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O conceito de moral natural no Crepúsculo dos Ídolos, de Friedrich

Nietzsche

Iniciemos nosso texto com uma advertência do próprio Nietzsche: “Conhece-se


minha exigência ao filósofo, de colocar-se além do bem e do mal – de ter a ilusão do
julgamento moral abaixo de si. Tal exigência resulta de uma percepção que fui o primeiro
a formular: de que não existem absolutamente fatos morais.”.1 A reflexão sobre a moral
sempre esteve na ordem do dia em Nietzsche. Porém, é a partir dos seus escritos da
maturidade que observamos o aprofundamento de alguns temas dentro da pesquisa moral.
Dentre eles, o da tipificação moral; a noção de genealogia; a crítica à
fundamentação moral; a noção de valores como sintomas; a vida como criadora de
valores. Nesta derradeira fase de produção intelectual, Nietzsche mais uma vez visa
combater inimigos já desde muito tempo seus conhecidos: o platonismo e seu direto
descendente – o cristianismo. As armas utilizadas desta vez são a psicologia, a fisiologia,
a história, a semiologia: arsenal que retira de sua genealogia.
Inimigo declarado e armas escolhidas, o filósofo parte para o front com a intenção
de atacar o coração do rival, o qual residiria na moral. E por que a moral? Pelo fato de
que é ela a instância formadora de valores, e é através desses valores que os outros campos
da civilização serão erguidos e fundamentados. E se nada deve ser levado mais a sério do
que a moral, é porque até então ela nunca foi compreendida pelos filósofos como deveria.
Foi tomada de modo muito simplista, preconceituoso e sequer foi considerada um
problema.
Retomemos agora a afirmação nietzschiana de que não existem fatos morais. Uma
explicação sobre esta frase é aqui necessária: ao opor à existência de fatos dentro da
moral, Nietzsche está problematizando um comportamento que ele crê existir desde a
antiguidade nos moralistas, que é a fundamentação da moral. “Tão logo se ocuparam da
moral como ciência, os filósofos todos exigiram de si, com uma seriedade tesa, de fazer
rir, algo muito mais elevado, mais pretensioso, mais solene: eles desejaram a
fundamentação da moral – e cada filósofo acreditou até agora ter fundamentado a moral;
a moral mesma, porém, era tida como ‘dada’”2
Para Nietzsche, este é um típico pensamento da metafísica. Segundo o filósofo,
este tipo de pensar tem origem com Sócrates e Platão. Configura-se na visão de que para

1
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p.40.
2
Nietzsche. Além do bem e do mal, p. 74.
além da realidade em que vivemos (aparente, irregular, imperfeita) há uma outra onde
encontra-se a verdade (aquela instância universal, absoluta e imutável). Já dizia Platão
acerca disso, pela boca de Sócrates: “aquele que servir do pensamento sem nenhuma
mistura procurará encontrar a essência pura e verdadeira sem o auxílio dos olhos ou dos
ouvidos e, por assim dizê-lo, completamente isolado do corpo, que apenas transtorna a
alma e impede que encontre a verdade”3.
Por muito tempo a filosofia carregou o estandarte da verdade consigo. E na
maioria das vezes em que isso aconteceu, os sentidos foram deixados de lado. Seja na
filosofia platônica, seja no cogito moderno de Descartes, o objetivo sempre foi o mesmo:
extirpar qualquer participação da experiência na busca pela verdade. É a alma, a razão, o
intelecto, ou o que quer que seja essa parte do homem que não é material, a responsável
pela aquisição da verdade, impossível de corrupção pelo tempo, absoluta como valor e
eterna. Dessa concepção, surge a crença na oposição de valores. Para a metafísica,
portanto, a verdade não pode surgir de um mundo tão caótico quanto ao mundo dos
sentidos. Deve ter uma origem diferente, própria. Surge dessa crença a polarização entre
dois mundos: de um lado, o mundo ilusório e aparente da experiência, de outro, o mundo
verdadeiro, dos conceitos eternos e imutáveis.
No Crepúsculo dos Ídolos4 a crítica a essa forma de pensamento é tão contundente
quanto em prévias reflexões de seus outros livros. No capítulo 3 intitulado A “Razão” na
Filosofia, Nietzsche evidencia dois procedimentos por ele repreensíveis do pensamento
metafísico. Em primeiro lugar, o desprezo pelos sentidos. Para o filósofo da genealogia,
este desprezo seria uma espécie de ódio à noção de devir, uma falta de sentido histórico.
E para onde iria o esforço dos moralistas neste sentido? Em lugar algum senão na
propaganda desse ódio aquilo que eles creem estar por trás do erro e do engano, ou seja
daquilo que impede o homem de ascender à Verdade. “Deve haver uma aparência, um
engano, que nos impede de perceber o ser (...) ‘Já o temos’, gritam felizes, ‘É a
sensualidade! Esses sentidos (...) enganam-nos acerca do verdadeiro mundo. Moral:
desembaraçar-se do engano dos sentidos, do vir-a-ser, da história, da mentira (...) Moral:
dizer não a tudo o que crê nos sentidos”5
O outro procedimento metafísico repreendido por Nietzsche é a crença na
oposição dos valores. A ideia de que existem valores absolutamente opostos reside na

3
Platão. Fédon, p. 127.
4
Doravante CI.
5
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 20.
ideia de que a Verdade não pode ser derivada de nada que não seja dela mesma: é causa
sui. Como dar crédito a um valor originado na confusão que é o mundo da aparência? O
devir só pode ter valor enquanto erro ou engano e dele nada pode se originar que seja
aparentado com a Verdade metafísica. Portanto, afastar-se do mundo da experiência é o
primeiro passa para a humanidade atingir o mundo verdadeiro. “Moral: tudo o que é de
primeira ordem tem de ser causa sui. A procedência de algo mais é tida como objeção,
como questionamento do valor. Todos os valores mais altos são de primeira ordem, todos
os conceitos mais elevados, o ser, o incondicionado, o bem, o verdadeiro, o perfeito –
nenhum deles pode ter se tornado, tem de ser causa sui”6.
Crença num mundo supraterreno; crença no ser, na Verdade; ódio ao mundo
“aparente” dos sentidos, ao vir-a-ser. Estes são os preconceitos e as idiossincrasias dos
filósofos. Contra eles, Nietzsche elabora no fim do referido capítulo de CI quatro teses,
com o intuito de oferecer uma nova visão. Resumindo, são elas: 1) há apenas essa
realidade aparente, uma outra realidade é indemonstrável; 2) o mundo da Verdade é o
mundo do não-ser, na medida em que é uma ilusão ótico-moral; 3) não há sentido em
fabular um mundo fora deste, a não ser que nesta fabulação haja um instinto de calúnia e
apequenamento da vida, um tipo de vingança a esta vida com a criação de outra; 4) a
separação da realidade em duas é um sintoma de um tipo de vida que declina.
Ao considerarmos a moral como um fato estamos, portanto, na visão nietzschiana,
assumindo uma perspectiva metafísica, onde os valores superiores da humanidade não
podem ser encontrados no vir-a-ser, mas apenas no mundo supraterreno das verdades
absolutas. Quando os filósofos tomam para si a tarefa de refletir sobre os valores morais,
eles assim fazem com a premissa de que existem valores verdadeiros, em oposição a
valores aparentes, enganosos. A partir desse pensamento, eles concluem que há valores
morais verdadeiros, e estes só podem ser verdadeiros na medida que não compartilham
com as mudanças do devir, e que se originam de um plano diametralmente diverso deste:
o mundo do Ser. A moral, dessa forma, está dada e tudo o que necessitamos é descobri-
la ou, como quer Nietzsche, fundamentá-la. A moral, contudo, foge a uma
problematização, o que o filósofo deseja realizar.
Colocaremos aqui os pontos problematizados por Nietzsche e que acreditamos
abrir o caminho para a compreensão de sua exigência da naturalização da moral,

6
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 22.
exigência esta feita como uma tentativa de uma revalorização do corpo e do mundo do
vir-a-ser, que é a proposta desse texto.
O primeiro ponto a se colocar é o fato de que para Nietzsche não há uma moral
em si. Como bem colocou Foucault, a origem dos valores para o filósofo de CI não é a
mesma dos metafísicos. Sua crítica ao platonismo e a toda a história da filosofia que
seguiu seus passos reside na concepção de que os valores não têm uma origem no além,
no mundo do ser, nem que eles sejam causa de si mesmos. Pelo contrário, a origem dos
valores deve ser buscada na história. Isto significa que para Nietzsche, os valores possuem
sua origem no próprio processo do devir: eles nascem, crescem, se desenvolvem e
perecem. São muitas vezes colocados diante de valores diferentes e por vezes eles se
enfrentam ou se misturam, originando outros valores. Não há uma origem única, mas sim
uma pluralidade de origens. O plano moral é, desse modo, dinâmico, e uma moral que se
diga única nessa profusão de valores tão diversos não pode ser levada a sério, o que,
paradoxalmente, é o que se tem visto deste os tempos antigos.
A moral como causa sui levanta a suspeita de sua procedência e prevalência como
instância fundadora de valores. Não tendo origem metafísica, a moral é apenas criação
humana e se insere na própria história dele. Não possui um valor em si, mas referencial.
E para Nietzsche a referência dos valores é a vida. Não há, para além dela, qualquer valor
que fundamente a existência humana na terra, ou que a dirija para um mundo perfeito.
Desde a Genealogia da Moral Nietzsche instaura a pergunta que deve fazer o filósofo
genealogista sobre a questão dos valores: “Obstruíram ou promoveram até agora o
crescimento do homem? São indício de miséria, empobrecimento, degeneração da vida?
Ou, ao contrário, revela-se neles a plenitude, a força, a vontade da vida, sua coragem, sua
certeza, seu futuro?”7. Não é a “verdade” (agora entre aspas, demonstrando sua origem
dubitável como valor metafísico) que fundamenta a moral e seus valores. É a vida mesma.
Aliás, a verdade neste contexto é apenas mais um valor entre tantos outros. “Ao falar de
valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos força a
estabelecer valores, ela mesma valora através de nós, ao estabelecermos valores”8.
Sob a ótica da vida como criadora de valores, a moral se torna uma espécie de
intérprete desses valores. “Moral é apenas linguagem de signos, sintomatologia”9, dirá
Nietzsche. Os ideais metafísicos finalmente foram vistos sem suas máscaras habituais, e

7
Nietzsche. Genealogia da Moral, p. 9.
8
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 30.
9
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 40.
considerados como aquilo que são: signos, sintomas. Mas se isto são, referem-se a quê,
precisamente? Ora, à própria vida, como já afirmamos. Ou melhor: a um determinado
tipo de vida.
Necessitamos compreender agora o que é a vida para Nietzsche, e esta tarefa só
será realizada de forma satisfatória ao alijar tal conceito com o de vontade de poder. É
Zaratustra que enigmaticamente coloca a questão da vida: “E este segredo a vida me
contou. ‘Vê’, disse, ‘eu sou aquilo que tem de superar a si mesmo’”10 A vida, nesta
perspectiva é, portanto, um constante superar a si. Não é algo perene, estático. É o próprio
devir com suas transformações e revoluções. Esta concepção vem de outra: “Apenas onde
há vida há também vontade: mas não vontade de vida, e sim – eis o que te ensino – vontade
de poder!”11. Uma vontade de vida, vinda de um vivente é um tipo de contrassenso, já
que um vivente já vive. Ora, como desejar algo que já existe e que já se possui? Se o
homem não almeja a vida, é porque há uma vontade mais intrínseca nele e é por esta
vontade (a vontade de poder) que compreenderemos a afirmação de que a vida é um
superar a si mesmo.
A vontade de poder pode ser entendida como o combate incessante de forças.
Essas forças lutam sempre por poder, e nesta luta tentam a todo o custo dominar as outras.
O caráter dinâmico da realidade é devido a essas forças plásticas. A vontade de poder se
percebe, assim, no devir que nos cerca. Diferente de Darwin, por exemplo, que via o
princípio da vida na conservação da espécie, Nietzsche verá na vontade de poder, o
princípio estruturador, que vê na dominação e na ampliação desse domínio a qualidade
do mundo e, consequentemente, da própria vida. Não é de se estranhar, portanto, que
Nietzsche fale afirme que o vivente deseja antes de mais nada um plus. A vida é
“essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e mais fraco, opressão,
dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido,
exploração”12.
A vida de que falamos é esta que vivemos no plano do vir-a-ser. Não aquela de
que falam os metafísicos e religiosos: uma além-vida. Nietzsche insiste que o fenômeno
da vida engloba até mesmo aquilo que o platonismo e o cristianismo acreditaram existir
numa outra esfera: o espírito, ou alma. Zaratustra direciona a palavra aos desprezadores
do corpo para alertá-los sobre isso: “corpo sou eu inteiramente, e nada mais; e alma é

10
Nietzsche. Assim Falou Zaratustra, p. 101.
11
Ibid.
12
Nietzsche. Além do Bem e do Mal, p. 154-5.
apenas uma palavra para algo no corpo”13. Vemos já aqui o apelo à reconsideração da
importância do corpo feita pelo profeta. Mais do que isso, verificamos também a
supressão do mundo metafísico pela afirmação de que a alma nada mais é do que uma
parcela do corpo. A razão – ou pequena razão, como quer Nietzsche – faz parte de uma
outra: a grande razão. Não sendo mais a soberana absoluta, a razão seria somente mais
um dos vários impulsos que compõem a estrutura múltipla que é o corpo. Em outras
palavras, o corpo seria um conjunto de vontades de poder, estruturadas de acordo com
uma configuração, onde certas vontades estariam sujeitadas a outras mais fortes. Uma vez
que a luta pela dominação nunca é definitiva, a configuração muda constantemente,
conforme novas vontades dominam e outras são sobrepujadas e dominadas.
Com estas observações em mente, vejamos o que implica, dentro deste contexto,
a noção de naturalismo moral como colocada em CI. Sendo a vida aquilo que atribui valor
às coisas, no pensamento nietzschiano a moral deixa de se referir à racionalidade como
única fonte de fundamentação. Enquanto os moralistas buscavam a justificação de uma
única moral de um ponto de vista racional e, ademais, condenavam os instintos por
acreditarem ser estes antagonistas diretos da razão, Nietzsche enfatiza a necessidade de
doravante considerar o corpo enquanto algo intrínseco no processo de valoração. Segundo
o filósofo, a racionalidade pura é violência contra a vida, uma vez que nega o que é
essencial: o homem como um ser inserido no devir, ou seja, em sua corporeidade. Por
esse motivo é que se afirma que “atacar as paixões pela raiz significa atacar a vida pela
raiz”14. É neste sentido que a moral acaba se tornando um tipo de antinatureza, como
coloca Nietzsche em CI, identificando os imperativos morais com artifícios para a
castração dos instintos vitais. Não basta, para os moralistas, a submissão do corpo à razão.
É preciso que o corpo esteja mortificado, ou seja, que os instintos sejam extirpados. Se
considerarmos que para Nietzsche a vida é o que mais importa no processo de valoração,
estamos diante de uma constatação radical: a moral é um atentado contra a vida e a própria
hipertrofia da razão é uma consequência direta disto. Os pretensos melhoradores da
humanidade são unânimes na premissa de que é necessário o amansamento do homem. E
isto é feito através da domesticação do animal, há que torna-lo dócil, previsível,
implacável contra tentação de ser seduzido novamente pelos sentidos.
Qual o motivo de Nietzsche desejar a naturalização da moral? A resposta pode
estar na relação que o genealogista crê haver com a vida. “Todo naturalismo na moral, ou

13
Nietzsche. Assim Falou Zaratustra, p. 32.
14
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 27.
seja, toda moral sadia, é dominado por um instinto da vida – algum mandamento da vida é
preenchido por determinado cânon de “deves” e “não deves”, algum impedimento e hostilidade
no caminho da vida é assim afastado. A moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje
ensinada, venerada e pregada, volta-se, pelo contrário, justamente contra os instintos da vida – é
uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos”15.
Nietzsche se vale aqui da fisiologia para refletir sobre a questão da vida enquanto criadora
de valores e da moral como valorização ou condenação da vida. Fisiologicamente, uma moral é
sadia na medida que valoriza os impulsos que procuram o contínuo aumento da força vital.
Observemos que a vida é tomada como vontade de potência, ou seja, como algo que está sempre
em busca de superar a si mesmo. “Somos fecundos apenas ao preço de sermos ricos em
antagonismos; permanecemos jovens apenas sob a condição de que a alma não relaxe, não busque
a paz (...) Renunciamos à vida grande, ao renunciar à guerra”16. Por outro lado, a vida declina
quando desejamos a “paz de espírito”, o que, dentro da fisiologia nietzschiana significa
enfraquecimento da força vital, doença. Encontramos nesta senda os desprezadores do corpo para
os quais Zaratustra discursava, o platonismo e seu combate tenaz contra os enganos dos sentidos,
o cristianismo e sua crença na salvação da alma pela mortificação dos instintos, a filosofia
cartesiana, e a hipertrofia da razão. Em todos esses casos, o que Nietzsche verifica é a mesma
tendência: a necessidade de um conhecimento estável, de uma realidade estática e constante que
livre a humanidade do sofrimento causado no mundo dos sentidos, no mundo terreno, no mundo
da res extensa. Fisiologicamente, todos eles são doentes que não sabem que padecem. O
moribundo Sócrates é o maior exemplo disso. Ele soube que sua época declinava, que os instintos
vitais dos gregos já não eram fortes a ponto de desejar a superação. A Grécia de Sócrates
testemunhava a agonia do próprio agon, contido por muito tempo no espírito dos gregos. A
dialética socrática foi o movimento que seduziu os contemporâneos do filósofo ateniense, e sua
busca pela verdade aguçou a razão a tal ponto que esta se tornou tiranicamente a única merecedora
de vencer a batalha entre os tantos instintos.
Por que a metafísica é um sinal de decadence? Pelo fato de que nela, o que se deseja é a
apreensão da Verdade – eterna, imutável e idêntica. O metafisico, no viés nietzschiano, deseja a
cessação de um tipo de sofrimento. “O moralismo dos filósofos gregos a partir de Platão é
determinado patologicamente; assim também a sua estima da dialética. Razão = virtude =
felicidade significa tão só: é preciso imitar Sócrates e instaurar permanentemente, contra os
desejos obscuros, uma luz diurna – a luz diurna da razão”17. Ao afirmar a existência do outro
mundo, tanto a metafísica quanto o cristianismo revelam o enfraquecimento da vontade de
potência e, portanto, da capacidade de autossuperação. O Ser alijado do devir é o sintoma de uma

15
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 29-30.
16
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 29.
17
Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos, p. 18.
moral que degenera, que esgota suas forças e deseja a “paz”, a extinção da guerra e,
consequentemente, da própria vida.
Por que o cristianismo é sinal de decadence? Porque ele erige um reino onde habita a
bem-aventurança, a justiça, a piedade, a paz. Contudo, o reino cristão é malsão, pois mascara na
promessa de uma vida eterna a condenação da própria vida. O reino de Deus é o reino dos fracos,
dos cansados dos sofrimentos do mundo, dos injustiçados, dos oprimidos. Em suma, daqueles
onde a vontade de potência não tem força mais para guerrear e dominar, e também não aguenta
mais a situação de dominado. A moral cristã, dessa forma, cria um mundo mendaz, onde se
imagina que as injustiças serão reparadas, a fraqueza exaltada, e o sofrimento neste mundo será
compensado com a felicidade eterna. Tudo isto não passa de condenação da vida, e assim como
a metafísica, um sintoma de uma vida que declina.
A tirania da razão tem uma outra consequência: a busca pelo homem ideal. Os
moralistas, na sua incansável busca pelos valores em si tentam também a todo o custo
desvendar a natureza humana. Difundida a crença na verdade absoluta, nada mais natural
que se busque um ideal de humanidade. Sendo assim, a moral considerada como estudo
do comportamento humano é aquele instrumento de que serve os filósofos morais para
determinar as principais características comuns a todos os homens. Mais uma vez, é
negada a pluralidade do vir-a-ser e consequentemente a diversidade de tipos humanos.
Mas a moral metafísica e cristã tem seus motivos para se utilizar dessa estratégia. O que
está em jogo é sua sobrevivência enquanto tipo. E enquanto tipo doente, incapaz de
qualquer combate, ele elenca assim os valores que lhes são mais caros, e também mais
úteis para a manutenção de sua vida. Aqui não temos a busca da autosuperação de si, mas
apenas o cuidado de não perecer. Não há nessa estratégia qualquer força de afirmação,
pelo contrário, vemos de novo a condenação da vida. Neste caso, a condenação de tipos
diferentes de vida, mais fortes, desejosos de mais poder, de autosuperação.
Qual a importância da naturalização moral na filosofia nietzschiana? Em termos
gerais, acreditamos que a exigência de uma moral natural para Nietzsche se dá pela
necessidade de restaurar ao corpo a sua proeminência enquanto construtor do próprio
destino do homem. Afirmar a vida em sua complexidade é afirmar o corpo como uma
estrutura que abarca uma multiplicidade de impulsos, sensações e afetos. Além do mais,
uma vida afirmativa deve levar em consideração o fluxo constate do vir-a-ser, bem como
a diversidade de valores que moldam a realidade. Valores estes que tem uma origem bem
humana e histórica.
Sob uma perspectiva fisiológica, a moral natural analisa os valores sob a ótica da
saúde. Valores saudáveis são aqueles que impelem a ampliação da força vital e,
consequentemente, a autossuperação de si. Neste sentido, a fisiologia é fundamental para
determinar quais os valores são saudáveis e quais são decadentes. Aqui voltamos à
questão da moral como sintomatologia, uma vez que não mais é desejável a
fundamentação desta ou daquela moral específica, mas sim referir os valores – enquanto
sintomas – à noção de afirmação ou negação da vida.
O naturalismo nietzschiano não significa uma volta às “origens” humanas, como
se o filósofo fizesse uma apologia do homem em seu “verdadeiro estado de natureza”. A
divisão entre moral natural e moral antinatural se refere à ideia de que a vida que deve ser
levada em consideração é aquela vivida dentro do curso do devir, e não a vida prometida
pelo cristianismo ou a compreendida na teoria platônica do mundo ideal. E se o
fundamental são os instintos vitais, então todo naturalismo na moral parte do argumento
de que recusar estes instintos, negá-los e depreciá-los é não apenas negação do corpo,
como mais fundamental que isso, negação da própria vida. Nietzsche se considera um
imoralista nestes termos: o “imoral” no filósofo é a recusa de preceitos e valores que
condenam os instintos. O filósofo deve ser um afirmador, no sentido de que deve
considerar os valores sob a ótica da vida como estimulante, como crescimento, e não
como condenação. Afirmar significa também compreender que as morais como
determinantes de uma única natureza não passam de erros, idiossincrasias de seres
cansados da vida, que compactuam com um moral doente que nega a pluralidade e a
diversidade de valores, de perspectivas, de interpretações e de tipos humanos.

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