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O URSO

Peça em um ato

Dedicada a N. N. Solovtsovi

PERSONAGENS

Eliena Ivánovna Popova, uma viuvinha com covinhas


nas bochechas, senhora de terras.
Grigóri Stepánovitch Smirnov, senhor de terras, um homem de meia-idade.
Luká, criado de Popova, um velho.
I

Sala de visitas na propriedade de Popova.


Popova (de luto fechado, com os olhos fitos numa
fotografia) e Luká.

LuKA - Assim não dá, minha senhora... Será a sua ruína... A criada e a cozinheira foram catar morangos,
qualquer coisa é motivo de alegria para elas, e até mesmo um gato sabe o que lhe dá prazer,
passeia pelo quintal~ caça passarinhos; mas a senhora... a senhora passa o dia inteiro aqui
sentada, sem nenhuma distração, como se vivesse em um convento. É isso mesmo! Faça as
contas, já faz um ano que a senhora não sai de casa!...

POPOVA - Nunca mais hei de sair... Sair para quê? Minha vida está acabada. Ele foi parar no cemitério, e
eu me enterrei entre quatro paredes... Nós dois morremos.

LuKA - Lá vem de novo a senhora! Eu não quero ouvir mais nada. Foi por vontade de Deus que Nikolai
Mikháilovitch morreu, que repouse lá no céu eternamente... Agora chega de tristeza, é hora de
acabar com isso! Não vá a senhora passar a vida chorando e usando luto. Minha velha também
morreu quando chegou a sua hora... E daí? Fiquei triste, passei um mês inteiro chorando, e
pronto: não ia levar a vida toda me queixando, mesmo porque a velha não merecia. (Suspira.) A
senhora se esqueceu de todos os vizinhos... Não freqüenta e não recebe ninguém. Vai me
desculpar, mas estamos levando uma vida de aranhas - não vemos nem sombra da sociedade. Os
ratos roeram a minha libré. Como se não houvesse gente de bem no nosso distrito, que é tão
cheio de senhores. Em Ryblov, está aquartelado um regimento, e os oficiais, então - cada bom
bocado! - a gente não se cansa de admirá-Ios! Toda sexta-feira eles fazem um baile no arraial e,
veja só, a banda militar toca todos os dias. Por Deus, patroa! A senhora é jovem, bonita, está
vendendo saúde, deve viver a vida a seu bel-prazer... Olhe que a beleza não dura para sempre.
Daqui a uns dez anos, a senhora mesma há de querer pavonear-se para agradar os oficiais mas
então, será tarde demais.

POPOVA (imperiosamente) - Peço-lhe que nunca mais toque nesse assunto. Você sabe, desde que Nikolai
Mikháilovitch morreu, a vida para mim perdeu completamente o sentido. Parece que estou viva,
mas é sóaparência. Jurei não tirar o luto nem freqüentar a sociedade até o dia do meu próprio
enterro... Está ouvindo? É para que o espírito de Nikolai veja como eu o amo. Eu sei, eu sei...
2
isso não era segredo para você, ele era sempre injusto comigo, cruel e... e... até mesmo infiel,
mas eu me manterei fiel até morrer e vou provar a ele como sou capaz de amá-Io. Lá, além do
túmulo, ele me verá exatamente como era antes da sua morte...

LUKA - Em vez de falar assim, seria melhor dar um passeio no jardim, ou então mandar atrelar o T óbi ou
o Velikana e sair para visitar os vizinhos.

POPOVA - Ai! (Chora.)


LUKA - Minha senhora! Patroa! O que está fazendo? Que Deus a ajude!
POPOVA - Ele gostava tanto do Tóbi. Sempre o montava quando ia visitar Kortcháguin e Vlassov. Como
ele montava bem. Havia tanta graça em sua figura quando ele puxava as rédeas com toda a força.
Lembrase? Tóbi! Tóbi! Mande dar uma ração extra de aveia para o Tóbi.
LUKA - Pois não, minha senhora. (Um toque agudo de campainha.)
POPOVA - (estremece) Quem será? Diga que não recebo ninguém.
LUKA - Pois não, minha senhora. (Sai.)

Popova (sozinha).

POPOVA (olhando para a fotografia) - Você vai ver, Nicolas1, como eu sou capaz de amá-lo e perdoá-lo...
Meu amor só vai se acabar quando meu pobre coração parar de bater. (50"i, entre lágrimas.) E
você, não sente vergonha? Sou uma mulher boazinha, esposa fiel, tranquei-me a sete chaves e
serei fiel a vocêaté a morte, mas você... não se envergonha, meu benzinho? Trocou-me por outra,
fez escândalo, deixou-me sozinha semanas inteiras...

Popova e Luká.

LUKA (entra, agitado) - Patroa, está aí uma pessoa. Quer falar com a senhora...
POPOVA - E você não lhe disse que desde a morte de meu marido não recebo mais visitas?
LUKA - Eu disse, mas ele não me deu ouvidos, falou que é um assunto importante. POPOVA - Não re-ce-
bo! LUKA - Foi o que eu disse, mas... o diabo do homem desatou a praguejar, foi entrando...

POPOVA (irritada) - Pois bemt deixe-o entra& Que falta de educação! (Luká sai.)

1
forma francesa do nome Nikolai.
3
POPOVA - Como essas pessoas me aborrecem! O que querem de mim? Por que vêm me tirar do meu sos-
sego? (Suspira.) Não... pelo visto seria melhor ir para um convento... (Põe-se a cismar). Pois é
um convento...

IV

Popova, Luká e Smirnov.

SMlRNOV (entrando, para Luká) - Seu palermat você fala demais... Asno! (Ao ver Popova, com dignida-
de.) Senhorat tenho a honra de me apresentar: Grigóri Stepánovitch Smirnovt tenente reformado
da artilhariat senhor de terras! Sou forçado a incomodá-Ia por causa de um assunto
extremamente importante.
POPOVA (sem estender a mão) - Queira dizer do que se trata.
SMlRNOV - Seu finado espOSOt a quem tive a honra de conhece.; tinha comigo uma dívida de mil e
duzentos rublos em duas letras de câmbio. Uma vez que amanhã tenho de pagar os juros ao
banco agrícolat então pediria à senhora para saldar essa dívida ainda hoje.

POPOVA - Mil e duzentos... E por que meu marido lhe devia essa quantia?

SMlRNOV - Pela aveia que ele comprava de mim. POPOVA (suspirando, para Luká) - Pois veja bem,
Luká, não se esqueça de mandar que dêem ao Tóbi uma ração extra de aveia. (Luká sai, para
Smirnov.) Se Nikolai Mikháilovitch deixou uma dívida com o senhor; é evidente que vou pagá-
Ia. O senhor me desculpe, mas hoje não disponho desse dinheiro em casa. Depois de amanhã
meu administrador voltará da cidade e então mandarei que lhe pague. Mas agora eu não posso
atender ao seu pedido... Além disso, hoje completam-se exatamente sete meses desde a morte de
meu esposo, e meu estado de ânimo é tal que eu realmente não estou disposta a tratar de assuntos
de dinheiro.
SMIRNOV - E meu estado de ânimo agora é tal, que se amanhã eu não pagar os juros, então estarei frito.
Vão hipotecar a minha propriedade!
POPOVA - Depois de amanhã o senhor vai receber o seu dinheiro.
SMIRNOV - Preciso do dinheiro hoje e não depois de amanhã.
POPOVA - O senhor me desculpe, mas hoje eu não tenho condições de pagar;
SMIRNOV - E eu não posso esperar até depois de amanhã.
POPOVA - O que posso fazer, se não tenho o dinheiro agora?
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SMIRNOV - Quer dizer que não pode pagar?
POPOVA - Não posso.
SMIRNOV - Huummm! É essa sua última palavra? POPOVA - É.
SMIRNOV - É a última, mesmo?
POPOVA - Sim, a última.
SMIRNOV - Agradeço-lhe penhoradamente. Vou tomar nota. (Dando de ombros.) E ainda querem que eu
mantenha sangue frio. Acabo de encontrar o cobrador de impostos no caminho e ele me
perguntou: "Por que anda tão irritado, Grigóri Stepánovitch?" Ora essa, mas como não ficar
irritado? Preciso de dinheiro custe o que custar. Saí de casa ontem, ainda de madrugada, visitei
todos os meus devedores, e a senhora acha que algum deles saldou sua dívida? Esfalfei-me como
um cão, dormi só o diabo sabe onde - numa estalagem de judeus, ao lado de um barril de vodca...
Finalmente, chego aqui, a mais de 70 verstas de casa, na esperança de ser pago, e o que recebo é
o seu" estado de espírito" . Como posso não ficar irritado?
POPOVA - Suponhó ter-lhe explicado com toda clareza que o senhor receberá quando o administrador
voltar da cidade.
SMIRNOV - Não vim para falar com seu administradoI; vim falar com a senhora. Para que diabos,
desculpeme a expressão, preciso eu do seu administrador!?
POPOVA - Desculpe-me, prezado senhoI; não estou habituada a essas expressões estranhas e nem a esse
tom. Não quero ouvir mais nada. (Sai rapidamente.)

Smirnov (sozinho).

SMIRNOV - Ora, faça-me o favor! Estado de espírito... Sete meses que o marido morreu! Quanto a mim,
tenho ou não tenho de pagar os juros? Pergunto-lhe: tenho ou não tenho de pagar os juros? Pois
bem, tem seu marido que morreu, depois seu estado de espírito e outras tramóias... seu
administrador que sabe-se lá para onde foi, o diabo que o carregue, mas eu, o que quer a senhora
que eu faça? Que eu suba num balão e voe para longe de meus credores, uma coisa assim? Ou
então, que eu tome impulso e arrebente a cabeça numa parede? Fui à casa de Grúzdev - não
estava; larochévitch escondeu-se; com Kurítsin discuti aos berros e, por pouco, não o joguei pela
janela; Mazútov está sofrendo de cólera e esta aqui do estado de espírito. Nenhum dos canalhas
quer pagar! E isso tudo por quê? Porque tenho mimado demais esta gente, tenho sido um coração
de manteiga, um trapo, um frouxo! Tenho sido muito delicado com todos eles! Mas não perdem
5
por esperar! Vocês verão quem eu sou! Não vou permitir que me façam de bobo, com todos os
diabos! Vou ficar plantado aqui, até que ela me pague. Brrr! Que raiva, como estou furioso hoje!
Chego a tremer de raiva, quase não consigo respirar... Ufa, meu Deus, chego a passar mal!
(Grita.) Criado!

VI

Smirnov e Luká.

LUKA (entrando) - O que o senhor deseja? SMIRNOV - Traga-me kvas2 ou água! (Luká sai.)
SMIRNOV - Não há lógica nenhuma. Tenho de pagar os juros ou me enforcam, e ela não paga porque,
vejam só, não está disposta a tratar de negócios que envolvam dinheiro!... Aí está a verdadeira
lógica de quem usa saias. É por essas e outras que eu nunca gostei de conversar com mulheres.
Prefiro sentar-me num barril de pólvora a tratar com uma mulher. Brr! Fiquei até arrepiado - a tal
ponto essa criatura de saias me deixou fora de mim. É só ver de longe uma dessas criações
poéticas da natureza que já me dá cãibra na barriga da perna de tanta raiva. Que situação, a
minha!
VII

Smirnov e Luká.

LUKA (entra e entrega a água) - A senhora está doente e não recebe ninguém.

2
Refresco típico, elaborado a partir de pão preto fermentado
6
SMIRNOV - Fora daqui!
(Luká sai.)
SMIRNOV - Está doente e não recebe ninguém! Pois sim, não recebe... Eu vou me sentar e ficar aqui até
que me dêem o dinheiro. Pode ficar doente uma semana que eu ficarei uma semana aqui
sentado... Pode ficar doente um ano, que um ano eu fico aqui. A senhora não me escapa, dona!
Seu luto não me comove, nem as covinhas que tem nas bochechas... Conheço muito bem essas
covinhas! (Grita na direção da janela.) Semion, desatrele os cavalos! Não vamos embora tão
cedo! Vou ficar por aqui! Peça aveia para os cavalos na estrebaria. Seu animal, você tornou a
embaraçar as rédeas do cavalo da direita. (Praguejando.) Sem querer:.. Eu já lhe mostro o seu
sem querer! (Afastando-se da janela.) Que horror:.. está um calor insuportável, ninguém paga o
que deve, dormi mal à noite, e agora esta saia de luto com seu estado de espírito... Minha cabeça
está doendo... Preciso tomar uma vodca, ora essa! Com licença, vou beber: (Gritando.) Criado!

LuKÁ (entrando) - O que o senhor deseja? SMIRNOV - Traga-me um cálice de vodca! (Luká sai.)
SMIRNOV - Ufa! (Senta-se e dá uma olhada em si.) Não posso dizer que esteja apresentável! Todo
empoeirado, botas sujas, sem banho, despenteado, palha no colete... Esta senhora, por mais
bondosa que seja, deve ter-me tomado por um bandido. (Boceja.) Não é nada educado entrar na
sala de visitas num estado desses, mas pouco me importa. Não sou visita, sou um credor, e para
credores não há prescrição de trajes.

LUKA (entra e serve a vodca) - Está abusando, senhor!

SMIRNOV (ofendido) - O quê?

LUKA - Eu... eu... não foi nada... eu... quer dizer... SMIRNOV - Com quem você pensa que está falando?
Cale a boca!

LUKA (à parte) - Diacho, só me faltava essa... Chegou em má hora... (Luká sai.)

SMIRNOV - Ai! Que raiva! Estou com tanta raiva... tanta... que poderia reduzir o mundo a pó. Chego a
pas sar mal... (Grita.) Criado!

VIII
Popova e Smirnov
POPOVA (entra, os olhos baixos) - Prezado senhor, na minha solidão há muito tempo me desacostumei da
voz humana e não suporto gritos. Peço-lhe encarecidamente que não perturbe o meu sossego!

SMIRNOV - Pague o que deve e vou-me embora. POPOVA - Eu já lhe expliquei com todas as letras: não
tenho dinheiro disponível neste momento, queira esperar até depois de amanhã.

SMIRNOV - Eu também tenho o direito de dizer-lhe com todas as letras: preciso do dinheiro hoje e não
depois de amanhã. Se a senhora não me pagar hoje, então serei obrigado a me enforcar amanhã.

POPOVA - E o que posso fazer, se não tenho dinheiro? Que coisa!

SMIRNOV - Quer dizer então que a senhora não vai me pagar? Não vai mesmo?

POPOVA - Não posso. SMIRNOV - Neste caso, vou ficar aqui, vou ficar aqui sentado até receber... (Senta-
se.) Vai me pagar depois de amanhã? Ótimo! Fico sentado aqui, do mesmo jeito, até depois de
amanhã. É isso que vou fazer... (Levanta-se de um salto.) A senhora quer me dizer: eu preciso ou
não pagar os juros amanhã?... Ou a senhora pensa que estou brincando?

POPOVA - Prezado senhor, peço-lhe que não grite! Isto aqui não é uma estrebaria.

SMIRNOV - E quem falou em estrebaria? Eu lhe fiz uma pergunta: preciso ou não pagar os juros amanhã?
POPOVA - Será que o senhor não sabe se comportar diante de uma mulher?

SMIRNOV - Sei muito bem como me comportar diante de uma mulher.

POPOVA - Não sabe coisa nenhuma! O senhor é um mal educado, um grosseirão! Não é este o modo de um
homem respeitável dirigir-se a uma mulher.

SMIRNOV - Ah, muito interessante! Como eu deveria me dirigir à senhora? Que tal em francês? {Irrita-se e
caçoa.} Madam, je vu pri...3 Que felicidade a minha a senhora ter-se recusado a me paga!.: Ai,

3
Em francês russificado no original.
pardon4 por tê-Ia incomodado! Que dia maravilhoso está fazendo hoje! E este luto assenta-lhe tão
bem! (Em tom de adulação).

POPOVA - O senhor está sendo insensato e grosseiro.


SMIRNOV (xingando) - Insensato e grosseiro! Não sei como me comportar frente a uma mulher! Senhora,
neste século eu vi mais mulheres do que a senhora já viu pardais! Três vezes duelei por causa de
mulheres, abandonei doze delas e fui abandonado por nove! Houve época em que fiz papel de bobo,
fui carinhoso demais, sentimental demais, derreti-me em meiguices, dei pérolas a porcos, fiz muitos
rapapés... Amei, sofri, suspirei para a lua, prostei-me, definhei, emagreci... amei apaixonadamente,
loucamente, de todas as maneiras, que o diabo me carregue, tagarelei como papagaio a respeito da
emancipação feminina, gastei com o sentimento sublime metade das minhas posses, mas agora -
muito obrigado! Agora ninguém me engana! Já chega! Olhos negros, olhos ardentes, lábios
escarlates, covinhas nas bochechas, lua, sussurros, respiração contida - por tudo isso, senhora, agora
não dou nem meio vintém! Não falo daquelas aqui presentes, mas de todas as mulheres, da mais
jovem até a mais velha, namoradeiras, mexeriqueiras, abomináveis, mentirosas até o último fio de
cabelo, fúteis, mesquinhas, impiedosas, de uma lógica revoltante, e, no que se refere a isso então
(bate na própria testa), desculpe-me a franqueza, mais vale um pardal do que dez filósofos de saias!
Olha-se para uma dessas criações poéticas: musselina, étel; semideusa, milhões de arroubos, mas ao
olhar para a alma, o que se vê? Um crocodilo dos mais comuns! (Segura com firmeza o encosto da
cadeira, ela estala e quebra-se.) O mais revoltante de tudo é que o tal crocodilo, por algum motivo,
imagina ser o sentimento sublime sua obra-prima, seu privilégio e monopólio. Que vá para o
inferno, pendurem-me neste prego com as pernas para cima se uma mulher for capaz de amar
alguém além do seu próprio lulu. No amor, ela é capaz apenas de queixar-se e choramingar.
Enquanto o homem sofre e sacrifica-se, aí todo o amor da mulher consiste apenas em rodar a saia
do vestido e esforçarse por agarrá-lo pelo nariz. A senhora teve o azar de nascer mulher, portanto
deve conhecer bem a natureza feminina. Diga-me sinceramente: a senhora já viu alguma mulher da
nossa época que fosse sincera, fiel e constante? Não viu! Fiéis e constantes são apenas as velhas e
as feias! É mais fácil encontrar um gato com chifres ou um pardal branco do que uma mulher
constante!
( ?5)6

4
Em francês no original.
5
Alusão à letra da música popular Ótchi tchiórni (Olhos Negros).

6
(Não sei a que parte do texto esta nota se refere!?)
POPOVA - O senhor poderia me dizer, então, quem, na sua opinião, seria fiel e constante no amor? É o ho-
mem, e.

SMIRNOV - Claro que é o homem.

POPOVA - O homem! (Com um sorriso sarcástico.) Com o que então o homem é que é fiel e constante no
amor! Não me venha com essa! (Num tom exaltado.) Que direito tem o senhor de dizer isso? Os
homens são fiéis e constantes no amor! Já que tocamos nesse assunto, então tenho o direito de
dizer-lhe que de todos os homens que conheci e conheço, o melhor era meu falecido esposo... eu o
amava imensamente, com todo o meu se!; como pode amar apenas uma mulher jovem e com a
cabeça no lugar; dei-lhe minha juventude, minha alegria, minha vida, minha própria posição, eu
respirava meu marido, adorava-o, e... e - o que aconteceu? Aquele que era o melhor homem do
mundo traía-me a cada passo da maneira mais vergonhosa! Depois que ele morreu, encontrei em
sua escrivaninha uma gaveta cheia de cartas de amo!; mas enquanto era vivo - é terrível lembrar! -
ele me deixava sozinha semanas a fio, cortejava outras mulheres bem debaixo do meu nariz e
trocava-me por outras, esbanjava meu dinheiro, ria dos meus sentimentos... E, apesar de tudo isso,
eu o amava e era fiel a ele... E isso não é tudo, ele morreu e continuo fiel a ele, sou uma mulher
constante. Enterrei-me para todo o sempre entre quatro paredes e até o dia do meu próprio enterro
não vou tirar o luto.

SMIRNOV (com um riso de desdém) - Luto!... Não estou entendendo, a senhora acha que sou bobo? Será que
não sei exatamente o motivo pelo qual a senhora vestiu este dominó preto e enterrou-se entre quatro
paredes? Pois bem! É tão misterioso, poético! Passa por sua propriedade um cadete qualquer ou um
poeta insignificante, olha pela janela e pensa. 'Aqui vive uma certa Tamara misteriosa que por amor
ao esposo enterrou-se entre quatro paredes.' Conheço muito bem esse truque!

POPOVA (inflamando-se) - O quê? Como o senhor se atreve a me dizer tudo isso?

SMIRNOV - A senhora enterrou-se viva, mas ainda assim não se esqueceu de passar pó-de-arroz!

POPOVA - Como o senhor pode falar comigo desse modo?

SMIRNOV - Não grite, por favor, não sou seu criado! Deixe-me dar nomes aos bois. Não sou mulher e estou
acostumado a dizer o que penso sem papas na língua! E trate de não gritar!

POPOVA - Eu não estou gritando, é o senhor quem está! E trate de me deixar em paz!

SMIRNOV - Pague o que me deve e eu irei embora.

POPOVA - Não vou lhe dar dinheiro nenhum!

SMIRNOV - Vai, sim, senhora!

POPOVA - Só para que morra de raiva, o senhor não vai receber nada! Pode me deixar em paz!

SMIRNOV - Não tenho o prazer de ser seu marido, nem seu noivo, e, portanto, não me venha com cenas, por
favor! (Senta-se.) Não gosto disso.

POPOVA (sufocando de cólera) - O senhor vai ficar aí sentado?

SMIRNOV - Vou.

POPOVA - Peço-lhe que se retire!

SMIRNOV - Dê-me o dinheiro... (A parte.) Ai, como estou irritado, como estou irritado!

POPOVA - Não me apetece conversar com gente insolente! Ponha-se daqui para fora! (Pausa.) O senhor não
vai sair? Não?

SMIRNOV - Não.

POPOVA - Não?

SMIRNOV - Não!

POPOVA - Pois, muito bem! (Toca uma sineta.)


IX
Os mesmos e Luká.

POPOVA - Luká, acompanhe este senhor!

LUKA (aproximando-se de Smirnov) - Senhor, queira se retirar se lhe pedem! Não tem por que...

SMIRNOV (levantando-se de um salto) - Cale a boca! Com quem pensa que está falando? Vou fazer picadi-
nho de você!

LUKA (apertando as mãos ao peito) - Valha-me Deus!... Por todos os santos!... (Cai na poltrona.) Eu estou
mal, estou mal! Sinto falta de ar!

POPOVA - Onde é que está Dácha?7 Dacha! (Grita.) Dácha! Pelaguéia! Dácha! (Toca a sineta.)

LuKA - Oh! Elas foram atrás de morangos... Não há ninguém em casa... Estou mal! Água! POPOVA - Ponha-
se daqui para fora! SMIRNOV - Será que a senhora não poderia ser mais educada?

POPOVA – (cerrando os punhos e batendo os pés) - O senhor não passa de um mujique! Um urso malcriado!
Seu casca grossa! Monstro!

SMIRNOV - Como? O que a senhora disse?

POPOVA - Eu disse que o senhor é um urso, um monstro! SMIRNOV (avançando) - Quer me dizer que
direito tem a senhora de me insultar?

POPOVA - Eu insulto mesmo... e daí? Acha que tenho medo do senhor?

SMIRNOV - A senhora pensa que, por ser uma criação poética, tem o direito de insultar impunemente? É
isso? Às pistolas!

LUKA - Valha-me Deus! Por todos os Santos! Água! SMIRNOV - Vamos duelar!

7
Diminutivo de Dária.
POPOVA - Pensa que só porque tem os punhos grossos e um pescoço de touro, eu tenho medo do senhor?
Hein? O senhor não passa de um casca grossa!

SMIRNOV - Às pistolas! Não permito que ninguém me insulte e pouco me importa a senhora ser mulher, ser
do sexo frágil!

POPOVA (tentando gritar mais alto) - Urso! Urso! Urso! SMIRNOV - É hora, enfim, de livrar-se do
preconceito de que apenas os homens são obrigados a pagar por suas ofensas! Igualdade é
igualdade, com todos os diabos! Às pistolas!

POPOVA - Quer duelar? Estou às ordens! SMIRNOV - Imediatamente!

POPOVA - Imediatamente! Meu marido deixou-me algumas pistolas... Irei buscá-Ias agora mesmo... (Sai e
volta rapidamente.) Não sabe o prazer que me dará meter uma bala na sua cabeça dura! Vá para o
inferno! (Sai.)

SMIRNOV - Vou abatê-Ia feito uma galinha! Não sou criança, muito menos um fedelho piegas, para mim não
existe sexo frágil!

LuKÁ - Paizinho querido... (Põe-se de joelhos.) Faça essa gentileza, tenha piedade de mim, um velhinho, vá-
se embora daqui. Quase me matou de susto e ainda se prepara para duelar!

SMIRNOV (sem ouvi-Io) - Duelar, isto sim é igualdade, emancipação! Aqui ambos os sexos são iguais! Vou
atirar nela, por princípio! Mas que mulher! (Imitando-a.) "Vá para o inferno... meter uma bala na
sua cabeça dura." Que mulher! Como ficou vermelha, como seus olhos brilhavam... Aceitou o
desafio! Para falar a verdade, é a primeira vez na vida que vejo uma dessas...

LUKA - Paizinho, vá-se embora! Prometo rezar a Deus eternamente!

SMIRNOV - Isto é que é mulher! Disso eu entendo! Uma mulher de verdade! Não é frouxa, nem moleirona,
mas é fogo, pólvora, foguete! Dá até pena matá-la!

LUKA - Paizinho do coração, vá-se embora!


SMIRNOV - Estou mesmo gostando dela! De verdade! Mesmo com essas covinhas nas bochechas, ela me
agrada! Estou pronto a perdoar-lhe a dívida... e a raiva sumiu... que mulher!

Os mesmos e Popova.

POPOVA (entra com as pistolas) - Aqui estão as pistolas... Mas, antes de duelarmos, o senhor tenha a bondade
de me mostrar como se atira... Nunca na minha vida tive uma pistola nas mãos.

LUKA - Que o Senhor nos guarde e nos perdoe... Vou atrás do jardineiro e do cocheiro... Como é que uma
desgraça dessas foi se abater sobre nós... (Sai.)

SMIRNOV (examinando as armas) - Veja a senhora, existem vários tipos de pistolas... Existem pistolas
Mortimer, com cápsula, especiais para duelos. Estes são revólveres do sistema Smith e Wesson, de
ação tripla com extrator e percussão central... Excelentes pistolas! Não devem ter custado menos de
90 rublos o par... Deve-se segurar o revólver assim... (À parte.) Que olhos, que olhos! Que mulher
fogosa!
POPOVA - Assim?

SMIRNOV - É, assim... Depois a senhora arma o cão... a pontaria a senhora faz assim... A cabeça um pouqui -
nho para trás! Estique o braço como se deve... Assim, olhe... Daí, com este dedo aqui, a senhora
pressiona esta pecinha - e pronto... A regra principal é não ficar nervosa e não fazer pontaria
precipitadamente... Fazer com que a mão não trema.

POPOVA - Está bem... Não é conveniente duelar dentro de casa - vamos para o jardim.

SMIRNOV - Vamos. Mas aviso-lhe que vou disparar para o alto.

POPOVA - Era só o que faltava! Por quê? SMIRNOV - Porque... porque... Porque é problema meu... ora, por
quê!

POPOVA - Ficou com medo, é? Ah-ha-ha-ha! Não senhor, não me venha com subterfúgios. Queira me
acompanhar. Não descansarei enquanto não fizer um buraco na sua testa... nesta sua testa que eu
tanto odeio! O senhor ficou com medo?

SMIRNOV - Sim, fiquei.

POPOVA - Mentira sua. Por que o senhor não quer duelar?

SMIRNOV - Porque... porque eu... gosto da senhora.

POPOVA (com um sorriso sarcástico) - Ele gosta de mim! Tem a ousadia de dizer que gosta de mim! (Aponta
para a porta.) Tenha a bondade!

SMIRNOV (calado, guarda o revólver, pega o quepe e caminha em direção à porta, pára perto da porta, por
alguns segundos os dois ficam calados olhando um para o outro, depois ele fala, aproximando-se
de Popova com hesitação) - Ouça... A senhora continua muito zangada? Eu também fiquei com uma
raiva danada, mas, a senhora entende... como dizer isso... Veja a senhora, o caso é que uma coisa
assim, para falar a verdade... (Grita.) Enfim, será que tenho culpa de gostar da senhora? (Segura
com força o encosto de uma cadeira, ela estala e quebra-se.) Mas que diabo de mobília fraca a
senhora tem! Eu gosto da senhora! Está entendendo? Eu...eu estou quase apaixonado!

POPOVA - Afaste-se de mim - eu odeio o senhor!

SMIRNOV - Meu Deus! Que mulher! Nunca vi nada igual em toda a minha vida. Estou perdido! Morto! Caí
feito rato na ratoeira!

POPOVA - Afaste-se daqui, senão eu atiro!

SMIRNOV - Atire. A senhora não sabe a felicidade que seria morrer sob a mira desses olhos maravilhosos,
morrer do disparo do revólver empunhado por essa mãozinha de veludo... Eu perdi o juízo! Pense e
decida agora, porque se eu sair daqui, então nunca mais nos veremos. Decida. Sou um fidalgo,
homem honesto, possuo uma renda anual de 10.000... acerto tiro em moeda atirada para o alto...
possuo magníficos cavalos... Quer ser minha esposa?

POPOVA (indignada, brandindo o revólver) - Vamos às pistolas! Ao duelo!


SMIRNOV - Perdi o juízo! Não entendo mais nada. (Grita.) Criado, água!

POPOVA (grita) - Ao duelo!

SMlRNOV - Perdi o juízo, apaixonei-me como um adolescente, como um idiota! (Ele segura Popova pela
mão, ela dá gritinhos de dor.) Eu amo a senhora! (Ajoelha-se.) Estou amando como nunca amei
antes! Abandonei doze mulheres, fui abandonado por nove, mas nenhuma delas eu amei assim,
como amo a senhora! Sinto-me derretido, melado, amolecido... ajoelhado aqui feito um idiota, e
pedindo sua mão... É uma vergonha, uma desonra! Há cinco anos não me apaixonava, jurei a mim
mesmo que nunca mais, e, de repente, caí na rede como um peixe! Peço-lhe a mão! Sim ou não?
Não aceita? Não é obrigada! (Levanta-se e anda depressa em direção à porta.)

POPOVA - Espere...

SMIRNOV (pára) - E então?

POPOVA - Não foi nada, pode it:.. Pensando bem, espere... Não, vá, vá! Eu o odeio! Ou não... Não vá! Ah, se
o senhor soubesse como estou brava!... (joga o revólver sobre a mesa.) Meus dedos incharam por
causa desta coisa nojenta... (Rasga o lenço de raiva.) O que o senhor está fazendo aí parado? Fora
daqui!

SMIRNOV - Adeus.

POPOVA - Isso, vá mesmo!... (Grita.) Aonde vai? Espere... Pensando bem, pode ir! Ah, como estou brava!
Não se aproxime, não se aproxime.

SMIRNOV (aproximando-se dela) - Como estou irritado comigo mesmo! Apaixonei-me, como um colegial,
caí de joelhos... Chego a sentir calafrios... (De modo grosseiro.) Eu amo a senhora! Apaixonar-me
pela senhora era o que eu mais precisava! Juros para pagar amanhã, a sega do feno começando, e
agora a senhora. (Ele a toma pela cintura.) Jamais me perdoarei por isso...

POPOVA - Afaste-se! Tire suas mãos de mim! Eu o odeio! Vamos duelar! (Um beijo prolongado.)

XI
Os mesmos, Luká (com um machado), o jardineiro (com um ancinho), o cocheiro (com um garfo) e os traba-
lhadores (com pedaços de paus).

LUKA (ao ver o casal se beijar) - Deus do céu! (Pausa.)

POPOVA (baixando a vista) - Luká, vá à estrebaria dizer que não dêem nenhuma aveia ao Tóbi hoje.

- Cortina –

Trad. Denise Regina de Sales

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