso, como disse foi minha culpa ―
respondeu ofendida e tentou lhe devolver o dinheiro.
O conde lhe apertou a mão com a sua para evitar que soltasse as moedas.
Gostou que compreendesse seu idioma. Logo, aproximou-se dela como nenhum
outro homem o tinha feito. Sua proximidade a perturbava. Em troca, agradou-lhe o
aroma de seu perfume misturado com o forte aroma a rum e tabaco que desprendia
Devereux.
― Ambos sabemos que não sou um cavalheiro e duvido que seja uma dama, ao
menos, não uma perfeita rosa inglesa.
O comentário doloroso provocou em Elena o desejo de lhe esbofetear. Em um
arranque de raiva jogou o dinheiro ao chão. Tinha suportado muito desde morte de
seus pais e esse desprezível francês não a alteraria o bastante para deixar de
comportar-se como uma MacGowan. Deu-lhe as costas e partiu com toda a altivez e
orgulho de que dispunha. Aqueles olhos negros a tinham julgado como mulher e a
tinham achado imperfeita. No fundo esse homem tinha razão, nunca seria uma
rosa inglesa, mas tinha o mesmo aroma, ternura e desejo de qualquer delas. As
lágrimas brotaram sem poder evitá-lo.
― Laramie, o que disse à garota?
Charles olhou como se afastava depressa. Imaginou ao ver as moedas no chão
que enquanto atava os cavalos Devereux a tinha ofendido. Laramie era um homem
leal, com um sentido da honra marcada a fogo em sua mente, mas em questão de
mulheres era um lerdo e carecia de escrúpulos. Procurava no sexo oposto a beleza e
satisfazer o próprio prazer, nunca pensava no amor e o que suporia a companhia de
uma mulher inteligente em sua cama. Algum dia, disse-se, olhando como Elena
atravessava a porta de entrada daquela casa, o amor lhe cobraria uma grande
fatura, esperava que Laramie tivesse recurso suficiente para pagá-la.
― A verdade, meu jovem amigo. ― Laramie observou o andar erguido da moça,
a postura impecável de uma mulher de classe e se arrependeu de suas palavras.
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Sua mãe não teria perdoado sua crueldade e duvidava que ela a perdoasse algum
dia. ― Agora sim necessito esse gole e a uma mulher, embora não sei em que
ordem.
Charles sorriu e desta vez foi ele quem tomou as rédeas do carro.

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Capítulo 2
O caminho até o bordel mais exótico de Londres foi feito pelo Conde Devereux
pensando na menina com o olhar penetrante e a voz de um anjo. Antes de chegar à
doca esforçou para se concentrar nas notícias que recebeu da China. Mais cedo ou
mais tarde uma guerra seria desencadeada, embora os comerciantes de ópio
desejassem um tratado. Os britânicos exigiram padrões excessivos para um país
sufocado por um acordo abusivo, que beneficiou uma das partes e não era o chinês.
Companhias como Roger Matherson queriam espalhar seus tentáculos em todos os
cantos do país e criar um monopólio que nem a China nem ele aceitariam. Laramie
era um defensor do comércio legal e entendeu a preocupação da família real
chinesa pelos cidadãos de seu país. O consumo foi muito longe. Em seu desespero,
o imperador escreveu uma carta à rainha Vitória que entregou ao embaixador
inglês, que se assegurou de que não chegasse às mãos da soberana.
Todos sabiam que Henry Rogester era um amigo pessoal de Matherson, um
homem sem escrúpulos cercado por um ar de mistério.
Graças ao dinheiro, frequentava os círculos seletos de Londres, conhecia
segredos que aproveitava para seu próprio benefício e chantageava aqueles que
tiveram a infelicidade de cair em suas redes. Roger propôs associar-se a ele, ao
recusar ganhou um poderoso concorrente e um possível inimigo. Ele achava que o
homem o odiava por algo a mais que não sabia. Viu em seus olhos um rancor
evidente, que o fazia ficar alerta sempre que se encontravam. Laramie comerciava o
ópio enquanto o negócio fora legal, preferindo trabalhar com vinho, chá e seda, em
vez desse negócio lucrativo e ao mesmo tempo sangrento. A quota de barcos
permitida para o comércio do ópio nem sempre era suficiente para homens
ambiciosos como Matherson. Todos sabiam que Roger tinha várias fragatas
traficantes, dobrando assim as importações de ópio que chegavam à Inglaterra.
Queria tudo o que pudesse conseguir e o conde tinha uma frota que conectava
os principais portos da China à América. Laramie nunca mais usaria seu nome ou
seus navios para contrabando, aquela vida que deixara para trás e não voltaria
para ela. A carruagem parou em uma das Docklands de Londres. Ao longe viu um
de seus navios, um brigante chamado Antoinette como sua mãe. O navio trouxe da
China um carregamento de chá, seda e porcelana que cobraria em prata, nunca
fazia de outro modo. Em sua vida de pirataria havia aprendido com o melhor, John
Walker, que em suas transações sempre exigia ouro ou prata como pagamento pela

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mercadoria. Laramie e Charles saíram do coche e ambos subiram a passarela para
um navio com um grande sinal dourado em que a palavra "Paraíso" havia sido
pintada. Era um navio antigo que tinha recebido uma camada de tinta e colocado
algumas velas novas. Era o bordel mais caro da Inglaterra, onde jogar cartas, beber
e fornicar até o amanhecer. Laramie pensou que uma taça de vinho seria a primeira
coisa que ele beberia.
― Cavalheiros ― disse uma mulher mais velha, assim que colocaram os pés no
convés do navio.
― Madame ― respondeu Charles com um sorriso ― cada dia é mais bela.
― Você é um bajulador e um homem muito atraente ― respondeu a dona do
bordel maliciosamente. Ela tocou os cabelos com um movimento que libertou seus
seios presos no espartilho.
― Eu quero uma bebida e não uma conversa com essa velha cadela ―
interrompeu Laramie com raiva.
Estava irritado consigo mesmo por se comportar como um idiota com a garota
de olhos verdes e agora estava fazendo o mesmo com a matrona. Charles censurou
o comentário com um olhar desaprovador.
― Claro ― disse a mulher rapidamente, acostumada aos insultos dos clientes.
O mais velho dos dois não era assíduo na casa. Era evidente que não era um
cavalheiro, ao contrário do jovem médico, que havia visitado mais de uma vez na
companhia de amigos da universidade. Olhou para o homem com os olhos negros
com um sorriso forçado, devolveu o olhar tingido de desgosto. Esperava um dia lhe
dar o mesmo tratamento. Bateu duas palmas e uma menina morena em um
espartilho vermelho e pernas esbeltas apareceu diante deles.
― Jane, acompanhe esses cavalheiros para o salão ― ordenou docemente.
― Sim, madame ― a menina respondeu com um aceno de cabeça que mostrava
um belo e jovem rosto.
― Você é muito bonita ― disse Laramie à jovem prostituta. A menina olhou
para ele com um sorriso. Ele agarrou sua cintura, beijou-a nos lábios e lembrou-se
da boca carnuda e sensual da garota que quase havia atropelado. Não entendeu por
que a jovem com as queimaduras veio-lhe à mente, talvez os olhos verdes da
prostituta o fizessem recordar a garota. O remorso de como a tratou forçou-o a
soltar. ― Primeiro a bebida, e então irei para sua cama.
O salão que haviam convertido várias cabines do navio se assemelhava a
qualquer outro. A decoração marinha deu um visual muito mais lascivo
convertendo as meninas, por algumas moedas, em sereias imaginárias. Laramie
pediu um conhaque e levou-o aos lábios calmamente.
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― Esta noite está com muito mal humor. O que aconteceu?
Charles Chapdelaine devia tudo o que era para aquele homem, pagou seus
estudos médicos e sua manutenção. Nunca lhe disse o motivo de tal generosidade,
exceto que o devia a Auguste. Graças a ele conheceu Anna, a irmã de Laramie, por
quem se apaixonou desde o primeiro momento em que a viu. Foi durante um verão,
Devereux o convidou para passar alguns dias em Viena. A oportunidade de
conhecer um país como aquele foi um presente para sua paixão passageira. Não
hesitou e aceitou o convite. Laramie confessou que uma das razões de viajar para
aquela parte da Europa Central era sua irmã Anna, que morava em um internato
para jovens senhoras da cidade. A menina preferiu ficar lá até chegar a sua
maioridade ou ele decidir encontrar-lhe um marido para casar com ela. Não
imaginou que seu destino logo mudaria. No dia em que conheceu a jovem com
cabelos escuros, uniforme infantil e olhos de feiticeira, sua vida transformou-se em
um poço escuro e sem sentido.
Em primeiro lugar, a culpa, a desonra por acreditar que traiu Laramie forçou-o
a se conter, a resistir à tentação de escrever para a garota. Mas seu amor e desejo
eram armas tão poderosas que não tinha escolha senão render-se sem condições.
No final, acabou escrevendo uma longa e apaixonada carta que ainda estava
envergonhado de lembrar. Qual foi a sua surpresa, a alegria que sentiu e a alegria
que o invadiram quando ela respondeu sua carta com a mesma intensidade e
frenesi. Mais tarde, o correio intensificou-se e, durante um curto período de férias,
Charles viajou para Viena. Ali se declarou a Anna e ela confessou seu amor. O
problema é que nenhum trairia Laramie, algo que atormentava e irritava-os
igualmente.
― Negócios e aquela maldita aposta ― confessou, e bebeu seu copo em um gole
só. ― Me sirva outra e deixe a garrafa ― ordenou ao garçom.
― A bebida também não o ajudará a resolver ― disse Charles, em pé sozinho.
― Eu fui um verdadeiro tolo... Me comprometendo com uma MacGowan.
― Não é isso que você queria? Casar-se com uma bela dama da aristocracia ―
ele riu.
― Sim, e nunca pensei que seria tão fácil ou que a oportunidade viria em um
jogo de cartas, mas a jovem é tão... Tão…
― Inglesa ― concluiu a frase.
Ambos deram uma gargalhada que relaxou Devereux quando se lembrou da
resposta de Elena. Desde quando começou a chamá-la pelo seu belo nome? Tomou
outra bebida para banir a imagem da moça de sua cabeça.

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― Fico me perguntando como fez aquelas queimaduras. Desde que se mudou
para Londres, Devereux assistiu à maioria das festas orquestradas pela alta
sociedade de Londres e nunca a tinha visto. Por causa de seus modos e orgulho ela
não era uma empregada doméstica. Talvez uma governanta ou um parente pobre
da família que morasse naquela casa. Não importa quem fosse, teria outros
problemas para resolver, melhor do que pensar sobre isso.
― Suponho que nunca saberemos ― respondeu com um sorriso forçado.
― Eu gostei da sua voz ― lembrou Charles, reviventando a imagem ofendida da
moça em Laramie com total clareza.
― Um anjo queimado ― sussurrou, embora seu amigo conseguisse ouvi-lo. Era
o que ele pensava, um anjo bonito com asas queimadas pelo fogo.
― Eu nunca teria descrito melhor isso ― disse Charles, batendo em suas
costas de forma amigável.
Devereux olhou para o fundo do copo e pensou que viu os olhos verdes da
mulher perfurar a casca que custou tanto para construir, então bebeu de um só
gole.
Na parte de trás do salão, o garçom deixou a segunda garrafa de rum na mesa
de um homem que fumava um charuto. Ele era um cavalheiro generoso, de acordo
com as mulheres que sussurravam, ele tinha uns gostos estranhos e muitas vezes
dolorosos. Desta vez estava mais interessado nos dois jovens que chegaram uma
hora antes do que nas mulheres. Continuou observando-os com óbvia animosidade.
Naquela noite, Roger foi acompanhado por um de seus homens. Como sempre,
vestia-se com uma delicadeza doentia, possuía um olhar frio e autoritário, sem o
menor calor. O garçom olhou para baixo com respeito.
― Deseja algo mais ― perguntou com timidez.
A bandeja foi colocada na frente do corpo como proteção. Desconfiava de um
cara tão limpo, quieto e cuja fama havia atravessado os oceanos. Se você não
queria acabar como alimento para o peixe, era melhor não tê-lo como inimigo.
Tinha uma aparência refinada e elegante que, juntamente com o cabelo cinza, lhe
dava um ar honroso; uma fachada que escondia uma camada de perversidade que
era melhor não descobrir.
― Vê aqueles homens? ― Apontou para o conde e o garoto assentiu com a
cabeça. ― Convide-o a uma bebida.
― De quem é o convite? ― Preferia ter certeza de que daria o nome verdadeiro.
― Roger Matherson ― respondeu com uma voz clara, para não haver dúvidas.
O garçom andou com rapidez para cumprir o desejo de Matherson.

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― Nós poderíamos matá-lo ― disse o companheiro de Roger quando o garçom
não podia mais ouvi-lo. Um tipo de voz aguda, chamada Antro, que não combinava
em nada com o corpo de grande estatura.
― Seria muito fácil, eu preciso que ele sofra e dessa forma não sentiria. ― Não
entendia como se cercou com pessoas tão incompetentes como Antro. Homens
incapazes de ver que era muito melhor construir uma teia de aranha onde enredar
os inimigos em vez de matá-los. ― Desaparece ― ordenou ele, irritado com a falta de
visão do homem.
Antro levantou-se e saiu como Roger havia ordenado. Enquanto isso, o garçom
apressou-se a cumprir o pedido de Matherson. Aproximou-se da mesa e derramou
dois copos do melhor bourbon do navio. Os dois cavalheiros se viraram para ver
quem os convidava. Roger, então, levou a bengala na testa em saudação.
― É como um espinho na bunda ― disse Laramie, acenando com a mão.
― É pior do que isso ― Charles lembrou. ― Meu irmão perdeu muitos dos seus
paroquianos graças a esse homem e ao comércio do ópio. Além disso, ele não vai
parar até que o deixe sair e Auguste é muito teimoso para deixar um cara assim
seguir com isso. Não quero que te machuque ― disse, como se dissesse em voz alta,
nada de ruim aconteceria com seu irmão.
― Auguste poderia fazer bem em não mexer com Matherson. Ele não poderá
lutar contra o ópio, nem mesmo o Imperador Quin conseguiu. Fará que o matem.
O menino levantou-se sem que Devereux tivesse tempo para detê-lo e impedir
que cometesse uma imprudência.
― Não queremos nada que venha de você. ― Charles deixou os copos na mesa
de Roger com tanta força que derramou seu conteúdo. O líquido manchou as calças
creme do comerciante.
― Entendo ― disse, e tirou as manchas com um lenço de renda que mergulhou
em um dos copos na mesa.
― Charles! ― Disse Laramie, esse insulto não seria esquecido por um homem
como Roger.
― Meu irmão joga sua vida todos os dias! ― Charles ignorou Laramie e
continuou com seu discurso. ― Tipos como esse enviam valentões para assustá-lo
― disse ele com uma amargura que comoveu seu amigo.
― Essa é uma acusação muito séria.
O conde observou como os olhos castanhos de seu adversário comerciante
controlavam sua raiva. Tinha visto aquele homem dividir a mandíbula de outro por
muito menos.
― Desculpe-o ― disse Devereux. ― Ele bebeu demais.
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― Como todos ― disse com um sorriso que lembrou uma falsa careta de
máscara de carnaval.
― Garçom ― chamou Devereux, ― acompanhe o Sr. Chapdelaine na cabine
dezesseis. Charles não resistiu, Laramie deu-lhe um olhar que teria consequências
se o jovem não obedecesse a ordem. Em sua saída pegou uma garrafa de whisky e
levou-a consigo.
― Fez bem ― Matherson assegurou-lhe quando viu o médico seguir o garçom ―
outro insulto, e teria ensinado a ele uma dura lição.
― Isso teria sido o menor dos problemas.
Roger assentiu, consciente do duelo entre eles. Então estudou o homem que o
lembrou de si mesmo há pouco tempo. Esse jovem tinha uma força inata que
transmitia com todo o seu corpo, a barba cortada fazia algo maior. Em vez disso, o
rosto quadrado lhe deu uma autoridade com a qual intimidou muitos homens e
despertou o desejo na maioria das mulheres. Não conhecia sua idade, embora
tivesse cerca de trinta anos. Seu cabelo era longo, contra a moda, mas caiu sobre
seus ombros com uma masculinidade que o invejava. Lembrava-se dos capitães de
antes, marinheiros bronzeados nos mares. Notou o buraco em sua orelha e
adivinhou que a alta sociedade de Londres não via com bons olhos o anel pirata
que há não muito tempo usava com orgulho. Inveja e ódio o apoderaram enquanto
contemplava um espécime masculino que atrairia mulheres como abelhas para o
mel. O rancor de Devereux o forçou a beber outro copo de rum.
― Espero que aceite uma bebida, vamos brindar pelo seu casamento.
Naquela hora, ele tinha certeza de que se tornou a fofoca de Londres. Ganhar
uma esposa em um jogo de cartas não poderia ser muito comum.
― Claro ― Laramie concordou.
Não gostava de Matherson, notou que esse homem escondia seus sentimentos
sob uma máscara de amizade imposta e estudada. Seus instintos continuavam
dizendo para não confiar nele.
― A família MacGowan é antiga, embora não tão importante quanto a sua. ― O
Conde apertou os dentes nas palavras de Matherson, que com um sorriso torto
desviou a conversa em outro lugar. ― Homens como nós não precisam de
sobrenomes. A história se lembrará de nós como os melhores comerciantes que já
existiram. E uma recompensa tão bela quanto Lady Virginia é pagamento
suficiente.
O dardo de Matherson atingiu diretamente o alvo. A família Devereux tinha
sido a mais importante na França até que seu pai caiu fora de si. Ser monarquista

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na Segunda República foi um crime que o levou à morte e à ruína. Ele sabia muito
bem o que a fome e a miséria eram depois de ter crescido em opulência.
A determinação de seu pai de reivindicar o que considerava justo e adequado
para um cavalheiro, pensou com desgosto, como se um cavalheiro não tivesse que
comer ou vestir, fez sua mãe afundar na lama. Era um menino no dia em que os
soldados prenderam seu pai, foi preso na Bastilha e nem mesmo os amigos de sua
mãe conseguiram um passe para que pudesse vê-lo. Até mesmo ouviu uma noite
quando ela confessou a Marta, a única dos serviçais que não tinha deixado o seu
lado, como a tinham despojado de sua propriedade. Seus amigos viraram as costas
para ela, mas graças à astúcia de Marta conseguiram esconder algumas das joias
da família. No final, tudo se tornou um pedaço de pão ou leite e a única coisa que
sua mãe possuía era sua postura e uma beleza que ainda desaparecia. Uma noite,
se rendeu a um dos guardas da Bastilha e, em troca, permitiu que ela visse seu
marido. Ela confessou a Marta o desgosto que sentiu quando aquele homem a
tocou. As lágrimas de sua mãe eram como golpes para ele. Sabia que essa
lembrança o perseguiria por toda a vida, sentia um rancor tão grande contra o pai
que, no dia em que foi executado, recusou-se a testemunhar a morte dele. Dois
meses depois sua mãe morreu, o resto era melhor não se lembrar.
― Não o incomoda roubá-lo? ― perguntou o jovem com desconfiança depois de
tomar uma bebida para esquecer.
― Um pouco admito, embora isso passará em breve. ― Roger levantou os
ombros com um gesto de derrota estudada.
― Eu tenho que confessar que, ao contrário de você, eu nunca me casaria. Eu
sou muito velho para essa jovem tão cheia de vida e tão bonita.
Em uma explosão de heroísmo, salvou a garota das garras de Matherson para
cair nas suas. Reconheceu que era linda, tanto que não teria comparação com
nenhuma outra jovem casada em Londres. Mas era insípida, com uma conversa
vaidosa e tinha um gosto tão distante do deles quanto a distância entre a terra e a
lua. Felizmente, essa falta de qualidades lhe dava um nome tão honroso e antigo
como o de sua família e isso seria suficiente para gerar bons filhos herdeiros da
Casa Devereux.
― Espero que sim ― respondeu orgulhoso ― minha esposa será uma Devereux
e, como tal, ela será a mulher mais linda, elegante e bonita de ambos os países.
Minha família sempre obteve o melhor.
― Eu devo confirmar que desta vez conseguiu. ― Matherson levantou o copo
novamente como um brinde antes de beber o conteúdo ― Ela é uma linda mulher
jovem com uma pele muito bonita.
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― Sua pele? ― Perguntou Laramie, estranhamente.
― Não há nada como tocar a pele lisa e fresca de uma mulher. Não está de
acordo?
As palavras daquela velha raposa fizeram lembrar a garota com as
queimaduras. Estremeceu ao imaginar como seria tocar todas aquelas cicatrizes e
pela primeira vez concordou com aquele bastardo do Matherson.
― Brindemos por isso.
Laramie aceitou o brinde, que a princípio parecera estúpido e agora se tornara
algo para celebrar. Seu casamento com Virginia MacGowan foi o melhor que
poderia acontecer com ele.
― Se me desculpar, para um homem velho é hora de se retirar. Uma das
garotas se aproximou do homem e manteve a cabeça baixa.
― Não vou mais te entreter.
Laramie deu sua mão e Matherson apertou com força em um pulso silencioso.
Quando saiu, mancou mais do que em outras ocasiões. Todos disseram que Roger
Matherson estava escondendo um passado sombrio e tenebroso. Pertencia a uma
família de várias gerações de comerciantes e era o herdeiro de uma frota inteira. No
entanto, sua vida foi interrompida após a morte de sua família. Daquele dia em
diante ele se transformou em um homem cruel cuja ambição era o único motor que
movia sua existência. Laramie não invejou o destino daquele homem, apenas
esperava não acabar como ele. Terminou sua bebida e foi para a cabine dezoito.
Roger apertou a bengala com as duas mãos. O encontro com o conde
despertara ainda mais seu desejo de vingança. O ódio que sentia por esse homem
era tão animal que até o oceano mais profundo não podia ser comparado a ele. A
garota que o seguiu fechou a porta. A jovem tirou as roupas em silêncio e
Matherson percorreu calmamente todos os cantos do corpo com a bengala.
A menina tremia de medo ao imaginar algumas das coisas que seus
companheiros haviam contado sobre ele. O comerciante estava tentando controlar o
estado de raiva que o seguiu depois de seu encontro com Devereux. Ela queria
abraçá-lo, mostrar-lhe que estava disposta a agradá-lo. As mãos pequenas da
garota foram lançadas num ataque suicida ao corpo do mercador, mas seus olhos
se arregalaram de medo. Roger tirou um chicote de cavalo do paletó e o primeiro
golpe a deixou sem fôlego. A menina uivou de dor no mais absoluto pânico.
Matherson continuou a bater nela várias e várias vezes, não viu o que estava
fazendo, nem percebeu que a mulher rodeara a seus pés como uma bola de lã. A
garota protegeu o rosto, enquanto o resto do corpo recebia a fúria do homem.

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Cansado e suado interrompeu os golpes. A prostituta se arrastou no chão deixando
um rastro de sangue em seu movimento lamentável.
Matherson não a ajudou, nem sentiu remorso pelo que fizera. Imaginou que
poderia fazer isso com a noiva do conde. Talvez um dia tivesse a oportunidade de
compensar o que aquele homem havia tirado dele.
Na cabine, Laramie encontrou uma garota de cabelos ruivos e olhos verdes.
Amaldiçoou aquela noite, parecia que todas as prostitutas de olhos verdes haviam
se reunido naquele navio. A menina estava nua, Laramie começou a tirar a roupa
quando os gritos de Charles o pararam. Então a porta se abriu e a garota cobriu o
corpo com um lençol. Devereux virou-se para ver quem se atreveu a entrar no
quarto assim.
― Tem que ser ela! ― Charles mais bêbado do que nunca, com as calças
baixas, balbuciava palavras incoerentes. ― Você viu aqueles olhos, eu nunca vi
olhos tão verdes. Um anjo queimado ― disse ele, e agarrou a moldura da porta para
não cair. ― Você disse! Um anjo queimado ― murmurou em uma voz pastosa.
Uma loira com seios grandes abraçou-o com a intenção de arrastá-lo para o
quarto. Charles se soltou do abraço de novo e de novo.
― Querido, vamos voltar para o quarto ― disse docemente. A jovem prostituta
pegou as mãos dele e as carregou até os seios, e Charles se livrou do convite com
um leve empurrão.
― Não! Laramie! Você deve se desculpar com o nosso anjo queimado. Eu sei
que você não era um cavalheiro. Eu não sei o que você disse, mas não se despediu
de mim e eu não gosto disso. Ela é uma dama, eu sei que ela é.
O conde tinha tido o suficiente naquela noite. Seu amigo tinha ficado bêbado e
esse assunto iria obcecá-lo até que a bebedeira passasse. Não se orgulhava de seu
comportamento ou franqueza. A vida nas ruas lhe ensinara algumas coisas. Uma
era que você deveria construir uma casca forte, que de tão forte não entraria em
colapso com as palavras, as armas mais poderosas e cruéis de todas. Não se
comportou como um cavalheiro, nunca se comportou como um. Seu pai cuidou
disso, seu cavalheirismo e honra o levaram à forca, ele não cometeria o mesmo
erro. O dinheiro podia comprar títulos e terras, e isso era o que receberia com um
casamento adequado. Precisava de algumas crianças para herdar seus negócios e
uma esposa que orgulhosamente tivesse seu sobrenome como prometeu a sua mãe
e acreditava que finalmente tinha conseguido. O cavalheirismo era para pessoas
como Chapdelaine, pessoas com corações, não para homens como ele.
― Eu vou te levar para casa ― disse com resignação.

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― Não! Nós vamos para a rua Trafalgar Square, 109 ― insistiu o jovem
rabugento.
― Nós não iremos a lugar algum além de sua casa. Você bebeu demais esta
noite e é melhor você dormir.
― Mas... Nosso anjo queimado, quero saber quem é. ― Ergueu o braço para
mostrar a autoridade de um juiz ― Eu preciso saber.
Então, desabou sobre a garota, que tentou segurá-lo para que não caísse no
chão. Laramie ajudou- o e a garota desapareceu por um instante, voltando com as
roupas de Charles e Devereux colocou a camisa sobre os ombros. Quando ele o
soltou no banco do cabriolé, o carro que dirigia sem cocheiro, despertou e o agarrou
pela manga de sua jaqueta.
― Você a assustou... Você notou seus olhos verdes?
― Sim, seus olhos ― algo que o perseguira durante a noite, como seus lábios
grossos tão tentadores quanto uma fruta doce e suculenta, e para resolver a
insolência de sua mente febril, acrescentou ― e as queimaduras.
Laramie colocou o chapéu com tanta força que cobriu seus olhos.
― Isso tem sido muito cruel. ― Charles levantou o dedo.
― Sim, eu sou um homem cruel e você é um jovem com um grande coração.
Tenho certeza de que a garota não quer um bêbado e um francês batendo à sua
porta ao romper da aurora.
Charles riu do comentário de Laramie.
― Não ― disse Charles, ― amanhã... Amanhã vamos descobrir quem é o nosso
anjo queimado.
― Para que? ― Devereux perguntou com uma seriedade que o surpreendeu.
― Para que? ― Charles repetiu. ― Às vezes você é muito cego para ver o que
está na sua frente. Nem todos os dias você encontra um anjo e não importa se suas
asas são queimadas, ainda será um anjo.
Laramie lembrou o momento em que ele a segurou, sua boca perfeita, o olhar
penetrante que o perseguiu com uma sagacidade dolorosa. Evocou o som de sua
voz que imediatamente acalmou o rancor que sempre vivia dentro dele. No entanto,
não conseguia esquecer as queimaduras no queixo. Tinha visto homens no mar
com cicatrizes semelhantes e, na maioria dos casos, provocava rejeição. Imaginou
que a vida dessa menina seria muito pior. Não conseguiria ter um marido, nem
teria filhos. Ela seria relegada para ser criada ou a amante de algum homem com
gostos extravagantes. Essas imagens causaram desconforto.

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― Vamos! Cale a boca imediatamente ou eu juro te jogar no rio ― ameaçou
com uma seriedade que Chapdelaine apesar da embriaguez obedeceu
abruptamente.
Laramie subiu no turco do carro e incitou os cavalos. Desejava que
amanhecesse, esquecer aquela jovem e a melhor maneira de fazer isso era comprar
centenas de rosas brancas para enviar a sua noiva. Esperava que Lord Troy
MacGowan não se opusesse ao enlace, se isso acontecesse, tinha uma nota
promissória assinada por Virgínia na qual aceitou uma proposta de casamento.

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Capítulo 3
Elena não dormiu aquela noite, em breve deixaria essa casa para sempre.
Observou o retrato de seus pais, também o papel de cor rosa antigo das paredes. A
melancolia lhe fez sentir falta dos abraços e beijos de uma família. Ainda recordava
o dia em que compraram as cortinas. Dezenas de tecidos se estenderam no salão
para que a filha de lady Vitória escolhesse a que mais gostasse; algo parecido
ocorreu com os tapetes. Sua mãe trouxe da França uma preciosa cama com dossel,
para uma bela princesa, como a chamava cada noite antes de deitá-la.
Dentro de dois meses teria que abandonar seu lar. Não era das coisas
materiais o que sentiria falta a não ser estar longe dessa casa e deixar as
lembranças infantis de felicidade. Pensar que até isso lhe tirariam a entristecia até
o mais profundo de seu ser. Levantou-se afligida e rodeou a cama para não olhar-se
no espelho. Tinha pedido que os retirassem, mas Rosalyn ordenou que colocassem
um no quarto da Elena. Toda dama devia pentear-se e não lhe importava que para
ela fora uma tortura olhar-se cada dia em um espelho. Depois de recolher o cabelo
em uma singela trança, vestiu-se com um vestido de algodão cinza abotoado pela
frente. A casa permanecia quase em silencio até o meio-dia, e era nessas horas
quando se refugiava na sala de música para não coincidir com seus tios. Por isso
que ficou surpresa ao ouvir os gritos de Troy. Sigilosa ficou perto da porta da
biblioteca.
― Não imaginei que fosse tão estúpida!
― Pai! Sinto-o tanto ― Virginia chorava sem consolo.
― O que vamos fazer? ― perguntou Rosalyn com uma voz tão aguda que a
Elena custou reconhecê-la.
― Não podemos fazer nada! ― sentenciou seu tio com raiva. ― Virginia deu sua
palavra diante de toda Londres, e o que é pior, assinou uma nota promissória.
― Deus! É uma menina estúpida que ficou convencida por esse crápula do
Devereux a tirar proveito dela.
Elena podia imaginar muitas coisas desse homem, embora não acreditava que
fora alguém que precisasse enganar a uma mulher para arrastá-la a sua cama.
― Sim, é estúpida, mas já não é uma menina. Foi apresentada em sociedade
faz um mês. ― O pranto da Virginia, durante um instante, foi o único que escutou.
― Se não estivesse paquerando com metade da sociedade isso não teria se passado
― a acusou Troy.
― Acredita que foi minha culpa? ― perguntou com surpresa Rosalyn.

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― Você a incentivou a se expor em situações impróprias de uma dama.
― Se fosse um verdadeiro lorde não consentiria isto.
Robert não deixaria que sua filha se casasse com um rufião como o conde.
Elena se segurou ao marco da porta ao escutar como Laramie Devereux tinha
pedido em matrimônio a Virginia, não podia acreditá-lo.
― Nem você, se fosse como Vitória ― esse comentário jamais o perdoaria a seu
marido. ― Minha sobrinha não seria tão estúpida para comportar-se como nossa
filha.
― Não, certamente, ninguém quer a um monstro como esposa.
As palavras de Rosalyn não lhe doeram, não mais que outras vezes. O pranto
da Virginia lhe impediu de escutar o que tinha respondido seu tio.
― Eu não quero me casar com ele! Dá-me medo, é tão... Tão...
“Francês” pensou Elena, não pôde evitar sorrir ao recordar a brincadeira
compartilhada com Chapdelaine. Laramie Devereux parecia um pirata de novela,
em troca, era um contrabandista desumano, capaz de conseguir algo sem lhe
importar o preço. Depois do incidente com a carruagem sentiu curiosidade pelos
dois homens, sobretudo por Devereux e procurou informação na gazeta de negócios
que recebiam cada mês. Encontrou que Laramie era o conde Devereux, um
comerciante de chá, vinho e sedas, que negociava com ópio; um negócio
desprezível. Converter pessoas em fantasmas era tão repugnante que não
compreendia como um homem como Charles de Chapdelaine, irmão de Auguste, o
famoso missionário francês, era seu amigo. Pouco se dizia dele, salvo que possuía
uma fortuna considerável capaz de desculpar sua falta de maneiras sociais. Apesar
disso não esquecia como seus olhos negros a tinham julgado fazendo com que se
sentisse diminuída. O caráter áspero e mal educado desse homem destroçaria a
sua prima. Virginia não tinha muito conteúdo na cabeça, mas era sensível e
possuía bom coração. Necessitava um marido que a amasse e cuidasse, não alguém
que a exibisse como uma perfeita e bela aquisição. Se caísse nas redes de um
homem tão cruel como Laramie sua vida se converteria em um inferno.
― Não se casará! ― gritou Rosalyn.
― Necessitamos um milagre e não acredito que tenha um escondido em seu
quarto ― disse Troy com voz derrotada.
Apesar de seu amor pela Virginia não romperia um compromisso desse tipo
sem que a honra e o sobrenome MacGowan se visse desonrado. Elena escutou
como se dirigiam à porta, apressou-se a subir as escadas e a fechar-se em seu
quarto. Na segurança de seu quarto olhou o retrato de seus pais, lhes via tão
felizes, tão apaixonados. Pensou que nunca conheceria o amor, ninguém se
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apaixonaria por uma mulher como ela, embora graças a sua prima possivelmente
encontrasse sua oportunidade de conseguir um lar, de formar uma família. Seu tio
tinha falado de um milagre. Ela seria esse milagre. Casaria com Laramie Devereux,
o homem que a tinha acusado de não ser uma perfeita rosa inglesa. Logo
descobriria que não dispunha de pétalas sedosas, mas sim de espinhos capazes de
sobreviver em um mundo cruel e tão desumano como aquele.
Como a noite anterior, Elena foi incapaz de dormir, os lençóis lhe enredaram
nas pernas e depois de uma longa batalha de insônia terminaram no chão. Nas
intermináveis horas de vigília repassou seu plano. Às vezes, parecia-lhe desatinado,
outras, a mágica solução aos problemas que a ameaçavam. Com a alvorada, vestiu-
se depressa com um vestido passado de moda e sem espartilho. Não era adequado
para uma dama, mas na maioria das ocasiões não cruzava com ninguém na casa. A
sobriedade do vestido acentuava sua esbelta figura. Dirigiu-se ao escritório de seu
tio. Troy tampouco tinha dormido muito. Ele havia se trancado em seu quarto
preferido, o único lugar da casa em que Rosalyn não tinha imposto seu estridente
mau gosto. Durante um instante Elena se viu como uma heroína e o medo lhe fez
agarrar-se ao corrimão das escadas. A porta de madeira escura do escritório, que a
separava da decisão mais importante que jamais tinha tomado, plantou-se ante ela
e com força golpeou com os nódulos.
― Posso passar? ― perguntou com voz firme apesar de que os nervos e o
desgosto tocavam seu estômago.
― É obvio. ― Troy ficou em pé ao vê-la. Não podia tornar-se atrás sobre a
decisão de enviá-la a casa da viúva Turquins, embora o desejasse. Rosalyn o faria
pagar caro e já tinha suficientes problemas.
― Tio, está ocupado?
― Nada que não possa solucionar depois ― assegurou com um sorriso.
Envergonhava-lhe a decisão que sua esposa lhe tinha obrigado a tomar. Era
consciente de que nada tinha que ver com os pretendentes nem com as
queimaduras de Elena, tudo estava relacionado com o rancor que sentia por
Vitória. Angustiado por sua filha, com um gesto lhe indicou que tomasse assento. ―
Se tiver vindo a me pedir que te permita viver aqui isso já não é uma decisão que
esteja em minhas mãos.
― Sei e não vim por isso ― a atitude da Elena lhe intrigou. ― Ontem... Escutei
sua conversa com Virginia.
Troy corou de vergonha e assentiu com arrependimento. O nome de sua
família unido a um tipo como Devereux fez seus nervos se contraírem. Preocupava-

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lhe o bem-estar de Virginia, mas não havia nada que pudesse fazer para evitar esse
matrimônio.
― Sua prima é uma jovem muito bela com serragem na cabeça. ― Seu tio
passou as mãos pelo cabelo com desespero. ― Não posso anular o compromisso,
toda Londres poria em dúvida a honra de nossa família.
― Não podem fazê-lo.
Alegrou-lhe escutar que ao menos alguém estivesse de acordo com ele. Rosalyn
tinha chorado, suplicado e ameaçado para evitar um enlace que Troy jamais teria
permitido.
― Embora acredite que não há nada que possamos fazer para anular esse
matrimônio.
― Eu serei o milagre de que falaram ― disse Elena com tal segurança que
inclusive convenceu ao Troy de que tinha o poder de consegui-lo.
― O milagre? ― Troy não a compreendia, não obstante, os olhos verdes da
jovem brilharam com decisão.
― Sei que Virginia assinou uma promissória.
― Foi tão estúpida que o fez ― assegurou Troy pesaroso.
― Acreditei que sua prima teria algo mais de luzes ― disse, e acendeu um
cachimbo. O aroma de tabaco se estendeu pela sala quando aspirou várias
baforadas. ― Uma dama envolta em algo assim mancharia sua reputação para
sempre. Se anularmos o compromisso, Devereux fará pública a nota promissória e
nenhum cavalheiro com dois dedos de prudência se casaria com uma jovem como
ela.
― Posso vê-lo? ― pediu.
― Devereux não é tão imbecil para lhe dar o original, é uma cópia.
― Isso não me importa, sempre que puder ver a assinatura da Virginia.
― Claro... ― Troy rebuscou em uma das gavetas do escritório e entregou um
elegante papel cor nata com cabeçalho dourado. Estava desconcertado ante o rosto
de sua sobrinha. O sorriso da moça confirmou que o que via nele encaixava em seu
plano.
― Nunca mudará ― sorriu, agradecida porque a Virginia não interessasse
escrever nem ler.
― A que te refere?
Elena lhe entregou a promissória para que comprovasse o motivo de sua
alegria.
― Sempre assina com seu sobrenome, nunca utiliza seu nome.

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― E no que nos beneficia isso? ― Troy seguia sem compreendê-la. A moça ficou
em pé e se passeou pela habitação como um gato nervoso a ponto de apanhar um
camundongo.
― Também eu sou a senhorita MacGowan.
Em seguida seu tio entendeu suas intenções. Essa garota teria sido uma boa
herdeira do título. Entretanto, as queimaduras não seriam fáceis de dissimular
ante o Devereux.
― Pretende te casar em lugar de sua prima? ― Troy não sabia o que pensar
dessa proposta, todos naquela casa tinham enlouquecido.
― Assim é ― afirmou com um sorriso que fez que seu tio visse por completo a
Vitória.
― Devereux não é cego, não será tão estúpido de aceitar uma mudança.
Ninguém troca um puro sangue por um cavalo de tiro.
Com essas palavras não pretendia machucá-la, mas a ingenuidade da garota
lhe irritava. Já tinha tido bastante com a estupidez de sua filha e o ressentimento
de sua esposa para aguentar as fantasias da Elena. A jovem suportou o insulto
como tantas outras vezes sob a couraça que protegia seu coração.
― Não o fará, nunca saberá que não se casará com a Virginia até depois das
bodas.
― Como pretende fazer isso? ― perguntou intrigado pelo plano.
― Enganando-o. ― A garota se sentou na cadeira de novo. Seu rosto
resplandecia.
― Não é um cavalheiro de coração fraco, é um homem curtido nos negócios,
uma raposa sagaz e você... Enfim, você uma garota que conhece pouco o mundo e
seus enganos.
― Conheço bem a crueldade. ― Troy se removeu incômodo por causa dos
remorsos. ― Não terei um lugar aonde ir se Rosalyn o propõe. Depois da vergonha
que suporá casar a sua única filha com um comerciante seu rancor para mim será
muito maior. ― Seu tio baixou a vista ante os argumentos que lhe tinha
apresentado sem rodeios. Deixaria-a jogar suas cartas, não tinha nada que perder e
sim muito que ganhar.
― Está bem, me diga o que temos que fazer. ― Lorde MacGowan ajustou os
óculos e olhou a sua sobrinha com atenção.
― Deixar que Devereux corteje a Virginia. Diga que é bem-vindo a esta casa e…
―… Todo mundo suporá que é sua prometida!
― Todo mundo saberá que corteja a uma MacGowan ― disse Elena, ― será sua
palavra contra a sua. A promissória não menciona o nome de Virginia e eu
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assistirei a cada entrevista que minha prima tenha com esse homem. Sou uma
MacGowan e isso é o que vai ter.
― Quando descobrir o engano possivelmente não tenha muita consideração
contigo.
Se por expulsá-la de casa se sentia desprezível, aceitar que pagasse o engano
de Virginia o convertia em alguém ainda pior, sem escrúpulos. Desejou que Robert
não tivesse morrido, um cargo como o título MacGowan exigia uma
responsabilidade que lhe acovardava.
― É um homem orgulhoso e isso lhe impedirá de reconhecer se acima de tudo
Londres zomba dele.
― Quando começamos? ― perguntou surpreso pela valentia ou desespero de
sua sobrinha. Ignorava como tinha chegado a essa conclusão sobre Devereux, mas
Elena lhe propôs atuar imediatamente.
― Esta mesma tarde lhe envie uma nota e diga que estará encantado de que
corteje a senhorita MacGowan.
― Seu pai se sentiria orgulhoso.
Elena agradeceu as palavras de seu tio com um sorriso, a beleza voltou para
ela nesse instante e Troy ficou sem fôlego. Suas queimaduras podiam repelir aos
homens, mas eram uns ignorantes por não serem capazes de ver a valia dessa
moça.
― Me casar com um pirata não seria o que ele teria desejado para mim.
Seu tio guardou silêncio de novo. Devereux podia ser muitas coisas, mas
duvidava que fora um dos piratas românticos das novelas que ela lia. No clube lhe
tinham permitido a entrada graças a seu antigo e nobre sobrenome. Era um conde,
entretanto, os negócios com o ópio não eram os mais adequados para um
cavalheiro. Jogava cartas sem importar as perdas e sempre fazia alarde de que
conseguia o melhor, tanto em mulheres como em bens. Além disso, possuía umas
maneiras impróprias de um membro da boa sociedade. Durante um instante,
sentiu verdadeira compaixão por sua sobrinha, quando esse homem descobrisse a
verdade, suas queimaduras seriam o menor dos problemas dessa moça. Laramie
Devereux não lhe perdoaria o ridículo que fizesse ao alardear que se casava com
uma beleza inglesa. A garota salvaria a honra da família e se tinha que apostar por
alguma das duas jovens, não o faria pela Virginia, quem não aguentaria nem um
assalto frente ao conde.
Uma hora mais tarde, Elena entrou no dormitório de sua prima sem bater na
porta, a moça chorava na cama abraçada ao travesseiro. Seus cabelos vermelhos
lhe caíam nas costas como uma labareda de fogo, os cachos que a empregada
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acotovelava todas as manhãs haviam desarmado. Virginia ao vê-la limpou as
lágrimas. Suas bochechas rosadas pelo pranto lhe concediam uma beleza etérea.
Era fácil imaginar que qualquer homem se apaixonaria por ela, tinha um busto
generoso, uma cintura estreita e uma pele perfeita. A moça vestia uma camisola e
uma bata em cor baunilha que aumentava sua beleza.
― Elena! ― levantou-se da cama e se abraçou a jovem.
― O que vou fazer?
― Tranquila. ― Conduziu Virginia de novo para a cama e depois de deitá-la,
sentou-se e lhe acariciou seus belos cabelos vermelhos. ― Já está solucionado,
deixa de chorar e não se preocupe.
Virginia a olhou através das pestanas molhadas pelas lágrimas com a
esperança de que as palavras de sua prima fossem certas.
― Meu pai não pode romper o compromisso e eu... Não saberei como me
comportar com um marido como ele. Dá-me medo ― Elena notou como Virginia se
estremecia.
― Isso não será necessário. Antes de lhe dizer como vamos resolver isso, quero
que você me diga o que aconteceu, de que modo você acabou por se comprometer
com um homem como o Devereux.
― Juro-te que não sei. ― Virginia colocou a mão em sua testa de uma maneira
tão melodramática que Elena sorriu.
―Assisti a casa dos Rochman, perto do Soho, sei que papai não aprova, mas
são tão divertidos…
― Seu pai tem razão, aos salões dos Rochman nem sempre vem a nata
londrina.
― Sei. ― Virginia baixou o braço. ― Ele estava ali e é tão arrumado como um
herói e tão diferente do resto dos homens que acreditei que não podia ser certo.
― Quem lhe apresentou? ― Elena não pensou o mesmo; quando o conheceu
não lhe pareceu nenhum herói a não ser um homem soberbo e mal educado.
― A marquesa de Sharinton.
Elena não ia aos salões se podia evitá-lo. Mas tinha ouvidos e quando se senta
atrás das mães das debutantes, viúvas ou casadas, escutam-se muitas coisas. A
marquesa de Sharinton era uma mulher amadurecida que colecionava amantes
como obras de arte. Não lhe importavam os falatórios, seu marido vivia no campo e
ela na cidade. Tinham chegado a um acordo após numerosas brigas e desavenças.
E pelo visto, agora era amiga de Laramie Devereux. Uma careta de desagrado se
apoderou de sua boca ao imaginá-los juntos.
― Compreendo, foi amável?
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― Não só foi amável, também encantador, adulador, cavalheiro...
―… Faço uma ideia ― disse Elena.
Seu rosto trocou de cor ao recordar a amabilidade que a tinha tratado, igual a
um toco sem sentimentos. Possivelmente como encantador de porcos, pudesse
ganhar o sustento, entretanto, duvidava que esses animais o suportassem. Quanto
ao de ser adulador, com ela tinha sido grosseiro e cruel. Dava-lhe igual se era
conde ou duque, seu pai tinha sido um lorde e um cavalheiro, esse homem era um
grosseirão.
― Está bem? ― perguntou sua prima quando percebeu que os olhos da Elena
lançavam labaredas à parede.
― Sim, segue contando ― animou Virginia com um sorriso fingido que sua
prima não advertiu.
― Depois da apresentação pediu-me um par de bailes, todos decorosos ―
asseguraram ―, logo alguém propôs que as damas jogassem cartas. Não é o
habitual e soou divertido. Não dispunha de dinheiro e o conde se ofereceu a cobrir
minhas pequenas perdas.
― Virginia! ― Elena estava escandalizada e de uma vez surpreendida da
ingenuidade de sua prima. ― Não devia aceitá-lo.
― Acredita que não sei? ― respondeu Virginia com uma queda de pestanas que
tivesse provocado a qualquer homem desejos de beijá-la. ― Uma coisa levou a outra
e quando me dei conta tinha perdido uma grande soma de dinheiro. Então, propôs-
me uma última partida para me recuperar, se perdesse assinaria uma promissória
no que me comprometeria a me casar com ele. Imaginei que brincava. E aceitei.
Elena a conhecia o suficiente para adivinhar que lhe ocultava alguma coisa.
― Virginia..., que não me contaste?
― Pai não pode descobrir ― Elena se alarmou por suas palavras. ― Não foi com
o Devereux com quem perdi a partida, a não ser contra Roger Matherson, Devereux
me salvou de um destino muito pior. Se ele me dá medo, Matherson me aterroriza.
― É uma inconsciente! Esse tipo é da pior índole, teve problemas com a lei e
muitos asseguram que assassinou a sua esposa. Depois de tudo, Devereux é
melhor destino que Roger.
― Não te zangue comigo ― suplicou sua prima.
Elena não suportava por mais tempo o rosto de pesar da Virginia, além disso,
tinha vindo a lhe trazer boas notícias.
― Não chore, eu me casarei com o Devereux ― anunciou ante a cara de
incredulidade de sua prima.
― Não! Ele não aceitará.
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Virginia nunca tinha mencionado suas queimaduras e evitava as olhar. Não
era tão ingênua como para não saber que devido a elas não era uma candidata a
um bom matrimônio e, menos ainda, desposar-se com o conde.
― Não se preocupe, para quando se inteirar já será muito tarde.
Virginia saiu da cama com coragem renovada. Conhecia sua prima, seu
caráter e inteligência, jamais se comparou com ela quanto à conversação ou
maneiras e temeu que sofresse por sua culpa. Elena tinha um plano e apoiaria
qualquer ideia que a salvasse de casar-se com o conde. Com ternura se abraçou a
sua prima.
― Elena... É como uma irmã para mim, não deixarei que te sacrifique em meu
lugar.
― Tomei uma decisão e não vou voltar atrás. Ambas conseguiremos nosso
milagre se fizer o que te peço.
Virginia não a entendeu, mas se Elena tinha concebido um plano para caçar
Devereux nem mesmo Deus o impediria.

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Capítulo 4
Laramie esperou que o servente saísse do escritório para abrir a carta que
tinha recebido da residência MacGowan. Não estava seguro de como tomaria uma
rejeição. Quando leu o conteúdo da missiva se sentiu perplexo e muito satisfeito.
Tinha imaginado que lorde MacGowan negaria a que sua filha fora cortejada por
um homem como ele. Devia reconhecer que se estivesse em seu lugar o teria
desafiado para um duelo antes que permitir que uma filha sua se casasse com um
comerciante com uma fama como a sua. Entretanto, Troy MacGowan não poderia
negar a evidência, Virginia tinha assinado uma promissória na qual se
comprometia a casar-se com o ganhador dessa partida de cartas. Ainda recordava a
cara de assombro da jovem no instante em que a salvou das garras de Matherson.
Lady Vitória acreditou que rasgaria a promissória, em troca, exigiu-lhe
cumprir o mesmo trato. Necessitava de uma esposa para introduzir-se na sociedade
inglesa. Jamais retornaria à França depois do que tinham feito a sua família. A
fama que lhe perseguia que, em parte era certa, não facilitaria casar sua irmã com
algum membro da aristocracia. Tinha jurado no leito de morte de sua mãe que
Anna voltaria a ser uma condessa. Sua beleza seria um prêmio que acrescentar ao
homem que se comprometesse com ela. Laramie observou a letra limpa e perfeita de
Virginia, um sorriso se desenhou em seus lábios ao imaginar a virginal moça nua
em sua cama. Sem poder evitar a excitação voltou algo mais incômoda na virilha do
que tivesse desejado.
Amaldiçoou ao Charles, essa noite não tinha aliviado sua ansiedade e agora
qualquer pensamento lhe provocava uma ereção. Bebeu o chá que Adams, seu
mordomo, tinha-lhe servido fazia uma hora. Não era como um banho de água fria,
mas até que chegasse a tarde seria o mais parecido. Os negócios lhe reclamavam no
cais e antes queria ver como avançava a construção do navio Nêmesis.
Uma máquina de ferros e vapor, um canhão como nunca se conheceu. Cedo
ou tarde a China atacaria e a Inglaterra contra-atacaria. Até agora ambos os
impérios protagonizavam combates sem importância, incidentes políticos resolvidos
com desculpas e presentes. Não queria uma guerra, mas Auguste estava
equivocado, ninguém deteria a fome selvagem do Império britânico e se jurou, fazia
muito tempo, que não sucumbiria de novo à miséria. Tinha comprado ações do
navio Nêmesis. Queria estar no lado ganhador.
Cinco horas mais tarde batia na porta da mansão MacGowan, a mesma casa
em que deixou a Elena. A surpresa desconcertou um instante, confiava em não

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encontrar-lhe. Olhou suas lustrosas botas pela terceira vez, assegurou-se de que a
calça mantinha uma perfeita listra no centro e que não lhe faltava nenhum botão à
jaqueta. Verificou o nó da gravata batendo à porta. Não havia se sentido tão
nervoso em muito tempo. Não era um jovenzinho incapaz de controlar-se ante a
uma mulher formosa. Virginia seria muito em breve sua esposa e esse fato
perturbou a temperança que lhe caracterizava. O mordomo abriu a porta e
interrompeu seus pensamentos. Laramie se anunciou com voz rouca. O homem o
guiou até uma sala onde tinha que esperar lady MacGowan. Quando a porta se
abriu a moça apareceu deslumbrante.
O vestido que era de um azul pálido acentuava sua figura, encantos que
Loraime desejava cada vez mais descobrir. Levava nos ombros uma echarpe de
musseline sob a qual se vislumbrava o nascimento de um comprido e esbelto
pescoço. Sua futura esposa recolheu o cabelo e uns graciosos laços curvados caíam
em ambos os lados enquadrando seu rosto uma bela imagem.
― Lady MacGowan. ― Laramie se aproximou dela. Pegou-lhe as mãos e com
uma saudação cortês lhe beijou a palma. Existia certa insinuação em seus olhos
que ruborizou a jovem.
― Conde Devereux ― a moça sorriu com acanhamento, algo que lhe cativou. ―
Queria lhe apresentar a minha prima.
O sorriso no rosto do Laramie congelou quando viu de quem se tratava. O anjo
queimado apareceu ante ele. Seus olhos verdes lhe olhavam com desprezo. Estava
seguro de que Virginia lhe tinha contado como se comprometeu e é obvio o
consideraria o ser mais desprezível do mundo. Sua opinião tampouco melhoraria
graças às palavras que lhe disse em um arrebatamento de mau humor.
― Conde Devereux ― respondeu, e sua voz soou angélica em comparação com
a de Virginia.
― Senhorita MacGowan ― respondeu morto de calor por sua presença.
Laramie se surpreendeu de que a jovem não fizesse menção de que já se
conheciam, mas não estava ali por essa moça. Observou como se sentava em uma
cadeira de respaldo alto afastada do sofá, assim faria de carabina, não tivesse
escolhido a alguém melhor para essa missão. Sentia os olhos dela cravados nas
costas e a lembrança por como a tratou lhe impedia de concentrar-se na Virginia.
― Minha prima é uma grande pianista ― assegurou sua prometida com
acanhamento.
― Me alegro ― respondeu sem mostrar muito interesse, concentrado nos lábios
da moça.
― Gostaria de um chá? ― perguntou Virginia como uma perfeita anfitriã.
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Laramie assentiu, embora o que gostaria era de estreitá-la em um abraço e
beijá-la. Virginia ficou em pé e chamou a serviçal, Devereux olhou de soslaio o anjo
queimado. A jovem havia trançado a juba dourada. A luz que entrava pela janela
perfilava brilhos dourados ao redor de sua figura. A grosa trança tampava as
queimaduras do queixo, enquanto que o xale de cachemira, muito mais sóbrio que
o de sua prima, evitava que se vissem seus ombros. O rosto da moça parecia
cinzelado pelo melhor escultor italiano. Possuía um nariz arrebitado, uma boca de
lábios carnudos e tentadores e aqueles olhos verdes tão endiabrados, além de um
talhe estreito e um busto proporcionado com a estatura do corpo. Durante um
instante, Devereux apreciou a verdadeira beleza de Elena e acreditou ver uma
miragem. A voz de Virginia reclamou sua atenção.
― Conde Devereux, o tempo melhorou o bastante, não crê? ― ao terminar de
falar Virginia colocou em sua xícara dois torrões de açúcar.
A conversação da garota não era muito melhor que a que teria com um de seus
cães, mas procurava uma esposa, não um membro da câmara dos lordes.
― Sim, o que me recorda que possivelmente gostaria de ir a um lanche ao Hyde
Park amanhã. Iremos um par de amigos e, é obvio, sua prima pode acompanhá-la
― acrescentou sem voltar-se para ver a reação da Elena.
― Não poderá ser ― respondeu, e seus olhos se desviaram ao sítio onde estava
sentada sua prima.
Virginia devia fazer o que tinham acordado, não deviam arriscar-se a que lhes
vissem juntos no exterior. Dessa forma, ninguém testemunharia que o conde teria
cortejado a MacGowan equivocada.
― Bem… ― Laramie controlou sua ira, ― entendo ― começava a pensar que a
moça se envergonhava de que a vissem com ele.
― Elena, toca uma peça para o conde ― pediu Virginia, sobressaltada pelo
olhar intenso e insinuante de Devereux.
― É obvio. Que compositor gosta? ― A jovem lhe entregou várias partituras.
Laramie escolheu algumas peças singelas que não a pusessem em evidência.
Mas ao notar a recriminação com que lhe olhava, o diabo que habitava lhe sugeriu
que escolhesse uma obra de grande dificuldade.
― Eu gosto da sonata número 29 no Si Maior Op. 106 de Beethoven, embora
possivelmente seja muito complexo para sua prima ― Elena sorriu, deu-se conta de
que se comportava como um menino rancoroso e sua proposta lhe divertiu, algo
que a Laramie irritou ainda mais que essa estúpida velada.
― Virginia, você gosta dessa obra?

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― Não sei, eu não gosto da música aborrecida. Acredito que homens de sua
idade é que gostam.
Laramie sentiu desejos de defender uma obra como a de Beethoven, além
disso, tinha-lhe chamado velho. Ignorava o que lhe incomodava mais: se o olhar de
superioridade do anjo queimado ou a simplicidade da rosa inglesa. Olhou Elena, a
jovem estirou os dedos como faria um grande músico antes de sentar-se no
tamborete do piano. Devereux rogou ao céu que a moça não destroçasse a obra
nem seus ouvidos. Tinha escolhido uma peça difícil, também a mais longa; uma
velada assim acabaria com seus nervos, sobretudo sem uma boa taça de conhaque.
Elena se sentia nervosa, tentou acalmar-se e desafiar a esses olhos negros que
a desafiavam. Respirou com força e começou a deslizar os dedos pelas teclas do
piano. A princípio sentiu-se insegura, logo a música se apoderou dela até esquecer
quem estava no salão. Laramie reconheceu que Virginia tinha razão, sua prima era
uma grande pianista. A música lhe relaxou e conseguiu esquecer suas
preocupações. Quando Elena terminou, o conde aplaudiu com sinceridade.
― Foi maravilhoso ― a felicitou com um sorriso que causou na jovem um
incompreensível desassossego.
― Obrigada ― respondeu perdida na intensidade do olhar desse homem. Se se
tirava a máscara de soberba e aspereza que o cobria se apreciava um semblante
nobre e muito atrativo.
― Deveria ouvi-la cantar, isso sim que é maravilhoso ― assegurou Virginia com
um entusiasmo contagioso.
― Não acredito que o conde tenha vindo me ouvir cantar. ― De novo, sentou-se
afastada de onde Virginia e Laramie se encontravam.
Elena tremia de emoção. Nunca tocava para ninguém e fazê-lo para o conde
tinha sido uma provação muito difícil. Agradou-lhe que gostasse, e mais, ficou
entusiasmada com a sinceridade com que confessou que lhe tinha resultado
maravilhoso. Esse homem lhe resultava estranho, por momentos se comportava de
forma selvagem e cruel, em troca, apreciava obras tão complexas como as do
Beethoven. Seus pensamentos voltaram para salão quando Virginia, em pé,
despedia-se do conde.
― Senhorita Elena MacGowan ― Ele assentiu com a cabeça. ― Asseguro-lhe
que escutá-la foi um prazer inesperado.
Elena lhe tinha olhado com esses profundos olhos verdes e neles Laramie viu
surpresa e, também, agradecimento. A moça não receberia muitos elogios, mas
devia ser justo, nem tão sequer Beethoven o teria interpretado melhor.

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O lacaio acompanhou Laramie à porta. Montou na carruagem sem estar
seguro do que tinha passado nesse encontro, embora desse algo para voltar a
escutar a peça musical.
Ao fechar a porta atrás das largas costas do conde, Virginia girou para sua
prima que permanecia ainda sentada na cadeira. Elena não tinha esperado que o
conde tivesse a sensibilidade necessária para apreciar a música que lhe tinha
proposto. Era um homem tão singular, tanto por suas maneiras, suas formas e por
seu comportamento que temeu não conseguir seu objetivo. Entretanto, tinha visto o
desejo em seus olhos ao beijar a palma da mão a sua prima. Virginia estava
formosa essa tarde e, durante uns segundos, uma pontada de ciúmes se apoderou
dela.
― Deu-se conta? ― a inquietação da Virginia conseguiu preocupá-la.
― Acredito que não ― sorriu com uma confiança que não sentia.
― A verdade é que é muito mais atrativo que qualquer dos homens com os
quais dancei. Não lhe parece isso?
Elena conhecia o caráter namoradeiro de sua prima. Desejou, pelo bem de
ambas, que não sucumbisse a uns encantos que também tinha apreciado. Virginia
se sentou de repente no sofá, seu torneado corpo se inundou em uma massa de
gazes de cor azul.
― Sim, é um homem atrativo ― reconheceu a contra gosto.
― Sua roupa era da melhor qualidade, nem extravagante nem tampouco
aborrecida. Lorde Preston levava outro dia no jantar de lady Sharanton um enorme
rubi como alfinete de gravata. Devereux sobressaiu sobre todos eles, não necessita
desses adornos para destacar e ser varonil.
― Virginia! ― ela repreendeu. ― Não estará apaixonada por esse homem?
― É obvio que não, além disso, ― disse com convicção, ― dá-me medo.
― Por quê?
Para Elena ele ocasionava confusão, intriga, vontade de lhe agredir verbal e
fisicamente, algo que a envergonhava, mas medo não. Depois de sua máscara de
soberba tinha acreditado entrever um ápice de compaixão.
― Porque um dia foi um pirata, ou isso me contou na festa de lady Sharanton.
Sua fortuna é escura, um conde ao que despojaram de seus bens, e aparece tempos
mais tarde na Inglaterra mais rico que o rei Midas.
― Todos sabem a que se dedica e ele não oculta. ― Isso era algo que teria que
aceitar de seu marido, um negócio sujo e repugnante que lhe dava asco. ― Acho
que é mais como um pirata ― brincou, e ambas as primas se deram as mãos para
sair da sala de música.
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Em seu quarto, Elena se olhou no espelho e viu uns olhos negros que a
olhavam com intensidade. Se o destino não tivesse sido tão cruel, se não lhe tivesse
marcado para sempre, não teria que enganar a um homem para convertê-lo em seu
marido. Aproximou-se da penteadeira e começou a pentear o cabelo dourado uma e
outra vez, o movimento incessante das escovadas a tranquilizava. Uns golpes na
porta a fizeram parar.
― Posso entrar? ― Troy virou a cabeça.
― Sim, tio pode entrar.
Troy MacGowan fechou a porta. A luz dos abajures de gás lhe envelhecia.
Elena atou o laço de sua bata azul e ajustou o xale aos ombros.
― Como foi? ― Seu tio parecia tão necessitado que sentisse lástima por um
homem que a poria na rua sem nenhum remorso.
― Como era de esperar ― lhe tranquilizou. ― Virginia se comportou como uma
dama.
Troy aliviado por suas palavras parou de tirar e colocar o relógio no bolso do
colete.
― É como sua mãe. ― Sorriu. ― Não nos enganemos, é uma mulher muito bela
capaz de provocar desejo em um homem ― Elena avermelhou pelo comentário tão
franco ―, mas não é uma dama, nunca o será. Igual a minha esposa, que não pode
comparar-se com sua mãe, ela não pode fazê-lo contigo.
― Tio... ― O homem elevou a mão para calá-la.
― Espero que o conde descubra algum dia que você é a condessa que necessita
seu tio.
― Obrigado ― sussurrou ante as palavras de elogio de Troy, logo acrescentou:
― Há um problema. Quer se gabar de sua prometida, pretende convidar a Virginia a
algum ato social para exibi-la.
Troy mostrou seu medo ante a situação que se morava.
― Isso é algo que não poderemos evitar.
― Não, asseguro-lhe que ninguém descobrirá nossos planos se fizer à minha
maneira ― seu tio a incentivou a falar com um gesto da mão. ― Aceitaremos o
convite, em um lugar movimentado, um jantar ou um baile, quanta mais gente
melhor. Rosalyn não virá, lamento dizer-lhe tio, o estragaria
― Lorde MacGowan assentiu. ― Na metade da velada Virginia partirá, uma
indisposição própria de uma dama. Devereux não duvidará, minha prima pode ser
muito convincente com suas doenças quando quer. ― Troy pensou que Rosalyn
também. ― O conde não me encontrará para que abandonemos a festa. Então, você
lhe pedirá que me acompanhe de volta para casa.
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― Será convertida na fofoca de Londres se retornar a sós com um cavalheiro
solteiro em uma carruagem ― Troy se sentia um miserável ao comprometer a
reputação de sua sobrinha dessa forma.
― Não será com qualquer cavalheiro, a não ser com meu prometido.
Troy entendeu o jogo da moça, por ser uma garota tão jovem, possuía uma
mente retorcida.
― O que vais necessitar para que o plano funcione?
Os olhos da Elena se desviaram para o armário. Rosalyn não considerava
necessário que sua sobrinha vestisse de uma forma tão elegante e custosa como
sua filha. A Elena não importava. Quase nunca assistia a nenhum baile nem
jantar, salvo se era imprescindível e nunca o era.
― Convença a tia Rosalyn que visite a costureira. Necessitarei um vestido
para um baile.
― E, se seu plano não funcionar? ― pronunciou as palavras com certo temor.
― Então, tocarei o piano ― recordou a um homem encantado com a música.
Troy não entendeu a que se referia, mas contemplou a sua sobrinha com
admiração. Seus olhos verdes brilharam nesse instante graças a seus pensamentos.
Na manhã seguinte, Rosalyn a esperava na escada com as luvas postas e um
chapéu chamativo. Um desdobramento de flores e laços, frutas e encaixes de que
penduravam uma série de cintas soltas sob as quais se alargavam os cachos de seu
penteado à inglesa. Uma moda a que jamais se apontaria, davam o aspecto de uma
menina a uma mulher de média idade. Chapéu e penteado resultavam cômicos,
ridículos e vulgares. Elena fez um coque que sujeitou com um pente de ametista
azul, um presente de aniversário de seu pai quando fez treze anos. Pôs-se um
vestido cinza que apagava a maioria dos encantos da jovem. Um lenço rosa atado
ao pescoço em um laço caía até o estreito talhe. O pescoço alto do vestido rebatia
com o decote inadequado de Rosalyn para vestir durante a manhã. Como a
qualquer jovem gostava da moda. Fazia muito que não visitava uma costureira na
Regent Street. Sua mãe sempre ia à oficina de mademoiselle Cossete, uma francesa
com um dom especial para os vestidos.
― Aonde iremos?
― A minha costureira é obvio que não. ― Elena esperava uma resposta
semelhante, assim aproveitou a situação.
― A costureira de minha mãe é muito discreta, conhece-me desde menina.
Rosalyn elevou uma sobrancelha e avaliou a proposta. Já havia dado o que
falar na festa dos Sharenton, não necessitava mais falatórios pelas queimaduras de

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sua sobrinha, nem pelo fato de não lhe haver encarregado um traje decente em
cinco anos. O que levava era insosso e passado de moda.
― Está bem, não te acompanharei, preciso resolver uns assuntos.
Elena estranhou o comportamento de Rosalyn, entretanto, não olhou a sua tia
para dissimular a alegria que sentia por passar o menor tempo possível em
companhia dessa mulher. Estavam no fim de junho, a temporada social logo
terminaria. Aterrava-lhe confrontar todo seu plano, não estava segura de como
dirigir a situação com o conde. Sua tia se dirigiu à porta com urgência, essa manhã
tinha pressa para chegar à sua entrevista.
O chofer abriu a portinhola e a ajudou a baixar. A rua seguia igual a como a
recordava, repleta de pequenas lojas. Na esquina ainda estava a loja de chapéus de
madame Flaybumg, pertencente a uma holandesa cujas criações eram o desejo de
qualquer mulher. Em frente encontrava-se a pequena oficina de Cossete. Um
sorriso iluminou seu rosto ao recordar as vezes que tinha ido com sua mãe para
provar as formosas criações da costureira francesa.
― Tem três horas, se não estiver aqui não esperarei.
Elena quis dizer algo, mas as palavras ficaram suspensas no ar quando o
carro empreendeu a marcha. Decidiu que Rosalyn não danificaria a visita a
Cossete. Entrou na pequena loja e encontrou a costureira atendendo a outra dama.
Esperou que terminasse e logo a mulher fechou a porta e colocou o pôster de
fechado. Com um sorriso cúmplice, como se não tivesse passado uma eternidade da
última visita, pegou sua mão e subiram as escadas. O lugar, onde Cossete realizava
seus desenhos e criações. Havia uma enorme mesa de madeira com padrões,
repleta de amostras de diferentes tecidos. Ao lado de uma janela uma mesa e duas
pequenas poltronas. A costureira a obrigou a sentar-se em uma delas e ela fez o
mesmo na outra.
― Quanto tempo lady MacGowan? Que alegria vê-la!
― Não me chame assim ― disse com um tom doído. ― Não sou lady ― sorriu, e
dissimulou sua tristeza.
― Para mim sempre será ― afirmou muito séria a costureira com um acento
francês que lhe recordava o conde. Depois de tantos anos ainda não tinha
conseguido melhorar seu inglês. ― No que posso lhe ajudar?
Cossete serviu uma taça de chá de um delicado bule que uma jovem criada
tinha deixado na mesa. A garota colocou umas massas de aspecto delicioso em um
prato de porcelana branca. Toda a sala desprendia elegância e bom gosto apesar da
desordem e a acumulação de tecidos.
― Necessito um vestido para uma festa ― pediu quase com vergonha.
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Cossete aplaudiu como uma menina ante um presente de aniversário.
― Será minha melhor criação ― assegurou avaliando com olhos profissionais o
corpo da Elena.
― Deve ser algo singelo ― se apressou a dizer a jovem.
O rosto da francesa se entristeceu para ouvi-la.
― Por quê? Tem um corpo maravilhoso e um cabelo precioso.
― Não quero chamar a atenção à minhas... queimaduras ― disse com um fio
de voz.
― Posso ver? É necessário se quer que as tampe.
Até esse momento ninguém lhe tinha pedido algo assim. A francesa fez um
gesto à criada para que saísse da sala. Elena aceitou e desabotoou com mãos
trementes os botões do pescoço do vestido. Os trajes para um baile eram muito
diferentes dos vestidos usava. Cossete enfrentava um verdadeiro desafio, mas Elena
não tinha a menor dúvida de que o superaria.
― Não são tão horríveis. ― A costureira roçou suas cicatrizes com suavidade,
comprovou sua cor e chegou a uma conclusão. ― Seu vestido será em azul.
― O decote...
Elena estremeceu ao pensar que as queimaduras seriam vistas pelas pessoas e
o pior de tudo que as visse Devereux. Já tinha visto em seu rosto o asco quando o
chapéu caiu ao chão, não queria imaginar como a olharia se visse as queimaduras
do resto de seu corpo.
― Não se preocupe pequena, Cossete inventará uma solução. ― A francesa
fechou os botões do vestido com cuidado.
― Minha mãe dizia que foi a melhor costureira de Londres.
― E de Paris, não o esqueçam ― brincou Cossete.
― Seu vestido será para dançar toda a noite.
Nas duas temporadas sociais anteriores ela terminou sentada junto às mães
das debutantes. Nenhum jovem cavalheiro se dignou a lhe pedir um baile. Tão só
Troy a convidou; a humilhação foi tão grande que desde esse dia preferiu não ir a
esses atos. Nada do que havia ali tinha lhe interessado e ela não interessaria jamais
a ninguém. Não seria de novo o bobo dos salões. Depois de tudo, passadas duas
temporadas e não conseguia marido, não o faria nunca. Ela tinha estado em três.
Rosalyn tinha insistido, arrastou-a a última como se levasse um animal exótico de
uma plumagem carbonizada, rememorou com tristeza.
Três horas mais tarde, esperava na rua para que a recolhessem. O carro não
se atrasou, o porteiro desceu da boleia e lhe abriu a portinhola. Elena entrou sem
esperar a escuridão que reinava no interior, quando seus olhos se adaptaram à
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penumbra, observou a sua tia. Seguia com essa atitude silenciosa, mas algo nela
tinha mudado. Seu rosto mostrava um semblante frio e tão sério que omitiu saudá-
la.
― Bem? ― perguntou Rosalyn sem olhá-la.
― Terei o vestido para dentro de duas semanas.
― Não temos muito tempo, a temporada está a ponto de acabar.
Elena assentiu em silêncio. Em setembro estaria casada com o conde ou na
rua, nenhuma das duas opções lhe parecia boa.

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Capítulo 5

O próximo compromisso com o conde Devereux estava agendado para dois


dias mais tarde. Os nervos de Elena se contraíram conforme se aproximava a hora
de lhe ver. Desta vez não seria tão fácil desviar-se. Confiava que o orgulho do
homem fosse compensado quando sua prima aceitasse o convite ao baile da
marquesa de Albridare. Muitas eram as intrigas que se contavam dela. A marquesa
era uma mulher independente, comprometida com temas políticos que alguns
consideravam impróprios de uma dama. Gostava das artes, não era difícil encontrá-
la nos melhores salões de Londres onde atuavam os mais renomados artistas do
momento. As más línguas asseguravam que mantinha com seu marido uma relação
à distância. Tinha viajado para a Argélia e Índia, o rumor era de que falava cinco
idiomas. As festas da marquesa eram o melhor da cidade e todo mundo desejava
obter um convite. Como da última vez, quando Devereux entrou na sala sua
presença a encheu por completo. Na segunda entrevista não tinha sido correto lhe
fazer esperar, mas teve que arrastar Virginia até a sala. A jovem estava cansada.
Tinha passado toda a noite dançando com um homem de que dizia ter se
apaixonado.
― Senhorita Devereux. ― A moça estendeu a mão para que a beijasse e de novo
se sentou no sofá.
O conde se vestia essa manhã com cores escuras o que realçava uma
personalidade muito mais forte e misteriosa. A jaqueta ressaltava seus largos
ombros e as calças cor chocolate se ajustavam a seus quadris e coxas com
elegância. Laramie girou para Elena e a saudou com uma inclinação de cabeça,
sem dizer nada.
Devereux observou como se sentava na mesma cadeira de respaldo alto. Nesta
ocasião o dia estava nublado e não houve nenhuma miragem de beleza. Seu
penteado e vestido eram o mesmo da visita anterior. Em troca, Virginia optou por
um vestido de musselina verde água que destacava a cor vermelha de seu cabelo e,
também, sua beleza.
― Espero que vá ao baile da marquesa Albridare ― disse Laramie com a
intenção de distrair a jovem.
― É obvio e seria uma honra que nos acompanhasse.
Elena ruborizou pela forma tão direta em que sua prima acabava de expor a
situação, mas a proposta da garota agradou ao conde.

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― Pensava convidá-la. ― Sorriu. ― Não estou acostumado a que as mulheres o
façam, confesso-lhe que foi encantador.
O conde estreitou a mão de Virginia e acariciou seu pulso com a ponta dos
dedos. A jovem não retirou a mão. A moça, sem deixar de olhar a sua prima, disse:
― Da outra vez escutou como minha prima tocava o piano, ainda não a ouviu
cantar ― Elena negou com a cabeça a sugestão, seus olhos se aumentaram
horrorizados. Não lhe importava tocar o piano, entretanto, cantar diante dele era
algo muito mais íntimo.
― Cantando não sou boa ― tentou fugir a petição.
― É mentira. ― Soltou a mão do conde e ficou em pé.
― Canta como os anjos, não seja tão egoísta e nos deleite com uma de suas
canções. ― Virginia lhe mostrou a língua para provocá-la e obrigá-la a aceitar.
A atitude de sua prima foi uma surpresa para ambos, o conde não soube se
aquela moça tinha o cérebro de uma menina. Cada vez duvidava mais a respeito da
eleição de casar-se com alguém como ela.
― Se acalme ― conhecia muito bem o caráter volúvel e caprichoso de Virginia.
― Cantarei para o conde ― respondeu com resignação.
― Não é necessário ― disse Devereux ao advertir o olhar coibido da moça ante
a exigência de sua prometida.
― Ela cantará, antes o fazia ― insistiu, e com um gesto de assentimento
próprio de uma menina olhou Laramie.
Elena desejou ter uma vasilha de água e afundar a cabeça de sua prima
dentro. O conde assentiu e cravou os olhos nos da jovem. O sobressalto da moça foi
evidente.
― Cantarei ― se apressou em dizer para evitar o olhar do conde.
Virginia não tinha nenhum direito de contar nada dela e muito menos a um
homem como ele. Sentou-se no tamborete do piano, escolheu uma velha canção de
amor irlandesa, a preferida de sua mãe. O som etéreo da música se estendeu pela
sala e invadiu o coração de Laramie. Nunca tinha escutado uma voz como a dessa
jovem, fechou os olhos e recordou sua infância antes da miséria, da desgraça e da
dor. A música não só resultava embriagadora, mas sim a voz dessa mulher
constituía um bálsamo para suas feridas.
Virginia tinha razão ao assegurar que cantava como os anjos. De repente o
feitiço acabou e a moça entoou a última nota. Virginia havia dormido e o conde não
a despertou. Ficou de pé e se aproximou do piano. Elena não se atrevia a levantar
do tamborete. O sentimento que lhe invadia era tão lacerante, e quando elevou o
rosto percebeu que o conde lhe entregava um lenço para que secasse as lágrimas.
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― Foi muito formoso ― admitiu com sinceridade de uma vez que arrastava as
palavras provocando em Elena uma intimidade inquietante.
A jovem não podia pronunciar uma palavra, horrorizada por deixar perceber
seus sentimentos fugiu da sala.
Laramie estava cada vez estava mais assombrado, se todos os encontros dos
apaixonados transcorressem assim terminaria enlouquecido. Duas semanas antes
tinha imaginado que se apaixonar por uma debutante ia ser fácil, mas agora não
tinha a segurança de que seria assim. Saiu ao hall onde um lacaio lhe entregou o
chapéu. No exterior ainda ficava um pouco de luz, já que no fim de junho as tardes
eram mais longas. Decidiu andar pelo cais, a caminhada limparia a mente.
Durante o caminho a voz dessa mulher lhe perseguia como uma sombra.
Tinha sido comovente escutar seu sofrimento. A canção era um canto ao amor,
embora vislumbrasse uma grande tristeza oculta atrás da voz da moça, e ela se deu
conta. Lamentava-o pela jovem, se o destino não tivesse sido tão desumano, Elena
MacGowan teria se convertido em sua esposa. Ele disse a si mesmo que
possivelmente sua estupidez resultaria em algo muito pior ao escolher Virginia. A
mulher mais formosa da Inglaterra e herdeira de um título, com uma mentalidade
infantil, uma conversação nefasta e uns gostos simples, em vez de uma mulher cujo
interior albergava somente beleza.
Elena passeava por seu quarto como um animal enjaulado, como tinha se
comportado dessa forma? Recriminava-se uma e outra vez. Na maioria das ocasiões
Virginia era considerada e tinha bom coração, em outras se comportava como uma
menina malcriada, caprichosa e sem maneiras.
Não devia culpá-la, ela era a única responsável por ficar em evidência. Mostrar
seus sentimentos a um homem como Devereux, alguém que a tinha insultado de
uma forma brutal. Apertou o travesseiro contra o rosto, gritou e o chiado ficou
silenciado pelas penas de que era feito. Respirou fundo e desceu à sala de música.
O resto do dia tocou piano, era a única coisa que a ajudava a esquecer o
constrangimento sofrido. No meio da tarde um lacaio irrompeu no quarto.
― Senhorita, um servente do conde Devereux trouxe isto para você.
Assentiu em silêncio e aceitou a caixa branca envolta com um formoso laço da
mesma cor. Abriu-o com mãos trementes e descobriu no interior uma rosa branca,
tão perfeita que sentiu como os olhos lhe alagavam de lágrimas.
Uma nota dizia: “Estava equivocado”. Não era uma desculpa, mas seria quão
máximo obteria de um homem como ele.
Agarrou a flor, sua perfeição era singular. Aproximou-se da luz e em uma das
pétalas a imperfeição era visível, estava queimado pelo sol e recordou a ela. Um
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sorriso se desenhou em seus lábios. O conde seguia sendo um homem estranho, às
vezes brutal e outras, considerado; selvagem como o demônio e delicado como um
poeta. Definitivamente, disse-se com um sorriso bobo diante do espelho, um pirata
dos pés à cabeça.
Naquele mesmo dia, Virginia entrou no quarto de sua prima, viu a flor e a
ignorou. Elena a tinha colocado em um vaso e quando murchasse a conservaria em
algum livro como uma lembrança especial.
― Aí está! ― Virginia vestia um espartilho muito decotado que deixava pouco à
imaginação. Seus seios balançavam com um descaramento irritante.
Não lhe repreenderia por um comportamento tão desleal como o que tinha
recebido durante a visita do conde. Fazia tempo que tinha aprendido a superar o
caráter volúvel e caprichoso de sua prima.
― Estamos convidadas para o baile da marquesa. ― A jovem tombou na cama.
― Bom, isso é o que queríamos.
― O que você queria? Eu estou farta. ― Virginia fez outro de seus números
melodramáticos e afirmou iludida. ― Há tantos homens arrumados com os que
dançarem e divertir-se, entretanto, o conde me olha como uma posse. Sinto-me
igual a se estivesse comprometida com Barba Azul.
― Isso é estar comprometida. ― Daria seu braço direito por que algum homem
ou, reconheceu para si, para que o conde a olhasse dessa forma.
― Minha mãe diz que uma mulher não é a posse de um homem.
Elena se surpreendeu com o comentário de Rosalyn, mas dessa vez estava de
acordo com sua tia.
― Tem razão ― confirmou com um sorriso.
― E se nosso plano não sai bem? ― insistiu Virginia, enquanto enrolava um de
seus cachos. Um costume que tinha desde menina se algo lhe preocupava. ―
Repassemos outra vez o que tenho que fazer.
― Na metade do bai...
―… Vê! ― disse sua prima. ― Terei que ir quando tudo está mais
interessante…
―… Por favor, ― continuou, ― na metade do baile dirá que te encontra mal.
Uma enxaqueca horrível, seu pai te levará para casa. É obvio, pedira ao conde que
me busque e não me encontrará, logo ele terá que me acompanhar em casa.
― Prima, se não conseguir enlaçar esse homem converterá em uma... ―
Virginia não continuou, ela mesma se deu conta do que disse.
― Se não me casar com ele, não só me converterei em alguém marcada pela
sociedade, tampouco terei um lugar onde viver.
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Virginia se levantou de um salto da cama, sua mãe lhe tinha proibido falar
desse tema, assim que lhe deu um beijo de boa noite e partiu. Elena se aproximou
do vaso, acariciou a rosa e aspirou seu aroma. Essa noite sonhou com condes,
bodas e piratas.
Ao despertar, Elena teve outra surpresa. Cossete tinha entregado o vestido
muito cedo. Uma donzela o tirou da caixa e pendurou no armário para que não se
enrugasse. A costureira francesa não a decepcionou. A mulher tinha confeccionado
um vestido de seda azul com três babados que estavam afiados em finos encaixes
de Flandres de um tom muito mais escuro; um laço da mesma cor rodearia sua
cintura. Contava com um generoso decote que cobriu com uma gaze dobrada de cor
carne que se ajustava ao pescoço, com diminutos botões em forma de pérola. Abriu
a gaveta da penteadeira e procurou uma caixa verde de veludo. Nela guardava as
únicas joias que não pertenciam à família MacGowan, eram de sua mãe antes de
casar-se.
O que impediu que Rosalyn ficasse com elas, algo que agradeceria sempre a
seu tio. Tinham um belo tom turquesa que intensificaria a cor do vestido e de seus
olhos. O pequeno pente de prender cabelo oriental complementaria o traje dessa
noite. Deixou tudo na gaveta da penteadeira e desceu para tomar o café da manhã.
Não esperava encontrar seu tio beira de um colapso. Tampouco Rosalyn com o
aspecto de uma estátua de pedra, tão rígida que a maquiagem tinha desaparecido
por completo de seu rosto gasto e muito mais envelhecido que no dia anterior.
Elena se se sentou à mesa e observou as veias vermelhas a ponto de estalar nas
têmporas do Troy. Virginia ainda não tinha se levantado e o estranho era que o
casal o tivesse feito. Elena se serve uma taça de chá quando seu tio estalou como
uma piñata de aniversário.
― É uma raposa! ― insultou a sua esposa com voz enrouquecida pela ira. Logo,
apontou para Rosalyn com uma faca.
Elena engasgou com o chá e olhou seu tio com a boca aberta. O casal ignorou
a presença de sua sobrinha surpreendida por um espetáculo tão lamentável como
implacável.
― E também sou sua esposa ― a voz da mulher era gélida e cortava em
grandes partes uma fatia de bacon e os metia na boca.
― Como pudeste? ― disse quase com resignação.
― Não é um homem, nunca o foste e Roger faz que me sinta como uma
verdadeira mulher ― assegurou Rosalyn com tal desprezo que várias partes de
bacon saíram de sua boca como dardos envenenados.

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Ao escutar o nome desse homem a taça de chá escorreu das mãos de Elena.
Por sorte evitou que quebrasse.
― Nem sequer tiveste a desfaçatez de ser discreta. ― Troy jogou seu prato para
trás. Por sorte, a intervenção de um dos criados evitou que se chocasse contra o
chão.
― Como você com essa atriz ― acusou Rosalyn. A mulher mostrava uma
palidez extrema produto da fúria que a invadia por completo. ― Acredita que não
sei que te deita com essa raposa?
Troy ficou boquiaberto como faria um peixe fora da água. Assinalou lhe com o
dedo de forma acusadora.
― Não dramatize. ― Rosalyn deixou o guardanapo na mesa. ― Manteremos a
aparência até que Elena se case com esse conde e encontremos um marido
adequado para nossa filha.
Levantou-se sem dizer nada mais e seu tio saiu atrás dela. Elena ficou no
salão incapaz de acreditar o que tinha visto. Então, compreendeu o que fez sua tia
o dia em que visitaram a costureira. Compadeceu-se de Troy, não era um mau
homem, mas tinha cometido o engano de escolher a uma má esposa.
A festa da marquesa era o evento mais esperado tanto para as debutantes
como para as demais moças que no ano anterior não tinham pescado um marido.
Para elas seria a última oportunidade de conseguir um matrimônio vantajoso.
Devagar, descendeu pelas escadas e comprovou que os olhos de seu tio a
admiravam, algo que desagradou a Rosalyn. Esta, apesar dos esforços de Troy para
que ficasse em casa, assistiria à festa.
― Está preciosa! ― exclamou com entusiasmo Virginia. ― Seremos as jovens
mais bonitas do baile.
Elena sorriu com condescendência para sua prima, apesar do vestido ninguém
esqueceria quem era. Essa noite queria divertir-se e deixou que a inocência de
Virginia a contagiasse.
Troy acompanhou as mulheres ao carro e subiu em silêncio. O espaço estreito
da carruagem degradou um pouco a atmosfera que Elena queria proteger a todo
custo. O caminho para a mansão da marquesa não era muito longo e logo se viu
envolta em muitos babados, sedas e joias. As damas iam à festa com seus vestidos
mais chamativos, enquanto que os cavalheiros vestiam suas roupas mais elegantes.
Elena divisou um par de conhecidos e fez uma inclinação de cabeça a modo de
saudação.

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A marquesa, por sua parte, não tinha poupado no serviço. Grandes mesas
repletas de diferentes bandejas de codornas, peru recheado ou ervilhas a la
françoise, frango frio, fatias de rosbife, costelas de cordeiro a la jardinière, vitela com
arroz, pato a la Rouennaise cuja mescla de aromas abririam o apetite até do mais
inoportuno dos mortais.
Ao lado colocaram uma mesa para os mais gulosos com uma esplêndida
variedade de sobremesas: compota de cereja, tortas napolitanas, geleia da Madeira,
Carlota russa, morangos e bolos que fariam a delícia dos paladares mais deliciosos.
Também tiveram em conta os vinhos e o champanhe que o acompanhariam, depois
tomaria uma taça de clarete. Os serventes usavam gravatas de veludo carmesim e
ouro. Tudo era opulência e por onde olhasse sempre o esplendor era maior.
Candelabros gigantes iluminavam a sala. A orquestra entretinha uma noite que
mais tarde se transformaria em baile. O calor era o único impedimento para que a
festa fosse perfeita. Essa noite em Londres a temperatura resultava sufocante.
― Boa noite. ― Elena se virou ao reconhecer a voz do conde.
Vestia seus melhores ornamentos, estava impressionante com o traje negro e o
colete branco. Um autêntico aristocrata. O cabelo preso em um rabo de cavalo caía
às costas. Ninguém em Londres levava o cabelo dessa forma. Ao contrário de lhe
diminuir a masculinidade lhe concedia uma virilidade muito mais chamativa.
Poucos homens os levariam assim sem que sua dignidade se visse diminuída. Mas
um pirata, disse-se Elena, com um sorriso pícaro, era capaz disso e de muito mais.
Laramie apreciou o sorriso de Elena, resultava encantadora. Duas covinhas
nas bochechas transformaram um rosto sério e distante em um travesso duende.
Teria dado um de seus clíperes, o navio mais veloz construído até o momento, para
averiguar o que lhe tinha feito sorrir e fazer aparecer um duende de novo. Essa
noite seus olhos verdes estavam relaxados e a via feliz.
O halo de tristeza que a acompanhava desde que a conhecia tinha
desaparecido. Obrigou-se a retirar a vista dela e olhou Virginia, por algum motivo
lhe desagradou a comparação. A moça estava radiante. Uma verdadeira beleza,
embora a atitude, o corpo, os maneiras e inclusive a maneira de andar já não lhe
resultavam tão atrativos, mas bem vulgares e desgraciosos.
― Se me desculpam ― anunciou Elena. ― Tenho que saudar uns conhecidos.
― É obvio ― disse Laramie, e dissimulou depois com um forçado sorriso a
irritação que sentiu porque procurasse outra companhia.
― Preciso tomar algo, estou desfalecida ― pediu sua prometida com uma
batida de cílios muito sedutora e estudada.

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― Claro querida, trarei uma taça de ponche ― se ofereceu incomodado pela
atitude indiferente do anjo queimado.
Devereux seguiu Elena com os olhos. Como havia dito, aproximou-se de um
casal, acreditou que se tratava da duquesa Reinstons, possivelmente fossem
conhecidos dos antigos Lady e Lorde MacGowan. Recordou algum dos detalhes que
tinha averiguado sobre ela. Até esse fatídico dia era a única herdeira da casa
MacGowan, o acidente no que morreram seus pais não só lhe fez perder seu título,
também sua fortuna. O rumor era que era a culpada das mortes, que uma vela mal
apagada junto com um descuido infantil tinha ocasionado um acidente fatal.
Quando retornou ao lugar onde tinha deixado Virginia a moça tinha desaparecido.
Então avistou Elena sair para o jardim, sem saber por que, seguiu-a.
Elena não tinha comido no café da manhã e se sentia um pouco cansada.
Cossete tinha realizado um excelente trabalho para dissimular suas queimaduras,
embora o tecido grosso do vestido não fosse o mais recomendável para essa noite
abafada. Escapou da festa e se dirigiu ao labirinto, sentou-se em um banco e
desabotoou os pequenos botões deixando os ombros descobertos. Respiraria
durante um instante e ali nenhum convidado a incomodaria. Um ruído a
sobressaltou e a fez ficar em pé. A parte de tecido cor carne que Cossete lhe tinha
prendido ao vestido caiu ao chão e depois de recolhê-lo, encontrou-se com os olhos
negros do conde Devereux observando-a. Sentia-se tão exposta, tão vulnerável que
baixou o olhar. Laramie tinha visto coisas muito piores. As queimaduras lhe
recordaram a tatuagem de várias serpentes rastejando por sua formosa pele, mas
não lhe deu tempo para dizer-lhe Elena se perdeu no labirinto com tanta pressa
como um cervo em uma caçada.
O conde, depois da surpresa, retornou ao baile e a buscou sem encontrá-la.
Em troca, sua prometida estava acompanhada de seus pais. Lady MacGowan se
vestiu com tantos adornos e joias que a confundiriam com um adorno natalino.
Aproximou-se para saudar seu futuro sogro e ignorou a sua esposa.
― Boa noite, lorde MacGowan.
― Conde Devereux, Virginia não se encontra bem.
O rosto da moça estava ruborizado, pequenas gotas de suor apareceram na
branca frente da jovem.
― Lamento ouvir isso. O ambiente é sufocante, possivelmente um pouco de ar
fresco...
― Pai, vou vomitar ― interrompeu sua prometida.
Enquanto tinha estado sozinha tinha bebido mais ponche de que devia e
agora pagava as consequências. A cara de embaraço do pai teria feito graça a
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Laramie se a garota em questão não fosse sua prometida, não era tão estúpido para
não ver que lady MacGowan estava bêbada. Seu pai a agarrou o braço com força.
― Compreenderá que devamos partir. Não encontro Elena e não posso deixá-la
aqui, seria tão amável de acompanhá-la a casa?
Laramie aceitou sem ter em conta o que significava para um homem solteiro
acompanhar a uma dama sem companhia até sua casa. Troy sorriu com um sorriso
tão efusivo que desconcertou o conde. Não teve tempo de analisar já que a cara
pálida de Virginia anunciava que logo se converteria no centro das atenções da
festa. MacGowan agarrou sua filha e quase voou; seguido por sua esposa, levou-a
para a saída sem despedir-se da anfitriã como era devido.
O conde procurou de novo por Elena, mas não a encontrou. Essa noite estava
se convertendo em um autêntico desastre e somente acabava de começar.

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Capítulo 6
Elena viu seu tio abandonar a festa com Virginia, era o momento para que a
farsa subisse de nível. Esperou inquieta que o conde chegasse até ela. Ficou de pé
disposta a partir, mas não estava preparada para o que aconteceu então.
― Concede-me esta dança? ― pediu-lhe.
Elena acreditou que o tinha imaginado, lhe estendeu a mão e a conduziu ao
centro do salão. Ela não havia escrito qualquer pedido no cartão e o conde sabia
disso, então ela não podia recusar. Muitos olhares se pousaram neles. Laramie
percebeu que ela estremeceu quando colocou a palma da mão na cintura estreita
da jovem. Não era tão alta como sua prima. Os sapatos de saltos franceses
ajudavam a realçar seu corpo, entretanto, estava tão rígida que pensou que partiria
antes de escutar as primeiras notas da valsa.
― Relaxe ― sussurrou Laramie com um sorriso. ― Não mordo.
Elena sentiu que suas bochechas avermelhavam de vergonha. Não ignorava
que o conde conhecia que não tinha recebido nenhum convite.
― Faz muito que não danço ― confessou, era absurdo negar o óbvio.
Elena sentiu o dedo polegar do conde percorrer o tecido do decote das costas
com suavidade, não o notava na pele graças ao aplique de Cossete. Apesar disso o
gesto foi atrevido e o conde sorriu. Ela cravou suas pupilas nas suas como se não
ocorresse nada. Possivelmente o tinha imaginado quando a tinha aproximado dele
mais do que a etiqueta exigia. O desconcerto se refletiu em seus olhos.
Laramie não entendia que demônio estava fazendo. Tinha-a acariciado, embora
de forma involuntária e da mesma maneira a tinha atraído para ele. O aroma da
moça lhe resultava tentador. Imaginou como seria tê-la entre seus braços, nua e
entregue à paixão. Esse pensamento lhe fez sentir-se incômodo.
Essa garota entoava um canto de sereia, mas ele necessitava de uma esposa
bela, perfeita e com um título. Nenhuma das três coisas que repetia até não poder
mais evitou que ao olhar seus olhos verdes não sentisse vontade de apoderar-se de
sua sedutora boca. Em seu temor de deixar-se levar por um desejo insalubre se
deteve na metade da dança. Se até esse instante alguns olhares lhes seguiam com
curiosidade, agora, todo mundo lhes observava. Elena comprovou o desconcerto do
conde. Tinha aceitado seus cuidados, não podia culpá-la por isso.
Foi como se a tivesse matado quando partiu deixando-a na metade do salão.
Com o orgulho que ainda conservava e que não era muito depois do comportamento

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desse homem, retornou à cadeira em que esperaria até que voltasse para levá-la até
em casa. Se partisse sem ela o plano fracassaria.
A duquesa de Sutherland, uma mulher mal-intencionada e capaz de destroçar
a reputação de qualquer um com um de seus comentários, aproximou-se de Elena.
― Senhorita MacGowan, seu companheiro de baile foi tão descortês que me vi
na necessidade de lhe fazer companhia até que alguém de sua família a leve para
casa. ― A mulher estirou o pescoço procurando a seu tio.
― Senhora, acredito que isso não será possível ― respondeu Elena ruborizada.
Uma coisa era riscar um plano na tranquilidade de seu lar e outra muito
distinta, realizá-lo em metade de uma festa sendo o objeto de tantas olhadas.
― Hum! Sua tia também partiu ― reconheceu a mulher com um sorriso
malicioso ―. Isso ocorre com gente como esse… esse…
―… Conde ― disse Elena com certo acanhamento.
― Sim, quando gente como o conde, sem maneiras nem educação britânica são
convidados a festas onde assistem gente tão respeitável como…
―… Você ― disse de novo a jovem. A duquesa advertiu ironia na resposta. O
calor sufocante lhe fez abanar-se com força, e omitir uma resposta que pusesse a
essa garota em seu lugar. ― Quer um clarete? ― perguntou Elena com cortesia
fingida que a sexagenária dama aceitou encantada.
Tanto a duquesa como ela tomaram mais de uma taça de clarete, sem deixar
de comentar o comportamento do conde. A companhia da duquesa converteu os
minutos em tediosas horas. Essa mulher não deixava de falar e a Elena começou a
lhe doer a cabeça. Com uma frieza pétrea se manteve alheia aos olhares e
comentários até que a origem de seus pensamentos retornou com um gesto áspero.
Não se desculpou, ela tampouco teria aceitado umas desculpas que não fossem
pronunciadas com sinceridade. Era o homem mais embrutecido e desconsiderado
que tinha conhecido. Outros ao menos não a ridicularizavam daquela forma,
somente a ignoravam. Quando Laramie Devereux lhe ofereceu o braço, cravou as
unhas nele, mas o conde ignorou esse fato.
― Duquesa Sutherland ― disse e fez uma inclinação tão respeitosa que só
corresponderia à rainha da Inglaterra.
― Conde Devereux ― respondeu a duquesa, com um tom de voz frio e
condescendente que acendeu a ira de Laramie.
Estava acostumado a receber olhares de gente como a duquesa. Olhares de
recriminação, de asco, de superioridade por acreditarem-se melhores. Olhares de
desprezo mesclados com desejo e luxúria, às vezes por essas mesmas mulheres que
agora cochichavam sobre a maneira como tinha tratado Elena. Essas mesmas
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damas em mais de uma festa, e escondido de seus pais, irmãos ou maridos lhe
tinham devotado para que desfrutasse delas da maneira que desejasse. Todas
queriam a um homem como ele para colocá-lo entre os lençóis. Mostrar a suas
amigas que tinha um pirata como amante, um homem perigoso, uma mistura de
um cavalheiro de nascimento e um rufião por necessidade, entre suas pernas.
Entretanto, à luz do dia, nenhuma dessas mulheres se dignaria a lhe dirigir um
olhar nem uma saudação.
Ter conseguido uma esposa em uma partida de cartas no fundo lhe indignava.
Obrigar a uma jovem a contrair matrimônio, quase pela força, não lhe orgulhava;
nem tampouco, ridicularizar a uma moça cujo destino podia considerar-se muito
pior que o seu.
Conduziu Elena até a saída. Se antes as olhadas foram de brincadeira,
humilhação e lástima, agora eram de desconcerto. No dia seguinte, consideraram-
na a amante do conde e isso seria um justo castigo por seu comportamento.
― Por que sorri? ― perguntou-lhe entre irritado e constrangido por havê-la
deixado na metade da dança. Mas agradecido por ver em seu rosto as duas
covinhas que a convertiam em uma mulher muito formosa.
― Por você e sua falta de classe ― a resposta terminou por irritá-lo. Não
entendia como sentia desejo por uma mulher como ela. Sempre queria o melhor e
essa garota, cuja pele se assemelhava a de um crocodilo, distava muito de sê-lo.
― Lamento não ter terminado a dança ― se desculpou entre dentes.
― Não importa. O que se pode esperar de um homem como você?
A voz angélica da moça escondia veneno, disse-se que aguentaria as
recriminações como pagamento por como a tinha plantado em metade do baile.
― Um homem como eu? ― surpreendeu-lhe ainda mais sentir interesse pelo
que ela pensasse sobre ele.
Sim, um homem de caráter variável, com maneiras duvidosas, herdeiro de um
grande título e com um comportamento de alguém da idade das cavernas.
Cada palavra dela era uma bofetada que lhe indignava mais.
Elena queria vingar-se da humilhação recebida. Durante o tempo que tinha
permanecido em companhia da duquesa Sutherland na festa, imaginou mil
maneiras de lhe torturar. Somente dispunha de sua língua e como um canhão se
dispôs a disparar toda a munição que fora necessária.
― É isso o que opina de mim? ― Essa bruxa de olhos verdes com língua de
serpente e voz de sereia não se sairia com a sua. Queria ofendê-lo e nada do que lhe
dissesse o faria. Recordou como reagiu de uma forma encantadora quando a tirou
para dançar e se perguntou o que faria se a beijasse.
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― Bom... ― Advertiu um brilho desafiador nos olhos do conde e não resistiu a
lançar a última munição. ― Um contrabandista de ópio.
Laramie podia aceitar muitas coisas, menos que essa mulher lhe acusasse de
ser um traficante. Durante um tempo esteve exposto a viver de forma miserável e a
aceitar uma vida que ia contra seus princípios e sua honra. Tinha sido
contrabandista e algumas vezes pirata, fez tudo o que foi necessário para
sobreviver, mas isso fazia já muito tempo. Recordá-lo avivou o lado selvagem dessa
vida que lhe tinha marcado para sempre e procurava ocultar sob um gesto sério.
― Não deve acusar um homem de algo assim e muito menos sem ter provas ―
disse com uma voz profunda e cortante.
A pronúncia, muito mais marcada em francês que de costume, intimidou-a o
bastante para que se apertasse contra o assento do carro. Suas palavras tinham
divulgado a ameaça. E não podia esquecer que estava sozinha com ele em uma
carruagem coberta.
― Todo mundo o diz.
― Dizem muitas coisas, como que foi a causadora da morte de seus pais ao
cometer o engano de deixar uma vela acesa ― contra-atacou ele.
Elena lançava labaredas de ódio pelos olhos. Tinha suportado desse homem a
humilhação mais absoluta e, ao mencionar o acidente, não conteve a vontade de lhe
esbofetear. Ela se culpava pela morte de seus pais todos os dias, mas ouvi-lo na voz
do conde era insuportável. Laramie a agarrou pelo pulso e a atraiu com força para
ele. Elena caiu de joelhos a seus pés, enquanto o conde a olhava sem deixar de
segurá-la. O rosto do Devereux estava tão perto dela que via seu reflexo nesses
hipnóticos olhos. Notou a mão atrás de suas costas e como se estivesse presa no
pior dos feitiços se deixou arrastar até que ambos os corpos roçaram. Então, o
conde se apoderou de sua boca. Elena se viu envolta em um tumulto de emoções.
Nenhum homem a tinha beijado e duvidava que o conde voltasse a fazê-lo no dia
em que descobrisse o engano. Por essa razão se entregou por inteiro a esse beijo.
O sabor a clarete das taças que bebeu se misturava com o uísque que
Devereux tinha tomado no baile. Sua proximidade despertou um desejo
desconhecido para ela que se estendeu por sua pele. No instante em que suas
línguas se roçaram a intimidade lhe contraiu o estômago. Pegou-se a ele como uma
cadela no cio com vontade de que a acariciasse. Chegado a esse ponto, sua mente
foi incapaz de raciocinar com normalidade. Faltava-lhe o ar nos pulmões como se
tivesse escalado uma montanha e seu interior se transformou em manteiga fundida
quando notou a excitação do conde contra suas pernas. Um gemido rouco e

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obsceno escapou de sua garganta. Nem sequer notou que a carruagem se detinha
tampouco que Laramie se separou dela e a olhava com expressão de triunfo.
― Agora, além disso, sou um ladrão por lhe roubar um beijo.
Elena tentou controlar a respiração ante o olhar zombador do conde. Retornou
ao assento tão envergonhada por seu comportamento que poderia acender uma
chaminé com o rubor de suas bochechas. O conde golpeou com a bengala o teto da
carruagem e o chofer abriu a portinhola. Devereux a ajudou a descer. Teria fugido
se seu corpo tivesse sido capaz de acatar esta ordem. Laramie lhe beijou a mão
para despedir-se, esse contato perturbou a sanidade de Elena. O conde viu os
lábios avermelhados e a respiração entrecortada da garota e repreendeu a si
mesmo. Tinha sido um desalmado ao despertar dessa maneira, nela, a paixão. A
jovem se entregou a ele com ansiedade. De novo, o horror se refletiu em seu rosto,
como era tão covarde de comportar-se dessa forma com uma mulher como Elena?
Ela jamais teria a um homem a seu lado e ele tinha sido cruel ao lhe mostrar o que
se perderia.
― Que passe uma boa noite ― se despediu apressado. Devereux montou no
carro e voltou a golpear o teto com a bengala para que ficasse em marcha. Elena
cada vez compreendia menos a atitude do conde. Devereux a tinha beijado.
Acariciou os lábios com as pontas dos dedos, não tinha sido um sonho, tinha a
boca inchada e recordou o aroma de sua colônia junto com a pressão de seu peito.
O calor abrasador voltou a invadi-la e soube que essa noite não dormiria, nem
tampouco a seguinte.
Era o terceiro golpe que acertava totalmente em seu ombro, o segundo recaiu
no queixo e o primeiro no estômago. Seguia-se assim, Charles acabaria com ele em
menos de dois assaltos. Sentiu saudades que alguém o derrotasse com tanta
facilidade e que se deixasse golpear dessa maneira, mas tinha a cabeça em outro
lugar. Essa noite necessitou uma garrafa de uísque para aplacar o ardor que o anjo
queimado despertava nele. Como era de esperar, o quarto golpe o lançou ao chão do
ringe.
O Clube Nacional de Londres de boxe aceitava a cavalheiros que podiam pagar
as taxas, e isso bastava. Laramie acreditava que era necessário estabelecer normas
nas brigas se não queria acabar como uma parte de carne ensanguentado. Mais de
um imbecil terminava com os dentes quebrados. Os golpes que Charles e ele se
davam procuravam não ser vitais, embora seu amigo tenha trabalhado duro nessa
manhã. Estendeu-lhe a mão e lhe ofereceu uma toalha para que limpasse o suor do
torso. Devereux tinha uma tatuagem de seu brasão no ombro, essa marca não era

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de cavalheiros, nem sequer de homens de bem, mas Laramie se tornou um homem
nos mares da China.
O médico retirou os olhar da tatuagem para não desgostar a seu amigo e lhe
perguntou:
― O que te ocorre?
Charles se alegrou de derrubá-lo, mas não era estúpido. O conde era muito
mais alto que ele. E possuía a musculatura de alguém acostumado a realizar
esforço físico como marinheiro, enquanto que ele não tinha praticado muito esporte
ocupado em seus estudos em Oxford.
― Nada ― sentenciou, e esfregou a toalha pelos braços.
― Conheço-te o bastante para saber que está mentindo. ― Charles levantou
um dedo e o moveu da direita à esquerda. Odiava esse moço nessas ocasiões,
sentia-se como um menino pego em uma mentira; na realidade era certo, estava
mentindo. Não podia explicar algo que nem ele mesmo entendia.
― O que se diz por aí de meu compromisso? ― perguntou para distrair a
atenção do Charles.
Reconheceu que sentia certa curiosidade por inteirar-se do que se cozinhava
nos cantos aristocráticos, porque quando se casasse com Virginia traria sua irmã
de Viena para viver com eles. Buscaria lhe um bom marido e cumpriria a promessa
feita a sua mãe.
― Dizem que te comportaste como um crápula ― sorriu Charles, abotoou a
camisa e atou a gravata.
― Eu? ― Nem sequer tinha beijado a sua prometida. ― Não tenho feito nada
indecoroso com lady MacGowan.
― Com ela não. ― Lançou uma das toalhas usadas.
― Sua prima é outra coisa.
Laramie se meteu a camisa pelas calças com mais força do que a necessária.
Embora lhe doesse reconhecê-lo tinha comportado muito pior que isso. Sempre
tinha sido um homem que satisfazia suas necessidades sem ter em conta as
consequências.
― Só a acompanhei até em casa.
― Amigo, fez mais que isso.
Laramie olhou com surpresa os olhos de Chapdelaine, perguntou-se como
tinha deslocado a notícia tão depressa, duvidava que tivesse saído de Elena.
― Não te entendo? ― atreveu-se a perguntar, calçou as botas e colocou a
jaqueta.

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― Acompanhou a uma jovem solteira sem carabina em um carro fechado. O
pouco que dizem dela é que é seu amante.
― Isso é mentira! ― Laramie não entendia como as coisas haviam mudado
tanto.
― Suponho que sim, você não te fixaria em uma mulher como Elena.
― Por que o acredita? ― as palavras de seu amigo fizeram que sem querer
defendesse a jovem.
Charles deixou de colocar uma das botas e olhou Devereux.
― Porque não é uma perfeita rosa inglesa.
― Não, não o é ― reconheceu o conde, mas a noite anterior tivesse dado toda
sua frota porque o tivesse sido.
― Terá que adiantar as bodas com Virginia se não quiser terminar casado com
Elena, se a comprometer mais ninguém em Londres deixará que entre em suas
casas, nem entrar em suas festas, e Anna...
― O que ocorreria a minha irmã? ― Laramie exercia um amparo doentio sobre
Anna.
― Não poderá casar-se com quem desejas. ― Laramie não notou o esforço que
lhe custou pronunciar essas palavras, nem tampouco a tristeza em seus olhos.
― Jamais deixarei que isso ocorra, minha irmã voltará a ser uma condessa.
A determinação de Devereux irritou o médico. Charles tinha muito que lhe
agradecer, graças a ele concluiu os estudos de medicina, mas seu julgamento
classista, desconsiderado, autoritário e egocêntrico lhe provocava vontade de lhe
dar outra boa surra como a de hoje.
Enquanto isso, não muito longe de ali, Elena pensava o mesmo que Charles.
Na noite anterior se deixou levar, ou melhor dizendo, enfeitiçar por um homem
cruel e déspota, capaz de considerar uma mulher um objeto ao que utilizar e deixar
em evidencia diante de todo mundo. Logo descobriria o que supunha a humilhação.
Logo saborearia o que era ser desdenhado por outros por ser diferente. Muito em
breve, todo mundo riria dele. Quando descobrisse que sua bela e formosa condessa
não era outra que Elena MacGowan, uma esposa sem dinheiro, sem título e sem
beleza. Então não voltaria a ser o mesmo. Sentou-se na cama e olhou a rosa; as
pétalas começavam a murchar. Furiosa a agarrou e esmagou; os espinhos lhe
cravaram na palma da mão, a dor não lhe importava, era pior o que esse homem
lhe tinha feito.
Tinha despertado nela uns sentimentos tão esmagadores que queria senti-los
de novo, queria ser beijada dessa forma, já não se conformaria com menos. Tinha
lido nos livros da biblioteca de seu pai o que significa a união entre um homem e
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uma mulher. Tinha notado a excitação do conde e a própria, envergonhou-se ao
saber que teria obedecido qualquer petição, como uma prostituta. Podia lhe perdoar
que lhe roubasse um beijo, nunca que lhe roubasse a vontade.
Laramie se encontraria com lorde MacGowan essa mesma tarde, não
estragaria seu matrimônio por um escândalo que carecia de fundamentos. Além
disso, as notícias de Auguste de Chapdelaine acrescentavam seu desassossego pela
vida do missionário. Tinha sido encarcerado, embora não o tinha contado a Charles
para não lhe preocupar. O cuidado desse moço era o pagamento pela dívida
contraída fazia muitos anos com Auguste. Sem sua intervenção naquele fatídico
dia, em que os navios ingleses abordaram e mataram a maioria de seus
companheiros, estaria morto. Ainda recordava como o deixaram amarrado a uma
árvore enquanto subia a maré.
A água quase tinha chegado a seu queixo quando viu Auguste em um barco.
Rezou a Deus todas as preces que recordava de sua infância para que aquele
homem lhe resgatasse e, assim foi. Esse dia Auguste tinha trocado de caminho e
por intuitos do destino tinha começado seu avanço missionário por essa zona da
costa que jamais antes tinha percorrido. Ainda depois de tanto tempo despertava
com a sensação de que a água subia por seu corpo até lhe afogar. Uns anos mais
tarde o missionário lhe pediu que cuidasse de Charles e essa foi a maneira de pagar
a dívida com o homem que foi seu salvador.
Guardou a carta em uma das gavetas. Ficou em pé e se olhou no espelho
pendurado em cima da chaminé do escritório. A imagem de Elena com os lábios
avermelhados por seus beijos lhe apareceu como um fantasma do passado. Virou-
se para não vê-la, nada impediria que se casasse com Virginia. Saiu da sala,
decidido a anunciar a todo mundo seu enlace matrimonial, sua maior conquista
seria se vangloriar de uma condessa simples, reconhecida, mas bonita.
Troy olhou para sua sobrinha, os falatórios a respeito de sua esposa tinham
ficado esquecidos ante os provocados por Elena. A moça se arriscava muito. Se o
engano não lograsse êxito se veria na rua e com uma reputação manchada para
sempre.
― Tio, não deve preocupar-se. ― Teria bebido a taça de brandy que nesse
instante Troy segurava.
― Como me diz isso! Todo mundo fala de ti e desse homem. Asseguro-te que
são comentários muito mal-intencionados e nada benevolentes.
― Isso é o que queríamos.
A frieza da Elena lhe surpreendia cada vez mais. Essa moça parecia um
estrategista militar. Imaginou dirigindo um batalhão e vencendo com segurança em
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qualquer luta a que se enfrentasse. Isso lhe relaxou. Por alguma razão sua
sobrinha essa manhã estava pronta a assaltar ao conde e plantar a bandeira em
cima de sua cabeça.
― Espero que tenha razão e que sua visita não seja para anular o
compromisso. ― Não desejava que Virginia se casasse com um homem como
Devereux. Tinha permitido que a situação deixasse Elena em evidencia, algo que
tampouco favorecia a família se não conseguia casar-se com ele.
― Tio, não se preocupe por isso, Virginia é muito bela para que a rechacem.
― Se fosse um homem inteligente o faria ― continuou preocupado. ― Depois do
comportamento impróprio de uma dama por parte de sua prima até eu lhe
aconselharia que não se casasse.
Elena sorriu ante o comentário de seu tio. Virginia tinha chegado bêbada a
casa, seu pai tinha tido o tempo suficiente para tirá-la da festa sem que ninguém
descobrisse seu estado. Como desculpa alegou uma terrível dor de cabeça, algo que
na verdade desfrutou no dia seguinte. Elena se levantou de seu assento quando o
lacaio anunciou a visita do conde.
― Senhorita MacGowan ― saudou Devereux ao vê-la. Elena vestia um vestido
cinza. Se dele dependesse não usaria algo tão sem graça. A jovem penteou o
formoso cabelo dourado em uma trança que descia com suavidade pelo ombro
queimado. Os olhos de Laramie olharam seus lábios, algo que fez com que Elena
avermelhasse.
― Conde Devereux ― respondeu sem lhe olhar nos olhos. Já tinha tido
humilhação suficiente.
Elena partiu sem dizer nada mais e fechou a porta. Subiu a seu quarto e
colocou o travesseiro na boca, silenciou novamente um grito de desamparo. Não
podia que seu coração se interpusesse. Se esse homem chegava a descobrir que lhe
atraía, seria sua perdição. Precisava casar-se, não amar a seu marido, não a um
homem como ele.
No escritório, Troy ofereceu uma taça de conhaque a Devereux e esperou que
falasse.
― Lorde MacGowan, dado meus negócios ― começou, ― preciso me casar
muito antes do que supus.
― Quanto antes? ― Troy apertou os dentes ao imaginar a que negócios se
referia.
Devereux percebeu o gesto de desprezo no rosto de seu futuro sogro.
― Uma semana. ― A voz do conde foi tão forte que Troy não discutiria a
respeito. Ambos os homens sabiam que jogavam muito.
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― Está bem. Quando quer anunciá-lo?
― Não me importa quando o anuncie, e mais, encarregar-me-ei eu mesmo de
comentá-lo. Devo partir para a China dentro de uma semana e Virginia me
acompanhará.
― Com uma condição ― Elena insistiu nesse ponto e devia expô-lo com
naturalidade para que o conde não desconfiasse de nada, ― anunciará as bodas
com a senhorita MacGowan, minha filha não é lady, embora o será na minha morte
e esta família é estrita quanto ao cumprimento do protocolo.
Laramie estava tão surpreso ante a aceitação daquele homem que assentiu
sem precaver-se do que isso supunha.
― Claro, se for seu costume...
Brindaram com uma taça de conhaque e ao final deixou nas mãos de lorde
MacGowan o anúncio das bodas. Causou-lhe pena que Anna não assistisse ao
enlace. Ao olhar Troy, entretanto, sentiu que uma grande tormenta se aproximava
do estribo e seu instinto poucas vezes lhe enganava. Ele baniu essa ideia tão
absurda e se despediu de seu futuro sogro. Precisava celebrar seu compromisso e o
faria no bordel Paradaise, jogaria um par de partidas de cartas e possivelmente
procurasse a companhia de uma mulher com olhos verdes. Não! Verdes, não!
Elena correu pela escada, ela teria descido duas de cada vez, mas avaliou o
risco de quebrar seu pescoço quando encostou os pés com os aros da saia. Com o
coração agitado bateu na porta do escritório.
― Pode entrar ― disse seu tio.
― Como foi? ― Ela tinha embaralhado várias possibilidades para as quais a
mais aterrorizante era que o compromisso havia sido quebrado.
Casa-te em uma semana.
Elena sorriu e Troy sentiu lástima por ela, parecia acreditar que esse homem
tinha vindo a pedir sua mão.
― Devemos evitar que descubra a verdade até esse momento. Pediu-lhe que
anuncie o compromisso com a senhorita MacGowan e não com lady MacGowan?
― Mordeu o anzol e a isca. Tem muita pressa por casar-se ― Troy riu pela
primeira vez com satisfação desde que se inteirou de que Rosalyn tinha um amante.
― Então, devemos conceder seu desejo. ― Elena sentiu o aguilhão de ciúmes
atravessar seu peito.
Troy precisava assegurar-se se, de verdade, sua sobrinha estava disposta a
casar-se com um homem que se dizia que era contrabandista de ópio. Os remorsos
lhe invadiram ao imaginar que Robert se retorceria em sua tumba ao ver com quem

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se casava sua filha. Imaginou os olhos doídos de Vitória se estivesse viva e sentiu
um estremecimento.
― Ainda está em tempo.
― Em tempo de que? ― Elena não tinha falado jamais dessa forma tão
acusadora. ― De me converter no parente pobre, em uma mulher sem título, sem
dinheiro e sem um lar?
― Elena... ― Troy envergonhado baixou o olhar.
― Prefiro me arriscar com um contrabandista de ópio. ― ficou em pé. ― Devem
nos ver a Virginia e a mim juntas em todo momento.
Troy assentiu, não negaria que Elena tinha razão e se antes se havia sentido
culpado agora se sentia desprezível. Apurou a taça de brandy e deixou que o calor
abrasador do álcool aplacasse o remorso.

Capítulo 7
No dia de suas bodas os nervos lhe impediram de tomar no café da manhã os
pasteis que Bety, a cozinheira, tinha preparado em honra da noiva. Uma temerosa
Virginia a ajudou a vestir-se, pretendiam evitar que algum servente descobrisse o
engano e chegasse aos ouvidos de Devereux. O traje que tinha confeccionado
Cossete era um sonho para qualquer noiva. A costureira francesa participava do
engano e Elena confiava em seu silêncio e discrição.

― É extraordinário! ― exclamou Virginia com admiração.

A seda branca caía até seus pés com brilhos

iridescentes. Ao final da saia Cossete tinha bordado em cor nata vários cachos
de flores. Sua cintura se acentuava com um laço de cetim da mesma cor que os
bordados. Um broche de brilhantes da casa MacGowan prendia do peito. O traje
abotoado ao pescoço e debruado com encaixes dissimularia as queimaduras. Os
sapatos de salto franceses a ajudariam a que ninguém notasse a diferença de

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estatura existente com Virginia. Além disso, um véu de encaixe grosso evitaria que
descobrisse a identidade da noiva até depois do «sim aceito». Temia esse instante,
não estava segura de como reagiria esse homem. Entretanto, sentiu um triunfo
antecipado ao imaginar seu orgulho pisoteado por uma jovem como ela, uma
mulher defeituosa a olhos do conde. A costureira francesa lhe havia dito que, sem
dúvida, poria de moda o véu cobrindo o rosto. Esperava que Devereux não
conhecesse as modas femininas. Sua prima a despediu com um beijo antes de sair
de seu quarto.

―Está preciosa ― disse Virginia, e em sua simplicidade esquecia que o conde


não pensaria o mesmo.

― Obrigada ― respondeu tremendo, e cobriu o rosto com o véu.

Desceu as escadas com lentidão, temerosa de confrontar umas bodas tão


falsas como uma miragem no deserto. O que fazia não era correto, enganar a um
homem para casar-se era imperdoável. Mas, que opção tinha? Ao ver seus tios no
hall elevou os ombros, consciente de que era muito tarde para arrepender-se. A
primeira prova de fogo a passaria com o serviço. Esperavam em fila para lhe desejar
sorte no matrimônio que se celebraria esse dia. Se ficaram surpresos com o fato de
a menina ter escolhido Elena para se preparar, como bons criados, eles não
disseram nada.

― Lady MacGowan ― pigarreou James, o mordomo da casa, ― em nome de


toda a servidão lhe desejo a maior das felicidades.

Assentiu com a cabeça e estreitou as mãos do criado. O homem deu um passo


atrás e retornou à fila, durante um segundo, olhou-a com desconfiança. Virginia
era uma moça faladora, esperava que a falta de palavras fosse atribuída aos nervos
prévios às bodas. Troy se aproximou e ofereceu seu braço, agarrou-o e se
encomendou a seus pais. Esperava que saísse como tinha planejado ou seria uma
pária por conta própria, já que não haveria um lugar em Londres onde ocultar-se
sem que a humilhação a assinalasse. A carruagem foi puxada por seis cavalos
negros enfeitados com perfeitas rosas brancas, um presente do Devereux. Isso a fez
sentir-se ainda mais miserável ao levar adiante o engano.

― Tem certeza? ― perguntou-lhe Troy quando subiram à carruagem. Suava e


se limpou a frente com um lenço de seda.

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― Já não há volta atrás, não acredita? ― acrescentou com azedume Rosalyn,
cujo rosto mostrou um gesto desagradável.

― Rosalyn tem razão.

Troy guardou silêncio, possivelmente o destino fora benevolente com a moça,


ao menos, é o que desejou para sossegar os remorsos pelo que lhe permitia fazer.

A carruagem chegou à Abadia de Westminster. Elena ao ver o lugar no que se


casaria sentiu um forte tremor nas pernas. O conde como possuidor de um título
nobre, tinha solicitado contrair matrimônio naquele lugar privilegiado. Ignorava
como o obteve apesar de sua fama, mas tivesse desejado casar-se em outro lugar e
não na abadia. Supôs que Devereux teria convidado muita gente importante, algo
que aumentaria sua humilhação.

― Preparada? ― perguntou Troy, disposto a lhe conceder a oportunidade de


escapar dali se ela o pedisse.

― Sim... ― sussurrou com um vislumbre de covardia. Seu tio a acompanhou


pelo corredor da igreja até o altar

onde fez entrega da farsante ao conde de Devereux. Estava impressionante


com um traje escuro que acentuava seus atrativos. Seu cabelo estava amarrado em
um rabo de cavalo nas costas e ele usava um brilhante como alfinete de gravata.
Barbeou-se, algo que outorgou a seu rosto uma masculinidade que atraiu o olhar
de muitas das mulheres que assistiam ao enlace. Seus olhos negros avivaram em
Elena as sensações provocadas ao recordar sua boca sobre a sua.

Os convidados, entre os quais se encontravam duques, marqueses, condes, e


também homens como Roger Matherson, esperaram que o pastor pronunciasse os
votos sagrados que uniriam aos dois jovens.

― Senhorita MacGowan ― disse o sacerdote, de uma vez que um murmúrio de


vozes surgiu a suas costas. Elena rogou a Deus que Devereux não fora consciente
disso, embora Charles mais versado em ditos tema olhasse com desconfiança aos
assistentes, ― aceita Laramie Devereux do Foissard, conde Devereux como seu
legítimo marido?

― Sim! ― obrigou-se a não gritar para que não a reconhecesse.

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― Conde Devereux ― perguntou de novo o pastor, ― aceita à senhorita
MacGowan como legítima esposa?

― Sim ― a voz profunda e rouca do conde abriu passo através dos murmúrios
cada vez mais crescentes.

― Em nome de Deus eu lhes declaro marido e mulher.

Devereux elevou o véu e ao enfrentar a realidade seus

olhos mostraram um ódio tão evidente como real. A jovem retrocedeu um


passo temendo que a golpeasse, mas a segurou pelo braço e lhe sussurrou ao
ouvido.

― Maldita raposa queimada!

As palavras lhe doeram muito mais que qualquer golpe que lhe tivesse dado.
Agarrou a mão de sua esposa e a conduziu até a porta da abadia. Ali Devereux
recebeu as felicitações carregadas de falsidade. Todo mundo foi consciente do
engano menos ele. Sua falta de experiência nas normas da alta sociedade inglesa
lhe tinha levado a essa posição ridícula e a converter-se no bobo de Londres.

Elena também recebia amostras de felicitação, entretanto, o que acreditou a


faria feliz estava se convertendo em uma autêntica tortura. O conde tinha
preparado uma festa na casa de sua amiga a marquesa Albridare, tanto os
convidados como eles deviam dirigir-se ali ao terminar a cerimônia. A carruagem
descoberta e decorada com flores brancas esperava os noivos. Laramie a ajudou a
subir, sua mão apertou a dela sem consideração. Sentou-se e com olhar baixo a
olhou, seu rosto emoldurado com um gesto de desprezo, mostrava um desejo firme
de estrangulá-la.

Durante o trajeto nenhum dos dois disse nada e Elena preferiu guardar
silêncio. Já na porta da casa da marquesa a ajudou a baixar e seus olhos se
encontraram. O que viu neles foi tão terrível que quase caiu da carruagem. Com
brutalidade ele puxou-a e a conduziu ao interior. Em seu caminho para a sala de
baile, onde sua amiga tinha preparado um jantar em honra dos noivos, Laramie
agarrou uma taça de champanhe que um dos serventes oferecia aos convidados
antes do jantar. Agarrou o moço pela lapela e lhe disse:

― Traz um uísque ― arrependido, pediu-lhe ― melhor uma garrafa.

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O moço foi diligente a cumprir a petição. Elena seguia sujeita por seu marido,
que a arrastava entre os assistentes sem lhe importar que o vestido de noiva lhe
impedisse de avançar tão depressa como ele. Logo, na metade do salão a deixou
sozinha, sem se preocupar com o que diriam os convidados. Encaminhou-se à
biblioteca da marquesa com uma garrafa de uísque nas mãos e Charles o seguiu.
Não se preocuparam em fechar a porta.

― Maldita harpia! ― repetiu de novo em francês. ― Salope Damn! ― Golpeou a


parede com os punhos e bebeu de um gole meia garrafa.

― Possivelmente não seja tão má esposa, Elena é muito mais inteligente e...

― Enganou-me, ridicularizou-me diante deles; além disso, como casarei a


Anna? ― Nada do que dissesse Charles lhe convenceria. Assim como em tantas
ocasiões guardou silêncio com respeito.

― Deve te tranquilizar, talvez amanhã não pense o mesmo.

― Amanhã, juro-te que amanhã essa raposa desejará não ter nascido.

― Elena… ― disse Charles para apaziguá-lo. ― Não é uma prostituta, é uma


dama.

― Uma dama mentirosa! Antes me meteria na cama com uma rameira do


Whitechapel a fazê-lo com o que você chama uma dama. Asseguro-te que é o que
farei esta noite ― disse Laramie com desprezo.

Nenhum dos dois homens percebeu que alguém mais escutava essa
conversação. Rosalyn e Roger sorriram; essa noite toda Londres saberia que
Devereux rechaçaria a sua esposa e contrataria os serviços de uma prostituta.

No salão, Elena aguentou os comentários mal-intencionados da metade dos


convidados. Muitas das mães com filhas casadoiras a felicitaram pela astúcia com
que tinha conseguido um marido dado seu aspecto e situação. Se queria
demonstrar sua desconformidade com esse matrimônio o conde tinha elegido a
melhor maneira de fazê-lo ao deixá-la só ante a multidão de convidados. Sua tia se
aproximou dela.

― Querida, se seu matrimônio começar assim, imagine o que te espera. Porque


sabe o que te espera, verdade? ― o tom zombador e obsceno do Rosalyn
avermelharam as bochechas da jovem. ― Seu marido te possuirá, Oh! Sim…, não o
duvide. Asseguro-te que te doerá até as vísceras. Não acredito que seja delicado

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esta noite contigo. Isso se antes não passar pelo Whitechapel e contratar os
serviços de uma puta com pele de seda como há dito a Chapdelaine.

Os comentários obscenos de Rosalyn a assustaram tanto que lhe faltava a


respiração. Temia esse momento de intimidade, quando se mostrasse a ele e
descobrisse por completo suas queimaduras. Em seu interior desejava que fosse
paciente e delicado. Quis responder, pô-la em seu lugar, mas viu como seu marido
se dirigia a ela, com um rancor tão manifesto que desencadeava nos assistentes
comentários de pena para a desposada.

― Seu marido te reclama ― se despediu Rosalyn com um sorriso triunfal.

Sem dizer nada tomou sua esposa pela mão e a colocou no centro da sala,
depois, deu duas palmadas para chamar a atenção dos convidados.

― Queridos amigos ― disse, e girou ao redor da Elena, ― agradeço-lhes sua


presença e queria dizer que é o dia mais feliz de minha vida. ― Todos elevaram as
taças para brindar por suas palavras, enquanto que Elena tremia de medo.

― Acreditei que me casava com uma lady formosa, a mais bela da Inglaterra,
uma mulher com um grande título, uma perfeita flor britânica. Em troca, contraí
matrimônio com outra mulher, possivelmente não possua sua suave pele, nem
tampouco sua inocência, mas é esperta ― sorriu malicioso e acrescentou ― com
inteligência me caçou.

Laramie elevou uma taça em honra de sua esposa. Charles tentou aproximar-
se para evitar que continuasse, o constrangimento da noiva era evidente, cedo ou
tarde ele também se daria conta de que fazia o ridículo.

― É hora de iniciar o baile ― gritou Charles, e muitos dos convidados seguiram


seu exemplo.

A marquesa compreendeu a razão pela qual o jovem médico pedia que


começasse o baile, queria evitar que o conde envergonhasse sua esposa e a ele
mesmo. Apreciava Devereux. Compartilhavam iguais preocupações políticas e tanto
o embaixador francês como o secretário inglês lhe tinham assegurado que podia
confiar nos motivos do conde para lhes ajudar a impedir uma guerra na China. Mas
a moça era a filha de um Lorde e embora agora não fosse consciente de que esse
enlace lhe beneficiava mais que lhe prejudicar, não deixaria que a humilhasse

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diante dessa matilha de animálias. Com um gesto da mão a marquesa ordenou à
orquestra que começasse a tocar

― Condessa Devereux ― ordenou Laramie, ― sorri e acabemos de uma vez esta


farsa.

Nesta ocasião não sentiu a ponta de seus dedos lhe acariciar as costas.
Apertava-lhe a mão como se quisesse partir-lhe; a dor quase lhe fez desmaiar.

― Faz-me mal! ― protestou.

Laramie nem sequer ouviu o que lhe dizia. De um canto, Charles não deixava
de observá-los e advertiu que algo não ia bem. A noiva mostrava uma grande
palidez e se aproximou do casal.

― Posso interromper a dança e me conceder a honra de dançar com a noiva?

― É toda sua ― respondeu com desprezo.

A jovem recuperou alguma a cor quando seu marido a soltou. Charles


percebeu como a moça tocava a mão que o conde tinha apertado.

― Tem-te feito mal? ― perguntou o médico. Imaginou que as queimaduras do


ombro também lhe doeriam.
quer ―
que
Umaconteça
pouco...a ―
seu
reconheceu.
marido, seria
― algo
Converteu-se
que não comentaria
na condessa
com
Devereux
ninguém.
e o que
― Não se preocupe, recorda que sou médico ― sorriu o jovem.

― Montará um consultório em Londres? ― perguntou por cortesia, para evitar


que a conversação se centrasse nela.

― Não acredito, irei à China com meu irmão ― respondeu pesaroso.

Quando Laramie casasse Anna nada o reteria na Inglaterra. Além disso,


precisaria pôr muitas milhas de distância para evitar presenciar o sofrimento de
sua amada.

A dança terminou e Charles a conduziu a uma das cadeiras onde muitas das
damas descansavam depois de uma dança. O jovem permaneceu a seu lado, o que
era exigido pela etiqueta ou daria que falar. Nessas bodas já havia suficiente intriga
circulando com pólvora. Lorde MacGowan se aproximou de sua sobrinha.

― Temo por ti.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Um homem sob essas circunstâncias e com o que tinha bebido podia ser muito
cruel com uma jovem inocente.

― Não se preocupe, tio.

Em meio à conversa Roger apareceu junto a eles. Troy apertou os punhos,


despediu-se de Elena e ignorou a presença do comerciante. A jovem agradeceu que
tivesse a sensatez para não começar uma briga.

― Concede-me esta dança? Ficar sentada não era o melhor e aceitar a dança
com esse homem tampouco. Entretanto, todo mundo a observava e a reação de seu
marido. Elevou o queixo com orgulho, ficou de pé e aceitou.

― Condessa Devereux ― Jardice colocou suas mãos em sua cintura, ― há


homens que não apreciam o que têm até que o perdem.

― Você é um desses homens? ― perguntou sobressaltada.

― Não ― Roger a aproximou para ele mais do que exigia o decoro e olhou
Laramie, ― mas ele sim. ― Elena observou como os olhos do conde a vigiavam como
se fosse uma presa de caça. ― Foi muito hábil e ingênua ao pensar que a perdoaria.
Conheço esse moço, é orgulhoso, sempre alardeando que tem o melhor tanto em
mulheres como em navios.

Elena guardou silêncio. O que podia dizer; não era bela, não era rica e não era
a perfeita flor que esperava conseguir. Tampouco ela imaginou perder seu título,
nem a seus pais, nem sua riqueza, tinha aceitado que a vida às vezes não nos
entregava o que tínhamos desejado, ele devia fazer o mesmo. Se ela aceitava seu
destino, ele tinha que aguentar-se com uma esposa imperfeita. Os olhos da moça
olharam desafiadores para Laramie.

― Possivelmente poderíamos nos ajudar?

Elena retornou à conversação sem compreender sua proposta.

― Não vejo no que posso lhe ajudar senhor Matherson.

― Seu marido deu de presente a Virginia, ou melhor, dizendo a você, uma frota
nova de navios ― Elena emudeceu ante a generosidade ou a estupidez do conde,
depois de tudo era uma mulher rica. Seu rosto deve ter evidenciado sua surpresa já
que o comerciante continuou. ― Vejo que o ignorava.

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― Tenho que confessar que sim, embora não entendo como sabe você.

― Por favor, condessa ― pronunciou a palavra com certo tilintar perverso. ―


Não se faça de inocente com alguém como eu. Todo Londres comenta que sua tia é
minha amante e não

é uma mulher discreta em nenhum sentido.

Elena avermelhou ante as palavras de Matherson, enquanto que o homem ria


à gargalhadas. Laramie teria fincado a faca de cortar o bolo dos noivos na testa. Ver
sua «esposa», a palavra lhe causou tanto mal-estar como o fariam os espinhos de
um porco espinho no traseiro. Dançar e rir com um tipo como Roger acabou por lhe
deixar louco e se dirigiu à pista de baile.

― Vamos ― ordenou a Elena com voz ameaçadora.

Matherson fez uma inclinação, beijou a mão da noiva

em um gesto galante que irritou ainda mais Laramie e se retirou. Devereux


agarrou o braço de sua mulher e a conduziu até a saída sem despedir-se de
ninguém. Charles, ao lhe ver partir, rogou para que não cometesse algo
imperdoável essa noite.

O caminho para a casa do conde pareceu eterno para Elena. Queria desculpar-
se, perguntou-se o que se dizia a alguém nessa circunstância e nenhuma desculpa
lhe pareceu adequada. A jovem retorcia as mãos de maneira nervosa, algo que
agradou a Laramie. Imaginou várias formas de fazê-la pagar, todas e cada uma
delas tinha aprendido em seus tempos de pirataria. Nenhuma bastaria para
castigá-la o suficiente. Vendo-a temerosa e a sua mercê não pôde evitar certa
excitação.

Quando o chofer abriu a porta, saiu da carruagem de um salto e sem esperá-la


entrou na casa. O lacaio tendeu a mão à jovem e a ajudou a descer. Observou com
certa curiosidade a mansão que a partir de agora seria seu lar. Uma casa de quatro
andares de pedra branca e lindas janelas. Respirou um par de vezes para tomar
coragem antes de entrar; no hall a esperava uma donzela.

― Condessa ― disse a moça, e se virou para conduzi-la aos aposentos dos


recém-casados.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena seguiu a donzela até um quarto decorado com bonitos tons azuis e uma
enorme cama com dossel. Uma chaminé esquentava o quarto no inverno e ainda
por cima do mármore Carrara branco pendia um espelho dourado. Vários tapetes
persas cobriam o chão. Era um quarto muito formoso. O luxo não era excessivo,
sim suficiente para que a elegância fosse a nota mais presente na atmosfera que
envolvia o quarto.

A donzela tirou de um armário um conjunto de dormir, mas não usaria algo


assim, era muito chamativo para seu gosto, possivelmente próprio de uma atriz.
Rosalyn tinha escolhido a roupa da noite de bodas e o fez com intenção clara de
denegri-la. A donzela a ajudou a tirar as cintas do espartilho; ao acabar, Elena lhe
pediu que partisse. Quando a donzela fechou a porta se vestiu com uma singela
camisola que Cossete tinha confeccionado para ela. Tramava-lhe o pescoço e à luz
dos abajures refletiam sua figura com nitidez, sem ser transparente. Era uma nova
seda trazida da China, possivelmente inclusive o conde a transportasse em algum
de seus navios.

No escritório, Laramie se apoiava na chaminé, precisava apaziguar sua ira.


Tinha sido tão estúpido que o matrimônio não podia anular-se. A promissória
estabelecia a uma senhorita MacGowan e isso é o que tinha conseguido. Essa
mulher conseguiu lhe enganar com tanta baixeza que o faria pagar. Do lugar de
onde vinha, uma afronta como essa se cobrava com sangue e isso é o que ia ter.

Ele chutou um dos troncos e se pegou ao restante. Antes se acalmaria


brigando contra o saco de boxe que tinha pendurado no sótão. Devia controlar sua
vontade de matá-la, ou o que era pior, de possui-la.

No quarto, Elena estava nervosa, as palavras de sua tia a atormentavam.


Soltou seu cabelo e o escovou. Os minutos passavam e acreditava que Devereux
não iria a sua cama quando a porta do quarto abriu de repente. O conde se
apresentou suado e vestido com umas calças e umas botas brilhantes de suave pele
marrom. Apertava os punhos e parecia haver brigado com Satanás. Pela primeira
vez viu o aro que levava como pendente em uma das orelhas. A tatuagem no ombro
direito confirmou a Elena que a imagem que tinha criado sobre ele não era
nenhuma fantasia, estava ante um verdadeiro pirata.

― Se dispa! ― gritou. Elena nunca tinha imaginado que um homem possuísse


tantos músculos. ― Hei dito que te dispa! ― insistiu, e o acento que tanto lhe
agradava lhe soou tão áspero que a jovem desejou fugir.
Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez
― Por favor… ― rogou com seus olhos verdes tão assustados que o conde
esboçou uma careta de satisfação malévola.

Laramie sorriu vitorioso, vê-la atemorizada lhe produziu certo prazer


antecipado. Sua esposa ficou em pé e começou a desabotoar os pequenos botões da
camisola com mãos trementes, sua estupidez o avivou. Fechou a porta, aproximou-
se dela e a agarrou pelo pescoço.

Sentia-se como Desdêmona, se apertasse com mão forte a afogaria. A


proximidade avivou nela a paixão que despertou há alguns dias. Laramie,
impaciente, arrancou-lhe a camisola. Os farrapos de seda branca caíram a seus pés
como soldados feridos em um sangrento campo de batalha. A Elena faltava o ar nos
pulmões, seus peitos, face à violência, responderam à excitação ao roçar o corpo
moreno do conde.

Laramie não tinha imaginado que a pele de Elena fosse tão leitosa. De forma
involuntária tocou com a ponta dos dedos um de seus seios e sentiu que era tão
suave como a espuma de mar. Ela tentou esconder-se, mas ele a impediu
segurando-a com ambas as mãos. Seus olhos se converteram em duas fendas
inexpugnáveis ao contemplar a respiração agitada de sua esposa e como se
balançavam acima e abaixo os peitos redondos e plenos. Jamais teria considerado
que debaixo desses horríveis vestidos cinza se escondesse um corpo tão esplêndido.
As queimaduras lhe outorgavam certo exotismo. Ao longo de suas viagens tinha
tido a ocasião de estar com muitas e diferentes mulheres. Algumas marcavam a
pele com estranhas tatuagens. Suas queimaduras ressaltavam rosadas sobre a pele
branca da jovem.

O conde sentiu os eretos mamilos lhe tocar a pele e a excitação se avivou em


sua virilha. Não tinha entrado ali para amá-la, a não ser para castigá-la. Seu desejo
e essa voz de sereia provocavam nele as vontades de possui-la, de descobrir a
ansiedade que tinha despertado nela com um beijo. Imaginar como reagiria quando
lhe mostrasse muito mais era tentador, por isso se obrigou a repassar os nomes de
seus navios para esfriar um pouco a excitação que lhe dominava. O aroma de
cítricos que desprendia sua esposa era uma tentação para os sentidos.

Ela o olhava sem saber o que fazer, e seu desconcerto foi maior quando de
repente se encontrou atada a um dos postes da cama com as cortinas do dossel.
Laramie contemplou a imagem de sua esposa e reconheceu como também fez sua

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


masculinidade, que era magnífica; recordou-lhe à Odalisca. Sua esposa, igual ao
que acontecia na famosa pintura, emanava uma grande beleza e sensualidade. O
sedoso cabelo lhe caía pelas costas e lhe chegava à cintura. À luz dos abajures lhe
pareceu mais que nunca de uma estranha beleza. Então, contemplou encantado,
como lhe ocorria ao admirar um novo navio, o traseiro de sua esposa, tão firme
como as velas de um veleiro ondeando em um dia ensolarado.

Elena sentiu as mãos fortes e endurecidas pelos trabalhos marinhos percorrer


com lentidão suas nádegas. Estava a sua mercê, poderia fazer o que quisesse com
ela.

O diabo que habitava Laramie lhe obrigou a lhe sussurrar ao ouvido:

― Esta noite lamentará me haver enganado petit elfe.

― O que vais fazer? ― perguntou muito mais assustada.

Sentia a masculinidade de seu marido lhe pressionar com suavidade a cintura.


― Nada disto é necessário. Farei o que me peça ― disse, enquanto se retorcia como
uma enguia fora da água ― Me solte! ― exigiu. ― Gritarei!

― Poderia te matar ― disse Laramie, e com uma mão rodeou seu pescoço e
com a outra a deslizou por seu plano ventre até o encaracolado pelo, ― e ninguém
virá te ajudar.

― Vais fazê-lo? ― Elena se debatia pela inquietação. A mão de seu marido em


uma zona tão íntima fez com que seu batimento de coração saltasse. Seu estômago
encolheu ao pensar que com a outra apertasse sua garganta.

― Oh, não… isso seria muito rápido para o castigo que espero que padeça.

Laramie avançou conquistando tudo o que encontrava a seu passo. Ela sentiu
como se mil agulhas se cravassem em sua pele. As mãos de seu marido cada vez
eram mais audazes, embora a mente de Elena pedisse muito mais. Por instinto
abriu as pernas, sentia pura luxúria, como se sua submissão não lhe importasse.
Laramie sorriu, esse anjo queimado se rendia com muita facilidade a seus ataques.
Elena estava aprisionada a seu desejo, sentir o corpo do conde e suas carícias a
transportavam a um mundo de felicidade que desconhecia e que nunca concebeu
alcançar. Sua entrega lhe fez abrir-se muito mais e Laramie explorou seu interior
igual Richard Francis Burton fez com o coração da África.

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Quando a penetrou com um de seus largos dedos, surpreendeu-lhe a reação
de Elena. Sua esposa estava úmida e entregue ao prazer. Não imaginou que a
garota fosse tão lasciva, algo que jogava a seu favor, já que despertaria mais seu
desejo. O problema é que também estava despertando os seus até limites perigosos.
Antes de entrar nesse quarto a vingança não lhe resultava tão insofrível, agora, não
estava seguro de poder suportá-la. Elena esfregou seu perfeito traseiro sobre ele e,
temeu que se seguisse assim, esqueceria o castigo e até ao mesmo Deus por lhe
demonstrar a essa bruxa dos mares quem era seu marido.

Elena queria soltar-se da cama, lhe tocar, em troca, a falta de movimento


aumentava mais ainda sua ânsia. Queria mais. No momento em que Laramie
abandonou seu interior acreditou que se afundava em um pântano de desespero.
Seu marido se apoderou de seus mamilos com ambas as mãos e os beliscou com
delicadeza. Elena emitiu um gemido ancestral. Se aquele ia ser o castigo ao que a
submeteria o conde tinha que lhe provocar muito mais. As carícias de Laramie
eram um autêntico sofrimento, mas de êxtase.

― Por favor... Faz comigo quão mesmo faria com essa mulher do Whitechapel
― murmurou com uma voz tão atraente e enganosa que Laramie se sentiu como
Ulisses ante Cerque. Quando ouviu aquele canto de deusa marinha, obsceno e
enlouquecedor, necessitou de toda sua força de vontade para manter-se firme na
decisão de castigá-la. Ver como estava preparada para lhe receber; como seu corpo
pedia aos gritos que a penetrasse sem vacilar; como se misturava sua virtude junto
com uma falta de vergonha imprópria de uma dama; além daqueles gemidos de
prazer tão escandalosos que até os criados do andar de cima a teriam escutado,
Laramie se afastou dela.

Elena ofegava de puro desejo. Seu corpo tremia insatisfeito e frustração porque
se não a tocasse lhe causava vontade de chorar. Sem compreender o que tinha
ocorrido aberta a sua paixão e desejosa de receber a seu marido escutou as
palavras do conde.

― Amanhã, Londres falará de seu castigo.

Elena tentou virar-se para lhe suplicar com o olhar que não o fizesse.
Nenhuma donzela reprimiria as vontades de contar como a tinha encontrado ao dia
seguinte. Desejava que continuasse e lhe mostrasse o final do tortuoso caminho
que a tinha levado.

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― Por favor, não me faça isto ― rogou com as lágrimas a ponto de brotar de
seus olhos. ― Sou sua esposa.

― Deveria ter pensado antes de casar com um contrabandista de ópio.

Escutou a porta fechar-se a suas costas. Não gritou. Ninguém acudiria. Se lhe
pareceu um homem cruel ao lhe conhecer, agora, considerava-o um bruto sem
coração.

Laramie se apoiou na porta. Um pouco mais e teria mandado ao diabo aquele


castigo. Elena estava tão disposta que necessitou de seu controle para não afundar
seu navio no fundo do oceano no que se converteu sua esposa. Flagelou-se por ter
estado mais consciente de seu magnífico traseiro ou de seus peitos, que de suas
vontades por vingar-se. Não devia esquecer que lhe tinha enganado, mas sua falta
de inibição lhe tinha excitado mais que nenhuma outra mulher.

Casou-se com uma moça que tinha espinhos muito perigosos e tentadores.
Olhou para sua virilha, desejoso de liberar a ansiedade que essa mulher lhe tinha
provocado, «é um traidor» lhe repreendeu.

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Capítulo 8
Elena passou o resto da noite amaldiçoando a seu marido. Tinha imaginado
mil formas em que a castigaria, nenhuma tão baixa como a que tinha empregado.
Pensar que passaria a noite em companhia de outra mulher, como lhe disse sua tia,
causava-lhe um remorso de derrota no peito. Para sua tortura foi a senhora
Williams, o ama de chaves, quem a encontrou. A mulher queria apresentar seus
respeitos e aceitar qualquer mudança na ordem da casa que a senhora
estabelecesse. Por isso pediu a Katy que não despertasse a condessa essa manhã e
dava graças ao céu por havê-lo feito. Essa moça não teria a boca fechada.

A ama de chaves não disse uma palavra, seu rosto mostrou o horror que lhe
tinha causado encontrá-la nua e atada a uma cama. Em seus anos de serviço havia
visto muitas coisas, entretanto, jamais imaginou o que um homem como o conde
faria a sua esposa em sua noite de bodas. Todo mundo falava do engano que tinha
sofrido, embora isso não justificasse aquele comportamento por parte do conde.
Imediatamente se compadeceu da jovem quando percebeu as queimaduras e os
olhos avermelhados pelo pranto.

Tinha escutado comentários atrozes sobre o corpo dessa moça, em realidade,


as queimaduras não lhe pareceram tão terríveis. Agarrou uma bata e a pôs pelos
ombros, depois a desatou. Elena caiu de joelhos no chão, esgotada pela postura em
que ela permaneceu tantas horas. Ajudou-a levantar-se e a senhora Williams a
levou para a cama, agradaram-lhe o silêncio e a discrição com que o fez. A ama de
chaves lhe sorriu com afeto. As carnudas bochechas tragaram seu sorriso, mesmo
assim, seus olhos pequenos e azuis eram tranquilizadores.

― Deve estar dolorida. Dar-lhe-ei uma massagem com azeite de rosas. ― O


acento francês da ama de chaves era menos pronunciado que o de seu marido e
falava o inglês como se cantasse.

Nunca tinha deixado que ninguém tocasse suas queimaduras, mas estava tão
cansada e envergonhada que não tinha forças para deter a senhora Williams. A
mulher ante o silêncio da condessa o interpretou como um consentimento de suas
palavras e a ajudou a virar-se. As mãos gordinhas da mulher foram uma bênção.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Quando estava na Índia, sim senhora, em minha juventude vivi um tempo
na Índia, aprendi que não há nada como uma boa massagem de azeite para
suavizar a pele. Depois da morte da condessa, que Deus e a Virgem a tenham em
sua glória, esses meninos ficaram sozinhos no mundo. Não imagina o que meu
pobre Laramie teve que fazer para sobreviver.

― O que fez? ― perguntou Elena intrigada, enquanto relaxava com as


massagens da mulher.

― Tudo o que suas jovens mãos lhe permitiram fazer como inscrever-se em um
navio de contrabando. Anna teve mais sorte, durante o tempo que não soubemos
nada dele, um amigo da condessa pagou os gastos de um internato em Viena para
que minha menina se convertesse em uma dama.

― Que idade tinha o conde?


― Dezessete. Uma tenra idade para um destino tão sórdido. O moço que até
esse dia tinha sido carinhoso e bondoso voltou-se duro e ressentido. Lamento que o
tenha conhecido desta maneira ― disse a mulher, e retirou um par de lágrimas dos
olhos. ― A maioria de nós seria assim se tivéssemos terminado em um navio cujo
capitão era o mais temido dos piratas em águas chinesas.

― Por que pirata? ― Elena acreditava estar escutando uma novela de


aventuras, cujo protagonista se converteu em seu marido.

― Oh, minha jovem senhora, Laramie foi vendido à tripulação de John Walker,
um pirata inglês que tratava a seus homens como escória. Estivemos sem nenhuma
notícia dele durante quatro anos.

― Quatro anos? ― Elena imaginou a pior das vidas para um moço que tinha
perdido seus pais e qualquer esperança.

― Sim, senhora, quatro anos nos que o jovem conde viveu um inferno e nós, a
senhorita Devereux e eu, entendemos que depois de tanto tempo tinha morrido. ― A
ama de chaves se benzeu. ― Sou católica, senhora, e rezamos até que um dia a
Virgem escutou nossas preces e os mares nos devolveram isso, mas já não era o
mesmo. Sua irmã não foi consciente disso, era muito menina; entretanto, eu pude
ver que algo nele se destruiu.

O falatório da senhora Williams terminou por fazê-la dormir. Antes de


entregar-se aos braços de Morfeu, teve tempo para que nascesse em seu peito um
sentimento de compaixão por seu marido e apagasse o rancor causado essa noite. A

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


ama de chaves cobriu a jovem e partiu sem fazer ruído. Essa manhã o conde
Devereux não teria os ovos esquentados ao ponto, seria sua pequena vingança.

Na sala de jantar, Devereux estava com um humor dos cães. Não acreditava
que fosse sua imaginação o aspecto incomestível dos ovos. Afastou o prato com
brutalidade e o servente o retirou da mesa. Tomou um chá, seu próprio navio o
tinha transportado e era de uma variedade excelente. Tinha um sabor forte e
concentrado. O gosto amargo lhe animou e, depois de suas bodas, era o que
necessitava. Esperava que sua esposa não se comportasse como uma menina
chorosa nem uma autêntica harpia, fora como fora, certamente que converteria sua
existência em um inferno. De fato, e sem propor-lhe estava-o fazendo. A lembrança
do tato aveludado de sua pele, o aroma de cítricos que recebeu ao acariciar seu pelo
encaracolado tinha-lhe acompanhado durante a noite como um fiel cão de caça.

Andrew lhe tinha entregado a correspondência muito cedo, ainda não a tinha
lido. Rompia o lacre de um dos envelopes quando a porta se abriu e Elena entrou.
Era a imagem de uma ninfa marinha, agradou-lhe que não vestisse essas roupas
cinza que a faziam ver-se como uma aparição. Tinha posto um vestido esverdeado
que acentuava o brilho de seus olhos. As camadas de musselina desciam a seus
pés como a água de mar de alguma praia de Bornéo. O cabelo dourado descansava
em seu peito com a forma de uma espessa trança que cobria suas queimaduras.

Elena deveria ter jogado o vaso de porcelana da China em sua cabeça,


possivelmente dessa forma seu coração deixasse de pulsar por um homem que a
tinha humilhado de uma maneira tão grotesca. A jovem entrou e sentou-se à mesa
sem dizer uma palavra.

― Como dormiste? ― perguntou ele com certa ironia.

― Muito bem ― respondeu ela, o lacaio serviu uns esplêndidos ovos a sua
esposa.

Devereux o olhou de soslaio e o jovem lacaio elevou os ombros para justificar o


porquê da diferença.

Elena se dedicou totalmente a comer, algo que agradou a Laramie, pelo visto
essa mulher tinha apetite em todos os sentidos. Imaginá-la devorar algo mais que
esse café da manhã o excitou como se fosse um jovenzinho sem barba e não um
contrabandista como o tinha chamado. O objeto de sua insipidez continuou

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


comendo alheia a seu escrutínio. Não sabia o que fazer com ela. Já tinha muitos
problemas nos negócios para também os ter em casa, mas tinha sido uma cadela
muito inteligente o enganando e agora pagaria por isso, olho por olho... Entretanto,
não notou as risadinhas abafadas nem cochichos entre os criados. Era como se
ninguém tivesse descoberto como a tinha tratado essa noite e de certa forma se
alegrou de que assim fora.

― O que pensa fazer hoje? ― perguntou.

O silêncio tenso que lhe estava submetendo essa mulher lhe alterava os
nervos. Quando o que na verdade queria era levá-la ao quarto e terminar com o que
tinha começado. Os olhos da Elena cruzaram com os seus, compreendeu que antes
se deixaria torturar com carvões acesos que lhe permitir que lhe fizesse amor.

― Nada de sua incumbência, conde ― respondeu sem levantar os olhos dos


malditos ovos.

Assim como estávamos, se queria guerra é o que teria. Ele era o enganado, o
ofendido, não aguentaria esses ares de grandeza e de dama ultrajada quando ele
era a única vítima naquele engano.

― Então, que passe um bom dia, não retornarei para o jantar. ― Ficou em pé e
lançou o guardanapo sobre a mesa. ― O farei em melhor companhia, com uma que
me satisfaça mais.

O dardo deu totalmente no coração da Elena, «melhor companhia», seu marido


possivelmente procurasse consolo em outras mulheres e isso a enfureceu. Tinha lhe
despertado um apetite sexual tão grande que estava pagando sua frustração com a
comida. Ele, em troca, tinha aproveitado a oportunidade para humilhá-la. Tinha
sido uma iludida ao imaginar que umas carícias suporiam seu perdão.

― Suponho que eu terei que fazer o mesmo ― respondeu desafiadora.

O marquês a teria estrangulado nesse instante. Imaginar que seus gemidos de


prazer fossem para outro terminou por lhe zangar. Desconhecia o motivo. Não
amava a essa mulher e jamais se casou com ela, mas não aceitaria que lhe
enganasse. Converteu-se na condessa Devereux e deveria ser exemplo de honra e
boas maneiras.

― Espero que saiba fazê-lo sem manchar meu sobrenome. ― Laramie plantou
as duas mãos na mesa e se aproximou tanto que quase roçou o nariz de sua
Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez
esposa. ― Minha irmã deverá viver conosco e deve casar-se ao menos com um
conde. Nem te ocorra danificar sua oportunidade ― a ameaçou.

Saiu da sala batendo a porta. No corredor se encontrou com a senhora


Williams.

― Gostou do café da manhã?

A mulher conhecia muito bem aos irmãos Devereux. Depois da morte da


condessa mãe se converteu na companhia e cuidadora inseparável de Anna. Não
era somente uma criada. A maioria das vezes se mantinha em sua posição, embora
se algo lhe desgostava o dizia e, agora, era um desses momentos.

― A verdade é que não ― admitiu Laramie. Suas sobrancelhas se juntaram


inquisitivas à espera que Marta, como se chamava a senhora Williams, contasse-lhe
o que queria.

― Mereceu isso por... ― Laramie compreendeu que ela encontrou Elena ―


desconsiderado e selvagem.

Devereux elevou os ombros e agarrou o chapéu. A senhora Williams partiu


lançando maldições em francês. Laramie olhou a porta da sala de jantar onde sua
esposa ainda tomava o café da manhã e se alegrou de que fora Marta quem a
tivesse encontrado. Essa mulher era uma tumba com tudo o que acontecia aos
irmãos Devereux.

Elena tentou tranquilizar-se tomando uma taça de chá. Seu marido era
imprevisível e teria que aceitar seu forte caráter e suas más maneiras. Ela era uma
dama e sabia muito bem o que significava sê-lo. Não tinha o título, nem tampouco o
dinheiro, mas tinha herdado a classe e as maneiras para mover-se entre a alta
sociedade. Reconhecia que não se comportou com honradez. Engana-lo para casar-
se foi uma jogada muito suja, entretanto, não lhe tinha ficado outra opção. Em
troca, o conde tinha título e dinheiro e nenhuma educação para enfrentar-se a
sociedade londrina. Esperava que sua irmã tivesse melhor caráter. Precisava tocar
piano, isso a relaxaria. Ainda não tinha visto a casa assim que esse também seria
um bom plano.

― Pode chamar a senhora Williams? ― perguntou ao jovem lacaio.

― É obvio senhora.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


A ama de chaves não se fez esperar. Entrou como o tinha feito em seu quarto,
sem chamar e ocupando com sua presença quase toda a estadia. Era imponente,
tinha certo ar marcial.

― Chamou-me? ― perguntou com um sorriso ao comprovar como permanecia


intacto o prato do café da manhã do conde.

― Pode retirar-se... ― Elena olhou ao lacaio.

― Thomas ― disse a senhora Williams ao jovem de olhos pardos.

O servente fez uma inclinação de cabeça e fechou a porta a suas costas.

― Os ovos estavam deliciosos ― a felicitou com acanhamento ao recordar como


a tinha encontrado.

A ama de chaves sorriu à jovem para lhe dar confiança e olhou de novo o prato
de Laramie sobre o aparador. Esse moço necessitava uns bons açoites como
quando era menino. Ao olhar a jovem condessa sentiu pena por ela. O senhor
Williams e, defunto marido da Marta, sempre lhe dizia que tinha um dom especial
para conhecer as pessoas e estranha vez se equivocava em suas opiniões.
Compreendeu que Laramie tinha escolhido uma dama como esposa. Esperava que
ela entendesse que seu marido não era nenhum cavalheiro, a não ser um ser
complexo, uma mescla de cavalheiro e rufião com um grande coração incapaz de
reconhecê-lo.

― Se deseja algum prato em especial o comunicarei imediatamente à


cozinheira.

― Não, seguro que se tudo estiver tão saboroso como estes ovos não será
necessário. Embora eu gostaria de conhecer a casa, o conde... ― corrigiu-se ―, meu
marido não teve tempo para isso.

― Será um prazer.

Depois de duas horas e de percorrer dez quartos mais elegantes e de gosto


refinados chegaram ao quarto de Laramie. A senhora Williams olhou a jovem à
espera que lhe confirmasse que abrisse a porta. Elena assentiu e entrou em um
quarto de móveis escuros e sóbrios, próprio de um cavalheiro. A roupa do conde
aparecia dobrada à espera que se trocasse para comer. Uma pontada de dor
atravessou o coração ao recordar suas palavras.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Gostaria de ver a sala de música? ― perguntou a ama de chaves ao ler no
rosto da jovem uma clara tristeza.

― Eu adoraria, e tomar um chá também.

― É obvio ― a ama de chaves ordenou a uma das donzelas que servissem o


chá.

Se os quartos lhe pareceram elegantes, a sala de música só a definiria como


delicada. Suas grandes janelas davam para um pátio interior que provia de luz
natural ao quarto. Um grande piano de cauda estava no centro, várias poltronas de
estilo Tudor dourados e brancos aumentavam a beleza de um chão de madeira cor
mel que contrastava com a cor nogueira do piano. Roçou com a ponta dos dedos as
teclas e se sentou para tocar. Precisava acalmar seu espírito. A senhora Williams
deixou o chá em uma das mesinhas e se deteve para escutar. Era incrível a
capacidade dessa jovem ante ao piano. Quando a voz da condessa se estendeu pela
habitação, Marta ficou com a mão na boca para evitar que uma exclamação de
admiração saísse dela. Tinha recordado seus anos de juventude, seu amor perdido,
sua vida graças à música da condessa.

― Foi mágico! ― disse a ama de chaves com lágrimas nos olhos. ― É você um
anjo.

― Obrigada ― respondeu ante a sinceridade da mulher.

― Deveria descansar ― Elena não compreendeu por que lhe dizia algo assim,
não fazia muito que se levantou e não estava esgotada por fazer amor com seu
marido. ― Não o há dito!

― Me dizer o que...

― Esta noite deve assistir a uma festa em Devonshire

House.

― Senhora Williams, meu marido não me conta nada ― reconheceu entre


dentes, ― nem acredito que o faça nunca.

― Conheço Laramie desde que levava fraldas e lhe asseguro que não é tão cego
como para não dar-se conta de quem é sua esposa. Agora pode que esteja um
pouco zangado pela maneira em que… enfim, ocorreu seu matrimônio, mas seguro
que algum dia a perdoará.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena sorriu com tristeza. Agradava-lhe Marta. Era amável, também discreta e
uma fonte de informação muito estimável para conhecer seu marido. Entretanto,
seria mais fácil que alguém viajasse para a lua que Devereux a perdoasse.

― Não sou Lady MacGowan ― confessou envergonhada.

― Quem quer uma lady quando pode ter um anjo.

Elena esboçou uma ameaça de sorriso ante o comentário da mulher. Desejava


que seu marido também pensasse o mesmo, embora não confiava em que ocorresse
logo.

Essa noite, tal e como lhe tinha anunciado, o conde não apareceu para jantar.
Elena o fez sozinha na grande sala de jantar. A sala lhe pareceu intimidante, se
todas as noites fossem ser assim preferia jantar em seu quarto. Marta entrou e se
despediu dos dois lacaios.

― Senhora Williams, pode retirar o serviço, meu marido não deverá jantar.

― Sei ― disse a mulher, e entregou o convite da festa, este é o momento que


estava esperando para lhe ensinar a esse marinheiro de água doce que está casado
com uma dama.

Elena assentiu, tinha chegado a hora de lhe demonstrar que não era uma
mulher qualquer. As circunstâncias lhe tinham impedido de ser a herdeira de um
título, mas ela o sentia como seu e como condessa Devereux lhe demonstraria que
não haveria outra mais capaz.

― Senhora Williams, tem toda a razão.

Essa noite escolheu um elegante vestido violeta. Seu tio insistiu em que seu
enxoval fosse o mesmo que para a Virginia se esta se casou. Assim tinha comprado
de Cossete dois vestidos de noite, dois de manhã e outro de viagem. A cor violeta
era o que mais gostava. Caía em uma saia de tule gaze até os pés e o rematava um
enorme babado em cuja união a costureira tinha costurado diminutos cristais de
uma cor esmeralda. O conjunto lhe dava a aparência de uma mulher sofisticada.
Marta a ajudou a arrumar-se. O vestido levava um complemento de gaze para
tampar as queimaduras. Quando lhe pediu que o pusesse a mulher mostrou um
gesto de desgosto.

― Danificará o efeito.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Não posso mostrar minhas cicatrizes ― disse, e para ela foi uma aceitação
vergonhosa.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Claro que não! ― assegurou Marta. ― Tampouco levará essa coisa tão
horrível ― Elena a olhou sem compreender. ― No Japão...

― Japão...?

― Sim, estive em muitos lugares ― agarrou um pote de pó que mesclou


com outro de azeite, ― enfim, no Japão algumas mulheres maquiavam seus
rostos e tampavam as imperfeições com isto. Poderíamos tentar.

Elena aceitou. Não desiludiria a mulher; depois de tudo, não tinha nada a
perder. Depois de vários minutos que empregou em lhe pôr o creme o resultado
provocou nela um sorriso, as queimaduras não estavam tão avermelhadas.
Estendeu outra capa no pescoço e os ombros para igualar a cor da pele. Elena
olhou Marta com lágrimas nos olhos. ― Agora, se me permitir, volto em uns
minutos. ― A ama de chaves saiu da habitação e retornou com um cofre no que
havia uma joia.

― Não posso... ― assegurou Elena, ― sem o consentimento do conde.

― Você é a condessa Devereux, não necessita nenhuma permissão ―


piscou um olho cúmplice, para que cometesse um ato de provocação contra
seu marido.

― Tem toda a razão ― sorriu Elena, e apareceram em seu rosto as duas


covinhas que a convertiam em uma mulher muito atrativa.

Marta escolheu uma gargantilha que se ajustava a seu pescoço com a que
dissimularia as queimaduras. Elena pela primeira vez desde muito tempo se
via formosa.

Laramie tinha permanecido toda a tarde no clube de boxe. Depois de dar


uns quantos golpes e receber outros quantos, sentia-se melhor. Retornar a sua
casa não era o que mais gostava, então recordou o convite para a festa em
Devonshire House. Assistir a essa reunião teria sido a maneira triunfal de dar

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


a conhecer sua esposa Virginia MacGowan e não a sua prima. Cada vez que
recordava de que forma lhe tinha enganado se sentia um estúpido. Tinha que
reconhecer que se fosse outro o que estivesse nessa situação o engano teria
parecido engenhoso e inclusive divertido e burlesco. Nunca tinha sido um
homem com senso de humor e não acreditava que agora começasse a ter.

Assim que colocou a camisa e as botas, saiu do clube mais ofuscado que
quando entrou e com uma única ideia. Se ao deixar Elena em uma situação tão
comprometida sua vingança não tinha sido possível porque a encontrou a
senhora Williams, estava seguro de que sim daria que falar que o conde
Devereux não comparecesse com sua esposa à festa um dia depois de suas
bodas. Isso, entretanto, não comprometeria o sobrenome de sua família,
muitos eram os matrimônios por interesse que tinham vidas separadas.

Laramie chegou em casa e não viu Elena. Não lhe importou e reconheceu
para seu pesar que não podia mentir a si mesmo. Os golpes que recebeu no
quadrilátero foram por recordar alguma parte do corpo do anjo queimado.
Vestiu-se com sua ajuda de seu valete, embora não fosse homem desses
hábitos não queria cometer um engano com a vestimenta, Adams, era um
excelente conhecedor de seu trabalho. Quando estava no hall topou com a
senhora Williams, todavia ainda não lhe tinha perdoado a pequena vingança
dessa manhã.

― A condessa está bem? ― perguntou com certa precaução ante o olhar


inquisitivo da mulher.

― Muito bem ― respondeu risonha esquivando seu olhar.

― Diga que parto à festa de Devonshire, que espere levantada até que
retorne ― sua petição era infantil e se sentiu um imbecil por havê-la feito.

― Seguro que não dorme em toda a noite.

O olhar malicioso de Marta lhe alarmou. Não era uma mulher complicada,
dizia as coisas de uma maneira franca e direta, mas aquela forma de lhe
comunicar que Elena não dormiria essa noite despertou certa suspeita.

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O lacaio lhe entregou o chapéu e as luvas. Laramie não quis averiguar
nada mais, respeitava a Marta o bastante para não indagar muito nessa cínica
resposta. Com um gesto áspero e sentindo-se igual a um menino pego em uma
travessura saiu de sua casa e subiu à carruagem.

Devonshire House era uma mansão grandiosa. A enorme sala de baile


tinha capacidade para mais de trezentos convidados e todo mundo estava
reunido essa noite ali. Os abajures brilhavam com intensidade e multiplicavam
o esplendor das joias das damas. Algumas levavam leques de plumas que as
convertiam em exóticos pássaros do Paraíso. Um servente com voz clara
anunciou a presença da condessa e vários pares de olhos se voltaram para vê-
la. Elena os enfrentou com um sorriso, com a fronte elevada e com passo
decidido se dirigiu para uns velhos conhecidos de seus pais.

A música começou a soar e alguns casais se lançaram a estrear a pista de


baile. Nunca teve amizade com as jovens casadoiras assim atrás de várias
saudações de cortesia e receber felicitações por suas bodas, encontrou-se
sozinha. Então, aproximou-se de uma das mesas para agarrar uma taça de
ponche.

― Concede a honra de dançar comigo? ― virou-se sem saber quem a


convidava. ― Roger Matherson permanecia imóvel junto a ela, enquanto lhe
tendia a mão como se tivesse a certeza de que aceitaria.

― Não acredito que seja...

―… conveniente? ― disse ele com um sorriso encantador. ― Tampouco o é


que seu marido não a acompanhe esta noite.

Os olhos da Elena brilharam com rebeldia. Apesar de que tinha sido um


comentário inapropriado, suas palavras encerravam uma verdade absoluta.
Recolheu a luva que lhe lançava e aceitou a dança.

Laramie chegou à festa ainda mais irritado, dirigiu-se à mesa de bebidas e


tomou uma taça de rum. O baile já tinha começado e avistou ao longe a
Charles que dançava com uma jovem muito formosa. Esperava que se

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


comprometesse e não se convertesse em um solitário como seu irmão Auguste.
Desviou a vista de seu amigo em busca de algum conhecido quando viu a tia
de Elena, essa mulher tinha um aspecto vulgar. Ao lado, Virginia flertava com
lorde Rochester de uma forma muito atrevida para uma dama. Nesse instante,
se conscientizou do engano que teria cometido ao casar-se com ela. Por mero
aborrecimento dirigiu a vista para onde a mulher não deixava de olhar. Devia
ser o bastante importante para não vigiar a sua filha. Seus olhos se fixaram em
um casal, era bem conhecida a relação que existia entre o Roger e a tia de
Elena, entretanto, isso não lhe importava.

A garota com a que dançava Matherson nesse momento levava um vestido


arroxeado com pedras esmeraldas, quando o casal se girou a cor desapareceu
de seu rosto e as veias de suas têmporas se fizeram visíveis. Elena estava ali e
pela segunda vez o deixava em evidência. Além disso, via como o que lhe
dissesse aquela velha raposa o fazia rir e como aquelas covinhas que
convertiam sua cara em um duende travesso apareceram de novo. Teria
passado sua presença nesse baile, inclusive não teria se importado que
dançasse com alguns homens, mas fazê-lo com Roger e luzindo as joias de sua
mãe, fez que algo em seu interior se revolvesse como uma serpente em um
ninho de víboras. Com passos largos se dirigiu à pista e se interpôs entre o
casal.

― Permite-me dançar com minha esposa? ― a petição soou como uma


ordem.

Roger soltou Elena, beijou sua mão em um gesto de galanteria que


Laramie teria apagado com um murro e deixou a jovem a mercê de seu marido.

― Como te atreve a assistir a uma festa sem minha permissão? ― O conde


apertou sua cintura e a atraiu para ele de uma maneira que daria muito que
falar nos seguintes dias.

― Acaso sou sua prisioneira ou escrava? ― disse-lhe com os olhos fixos


nos seus.

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Laramie apreciou naquele olhar a uma autêntica guerreira e guardou
silêncio. Parecia que a tímida carabina era muito mais lutadora do que tinha
imaginado. Essa noite, a beleza da Elena era como uma pérola recém-
descoberta. De alguma forma, seu corpo exigia converter-se no dono dessa joia,
apesar de que ainda não era capaz de perdoá-la. Ao compará-la com sua
prima, Elena saía vencedora, mas não era um homem que aceitasse com
facilidade uma derrota.

― Não, é minha esposa e a condessa Devereux.

― Não sou sua esposa ― acusou, e o conde entendeu muito bem a que se
referia.

― Isso tem solução, asseguro-lhe isso. ― Se apertava mais a sua mulher


protagonizariam um escândalo. Elena o olhou aos olhos e tratou de
esquadrinhar seu interior. Nela floresceu uma esperança, se o conde a fazia
sua esposa possivelmente pudesse vê-la como tal, mas não confiava muito
nisso. ― Ninguém te deu permissão para usar as joias de minha mãe ― a
repreendeu de forma infantil.

― Deus, é um autêntico caipira! Desde quando uma dama deve pedir


permissão a seu marido para utilizar as joias de sua casa? ― exclamou doída
por suas palavras.

O semblante de Laramie se obscureceu de tal forma que sua fúria


estalaria como uma tormenta em meio ao baile. Embora seus anos de
contrabando lhe tivessem ensinado que havia ocasiões que era melhor
temperar sua cólera para ganhar uma luta e, agora, voltaria a fazê-lo.

― Não pensava o mesmo ontem à noite. Quando queria que te possuísse,


quando desejava que minhas mãos tocassem seus seios e te abria para mim
como um rio em sua desembocadura. Então, não…

― Basta! ― interrompeu Elena, suas bochechas estavam tão


incandescentes como o ferro em vermelho vivo.

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Humilhada e envergonhada pelo que sugeria elevou o queixo disposto a
lançar brilhos esverdeados pelos olhos e com eles derreter a esse homem. Em
troca, encontrou os olhos negros mais atrativos e sedutores que tinha visto.
Não era justo pensou, não podia lutar contra algo assim e sair vitoriosa.

A dança terminou e Laramie a conduziu para a saída sem dizer nada


mais. Charles se interpôs no caminho de ambos.

― Elena ― sugeriu algo que tampouco agradou ao conde.

― Concede-me esta dança?

― Será um prazer ― disse, ― antes… ― retirou a gargantilha do pescoço,


apesar de que se veriam suas queimaduras e o que isso significava para ela.
Demonstrar-lhe-ia do que era feita uma dama inglesa, ― esta bagatela pesa
muito e não tem nenhum valor para mim.

Olhou a seu marido para que o deixasse com uma clara provocação nos
olhos. Se Laramie não a deixasse dançar com seu melhor amigo acrescentaria
outro comentário inapropriado aos rumores sobre eles. O conde agarrou o
pendente e o guardou em um dos bolsos da jaqueta.

― Que tal com o lobo de mar? ― perguntou o médico com uma careta que
a fez rir quando começou a dança.

Charles a olhou com carinho e Elena, na falta de melhor confidente,


mostrou-lhe parte de seus sentimentos.

― Jamais me perdoará ― reconheceu com tristeza. Tinha começado a


suspeitar que estivesse apaixonado por sua prima. ― Penso que ame muito a
Virginia.

― Amá-la! ― Charles riu a gargalhadas e desviou os olhos para Laramie,


que não deixava de olhá-los como se em qualquer momento tivesse a intenção
de lhe pegar como fazia tantas vezes no clube. ― Nunca me disse tal coisa.
Laramie desconhece o que é o amor.

― Terá tido mulheres..., bom, relações.

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― Sim, teve mulheres e muitas relações, mas nunca amor. Laramie é
incapaz de amar ― disse Charles com tristeza. ― Sofreu muito com a morte de
seus pais.

― Eu também ― respondeu baixando a cabeça. Charles lhe elevou o


queixo para que lhe olhasse e isso desatou que o conde avançasse para eles.

― Você tem coração, ele o perdeu faz muito.

― Permite-me que dance com minha esposa? ― interrompeu com


brutalidade. O jovem assentiu com um sorriso e depois de beijar a mão da
Elena se retirou com discrição.

Laramie começava a exasperar-se, se outra vez tinha que pedir permissão


para dançar com Elena falariam dessa festa em Devonshire durante anos.
Elena estava triste, as palavras de Charles lhe tinham afetado. Se de verdade
seu marido carecia de coração, sua esperança de formar uma família, de ser
feliz, não seria possível.

― Eu gostaria de ir ― lhe pediu com pesar quando a dança terminou.

Laramie observou a mudança sofrida nela e acreditou que tratava de lhe


castigar por não lhe permitir dançar com outros homens. Zangado consigo
mesmo por deixar essa harpia lhe influenciar, deixou-a uma segunda vez no
centro de uma sala de baile. Nesta ocasião, Roger Matherson foi resgatá-la.

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Capítulo 9
Laramie não dormiu naquela noite, nem tampouco nas seis seguintes.
Debatia-se entre desistir ou esperar que Elena se humilhasse perante ele para
lhe ressarcir pela forma em que o tinha enganado. De uma coisa estava seguro,
a partir de agora não tomaria o café da manhã em casa. Ultimamente os ovos
da senhora Williams eram tão desagradáveis que quase lhe produziam
indigestão; além disso, as fatias de bacon pareciam partes de couro ressecado
de uma sela. Sendo assim nesse dia decidiu tomar o café da manhã no clube.
Na primeira hora da manhã poucos eram os homens que o visitavam, algum
solteiro com ressaca ou viúvos que preferiam tomar o café da manhã
acompanhados. Depois de terminar um segundo prato de bacon se dispôs a ler
o jornal. Repassou entre as notícias de economia alguma que afetasse a seu
negócio, logo olhou as que falavam sobre os ecos da sociedade.

Nada que chamasse sua atenção, que se lady tal se casava com o duque
qual; se a família tal se inimizava com a família qual, até que leu em letras
impressas o nome da condessa Devereux. O jornal falava da festa de
Devonshire. Em particular, ele comentava a beleza surpreendente e escondida
da condessa, um verdadeiro descobrimento, segundo o jornal. Laramie relaxou,
até que ao final de uma coluna uma linha mesquinha e traidora lhe obrigou a
engolir a bílis: «A condessa dançou com Roger Matherson, conhecido do conde
Devereux, quem acompanhou à condessa até em casa. Possivelmente o
comerciante ia iniciar novas negociações e empreender outro tipo de
empresa....»

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Amassou o jornal, sem dúvida as informações do noticiário eram
insultantes. Ao deixá-la na metade da festa nem sequer teve em conta com
quem retornaria para casa. Cada vez que tentava pôr em evidencia sua esposa
era ele quem terminava exposto. Devia trocar de estratégia pelo bem de Anna,
sua irmã que chegaria no dia seguinte e depois de negociar com vários
possíveis candidatos a maridos quase tinha o eleito. Esperava que a notícia do
jornal não fosse um impedimento para fechar o acordo com o futuro marido de
Anna.

Elena pisou no jornal com um escarpam de cetim azul. Odiava essa gente
que via maldade em todas as coisas. Amaldiçoou-se por ser tão estúpida, o que
esperava que dissessem dela ao retornar para casa na carruagem de Roger
Matherson? Descobrir que seu marido carecia de coração a tinha entristecido
tanto, que aceitou a companhia de Matherson, sem avaliar as consequências.
«Laramie, desde quando tinha começado a chamá-lo por seu nome primeiro
nome e não como conde?”» pensou surpreendida. Não fazia diferença como o
chamasse, depois de ler o jornal acreditava que acrescentaria outra coisa a
enorme lista e que jamais lhe perdoaria. Terminou de tomar o café da manhã,
pensava melhor com o estômago cheio e precisava esclarecer esse mal-
entendido. Thomas entrou na sala levando uma enorme caixa, em seu interior
havia rosas vermelhas. Elena agarrou o cartão e leu: «Obrigado por uma noite
encantadora, Roger». E nesse instante Laramie entrou na sala, ao vê-la com as
flores elevou as sobrancelhas de forma inquisitiva.

― Thomas, pode levar isto, diga à senhora Williams que veja o que faz com
elas ― tentou ocultar o cartão, mas o conde percebeu.

― Quem é seu admirador? ― perguntou, embora fosse muito claro quem


era.

― Uma mulher casada não tem admiradores ― foi consciente de seu


engano no mesmo instante em que pronunciou a última palavra, era evidente
que seu marido tinha lido o jornal.

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― É verdade, uma mulher casada tem amantes ― Elena avermelhou pela
acusação, a ira, desta vez, apoderou-se dela. Tentou acalmar-se para que suas
palavras fossem mais envenenadas que as de seu marido.

― Possivelmente uma mulher insatisfeita com seu marido tenha que ir a


um amante.

Apertou os punhos ao ouvi-la. Se essa pequena víbora tentava questionar


sua dignidade descobriria o que era capaz de fazer um marido zangado. O
conde quis responder, mas a senhora Williams irrompeu na sala e saiu calado,
combater também contra Marta teria sido muito. A ama de chaves observou
Elena, seus olhos se entristeceram quando Laramie abandonou a sala. Pensou
que se comportavam como pirralhos de colégio. A senhora Williams percebeu
com determinação que a condessa devia avançar no ataque.

― Senhora ― Elena insistiu em que a chamasse por seu nome, Marta


tinha se negado, era a condessa Devereux e não haveria formalidades no trato.

― Sim, senhora Williams.

― Na Turquia ― Elena tinha deixado de surpreender-se pelos lugares que


essa mulher tinha visitado, ― porque estive na Turquia e as mulheres dali são
muito astutas em matérias maritais, elas incitavam a seus maridos com
azeites, perfume e sedas.

― Propõe-me que seduza a meu marido? ― Existia um problema, não


tinha nem ideia de como fazê-lo.

Marta sorriu.

― No Egito...

―… porque esteve no Egito, verdade? ― disse Elena, e ambas riram com a


camaradagem que surgia entre elas.

O conde Devereux se fechou em seu escritório com a ideia de ler a


correspondência, embora, na realidade, fugia de sua esposa. Logo iria ao
ringue, se seguisse visitando-o não ficaria um lugar no corpo no que não seria

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


marcado. Seus oponentes começavam a dar-se conta de que estava distraído e
aproveitavam essa vantagem para lhe golpear sem uma pitada de misericórdia.
Observou a correspondência que havia no escritório, uma das cartas provinha
da China. Ao abri-la sentiu uma profunda tristeza.

Auguste de Chapdelaine tinha sido assassinado. Por fim lutar contra o


contrabando de ópio lhe havia custado a vida. Meditou em como daria a notícia
para Charles. Seu contato na China lhe informou que o homem que tinha
movido os fios para matar Auguste não era outro senão Roger Matherson. Era
o mesmo homem que tinha dançado com sua esposa duas vezes e do que
segundo rumores procurava um caso com a condessa. Se antes não o odiava,
agora o mataria com suas próprias mãos. Quando Charles descobrisse que
Matherson era o responsável pela morte de seu irmão enfrentaria esse homem
e, diante do que acreditava, não teria nenhuma oportunidade.

Elena esperou a noite para levar a cabo seu plano. Marta a banhou com
esmero, deu-lhe uma massagem e a lubrificou com azeite perfumado como se
preparasse um pescado para o forno. Depois, voltou a banhá-la e por último a
polvilhou com pó de rosas o que a fez sentir-se como um bolo de açúcar. A
senhora Williams não deixou nada ao acaso, como se avaliasse a suas tropas
de serventes revisou uma a uma as camisolas da condessa e optou pela que
Rosalyn escolheu para a noite de bodas.

― Sei que parece mais próprio de uma prostituta ― não sabia se se


escandalizava pelo comentário da mulher. Compreendia que a senhora
Williams era muito diferente do resto de mulheres que conhecia, ― mas disso
se trata. ― Elevou os ombros de forma pícara. ― Deve ser tão meretriz como
elas na cama e tão santa como a mesma Virgem fora dela. ― benzeu-se com
devoção.

― Marta! ― exclamou escandalizada a condessa.

― Quando estive na Espanha, porque estive na Espanha, as mulheres dali


tinham um dito: Terá que ser uma pu...―… entendo o que quer dizer, embora
não sei muito bem como lhe fazê-lo ― disse.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Marta lhe ajudou a descer da cama. Elena não estava segura de que
aquela roupa lhe ajudaria. Vestida com aquela gaze negra coberta de laços e
rendas vermelhos se sentia como uma mulher pecadora. A camisola não
deixava nada à imaginação, nem sequer à sua, e isso a deixou nervosa. A ideia
de que a rechaçasse, de que não queria amá-la, atormentava-a. Marta lhe
escovou o cabelo dourado e o deixou cair às costas. Pintou-lhe os lábios e lhe
pôs um pouco de cor nas bochechas. Como se fosse uma mulher egípcia lhe
desenhou os olhos com kajal o que fez com que ficassem enormes e sedutores.

― Está arrebatadora! Nem o mais casto dos homens resistiria não amá-la
esta noite.

― Agora o que? ― confessou desconcertada.

― Agora desça ao escritório, agarre um livro da biblioteca e não faça


conta.

― Não posso descer assim! Qualquer um poderia me ver.

― Disso me encarrego eu, não se preocupe ― sorriu.

Elena confiava nessa mulher. Obedeceu a suas indicações e meia


hora mais tarde, desceu à biblioteca onde o conde lia várias cartas e tomava
uísque. Sentia-se nua com aquela roupa e a revisão com os olhos que Laramie
fez de seu corpo, demonstrava que não era somente uma impressão.
― Boa noite ― saudou com acanhamento.
Laramie não respondeu, não era questão de cortesia, era de estupor, não
entendia como a imperfeita flor se converteu no verdadeiro significado de seu
nome: Elena. Nesse instante, teria brigado com qualquer um, passado mil
provas e matado para tê-la entre seus braços. Ela se aproximou da estante de
livros, sua bata e camisola revelavam o traseiro com o qual tinha sonhado
várias vezes ao longo da semana. A luz dos abajures de gás revelou o contorno
de uns seios plenos e redondos. Tragou saliva, precisava concentrar-se em sua
leitura, conhecia bastante bem às mulheres para saber o que pretendia.

Resistiria uma segunda vez a tentação dessa Circe, pensou pesaroso e


derrotado ante o que via, ele não era nenhum guerreiro grego, a não ser

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francês. E sua esposa tinha convertido o cumprimento de seu matrimônio em
uma questão tão evidente como a ereção que ameaçava aparecer muito em
breve em suas calças. Moveu-se incômodo na poltrona de couro.

― Boa noite ― conseguiu responder.

― Quero um livro, não posso dormir ― explicou de uma forma tão inocente
que teria convencido a qualquer um menos experiente em assuntos de
sedução.

― Imagino que uma boa leitura te fará dormir.

Elena olhou para chão, esperava alguma reação de seu marido, mas não
se movia do assento. Sua desculpa era boa até que agarrasse o livro, logo não
podia ficar diante dele como uma estátua.

― Sim ― respondeu desiludida, e sentindo-se incômoda por seu patético


intento de sedução cobriu com os braços os seios de forma recatada,
envergonhada por sua estupidez.
― Possivelmente possa te ajudar? ― Laramie se obrigou a levantar-se
devagar para não derrubá-la na poltrona. Aquela estupidez tinha chegado
muito longe, era sua esposa e essa noite faria valer seus direitos como tal.

Elena retrocedeu um passo quando se aproximou dela com brutalidade.


Agarrou-a entre seus braços e a beijou com tanta paixão que acreditou sonhar.
Nada era tão prazeroso como sentir suas mãos acariciando seu corpo que se
movia com ansiedade. Elena respondeu da mesma forma. Tirou-lhe a jaqueta
com mãos trementes, tinha vontade de sentir a pele de seu marido. Tocar esses
músculos que tinha visto em sua noite de bodas e que não lhe tinha permitido
acariciar.

Sua impaciência lhe impediu de desabotoar os botões da camisa. Laramie


a ajudou tirando o objeto e vários dos botões foram jogados ao chão. Elena
absorveu o cheiro de sabão de sua pele como se fosse oxigênio. Aproximou a
boca dos pequenos mamilos e os beijou. O conde apertou os dentes, o
atrevimento de sua esposa o endureceu como a maior de um de seus navios.
No instante em que tocou sua pele com as pontas dos dedos a empurrou

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contra a estante. Admirada pelos fortes músculos do abdômen percorreu com
as mãos cada centímetro de sua pele queimada pelo sol.

― Laramie... ― gemeu esperançada. Se de novo se comportasse como na


outra noite jamais o perdoaria. Sentia em seu interior uma fogueira ardente
que certamente somente seu marido aplacaria.

― Sim ― a voz rouca lhe demonstrou que sentia a mesma paixão.

― Por favor... Não seja cruel ― lhe rogou com uma voz que soou a
ambrósia.

Laramie negou com um olhar que capturou Elena por completo. A


primeira vez fez que conhecesse a montanha de prazer para deixá-la
insatisfeita e frustrada. Nesta ocasião não aconteceria algo assim, mesmo que
quisesse não poderia deter-se, tinha ultrapassado esse limite. Essa noite lhe
demonstraria como amavam os franceses. Baixou-lhe a camisola até a cintura
e tomou um dos mamilos na boca, jogou com eles passando de um a outro.
Elena se retorcia de êxtase ao notar a língua cálida de seu marido sugar seus
peitos, mordendo-os com suavidade e enlouquecendo a de gozo. Para Laramie a
entrega de Elena o estava matando. Agarrou-a pela cintura e se embriagou com
o aroma de rosas de sua pele, do aroma de harém, de sedução, de luxúria e,
sobretudo, de mulher. Abandonou seus peitos e percorreu seu estômago com
leves beijos que avivavam nela o desejo mais primitivo.

Quando se deteve no umbigo, seu sangue fervia como a água de um bule.


Laramie introduziu a língua e percorreu o caminho devagar, sem pressa. Sabia
muito bem o que queria sua esposa. Notava-o em como lhe atirava o cabelo,
movia os quadris ou na tensão de seu estômago cada vez que sua língua
abandonava essa diminuta cova para descer um pouco mais para o
encaracolado pelo dourado. Elena agarrou o cabelo de seu marido entre os
dedos. Enquanto que as mãos de Laramie tinham percorrido seus peitos e seu
pescoço deixando uma sensação de queimação que contraía suas vísceras. Mas
quando lambeu seu centro de prazer sentiu que mil estrelas se acendiam para
ela. Aquele homem a enlouqueceria com suas carícias, se continuasse assim,

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subiria aos céus sem necessidade de falecer. Ele continuou pressionando,
mordendo, tocando e jogando com uma parte dela que desconhecia que
causasse aquele transe agonizante e uma lenta morte. Ele tampouco podia
esperar mais e abandonou as carícias.

― Elena... ― sussurrou em seu pescoço, para lhe dar a oportunidade de


detê-lo, se lhe desse permissão não se comportaria com cavalheirismo.

― Sim ― a voz de sua esposa o liberou das cadeias que lhe retinham.

Laramie não necessitou nada mais que essa palavra de aceitação. Elevou-
a em braços e a apoiou contra a estante de livros. Não podia chegar a nenhum
outro lugar, nem ela o permitiria. Recebeu-o em seu interior como não o tinha
feito antes nenhuma mulher. Adaptou-se a seus movimentos como se fosse
uma perfeita engrenagem mecânica, sem que nenhum dos dois resistisse mais
o prazer que os invadia.

― Termina de uma vez com esta tortura ― disse quase com um fio de voz,
cravou as unhas nas costas de seu marido e com renovado ânimo exigiu ―
Faze-o como se te cobrasse por isso ― a vergonha cobriu as bochechas de sua
esposa ante as palavras que escaparam de maneira indecorosa de sua boca.

Laramie sorriu com satisfação. Algumas mulheres diziam vulgaridades na


cama, não lhe importava que Elena fosse uma delas, resultava excitante essa
combinação virginal e obscena que convivia na personalidade de sua esposa. O
conde se deteve e Elena quase o assassina com um olhar felino e perigoso, seu
corpo palpitava e se aferrava ao dele como um salva-vidas. O conde começou
um movimento mais lento, mais castigador, muito mais lascivo.

― Isso é o que quer?

― Não... Sim... ― debatia-se enlouquecida ante o prematuro


descobrimento desse prazer. A tortura que Laramie lhe infligia era tão
abrasadora que se queimaria por completo se seguisse com aquele martírio
contínuo e delicioso.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


O conde sorriu satisfeito. Sua esposa era um anjo muito pecador, algo que
gostaria de experimentar mais adiante. Cravou-lhe ainda mais as unhas nas
costas e soube que não poderia continuar com aquele suplício mais tempo.
Fixou nela o olhar para ver seu rosto quando chegassem ao clímax. Queria ver
esses olhos verdes como nunca tinham olhado a um homem. Queria ver que
ela era dele.

― Laramie... ― sussurrou vencida.

O conde descansou a cabeça em seu pescoço, sujeitava-a pelos quadris e


permanecia em seu interior. Negava-se a abandonar seu corpo, apesar de que o
tinha respondido de uma maneira maravilhosa, estaria dolorida. Elena o olhou
com olhos desiludidos no momento em que saiu dela.

― Por hoje é suficiente ― beijou de forma carinhosa a ponta de seu nariz.

Elena se ruborizou. Esse simples gesto invadiu seu coração de felicidade.


Devia subir o salário de Marta, embora a mulher não ficaria muito contente ao
ver que a maioria dos livros da estante estavam no chão.

Cinco horas mais tarde, Elena despertou na cama de seu marido com um
sorriso desenhado no rosto. Essa manhã, Laramie tinha ido à estação King›s
Cross. Ainda não a tinha visto. Todo mundo falava dos tijolos de terracota e os
numerosos arcos que a adornavam. As pessoas a comparavam com uma
catedral gótica. Quis lhe acompanhar, entretanto, pediu-lhe que descansasse.
Depois do encontro apaixonado na biblioteca conduziu-a para a cama onde lhe
ensinou, com toda a delicadeza e paciência inimaginável, o que era o amour
français e lhe tinha mostrado um mundo desconhecido e excitante. Estirou as
extremidades com um prazer luxurioso. O aroma de seu marido ainda
permanecia nos lençóis e um sorriso bobo e satisfeito surgiu em seu rosto ao
recordar o que haviam compartilhado no leito.

Apesar de que continuaria muito mais ali, não queria que sua cunhada
tivesse uma má impressão dela, assim que se levantou e depois de um bom
banho e um melhor café da manhã se sentiu com uma confiança renovada.
Marta a atendeu sem fazer nenhum comentário. Os sorrisos de ambas e o

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destroço da biblioteca junto com uma cama desfeita demonstravam que o
plano tinha funcionado. Elena se retirou à sala de música, tocou várias peças
alegres até que se viu interrompida pelas vozes e os gritos de seu marido.

― Fará o que te ordene! ― gritava furioso, e apertava os punhos em um


intento de controlar sua ira.

― Não vou casar-me! ― respondeu a jovem com as mãos nos quadris.

A garota um pouco mais baixa que seu marido enfrentava o conde com
uma valentia que invejou. Anna era a versão feminina de Laramie. Suas
características eram muito mais finas e elegantes, mas a beleza selvagem e o
caráter autoritário pertenciam à família Devereux.

― Não me importa sua opinião! Casar-se-á com um conde! ― seu marido


soou ameaçador, algo que ignorou sua cunhada ao continuar discutindo com
ele.

― Não me casarei sem amor ― assegurou Anna muito mais acalmada, e


seu rosto refletia uma vontade firme.

― O amor não tem nada que ver em um matrimônio, somente traz


complicações. Os matrimônios servem para engendrar herdeiros. Se quiser
companhia ou alguém que te ame, compra um cão. ― Os olhos de Laramie se
cruzaram com os de Elena e pôde ver que essas palavras a tinham ferido.

― Onde tem o coração? Como pode falar assim de matrimônio? Espero


que o teu seja um inferno.

― Asseguro-te que tem sido desde o primeiro dia. ― Anna viu a mulher de
cabelo dourado que devia ser sua cunhada e lamentou que os tivesse escutado.
Teria que ser cego para não dar-se conta de que essas palavras lhe tinham
doído. ― Como sempre há dito: não tenho coração.

Desta vez Laramie não olhou sua esposa, não queria ver-se refletido em
seus maravilhosos olhos verdes como um monstro.

― Antes me matarei ― insinuou a jovem sem muita convicção.

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― Faze-o logo ― lhe sugeriu, ― porque em três semanas decidirei qual dos
condes é o melhor partido para escolher.

Ambos os irmãos a ignoraram, Laramie se dirigiu a seu escritório e Anna


subiu correndo as escadas que levavam a seu quarto. Elena olhou para Marta
que estava acostumada aos arrebatamentos dos dois e elevou os ombros em
sinal de derrota. Elena retornou à sala de música, desanimada e doída por
compreender que a noite passada tinha sido uma forma de cumprir com seu
matrimônio. O conde queria herdeiros e necessitava uma esposa para isso. Seu
coração se contraiu pesaroso, por um instante acreditou na possibilidade de
que tivessem uma oportunidade, de que a tivesse perdoado. Esmurrou as
teclas com fúria e as lágrimas lhe impediram de ver a partitura.

No escritório Laramie escutava a fúria de Elena convertida em acordes,


que retumbavam nas paredes como fogos de canhão destruindo o que foi
compartilhado na noite anterior. Não fazia nem quatro horas que se rendeu aos
encantos de sua esposa. Viu com total claridade que Elena seria uma condessa
esplêndida. Jamais tinha tido uma mulher que se entregasse a ele dessa forma
tão plena e com a mesma ânsia por descobrir, por experimentar diferentes
provocações na cama, sem nenhum tipo de pudor.

Além disso, era uma autêntica dama por nascimento, caráter e maneiras.
Uma esposa que teria agradado a sua mãe e uma digna portadora do título
Devereux. Não podia esquecer seus olhos doídos quando cuspiu aquelas
palavras. Sua irmã lhe tinha enfurecido desde que desceu do trem. Anna se
manteve durante quase todo o caminho calada, até aborrecida, Laramie lhe
perguntou no carro o que lhe passava. A jovem estalou como a pólvora. Seus
protestos o irritaram tanto que antes de chegar em casa já estavam envolvidos
em uma briga. Sentia-se perdido e já havia sido difícil reconhecer que preferia
a Elena em vez de Virginia. Compará-la com seu anjo queimado era
imperdoável. Arrependeu-se de suas palavras, mas nada podia fazer para evitar
que sua esposa pensasse que era um homem cruel. Tirou da gaveta do
escritório a carta onde lhe comunicavam a morte de Auguste. Tinha adiado
muito contar a Charles, essa noite falaria com ele.

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Enquanto isso, em seu quarto, Anna chorava e amaldiçoava ao tirano de
seu irmão. Pensava uma e outra vez como podia ser tão cruel e condená-la a
um matrimônio sem amor. Ela não se importava com os condes, os títulos e a
riqueza. Tinha vivido a metade de sua vida na pobreza e tinha sido feliz,
embora reconhecesse que Laramie nos maus tempos se ocupava de que não
lhe faltasse nada, inclusive sacrificando-se ele mesmo se fosse necessário.

Amava a Charles e Charles a amava. Desde que o conheceu lhe fascinou o


caráter afável e considerado do jovem médico. Seus formosos olhos azuis a
faziam suspirar cada noite, e suas cartas eram o único consolo que tinha presa
naquele internato de Viena. Se Laramie descobrisse que Charles era o marido
que tinha escolhido o desafiaria em um duelo. Entretanto, já era muito tarde,
seu coração e sua mente lhe pertenciam. Decidida, Anna não permitiria que
Laramie decidisse por ela, não se casaria com nenhum conde.

Capítulo 10
Durante as duas semanas seguintes Laramie a tratou com cortesia,
embora em nenhum momento lhe pedisse que compartilhassem o leito.
Necessitava de tempo para aceitar que nunca teria um matrimônio como o de
seus pais. Em cada encontro entregaria seu coração, enquanto que ele só a
visitaria até que engendrasse um herdeiro.

Laramie parecia evitá-la de forma intencional. Suas ausências na hora das


refeições lhe permitiram conhecer melhor a sua cunhada. Elena compreendeu
que Anna estava apaixonada por Charles, ouvindo o nome do jovem médico,
ruborizava-se. Qualquer menção de sua pessoa foi respondida com uma defesa

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atroz que muitos reis já haviam desejado entre as fileiras de seus soldados.
Alegrou-se seriamente por eles, apreciava os dois. Apesar da impressão que lhe
causou no primeiro dia, era uma jovem amável e sensível que defendia seu
amor. Elena a invejava. Para Laramie seu matrimônio jamais se apoiaria nesse
sentimento.

Desejava acreditar que o que compartilhou com ele naquela noite na


biblioteca não foi uma atuação do conde. Não seria capaz de conformar-se com
essas poucas migalhas. Depois de saber que o amava queria muito mais,
queria ser a proprietária de seu coração, o problema é que quem o conhecia
assegurava que carecia dele. Assim, para compensar sua dor decidiu ajudar os
jovens apaixonados. Essa manhã tocou piano para Anna, sua cunhada não
parava de suspirar. Ao terminar uma última peça que a moça nem sequer
escutou, decidiu que deviam animar-se e o melhor lugar para fazê-lo era a
oficina de Cossete.

― Hoje iremos às compras ― propôs. Anna a olhou com veemência.

― Não tenho vontade ― assegurou a garota com um fio

de voz.

― Vamos! ― animou-a. ― Será divertido, asseguro-te que a oficina de


Cossete é o melhor que encontrará em Londres.

Gastaremos umas quantas libras de seu irmão ― lhe piscou os olhos, e


Anna aceitou a pequena vingança.

― Está bem, além disso, asseguro-te que serão algo mais que umas
quantas libras ― desafiou belicosa a jovem. Elena sorriu com acanhamento,
não esperava uma reação como aquela e temeu como seu marido tomaria
aquele gasto extra. Ao ver o gesto de dúvida no rosto de sua cunhada,
acrescentou ― Laramie nunca foi miserável nem avarento comigo.

Esperava que Anna tivesse razão, não tinha vontade de enfrentar seu
marido. A situação já era bastante complicada.

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Anna acabou comprando roupa íntima, chapéus e dois vestidos. Um era
para assistir a um baile, tinha várias camadas de musselina de distintas cores
pastel e outro mais sóbrio para passear pela manhã. Elena optou por um
vestido em cor turquesa com uma formosa renda negra que rodeava o decote, o
fundo da saia e a cintura fazendo dela uma mulher sedutora.

― Está preciosa! Suas cicatrizes ficam pouco visíveis ― assegurou com


sinceridade Anna.
Olhou-se no espelho, sua cunhada tinha razão. O azeite que Marta lhe
aplicava todas as noites tinha melhorado as vermelhidões das queimaduras.
Ainda eram muito visíveis, mas não eram repulsivas; tinham adquirido um tom
esbranquiçado que a senhora Williams dissimulava com pó de farinha quando
tinha que usar um vestido decotado.

― Obrigada. ― entrou no provador e Cossete lhe ajudou a tirar as cintas


do espartilho.

Nesse instante, um par de senhoras entrou na loja. A costureira cometeu


o engano de não ter fechado a porta da oficina como fazia quando estava com
suas clientes preferidas. Tentou sair imediatamente, a condessa a segurou pelo
braço quando escutou o nome de seu marido. A costureira a olhou nos olhos e
negou com a cabeça, Elena não a soltou. Cossete lamentava que se inteirasse
do que todo Londres já murmurava.

― O conde Devereux deve ser um amante excepcional ― se escutaram


risadas apagadas. ― Visita Albridare todas as noites e lhe viram sair de sua
casa de madrugada ― disse uma delas.

― Não sente saudades, ― respondeu a outra ― sua esposa é um monstro


e, além disso, uma harpia manipuladora, enganou-o muito bem para caçá-lo.

― Pobre homem, imagina o que deve ser cumprir com suas obrigações
matrimoniais casado com uma mulher queimada.

― Horrível! ― Elena evitava derramar as lágrimas que lutavam para sair


de seus olhos. Laramie tinha uma amante e a tinha tido no primeiro dia. Não

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podia lhe pedir explicações, porque ela o tinha enganado, de forma vil, para
casar-se. Mas descobrir como os ciúmes assolavam seu interior a destroçaram.

― A marquesa Albridare é uma mulher muito bela com gostos


extravagantes que devem atrair a qualquer homem. Dizem que esteve um
tempo em um harém para aprender todos os segredos da sedução.

Elena não aguentou mais a humilhação e duas lágrimas grosas brotaram


de seus olhos. Sentia-se envergonhada ao pensar que seu marido e a marquesa
se teriam rido dela por seus intentos patéticos de lhe seduzir. No dia da
biblioteca deve ter apreciado, comparando-a com a experimentada marquesa,
com uma mulher que conhecia a arte da sedução como ela as partituras do
Beethoven. Imaginá-los na cama era perturbador e ao mesmo tempo doloroso.

O conde tinha conseguido seu objetivo. Vingou-se da pior maneira


possível. Tinha descoberto ali mesmo que o amava, que lhe amaria toda a vida,
que seu coração lhe pertenceria para sempre. Também, que Laramie era mais
cruel que nenhum outro homem ao fazê-la acreditar que se importava com ela,
que aquela noite tinha sido especial e que ela o tinha seduzido. Quando, na
realidade, estava tecendo a rede de uma vingança. Mordeu o punho para evitar
um grito. Cossete saiu furiosa e jogou as mulheres dali falando em francês.
Anna que tinha escutado tudo desde seu provador se apressou a entrar no de
sua cunhada e a encontrou chorando.

Essa tarde Anna entrou furiosa na sala de música onde Elena se refugiou
para lamber suas feridas.

― Quer me casar com lorde Chapman! ― A jovem olhou sua cunhada com
os olhos avermelhados pelo pranto.

Elena compreendeu o desespero da garota. Lorde Chapman podia ser seu


pai, era um tipo barrigudo e calvo com fama de bêbado e pouco falador.

― Não pode ser verdade! ― levantou-se e se aproximou de sua cunhada


para abraçá-la. A moça soluçava pelo choro e o desespero.

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― É asqueroso. ― Anna andava pela sala como um felino enjaulado. ―
Asseguro-te que me matarei se me obriga a me casar com ele.

― Está segura de que é lorde Chapman o escolhido?

― Acaba de me dizer isso ― os olhos da garota lhe suplicaram que falasse


com seu marido.

― Ele não me ouvirá ― assegurou entristecida pela situação.

― Por favor! ― rogou.

Elena respirou fundo e se dirigiu à biblioteca. Golpeou a porta com os


nódulos, duas vezes, e esperou que lhe desse permissão para entrar.

― Posso falar contigo um momento? ― perguntou e se sentiu tão coibida


como uma aluna ante o escritório da diretora de um internato.

― Entre ― Laramie a observou com uma fingida falta de interesse,


suficiente para ver sob seus formosos olhos umas olheiras tão cinzas como as
velas negras de velhos navios ancorados em um porto.

― Quero falar de Anna. ― sentou-se frente a ele e Laramie ficou tenso ao


escutar o motivo da visita.

― Não há nada do que falar ― o conde continuou escrevendo em uma


folha.

― Não acredito que seja assim, deve entender que...

―… não te meta nisto, não entre minha irmã e eu ― lhe

disse com uma violência tão evidente que Elena se encolheu no assento.

― Esse homem é repulsivo ― a cara de asco de sua esposa causou em


Laramie vontade de rir.

― Esse homem é conde e cada um se conforma com o que lhe toca no


matrimônio. ― Elena entendeu muito bem as palavras.

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O conde Devereux tinha que conformar-se com uma mulher como ela, sem
beleza nem dinheiro. Depois do que tinha ouvido na oficina de Cossete seu
coração a traiu e furiosa ficou em pé e gritou:

― Não tem coração! Condenará a sua irmã a uma vida horrível.

― E você? ― acusou-a, ofendido porque o considerasse alguém sem


sentimentos. Via-lhe formosa lançando brilhos esverdeados pelos olhos em
defesa de sua irmã. Tinha as bochechas avermelhadas pela paixão o que
reavivou seu desejo por ela. Laramie não queria responder, mas a cólera pôde
mais que sua prudência. ― Não pensou que ao me enganar teria uma vida
horrível? Desta vez Elena emudeceu, tinha razão. Quando planejou não
imaginou que entregaria o coração nesse negócio, senão jamais o teria feito.

― Ainda bem que achou solução ― recriminou, e apertou os punhos por


causa da vontade que tinha de lhe agredir.

Nunca tinha sido uma pessoa violenta, embora seu marido despertasse
nela não só sensações maravilhosas, também outras das que não se sentia
nada orgulhosa.

― A que te refere? ― Laramie não compreendia a aparência que aquela


conversação tomava.

― Nem sequer pensa reconhecê-lo? ― Elena o fulminou com um olhar de


pedra. ― Suponho que terão rido de mim muitas vezes, de sua queimada
esposa e seus patéticos intentos por te seduzir. Sei que não posso obter seu
perdão, mas não era necessário machucar meus sentimentos… ― Elena
emudeceu pelo que acabara de confessar e as lágrimas brotaram de seus olhos
sem que ela percebesse.

Ao ver a dor no rosto de sua esposa, Laramie quis lhe explicar o motivo de
suas visitas à marquesa. Tudo estava relacionado com o ópio e a morte de
Auguste. A casa da marquesa era a mais segura e quão único arriscava era a
reputação de marido fiel, algo que não lhe importava, não imaginou que
chegaria aos ouvidos de Elena. Vê-la dessa maneira de certa forma lhe alegrou,
ao lhe demonstrar que não só se casou por seu dinheiro como pensou em um

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primeiro momento. Compreendeu que lhe importava seu matrimônio e,
portanto, ele. Entretanto, não lhe contaria a verdade, não a poria em perigo e
lamentou que sua forma de protegê-la machucasse. A jovem, consciente do que
tinha confessado e que Laramie se deu conta de seus sentimentos, virou-se e
quis partir. O conde foi muito mais rápido e rodeou com as mãos sua cintura.

― Não lhe posso explicar isso, confia em mim ― lhe rogou. Era o único que
podia fazer.

Elena olhou os olhos negros de seu marido e se perdeu neles. Laramie


levava duas semanas desejando-a, precisava amá-la nesse mesmo instante.
Agarrou-a em braços e a levou até o escritório, com uma das mãos lançou ao
chão os papéis, as plumas e livros nos que tinha trabalhado. Jogou-a sobre a
mesa e se apoderou de sua boca com tanta paixão que acreditou estar em um
mar confuso e tormentoso. Laramie a enlouquecia somente em tocá-la. Carecia
de força e a dignidade suficiente para manter-se firme na decisão de não
deixar-se arrastar pela poderosa atração que exercia sobre ela. Quando a
acariciava dessa forma se sentia plena. Então, seu coração, sua alma e seu
corpo lhe pertenciam e não se importava com quantas mulheres se deitasse ou
o preço de sua traição.

Durante o instante em que o sentia em seu interior, o mundo se reduzia a


eles dois e se enganaria pensando que a amava. Laramie lhe levantou a saia e
agradeceu que carecesse de aros e armações para vestir em casa. Rasgou os
calções e a penetrou com fúria, queria que soubesse que lhe pertencia. Elena
se agarrou a seu pescoço para não deixá-lo escapar. Recebeu-lhe em seu
interior úmida e entregue por completo. Com cada investida ele queria lhe
demonstrar que a necessitava e que cada dia sem tocá-la ou sem ver seus belos
olhos era uma tortura. No instante em que ambos chegaram ao clímax se
deixou cair devagar em cima do corpo de sua esposa. Elena estava exausta,
satisfeita e feliz. Perdoara-o, pensou com um sorriso.

― Deixa de visitar a marquesa, por favor, ― lhe pediu, enquanto ele ainda
estava em seu interior.

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― Não posso ― pronunciou consciente do dano que lhe causaria.

A rigidez do corpo da Elena foi muito evidente para Laramie.


Compreendeu que a magia da paixão que ambos tinham protagonizado nessa
sala havia se quebrado. Tinha-lhe rogado que abandonasse sua amante e se
negou. Empurrou-o com firmeza e se cobriu com acanhamento. Laramie a
deixou fazer, sabia muito bem como se sentia.

― Por que me tem feito o amor? ― perguntou olhando em seus olhos.

Laramie queria dizer a verdade, mas um deslize, um simples engano e


mandaria ao diabo toda a trama que tinham construído para capturar a Roger
Matherson.

― É minha esposa, necessito de um herdeiro e o faremos quantas vezes


seja necessário para consegui-lo ― ao dizer essas palavras sentiu que
apunhalava a confiança de sua mulher.

Elena não se sentiria tão suja se a tivesse pagado. Desceu da mesa e com
toda a dignidade que pôde reunir, partiu sem dizer uma palavra. O conde a
deixou ir, esperava que depois de castigar o assassino de Auguste, o perdoasse.

Durante as três semanas seguintes, evitou encontrar-se com seu marido.


Tomavam o café da manhã em horários diferentes, comiam em horários
distintos e procurava deitar-se quando Laramie não tinha retornado da casa da
marquesa. Anna, em troca, converteu-se em um fantasma. A moça se fechou
em seu quarto e só aceitava as bandejas de comida que Marta, com muita
paciência, conseguia que terminasse. A ama de chaves via com claridade a
situação: Elena amava Laramie, ele sentia algo por sua esposa e não entendia
porque tinha uma amante. Anna estava apaixonada pelo jovem Charles e o
médico, vendo-a, conformava-se, incapaz de desafiar o conde. A mulher moveu
a cabeça com pesar e rogou para que Deus pusesse ordem naquele desastre.

Duas noites mais tarde, a senhora Williams bateu na porta do quarto de


Elena.

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― Condessa? ― perguntou ante a penumbra que envolvia o quarto.

― Senhora Williams, dói-me um pouco a cabeça ―

mentiu.

― Para isso tenho uma solução perfeita ― disse, e tirou um envelope do


impecável avental branco.

Elena levantou-se da cama, estava pálida e com os olhos avermelhados.


Além disso, quase não comeu e seu prato ficou intacto.

― O que é?

― Um convite para um baile ― respondeu entusiasmada a mulher.

― Diga a meu marido que não penso ir.

― Senhora, não acredito que tenha opção ― disse conciliadora a mulher.

Elena saiu da cama e arrancou o convite das mãos da senhora Williams. A


mulher quis adverti-la de que o conde não estava sozinho, mas se dirigiu para
a porta que separava os dormitórios como um dos cavaleiros do Apocalipse. A
condessa abriu a porta sem chamar. Laramie estava barbeando-se. Não lhe
agradava que ninguém movesse uma navalha sobre seu pescoço. Estava com o
torso nu e os suspensórios das calças lhe caíam até as coxas. Elena teve que
recordar para o que tinha ido ante a distração dos músculos das costas de seu
marido e a maravilhosa tatuagem com seu brasão. Um homem de média idade
estava sentado na cama e se limpava as unhas com uma afiada adaga. Ao vê-
la, ficou em pé e fez uma inclinação própria de um aristocrata. Ante ao silêncio
do conde ele mesmo se apresentou.

― Sou Saul, o contramestre do Antoinette. ― Tomou a mão da condessa e


a beijou.

Era um homem arrumado apesar dos muitos anos passados em alto mar.
Tinha maneiras de outra época, parecia espanhol. Alisou o bigode com um
gesto de paquera.

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― Encantada ― respondeu Elena com um tímido sorriso. O conde
observou as duas covinhas que se desenharam

no rosto de sua esposa e lhe faltou pouco para fatiar o pescoço.

― Capitão, não me contou que a condessa era uma sereia dos mares, mas
muito mais bela ― Elena se ruborizou.

― Saul, jamais contaria a um velho pirata como você que possuo uma
pérola tão bonita ― brincou o conde. Seus olhos se encontraram com os da
Elena e ela apartou o olhar.

― Algum dia tem que nos visitar no Antoinette. Os moços quererão


conhecer a mulher que apanhou a nosso capitão ― Saul não imaginou que ao
pronunciar essas palavras tinha causado um insultante aviso para Devereux
que alterou o humor do capitão.

― Te encarregue de que a mercadoria chegue sem contratempos ―


ordenou Laramie, em sua voz que apreciava certa nota de ressentimento.

Saul conhecia muito bem o jovem capitão. Tinha percorrido muitos mares
em sua companhia. Era justo na maioria das vezes e implacável com os
homens que atentavam contra as leis que impunha em seu navio. Essa mulher
lhe alterava mais que qualquer outra. Observou a jovem que tinha enganado ao
conde. Apesar de não mover-se nas mesmas esferas, ainda tinha ouvidos e
tinha escutado a forma em que se casou com a garota equivocada. Embora
vendo esses olhos tão formosos acreditasse que logo trocaria de atitude. Não
tinha sido imune a sua voz de sereia nem tampouco a que era uma verdadeira
dama.

― Se houver algum problema, capitão? ― perguntou.

― Ocupa-te dele como sempre. ― Laramie se virou para olhar para Saul
com a cara zangada. Elena contemplou uma frieza terrível em seus olhos. ―
Não quero enganos.
― Não haverá ― respondeu, e moveu a adaga enquanto fazia um gesto de
cortar um imaginário pescoço. Elena retrocedeu um passo, assustada. O
contramestre guardou de novo a adaga na capa e tomou a mão da condessa

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para beijá-la em um gesto de pura galanteria. ― Condessa ― disse com uma
saudação da cabeça que em outras circunstâncias a teriam feito rir.

― Senhor ― gaguejou Elena tremendo.

O contramestre partiu e com sua marcha arrebatou a valentia com que


tinha entrado nesse quarto para negar-se à ordem que seu marido lhe tinha
dado. Tragou saliva um par de vezes ante a indiferença de Laramie, que
continuou barbeando-se.

― Não irei a nenhuma festa, não sou um cão adestrado que possa levar na
correia quando quiser e onde queira.

― Ainda não está preparada? ― perguntou com desgosto e ignorou suas


palavras.

― E não o estarei ― o gesto de desagrado de sua esposa avivou de novo o


fogo de sua fúria e ressentimento.

Laramie, como Marta, preferia um enfrentamento direto contra ela, ainda


recordava o último no escritório, a ausência em que se encerrou nos últimos
dias.

― Irá. Pede-lhe isso seu marido e o fará.

Elena parecia uma locomotiva de vapor, furiosa e decidida. Laramie


seguiu barbeando-se sem olhá-la, embora tivesse acariciado essas vermelhas
bochechas e comido a beijos sua boca que apertava em uma careta zangada.

― É horrível! Um monstro sem coração! Um...


―… sou um conde que necessita que sua esposa se comporte como tal ―
disse com calma e elevou uma das sobrancelhas.

Elena teve o suficiente, sem pensar, agarrou um dos livros de uma estante
mais próxima e o lançou na cabeça. Nunca tinha tido boa pontaria e caiu na
bacia. A água molhou as calças de Laramie, que pronunciou umas quantas
palavras que ela jamais tinha ouvido e que certamente não eram muito

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elegantes. Virou-se satisfeita por sua valentia e se dispôs a preparar-se para
assistir a uma festa. Ainda não tinha estreado o último vestido que comprou de
Cossete. Essa noite se sentia com vontade de ser a mulher mais mundana de
toda Londres. Marta lhe piscou um olho, entendia muito bem o que pretendia,
agora ela o poria em prática.

― Qual vestido usará? ― perguntou com um sorriso a ama de chaves.

― O de cor turquesa com rendas negras. ― Os olhos de Elena reluziram


ante a eleição e a senhora Williams assentiu entusiasmada.

Essa noite Laramie recebeu a sua irmã no hall, ao vê-la se sentiu cheio de
orgulho. A jovem parecia uma fada dos bosques envolta em capas e capas de
musselina de suaves cores. Seu belo rosto estava menos triste. Alegrou-se de
que afinal compreendesse a decisão que tinha tomado. Então Elena desceu
pelas escadas, estava arrebatadora. O vestido lhe outorgava um aspecto muito
sedutor. Uma pontada de ciúmes, porque outros homens na festa veriam o que
ele tinha visto, obrigou-lhe a apertar os dentes. O pescoço branco e o
nascimento dos seios de Elena eram uma tentação para os sentidos. Teria
beijado essa parte de sua pele quando passou a seu lado, mas se conteve e
ofereceu o braço às duas mulheres.

Na festa, Charles já os esperava. Ao ver Anna seu encantamento foi


evidente para todos, menos para Laramie. Nunca imaginaria que seu amigo
tivesse outras intenções longe das fraternais para a moça. Anna pôs os olhos
em branco ao compreender quão cegos chegavam a ser os homens em questões
de amor. A música começou a soar e Charles pediu permissão a Laramie para
dançar com Anna. Quando os jovens se afastaram Elena os observou com um
sorriso cúmplice.

― Esta noite está preciosa ― sussurrou Laramie ao seu ouvido com uma
clara admiração nos olhos.

― Obrigada ― respondeu com frieza. ― Agora se me desculpar, vou saudar


uns amigos de meus pais. Sua marquesa está naquele canto. Não acredito que

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ninguém se surpreenda se você a cumprimentar. Sua esposa queimada não
será um estorvo em sua relação.

Laramie emudeceu ante o ataque que lhe lançou sua esposa. Não só seu
aspecto tinha mudado. Imaginou-se aplacando essa nova faceta de indomável
fera na cama e sentiu a boca seca pelo desejo que tinha começado a surgir
nele. Alcançou uma das taças que os garçons ofereciam aos convidados e a
tomou de um gole. Elena se afastou para saudar seus conhecidos. Vários
cavalheiros se voltaram para ver a transformação da condessa Devereux.
Tratou de acalmar-se, embora vendo como sua esposa movia os quadris,
necessitaria algo mais que a taça de champanhe para evitar abordá-la.

Enquanto isso, Charles se sentia no mesmo céu por ter Anna entre seus
braços. Tinha-a amado desde que a conheceu. Não imaginava uma vida sem
sua presença. Logo seria de lorde Chapman, esse patético e miserável homem.
Esse cavalheiro não tinha feito nada para merecer tais títulos, salvo querer
casar-se com sua adorada Anna. O pesar o subjugou. A moça, por sua parte,
cometeria qualquer loucura para estar com Charles, mas o médico se negava a
ser o responsável por sua desonra. Ambos escaparam da dança ao perceberem
que Laramie não deixava de vigiar Elena com um gesto de posse que incitou
mais de um comentário sobre o matrimônio.

Essa noite a condessa se sentia poderosa, embora não fosse a única que
viu a jogada dos jovens, a vigilância de Laramie nem seu atrativo. Roger
Matherson ia jogar suas cartas. Precisava aproximar-se de Elena e a melhor
forma seria através de sua cunhada. Seguiu os jovens e se fez conhecido.

― Senhorita Devereux, esta noite está maravilhosa. ― Charles se girou


belicoso ao escutar de quem se tratava.

― Muito obrigada, senhor...


― Roger Matherson ― se apresentou, e tomou as mãos da jovem em um
gesto galante que Charles lhe teria apagado com um murro.
― Muito prazer, senhor Matherson ― respondeu de maneira encantadora.
Não era tão ingênua. Tinha-os pego e queria ganhar sua amizade, Matherson
se aproveitou imediatamente.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Roger observou a moça. Seu filho teria a mesma idade se Devereux não
tivesse acabado com ele de uma forma tão cruel e selvagem. Agora, far-lhe-ia
sofrer a perda que mais sentiria, a sua família. Sentiu um esquivo remorso pela
jovem, parecia inocente e feliz ao lado de Chapdelaine, mas Laramie Devereux
era um monstro que devia pagar uma dívida.

― O prazer é meu. ― Charles agarrou Anna pelo braço para afastá-la


desse homem, então, Matherson disse ― Não vejo seu irmão por aqui.
Possivelmente não é boa ideia que dois jovens fiquem sozinhos por muito
tempo em um jardim tão bonito, quando muito em breve se fará público seu
compromisso com lorde Chapman.

Charles avermelhou de fúria e se não tivesse a moça agarrada pelo braço


teria dado um murro nesse idiota. Anna assentiu desconcertada. Não era
estúpida, um escândalo não a ajudaria a casar-se com Charles, enfureceria
Laramie e lapidaria qualquer oportunidade de escapar com o homem que
amava.

― Meu irmão não tem por que se inteirar ― respondeu esfregando as mãos
com nervosismo, e olhou com certo desprezo os olhos do comerciante.

― Certamente, querida, embora um favor se paga com outro favor ― sorriu


Roger e mostrou uma perfeita dentadura.
― Maldito cão! ― gritou Charles. ― Não estávamos fazendo nada
indecoroso!

― Por favor ― pediu Anna para que as vozes de Charles não atraíssem a
atenção de outros convidados, ― o que quer?

― Dizem que sua cunhada toca como os anjos. Eu adoraria assistir a


alguma noite musical em que toque o piano, sei que é uma virtuosa desse
instrumento.

― Assim é ― Anna avaliou a petição, e considerou que não era


comprometedora para sua cunhada ou para ela. ― Suponho que poderia vir
amanhã para tomar o chá.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Charles lhe teria dado um par de açoites por cometer a estupidez de
convidar Matherson. Em vez disso, seu gesto se crispou até que lhe juntaram
as sobrancelhas e evidenciaram que o convite da Anna lhe tinha aborrecido.

― Assistirei encantado, amanhã as cinco ― beijou a mão da jovem e se


afastou com um sorriso satisfeito por como se desenvolveram os
acontecimentos.

Charles agarrou Anna pelos ombros a e a sacudiu com certa violência.

― Não tem nem ideia de quem é! ― Os olhos de Charles estavam


avermelhados de ira. Anna o olhava sem compreender. ― É o assassino de meu
irmão!

Anna lançou um pequeno grito de espanto ante a confissão. Charles a


soltou quando vários casais se aproximavam de onde estavam. O médico saiu
por um dos caminhos do jardim já que se os vissem juntos daria lugar a
falatórios e inclusive a um escândalo. Sua única intenção tinha sido a de ser
amável e evitar que seu irmão enfrentasse ao homem que amava. Se Charles
tinha razão e Matherson era o assassino de Auguste, perguntava-se que
interesse teria em Elena.

Enquanto isso, na festa, Laramie estava a ponto de descumprir todas as


normas de boa conduta ao ver como sua esposa paquerava com um cavalheiro.
Dançava com um tipo alto e diria que atrativo, que com seus comentários o
fazia rir. A forma em que se aproximava de sua esposa encheu sua paciência e
mandou ao fundo do oceano suas bons maneiras.

― Queria falar com minha esposa ― pediu, e rodeou com as mãos a


cintura de Elena sem esperar a permissão do cavalheiro e começou a girar pela
pista de baile.

― É um…! Um… rude, bárbaro, torpe e burro! ― Elena era incapaz de


definir com uma palavra a atitude descortês de seu marido. ― Como pode me
pôr em evidencia diante de todo mundo?

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― Em evidência? Não sou eu quem se esfregava com esse imbecil.

― Me esfregar? ― e se deteve em metade da dança. ― Não sou uma dessas


rameiras que visita em suas viagens.

Laramie conteve a respiração por instantes. Teria colocado a sua esposa


sobre os joelhos e ensinado como um grumete deve comportar-se ante um
capitão. Em seu lugar, optou por uma atitude muito mais fria e ameaçador.

― Senhora, jamais a compararia com uma das rameiras que visito em


minhas viagens. Não queria prejudicá-la na comparação. O resto dos casais os
olhou quando Elena esbofeteou o conde. Imediatamente, acreditou morrer de
vergonha, mas ainda não tinha sido suficiente. Lorde Norfolk ofendido pelas
maneiras de um homem que distanciavam muito de serem as de um cavalheiro
se aproximou do casal.

― Conde Devereux ― disse, e ao utilizar o título o fez com um manifesto


desprezo. ― Acredito que sua esposa deixou claro que esta noite não deseja sua
companhia.

― Faria bem em meter-se em seus assuntos se não quiser que lhe parta a
boca ― respondeu sem lhe olhar. Em troca, fixou o olhar no de Elena.

― Não é você um cavalheiro.

― Não, não o sou ― respondeu com um sorriso que fez que lorde Norfolk
retrocedesse um passo. ― Sugiro-lhe que se retire.

Lorde Norfolk olhou a direita e esquerda e notou como o resto de


convidados observava seus movimentos. Cometeu o engano de elevar o braço
para agredir a Laramie, então, Devereux se defendeu lhe golpeando no peito, o
impacto o lançou ao chão para o espanto de Elena e a surpresa dos presentes.

― Se voltar a meter-se em meus assuntos, e minha esposa é um deles,


farei o senhor avançar pela prancha de um de meus navios. Asseguro-lhe que é
o trato mais cavalheiresco que receberá de minha parte. ― Se virou para sua
esposa e lhe ofereceu o braço.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Suas palavras confirmaram para Elena que seu marido era um homem
briguento e muito perigoso.

Capítulo 11
No dia seguinte, Roger Matherson, tão pontual como a rainha Vitória,
apresentou-se na casa do conde Devereux às cinco da tarde. Depois da
confissão de Anna não teve mais remédio que tocar o piano. Não se encontrava
muito bem, sentia-se cansada e acreditava ter um pouco de febre. De todos os
modos, agradecia que Laramie não estivesse em casa essa tarde. Se a
encontrasse na sala de música com Roger, depois do que tinha sugerido o
jornal, possivelmente seu marido perdesse por completo as maneiras e ela não
se encontrava com forças para confrontar outra discussão.

― Senhor Matherson, alguma preferência em especial? ― perguntou Elena


rígida como uma estátua de alabastro ante o piano.

Roger notou o nervosismo da condessa. Não deixava de retorcer as mãos


em um intento vão por dissimular sua inquietação. Vestiu-se com um triste
vestido cinzento e triste que acentuava sua palidez e suas olheiras. Parecia
acalorada, como se estivesse doente. Tinha que dar-se pressa em lhe contar o
motivo de sua visita, mas a presença de sua cunhada alterava seus planos.

― Nenhuma ― respondeu, e Anna lhe ofereceu assento.

A jovem chamou os criados para que servissem o chá. A

condessa se sentou ante o piano e começou a tocar uma melodia que


trouxe para Roger certas lembranças esquecidas de uma vida que tinha
perdido fazia muito tempo. Essa mulher possuía um dom fascinante, durante
um instante, sentiu um ápice de culpabilidade. Alguém com essa sensibilidade
seria fácil de destruir quando lhe confessasse a razão que lhe tinha levado a
pedir essa noite musical.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Senhorita Devereux ― irrompeu na habitação a senhora Williams. ― Há
alguém que veio a vê-la.

Elena e Roger sabiam muito bem de quem se tratava, assim que a jovem,
esquecendo-se da obrigação de permanecer junto a sua cunhada, saiu da sala
de música. Marta estava indecisa, não deixaria a senhorita e ao jovem doutor
só por medo aos rumores que desencadeariam as más línguas. Embora deixar
a senhora em companhia desse homem tampouco lhe inspirava confiança. Um
gesto de Elena com a cabeça a obrigou a fechar a porta e acompanhar a
senhorita Devereux.

― Senhor Matherson, a que veio? Não acredito que a música seja a única
coisa que queira escutar. ― Elena tocou a fronte com uma das mãos. Estava
acalorada e acreditava que a febre tinha subido.

Roger gostou da sinceridade e valentia dessa jovem. Notava-se que tinha


confrontado muitas questões difíceis ao longo de sua curta vida.

― Tem razão ― declarou sem disfarces, e sem deixar de girar a bengala e


brincar com ela nas mãos.

― Você dirá. ― Permaneceu sentada na banqueta do piano. Tinha


começado uma dor de cabeça e queria terminar quanto antes aquela visita.
― Quero lhe falar de seu marido. ― Roger apreciou como a jovem
empalidecia, assim que ela o amava, o que melhorava as coisas. ― Ambos
estamos no negócio do ópio ― não estava seguro se tinha conhecimento dos
negócios de Devereux, a condessa assentiu e continuou falando, ― as coisas
não foram fáceis para mim, necessito uma frota e você pode me dar isso.

― O que você me pede não agradaria a meu marido. ―

Ficou em pé e se dirigiu à porta. ― Já disse em outra ocasião que não lhe


venderia os navios.

― Não vim somente por isso. ― Elena se deteve ao ver o rosto colérico do
homem. ― Seu marido é um monstro que assassinou a minha esposa e a meu
filho.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena não queria acreditar em nada do que lhe contava esse homem, mas
Laramie tinha sido contrabandista e muitas outras coisas no passado para
sobreviver. As dúvidas cresceram em seu peito como ervas daninhas.
Possivelmente havia coisas que era melhor não virem à luz. Estar casada com
um possível assassino de mulheres e meninos lhe pareceu tão horrível que sua
tez empalideceu como a de um cadáver.

― Isso é mentira! ― obrigou-se a defender seu marido sem muita


convicção. Não sabia nada dele, em realidade desconhecia por completo a vida
de seu marido, antes, e inclusive depois de seu matrimônio.

― Acredite ― assegurou o homem com seriedade e certa tristeza.


Elena negou com a cabeça suas palavras. Abriu a boca para dizer alguma
coisa em defesa de seu marido e Roger a sossegou com o resto da história:

― Minha esposa e meu filho estavam em um de meus navios. Devereux


abordou-o e lançou à água seus ocupantes. Logo, tacou fogo no navio, embora
antes prendesse minha família na adega.

― Não posso acreditá-lo! ― Elena se negava a acreditar que sob a natureza


de seu marido se escondesse um assassino.

― Condessa ― a palavra soou para Elena insultante depois das dúvidas


que esse homem tinha semeado em seu matrimônio. ― Não lhe vou enganar.
Quero uma justa vingança e de passagem lhe destruir, juro-lhe que o farei com
ou sem sua ajuda.

Roger Matherson se dirigiu à porta e depois de fechá-la um sorriso


malévolo se desenhou em seu rosto. Laramie tomaria uma desagradável
surpresa quando falasse com sua esposa, a jovem parecia a ponto de deprimir-
se.

Elena aguentou até que Matherson saiu, logo caiu ao chão. O


comportamento que tinha conhecido de seu marido lhe tinha ensinado que era
um homem perigoso e sem coração. Alguém com essa atitude era capaz de ser
um assassino. Nesse instante, ao compreender que se apaixonou por um

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


homem tão cruel, a dor foi tão intensa que quando a senhora Williams a
encontrou, precisou chamar um dos serventes e Charles para que a
atendessem. A condessa Devereux estava consumida em tal estado febril que
Marta enviou uma mensagem à casa da marquesa de Albridare.

O servente de libré verde entrou no escritório onde o conde estava reunido


com o embaixador francês. Com muita dificuldade e debaixo de mais de uma
ameaça, Devereux tinha contido a vontade de Charles de se vingar do homem
que tinha matado seu irmão. Tinha-lhe proibido enfrentar Roger, ele se
encarregaria de que esse bastardo pagasse cada um dos abusos que tinha
cometido.

― Jampier ― disse Laramie ― se Matherson descobrir nossa jogada fugirá


da Inglaterra.

― Meu querido amigo, interceptamos seus navios.

Nossos homens aguardam as ordens para abordá-los, é questão de


tempo...

O embaixador francês se calou ao observar a presença do servente. Os


representantes da Inglaterra e Estados Unidos olharam ao lacaio com certa
desconfiança.

― Henry ― disse a marquesa ― o que ocorre?

― Desculpem ― disse o homem amargamente ante os olhares de receio


dos convidados da marquesa.
― Henry é de confiança ― acrescentou imediatamente a mulher. ― Fala,
por favor,
emTrouxeram
nota ― francês daesta nota Williams
senhora urgente para
e o conde Devereux. Laramie leu a
Todos apreciaram em seu rosto uma inquietação.

― Ocorre algo? ― A marquesa jogou muito naquelas negociações, mas era


uma mulher sensível e comprometida. ― E a cara do conde pressagiou que lhe
tinham comunicado muito más notícias.

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―Minha esposa adoeceu, vou para casa ― respondeu, e sua preocupação
resultou muito evidente para os assistentes reunião. Sua atitude alegrou a
marquesa, tinha apreciado muito a Vitória e a Robert MacGowan e desejava de
coração que sua filha fosse feliz.

― É obvio, espero que se recupere.

Marta não tinha especificado o que lhe passava, falava que fosse para casa
e que o fizesse o quanto antes possível. Sua preocupação por Elena lhe
agonizou. Jamais havia sentido algo parecido por nenhuma outra mulher.
Ocupou o lugar de seu chofer e açoitou o cavalo com tanta força que o animal
voou em lugar de cavalgar através das ruas de Londres.

Ao chegar um servente lhe esperava com a porta aberta, subiu as escadas


de três em três e quase sem fôlego entrou no quarto de sua esposa. Anna
sentada na cama agarrava a mão de Elena com carinho. Charles tomava o
pulso e a senhora Williams lhe punha compressas de água fria na cabeça. Se
algo acontecia com Elena nunca se perdoaria. Vê-la naquele estado, tão pálida,
afligiu-lhe tanto que inclusive sua irmã temeu por ele.

― O que tem? ― perguntou quase sem voz.

― Não sei, a senhora Williams a encontrou assim ― disse Charles. Anna


se lançou aos braços de Laramie chorando e culpando-se da situação. Seu
irmão não compreendia o que tinha ocorrido enquanto estava na casa da
marquesa.

― Fique calma. ― Acariciou suas costas para que deixasse de chorar e lhe
explicasse o que tinha acontecido. ― Vamos à biblioteca.

Charles olhou para Anna e intuiu que quando lhe contasse o ocorrido
estalaria como uma tormenta em alto mar. Deixou Elena a cargo da senhora
Williams e desceu com eles.

Anna passeava pela sala retorcendo as mãos e sem deixar de chorar.


Laramie se serviu de um brandy e ofereceu outro a Charles. O moço olhava
com angústia a sua amada e com certo temor a reação de seu amigo.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Anna, por Deus! ― suplicou Laramie, depois de beber de um gole a taça
e passar duas vezes as mãos pelo cabelo em um gesto de impaciência. ― O que
lhe passou?

Sua irmã se deteve na metade da biblioteca e o olhou nos olhos. O rosto


da jovem estava tão pálido que Charles temeu que desmaiasse, mas era mais
forte do que seu frágil corpo aparentava.

― Foi minha culpa... Eu... Obriguei-a... Ela não queria ― soluçava e


soluçava enquanto falava.

Laramie a teria sacudido até lhe tirar alguma palavra que fizesse sentido e
lhe esclarecesse o que tinha levado Elena a esse estado. Imaginar que pudesse
perdê-la atormentava lhe. Decidiu ante a confusão de Anna lhe fazer perguntas
em vez de esperar a que lhe relatasse o acontecido essa tarde.

― Por que foi sua culpa?

― Pedi que tocasse para Roger Matherson ― respondeu com os olhos


alagados de lágrimas.

Ao escutar o nome desse homem empalideceu de fúria. Esse tipo era


capaz de muitas coisas, os olhos do conde olharam com uma preocupação
genuína para Charles em busca de respostas. Ele negou com a cabeça. Elena
não tinha sofrido nenhum ataque físico. Fora o que fora que lhe tivesse feito
esse homem não a tinha roçado nem um dedo. Isso relaxou um pouco a cólera
de Laramie, embora seguisse sem compreender por que Anna obrigou Elena a
tocar para esse homem.

― Por que lhe pediu isso? ― perguntou inquisitivo.

― Por que... ― Anna olhou para Charles em busca de

auxílio.

― Anna e eu saímos no baile para o jardim, Roger nos seguiu e ameaçou


levantando um testemunho indecoroso ― interveio o jovem.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


O rosto do conde mostrou um arrebatamento de fúria que tentou
controlar.

― Pensei que seria alguém mais inteligente. Comprometer minha irmã


dessa forma é algo impróprio de ti.

― Charles apertou os dentes para não responder, não era o momento de


lhe confessar seus sentimentos. Laramie estava bastante enfurecido para
cometer alguma estupidez.

― Sinto-o ― se desculpou.

― Disso já falaremos mais tarde ― sentenciou o conde. ― Depois que tocou


para ele, o que aconteceu?

― Não sei ― confessou Anna com a vista fixa nos pés e envergonhada por
sua atitude.

― Como que não sabe! ― Golpeou a mesa e soou como um canhão em alto
mar, profundo, intimidante e destrutivo.

― Não estava ali ― terminou por confessar com os olhos fixos em suas
sapatilhas de seda rosa.

― E onde estava? ― perguntou entre dentes.

― Charles veio para ver-me e saí a lhe receber.

― Fora! ― estalou tão zangado com eles que melhor seria que
desaparecessem de sua vista quanto antes.

― Necessito que me perdoe ― suplicou Anna, e se aproximou de seu


irmão. Não lhe negou o abraço, mas nesse instante o amor que sentia por ela
se rachou. Custar-lhe-ia muito perdoá-la e jamais o faria se Elena morresse.

― Charles ― perguntou temeroso da resposta ― qual a gravidade?

― Não tem nada físico, entretanto, sua mente se encontra em tal estado
de choque que a febre tomou conta dela. Se superar esta noite é provável que
tudo vá bem. ― As palavras do jovem médico renovaram sua esperança.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― O que posso fazer? ― Pela primeira vez em sua vida se sentia perdido.

― Evitar que o calor de seu corpo aumente.

Charles serviu uma taça e a entregou, logo agarrou o braço de Anna e com
ela se dirigiu à porta. Laramie bebeu sua bebida e se serviu de mais duas taças
de brandy.

Enfrentou muitos perigos e na maioria das vezes sentiu um temor que


pôde controlar. Em troca, ante a noite de incerteza que lhe esperava o terror se
apoderou dele. Ficou em pé e subiu ao quarto de sua esposa.

Charles tinha dado ordem de que a senhora Williams dispusesse de água


fria cada meia hora. As compressas deviam trocar-se e com elas refrescar o
corpo de Elena para lhe baixar a temperatura. A ama de chaves a tinha vestido
com uma camisola singela de verão que facilitava o trabalho. Laramie sentiu
um nó na garganta quando a viu naquele estado. Parecia uma menina, sua
larga juba dourada se esparramava pelo travesseiro em mechas úmidas e
condensadas. Tinha as bochechas avermelhadas, teria entregado a metade de
sua frota para que esse rubor não fosse pela febre, mas sim pelo prazer que lhe
causava. Passou as mãos pelo cabelo e suspirou de maneira derrotada.

― Sairá desta ― assegurou Marta com um sorriso cansado.

― Marta, eu o farei. Vá descansar um momento.

A senhora Williams assentiu agradecida; suas pernas gordinhas não a


sustentariam por muito mais tempo. Partiu do quarto rogando a Deus que a
senhora se recuperasse.

Laramie permaneceu a seu lado toda a noite aplicando as compressas de


água fria. Na metade da madrugada, Elena se agitou com violência.

― Não é verdade! Não matou essa mulher e esse menino!

― gritou dominada por um pesadelo.

― Carinho, é um sonho ― tentou despertá-la.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena abriu os olhos frágeis e viu perto dela o objeto de sua inquietação.
As dúvidas, como um parasita, invadiram sua mente febril e quis afastar-se
dele. Defendeu-se com ferocidade e arranhou Laramie. O conde não
compreendia esse temor que parecia algo mais que o produto da febre. Tocou a
campainha e uma donzela apareceu imediatamente para lhe ajudar a acalmá-
la. Charles, que não partiu, ao escutar os gritos da condessa entrou no quarto
e ao observar o estado de agitação no qual se encontrava lhe obrigou a beber
umas gotas de láudano. A respiração de sua paciente se tranquilizou pouco a
pouco e, ao final, caiu em uma frouxidão que angustiou ainda mais o conde.

Depois de várias horas, Elena superou a febre e tanto a senhora Williams


como Laramie agradeceram aos céus que assim fora. Ainda teria que
descansar. Charles diagnosticou que, depois de duas noites sem febre, a
condessa tinha vencido o episódio com a única recomendação de que devia
permanecer tranquila e sem sobressaltos. A mente era muito frágil e sem saber
o que originou esse estalo de enfermidade o médico aconselhou não alterá-la
em nenhum sentido.

Laramie, depois da primeira noite, deixou nas mãos de Marta o cuidado de


Elena, já que cada vez que estava perto acreditava ver desconfiança e medo nos
olhos de sua esposa. Esses sentimentos lhe aterrorizavam o coração. Descobrir
que ela o amava o tinha enchido de felicidade e desenterrar seus sentimentos
para Elena tinha sido perturbador. Nesses dias, o temor de perdê-la se
converteu em uma erva daninha que nada lhe importava no mundo se não o
compartilhava com a única mulher que amava. Dar-se conta dos sentimentos
que sentia o tranquilizava. Os dias passaram sem que sua esposa mudasse de
atitude para com ele.

Quando Laramie visitava Elena ela permanecia calada, ficava tensa se ele
se aproximava muito e evitou de todas as maneiras possíveis confessar o que
tinha passado na tarde em que Matherson a visitou. Apesar de Laramie ter se
armado de paciência, às vezes pensou que sua esposa tinha levantado um
muro de granito entre eles.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Nessa tarde abordariam os navios de Matherson, esperava que a operação
fosse rápida, discreta e efetiva. Devereux, em companhia do embaixador, lia
um telegrama. Um ano antes, levaram dez dias para receber o que, com as
novas descobertas e avanços, apenas demorou três minutos para chegar à
Inglaterra vindo dos Estados Unidos. A mensagem era clara: navios
capturados.

Já tinham passado três semanas desde que Elena recebeu a visita de


Matherson. Nesses dias, ela evitou qualquer contato ou conversação com seu
marido. Cada vez que o via lhe assaltavam as dúvidas sobre o que o amante de
sua tia lhe tinha contado. Essa noite, como a insônia lhe impedia de dormir
igual a quando era menina, desceu à biblioteca. Não tinha ouvido Laramie
retornar da casa da marquesa, esse comportamento infiel era algo mais que
acrescentar à dor que já sentia. Não acendeu nem sequer uma vela, pela
lembrança do ocorrido em sua infância e se aconchegou em uma das poltronas
de respaldo alto. O aroma de tabaco e de couro velho que desprendia a sala a
fez adormecer. De repente, o ruído de uma porta abrindo a despertou de um
sonho agradável.

Manteve-se imóvel, disposta a não revelar sua presença e assim advertiu


que era Laramie com o embaixador francês e o secretário do ministro. Sentiu
curiosidade para saber o que tramavam a essas horas impróprias para uma
reunião de trabalho. A voz de seu marido soou terminante.

― Agora falta acabar com ele, até a morte. Não imaginam quanta vontade
tenho de que isso aconteça.

Elena sentiu que o coração lhe gelava, se alguma vez tinha tido alguma
dúvida a respeito da capacidade de seu marido para cometer um assassinato,
aquelas palavras eram a demonstração de que se equivocava.

― Brindaremos por isso ― respondeu um quarto homem que Elena não


reconheceu.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― O faremos agora mesmo ― anunciou o conde ― antes me permita tirar
os documentos do escritório e vamos ao salão brindar com um de meus
melhores vinhos trazidos especialmente da França.

Elena se aconchegou ainda mais na poltrona, temeu ser descoberta. Os


murmúrios dos homens e a porta da biblioteca ao fechar indicaram que o
perigo tinha desaparecido. Foi para a sala de música, precisava tocar, evadir-se
daquela terrível verdade, sobretudo quando suas suspeitas estavam a ponto de
confirmar-se, esperava um filho do conde. Não deixaria que o criasse um
assassino.

Alheio ao que tinha desencadeado no seio de seu lar, Devereux serviu uma
taça de vinho a cada um dos convidados à reunião.

― Quando se inteirar da notícia de que seus navios foram afundados


veremos como reage, embora pressinta que será igual a se lhe tivessem cravado
uma adaga. Esse homem os ama como se fossem membros de sua própria
família. Devem me assegurar de que se inteirará de quem orquestrou sua
operação e derrota. É obvio, será apressado quanto antes. Tenho sua palavra?

― Assim é, mas terá que fazê-lo com discrição e sem que se levantem
suspeitas ou o pássaro voará ― disse o embaixador.

― Tenho a ocasião perfeita para isso ― interveio

Devereux. Os dois homens o olharam à espera de suas palavras ― Será na


festa em que se anunciará a data das bodas de minha irmã com lorde
Chapman. Peço-lhes que ninguém advirta que Matherson será detido.

― Não se preocupe ― assegurou o secretário inglês. ―

Prometo-lhe que ninguém sentirá sua falta.

Três horas mais tarde, Laramie se despediu dos três homens e escutou as
notas do piano. Alegrou-se de que tocasse de novo. Nos últimos dias nem
sequer tinha se aproximado da sala de música. O conde sorriu agradado, logo
Roger apodreceria em uma prisão inglesa. Abriu a porta da sala de música e

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


durante um instante, permaneceu imóvel ante a imagem de sua esposa. A
música a envolvia e o corpo da Elena se balançava com cada nota que suas
mãos interpretavam como a primeira vez que a viu tocar. Seu cabelo dourado
caía por suas costas e não resistiu à tentação de acariciar uma das mechas.
Quando sua esposa se conscientizou disso deixou de tocar. A música parou e
notou uma dor certeira com a mesma brutalidade como algum dos golpes que
às vezes recebia no ringe.

― Se me desculpa ― disse, e ficou em pé.

― Tão repugnante te parece minha presença? ― Não queria brigar, a não


ser beijá-la, confessar seus sentimentos.

Jamais tinha amado a nenhuma mulher como tinha descoberto que a


amava. A dor e o desejo se misturavam com uma vontade implacável. Os olhos
de sua esposa brilhavam como duas esmeraldas reluzentes e frias que não
necessitou que respondesse. A raiva por seu desagrado provocou em Laramie
desejo de lhe ferir, de lhe devolver o golpe, embora se acalmasse ao apreciar em
seu rosto uma enorme tristeza.

― Estou cansada ― mentiu.

― O que aconteceu?

Ver suas olheiras e sua palidez lhe obrigou a tentar reconciliar-se.


Segurou-a pelo pulso e a tensão dela foi tão óbvia que a soltou imediatamente.

― Quero partir, inclusive estou disposta a te dar o divórcio.

O conde não dava crédito ao que escutava. O divórcio para uma mulher
como ela significava ser excluída de todo círculo social, preferia isso a viver a
seu lado. O rancor se instalou no coração de Laramie.

― Sinto muito, querida ― pronunciou essa palavra como um insulto ― Um


Devereux se casa até que a morte os separe. Pode ir te acostumando.

― Jamais me acostumarei a viver com alguém que...

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Que...

―… não tem outra opção ― disse colérico. ― Recordo-te que foi você que
me obrigou a casar contigo.

Laramie a olhou nos olhos, sem entender a que se referia, mas intuía que
estava a ponto de escutar algo terrível. Olhava-o como se fora o mesmo
Herodes. Então sua esposa saiu correndo da sala de música, deixou-a partir.
Seria inútil retê-la.

Elena subiu a o seu quarto com a única esperança de que ainda não fosse
tarde para que Roger Matherson aceitasse comprar os navios que tanto
desejava. Seu marido tinha sido tão generoso que, no presente que deu a
Virginia, tinha incluído uma cláusula pela qual sua prometida, a senhorita
MacGowan, tinha a autoridade suficiente para exercer a venda, compra ou
qualquer outra gestão sobre esses navios sem o consentimento de seu futuro
marido. Elena supôs que para Devereux era o mais romântico que um homem
podia fazer por uma mulher. Olhou a escritura de propriedade, não entendia de
vendas, assim teria que confiar na honradez de Matherson, embora duvidasse
que tivesse muita.

Escreveu uma missiva em que lhe citava que a operação de venda se


realizasse no único dia em que poderia lhe ver sem levantar as suspeitas de
seu marido, durante a festa onde se anunciaria as bodas de Anna. Escreveu-
lhe aceitando a transação e era urgente que lhe desse o dinheiro em mãos essa
mesma noite. Antes faria algo muito mais perigoso que vender os navios,
ajudaria Anna e Charles a fugirem para que contraíssem matrimônio. Ao
menos eles alcançariam a felicidade. Entregar-lhes-ia a metade do dinheiro que
conseguisse para que iniciassem uma nova vida. Tirou uma pequena maleta e
colocou dentro seu antigo vestido cinza e um casaco. Dias antes soube, graças
a Cossete, que a irmã de uma de suas clientes necessitava de uma instrutora e
tinha considerado a ideia. Agora, tinha chegado o momento de aceitar a oferta
de emprego. A costureira francesa contou aos Karisgston que Elena era uma
jovem órfã sem família. A trapaça duraria até que sua gravidez fosse notada.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Capítulo 12

Para a senhora Williams, a festa em que se anunciaria o dia das bodas da


senhorita Anna Devereux lhe pareceu mais um enterro que uma celebração. A
condessa não deixava de passear pelo seu quarto. Estava tão pálida que teve
que aplicar duas camadas de pó de farinha para dissimular as cicatrizes. Em
troca, Anna tinha os olhos tão avermelhados pelo pranto que até uma toupeira
veria que o anúncio de suas bodas não a agradava o mínimo. Quanto ao conde,
Marta suspirou, esse homem era incompreensível. Tinha estado toda a noite
anterior em seu escritório, trabalhando e bebendo algo mais que chá. Via-lhe
cansado e furioso cada vez que olhava sua esposa. A senhora Williams previa,
sem medo a equivocar-se, que alguma coisa muito grave se orquestrava
naquela casa.

Elena abriu a porta de seu quarto e comprovou que não havia ninguém no
corredor, quase nas pontas dos pés se dirigiu ao quarto de sua cunhada.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Esperava que a garota fosse bastante sensata para aceitar seu plano. Se de
verdade amava Charles, era o único que podia fazer.

― Anna, está sozinha? ― perguntou Elena abrindo muito devagar a porta.

― Sim, a donzela partiu. ― Parecia muito triste e desesperançada.

Apesar de estar vestida para a ocasião aparentava ser uma condenada a


morte a ponto de apresentar-se a um batalhão de execução.

― Tenho que falar contigo e deve ser agora. ― Fechou a porta e se apoiou
nela. Anna a olhou com um brilho de esperança nos olhos. ― O que faria para
ter o amor do Charles?

― Qualquer coisa Elena, qualquer coisa. ― A moça se abraçou com uma


renovada ilusão.

― Embora suponha que seu irmão lhe renegue?

A jovem agarrou as mãos de sua cunhada e sem as soltar respondeu com


uma arrogância inocente ao falar do conde.

― Meu irmão não é malvado, mas sim um estúpido por não ver a mulher
maravilhosa que é. ― Elena assentiu, e evitou que sua cunhada visse sua
tristeza.

Anna não imaginava quão equivocada estava. Se descobrisse que seu


irmão era um assassino lhe destroçaria o coração. Apesar de suas desavenças
com Laramie, amava a seu irmão.

― Esta noite fugirá com Charles, dar-lhes-ei dinheiro para que iniciem
uma nova vida longe daqui.

Anna abraçou a sua cunhada e a beijou no rosto com devoção.

― Obrigado, muito obrigado. Agradecer-lhe-ei isso toda a vida.

― Deve fingir ― se apressou a lhe dizer sem deixar de olhar a porta ― Seu
irmão tem que ser o último em inteirar-se. Assim, esconda esse tolo sorriso de
felicidade do rosto e pensa na cabeça calva e na barriga de seu prometido.

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Anna colocou a mão na boca para não deixar escapar uma gargalhada. Elena
saiu da habitação, respirou com profundidade e desceu as escadas. O conde a
esperava no hall. Ao vê-la não sorriu, não recebeu dele nada mais que uma fria
recepção. Anna desceu atrás dela e todos se dirigiram à carruagem que os
levaria a festa. Elena, com dissimulação, olhou de esguelha a seu marido.
Desejou que quando não estivesse a seu lado pudesse esquecer seus beijos,
suas mãos, suas carícias e sua presença.

Laramie observava a mudança sofrida em sua irmã, conhecia muito bem


Anna para não saber que tramava algo. Vigiaria-a de perto. Em troca, Elena
estava sumida em uma tristeza tão profunda que qualquer que tivesse olhos na
cara seria capaz de vê-lo. Desconhecer o que a afligia lhe estava fazendo louco.
Essa noite lhe confessaria o motivo de suas visitas à casa da marquesa,
possivelmente fosse o momento de se dar uma verdadeira oportunidade.

Ao chegar à festa, Elena sumiu da vista de Laramie com desculpa de


dirigir-se ao banheiro. Segui-la teria chamado a atenção, assim teve que deixá-
la partir. A casa de lorde Chapman era grande e de um gosto péssimo.
Multidões de esculturas se misturavam com obras que valiam uma fortuna ou
que não tinham valor absolutamente.

A inclinação pelas tapeçarias de caçadas beirava doentio. Roger a tinha


chamado na biblioteca. Se demorasse muito seu marido a buscaria. Ao abrir a
porta, comprovou que Matherson já a esperava. O comerciante fumava um
charuto e tinha estendido em uma mesa vários documentos.

― Condessa ― saudou Matherson, e fez uma leve inclinação com a cabeça


― podemos começar quando queira.

― Trouxe o dinheiro, tal como lhe pedi? ― olhou para a porta com
preocupação, se alguém a descobrisse seu plano de fugir e de ajudar a Anna se
esfumaria.

― Sim, não quer ler os documentos? ― perguntou mais por cortesia que
por interesse verdadeiro.

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Algumas das cláusulas eram abusivas e o preço muito por debaixo do
mercado. Entretanto, o desespero da condessa não deixava lugar a dúvidas.
Queria fugir de Devereux. No último momento, decidiu aumentar a quantidade
de dinheiro, e dessa forma, assegurar-se que ela iria muito mais longe.

― Não será necessário, confio em seu cavalheirismo ―

Roger Matherson considerou que essas palavras eram uma mera


formalidade, produto de anos de educação.

― Muito bem, assine aqui e o dinheiro será seu. ― Tomou a pluma que lhe
brindava e se sentiu como uma traidora. Durante um instante, sua mão
tremeu e Roger foi consciente de suas dúvidas ― Recorde, não trai a seu
marido, a não ser a um assassino.

Elena assinou, Roger lhe entregou o dinheiro e lhe beijou a mão.

― Senhor Matherson… ― perguntou. Apesar de ter escutado seu marido


dizer que mataria com suas próprias mãos a alguém, não terminava de
acreditá-lo, não podia haver-se apaixonado por um assassino ― está seguro de
que foi ele? Matherson guardou silêncio um instante e logo com um rancor que
envolveu a Elena em um abraço de dúvidas, disse:

― Condessa, fuja dele ou o lamentará muito em breve. Matherson saiu da


sala. Elena evitou chorar. Tinha

tomado uma decisão e duas pessoas dependiam dela para ser felizes.
Outra necessitava de um futuro melhor do que lhe esperaria se ficasse ao lado
de seu marido, e acariciou o ventre. Se Laramie descobrisse sua gravidez a
trancaria em uma masmorra antes de consentir que partisse. Dividiu o
dinheiro e o guardou na bolsa.

Na festa, Charles não deixava de olhar Anna agarrada ao braço de lorde


Chapman. Os ciúmes se apoderaram de seu ânimo como se lhe mordesse uma
matilha de cães. Jamais perdoaria Laramie por destruir a vida de sua irmã.
Embora não devia culpá-lo, ele era muito mais culpado, não havia nada pior
que a lealdade e isso é o que sentia por seu amigo. Deixaria que a mulher que

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amava fosse entregue a outro para preservar uma amizade que nunca mais
voltaria a ser a mesma. Tomou o terceiro uísque dessa noite. Os convidados
começavam a dançar e não suportaria presenciar quando o conde anunciasse o
dia de seu sofrimento. Imaginar a sua adorada Anna entre os braços desse
lorde Chapman lhe repugnava e era capaz de cometer uma loucura que não
beneficiaria a ninguém. De repente, notou uns dedos que tocavam seu
antebraço.

― Elena! ― conseguiu pronunciar ao ver quem era, ― esta noite não sou
boa companhia ― se desculpou.

A tristeza do moço comoveu a condessa. Procurou com o olhar a seu


marido, falava com o embaixador francês. Era o momento, dirigia-se à
biblioteca em companhia de alguns homens mais.

― Vamos dançar ― ordenou ela. Charles para não ser grosseiro se deixou
arrastar com o rosto de um condenado à forca.

― Elena ― disse irritado, ― hei-te dito que não sou a melhor companhia
esta noite.

― Vamos, preciso dissimular e que ninguém nos escute.

― Não te entendo? ― perguntou o doutor intrigado pelas palavras da


condessa.

― Anna te espera em uma carruagem na saída, entreguei-lhe mil e


quinhentas libras, com elas poderão iniciar juntos uma nova vida.

Charles a olhava sem compreender. Oferecia-lhe a solução que tanto


desejava e por lealdade não tinha sido capaz de tomar.

― Quando Laramie se inteire... ― Charles a olhou preocupado aos olhos.

―… matara-me ― disse ela com um triste sorriso.

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Charles assentiu com melancolia, sabia que seu amigo não faria algo
assim, mas ignorava que sua confirmação tinha animado o temor que Elena
sentia por seu marido.

― Obrigado, sempre estarei em dívida contigo ― disse, e beijou suas mãos.


Logo foram dançando para a saída. No instante em que as últimas notas da
música soaram, Charles desapareceu pela porta de vidro. Elena lhes desejou
de coração boa sorte.

Do canto onde Roger Matherson saboreava um dos melhores brandis que


jamais tinha bebido, observou como o secretário inglês apontava a vários dos
convidados. Podia ler com claridade o que pretendia. Tomou uma nova taça
que serviam os garçons em grandes bandejas douradas e aproveitou o início do
baile para escapulir. A casa de lorde Chapman era um labirinto de salas e essa
noite os convidados perambulavam por todas elas.

Dois homens que não podiam dissimular que eram da polícia não lhe
perdiam de vista. Entrou na sala de bilhar e surpreendeu a um casal que se
beijava, fez um gesto para que permanecessem calados. O homem que o seguia
entrou pouco depois no aposento. Matherson o atingiu com uma das varas de
bilhar que lhe quebrou o pescoço. O segundo policial chegou imediatamente e
lutou com o comerciante. Roger desembainhou um florete de sua bengala e o
matou com uma estocada certeira no peito. A dama emitiu um grito que foi
silenciado pela mão de seu acompanhante temeroso de que Roger também
acabasse com eles. Matherson agradeceu o gesto com um sorriso malicioso.
Logo, abriu uma das janelas e saltou por ela.

Descer pela parede não era difícil para um homem que subia uma altura
maior em muitos de seus navios não fazia tanto tempo. Sua perna direita desde
que um cavalo havia lhe atirado dos arreios não era a mesma, mas esperava
que isso não lhe causasse uma má jogada. Quando aterrissou em cima de um
canteiro de petúnias, avistou como a condessa Devereux subia em um carro de
aluguel. Decidiu que precisaria de um ás que guardar na manga e essa mulher
era a carta que necessitava para ganhar a partida.

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Elena tinha saído justo depois de Charles, aproveitou o momento em que
seu marido se perdeu entre a maré que formavam os convidados. Teria gostado
de lhe ver uma última vez. No fundo, seu coração afirmou com cada batida
para estar ao seu lado, enquanto sua mente a exortou a se afastar o máximo
que pudesse. O pranto apareceu como uma corrente submarina violenta e
inesperada. Tinha pedido ao chofer que a levasse a estação de King’s Cross, no
final a veria, mas não como tinha desejado e o pranto se recrudesceu de novo.
Tinha comprado um bilhete para Edimburgo e dali teria que chegar à mansão
dos Karisgston. O carro se deteve antes do previsto e quando a portinhola se
abriu Elena não pôde evitar um grito de assombro.

― O que faz aqui?

Roger golpeou com a bengala o teto da carruagem que ficou em marcha.

― Perdoe a intromissão, devido a seu marido querer me matar há uma


mudança de planos. ― Matherson lhe entregou um lenço para que se limpasse
as lágrimas.

Elena não dava crédito ao que lhe acontecia, esse homem lhe tinha
pagado e pedido que fugisse e agora a retinha contra sua vontade, porque isso
era o que estava fazendo.

― Não quero participar de suas rixas, tenho um bilhete para Edimburgo e


penso tomar esse trem.

Roger a agarrou por braço e a atraiu para ele, pela primeira vez advertiu a
malevolência desse homem. A máscara de cavalheirismo tinha desaparecido
por completo. Em seu lugar, mostrava uma violenta determinação que lhe fez
temer por sua vida.

― Querida ― acariciou uma de suas bochechas ― recordo-lhe que não faz


muito era uma mulher marcada por umas horríveis cicatrize e agora, olhe-se. ―
A ponta de seus dedos roçou seu queixo e desceu por seu magro pescoço, até
bordear os ombros e entrar em seus seios.

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Elena quis retirar-se, entretanto, Roger a aprisionava contra si e lhe
deixaria a marca dos dedos no braço.

― Não me toque! ― pediu-lhe com autoridade.

― Deliciosa ― disse, e a empurrou contra o assento ―. Suponho que isso é


o que Devereux viu em você. Agora floresceu e tem espinhos, o que a faz muito
mais interessante e apetecível.

Elena cruzou os braços com a intenção de proteger o peito. Não deixava de


tremer. Laramie encontraria sua carta em que lhe explicava que partia e nunca
averiguaria que Matherson a tinha sequestrado. O medo a fez encolher-se
ainda mais e pôr as mãos sobre o ventre.

― Onde me leva? ― Precisava ganhar tempo, averiguar quais eram seus


planos para escapar.

― Agora não se preocupe. Queria afastar-se de seu marido e eu lhe ofereço


essa oportunidade ― sorriu com lascívia. ― Asseguro-lhe que ambos
passaremos muito bem e nunca a encontrará.

Elena olhou pelo guichê, logo a paisagem de Londres ficaria para trás.

A princípio os gritos de uma mulher deram passo a um momento de total


confusão. Depois da surpresa inicial pela morte de dois dos policiais, o restante
dos policiais procurou o responsável sem nenhum êxito. Lorde Chapman se
despediu dos convidados, algo que evitou que o homem sofresse o
constrangimento que tivesse suposto anunciar o dia de suas bodas sem
encontrar-se presente sua prometida. Nenhum servente a tinha encontrado e
quando Charles tampouco apareceu, Laramie suspeitou que tivessem fugido
juntos.

A traição de sua irmã não era nada comparável com a de sua esposa.
Também tinha abandonado a festa, deixando muito claro que não queria estar
no mesmo lugar que ele se encontrasse. O conde estava esgotado de lutar em
um matrimônio que jamais quis e ao que o tinham exposto graças a um

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engano. Sentou-se em uma poltrona e tomou uma das taças de uísque que o
garçom serviu ao embaixador, ao secretário inglês e a lorde Chapman.

― Devereux ― disse o embaixador ― tem alguma ideia de onde pode


ocultar-se Matherson?

― Eu compraria esta mesma noite um navio e me afastaria de Londres


rumo aos Estados Unidos.

É o que faria Laramie no dia seguinte, deixaria que Elena partisse e não
procuraria Anna. A reputação de sua irmã tinha ficado manchada para
sempre, nenhum cavalheiro a aceitaria como esposa. Esperava que Charles
fizesse o correto e se casasse com ela.

Nesse momento a polícia tirava as macas com os corpos. Todos ficaram


em pé por respeito aos agentes mortos em ato de serviço. Lorde Chapman não
suportou ver os falecidos e desabou no chão. Foi necessária a ajuda de dois
serventes para arrastá-lo até seus aposentos e Laramie lhe lançou um olhar de
desprezo ante tal debilidade. Um inesperado sorriso de agradecimento surgiu
em seu rosto ao dar-se conta de que Anna se casaria com Charles e não com
esse pusilânime lorde.

― Se não me necessitarem ― Laramie inclinou a cabeça para despedir-se


― parto para casa.

― Claro, informaremos se tivermos alguma notícia do paradeiro de


Matherson. ― O secretário inglês lhe estendeu a mão para despedir-se e
Devereux a apertou com força.

― Pagará pelo que fez? ― perguntou Laramie quando soltou de sua mão.

― Não o duvide ― tinha comprometido sua palavra com o conde ― pagará


pelo que fez a Chapdelaine.

Uma hora mais tarde, já em casa, Laramie entregava a Andrew a capa e o


chapéu. Marta saiu para receber a senhora, havia-a visto estranha toda a tarde
e lhe surpreendeu que não retornasse com seu marido.

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― Senhor, a condessa não vem com você?

Laramie empalideceu, assumiu que Elena tinha voltado para casa, quase
não a tinha visto durante toda a festa.

― Acreditei que já estaria aqui ― a preocupação se apoderou do rosto do


conde.

Marta negou com um gesto de cabeça e Laramie se dirigiu a seu escritório.


Agarraria uma arma e a buscaria por toda Londres se fosse necessário.
Observou que no escritório havia um envelope com seu nome, a letra pertencia
a sua esposa. A escritura limpa e perfeita de Elena contrastava com suas
acusações e temores. Desconhecia como tinha chegado a acreditar que era o
causador da morte da mulher e filho de Roger Matherson, mas não deixaria
que pensasse que era um assassino. Muitas atitudes incompreensíveis de sua
esposa se esclareceram ao imaginar as dúvidas que a tinham atormentado. Na
carta lhe pedia que não cometesse um assassinato.

Não entendia nada. Precisava encontrá-la para esclarecê-lo. Amassou a


carta e a lançou longe enraivecido. Não tinha nem ideia de por onde começar a
busca. Devia encontrá-la para convencê-la de sua inocência, antes averiguaria
o que aconteceu com a mulher de Roger Matherson. Elena não acreditaria, sua
palavra carecia de provas contundentes do ocorrido. Chamou Thomas, o jovem
tinha resultado ser um investigador perspicaz, bastante diligente em assuntos
que precisavam mesclar-se com os baixos recursos de Londres. O moço não se
fez esperar.

― Que deseja? ― Thomas se mantinha rígido como exigia sua posição.

― Fecha a porta ― obedeceu à espera que o conde lhe dissesse para que
lhe tivesse requerido ― tenho um trabalho para ti. Thomas tirou as luvas e a
jaqueta, sentou-se na cadeira frente ao conde e sua atitude serviçal se apagou
para dar passo a de um autêntico sabugo.

― O que quer? ― a voz do jovem tomou um tom mais intimidador e seco.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Quero saber como morreu e quem foi o responsável pela morte da
família de Roger Matherson.

O jovem não se surpreendeu com a petição, de todos os modos não faria


perguntas sobre um tipo como Matherson sem conhecer o motivo pelo qual o
conde lhe pedia algo assim.

― Fiz trabalhos para você e nunca perguntei as razões, desta vez, não
terei meu pescoço ameaçado por um homem como Matherson sem saber o que
pretende.

Devereux duvidou uns segundos, humilhava-lhe ter que reconhecer diante


de ninguém que sua esposa o acusava de ser um assassino e por isso o tinha
abandonado, mas não tinha outra opção.

― Roger acredita que sou o assassino de sua mulher e de seu filho. ―


Thomas o olhou com incredulidade, o conde jamais se comportaria de uma
maneira tão vil ― Convenceu a minha esposa e ela fugiu por medo.

― Compreendo ― respondeu o moço a quem a condessa lhe caía bem. Não


exigia muito e às vezes o invadia uma lembrança de felicidade perdida quando
tocava alguma daquelas velhas canções escocesas.

― Aqui tem duzentas libras para comprar vontades. ― Laramie extraiu de


uma gaveta o dinheiro e o ofereceu ao jovem ― Essas quinhentas são para ti.

Thomas as guardou entre a roupa e com uma convicção que o conde


desejava ter, disse:

― Faremos que a senhora volte.

Laramie sorriu com tristeza, duvidava que Elena retornasse a seu lado
embora mesmo o Papa de Roma assegurasse sua inocência, entretanto, não lhe
acusariam de matar a uma mulher e a um menino se não era certo. Enquanto
isso, a cada minuto que passava Elena se afastava mais dele. Tirou de uma
gaveta uma garrafa de uísque e começou a beber. Ia ser uma noite muito longa.

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Capítulo 13
Dois dias mais tarde, a senhora Williams preocupada com o conde entrou
em seu escritório. Encontrou-o dormindo na poltrona com várias garrafas
vazias de uísque aos pés. Chamou um servente e lhe ordenou que oferecesse
um chá ao senhor Reickang, o administrador do conde. Depois, despertou
Laramie.

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― Senhor ― Marta o sacudiu com cuidado, a princípio não reagiu, mas
ante a insistência da ama de chaves abriu os olhos frágeis e a olhou como se
não a conhecesse ― tem uma visita.

― Não quero ver ninguém ― conseguiu pronunciar com voz pastosa. O


som de sua própria voz aumentou a terrível dor de cabeça, produto da ressaca.

― O senhor Reickang diz que é urgente.

Já tinha muitos problemas, se seu administrador tinha saído do buraco


de seu escritório, algo que evitava a toda custo, o assunto devia ser importante.

― Diga que o atenderei em seguida. Antes eu gostaria de me trocar.

― É obvio senhor.

Marta saiu para cumprir a ordem. Laramie necessitou de uns minutos


para pôr em ordem seus pensamentos. Tomaria duas taças de café bem
carregado para consegui-lo e procurou caminho até a porta. Subir as escadas
se converteu em uma odisseia que obteve não sem uns quantos tropeções. A
água fria que a senhora Williams tinha ordenado que vertesse na banheira lhe
limpou por completo. Uma hora mais tarde, o senhor Reickang era recebido em
seu escritório que Marta se encarregou de ventilar, limpar e apagar qualquer
rastro dos excessos dos dias anteriores.

― Tome assento ― ofereceu ao administrador, um homem magro e com


óculos se sentou no fio da cadeira ― a que veio?

― É inconcebível, a condessa vendeu os navios que você cedeu como


presente quando se prometeram ― explicou sem demora e logo acrescentou ―
Adverti-lhe que não era conveniente dar autoridade a uma mulher sobre uns
bens tão importantes, mas você não me escutou.

Laramie ignorou a recriminação de seu administrador e ficou em pé pela


surpresa da notícia. Compreendeu que a intenção da Elena não era fugir de
seu lado, mas também fazê-lo mais longe possível. Os navios custavam uma
fortuna, foi um estúpido ao ceder essa propriedade como presente a sua
prometida e mais estúpido ainda ao acrescentar uma cláusula que lhe

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outorgava total autoridade sobre eles. Tinha esquecido que Elena era a
proprietária e jamais lhe ocorreu pensar que depois de tudo o que tinha feito
para conseguir um marido lhe abandonasse.

― A quem os vendeu? ― perguntou intrigado e temeroso. Só existia uma


pessoa com verdadeiro interesse nesses navios.

― A Roger Matherson ― confirmou o administrador.

O conde apertou os punhos e Reickang se encolheu no assento ante o


rosto crispado de seu cliente.

― Por quanto?

― Essa é a questão, a condessa os vendeu pela metade de seu valor,


quase os deu de presente.

― Podemos fazer algo para recuperá-los?

Laramie se sentou de novo, não deixava de pensar por que motivo Elena
tinha vendido aqueles navios a um homem como Matherson. Possivelmente
havia algo mais que desconhecia e as insinuações do jornal eram certas. As
dúvidas se refletiam em seu rosto com total claridade. Reickang, apesar de ser
um homem de escritório, tinha ouvidos em todas as partes e se atreveu a lhe
fazer um comentário sobre o que lhe tinham contado.

― Senhor, dizem que a condessa é amiga do senhor Matherson.

Laramie o olhou sem compreender do tudo o que o homem sugeria.

― O que querem dizer?

O tom do conde amedrontou ao administrador que apertou os papéis com


mais força da necessária.

― A condessa pôs um preço irrisório ― O administrador tentou ser


considerado com suas palavras ― Desde o dia da venda ninguém viu a
condessa.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Basta! ― exclamou, e golpeou a mesa com um dos punhos ― Não lhe
pago para que fale de minha esposa, quero uma solução e se não a tem é
melhor que terminemos a reunião neste ponto.

― Lamento lhe dizer que não há uma solução, sua esposa vendeu os
navios a Matherson. Os papéis são legais, não há enganos e o preço, embora
injusto, foi aceito pela condessa.

Reickang ficou em pé e fez uma leve inclinação de cabeça. Depois partiu


dando pernadas até a saída. O administrador juntou as sobrancelhas zangado,
isso lhe dava por ir comunicar as notícias na casa dos clientes, não voltaria a
fazê-lo.

Laramie ficou pensativo quando Reickang fechou a porta, sua esposa não
era a mulher que se supunha. Releu sua carta e nada no que tinha escrito o
fazia suspeitar que estivesse com nenhum outro homem. Imaginou que
Matherson possivelmente aproveitou sua debilidade, seu momento de dúvidas
para aproximar-se dela e seduzi-la. Se esse homem a tocasse lhe mataria com
suas próprias mãos. Mas se Elena se entregou a ele por sua vontade o aceitaria
e a deixaria partir, em que pese que seu coração estivesse por completamente
destruído. A autocompaixão do conde se viu interrompida pela chegada de
Thomas, o moço entrou e fechou a porta do escritório.

― Podemos falar? ― Ao ignorar o tratamento de cortesia que utilizava


como servente soube que lhe trazia alguma notícia importante.

― O que averiguaste? ― com um gesto lhe ofereceu que se sentasse.

― A mulher e o filho de Matherson viajavam no Posseidon ― Laramie


recordava esse veleiro, era majestoso, e também o que passou ― Foi abordado e
queimado, não puderam sair da adega onde estavam encerrados.
― Sei ― respondeu invadido por umas terríveis lembranças. Agora
compreendia Roger e o motivo de sua vingança ― Eu estava ali. ― Laramie
pressionou as têmporas com os dedos ― Abordamos o navio, obrigamos todos a
saltar pela amurada, tínhamos deixado barcos, nadando umas quantas
braçadas estariam a salvo. ― Thomas observou como o olhar de Laramie revivia

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


de novo a experiência e como sua pele se voltava pálida e suada ― Ignorávamos
que na adega se ocultasse uma mulher e um menino. Escutei os gritos e tentei
salvá-los, quando cheguei a fumaça já os tinha asfixiado e graças a um de
meus homens não sucumbi às chamas.

― Já sabe o que quer Matherson ― afirmou o moço.

― Vingança e destruir tudo o que possuo. Todo este tempo quis vingar-se
de mim, acredita que eu matei a sua família, que os encerrei em vez de tentar
salvá-los.

― Há algo mais ― Thomas não estava seguro de como reagiria ao contar-


lhe ― Se esconde em um de seus navios ancorados a várias milhas do porto.

― Muito ardiloso. Se não pisar chão inglês não pode ser detido. Meus
navios têm bandeira da China e se regem por esta autoridade.

Thomas avaliou a situação, havia algo mais e ocultando-lhe não


melhoraria as coisas para seu senhor.

― Isso não é tudo ― Laramie levantou uma das sobrancelhas ― dizem que
a condessa se converteu em sua amante. Laramie se agarrou à poltrona e
quase partiu o braço de madeira. Thomas ficou em pé disposto a partir, mas
Laramie

o deteve.

― Preciso saber se isso é certo. ― Os olhos do conde transbordavam de ira


contida ― Faz que chegue uma mensagem a Matherson, quero lhe ver.

― Não acredito que seja uma boa ideia, ele não virá e se você aceitar subir
nesse navio o matará.

Laramie gostava da inteligência desse menino, teria sido um excelente


policial, embora dessa vez pudesse economizar seus conselhos.

― Não quero sua opinião, obedece.

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Thomas saiu do quarto com a ideia de que o conde amava a sua esposa o
bastante para ser tão estúpido e morrer por isso.

Três dias mais tarde, Thomas chamou de novo no escritório do conde.


Como não escutou a permissão para entrar, abriu a porta. Seu chefe tinha
bebido o bastante para esvaziar dois barris e seu aspecto era o de um bêbado
espancado. Via-se pior, as olheiras evidenciavam que sua preocupação tinha
aumentado, assim como o ciúme. O moço fechou a porta e entregou um papel
que se utilizava para envolver carne. Estava gordurento e desprendia um
aroma de sangre pelo corte de animais. O estômago de Devereux, depois de
vários dias sem comer e de ter ingerido mais álcool que em sua época de
contrabandista, quase não resistiu. Conteve a vontade de vomitar e seus olhos
aumentaram ao ver as palavras que tinham escrito na nota.

― É consciente da armadilha? ― Thomas quis lhe convencer de que ir a


essa entrevista era uma loucura.

― Não me importa. ― A decisão do conde era irrevogável

― Preciso ver minha esposa.

― Vão te matar. Além disso, os rumores... ― Thomas colocou o chapéu


diante de seu corpo. Dava-lhe voltas entre as mãos, temia que confessasse o
que tinha escutado de um dos homens de Matherson, obrigaria ao conde a
cometer uma estupidez maior ― A condessa espera um filho, dizem que é de
Matherson.

Laramie se levantou e se dirigiu à janela, não queria que percebesse o


estupor que lhe tinha causado a notícia.

― Então, com mais razão devo vê-la, prepara o encontro. Thomas assentiu
e saiu do escritório. Quando a porta se

fechou, Laramie arrancou as cortinas da janela de um puxão. Sentia-se


tão traído que teria destruído a sala. O teria feito se não pela ressaca pelo que
tinha bebido e a necessidade de conservar as forças para reunir-se com sua
esposa.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


No final Elena comeu das bandejas com apetecíveis mantimentos que
Matherson lhe servia. Sua consciência não deixaria que atuasse em prejuízo de
seu futuro filho. O aumento do tamanho de seus seios e as náuseas que sentia
pela manhã eram produto de uma gravidez que a enchia de felicidade apesar
da situação em que se encontrava. Acariciou o ventre com ternura. Ao comer
recuperou o ânimo e começou a procurar uma saída. Estava encerrada em um
camarote, no mar as vias de escapamento eram escassas. Não devia
desalentar-se, tinha que existir uma forma de sair desse horrível pesadelo.
Roger lhe tinha entregado um vestido floreado, um pouco mais singelo que seu
traje de noite. O pôs porque seria mais fácil escapar com essa roupa que com a
sua. Elena se incorporou no beliche quando Matherson abriu a porta. Fazia
dois dias que não lhe tinha visto e, agora, apresentava-se com um sorriso
triunfador que não prognosticava nada bom.

― Hoje teremos uma visita ― anunciou, e levou a bengala ao chapéu.


Vestia de forma impecável e com uma limpeza absoluta.

― Não me importa suas visitas. ― Elena lhe deu as costas, como faria uma
menina malcriada, algo que excitou Matherson.

A jovem se converteu em uma autêntica beleza, como gostava Devereux.


Ele segurou seus cabelos dourados, os olhos da Elena aumentaram pelo temor.
Roger sentiu a necessidade de tocar as suaves bochechas e beijar sua boca.
Esses lábios largos e rosados despertaram nele um desejo crescente e alterou o
ritmo de sua respiração, quase agônica, ante a boca que essa mulher ignorava
possuir. Seus peitos se agitavam trementes aprisionados pelo espartilho. A
proximidade da condessa aumentou sua excitação, embora não a
masculinidade perdida fazia tanto tempo em uma luta com uns piratas
filipinos. Roger tinha um segredo escuro, jamais voltaria a ser pai, isso lhe
causava muito mais dor que o que lhe produziu perder seu primeiro e único
filho. A impossibilidade de que nunca geraria outros aumentava o ódio por
Devereux.

― Deveria lhe importar, seu marido virá esta tarde. ― Elena virou o rosto
atemorizado, depois desses dias em companhia desse homem já não estava

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


segura de que fora certo o que lhe tinha contado ― Deve levar uma boa
impressão.

― A que se refere? ― Matherson agarrou seu queixo e a obrigou a lhe


olhar. Elena tremia dos pés à cabeça, esse homem a atemorizava.

― Quero que lhe demonstre que é minha amante.

Os olhos do homem brilhavam com uma peculiar satisfação, como se


saboreasse um triunfo ainda maior e aproveitou o momento para apoderar-se
de sua boca. Soltou-a imediatamente ao sentir os dentes dela morder seus
lábios.

― Jamais! ― exclamou indignada. ― Não farei meu marido acreditar que


você é meu amante.

― Então, cairá sobre sua consciência sua morte ― a ameaçou de uma vez
como se limpasse o sangue com um lenço de renda branco.

― Será capaz de lhe matar porque não aceito me converter em sua


querida? ― Elena lhe agarrou a manga da jaqueta ― Não entendo, o que quer
de mim? ― Roger assinalou seu estômago com a bengala, Elena retrocedeu
assustada ― Não!

― Acredita que não me dei conta? ― Roger agarrou por ambos os braços a
jovem ― Sei que espera um filho. Vi como tenta ocultar suas náuseas pela
manhã e como protege o ventre de forma inconsciente com as mãos.
― Não farei isso a Laramie ― assegurou, e se separou do homem.

― Querida, seu marido já sabe que está prenhe e o melhor é que acredita
que o filho é meu.

Seu desespero se refletiu em seus olhos. Elena o esbofeteou e Roger lhe


devolveu o golpe com o dorso da mão.

― As coisas serão diferentes para ti, esse filho será meu e quero que fique
claro para Devereux. Se sua atuação não for convincente nenhum dos dois
sobreviverá.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Roger deu a volta e deixou Elena transtornada pela loucura de suas
palavras. A jovem limpou a boca manchada de sangre com a manga do vestido
e as lágrimas surgiram sem que pudesse as evitar. Devia ser precavida, seu
filho era agora o mais importante.

Essa noite, Laramie chegou ao Paradaise, o lugar ao que devia ir segundo


a nota. A proprietária do bordel lhe recebeu com um sorriso de satisfação em
que se mesclava o prazer por conhecer, igual ao resto de Londres, que sua
esposa era a amante de Matherson e que esperava um bastardo. A madame
guardou silêncio e isso foi muito mais mordaz que se lhe tivesse cuspido à
cara. Fez um sinal ao conde para que a seguisse e o conduziu a um camarote
onde lhe esperava um dos homens de Roger, ao que apelidavam Antro. O tipo
lhe tirava uma cabeça e lhe apontava com uma pistola Sharps de quatro
canhões. Era uma nova arma que poucos tinham e parecia disposto a usá-la.
Fez-lhe um gesto com a mão que lhe mirava para que levantasse os braços.

― Não levo armas ― assegurou o conde.Antro não respondeu e ignorou as


palavras de Devereux.

Registrou-o de cima abaixo até assegurar-se de que era certo.

― Vamos! ― Antro o empurrou para a saída.

Laramie obedeceu sem protestar até chegar a um barco onde outro


homem com pinta de valentão os esperava e lhe deu um remo. Tirou a jaqueta,
arregaçou-se a camisa e começou a remar. Calculou que o fez durante três ou
quatro horas até chegar a um de seus navios que agora pertencia a Matherson.
Laramie estava furioso e com cada remada sua cólera em vez de aplacar-se
acendia muito mais. Dois homens no convés lhe lançaram uma escada e o
conde subiu com rapidez. Antro o fez atrás dele, sem deixar de lhe apontar com
Sharps.

― Conde Devereux, bem-vindo a um de meus navios. ―

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Roger abriu passo entre seus homens, que se retiraram como as águas do
mar Vermelho ante Moisés ― Espero que a viagem não tenha sido exaustiva.

― Onde está minha esposa? Quero vê-la. ― Laramie não jogaria esse jogo.
Precisava ver a Elena e confirmar que os rumores sobre sua relação com Roger
eram uma invenção.

― A verá, está preparando-se para o jantar. Será nosso convidado,


prometo que não tentarei lhe matar como você ordenou que fizessem comigo na
festa de sua irmã. ― Roger golpeou ao Laramie com a bengala e o lançou ao
chão.

― Matá-lo-ei com minhas próprias mãos! ― ameaçou o conde, enquanto se


tirava o sangue do rosto.

― Isso pode esperar, antes temos uma entrevista com uma dama. Antro
agarrou Laramie de um braço e outro dos capangas de Matherson o fez do
outro lhe arrastando até a sala de jantar. Roger presidiu a mesa, um servente
dispôs os pratos com uma formalidade imprópria de um navio. A porta se abriu
e Elena apareceu por ela. Estava pálida, os ruges nas bochechas eram um
pouco exagerados, embora sua beleza essa noite deixasse Laramie mais
selvagem. O vestido era muito mais chamativo dos que estava acostumada a
usar. O decote mostrava um generoso busto e seu cabelo lhe caía nas costas
em uma espessa cascata de cachos dourados. Aproximou-se de Roger e o
beijou na boca. Laramie apertou os braços da cadeira ao comprovar que os
rumores eram certos. Essa mulher lhe tinha humilhado e destroçado o que
com tanto esforço tinha obtido esses anos: que o mundo tivesse, de novo,
respeito pelo sobrenome Devereux. Ao vê-la com essa roupa e esse homem
compreendeu que tinha sido um imbecil ao entregar o coração a uma mulher
que tinha acreditado diferente ao resto, quando, em realidade, tinha-o utilizado
e enganado em seu benefício.

― Querido ― disse, e olhou nos olhos de seu marido. Elena sentia que o
traía e com cada gesto e cada palavra esfaqueava seu amor por ele ― me casar
contigo foi um engano. Descobri na primeira noite em que conheci Roger. Foi

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


um homem maravilhoso, cuida-me e agora nossa felicidade é completa. Espero
um filho e te asseguro que não

é teu.

― Como está tão segura? ― perguntou com os dentes apertados.


― Porque uma mulher sempre está segura de quem é o pai de seu filho. E
você não é.

Roger se aproximou da Elena e beijou seu ombro. Acariciou lhe o rosto e


lhe ofereceu sua boca. Laramie não suportou mais a situação, não lhe
importava se perdia a vida nesse navio, Elena tinha pisoteado seu orgulho e
despedaçado seu amor. Lançou-se contra Matherson e Antro o interceptou, o
golpe o jogou contra o solo, deixando-o inconsciente.

― Não! ― gritou Elena, e tentou aproximar-se do Laramie, mas Roger a


agarrou pelo braço para impedir-lhe.

― Leva-o para a adega, pagará com sua vida se escapar

― ameaçou ― Dentro de dois dias, quando abandonarmos as águas


inglesas o mete em um barco e deixa que a maré se ocupe dele.

― Por favor, não! Farei o que me pedir ― rogou Elena.

― Querida, disso não cabe a menor duvida ― com um gesto indicou a


Antro que procedesse com o que lhe tinha ordenado.

As lágrimas de Elena quase não lhe permitiam ver. Soltou-se com asco de
Matherson e se dirigiu a seu camarote. Nesse dia Roger Matherson era um
homem feliz, tinha completado sua vingança. Laramie Devereux morreria nesse
barco e, graças a sua esposa, os dias de vida que ficassem passaria sofrendo.
Esse homem assassinou a sua família, agora, lhe roubaria a sua. Nesse
instante Rosalyn apareceu pela porta, a mulher levava uma mescla de cores
extravagantes e de mau gosto que desagradou Matherson.

Logo se desfaria dela. Tinha servido a seus propósitos, embora agora que
tinha uma mulher como Elena, Rosalyn era uma áspera imitação de esposa
que carecia da classe e da beleza da condessa.

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― Prometeu que depois de que enganasse ao conde, matá-la-ia. ― Rosalyn
se serviu uma taça de vinho e a tirou de um gole, o gesto desgostou ainda mais
a Roger.

― Isso foi antes de saber que esperava um filho, quero esse menino ―
confessou, e apreciou a dor que refletiu no rosto do Rosalyn.

Roger era um homem transtornado. Jamais tinham compartilhado o leito,


conformava-se vendo ela fazer amor com outras mulheres, coisa que lhe
agradava. Nunca gostou de seus deveres maritais, embora dissimulasse muito
bem para satisfazer a Troy e sossegar qualquer falatório.

― Pode ter qualquer menino ― sugeriu sem muita convicção. Roger era
um homem com uma vontade de aço. Tinha decidido que teria esse filho,
ninguém neste mundo o evitaria. Rosalyn torceu a boca em uma careta
caprichosa.

― Não quero a qualquer menino, quero o filho de Devereux.

Rosalyn se serviu de outra taça, imaginar que compartilharia sua vida


com o neto de Vitória era muito para aceitá-lo sóbria, tomou uma terceira e
logo levou a garrafa a seu camarote. Roger se sentou e fez um gesto ao servente
para que lhe servisse o jantar. O prato consistia em rosbife com purê de cerejas
e compota de maçã ao porto. Pela primeira vez, em muito tempo, imaginou
uma vida como antigamente, com uma família. Cedo ou tarde, Elena se
adaptaria a essa vida, seu filho e a necessidade de estar ao seu lado seriam
mais que um estímulo para convertê-la em sua esposa aos olhos de todo o
mundo. Cravou a faca na carne e imaginou fazê-lo no coração de Laramie.

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Capítulo 14
Charles observou sua esposa lentamente se esticar na cama. Tinham
casado há três semanas e dava graças ao céu por sua boa estrela. No final
Elena resultou ser um verdadeiro anjo. Às vezes notava que a felicidade de
ambos nublava pelas consequências de sua conduta. Lia no rosto de Anna,
como se o fizesse em um livro aberto, que sua mudança de humor se devia ao
dano que lhe causava em ter desobedecido Laramie. Desde a morte de sua mãe
tinha velado por ela, e seu casamento, embora fosse o que mais desejava,
também significava uma traição. Anna entreabriu os olhos.

― Volte para a cama ― pediu, e sua voz melosa excitou

Charles. Não havia outro lugar no mundo onde desejasse estar mais do
que nessa cama e entre aqueles braços, mas pelo bem de seu matrimônio,
precisavam esclarecer as coisas com Devereux.

Aproximou-se da cama e beijou com paixão os lábios de sua esposa, logo,


anunciou:

― Deve te vestir, visitaremos seu irmão.

Duas lágrimas surgiram nos olhos da jovem e murmurou uma palavra que
encheu de amor o peito do médico: «Obrigada».

Duas semanas mais tarde, Charles e Anna chamavam na casa Devereux.


O casal intuiu que algo não ia bem quando Andrew abriu a porta e apareceu
com um gesto sério e preocupado. O serviço se esquivava dos olhares da moça,
seu irmão não estava e sua cunhada tampouco. O casal se encerrou na
biblioteca e pediu que lhe servissem chá.

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― Não entendo nada. Perguntei ― disse Anna ― e ninguém quer me contar
onde estão minha cunhada e meu irmão. Nem sequer a senhora Williams sabe
o que dizer, só reza para que tudo se arrume.

Anna passeou de um lado a outro da habitação. Charles a interceptou e


tomou pelos ombros para tranquilizá-la.

― Acredito que algum de seus negócios precisou de sua intervenção, não


deve preocupar-se.

― E se for por Elena? Ela nos ajudou. ― Anna esfregou as mãos de forma
nervosa.

Charles tinha pensado muitas vezes em Elena e nas consequências que


sua ação teria para ela. Imaginar que Laramie descontasse sua frustração em
sua esposa era inconcebível e assim o disse a Anna.

― Laramie é implacável com seus inimigos, embora leal com seus amigos.
É um homem de princípios e jamais machucaria alguém como Elena.

Uns golpes na porta interromperam a conversação.

― Entre ― disse Anna. Thomas, um dos serventes, entrou e fechou a porta


para surpresa do casal. ― Thomas nós não pedimos nada ― Anna sorriu
impaciente.

― Senhora, tenho que lhes dizer algo ― anunciou o jovem com gesto sério
e decidido.

Charles cruzou os braços atrás de suas costas e Anna se sentou em uma


poltrona. A cara de preocupação de Thomas alertou de que não eram boas
notícias.

― Continue ― pediu Charles, já que o rosto de sua esposa tinha


empalidecido e era incapaz de falar.

― Às vezes ― começou então ― faço outro tipo de serviços. ― O médico


assentiu, conhecia pouco os negócios de seu amigo, mas muitos eram
perigosos. ― O caso é que quando vocês partiram ― Anna avermelhou ante o

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


comentário referente à sua fuga ― a condessa também o fez e o conde me pediu
que investigasse se a senhora fugiu com Roger Matherson.

― Não! ― gritou Anna, e agitada ficou em pé. Charles a abraçou com


ternura.

― O conde queria a verdade e me pediu que encontrasse uma forma de


ver-se com esse bastardo. Perdão, senhora ― se desculpou com urgência o
jovem. ― Avisei-lhe de que se tratava de uma armadilha. Não me fez caso e as
consequências foram nefastas para o conde. Matherson lhe deu uma surra e o
meteu em um barco para que a maré se ocupasse dele.

Anna se debulhou em prantos ao pensar que seu irmão tinha morrido.


Thomas se deu conta imediatamente da estupidez cometida ao ter contado a
história dessa forma.

― Oh, não morreu! ― Anna se soltou dos braços de seu marido e olhou
Thomas com o rosto invadido pelas lágrimas, o jovem continuou ― Segui o
conde apesar de que não me ordenasse isso.

― Bem feito, moço! ― felicitou-lhe Charles, e Thomas sorriu.


― Quando estive seguro de que nenhum dos homens do

Matherson me via, subi em seu barco e consegui trazê-lo para casa.


Depois, o conde embarcou em um de seus navios que não pertencia à condessa
― esclareceu o moço ― rumo à China.

― E Elena? ― perguntou Charles, jamais teria imaginado a uma mulher


dessa classe relacionar-se com um homem como Roger.

Thomas manifestou nos olhos sua preocupação por Anna, mas a jovem, ao
advertir sua indecisão, tirou as lágrimas do rosto com a manga do vestido e lhe
disse:

― Fala o que aconteceu a Elena?

― Os rumores são verdadeiros. ― Anna se sentou na poltrona, não podia


acreditar no que o servente lhe dizia, Elena amava a seu irmão ― Além disso,
está fita em...
Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez
― Thomas! ― disse ao jovem ao ver o estado de sua esposa ― obrigado,
agora pode partir e dizer à senhora Williams que minha esposa necessita sua
companhia.

― Claro senhor. ― O jovem saiu pela porta

― Não pode ser certo. ― Anna olhava com lágrimas nos olhos ―
Destroçará Laramie, sei bem, não aguentará que o sobrenome Devereux fique
enlameado desta forma.

Charles agradeceu a entrada da senhora Williams, que se ocupou de Anna


como quando era menina. Ao ficar sozinho na sala apertou os punhos
atormentado, já que eles tinham levado Elena sem querer a essa situação.
Angustiava-lhe que sua felicidade estivesse construída sobre a infelicidade de
outros. Charles suspirou com tristeza.

Esperava que onde estivesse, Laramie encontrasse a paz que tanto


necessitava e rogou ao céu para que sua desgraça não destruísse seu
matrimônio com Anna.

Virginia tinha dançado feliz durante toda a noite, seu pretendente gostava.
Não era muito velho nem muito rico. Tratava-a como a uma mulher e parecia
tão seguro de si mesmo, tão inalcançável e misterioso que se apaixonou por ele
desde a primeira vez que cruzaram seus olhares na sala de baile. Estava farta
de que todo mundo dissesse que era uma menina, entretanto, esse homem a
tinha beijado e seu corpo tinha reagido como se não houvesse um novo dia.

Decidiu que essa noite assistiria ao jantar da marquesa Albridare em


companhia de lorde Rochester, o homem que amaria sempre. Era só mencionar
seu nome que mil mariposas revoavam em seu estômago. Decidiu que colocaria
algo especial. As joias que sua tia Vitória comprou enquanto foi lady
MacGowan eram muito mais bonitas e elegantes que as de sua mãe. Tinha
permissão para utilizá-las, agora necessitava do consentimento de sua mãe.

Só a menção de sua tia lhe mudava o humor, mas não queria decepcionar
Ian, assim se chamava lorde Rochester. Opor-se a Rosalyn não era fácil. Olhou
seu vestido, o que usaria essa noite, e tomou uma decisão: necessitava das

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joias de Vitória. Encaminhou-se ao quarto de sua mãe, nessa hora estaria na
costureira. Abriu a porta devagar, rebuscou nas gavetas da penteadeira até que
encontrou com um par de caixas de veludo verde e outra muito menor. Abriu a
maior e comprovou que eram o colar e os pendentes que desejava colocar.
Logo, abriu a caixa pequena e em seu interior encontrou um pote com um
líquido avermelhado que lançava brilhos quase hipnóticos. Com letras
douradas tinha escrito um nome em latim. Virginia nunca tinha sido muito
aplicada nessa matéria, mas juraria que estava relacionada com algum tipo de
medicamento. Não acreditava que sua mãe estivesse doente e o deixou de novo
em seu lugar.

Duas horas mais tarde, Virginia já preparada para assistir o jantar onde
estaria lorde Rochester, entrou no quarto de sua mãe para despedir-se.

― Mãe, queria lhe desejar boa noite ― Se aproximou para beijá-la.

Rosalyn deixou de pentear-se e observou a sua filha, essa noite seu pai a
acompanharia ao jantar. Havia um lorde interessado em Virginia e esta vez não
queria danificar a ocasião de que contraísse um matrimônio adequado. Tudo
nela era encanto e beleza. Ao ver o colar e os pendentes não pôde evitar que
um olhar de terror se refletisse em seus olhos.

― Quem te deu permissão para revirar minhas gavetas?

― omitiu responder a sua pergunta.

― Mãe ― disse conciliadora, não queria começar uma discussão, não essa
noite, quando tinha tanta vontade de ver de novo lorde Rochester ― Pai me deu
permissão para pôr isso.

― Que mais agarrou? ― perguntou, e elevou uma das sobrancelhas com


desconfiança.

― Nada, mãe.
― Não minta. ― Rosalyn se levantou e esbofeteou a sua filha com fúria.

Virginia tocou a bochecha sem compreender o que tinha feito para zangar-
se dessa forma.

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― Vi o pote com o líquido vermelho ― confessou ― deixei-o em seu lugar. ―
Rosalyn procurou com desespero entre as gavetas ― O que é?

― Um remédio ― respondeu com alivio ao encontrá-lo.

― Está doente? ― perguntou a jovem preocupada. Rosalyn ignorou a


pergunta e com um falso sorriso a

animou a que partisse à festa.

― Se divirta filha. Tenho um pouco de enxaqueca e meus nervos não estão


bem esta noite.

Virginia não respondeu já que nesse instante a donzela de confiança de


sua mãe entrou pela porta. Mariam sempre a tinha acompanhado, desde que
contraiu matrimônio com lorde MacGowan. Conheciam-se desde meninas e a
lealdade de Mariam por sua senhora era conhecida por todos.

― Adeus, mãe.

Virginia se retirou do quarto. A curiosidade falou mais alto que suas boas
maneiras e pegou o ouvido à porta. Uma senhorita educada e candidata a
converter-se na esposa de lorde Rochester não deveria fazê-lo, mas algo lhe
impulsionou a satisfazer sua curiosidade.

― Encontrou-o. ― O silêncio que veio a seguir confirmou que Mariam teria


assentido.

― Senhora, então deve dar-se pressa ― lhe aconselhou.

― Sei, sei que o tempo é meu pior inimigo. Não duvide que queira matar a
Elena. Embora me preocupe que Virginia se inteire, hoje descobriu o veneno.

― Tem razão, teria que fazê-lo esta mesma noite.

― Sim, o servirei no jantar a essa raposa.

― Senhora… ― disse preocupada ― se o senhor

Matherson descobre que foi você, matara-a.

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― Prometeu-me que uma vez enganasse a Devereux com a paternidade
desse menino, matá-la-ia. E em vez disso, decidiu convertê-la em sua mulher e
formar uma família feliz.

― Os olhos de Rosalyn pareciam dois carvões acesos ―

Matherson não pode ter filhos, jamais poderá os ter e deseja um mais que
nada neste mundo ― confessou, enquanto passeava pela habitação vestida com
uma camisola de rendas e laços ― Ele acredita que não sei.

― O que sabe? ― perguntou a servente com interesse.

― Um de seus homens me contou que o capturaram uns piratas. ―


Rosalyn fez um gesto muito evidente que provocou um sorriso malévolo na
donzela.

― É um castrado!

― Há muito tempo ― respondeu Rosalyn.

― Então, não podem duvidar ― aconselhou à donzela.

― Não o farei. Acabarei com Elena e ninguém averiguará que fui eu a que
assassinou a filha de Vitória ― Rosalyn cuspiu as palavras com um ódio
visceral ― Logo Troy seguirá seus passos. Não renunciarei a meu título de lady,
quando posso me converter na viúva lady MacGowan. Virginia tampou a boca
para não emitir um grito, retrocedeu alguns passos, pálida como se tivesse
visto uma aparição fantasmal e desceu as escadas de duas em duas em busca
de seu pai. Descobrir os planos de sua mãe lhe aterrou. Encontrou-o no
escritório.

― Já está preparada? ― sua filha não levava postos nem as luvas nem sua
capa ― o que te ocorre? ― Ao vê-la nesse estado Troy a abraçou.

Virginia não deixava de chorar. Sentia-se tão desolada ante ao que tinha
escutado que seu pai teve que lhe dar um gole do uísque que ele tomava.

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― Mãe… ― O rosto do Troy trocou com brutalidade até converter-se em
uma máscara insensível. Tinha aceitado não chutar essa mulher até casar
Virginia ― a ouvi...

― O que ouviste? ― Troy lhe falava com voz suave e a conduziu até uma
poltrona.

― Quer matar Elena e logo a ti. ― Virginia abraçou seu pai com desespero.

Durante um instante, MacGowan perdeu a fala. Sua esposa era uma


mulher sem escrúpulos, fria como um deserto de gelo e tão interessada no
dinheiro que seria capaz de vender a sua filha ao melhor lance para aumentar
suas riquezas. Todas essas «boas qualidades» as tinha descoberto após casar-
se, entretanto, acreditá-la capaz de tal atrocidade ultrapassava suas
expectativas.

― Está segura? ― Virginia assentiu, e seu pai acreditou por completo.


Abraçou a sua filha e sorriu para tranquilizá-la

― Então teremos que evitá-lo. Troy a levou imediatamente até o hall,


pediu as luvas, o chapéu e a capa de ambos. Cinco minutos mais tarde
estavam rumo à casa do conde Devereux, antes lorde MacGowan tinha
ordenado que entregassem uma nota ao delegado de polícia.

Charles passou as mãos pelo cabelo tentando elucidar o que tinha de


certo nas palavras de lorde MacGowan. Anna sujeitava as mãos de uma jovem
que não deixava de soluçar.

― Asseguro-lhe que tudo o que me contou minha filha é certo. Não duvido
de suas palavras, nem tampouco de que minha esposa ― o homem continuou
com um descarado desprezo ― seja artífice desse macabro e terrível plano. Dei
ordem de que a capturem, mas acreditei importante lhe dizer que minha
sobrinha é inocente do que lhe acusa. Não é uma adultera a não ser uma
mulher retida contra sua vontade e, é obvio que o filho que espera é do conde,
dado que Matherson

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é um castrado ― Troy pronunciou as palavras com verdadeira satisfação e
ignorou a presença das damas ao fazê-lo.

― Meu irmão deve sabê-lo ― disse Anna com uma esperança renovada ―
Deve conhecer que o filho que espera Elena não é de Matherson, que tudo foi
um ardil para lhe prejudicar.

― Não temos maneira de lhe avisar. ― Charles lamentava o ocorrido e não


deixava de pensar em como ajudar a seu cunhado.

― Eu sei como fazê-lo ― interveio Thomas.

Todos se viraram em uníssono para assegurar-se de que o que escutaram


não eram imaginações. O jovem apareceu de entre as sombras, ninguém nessa
sala se deu conta de que estava ali.

― Como? ― perguntou Troy, logo, ante o mutismo dos presentes, indicou


ao jovem com uma mão para que continuasse.

― Pombas mensageiras ― disse, e seu rosto evidenciou o entusiasmo pela


ideia.

― Simples, pombas mensageiras ― Charles repetiu as palavras do jovem


com uma alegria contagiosa.

Thomas se sentou no escritório, o descaramento desse moço unido com


sua inteligência convenceu Charles de que conseguiria avisar a Laramie da
situação.

― O que lhe pomos na nota? ― Charles torceu o gesto em um sorriso


sugestivo que provocou em Anna o desejo de lançar-se a seus braços.

― Deve preparar-se para abordar um navio.

― Nada poderia explicar melhor ― assegurou Thomas ante a


incompreensão do resto de assistentes, salvo para o médico.

Desta vez, todos se viraram ao ver Charles com as mãos na cintura


dobradas por causa de suas próprias gargalhadas, as quais encheram Anna de
esperança.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


A brisa era agradável, tão agradável quanto podia suportar sem sentir-se
como um tolo apaixonado e enganado. Isso lhe atormentava mais ainda, em
sua vida tinha utilizado as mulheres para satisfazer suas necessidades e,
agora, a que menos possibilidades tinha de lhe danificar lhe tinha destroçado o
coração. Pensou que ao casar-se e não estar apaixonado, salvo uma luxúria
compreensível ante a beleza da escolhida, nada complicaria sua existência.
Muito imbecil, pensou, já tinha utilizado outros apelativos muito mais
grosseiros para qualificar seu comportamento.

Deixou-se arrastar pelo impiedoso Eros e agora era um boneco de pano


nas mãos de uma mulher que jamais o amou e que nunca lhe amaria. Apertou
o leme até que seus dedos ficassem brancos. Saul, o contramestre, não estava
seguro se devia lhe entregar a mensagem que uma das pombas de Thomas
havia trazido. O capitão estava irascível, da última vez que cometeu um engano
terminou limpando as latrinas. Os rumores sobre a esposa do capitão eram
conhecidos por todos os homens de Devereux e o lamentavam por ele. Pensou
que a jovem que tinha conhecido não aparentava ser uma falsa e embusteira
prostituta, pelo visto se equivocou ao julgá-la. Desejava que seu capitão a
esquecesse logo. Enviou Richard, o grumete, a que lhe entregasse a nota.

― Capitão ― disse o menino, e alargou a mão tremendo como uma folha ―


trouxeram isto para você.

Laramie olhou de cima abaixo o moço como se tivesse cometido o pior dos
pecados e lhe arrancou a nota das mãos. Richard fugiu da ponte igual um
bando de peixes de um predador. Devereux reconheceu a letra de Thomas, esse
jovem era um autêntico demônio. Suas notícias eram tão alentadoras que
queria acreditar que era certo, que tudo tinha sido uma farsa, até lendo-o não
podia esquecer como Elena tinha beijado Matherson e se entregou a suas
carícias. Entretanto, se esse filho fosse dele, como assegurava a nota, não
deixaria que ninguém o separasse de seu lado, nem sequer sua mãe.

― Contramestre! ― gritou, e o homem se apresentou na ponte como uma


aparição.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Capitão ― disse com voz quebrada por causa do salitre do mar.

― Ordene aos homens que se preparem para uma abordagem.

― Capitão ― sorriu o contramestre, sentia falta de um bom ataque ― O


objetivo.

― O Antoinette.

― Marinheiros! ― gritou Saul, com uma alegria que não pôde disfarçar ―
Ratos marinhos! Movam o curso! Roger, prepara as armas!

O contramestre foi gritando ordens conforme descia da ponte. Os homens,


como ele, alegraram-se de novo de ter um pouco de animação. Como
marinheiros a serviço do conde Devereux ganhavam dinheiro e paz, mas com o
pirata Devereux a diversão estava assegurada.

― Sim, senhor! ― gritaram em uníssono os nomeados. Laramie observou


os homens realizarem as diferentes

tarefas que lhe levariam até o Antoinette que se encontrava na rota da


América, conforme explicava a mensagem do Thomas. Esperava que o clíper
fosse mais rápido que o navio no que viajava a mulher que se converteu em
sua condenação.

Elena olhou o vestido verde que esse homem lhe tinha ordenado colocar
para o jantar e começou a rasgá-lo. Em poucos minutos o deixou em farrapos.
O tecido caía a seus pés convertendo o camarote em uma ilha de suaves
rendas e sedas. Colocou seu vestido turquesa e negro, logo não caberia, e
acariciou o ventre com ternura.

― Se chamará Adam Matherson ― Elena não se deu conta de que a


observava até que escutou sua voz.

― Não se chamará assim ― assegurou a jovem com valentia ― Seu pai


escolherá seu nome.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Matherson emitiu uma gargalhada que gelou o sangue da Elena.

― Devereux está morto.

― Mentira... ― assegurou Elena sem muita convicção.

Devia ser lógica e aceitar que um homem inconsciente,

perdido no mar, sem mantimentos nem água não resistiria muito tempo.

― Sabe que é certo, para que negar a realidade. ― Roger retirou as


camadas de seda que jaziam sob seus pés com o bastão de punho de
madrepérola ― Esqueça essa vida, você e eu já sofremos muito por causa desse
homem.

Elena lhe deu as costas, de repente se encontrou no chão. Supôs que


Roger a tinha empurrado, mas o homem também jazia a seus pés. Algo os
tinha atingido com tanta força que os lançou ao chão. Então, se escutaram
gritos em toda parte. Matherson saiu do camarote e a encerrou com chave.
Elena tentou abrir a porta, embora desistisse cansada do esforço. Assustada
golpeou com os punhos e gritou com todas suas forças, ninguém foi ajudá-la.
Desalentada aguçou o ouvido, enquanto estava no convés acreditava que os
piratas tomavam o navio.

Laramie abordou o Antoinette sem problemas. Os homens de Matherson


em sua maioria tinham sido marinheiros a seu serviço e quando reconheceram
a seu antigo patrão baixaram as armas em sinal de respeito. Antro era outra
coisa. Dirigiu-se a Laramie como uma besta sedenta por briga. Devereux tinha
enfrentado no ringe com homens igualmente grandes como Antro e intuiu com
segurança esse tipo faria jogo sujo. Devia cuidar-se dos movimentos bruscos e
não deixar-se apanhar, se isso ocorria estaria perdido. Antro era mais forte e
maior que ele, se o bloqueava não poderia defender-se. A diferença do ringe era
que ali brigariam até a morte. Antro empunhava uma adaga. Laramie esperou
o primeiro ataque, se fosse bastante rápido para derrubá-lo teria uma
oportunidade.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


― Cornudo de merda! ― Laramie se limitou a apertar os dentes.

Tinha as pranchas necessárias para não deixar-se arrastar por palavras


tão insultantes e com a mão lhe fez um sinal para que atacasse. O gesto
enfureceu o Minotauro que tinha diante.

― Vais falar toda a noite ou brigar? ― Isso terminou por lhe irritar e Antro
se lançou em uma investida mortal. Laramie era um nobre cavalheiro, devia
jogar limpo. Embora, dado onde se criou e como o tinha feito, lançou um chute
direto nos testículos de seu adversário, uma ação imprópria de qualquer
cavalheiro e derrubou ao Touro de Minos. Antro agarrou sua virilha com as
duas mãos uma vez que um gesto de dor se apoderou de seu rosto. Laramie
escutou as gargalhadas dos homens até que aplausos as sossegaram.

― Muito bem, muito bem. ― Roger Matherson se aproximou de Laramie e


ambos os homens se estudaram com uma tensão contida.

― Onde está Elena?

Depois de compreender o que dizia a nota temeu que tivesse prejudicado a


sua esposa.

― Em seu camarote. ― Roger não era estúpido, sabia reconhecer quando


tinha sido derrotado e agora era um desses momentos. Compreendeu pelo
rosto de Laramie que já conhecia a verdade ― Por que os matou?

― Não o fiz. ― Seu primeiro impulso foi sair correndo em busca de sua
esposa, mas Matherson necessitava de uma explicação do acontecido ―
Abordamos Poseidon, lançamos na água seus ocupantes e deixamos alguns
barcos para que subissem neles. Tinham que nadar uns poucos metros e
estariam a salvo. Um de meus homens brigou com um dos teus e na briga
puseram fogo a um fardo de ópio. O fogo se estendeu com rapidez, os dois
conseguiram fugir, entretanto, os gritos de uma mulher me alertaram de que
alguém mais estava ali abaixo. Quando pude abrir a tampa da escotilha, o fogo
tinha arrasado tudo, se não fosse por um de meus homens eu mesmo teria
morrido esse dia.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Roger mostrava em seus olhos todo seu desalento, tinha perdido sua
atitude digna e intimidadora habitual. Em seu lugar via-se um homem fundo
pela dor.

― Eu tentei ― seguiu explicando Devereux ― tratei de chegar até eles. Tem


minha palavra de que ignorava que estavam ali.

Os olhos do Roger pareciam duas gemas gélidas e diabólicas. Enfurecido,


agarrou um dos abajures de azeite que um dos marinhos levava nas mãos e
com rapidez se dirigiu ao interior do navio. Quando Devereux foi consciente de
sua intenção se lançou sobre ele para lhe deter. Saul o interceptou e o
derrubou de um golpe.

― Este rato sarnento necessita de um bom banho ―

Laramie agradeceu com a cabeça que evitasse uma desgraça e seu


contramestre sorriu ― O que quer que façamos com ele? ― perguntou, e o
elevou pelas lapelas da jaqueta.

Desejava pendurá-lo na vela maior, embora isso fosse muito pouco


sofrimento para o que merecia.

― Prenda-o, que dois homens o vigiem dia e noite. ―

Atirou do cabelo de Matherson para lhe ver o rosto ― O entregaremos às


autoridades inglesas. ― Devereux o soltou e a cabeça do contrabandista caiu
de um lado como a de um boneco quebrado.

― Peter! ― gritou o contramestre ― Ponha rumo à Inglaterra.

Dois homens arrastaram Matherson até a adega do navio. Agora devia


enfrentar outro problema muito maior, recuperar a sua esposa.

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Capítulo 15
Elena agarrou uma cadeira para defender-se de quem nesse momento
abrisse a porta. Sua respiração agitada mostrava o medo que sentia. Durante
um instante pensou em Laramie e que o amava. Então a imagem de seu
marido diante dela a deixou paralisada. O rosto do conde estava coberto com
uma barba incipiente que obscurecia ainda mais os olhos que a olhavam com
frieza. O aro da orelha lhe sugeria que tinha retornado a sua anterior vida, algo
que a excitava e aterrava ao mesmo tempo. O que podia lhe dizer para que a
perdoasse. Nada do que dissesse lhe faria acreditar na verdade, que tudo o fez
foi para lhe salvar a vida e a de seu futuro filho.

― Eu... ― sussurrou, e soltou a cadeira.

Logo depois de vê-la Laramie soube que seu coração lhe pertencia. Essa
mulher era o que necessitava sua existência, sua outra parte. Sua presença lhe
deu a vida que acreditava perdida. Estava arrebatadora com o cabelo solto, a
respiração agitada e segurando uma cadeira para defender-se.

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― Nunca machuquei a família do Matherson ― pronunciou com voz rouca,
rogando ao céu para que acreditasse.

― Sei ― respondeu entristecida por ter duvidado de sua integridade e


pensar que era um assassino. Laramie a olhou sem terminar de acreditá-la. ―
Soube no dia em que compreendi que Matherson era um ser atormentado e
queria vingar-se de ti. Utilizou-me e o lamento, não sabe quanto…
― ... Voltemos para casa ― disse com voz cansada. Ainda existiam muitas
coisas que esclarecer entre eles e esse navio não era o melhor lugar para fazê-
lo.

Assentiu afligida, ao menos, havia dito «casa». Abrigou a esperança de que


algum dia a perdoasse, esperava que assim fosse pelo bem de seu filho.
Laramie se virou para a porta e o seguiu com um enorme peso no coração.
Amava a esse homem, amava-o com desespero, sua vida jamais seria completa
sem ele e a ideia de perdê-lo afundava-a na angústia. Além disso, embora
chegasse a perdoá-la, o resto do mundo o trataria como um mimado e a ela
como a uma adúltera. Não pôde conter as lágrimas. Ao sair do camarote,
Laramie a sujeitou pelo braço para que não tropeçasse. Elena, então, elevou
seu rosto choroso até seu marido.

― Ele disse que te mataria e depois a ele ― confessou, e tocou o ventre.

Laramie deveria ter matado Matherson com suas próprias mãos ao


escutar essas ameaças. Sabia os comentários que enfrentariam depois, mas
nesse instante, nesse momento em que viu os olhos verdes de sua esposa
repletos de lágrimas, seu coração claudicou. Depois, não importava o que
acontecesse, amava-a e cada fibra de seu ser reclamava consolá-la. Abraçou-a
com ternura. Ela se desfez em soluços que ele acalmou com carícias.

Charles saiu do quarto de Elena depois de atendê-la.

Devereux impaciente o esperava na biblioteca.

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― Está bem? ― perguntou preocupado o conde, que passava as mãos pelo
cabelo em um gesto que mostrava uma inquietação mais que evidente por sua
esposa. Charles assentiu ― E o bebê?

― Não se preocupe, os dois estão bem. Com um pouco de descanso e sono


se recuperará muito em breve. ― Charles viu seu amigo lançar um suspiro de
alívio.

― Segundo Virginia, Matherson é incapaz de gerar filhos

― disse com precaução o médico. Sentou-se em uma das poltronas e


aceitou a taça de brandy que o conde lhe oferecia.

― Isso não importa, ninguém acreditará jamais nessa história. ―


Submeter-se-ia a partir de agora a todas as calúnias que recebesse sem poder
defender-se. Preocupava-lhe mais Elena. Já tinha sofrido o rechaço da
sociedade por suas queimaduras e a partir de agora, além disso, a
considerariam uma prostituta.

O conde bebeu de um sorvo sua taça e se serviu outra. Chapdelaine


nunca o tinha visto tão derrotado, segurou o cabelo sem dar-se conta de que o
fazia preocupado por como se desenvolveriam os acontecimentos. Charles
queria ajudar Elena, ela se tinha sacrificado para conseguir que tivesse Anna e
não saber como defendê-la atormentava-o. A porta da biblioteca se abriu e sua
esposa apareceu por ela com as bochechas arrebatadas. A beleza da Anna
sempre o excitava e reprimiu seu desejo repassando as piores enfermidades
que conhecia.

― Tenho a solução!

Os dois amigos se olharam sem compreender a que se referia. A jovem


fechou a porta e andou pela biblioteca com passos rápidas e nervosos.

― Anna... ― pediu seu marido com a paciência à flor da pele.

― Sei como sossegar as dúvidas do filho que espera Elena. ― Anna olhou
seu irmão e ver a dor em seus olhos lhe entristeceu.

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― Carinho, não há forma de remediar que as pessoas falem ― sugeriu
Charles com ternura; causava pena desalentar dessa forma a sua esposa.

― Equivoca-te ― Anna negou com a cabeça e um sorriso triunfante se


desenhou em seu rosto.

Laramie olhava com ansiedade a sua irmã, torturou-se procurando a


maneira de exonerar Elena desse peso. Se Anna tinha dado com uma solução o
agradeceria eternamente.

― Deixa-a falar ― insistiu com a voz pastosa pelo álcool.

Sua irmã se deteve em metade da sala com as mãos na

cintura frente a seu marido, necessitava de sua ajuda para que o plano
funcionasse.

― Deve pedir a Sir Lohan que exponha o corpo de Roger

Matherson como amostra de um estudo sobre a castração. ―

A palavra ruborizou a jovem, embora a ideia estivesse ganhando força na


mente do médico.

― É maravilhosa! ― exclamou Charles, e rodeou a cintura de sua esposa e


a fez girar como uma menina entre seus braços. Anna ria de prazer, mas deu
uns golpes no ombro de seu marido para que se detivesse. O rosto de seu
irmão expressava que não terminava de compreender o que ela tinha exposto.
Charles ao entender o que ocorria a deixou no chão.

― Asseguro-te amigo que ― disse, e descansou as palmas das mãos na


mesa onde o conde tinha deixado a garrafa de brandy ― logo todo mundo
saberá que Roger Matherson é um farsante. Correrá como a pólvora que o
comerciante de ópio é um castrado e, portanto, que o filho de Elena não é dele,
mas sim de seu marido.

― O presidente da faculdade de medicina concordará? ― perguntou ainda


sem acreditar que o plano seria capaz de lhes liberar desse grande peso.

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― O fará, quando lhe explicar os motivos ― assegurou

Charles.

Anna se aproximou de seu marido e o beijou no rosto, enquanto lhe


passava o braço pela cintura e a atraía para ele em um gesto possessivo. Vê-los
assim provocou em Laramie um sentimento de inveja, precisava estar ao lado
da Elena. Precisava sentir sua pele, seu aroma, necessitava essa mulher como
necessitava do ar que respirava. Sem dizer uma palavra saiu da sala ante o
assombro de seu cunhado e sua irmã.

Laramie se deteve ante a porta do quarto de sua esposa, entrar ali


supunha a rendição, o reconhecimento de seus sentimentos. Tinha lutado
durante muito tempo contra seu coração e tinha chegado o momento de ser
valente, de encarar seus temores. Abriu a porta e durante um instante a visão
da Elena o deteve.

Ela olhava pela janela, vestida com uma delicada camisola branca, sua
mulher parecia muito mais feminina e delicada. Suas curvas eram uma
tentação tão impossível de resistir que apertou os punhos para controlar a
excitação que, depois de tanto tempo, acabaria convertendo-se na erupção de
um vulcão. Não era um moço, mas essa mulher lhe avivava o sangue sem nem
sequer propor-lhe. Sua juba dourada lançava brilhos e quis afundar as mãos
nessas mechas etéreas. Ela se voltou para notar sua presença. Ver-lhe ali lhe
rompia a alma.

Queria lhe compensar pelo dano que lhe tinha causado. Ele tinha querido
uma perfeita rosa inglesa para restaurar seu sobrenome; em troca, tinha
conseguido enlamear seu nome, sua família e sua dignidade. Compreenderia se
não a perdoasse e a repudiasse para sempre. Laramie a olhava com aqueles
olhos negros que a abrasavam e fez com que suas bochechas se ruborizassem.
Aproximou-se e elevou o rosto para receber suas palavras, preparou-se para
tudo, menos para o que escutou.

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― Amo-te. ― Laramie apoiou a fronte sobre a de sua esposa, suas mãos
caíam aos flancos, lânguidas, sem força e aspirou. Confessar-lhe algo assim
tinha sido liberador. Aspirou o aroma de cítricos que seu cabelo desprendia.

A jovem estava tão confusa e tão agradecida que começou a chorar de


felicidade. Laramie a agarrou pelos ombros e a afastou um pouco, sua esposa
sorria e chorava de uma vez.

― Está seguro de querer uma imperfeita rosa? ― perguntou soluçando.

― Estava cego ― respondeu, e acariciou as queimaduras de seu queixo


com a gema dos dedos enquanto lhe sussurrava ― Prefiro um anjo queimado.

Laramie a envolveu com seus fortes braços e começou a beijá-la com


ternura. Primeiro na fronte, depois desceu em delicados beijos até sua boca, ali
suas línguas se buscaram desesperadas. Laramie tinha sabor de brandy e
tabaco e com ânsia se entrelaçaram até que o fogo da paixão os envolveu.
Elena precisava lhe demonstrar que o amava e que nada nos rumores era
certo. Já haveria tempo para as palavras, agora eram seus corpos os que
exigiam explicações. Rodeou seu pescoço com os braços e esfregou seus peitos
contra o corpo de seu marido. O fino tecido da camisola mostrava a excitação
da jovem e Laramie lhe demonstrou a sua estreitando-a em um abraço de aço.
As mãos de seu marido se tornaram exigentes e ansiosas, iguais às suas. Não
tinham tempo para despir-se.

Elevou-lhe a camisola e ela com mãos trementes lhe desabotoou as calças.


Laramie a elevou em seus braços e escarranchado entrou nela. Elena o recebeu
com um prazer inimaginável. Não havia tempo para carícias, para que
deleitassem com suavidade um no outro. Só lhes embargava uma necessidade
primitiva, uma força selvagem com a que cada um devia marcar seu território,
quase como um animal. Cada investida a enchia de prazer, orgulho e
feminilidade, enquanto que para o conde era a maneira de recuperar sua
dignidade maltratada. Quando ambos alcançaram o clímax, Elena gritou presa
em um prazer inimaginável.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


O conde a levou para a cama e tirou sua camisola. Durante um instante,
contemplou o belo corpo nu de sua esposa. Por puro deleite lambeu os
mamilos eretos, saboreou cada um deles com lentidão e dedicação. Os gemidos
de prazer da Elena aumentavam sua excitação. Logo, vê-los-ia amamentando a
seu filho e isso lhe causou orgulho.

― Nunca me tocou ― assegurou temerosa de que não acreditasse. Se essa


dúvida não se limpava em seu matrimônio jamais o superariam, depois de lhe
confessar que a amava.

― Sei ― confirmou Laramie. Sua mão desceu até uma das coxas de sua
mulher. Elena contraiu o corpo de gozo ao notar como seu marido acariciava
com fruição sua intimidade fazendo que se enchesse de novo de
voluptuosidade. Seus olhos brilhavam invadidos pela luxúria.

― Acredita em mim? ― perguntou sem deixar de lhe olhar nos olhos, e


percorrendo com as pontas dos dedos seu peito. Cada carícia marcava com
fogo a pele de Laramie, mas quando sua pequena mão se entreteve no pelo
encaracolado de seu ventre, o conde soube que viajaria à lua se ela o pedisse.

― Nem sempre foi assim ― se justificou Laramie, e se retirou dela por um


instante. Para Elena era um tortura a espera, seu marido se mantinha nas
portas do paraíso sem as cruzar.

― O que mudou? ― Elena ignorava que Matherson era um eunuco, sua


pergunta provocou em Laramie um sorriso. Sua esposa moveu os quadris de
forma indecorosa tentando apanhar seu membro erguido. Ele fugiu como uma
presa ante um caçador. O rosto da jovem mostrou a desilusão por seu
comportamento.

― Matherson é um castrado ― Elena emitiu um pequeno grito quando se


introduziu em seu interior de forma inesperada, sem avisar e com toda sua
bravura até o centro de seu ser. Olhou os olhos de seu marido e compreendeu
por que o tinha feito ao mesmo tempo em que dizia essas palavras. Então,
acariciou seu rosto com ternura. Seu comportamento tinha sido infantil e
possessivo, uma mescla necessária para reafirmar sua estima.

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― Ninguém acreditará ― sussurrou, enquanto o corpo de

Laramie se balançava em seu interior com lentidão.

― Carinho, eles vão, juro-te que o farão. ― Elena cravou as unhas nas
costas de seu marido e se abandonou à lascívia até encolher os dedos dos pés.

― Laramie... deixa de falar e me dê prazer ou te juro que manhã o café da


manhã da senhora Williams será o menor de seus problemas.

Devereux sorriu ao ver que sua esposa tinha recuperado o costume de ser
desbocada na cama.

― Seus desejos são ordens, condessa ― respondeu, e

Elena foi incapaz de pronunciar algo coerente durante um bom momento.

No dia em que Londres dissiparia as dúvidas a respeito da paternidade de


seu marido, Elena tremia como um pudim mal cozido. Retorcia as mãos
enquanto a senhora Williams lhe ajustava o chapéu.

― Tudo irá bem ― assegurou Marta.

A jovem forçou um sorriso como resposta. Seu rosto se assemelhava mais


a uma condenada à fogueira que a uma pessoa que logo seria exonerada de
culpa.

― Está preparada? ― Laramie entrou no aposento e beijou sua esposa


com ternura nos lábios. A senhora Williams se retirou com discrição,
entristecida pela desgraça que caiu naquela casa.

― E se não funcionar? ― os olhos preocupados de sua esposa lhe


atormentaram.

― Não me importará, nada neste mundo vale a pena se você não estiver ao
meu lado ― disse em um alarde de amor que envergonhou inclusive ao conde.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena lhe sorriu. Conhecia a crueldade do mundo, a animosidade para
gente como ela, e as dúvidas aninharam em seu coração ao pensar que não
suportaria a pressão das críticas, as zombarias e os comentários. E, quando
seu filho tivesse idade suficiente para compreender, tentariam danificá-lo
utilizando-a para isso e esse fato o destroçaria. Ela não ia permitir. Se o plano
de Anna não saísse bem, deixaria seu filho com seu pai e desapareceria. As
lágrimas brotaram sem querer e escondeu o rosto entre as mãos. Laramie
mataria esse homem cem vezes pelo que estava fazendo sofrer a sua esposa.
Confiava em Charles, no que tinha preparado e nas línguas viperinas da
sociedade londrina.

Duas horas mais tarde Elena se sentou em um dos bancos de madeira da


faculdade de medicina em companhia de seu marido. Laramie lhe estreitava as
mãos para lhe infundir valor, embora em realidade quisesse escapar dali, sair
correndo dos olhares zombeteiros, críticos e idiotas dos colegas do Charles.
Médicos de reconhecido prestígio cujas algemas se encarregariam, conforme
assegurou Anna, de promulgar aos quatro ventos a inocência de Elena. Via os
olhos desses honoráveis membros da sociedade cravados nela como adagas
afiadas, fazendo-a se sentir como o ser mais desprezível da Terra. Charles fez
sua entrada e os murmúrios emudeceram.

― Senhores, condessa ― disse, e olhou Elena, a única a que tinham


permitido assistir como parte do plano. O jovem médico vestia uma imaculada
bata branca, em cima de um impecável traje escuro.
― Elena reconheceu que em seu papel de médico estava impressionante ―
foram convocados com a intenção de estudar um caso muito especial.

Laramie aplaudiu em seu interior o engenho e a capacidade de oratória de


seu cunhado. Charles tinha discutido essa manhã com Anna. Os gritos tinham
transpassado as paredes, não lhe invejava estar casado com alguém com o
caráter Devereux. Sua irmã lhe exigia assistir à exposição, mas não se permitia
a entrada de mulheres. Anna sentia-se magoada já que tinha sido a artífice do
plano, assim conhecendo sua irmã, durante as seguintes semanas Charles
dormiria no quarto do final do corredor. Nesse instante, alegrou-se de que

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Anna tivesse tido coragem para enfrentar sua estúpida decisão, quando um
homem como Charles era o melhor marido que poderia desejar para ela. Seu
amigo continuou com o discurso.

― Um caso que suporá um marco na medicina. Por favor, tragam o


paciente ― pediu com um gesto quase teatral.

Dois enfermeiros entraram arrastando uma maca. Roger Matherson vinha


nela e estava imobilizado com correias nos pés e nas mãos. Uma mordaça
impedia que falasse. O homem se agitava com desespero. Cada vez que se
movia as correias se prendiam mais a seus tornozelos e pulsos. A mordaça que
lhe impedia de falar estava molhada com vinagre e sentia que se afogava em
seu próprio vômito. Matherson olhou para Charles com a esperança de que o
moço tivesse compaixão. O médico o ignorou e olhou com atenção aos
assistentes, que começavam a murmurar a que se devia tudo aquilo.

― O caso que nos traz aqui é estranho ― continuou Charles ― já que se


assegura que a condessa Devereux ― disse, e assinalou a Elena, que gostaria
de ter cavado um buraco no chão e metido a cabeça dentro ― espera um filho
deste homem.

Charles retirou o lençol e deixou a descoberto o corpo nu de Matherson.


Os murmúrios deram passo aos comentários. Mas Charles não tinha
terminado.

― Senhores, por favor, um pouco de silêncio ― pediu a gritos, e os


assistentes pouco a pouco sossegaram seus murmúrios. ― Sir Lohan ― pediu ―
teria a gentileza de confirmar quando se produziu a castração do senhor
Matherson? O renomado médico pessoal da rainha Vitória ajustou suas lentes
sobre o nariz aquilino. Com um gesto cúmplice com Charles, um de seus
melhores alunos, desceu do soalho e se dirigiu a examinar ao paciente.
Pigarreou duas vezes para intensificar o momento dramático antes de falar.

― Calculo que ao redor de uns dez anos. A cicatrização é antiga

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― Obrigado, sir Lohan ― continuou Charles. ― Então, dada sua
reconhecida experiência, pode assegurar que este homem é incapaz de gerar
filhos?

― Assim é.

O médico retornou ao assento acompanhado pelos murmúrios e cochichos


que alimentariam o mórbido em mais de uma festa. O presidente, toda uma
eminência médica, tinha deixado claro que Matherson não podia ser pai. De
todos os modos, um dos presentes, um prestigioso médico, mas com uma
reconhecida inveja para o professor Lohan ficou em pé.

― Senhores ― pediu, e elevou as mãos em um gesto de silêncio ― apesar


da evidência não seria o primeiro caso no que um castrado gere filhos.

Um murmúrio e várias risadas se estenderam pela sala. Devereux olhou


ao médico com vontade de assassiná-lo e Elena apertou seu antebraço para
que se acalmasse.

― Diga um caso, só um que demonstre sua teoria ― desafiou Charles.

Laramie esboçou um sorriso de triunfo, embora Clarens, assim que se


chamava o médico, não se intimidou.

― O castrado Joseph Allard, do condado de Sussex, filho de um moleiro e


uma cozinheira. É mais que demonstrado que foi capaz de ter filhos, todos e
cada um deles nasceram com uma marca nas costas que seu pai também
tinha.

Charles tinha previsto todas as opções e desta vez se dispôs a dar sua
tacada final.

― Tem razão ― disse, e Laramie quase fica de pé se sua esposa não lhe
tivesse retido com o tremor que embargava seu corpo, ― mas tenho que
esclarecer dois pontos. ― Charles se dirigiu ao resto de médicos ― Nosso
companheiro, o doutor Clarens, está certo, o senhor Joseph Allard gerou três

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filhos e todos eles com uma clara evidência de que eram dele. Entretanto,
nosso distinto colega omitiu um dado importante.

Nesse ponto todos olhavam o médico e este elevou uma sobrancelha em


sinal de desconfiança.

― O senhor Joseph Allard dispunha de um testículo ― prosseguiu. Olhou


a Elena e acrescentou ― Desculpe a linguagem inapropriada para uma dama,
mas é necessário se queremos esclarecer certo ponto. ― Elena assentiu
ruborizada e baixou o queixo até roçar o peito. ― Como pensava, o senhor
Joseph Allard dispunha de um testículo ― repetiu ― em contrapartida, o
senhor Matherson carece dos dois. É totalmente impossível que este homem
seja fértil. De fato não existe nenhum manual, caso ou prova que o demonstre.
Recomendo-lhe que leia o ensaio apresentado pelo doutor Brown sobre as
segregações dessa parte da anatomia do senhor Matherson. Acredito que
chegará à mesma conclusão que o resto de seus colegas médicos. Como se
atreve! ― exclamou indignado ― Tudo por uma… ― desta vez Laramie ficou de
pé disposto a brigar com cada um desses homens se se atrevessem a insultar
Elena.

― Clarens! ― interveio sir Lohan ― fecha de uma vez a boca! Se não for
capaz de apresentar uma prova contra o que nosso colega Chapdelaine e eu
mesmo apresentamos será melhor que deixe a sala. ― O aludido fincou seu
chapéu, agarrou suas luvas e antes de partir dirigiu um olhar de desprezo aos
condes Devereux. ― Asseguro que é certo tudo o que o doutor Chapdelaine
disse, Roger Matherson não pode nem poderá jamais engendrar filhos.

Depois, os assistentes iguais a um enxame obedecendo a sua rainha


assentiram e aplaudiram a intervenção de sir Lohan. Charles olhou para
Laramie e sorriu.

― Como entenderão, se a condessa Devereux esperar um filho deste


homem, quase poderia considerá-lo um milagre e vocês, nós sabemos que na
medicina não existe tal coisa ― acrescentou Charles. Logo, aproximou-se do
paciente e lhe sussurrou ― Matou meu irmão ― quase cuspiu essas palavras ―

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Farei tudo o que esteja em minhas mãos para que a partir de agora sua vida
seja um inferno.

Matherson corou de raiva ao ouvir as palavras do médico. Os portadores


da maca o levaram enquanto apontaram a parte de sua anatomia da que todo
mundo falaria a partir de agora.

Laramie agarrou Elena pelo cotovelo e a tirou dali perante os olhares


envergonhados dos assistentes. Esperava que tudo pelo que tinha passado sua
mulher servisse de algo.

― Matherson não merecia isto ― disse tristemente quando ninguém podia


escutá-los.

― Possivelmente não e o lamento. Era a única maneira de limpar sua


reputação e de conseguir que nosso filho não sofra por isso. Além disso, jamais
esquecerei o que te fez padecer, nem as dúvidas que semeou entre nós. Que me
acusasse da morte de sua família o entendo, mas tentar apoderar-se da minha
é algo que não lhe perdoarei nunca.

Elena assentiu satisfeita por suas palavras. Ao final, tinha conseguido o


que sempre tinha desejado, uma família. De todos os modos, no fundo se
sentia culpada por ter humilhado alguém dessa forma.

― O que será dele? ― perguntou Elena.

― As autoridades chinesas pediram sua extradição. Querem que cumpra a


sentença em seu país por tráfico de ópio e o primeiro-ministro concordou.

― Tinha perdido sua família. ― Sentou-se na carruagem que a esperava às


portas do consultório médico.

Laramie estreitou suas mãos com um amor infinito antes de responder.

― Quero que entenda que faria qualquer coisa para não perder a minha.

Golpeou o teto da carruagem para que os levasse para casa. Agora, deviam
aguardar a que o animal selvagem que era a sociedade londrina aceitasse as
novas notícias.

Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez


Elena subiu para seu quarto um pouco abatida, Laramie a seguiu. Pegou-
a em seus braços e entrou com ela no dormitório.

― O que faz? ― perguntou com rosto excitado.

― Ter uma noite de bodas em condições ― ela sorriu e inclinou os olhos


com malícia quando a deixou no chão.

― Ainda me lembro da última.

― Morro de vontades de tê-la novamente a minha mercê desse modo ―


sugeriu sedutor. ― Estava maravilhosa e te juro que necessitei de toda minha
vontade para te deixar dessa maneira sem provar a fruta que me oferecia.

Elena agarrou um dos livros da mesinha de noite e esteve a ponto de


lançar em sua cabeça. Laramie a interceptou e sujeitou seus pulsos. Estreitou-
a entre seus braços e beijou suas queimaduras. Elena o amava por isso, por
lhe demonstrar que não lhe importava essa parte de seu corpo e de si mesmo
que tanto lhe tinha feito sofrer.

― Maldito seja! Acredita que pode me fazer ficar esperando todo o dia?

― Algum dia teremos que corrigir essa linguagem, condessa ― a ameaçou


com um brilho tão lascivo no olhar que Elena se ruborizou.

― Esse dia ainda não chegou ― respondeu ela com voz melosa.

Laramie a tombou na cama e Elena se sentiu, por fim, tão formosa como
uma perfeita rosa inglesa.

Fim

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