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HISTÓRIA DO CINEMA A PROJEÇÃO DE SEUS INVENTORES

Da Mimesis ao teatro de sombras, da Projeção de imagens à projeção da realidade.

André Scucato

1
SUMÁRIO

1.0 O Estado Poético Grego: Mímesis, Téchné e Poiésis............................................................3


1.1 O conceito Grego de Arte: a Mimesis, a Techné e a Poiésis.................................................5
1.2 O Conceito de Mimesis no Pensamento Platônico................................................................8
1.3 A Mimesis Aristotélica.........................................................................................................9
1.4 Os Poéticos sentidos da Metáfora ......................................................................................13
2.0 Do teatro de sombras a projeção de imagens, uma breve história......................................16
2.1 A Mimesis pela luz: a fotografia..........................................................................................21
2.2 A Invenção da Câmera de Filmar…………………….......................................................25
2.3 O Cinema Individual de Thomas Edison............................................................................26
2.4A História das primeiras Projeções e exibições cinematográficas…………………………28
2.5 O primeiro diretor cinematográfico e a magia do Cinema..................................................32
2.6 Construção da linguagem Cinematográfica........................................................................35

2
1.0 O ESTADO POÉTICO GREGO: Mímesis, Téchné e Poiésis
Um povo se torna povo quando sua autoconsciência é
patenteada num poema inaugural. É possível imaginar uma
sociedade sem sapateiros, porque é possível viver descalço, mas
não uma sociedade sem poetas, porque não há vida humana sem
linguagem.1

A Poesia foi fundamental na sociedade da Grécia Antiga, transmitindo valores


culturais, sociais, religiosos, políticos, estéticos e históricos. Sua prática e uso estavam tão
embrenhados na comunidade que a Poesia constituía um fenômeno cultural e pedagógico que
possuía a "função de resgatar e transmitir os costumes, as tradições, os valores, as crenças, os
rituais, os jogos, as táticas de guerra, a educação, a administração social, política e militar da
cidade, assim como as leis e as condutas pública e privada."2
A complexidade e as ramificações da poesia alcançavam todas as camadas sociais.
Certos trechos de Ilíada e Odisséia3 eram interpretados como leis e aplicados na sociedade.
Na educação, as epopeias formavam a base do conhecimento a ser transmitido. A poesia, em
tempos de guerra, constituíam o relato da história. Nos templos, ora estava presente na forma
de canto ora em forma de versos do oráculo. Apolo, deus da luz e do sol era a divindade da
poesia e das artes. Os aedos4 estabeleciam a comunicação do poder com o povo. Informavam
as festividades, celebrações, impostos, notícias da guerra ou da colheita. Graças ao seu canto e
a sua lira, o conhecimento foi preservado antes do nascimento da escrita.
Evidenciamos o valor do aedo como transmissor das leis e dos costumes através de
relatos orais. Destacamos, sobretudo, sua importância como educador em uma
sociedade em que a escrita ainda não é predominante e as informações, normas e
valores fundamentais são repassados através de cantos.5

Através da poesia pode-se preservar a história da Grécia. A memorização de grandes


relatos tornaram-se possíveis devido às estruturas do verso, rima e melodia. Estes elementos
auxiliavam a memória do aedo e facilitava a compreensão do ouvinte sobre o assunto relatado.
Surge então a primeira prática pedagógica, nascida da poesia. Acrescente o aprendizado que a
leitura dos poemas Homéricos proporcionavam e pode-se ter uma noção da contribuição da
poesia como ferramenta educativa.

1
RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. Arte no pensamento de Platão. p. 130. Disponível em:
<http://www.artenopensamento.org.br/palestras.php> Acesso em: 20 mar. 2007.
2
SOUZA, Jovelina Maria Ramos. A dimensão ético-política da crítica platônica à mimesis na Politéia. Belo
Horizonte: UFMG/FAFICH, 2003, p. 13. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG em 30/01/2003.
3
Poemas épicos escritos por Homero.
4
[Do gr. aoidós, "cantor"] Na Grécia Antiga, poeta que recitava ou cantava suas composições religiosas ou épicas,
acompanhando-se à lira. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1986, p. 52.
5
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 10.

3
Cabe lembrar que "os poetas foram não só os primeiros educadores hegemônicos da
cidade, mas também os primeiros a tentar explicar a origem e a ordem do mundo."6 "De
Homero a Hesíodo, a cultura grega se mostra completamente impregnada pelos efeitos da
poesia na formação ética, política e pedagógica das crianças e dos jovens."7 A poesia homérica
era utilizada em todos os níveis educacionais, reconhecida como enciclopédia do saber.

Ilíada e Odisséia constituíram fontes seguras de informação para todo o grego bem
educado e que as conhecia desde a mais tenra infância: "Homero era não um homem,
mas um deus" era uma das sentenças que os jovens transcreviam durante o processo
de alfabetização no período helenístico.8

No século VI a.C, o estadista Sólon institui que, "em Atenas, o ensino dos poemas
homéricos fosse parte da educação dos jovens atenienses."9 Fato compreensível em uma
sociedade que baseava o sistema de ensino em técnicas de memorização e repetição. A poesia
tinha a função de transmitir ensinamentos éticos, pedagógicos e práticos que, aliada aos meios
de produção, funcionava como uma mola propulsora do Estado grego, um meio de apreender
sobre a vida, sobre as funções na pólis grega, de se relacionar com o divino e com o profano.
Também entretinha. A recitação declamada pelos rapsodos era escutada por grandes públicos
nos festivais de arte e celebrações religiosas.
Peisistratos introduziu a recitação dos poemas Homéricos nas Panatéias, o maior
festival em honra da deusa Atena. O estabelecimento de aprendizagem e recitação de
Homero nos festivais compunha o ideal grego de sociedade, que deveria valorizar
seus alicerces para que não caísse em meio a devaneios. 10

Todo jovem possuía como modelo as ações e feitos dos heróis nas epopeias homéricas.
Criava-se uma referência em que o processo de imitação consiste em assemelhar o aluno aos
homens virtuosos do passado.
As duas obras de Homero contêm, em seus relatos, o constante entrelaçamento entre
o cenário político e militar da guerra e os rituais, as crenças, os costumes, as tradições
dos gregos em suas relações familiares. De um lado, a ação dos heróis no campo de
batalha, do outro, o lado humano de seus heróis. Nesse sentido, a Ilíada e a Odisséia
representam, no período de seu surgimento, a instância privilegiada para o povo grego
compreender melhor o próprio mundo. Reunindo a tradição oral e a escrita em um
mesmo espaço, o da epopéia, Homero pensa a vida do cidadão grego, a partir das
noções de virtude (areté) e justiça (díke). 11

6
Ibid., p. 9.
7
Ibid., p. 9.
8
MURRAY, P. Plato on Poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 19.
9
NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos.
Disponível em: <http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
10
Ibid.
11
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 25.

4
Utilizando o modelo do homem ideal encontrado nos poemas homéricos, o governo
estabelece uma organização social pela doutrinação do aluno por meio da educação, auxiliando
a preservar a ordem já estabelecida. As qualidades estéticas da poesia não eram o motivo da
sua difusão na comunidade grega, mas sim sua eficácia pedagógica em transmitir a ética e o
conhecimento. A sua função moralizadora era o que importava ao Estado Grego.

1.1 O Conceito Grego de arte: a Mimesis, a Techné, e a Poiésis


Nossa história começa em Sófron, nascido em Siracusa no
século IV antes de Cristo. Sob o Palco dedicava-se à arte do
mimo. Seu corpo tinha a propriedade de imitar o movimento
natural de outros seres com perfeição. A essa arte deu-se o nome
de Mímica. 12

Aristóteles

Para compreender o conceito mimético, é necessário voltar à origem do termo. Após a


leitura da citação acima, retirada da Arte Poética de Aristóteles, podemos compreender o
motivo de a palavra mimese, derivado de mímica, portar o sentido da imitação.13 A relação
entre o real e a cópia fundamenta sua relação com as artes. No que diz respeito ao seu uso, o
filólogo Göran Sörbom, em seu livro mimesis and art,14 revela que autores muito anteriores à
época de Platão já utilizavam mimesthai,15 equivalente a mimesis.

A primeira ocorrência desta expressão encontramos em Píndaro e, posteriormente,


nos trágicos e em Heródoto. O uso desse vocábulo por esses autores designa uma
atividade de reprodução, de representação, artística e ritual, aplicada às estátuas, aos
figurinos representando os mortos.16

O teatro, a música, a narrativa e as artes em geral são associados ao conceito de mimesis.


A citação da origem da mimesis na Arte Poética é relacionada ao ator, à interpretação, à mímica.

12
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
13
O conceito de imitação, a mimesis, foi o primeiro conceito de arte criado pelos gregos e que, por longos séculos,
se consolidou como a principal referência artística. RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação
na pintura Renascentista e impressionista. In: Revista Eletrônica print by FUNREI. Disponível em:
<http://www.funrei.br/revistas/filosofia>. Acesso em: 27 mar. 2008.
14
SÖRBOM, Göran. Mimesis and Art. Studies in the Origin and Early Development of an Aesthetic
Vocabulary. Scandinavian University Books, 1966. Disponível em: <http://www.blackwellpublishing.com/
content/ BPL_Images/Content_store/Sample_chapter/9780631207627/001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008.
15
A tese de Killers é que a palavra grega mimesthai vem de mimos, o que significa ator, ou participante em um
evento como protagonista, de onde deriva o sentido do ator dramático. KUI, Wong. Nietzsche, Plato and
Aristotle on Mimesis. Disponível em: <http://dogma.free.fr/txt/KwokKuiNietzschePlatoAristotle.htm>.
University of Hong Kong. Acesso em: 01 fev. 2009.
16
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 51.

5
A arte mimética reproduz os gestos, as falas, as ações, ela "incide sobre os elementos
que ajudam a compor os personagens, os sons da natureza ou os elementos colocados em cena
pelo ator, e ainda, as paisagens imaginárias e os ofícios representados na obra do pintor." 17
A mimesis está de tal forma relacionada com a arte que os dois campos se confundem
assim como seus limites. Da encenação ao figurino, da música à tela, da dança ao texto, do
corpo à fala, a mimesis fundamenta a relação da arte com o real e o público.
"Em Platão a mimese atravessa todo o campo da criação artística."18 O conceito mais
evidente da aplicação prática da mimesis em relação à arte é o valor que a representação
mantém com a realidade. Quanto maior a verossimilhança do objeto representado com o real,
maior é o seu valor artístico.
Plínio e Cícero relatam a história do pintor Zeuxis, que foi convidado a ornamentar o
Templo de Juno. O artista, desejoso de uma imagem que englobasse o reflexo perfeito
da beleza feminina, solicitou que as jovens mais belas da cidade se submetessem ao
seu julgamento. Como não encontrou alguma que fosse perfeita, cinco das mais belas
posaram para o artista, que compôs sua figura com as partes do corpo mais perfeitas
de cada uma. Zeuxis, obcecado pela ilusão, pintou com acuidade uvas que os
passarinhos vinham bicar. Entretanto, sentiu-se humilhado por Parrasius, seu rival,
quando desejou afastar uma cortina pintada em tromp l’oeil pelo mesmo.19

Françoise Dastur, em seu texto A Arte no Pensamento, ressalta que a definição de


mimesis também coincide com o conceito platônico de Poiésis20 e que costuma ser traduzido
por imitação. Analisando o vocábulo Poiésis Platão mostra duas diferentes aplicações. "Na
primeira, poiésis expressa o sentido geral do verbo poiéo, que significa produção, fabricação,
criação. Na segunda, poiésis assume uma significação mais específica e traduz-se por poesia."21
Poiesis é um substantivo que se forma do verbo grego poiein. Este assinala no grego
a ação de fazer diversificada, mas sobretudo a questão da essência do agir, daí estar
ligada à poiésis, no sentido que hoje consideramos criação.22

A criação e a poesia têm o significado equivalente por compartilhar a mesma origem.


"É a arte da palavra que possui maior relevância sobre as demais na Grécia, pois é esta arte e
nenhuma outra que leva o nome de criação.23 Apesar de haver confusão e até a interpretação
desses dois termos (Poiésis e Mimesis) como sinônimos, pode-se afirmar que eles possuem
mais um sentido particular de relação do que de equivalência.

17
Ibid., p. 52.
18
Ibid., p. 51.
19
ROSEMBER, Liana Ruth Bergstein. Artista e modelo: uma visualidade poética. Disponível em:
<br.geocities.com/anpap_2004/ textos/chtca/LianaRosembe.pdf.> p. 3. Acesso em: 2 abr. 2008.
20
Poese [Do gr. Poíesis, eos.] El. Comp. = ´formação´, ´criação´.
21
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 54.
22
CASTRO, Manuel Antônio. A Poética da poiésis como questão. Disponível em:
<http://travessiapoetica.blogspot.com/ 2006_09_01_archive.html>. Acesso em: 15 abr. 2008.
23
DASTUR, Françoise. Arte no Pensamento. p. 16. Disponível em: <www.artenopensamento.org.br/pdf/
arte_no_pensamento.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2008.

6
O mesmo acontece com a Techné, que, devido a um erro, passou a ser traduzido como
Arte. Manuel Antônio de Castro ressalta que, na leitura do tratado de Aristóteles, se fez uma
enorme confusão porque o termo substantivo era techné, que dizia respeito a todo e qualquer
conhecimento e que indicava um "conhecimento" especial; o adjetivo poiétiké ficou esquecido.
Passou-se a falar em Poética e se entendeu, na verdade, Techné, ou seja, conhecimentos
técnicos.
Do verbo poiein se formou o adjetivo poietikos. (...) O feminino se substantivou e
tornou-se he poitiké, ligada a outro substantivo grego: techné. Este substantivo
significa fundamentalmente conhecimento.24

Mas qual a especificidade do termo techné em relação à poiésis? Techné é equivalente


ao que entendemos por técnica, tecnologia. Fernando Santoro ilustra bem esse fato no início
do artigo Arte no pensamento de Aristóteles:
O conceito grego de téchne, que costuma traduzir por "arte", não fala da realização
dos artistas, não tem o compromisso estético nem o valor da genialidade que lhes
atribuímos hoje. A Techné é uma atividade humana fundada num saber. Aquele que
tem uma arte detém um saber que o orienta em sua produção.25

Seguindo a linha de pensamento de Manuel Antônio Castro, no artigo A Poética da


poiésis como questão, uma relação entre poiésis e techné se clarifica. De acordo com suas
definições, a poiésis se aproxima de uma "essência de agir", de uma "força criadora" que utiliza
um conhecimento técnico, uma técnica (techné), para realizar a vontade criadora.
Qualquer técnica só é técnica enquanto pressupõe um determinado conhecimento.
Mas a essência do agir também pressupõe um determinado “conhecimento”. Não um
conhecimento técnico, ou melhor, é aquele “conhecimento” técnico que é fundado e
impulsionado pela essência do agir.26

A técnica era passada de geração a geração, aperfeiçoada, evoluindo em paralelo ao


conhecimento humano e às descobertas científicas. É pela habilidade, pela técnica, que toda a
arte pode ser ensinada e aprendida, comprovando seu caráter educacional.
Quando Protágoras determina sua arte como "arte política" (politiké téchne), surge a
questão de saber se a política pode ou não ser ensinada, que, em última instância, se
equivale a saber se ela de fato é uma arte, já que está no conceito de arte a
possibilidade de ser ensinada e aprendida.27

Do relacionamento destes elementos (mimesis, poiésis e techné), podemos construir


uma perspectiva da arte na Grécia e entender o valor e a função da poesia. A identidade do
grego nasceu da unificação do homem com a arte, fecundada pela Poesia.

24
CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
25
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
< www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19 mar. 2007.
26
CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
27
RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. op. cit. p. 105.

7
O fenômeno envolvendo a mimeses é tão forte e complexo no estudo das artes que a
sua evolução permanece associada ao conhecimento até os dias atuais. Maria Luiza Falabella
escreve sobre a mimesis no livro História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração:
Constitui sempre um desafio às reflexões sobre a natureza da arte, seu papel, suas
relações com o mundo, e esteve no centro da discussão das artes desde a Antiguidade
Greco-Romana até os nossos dias. Sua importância como conceito refletiu-se tanto
no discurso filosófico como no fazer artístico e na nossa própria maneira de ajuizar
a obra de arte.28

Enquanto, em Platão, o conceito mimético será definido por pensamentos políticos,


reduzindo a importância da poesia na sociedade em detrimento da recém-surgida filosofia, seu
discípulo Aristóteles sistematizará o campo de estudo mimético, ampliando sua utilização e
suas possibilidades, fundando a Poética.

1.2 O conceito de Mimesis no Pensamento Platônico

Foram Platão e Aristóteles que, por vias diversas, pela primeira


vez no Ocidente, discutiram tal concepção de arte. Platão para
rebaixá-la como forma vil de conhecimento; Aristóteles, para
elevá-la e dar-lhe dignidade artística.29

Platão nasceu em Atenas, no ano 427 a.C. Na juventude era Poeta, e a sensibilidade na
escrita o acompanhou por todos os textos. Aos vinte anos conheceu Sócrates, permanecendo
seu discípulo até o falecimento deste, oito anos depois. Após a morte do mestre, Platão partiu
para conhecer o mundo e se instruir. Conheceu o Egito, admirando sua estabilidade política
encontrou os pitagóricos na Itália. Conheceu o Egito e admirou sua estabilidade política. Na
Itália, encontrou os pitagóricos Na Sicília conheceu o tirano Dionísio, o Antigo, e terminou
preso e vendido como escravo. Libertado por um amigo, voltou a Atenas dez anos após a
partida, no ano de 387 a.C e fundou a célebre escola nos Jardins do Academo, de onde
germinou o nome Academia.30
O Filósofo dedicou 50 anos à escrita, ao pensamento e à defesa da filosofia como
doutrina da lógica. Se bem da verdade contribuiu para o pensamento, Platão provocou uma
cisão entre razão e imaginação, entre arte e pensamento, conferindo à filosofia as questões da
racionalidade e delegando à poesia e à arte a faculdade de imaginação e inspiração divina.

28
FALABELLA, Maria Luiza. História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração. Rio de Janeiro: Editora
Elo, 1987, p. 9.
29
LIMA, Roberto Sarmento. O falso da imitação. Revista LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Escala
Educacional, Ano 2, n. 19., p. 46. ISSN 1984-3682.
30
MADJAROF, Rosana. Platão a Vida e as Obras. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/
platao.htm>. Acesso em: 13 abr. 2008.

8
O objetivo platônico era minar o poder da poesia nas estruturas sociais para que a
filosofia fosse posta à frente, governando os rumos políticos e morais da cidade.
Profundo conhecedor do discurso poético e obstinado crítico de Homero, os textos
platônicos estão repletos de imagens e mitos sobre a poesia. Na Politeia, cidade ideal construída
pelas palavras, Platão condena os poetas, expulsando-os. Em seus escritos, é comum o ataque
à estrutura poética da sociedade grega, afastando a poesia da verdade e do conhecimento para
que a filosofia possa governar a cidade. Essa ação levou Nietzsche a acusar o filósofo de ser
"o maior inimigo da arte nascido em toda Europa."31 Platão iniciou seu estratagema
minimizando a dimensão da mimesis, reduzindo-a a uma simples imitação.
No início do livro X da República, Platão classifica a poesia e a pintura como
imitação (mimesis), no interior de sua teoria acerca de uma cidade perfeita, imaginada
de forma a ser justa. Platão diz que os poetas, como imitadores, não têm
conhecimento sobre aquilo que imitam, e fazem uma brincadeira sem seriedade. A
poesia e a pintura, para o autor, estão três pontos afastadas da realidade.32

O filósofo afirma que o marceneiro, ao produzir uma mesa, realiza uma cópia do
modelo já existente no mundo das ideias. O pintor, ao representá-la na tela, efetua a cópia da
cópia, afastando-se da verdade. A poesia, ao imitar os gestos e as ações humanas, está, da
mesma forma, afastada da razão.
Já Platão, na República, define a poesia como imitação. Platão o faz explicitamente
para denegrir a poesia, para torná-la de mesmo valor que a pintura ou a escultura,
coisa de artesãos, profissão de artífices manuais, socialmente inferiores na hierarquia
da cidade antiga.33

Para os cidadãos gregos, o valor da arte poética era diferente das artes plásticas. A
pintura e a escultura sequer possuíam diferença das demais atividades técnicas, como as de
sapateiros e ferreiros. Não havia a figura do pintor "mas o oleiro que pinta seus vasos, não há
o escultor, mas uma equipe de mestres, pedreiros e carpinteiros que edifica o templo."34
Portanto igualar a arte da escrita, fruto do pensamento, do intelecto, às artes manuais, era um
artifício sutil encontrado por Platão para diminuir a influência que a poesia exercia sobre o
Estado. Na sequência de seus escritos, o rapsodo é o próximo alvo.
O público do rapsodo submetia-se ao seu hipnotismo. Se o rapsodo ficava atento às
reações dos ouvintes e modificava sua entonação com o único intuito de ganhar a
competição, então nada havia de divino nessa ação de caráter meramente pecuniário,
estabelecendo uma estreita relação comercial com as emoções do público.35

31
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 133.
32
DUCLÓS, Miguel. A crítica de Platão ao teatro e ao Homero como educador. Disponível em:
<http://www.consciencia.org/platao_republica.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2008.
33
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
<www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19 mar. 2007.
34
Ibid. p. 74.
35
NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos.
Disponível em:<http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.

9
Depois de destituir de importância a função social do rapsodo como detentor de um
conhecimento (passando a ser um mero agente reprodutor) dotado de inspiração divina, Platão
passou a questionar a obra de Homero. Sua crítica tinha como base a falta da vivência do poeta
em relação aos fatos narrados. Questionava que, sem qualquer experiência militar, os versos
do poeta sobre a guerra eram frutos de uma fantasia.
A prova está em que Homero ou qualquer outro poeta não possui competência nos
assuntos mais importantes como a arte bélica, a tática militar, a administração do
Estado, a educação. Mesmo como guia da vida privada (...) O poeta imitativo revela
e alimenta o elemento inferior de nossa alma, e, corroborando-o, arruína o elemento
capaz de raciocinar.36

Para o filósofo, era "imprescindível a conscientização de que a criação poética não


precisava de conhecimentos meramente técnicos e tampouco de uma ciência."37 O que nos leva
a crer no gesto de Platão é uma aplicação política e ética da mimesis.
O engenhoso método de Platão para desacreditar a poesia é essencial para compreender
como ela operava em todas as ramificações da estrutura social grega. Na educação, as epopeias
eram tidas como enciclopédias; os rapsodos e os aedos, como arautos, mídias populares; a obra
de Homero, como portadora de leis; a arte, como base da educação; os versos, na voz das
divindades. Esse poder acumulado pelo conhecimento poético precisava, de acordo com o
pensamento platônico, ser regimentado por um novo saber do conhecimento, a Filosofia.
Devido a essas circunstâncias, a mimesis encontra em Platão um adversário de respeito.
Considerado por alguns como censor, por outros como crítico austero, o filósofo colocou em
evidência o discurso e o debate sobre novas formas de educação e pedagogia. Seu discípulo,
Aristóteles, por sua vez, seria o responsável por ampliar o horizonte dessa discussão.

36
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
37
NERI, Adriano, op. cit., p. 3.

10
1.3 A Mimesis Aristotélica
O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza. Este princípio
elementar é justo, se não esquecemos que imitar a Natureza não
quer dizer copiá-la, mas sim imitar os seus processos.38

Fernando Pessoa

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) nasceu em Estagira, na Calcídia. Discípulo de Platão
durante 20 anos, foi seu melhor aluno. Quando não estava presente na Academia, seu mestre
dizia "A inteligência está ausente". Criador do pensamento lógico e pai da Poética, foi tutor de
Alexandre, o Grande. "Atuou em diversas áreas do conhecimento humano, a ética, política,
física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É
considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental."39 Aristóteles
era conhecido também como o estagirita, por ter como origem a cidade de Estagira.
A mimesis, para ele, era um verdadeiro processo. Escapando da definição platônica de
imitação, Aristóteles professava que "a arte não precisa mostrar o verdadeiro, não precisa
reproduzir com exatidão o real, mas evocá-lo de modo que as situações, caracteres e emoções
retratados sejam convincentes, pareçam verossímeis."40
A mimesis Aristotélica é um contraponto à mimesis Platônica, não define o valor
artístico mas o valor de verdade: se, para Platão, a imitação era o distanciamento da
verdade e o lugar da falsidade e da ilusão, para Aristóteles, a imitação é o lugar da
semelhança e da verossimilhança, o lugar do conhecimento e da representação. A
função mimética em Aristóteles nem é uma exclusividade das artes poéticas, ela se
apresenta também, por exemplo, na linguagem humana em sua função de representar
as coisas.41

Para Aristóteles, a "imitação é produzida por meio do ritmo, da linguagem e da


harmonia, empregados separadamente ou em conjunto."42 A liberdade do pensamento sobre a
mimesis tece um elo entre as artes.
A poesia é uma imitação pela voz e distingue-se assim das artes plásticas, que imitam
pela forma e pela cor. Esta definição permite a Aristóteles estabelecer diferentes
formas poéticas, desde a dança até a poesia lírica, a tragédia e a comédia que imitam
pelo ritmo, pela linguagem e pela melopeia43, 44

38
PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 321.
39
ARISTÓTELES. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aristóteles>. Acesso em: 23 fev. 2008.
40
FALABELLA, Maria Luiza. op. cit., p. 17.
41
MOREIRA, Fernando José Santoro. op. cit., p. 75.
42
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 289.
43
Melopeia - evoca a dimensão sonora do poema, os recursos melódicos que o aproximam da música, da dança
(rimas, aliterações, assonâncias, repetições, metrificação), marcantes nos poemas especialmente dos simbolistas,
como Cruz e Souza. SILVA, Susana Souto. O corpo do Poema. Publicação do Centro de Ciências de Educação
e Humanidades – CCEH, Universidade Católica de Brasília – UCB, Volume I, Número 2, Novembro 2004.
Disponível em: <http://www.humanitates.ucb.br/2/corpo.htm>. Acesso em: mar. 2009.
44
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 289.

11
Aristóteles aplica a mimesis a elementos pertencentes a uma ou mais artes, como a cor,
o tom e o ritmo. Portanto a mimesis pode ser aplicada no estudo desse diálogo artístico com
perfeição. Sobre o pintor, possui uma visão diferente da platônica.
Sendo o poeta um imitador, como é o pintor ou qualquer criação de figuras, perante
as coisas será induzido a assumir uma das três maneiras de as imitar; como elas eram
ou são, como os outros dizem que são ou como parecem ser, ou como deveriam ser.45

Desse modo, Aristóteles reunifica o equilíbrio entre as artes e o conhecimento. Ele


propõe uma educação estética artística, empregando o processo mimético para estabelecer suas
bases. Explica o sabor que o saber proporciona, utilizando os sentidos, as sensações, como
elemento fundamental na prática pedagógica. A mimesis é a forma primeira de conhecer.
“Quando trata do objeto de imitação na poesia, dirá que aquilo que se imita é, sobretudo, o
caráter do homem e suas ações."46
A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto
distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a
imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos
experimentam prazer. 47

Desse prazer no reconhecimento explica-se a função didática e o potencial pedagógico.


Tecendo um paralelo entre a imitação e o conhecimento, Aristóteles percebe que os sentidos,
despertados pelas sensações, possuem igualmente uma propriedade educativa. Refletindo sobre
a relação existente entre a arte e a sensação humana, o filósofo conecta o aprendizado à
experiência individual.
Caminhando entre diversos sentidos, a mimesis aristotélica permite pensar a realidade,
ir além de suas estruturas, recriá-la por diversas associações possíveis. Aristóteles elabora, por
sua vez, um pensamento educacional, complementar à filosofia, e não contraditório como o de
Platão. Outro ponto essencial de seu pensamento é a Poética, formada pela união entre techné
e poiésis.

45
Ibid., p. 283.
46
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
<www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >, p. 80. Acesso em: 19 mar. 2007.
47
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 294.

12
1.4 Os Poéticos sentidos da metáfora

A Poética está longe de ser uma teoria da poesia em geral,


menos ainda das belas-artes. Dela não podemos extrair uma
teoria crítica completa e seguida. No entanto, contém talvez
maior número de idéias fecundas sobre a arte que qualquer outro
livro.48

Aristóteles estudou as propriedades da retórica e da poesia, escrevendo dois livros, Arte


Poética e Arte Retórica, obras de referência no estudo sobre os componentes essenciais do
discurso. Devido à reflexão racional e à capacidade de sistematização, Aristóteles pôde
compreender a função das sensações no processo pedagógico. Ao refletir sobre a relação entre
as sensações e a metáfora, o filósofo compreendeu a importância dos sentidos na aquisição do
conhecimento.
O sentido é frequentemente associado ao significado, à razão. Todavia, ele representa
também a percepção das sensações, possuindo um caráter duplo, do lógico e do imaginário. A
metáfora49 possui o mesmo comportamento, pois porta o sentido (racional) e o sentido
(emocional). As sensações percebidas pelos sentidos são transformadas em conhecimento, que
utiliza a analogia e a metáfora para realizar o caminho entre a realidade e o texto, pela via do
pensamento.
Transmitida principalmente no discurso oral, a metáfora foi difundida por seu uso
social, por circular livremente entre os habitantes. A metáfora torna-se um fenômeno
sociocultural, presente nos hábitos e nas culturas das sociedades, nos diálogos coloquiais, nos
discursos. Habita no interior de uma língua viva. “O que confirma é que elas são as únicas a
serem utilizadas por toda gente; não há ninguém que, na conversação corrente, não se sirva de
metáforas.”50
Se a audição contribui para sua propagação, é pelo sentido da visão que a metáfora tem
sua maior aliada no processo de construção de analogias. É refletindo sobre o que vemos,
analisando o comportamento humano e das leis naturais que a analogia estabelece um diálogo
com a imagem e com o real.

48
ARISTÓTELES. The Works of Aristotle. Trad. francesa organizada por W. D. Ross. Oxford: Clarendon, 1928,
p. 390-392.
49
[Do gr. Metaphorá, pelo lat. Metaphora.] S.f. Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um
âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança
subentendida entre o sentido próprio e o figurado. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 1326.
50
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970. p. 209.

13
A relação metafórica estabelece laços tão fortes com o sentido da visão que a imagem
e a metáfora tendem a se confundir. Para Aristóteles, a imagem é igualmente uma metáfora.
"Quando Homero diz de Aquiles (que se atirou como leão), é uma imagem; mas
quando diz (este leão atirou-se), é uma metáfora."51 Não é ao acaso que sentido figurado seja
sinônimo do sentido metafórico. Por sentido figurado, o Dicionário Aurélio define: 1- figurado
[Part. De figurar]. Em que há figuras ou alegorias; metafórico, tropológico. 2- Alegórico,
imitativo, representado. No pensamento aristotélico, encontramos o sentido figurado em
associações entre a metáfora e a imagem.

“É a metáfora que põe o fato diante dos olhos”. “Surtem efeito às imagens dos poetas;
o elo que, quando empregadas a propósito, confere um ar de urbanidade ao estilo. A
imagem é, como dissemos acima, uma metáfora, diferindo dela apenas por ser
precedida de palavras”52 Ou “Podemos empregar todas estas expressões quer como
imagens, quer como metáforas”. “Todas as que saborearmos como metáforas servirão
também manifestamente como imagens, e as imagens, por sua vez, serão metáforas
a que não falta senão uma palavra.”53

Desse modo compreendemos o motivo de Aristóteles quando iguala a capacidade


mimética do discurso à obra de um pintor. Tece um valioso comentário na arte poética,
deixando nítida a ponte entre o olhar do texto e a imagem. "Pois uma palavra é mais própria
que outra, aproxima-se mais do objeto e é mais capaz de o pôr diante de nossos olhos."54
Entretanto nem só de imagem se alimenta a metáfora. Outros sentidos são essenciais, como o
tato, a audição, o olfato e o paladar.
A pele é o meio pelo qual o mundo externo é apreendido e percebido, considerado o
"primeiro órgão de comunicação humana, fronteira entre o mundo e o corpo."55 A audição,
com suas vibrações, transmite informações essenciais para a comunicação e sobrevivência
humana. O paladar desperta outras sensações. É o meio pelo qual distinguimos entre um fruto
amargo (venenoso) e uma fruta comestível, do mesmo modo que o olfato nos diz se o alimento
está pronto para ser consumido ou não.
Aristóteles percebeu a relação entre as sensações e as metáforas e, em seu livro Arte
Poética, descreveu exemplos detalhados, tecendo uma ponte entre as figuras de palavras e os
sentidos.

51
Ibid., p. 217.
52
Ibid., p. 232.
53
Ibid., p. 217.
54
Ibid., p. 211.
55
CARNEIRO, Glauco. História da Dermatologia no Brasil. Edição comemorativa dos 90 anos da fundação da
Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2002, p. 211.

14
As metáforas encontram força nas associações sonoras em “O grito de Calíope”,
visual e tátil em “Vi um homem que, com fogo colava bronze sobre outro homem”,
do olfato em “Antístenes comparava o magro Cefisódoto ao incenso que, enquanto
se consome, exala odor agradável” ou paladar em “Sob um jasmineiro em flor
mastigava amoras frescas. 56

A metáfora, portanto, apoia sua construção nos cincos sentidos, utilizando esse
conhecimento para compor suas analogias. A sensação, captada pelos nossos sentidos,
fundamenta a natureza do conhecimento.

Os elementos fornecidos pelas sensações exercem um papel essencial nos nossos


conhecimentos perceptivos, que asseguram a identificação de objetos ou de seres bem
determinados. O sabor de um alimento, a voz de um amigo, a cor amarela no campo
de trigo maduro, o odor dum percevejo, a suave tepidez da pele de um gato podem
guiar nosso comportamento.57

56
ARISTÓTELES, Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 216.
57
PIERON, Henri. A Sensação. Portugal: Ed. Publicações Europa-América Ltda, 2003, p. 97. (Coleção Saber).

15
2.0 Do teatro de sombras a projeção de imagens, uma breve história.

Uma sala às escuras, um público que olha a tela branca


e espera o surgimento de uma imagem luminosa e
animada – se imaginarmos estar em algum lugar entre os
séculos XII e XVII, que visão correta. 58

Conta a lenda que o imperador Wu Ti, da dinastia Han, triste pela morte de sua bailarina
predileta, ordenou ao mago da corte que a trouxesse de volta do "Reino das Sombras". Caso
desobedecesse, a punição era a morte. Utilizando uma pele de peixe macia, o mago, com
criatividade, modelou a figura de uma bailarina. "Estendeu uma cortina branca armada contra
a luz do sol, alcançando uma boa projeção de silhuetas. Estava feito, no ano 121, um Teatro de
Sombras.59
Essa pequena narrativa sobre o teatro de sombras60 ilustra a sedução que as imagens
em movimento despertam no imaginário humano em todas as épocas. A projeção dos raios
luminosos começou a ser estudada quando "Aristóteles observou a passagem de um feixe de
luz através de uma abertura qualquer."61 Desde o olhar aristotélico, séculos se passaram antes
que o homem pudesse aplicar e reproduzir esse fenômeno observado.
Aristóteles (384-322 a.C) observou a imagem do sol projetada no solo em forma de
meia-lua ao passar seus raios por um pequeno orifício entre as folhas de um plátano62
e concluiu que, quanto menor fosse o orifício, mais nítida era a imagem. Surgiu assim
a primeira descrição da câmara obscura.63

Após mais de mil anos, um sábio árabe conseguiu tornar realidade o que Aristóteles
havia percebido. "O princípio da câmara escura."64

58
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC;
São Paulo: Unesp, 2003, p. 31.
59
O TEATRO de Sombras. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_de_sombras> Acesso em: 25
ago. 2008.
60
Teatro de Sombras surgiu na China, por volta de 5.000 a.C e consiste em uma projeção, sobre paredes ou telas
de linho, de figuras humanas, animais ou objetos. O espetáculo costuma atrair multidões graças ao seu peculiar
encanto artístico. Disponível em: <http://inusitatus.blogtv.uol.com.br/2007/05/21/o-incrivel-teatro-de-sombras>
Acesso em: 25 ago. 2008.
61
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC;
São Paulo: Unesp, 2003, p. 32.
62
Plátano - Os plátanos são árvores do gênero Platanus, da família Platanaceae, as quais são nativas da Eurásia e
América do Norte. Fonte: Wikipedia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Plátano>. Acesso em: mar.
2009.
63
PINTO, Cláudia Alves do Amaral. A Fotografia - História e origem. Disponível em:
<http://www.espigueiro.pt/reportagem/428fca9bc1921c25c5121f9da7815cde.html>. Acesso em: 25 ago. 2008.
64
O princípio da câmara escura é simples: se fizermos um pequeno orifício na parede ou na janela de uma sala
mergulhada na escuridão, a paisagem ou qualquer objeto exterior serão projetados no interior da sala, na parede
oposta ao orifício. Se a tela for feita com um pedaço de papel ou um pano branco, a imagem fica ainda melhor.
Se a tela estiver perto da abertura, a imagem fica pequena, porém nítida; se estiver distante, ela aumenta, mas
perde em definição e colorido. MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema.
São Paulo: Editora SENAC; São Paulo: Unesp, 2003, p. 32.

16
Uma das comprovações mais antigas que temos da sua utilização prática, segundo o
historiador alemão Klaus Opten Hoefel, é da observação de um eclipse solar pelo
sábio árabe Ibn Al Haitam, na corte de Constantinopla no ano 1038.65

Como o Sol observado diretamente poder ser prejudicial à visão, a câmara escura se
tornou o método perfeito para o estudo solar. Vítima desse efeito, o cientista Guillaume de
Saint-Cloud observou um eclipse no dia 5 de junho de 1285 e teve a visão prejudicada por
vários dias. Após esse acidente, passou a estudar o fenômeno apenas com o uso da câmara
escura. Segue uma curiosa passagem na qual descreve a técnica.
Faça uma abertura no telhado ou na janela de uma casa fechada, direcionada para a
parte do céu onde aparecerá o eclipse, aproximadamente do tamanho do orifício que
se faz em um tonel para se extrair o vinho. Quando a luz do sol entrar por esta
abertura, coloque a uma distância de 20 ou 30 pés do orifício alguma coisa plana, por
exemplo uma tábua, e verá que os raios de luz formam uma imagem circular sobre a
tábua, mesmo se a abertura for angular.66

A câmara escura não servia à ciência somente no campo da astronomia. O cientista e


artista Leonardo da Vinci (1452 - 1519) a utilizou para medir a distância entre o Sol e o nosso
planeta. "Da Vinci não abandonou o velho método empregado por Bacon de estudar o Sol sem
queimar os olhos; ele contava utilizar os raios que penetravam pela abertura da câmara escura
para calcular a distância exata entre o Sol e a Terra."67 Outro italiano, chamado Gerolamo
Cardano (1501-1576), procurando melhorar a qualidade da imagem refletida, aperfeiçoou o
sistema. Adicionou uma lente biconvexa na abertura por onde a luz entrava. Ele imitou, com a
experiência, o que Platão descreveu no texto mito da caverna.68
Se lhe agrada ver o que se passa na rua quando o sol brilha, coloque um disco de
vidro na janela e, estando a janela fechada, verá imagens projetadas através da
abertura na parede oposta; mas as cores serão suaves. Coloque então um papel muito
branco no lugar onde as imagens incidem.69

O físico Giovanni Battista della Porta (1540 - 1615) exibiu diversas paisagens usando
lentes sofisticadas, mas foi além do uso normal da câmara escura. Com a técnica de pintura em
vidro, incluiu nas projeções um cenário elaborado. Depois acrescentou atores e música.
Realizava o roteiro de cada apresentação, criando um espetáculo multimídia, uma celebração
das artes para comemorar a captura do movimento pelo homem. A facilidade de trânsito entre
a arte e a ciência foi essencial para o aperfeiçoamento da técnica da projeção.

65
HARRELL, Thomaz. A Imagem Virtual. História do Cinema. p. 2. Disponível em:
< http://www.tharrell.prof.ufu.br/> Acesso em: ago. 2008.
66
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 33.
67
Ibid., p. 34.
68
PLATÃO. O mito da caverna. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna> Acesso em:
mar. 2009.
69
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 33.

17
Graças a ele, a câmara escura, subitamente desviada de sua vocação científica, torna-
se um 'teatro ótico", um método de iluminação capaz de projetar histórias, cenários
fictícios, visões fantasmagóricas. Deixou os domínios da ciência e da astronomia para
mergulhar nos do artifício, da representação, do maravilhoso, da ilusão. 70

Della Porta inventou o Teatro Ótico,71 desviando o uso prático e científico no qual a
câmera era utilizada. A projeção se transformou em espetáculos dinâmicos, encantando o
público que se reunia no interior da caixa escura. Do lado de fora, atores reproduziam os
movimentos projetados. Os músicos tocavam acompanhando as imagens. Os atores recitavam
o texto. O teatro ótico, portanto, reunia a técnica da projeção ao teatro, literatura, música, dança
e pintura.
As imagens de Della Porta, corretamente projetadas graças às lentes de cristal e ao
espelho, que ele conhece desde 1558, apresentavam atores de verdade, com
cenário e músicas de acompanhamento.72

Della Porta aliou os princípios da câmera escura a jogos de espelhos para a criação de
monstros, em um espetáculo aterrorizante, desviando a imagem de seu sentido denotativo.
Seu objetivo era atemorizar os que o visitavam, através de espelhos deformantes ou
pintados, ou surpreendê-los com projeções inesperadas.(...) o trabalho de Della Porta
descrevia espelhos que alongavam ou encurtavam os rostos, tornavam os homens
mais velhos ou mais jovens, deformavam-nos e desfiguravam-nos, ou acrescentava-
lhes cabeças de asno, bicos de grou, focinhos de porco. Os métodos para tais efeitos
foram detalhados na Magiae naturalis.73

As figuras iniciavam sua evolução em direção ao estado mimético perfeito do


movimento. O jesuíta francês Jean Leurechon (1591- 1670) considerava a câmara escura uma
das mais belas realizações da ótica pela experiência proporcionada, sobretudo pelo ato de
mover-se.
Há sobretudo o prazer de ver o movimento dos pássaros, dos homens ou de outros
animais, e a agitação das plantas sopradas pelo vento [...] Essa bela pintura, além de
se apresentar em perspectiva, representa ingenuamente bem o que pintor algum
jamais conseguiu imprimir em sua tela, a saber, o movimento contínuo de um lugar
a outro.74

70
MANNONI, op. cit., p. 35.
71
Giambatista Porta, que teve sua “magiae naturalis sine de miraculis rerum naturalium” publicada em 1589,
afirmava que o reino da mágica natural incluía não só os poderes mágicos das imagens, pedras, plantas e
influências celestiais, mas também experimentos químicos e óticos. Porta apresentava então um teatro ótico
usando uma câmara escura para criar um entretenimento visual variado e móvel. HERTHEL, Nanda. História do
cinema: o início. Disponível em: <http://www.artigos.etc.br/historia-do-cinema-o-inicio.html>. Acesso em: ago.
de 2009.
72
Ibid., p. 37.
73
Ibid., p. 45.
74
Ibid., p. 39.

18
A arte da projeção conferiu novo ânimo a uma série de retratistas, pintores e
desenhistas, que forneciam sua técnica como reprodutores de imagens.
Diversos assuntos eram ilustrados sobre a superfície do vidro. Athanasius Kircher75
(1501-1576), em seu livro A grande arte da luz e da sombra, editado em 1646, detalha a
relação entre o pintor e a câmara escura portátil.
Kircher descreveu uma grande câmara escura destinada aos pintores de paisagem e a
ser colocada a céu aberto. Dentro dela, estendeu uma parede de papiro. O pintor tinha
apenas de entrar na câmara para desenhar no papel as paisagens externas.76

A pequena câmara escura portátil permitia aos pintores o aperfeiçoamento de suas


habilidades. Ao mesmo tempo em que reduzia o prazo levado para a produção de cada
paisagem, diminuía o tempo necessário para a formação de mão de obra. O lucrativo espetáculo
de projeções que despertou o interesse do público de imediato necessitava de novos
profissionais para suprimir as encomenda de novas apresentações. Nesse diálogo entre técnica,
ciência e artes que a mimesis da luz operava.
Por causa da dependência do sol como fonte de iluminação, os espetáculos eram
realizados pela manhã ou à tarde. Kircher foi o primeiro a pensar em uma "luz artificial". Sua
técnica consistia em acender uma vela no interior de um pequeno tonel de vinho. Com ajuda
de espelhos, a luz era refletida e concentrada por uma lente biconvexa, conseguindo bons
resultados. Era o princípio da Lanterna Mágica descrito em detalhes.
Era uma grande caixa de madeira, (podendo com certeza abrigar um homem de pé),
munida de uma chaminé "por onde a fumaça da lâmpada poderá escoar". A lâmpada,
colocada sobre um suporte ou suspensa por fios de ferro no centro da caixa, ficava
alinhada com uma abertura feita na parede da caixa, e um longo tubo estendia-se
dessa abertura. "Um vidro lenticular da melhor espécie" era fixado na extremidade
do tubo que ficava dentro da caixa, sobre uma espécie de passa-vistas, "coloca-se
uma lâmina de vidro bem transparente, sobre o qual se pinta tudo o que de bom lhes
parecer.77

A necessidade da luz do sol para a realização da projeção já não era imprescindível.


Aos poucos o tamanho da lanterna mágica foi diminuindo e foram implementados aparatos
mecânicos para realizar o movimento na imagem.
Com uma sequência de desenhos, era possível visualizar a representação de um trote de
cavalo, ilustrado por pintores.

75
Athanasius Kircher (1601-1680), jesuíta de origem alemã, foi ordenado sacerdote em 1628 e fixou-se em Roma em
1635. Além da lanterna mágica, inventada em 1650, Kircher é considerado o pai da história da música e inventor de
duas máquinas, uma para escrever e a outra para compor música. In: OLIVEIRA, Henrique J. C. Os meios
audiovisuais na escola portuguesa. Braga: Universidade do Minho, 1996, p. 49-52.
76
CHÉRUBIN d´Orleans. La dioptrique oculaire. Paris: T. Jolly & S. Bernard, 1671, p. 285-288, apud
MANNONI, op. cit.
77
MANNONI, op. cit., p. 79.

19
A imagem é "fixa" ou "animada", pois a placa comporta um sistema mecânico que
permite dar movimento ao assunto representado. Basta introduzir a placa de ponta
cabeça no passa-vistas e, na frente do foco luminoso de uma vela ou de uma lâmpada
a petróleo, [...] para que as imagens multicoloridas brilhem sobre a parede branca.78

Caminhando entre a dualidade do processo científico e da arte, a câmara escura e a


Lanterna Mágica se tornaram mecanismos fundamentais para a prática pedagógica que
utilizava a imagem como prática de ensino.
Alguns anos após a invenção da lanterna mágica, que Kircher descreve na obra Ars
Magna Lucis et Umbrae, "o dinamarquês Walgenstein substituiu, em 1660, o processo
de iluminação por luz artificial. Apesar de ter constituído inicialmente uma forma de
79
diversão, foi desde muito cedo utilizada como recurso pedagógico.

A projeção era também utilizada pela ciência, principalmente nas abordagens de temas
complexos pesquisados pelos cientistas. A novidade da projeção de imagens atraía muitos curiosos,
que apareciam nas palestras científicas, em jornais visuais e em toda sorte de eventos. Pelo fato de
atrair público e tornar compreensíveis assuntos complexos, a projeção foi pedagogicamente
difundida pelo uso, contribuindo com a disseminação da própria ciência.
Em 1852 já acalentava a idéia de usar as projeções para popularizar as ciências (idéia
muito antiga...). Só a lanterna mágica seria capaz de atrair o público e prender-lhe a
atenção; as mais difíceis explicações se tornariam compreensíveis quando ilustradas com
imagens luminosas.80

78
Ibid., p. 58.
79
OLIVEIRA, Henrique J. C., op. cit., p. 49-52.
80
MANNONI, op. cit., p. 271.

20
Similares a esses dois instrumentos, muitos outros surgiram na mesma época. Cito as caixas
ópticas, fantascópio, panorama, diorama, traumatrópio, anortoscópio, fenaquitiscópio.
Com os aparatos técnicos, era possível capturar o movimento e projetá-lo, faltando apenas
fixar as imagens produzidas pelos equipamentos óticos em papel. O objetivo era ultrapassar a
perfeição mimética dos pintores e desenhistas na técnica de copiar a realidade. Surgia então a
fotografia.

2.1 A Mimesis pela luz: a fotografia

Todo mundo ruminou, em algum momento, o velho


lugar-comum sobre a foto, atingindo uma exatidão
mimética tão perfeita que destrona a pintura e, ao mesmo
tempo libera para ela a via rumo à abstração.81

Jacques Aumount

A primeira fotografia foi realizada pelo francês Josepg-Nicphore Niepce em 1827. A


imagem fixou-se em um papel após oito horas de exposição. O objetivo agora era reduzir o
tempo de exposição. Niepce se associou ao pintor, cenógrafo e gravurista Jaques Mandé
Daguerre em busca de uma solução. Com o falecimento de Niepce, o químico Dumas se tornou
parceiro de Daguerre e, em 1839, apresentaram os progressos da pesquisa. Novamente a ciência
e a arte se encontram no desenvolvimento de uma técnica, dessa vez com o objetivo de
desenvolver a fotografia para grafar a luz.

Após vários anos de experiências, em agosto de 1839, Daguerre apresentou um novo


processo à L'Acadêmie des Sciènces et Beaux Arts de Paris. O processo provou-se
82
revolucionário, fez imediato sucesso e ficou conhecido como Daguerreotipia. Por
solicitação do próprio Daguerre, a técnica foi divulgada livremente ao mundo sem
quaisquer direitos autorais.83

81
AUMONT Jacques. O Olho Interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac & Naif, 2004, p. 37.
82
O francês Louis Daguerre foi quem primeiro produziu uma imagem fixa pela ação direta da luz. Em 1835, em
seu laboratório, Daguerre estava manipulando uma chapa revestida com prata e sensibilizada com iodeto de prata
que não apresentava nenhum vestígio de imagem. No dia seguinte, a chapa, misteriosamente, revelava formas
difusas. Ele concluiu que o vapor de mercúrio proveniente de um termômetro quebrado teria sido o misterioso
agente revelador. Daguerre aprimorou o processo passando a utilizar chapas de cobre sensibilizadas com prata e
tratadas com vapores de iodo. O revelador era o mesmo mercúrio aquecido; e o fixador, uma solução de cloreto
de sódio. O processo de Daguerre foi apresentado em 19 de agosto de 1839 perante uma sessão da Academia
Francesa de Ciência e Belas-Artes pelo astrônomo e deputado François Aragó (1786-1853). Ao tornar o invento
domínio público, o governo francês concedeu uma pensão de 6 mil francos a Daguerre.
83
HARRELL,Thomaz. A Imagem Virtual. História do Cinema. Disponível em:
< http://www.tharrell.prof.ufu.br/>. Acesso em: ago. 2008. p. 5.

21
Na mesma época o inglês William Henry Fox Talbot desenvolveu um processo
fotográfico muito mais barato e prático. Diferente da daguerreotipia, o processo de Talbot
utilizava um negativo de papel que permitia a fotografia em série. A única desvantagem é que
a imagem das cópias de Talbot não possuía a mesma qualidade dos daguerreótipos.

Mesmo assim, o progresso feito por Talbot foi popular. Em 1841 a Talbotipia já
conseguia concorrer em popularidade com a Daguerreotipia. Deve-se dizer que houve
processos e acusações de plágio entre ambos os rivais, mas Talbot perdeu quase todas
e não viu jamais os lucros do seu trabalho. Anos mais tarde, o francês Gustave Le-
Gray refinou a técnica imergindo os negativos de papel num banho de cera para torná-
los mais transparentes.84

A prática fotográfica foi simplificada a partir de 1871. O inglês Richard Leach Maddox
utilizou emulsão de gelatina para fixação da imagem.
O processo foi aperfeiçoado e ficou conhecido como chapa seca.

A invenção da chapa seca foi de tremenda importância para a fotografia. Os


fotógrafos poderiam ficar muito mais à vontade para se concentrar no assunto,
deixando todos os preparativos complicados de lado. Evidentemente a chapa seca
beneficiou muito mais a fotografia externa. A época da chapa seca é caracterizada
principalmente pelos negativos de vidro, que também eram usados nos processos
úmidos. Entre 1871 e 1885 muita pesquisa foi feita para encontrar novos suportes
para a emulsão seca, entre os quais o nitrato de celulose foi um dos preferidos.85

A técnica fotográfica obteve um avanço surpreendente entre os anos 1850 e 1880.


Surge, nesse período, a cronofotografia, uma série de fotografias produzidas em um curto
período entre elas, que possibilitaria a pesquisa do movimento. O primeiro a alcançar
resultados positivos nessa área foi Edward Muybridge (1830-1904). No ano de 1873, Edward
iniciou suas experiências procurando registrar a corrida de um cavalo. Para cumprir seu
objetivo, utilizou 24 câmeras fotográficas dispostas em sequência para saber se o animal
levantava as quatro patas do chão durante o galope. Dizem que havia uma aposta envolvendo
a questão e que a pesquisa foi patrocinada por um dos apostadores.

Em São Franciso, o sr. Muybridge causou grande sensação com suas fotografias
instantâneas de animais em movimento. A ciência do zootrópio recebe assim uma
bela ilustração com o auxílio da arte fotográfica; pois em suas fotografias é possível
obter cada fase, por ligeira que seja, do movimento de um cavalo, ou do vôo de um
pássaro, por exemplo. Temos aqui, talvez, uma nova aplicação da fotografia à ciência
fisiológica.86

84
Ibid., p. 6.
85
Ibid., p. 9.
86
Le moniteur de la Photographie. Paris, 16 de abril de 1879, apud MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e
da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC; São Paulo: Unesp, 2003, p. 310.

22
A publicação das imagens de Muybridge conquistou importância nas pesquisas sobre a
animação fotográfica. Seus estudos auxiliaram áreas como a veterinária e a medicina.
Estimulado pelas ações de Muybridge, o fisiólogo e inventor francês Dr. Jules Eienne Marey
utilizou a cronofotografia como um método investigativo da realidade no final do século XIX.
Isto aponta para uma questão: as cronofotografias são um novo suporte para um
método de investigação que já estava presente desde os primeiros trabalhos desse
cientista. Reforça-se a idéia de que o uso da fotografia (ou dos sistemas audiovisuais)
para a revelação de fenômenos e para a produção de conhecimento sobre a realidade
deve ser precedido por um método e principalmente por uma postura epistemológica
que se coloque à frente dos aparelhos e procedimentos utilizados.87

Após reproduzir a imagem, o homem procurava fotografar o próprio tempo. Se é


verdadeiro que a ciência movimentou a imagem, pode-se afirmar que a imagem em movimento
impulsionou as pesquisas científicas, tornando-se uma técnica essencial para a elaboração do
discurso científico e do discurso artístico.
O conceito mimético, que desde Aristóteles dominou o campo da arte, foi abalado
devido à reprodução instantânea da imagem. Instalava-se um paradoxo na arte. Se, por um
lado, os artistas exploravam a nova tecnologia, desviando a imagem de seu sentido objetivo,88
os cientistas estavam preocupados utilizando-a em pesquisas científicas.

Todavia, o que se pretende demonstrar aqui é que, no caso de Marey, além de apenas
mais um aparato técnico-fotográfico em desenvolvimento, tratava-se de uma
abordagem investigativa mais ampla, que também poderá ser encontrada até hoje, em
atividades documentárias, científicas ou não-científicas, que se desenvolveram
posteriormente.89

Não podendo o homem influenciar diretamente na elaboração da imagem, a fotografia


passou a ter o valor de representação do real. Roland Barthes, em A câmara clara: nota sobre
Fotografia, escreve sobre o dilema de ela transitar “entre duas linguagens - uma expressiva,
outra crítica."90 Com a democratização do processo fotográfico, em pouco tempo a fotografia
é usada artistítica e cientificamente. Mesmo que sua história tenha começado com uma ilusão,91
no início a nitidez das imagens causava espanto às pessoas.

87
SOUZA, Hélio Augusto Godoy. Marey e a visibilidade do invisível. Disponível em: <
http://hgodoy.sites.uol.com.br/Artigos/marey.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2008.
88
Tornando-a consequentemente metafórica e, portanto, artística.
89
SOUZA, Hélio Augusto Godoy, op. cit. Não paginado.
90
BARTHES, Roland. A câmara Clara: nota sobre Fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1984, p. 18.
91
Para ser realizada, a primeira fotografia, em 1827, pelo francês Josepg-Nicphore Niepce, teve que permanecer
em exposição durante oito horas. A foto foi produzida de sua janela e mostrava a vista do quintal de sua casa.
Como o material fotográfico é sensível à luz, entre a manhã e a tarde, o sol se deslocou, e aparecem no resultado
final dois focos intensos de luz, como se existissem dois sóis. BERINO, Aristóteles de Paula; VICTORIO, Filho.
Escrever com luz. Rio de Janeiro. Jornal Educação & Imagem, v. 2, 2007, p. 1.

23
Um aparelho que podia rapidamente gerar uma imagem do mundo visível, com um
aspecto tão vivo e tão verídico como a própria natureza. (...) As pessoas não ousavam
a princípio olhar por muito tempo as imagens por ele produzidas. A nitidez das
fisionomias assustava, e tinha-se a impressão de que os pequenos rostos humanos que
apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, tão surpreendente era para todos a
nitidez insólita dos primeiros daguerreótipos.92

De acordo com Diana de Abreu Dobranszky, no seu ensaio A fotografia entre a arte
e a máquina, na Antiguidade, a arte e a ciência se encontravam na mesma categoria, techné,
que englobava toda atividade que, por seguir regras, poderia ser ensinada.
Quando a fotografia surge na primeira metade do século XIX, ciência (campo da
técnica e do rigor metodológico e matemático) e arte (campo de criação e da
expressão) transitam em dimensões e bases teóricas completamente distintas. A arte
que abandonou a rigidez da doutrina de imitação da natureza para exercitar-se na
fluidez da expressão e dos sentimentos precisou lidar com uma nova forma de
produção que parecia reportar-se à doutrina abandonada no século XVIII. Da mesma
forma teve que lidar com uma mecanicidade que parecia ter maior relação com a
ciência do que com a arte, mas cujos operadores queriam que suas imagens fossem
reconhecidas como criação artística. 93

Assim, a partir da invenção da fotografia, é possível ao discurso fotográfico servir ao


campo de expressão (arte) e ao campo da verdade (ciência). Assemelha-se, portanto, ao
funcionamento da língua, que pode ser subjetiva (poética) ou objetiva (prosa).
A humanidade inicia a sua escrita visual em movimento quando o homem domina a
técnica da projeção, conseguindo imprimir o instantâneo da imagem pela ótica da câmera. O
texto, o pensamento e a informação, que durante os séculos foram baseados em um sistema de
escrita, tecidas no texto ou transmitidas pela oralidade, encontram na imagem outra forma
possível de escrita e propagação. A imagem na tela se desenvolveu como a palavra, entre o
sentido objetivo e subjetivo, entre a ciência e a arte, conferindo à linguagem audiovisual a
importância como escritura de imagens.
Se, na literatura, o leitor forma imagens, sons, movimentos a partir de narrativas que
possuem como apoio de partida o texto, no audiovisual o apoio de partida dá-se com as imagens
e os sons em movimento, que então encontra no espectador sua narrativa final. O processo é o
mesmo; o que é modificado é o seu sentido de origem. A escrita parte do texto para obter
imagens, sons e movimento. No audiovisual o movimento, as imagens e o som nos fornecem
o “texto escrito”. Fecha-se um importante ciclo quando as imagens em movimento podem
sustentar um discurso, uma narrativa própria. A mimesis do movimento estava criada.

92
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: editora Brasiliense, v. II, p. 95, 1993. (Obras Escolhidas).
93
DOBRANSZKY, Abreu Diana. A Fotografia entre a arte e a máquina. Revista Studium, Unicamp, v. 21, 2005.

24
2.2 A Invenção da Câmera de Filmar

A história da invenção da primeira câmera de cinema tem nuances típicas de um filme


de suspense de Alfred Hitchcock, devido ao desaparecimento de Louis Le Prince. Considerado
pelos britânicos e por alguns historiadores como o inventor da primeira máquina de registrar
imagens em movimentos com qualidade, desaparece misteriosamente durante uma viagem de
trem no dia 16 de setembro de 1890.

Dois Fragmentos de filmes foram descobertos, que colocam o francês Louis Aimé
Augustin Le Prince como o primeiro cineasta da história. O primeiro filme94 mostra o jardim
do sogro do cineasta, gravado no dia 18 de outubro de 1888, em Roundhav, na Inglaterra, com
menos de três segundos de duração.

O segundo fragmento95 mostra o movimento na ponte Leeds. Os filmes foram rodados


em papel fotográfico de 50mm96. Com o avanço da tecnologia e com outros trabalhos
realizados, o Le Prince se sente confiante para mostrar seu invento.

“Com a chegada do celulóide, tanto a quantidade como a qualidade dos filmes


produzidos por Le Prince teriam aumentado bastante, a ponto do inventor francês se
sentir seguro o suficiente para marcar um encontro visando apresentar sua descoberta
diante de M. Mobisson, secretário do Paris Ópera. É neste momento que a história do
cinema começa a assumir contornos de mistério e de suspense”. 97

94
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nR2r__ZgO5g>
95
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g3AbI6rs8XQ
96
O Celulóide, conhecido como película, foi criado apenas em 1889 por George Eastman.
97
SABADIN, Celso. Vocies ainda não ouviram nada. A barulhenta história do cinema mudo. Lemos Editorial
& Gráficos LTDA. SP. 1997 pg 34.

25
Com sua câmera e filmes, Le Prince embarca na estação de Dijon com destino final a
cidade de Paris. Ao chegar na cidade luz no interior do trem não havia vestígio nem do invertor,
nem do seu equipamento. Apesar de posteriores investigações policiais, este mistério nunca foi
solucionado.
É correto afirmar que dezenas de inventores disputavam na época a criação do
dispositivo de capturar e projetar imagens em movimento. Diversos inventos foram
apresentados, mas sem qualidade desejada ou sem registro de suas criações. Portanto podemos
colocar Le Prince como inventor da Câmera de Cinema e o primeiro cineasta.

2.3 O Cinema Individual de Thomas Edison

O cinema é uma arte composta, baseada no envolvimento de um


grande número de artes adjacentes: teatro, representação,
música, pintura… Na verdade, o “envolvimento” dessas formas
de arte pode, como de fato se verifica, influenciar
poderosamente o cinema.98

Andrei Tarkovski

A máquina capaz de mostrar ao espectador a imagem em movimento, o quinetoscópio,


inventado por Thomas Edison,99 apresenta pequenas cenas registradas da realidade. Graças à
nova invenção, os gestos dos atores seriam eternizados, evitando seu completo
desaparecimento na posteridade. Em poucos segundos, com uma caixa de um metro e meio de
altura e 75 quilos, era possível copiar uma imagem em movimento. Depois, olhando pelo seu
visor, a mágica. A imagem se movia.... nascia o quinetoscópio.
O funcionário encarregado pediu que eu me debruçasse sobre uma lente de vidro
colocada em sua extremidade superior; olhei: algo disparou dentro do aparelho, e eu
vi, fascinado, maravilhado, um aldeão tirolês dançar como um epilético diante de sua
cabana e suas montanhas (com o vento agitando o cimo das árvores), cena que durou
de 25 a 35 segundos [...] podia-se ver o deslocamento de seus joelhos, o
endireitamento de seus sapatos [...] Quando esta dança frenética chegou ao fim, o
pequeno tirolês sorriu, fez uma saudação e voltou à sua cabana.100

A escrita do movimento entra em cena com a mais perfeita máquina mimética já


construída. Nessa simples narrativa, Thomas Edison imitava a realidade com perfeição.
Aristóteles espantar-se-ia com essa câmara escura moderna.

98
TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
99
A ele são atribuídas mais de 1300 patentes, ainda que nem todas sejam de invenções de autoria própria. Entre
as suas criações estão a lâmpada elétrica incandescente, o gramofone, o ditafone, o microfone de grânulos de
carvão para o telefone e o cinestocópio. Wikipedia. Disponível em:
< http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Edison>. Acesso em: 15 de junho de 2008.
100
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 388.

26
Também era engenhosa a forma como esse invento encontrava uma importante aliada
na arquitetura dos estúdios. Thomas Edison, em suas memórias, descreve a construção da
arquitetura desse ambiente.
Quase tão impressionante quanto os filmes que ali fazíamos. Buscávamos
praticidade, não arte. O edifício tinha cerca de 25 a 30 pés e demos um efeito grotesco
ao telhado, elevando-o no centro e acrescentando-lhe uma saliência provida de
venezianas que podiam ser abertas ou fechadas por meio de roldana, de modo a
permitir-nos aproveitar ao máximo a luz.101

O quinetoscópio foi apresentado oficialmente "em 9 de maio de 1893 no encontro anual


do Departamento de Física do Brooklyn Institute of Arts and Sciences"102 e foi considerado a
primeira forma de cinema individual.
Entre 1894 e 1896, diversos filmes de pequena duração foram realizados. Registravam
cenas comuns de um casal se beijando em The Kiss e uma dança exótica em Serpentine
Dances. Como em um espetáculo de atrações, o quinestocópio mostrava um homem musculoso
em Sandow (The Strong Man), dois irmãos franzinos lutando boxe em Glenroy Brothers
(comic Boxing), rinha de galo em Cockfight. O público mais familiar poderia escolher uma
cena de mãe com uma filha alimentando os pombos em uma vista bucólica em Feeding the
Doves ou um homem fazendo a barba em The Barber Shop, onde se lê ao fundo uma placa
com os escritos "A última maravilha. Barba e corte de cabelo por apenas um níquel."

Com um bilhete de 25 centavos, o espectador poderia assistir a cinco quinetoscópios.


Com um bilhete de 50 centavos, poderia ver, de uma só vez, os dez curtas. Escolhendo um
lugar movimentado e propício ao espetáculo, a nova atração estreou na Broadway.
A Edison Manufacturing Company criou um Departamento Quinetográfico,
encarregado de explorar comercialmente os aparelhos. Em 6 de abril de 1894, dez
quinestoscópios, cada qual contendo um filme diferente, foram instalados no
estabelecimento dos irmãos Holland, na Broadway, 1155, em Nova York. Esse
primeiro Kinestoscope Parlor foi aberto no sábado, 14 de abril de 1894.103

101
EDISON, Thomas. Memoires et observations. Trad. M. Roth. Paris: Flammarion, 1949, p. 34.
102
Ibid., p. 390.
103
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 390.

27
2.4 A História das primeiras Projeções e exibições cinematográficas
O ano de 1895 é o marco das projeções e exibições de cinema. Em fevereiro Ácme le
Roy (que apesar do nome era americano) e o francês Eugene Lauste realizam uma precária
projeção para uma pequena plateia de pesquisadores nos Estados Unidos. A primeira exibição
paga da história do cinema foi realizada por Willian Kennedy Laurie Dickson (ex-assistente de
Edison) e o norte americano Major Woodville Lathan. Eles desenvolveram
“um sistema de filmagem e projeção chamado Panopticom, e o exibiram na Broadway
n 153, em Nova York, no dia 20 de maio de 1895. Como Dickson e Latham cobraram ingressos
para mostrar a invenção.ambos entrarão para a história como os responsáveis pela primeira
exibição paga de um filme. Seu título era Young Griffo versus Battlino Charles Barnett, uma
rápida historinha de apenas quatro minutos tendo o boxe como tema. O projetor era um
primitivo modelo batizado de Eidoloscope da Landa Company”. 104

De acordo com Sabadin, a Lanbda Company possui um outro pioneirismo. A primeira


empresa fundada especificamente com o objetivo de ser uma companhia cinematográfica.
Na Alemanha, no mês de outubro o alemão Ottomar Anschutz realiza uma exibição de
imagens em movimento, no entanto com um padrão de baixa qualidade. Mas no dia 1 de
Novembro os irmãos Emil e Max Skladanowsky realizam a primeira exibição de filmes com
qualidade em Berlim. O bioscópio se apresentava 40 dias antes da exibição dos irmãos
Lumiére. Oito filmes curtos foram exibidos nesta estreia e entreteram a plateia do Berlin
Wintergarten.
Em abril de 1895 Thomas Armat e Chrarles Francis Jenkins, utilizando o sistema
Phantas cope realizaram também uma exibição nos Estados unidos. Edison que estava tendo
problemas para desenvolver o seu sistema se uniu com estes dois inventores e lançou
posteriormente o que foi chamado de Edison Vitascope. De acordo com Sabadin, Armat
afirmou na época permitir que a invenção levasse o nome de Edison por motivos de prestígio
e publicidade.
Os irmãos Lumière aperfeiçoaram o invento de Edison, criando o espetáculo
cinematógrafo105 que poderia ser compartilhado em público, unindo em um só aparelho a

104
SABADIN, Celso. Vocies ainda não ouviram nada. A barulhenta história do cinema mudo. Lemos Editorial
& Gráficos LTDA. SP. 1997 pg 45
105
A primeira projeção de imagens animadas aconteceu no dia 1º de novembro de 1895, um mês antes desta
apresentação. O que aconteceu foi a fama do cinematógrafo, muito mais versátil, ter sobrevivido junto ao aparelho.
O mesmo não podemos afirmar sobre o bioscópio. "Os irmãos Max e Emil Skladanowsky, alemães de origem
polonesa, que, na mesma época dos Lumière e Edison, haviam inventado o "bioscópio", um aparelho de projeção
dupla que apresentaram publicamente no dia primeiro de novembro de 1895. (...) Entre 1892 e 1895, Max
Skladanowsky, que conhecia muito bem a recentemente desenvolvida película Kodak, perfurada e em 35mm,
aperfeiçoa seu aparelho, relativamente mais simples que o dos irmãos Lumière, que finalmente apresentará no
Wintergarten de Berlim quase dois meses antes da projeção dos Lumière no Café Índio de Paris em 28 de

28
câmera, o projetor e a copiadora de filmes. A praticidade também favorecia os franceses, pois
seu aparelho era dez vezes mais leve do que o de Thomas Edison.
Pesava cinco quilos, enquanto a máquina de Edison pesava 50. A película de 35
milímetros, perfurada, desenrolava-se à velocidade de 16 quadros por segundo, e as
lentes ampliavam as imagens projetadas. Um último detalhe proporcionou aos irmãos
nítida superioridade: a mesma máquina poderia ser utilizada tanto na filmagem como
na projeção, legendava e podia copiar outros filmes. Em 13 de fevereiro de 1895, foi
registrada uma patente em nome de ambos. Os irmãos batizaram a nova câmera de
Cinematógrafo.106

No dia 29 de dezembro de 1895, acontecia no Grand Café Boulevard dês Capucines,107


em Paris, a primeira projeção realizada pelos irmãos Lumière. Na tela foram exibidas, durante
poucos minutos, imagens em movimento como A Chegada do Trem em Lyon (1895), A saída
dos operários (1895) e O café do Bebê (1895).

A diferença entre Lumière e Edison era percebida na técnica, no enquadramento, no


tema, no modo de observar a cena. Edison filmava no estúdio, e a cena registrada era construída
por uma ação, enquanto Lumière tinha o olhar e o ponto de visão de um pintor, ao ar livre,
registrando o cotidiano da vida, observando as movimentações que lhe interessavam.
Adotando temas burgueses, Lumière retratou toda uma família em 1905, no filme The
whole Dam family and the Dam dog. A película mostrava, entre molduras, toda a família
Dam, o pai, a mãe, os filhos, o bebê da família, a cozinheira e o cachorro. Essa sequência
constituiu um álbum animado em movimento, um retrato fresco da burguesia. Com isso o
cinema passou a ocupar algumas funções pictóricas antes destinadas aos pintores e,
posteriormente, aos retratistas.

Dezembro de 1895. PARODI, Ricardo. O óbvio e o obtuso: origens e expansão do cinema alemão até a
Primeira Guerra Mundial. Disponível em: <http://www.goethe.de/INS/br/sab/pro/seminare/htm/semin2/
aula1.htm>. Acesso em: ago. 2009.
106
MELLO, Wilson. A Sétima Arte: O mundo dos irmãos Lumière. Disponível em: <br.geocities.com/
wilsonmello10/lumiere2.html>. Acesso em: 11 set. 2008.
107
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 16.

29
Nesta forte influência que a pintura exerceu no nascimento da linguagem cinematográfica,
encontramos outras semelhanças. A correspondência de temas, como a existente no filme Jogo
de cartas, rodado no castelo Lumière com os jogadores de cartas de Cézanne. As
coincidências narrativas e pictóricas contribuíram para que Godard, em seu filme Chinoise
(1967), expressasse, por meio da personagem interpretada por Jean Pierre Léaud, que "Lumière
era um pintor, o último pintor impressionista, considerando-o um artista, produtor de efeitos
de realidade."108
É certo que existe, na fotografia em movimento de Lumière, um olhar sobre a cena a
partir de uma análise do enquadramento. Pensa-se não no registro puro, e sim na riqueza de
detalhes e movimentos da ação, que possibilitam leituras diversas ao espectador.
Os efeitos de realidade, às vezes esquecemos de dizer, são também efeitos
quantitativos, e é este, eminentemente, o caso na Vista de Lumière. O que encanta o
espectador é também o fato de lhe mostrarem um número tão grande de figurantes a
um só tempo e, sobretudo, de maneira não repetitiva. As 'personagens' da Saída da
Fábrica ou da Place des Cordeliers são vistas como independentes umas das outras;
as pessoas ficam encantadas em descobrir, na décima vez que vêem o filme, um gesto,
uma mímica que até então havia escapado: a cada instante acontece alguma coisa, e
quantas se quiser, ou quase. Bastante esclarecedor, ao contrário, um filme como o
Desembarque dos fotógrafos no Congresso de Neuville-sur-Saône: bem
individualizáveis, já que passam todos fazendo os mesmos gestos afetados,
instalamo-nos na repetição, nos entediamos em um minuto!"109

De acordo com esse pensamento, podemos dizer que a movimentação interna das
pessoas dentro de um quadro cinematográfico e sua composição podem possibilitar diversas
leituras pelo espectador, sendo construídas, reinventadas pelo seu público. Uma imagem de
onde se pode extrair diferentes interpretações é uma imagem poética, uma imagem-metáfora.
A outra imagem baseada em uma repetição comum, uma linguagem objetiva, é uma
imagem-prosa. Consiste nessa definição o que separa a linguagem ordinária de Edison,
prosaica, e a imagem rica e artística de Lumière. Na época, a atração era o movimento no
cinema, e os temas eram acontecimentos sociais, catástrofes, batalhas, assinaturas de tratados
e enterros de celebridades. Grande parte da produção dos irmãos franceses se enquadrava
nessas categorias.
Uma notável exceção é L’Arroseur Arrosé (1895), também dos Lumière, mas que
se distingue por ser uma das primeiras tentativas de “criar” uma situação puramente
cômica e cinematográfica com o intuito de conseguir uma reação específica do
espectador. É o começo do cinema como instrumento de manipulação do espectador
e é também o começo do cinema arte.110

108
"Ainda hoje, este tipo de efeito responde a uma certa definição de arte visual, e nos esquecemos de que, ao
longo de ao menos um século, a pintura, e depois a fotografia, se obstinaram a produzir esse tipo de "efeito".
AUMONT, Jacques. O olho interminável [cinema e pintura]. Trad. Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac &
Naif, 2004, p. 34.
109
Ibid., p. 33.
110
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 18.

30
Nessa película o cinematógrafo registra pela primeira vez uma atuação. O teatro já
infiltra a nova arte, imprimindo suas influências essenciais para o desenvolvimento da
linguagem cinematográfica. É a gênese da atuação no cinema. Pela primeira vez, o
cinematógrafo não capta uma imagem documental, e sim uma cena construída sobre uma
narrativa. Erik Barnouw em seu livro Documentário, a história do filme não ficcional,111
escreve que Lumière, desde o início, assumiu uma postura de rejeitar o teatro como base para
o cinema, fato confirmado ao analisar sua filmografia, composta em grande parte por vistas de
paisagens, pequenos extratos da realidade, sem o uso de efeitos visuais, narrativas elaboradas
e cenários artificiais.

111
BARNOUW, Erik. Documentary: A History of the Non-Fiction Film. Nova Iorque: Oxford University Press,
1993.

31
2.5 O primeiro diretor cinematográfico e a magia do Cinema.
Escapando do cinema como representação da realidade, o Mágico Méliès, honrando
sua tradição de ilusionista, descolará da película o seu sentido de realidade. O que desperta a
atenção no aparelho e o modo criativo que poderia aperfeiçoar suas apresentações. Na época,
tentou adquirir o cinematógrafo dos irmãos Lumière, sem sucesso. Um dos motivos era que a
família Lumière não gostaria que o cinematógrafo, coisa séria, científica, fosse utilizada para
fomentar ilusões.
Entre as pessoas presentes na platéia estava o mágico e ilusionista George Méliès.
Ele definiu o que viu como um truque extraordinário e imediatamente se interessou
por ter acesso a um dispositivo semelhante. Confrontado com a recusa dos Lumière
em vender a ele um cinematógrafo, foi à Inglaterra, onde comprou e adaptou um
modelo semelhante de câmera feito por outro fabricante e, em poucos meses,
começou a realizar filmes que sintetizavam sua experiência de ilusionismo de palco
com as possibilidades técnico-expressivas do então novo meio.112

Godard, na retrospectiva Lumière, organizada por Henri Langlois, disse uma frase que
define bem a diferença entre eles: "O que interessava a Méliès era o ordinário no extraordinário,
e a Lumière o extraordinário no ordinário." Com um equipamento menos eficiente que o
cinematógrafo, era comum a Méliès cometer alguns erros durante as filmagens. A partir dessas
experiências, se desenvolvia a linguagem no cinema.
A fita quebra, o fotógrafo faz exposição dupla, a iluminação é insuficiente ou fraca,
os ajustes da objetiva criam imagens fora de foco, o filme é mais granulado ou está
velado... Estas dificuldades em gravar a realidade levaram à possibilidade do cinema
como arte. Todos estes erros e falhas constituíram, depois de dominados, os
elementos mais criativos do cinema.113

Um erro comum era o travamento da película durante as filmagens. Ao retornar ao


processo de filmagem, Méliés percebeu que o carro em cena fora substituído por outro, bem
como as pessoas, criando um efeito mágico de desaparecimento e substituição.
Quando o projetei vi de repente o ônibus da Madeleine-Bastille transformar-se em
carro funerário e os homens virarem mulheres... O truque por substituição, ou
interrupção, fora descoberto. Dois dias depois punha-me eu a executar as primeiras
metamorfoses de homens em mulheres e os desaparecimentos súbitos que tiveram,
ao princípio, tanto sucesso.114

O primeiro filme a se beneficiar dessa nova técnica foi L’escamotage d’une Dame
chez Robert-Houdin (A dama desaparecida), realizado em 1896.

112
TIETZMANN, Roberto. Gênese dos Efeitos Visuais no Cinema. Puc-RS. Trabalho apresentado ao GT de
História da Mídia audiovisual do V Congresso Nacional de História da Mídia, Facasper e Ciee, São Paulo, 2007,
p. 3.
113
HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 19.
114
COSTA, Ricardo. Os olhos e o cinema. Mimesis e onomatopeia. Portugal. Disponível em:
<www.bocc.ubi.pt>. Acesso em: 15 set. 2008.

32
Em cena, uma moça senta na cadeira e é coberta por um lençol. Instantes depois, o
lençol é retirado, e a moça desaparece. Essa pequena cena liberta o cinema do tempo real,
definindo a característica diferencial dessa arte que consiste em esculpir o tempo.115 Méliès
apresenta o fantástico, aproximando o cinema dos princípios da encenação teatral.
Até mesmo no truque de fundir uma cena com outra, Méliès adaptou técnicas teatrais
existentes, como se uma delas nascesse de outra. Invertia o filme alguns metros e
filmava o começo da nova cena sobre o término da antiga. Este artifício, conhecido
como "dissolução" foi rapidamente aceito pela platéia como convenção
cinematográfica, que persiste ainda hoje.116

Dez anos antes da invenção do cinematógrafo, em 1885, Méliès comprou, em Paris, um


teatro repleto de dispositivos para ajudar na realização dos seus truques de mágica e suas
ilusões. O espaço pertenceu anteriormente ao famoso mágico Robert-Houdin. Unindo a essa
arquitetura fantástica a imagem em movimento, Méliès descolou do cinema o seu sentido de
realidade, o que já havia acontecido com a fotografia.
Ao encontrar o cinema, o conhecimento do ilusionismo de palco de Méliés foi
combinado a um debate entre o registro realista de imagens e sua abstração, que vinha
acontecendo desde décadas antes no século XIX, motivado pela fotografia.117

Méliès produziu 1500 filmes, ampliando a capacidade narrativa a cada trabalho. A


literatura era a matéria-prima de suas obras, onde encontramos títulos como 20 mil léguas
submarinas, A viagem de Gulliver a Lilliput, Robinson Crusoé. Viagem à Lua, seu maior
sucesso, é "inspirado num conto de Cyrano de Bergerac, poeta e pensador do Século XVI."118
George Méliès é considerado o pioneiro na ficção cinematogrática.
Convencionalmente considera-se que Georges Méliès, com A viagem à lua, em
1902, e A viagem através do impossível, de 1904, foi o primeiro a introduzir a
narrativa cinematográfica: as seqüências, tomadas em plano fixo, foram relacionados
à sua montagem-colagem de trechos do filme (rolo ou bobinas).119

Habita em seus filmes a gênese da continuidade visual. No entanto não conseguiu se


libertar do palco. Limitada por ele, a câmera era colocada de forma frontal, central da cena, do
mesmo ponto de vista que o público tinha em relação à peça teatral, de forma fixa. O que se
movia era a cena, o que se passava no interior do quadro.

115
Andrei Tarkovski dedicou um livro inteiro à expressão "Esculpir o tempo".
116
GUIMARÃES, Cesar. Imagens da memória: entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997,
apud AUGUSTO, Maria de Fátima. A Montagem cinematográfica e a lógica das imagens. São Paulo:
Annamblume; Belo Horizonte: FUMEC, 2004, p. 28.
117
TIETZMANN, Roberto, op. cit., p. 5.
118
HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 19.
119
Convenzionalmente si ritiene che Georges Méliès con Il viaggio della luna del 1902 e Il viaggio attraverso
l'impossibile del 1904, sia stato il primo ad introdurre la narrazione cinematografica: le sequenze, riprese con
piano fisso, venivano collegate tra loro con il montaggio-incollaggio di spezzoni di pellicola (rulli o bobine)
ROVERE, Gabriele la. Il Cinema È Arte, Ma L'arte Del Cinema È Il Montaggio. Disponível em:
<http://1aait.com/larovere/montaggi.htm>. Acesso em: 17 set. 2008. (tradução nossa).

33
O mágico não conseguiu ultrapassar a magia encantatória do espaço cênico,
descartando as possibilidades da narrativa que encontraria do lado de fora do teatro.
Apesar da sua grande originalidade na narrativa e de sua criatividade técnica, Méliès
continuou preso ao conceito de palco, filmando sempre os seus dramas do ponto de
vista de um espectador sentado num teatro. Os atores entravam em cena como num
palco convencional, do lado esquerdo ou direito, a câmara era sempre fixa, nunca
mudando de ângulo ou posição. Sem dúvida a tradição teatral, e talvez de mágico,
foram tão fortes que Méliès não conseguiu perceber que o cinema lhe permitiria
romper as barreiras do tempo e do espaço.120

Com a expansão dos negócios, enviou o irmão para os Estados Unidos, na função de
representante comercial. Lá chegando, ele conheceu um realizador americano chamado Edwin
S. Porter,121 que revolucionou o cinema com um simples ato. Moveu a câmera. Começou a
filmar com os atores fora do teatro e dos estúdios de cinema. Libertando a cena do palco, agora
o espaço cênico do cinema poderia habitar qualquer locação do mundo.
Era como se unisse as vistas de Lumière e a mise-en-scene de George Méliès. Dessa
justaposição, aliada à prática profissional, conseguiu alcançar o conceito de plano.
Ele também descobriu que o plano era peça básica na construção do filme. Como
comenta Karel Reisz "Porter, revelou que um simples plano, registrando uma parte
incompleta da ação, é a unidade a partir da qual os filmes devem ser construídos e,
assim, estabeleceu o princípio fundamental da montagem."122

120
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 19.
121
Edwin S. Porter era o principal fotógrafo dos filmes produzidos por Thomas A. Edison. Entre 1898 e 1905,
Porter fotografou mais de uma dúzia de filmes para Edison. Entre estes, alguns dos mais interessantes são: Uma
Estranha Aventura do Baterista em Nova York (1899), O Pesadelo do Tio Josh (1900), Namoro à Luz da
Lua (1901), O Vagabundo do Século XX (1902). DANCINGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e
vídeo: história, teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
122
DANCINGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e vídeo: história, teoria e prática. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003.

34
2.6 A Construção da linguagem Cinematográfica

Em 1903 Porter filma a vida de um bombeiro americano, que conta a história dos
bombeiros que salvam uma mãe e uma criança de um prédio em chamas. Nas cenas de
incêndio, o cineasta recorreu a um filme documental de incêndio, intercalando com cenas de
interiores, realizada com atores.
A inclusão das cenas documentais trouxe um sentido de autenticidade para o filme.
Ela também sugeria que dois planos filmados em lugares diferentes, com diferentes
objetivos, podiam, quando unidos, significar algo maior do que a mera soma de duas
partes. A justaposição podia criar uma nova realidade, maior do que a de cada plano
individual.123

Assim como no texto, cada palavra tem modificado seu sentido com o texto que se
segue; no cinema o plano baseia-se no mesmo princípio. Porter então tecia o começo de uma
sintaxe, de uma ligação de sentidos entre a imagem, estabelecendo uma narrativa. Se era certo
que na origem do cinema apenas o movimento era atração, passado um tempo, fez-se
necessário acrescentar elementos para que as exibições continuassem a despertar a atenção do
público. Iniciava-se uma busca pela narrativa cinematográfica.
A montagem cinematográfica, como tal, deve, de forma embrionária, especialmente
a Edwin Stanton Porter, em A vida de um bombeiro americano, de 1902, e The
Great Train Robbery, de 1903.124

O filme O grande Roubo do Trem, finalizado em 1903, possuía 14 planos distribuídos


em 12 minutos. Porter apresentava uma narrativa sofisticada, mostrando cenas de perseguição,
roubo, troca de tiros. O último plano do filme termina com um enorme revólver que cobre toda
a tela, disparando a arma em direção à plateia.
Para os propósitos da narrativa, não é necessário ver toda a ação para entender a
finalidade do plano. Entrar em uma cena já começada sugere que o tempo passou.
Sair da cena antes de a ação terminar e passar para uma outra ação sugere mudança
de locação. Assim, as mudanças de tempo e espaço ocorrem, e a narrativa permanece
clara. (...) a contribuição de Porter para a montagem foi a organização dos planos a
fim de apresentar uma continuidade narrativa.125

O plano, que estava preso à entrada e à saída do ator em cena, se modifica. Nenhum
plano individual registra uma ação do início ao fim. Porter foi responsável por inovar
movimentando a câmera em seu eixo, criando o movimento panorâmico, reduziu a distância
dos atores em relação à filmagem com planos médios e closes, acentuou a dramaticidade e a

123
Ibid., p. 4.
124
Il montaggio cinematografico in quanto tale, lo si deve, in forma embrionale, soprattutto a Edwin Stanton Porter
in Vita di un pompiere americano del 1902 e La grande rapina al treno del 1903. ROVERE, Gabriele la. Il
Cinema È Arte, Ma L'arte Del Cinema È Il Montaggio. Disponível em:
<http://1aait.com/larovere/montaggi.htm>. Acesso em: 17 set. 2008. (tradução nossa).
125
DANCINGER, Ken. op. cit., p. 5.

35
tensão com a montagem paralela. Em 1906, na Biograph, recebeu a visita de um ator que o
procurava com um roteiro.

Porter rejeitou o roteiro, mas ficou com o ator, oferecendo-lhe cinco dólares por dia
para desempenhar um papel. David Wark Griffith, recém-casado e desempregado,
aceitou. Enquanto ator na Biograph, Griffith continuou insistentemente redigindo
roteiros e apresentando-os a Porter, que sempre os rejeitava. Certa vez, por falta de
um diretor, Griffith foi escalado para dirigir seu primeiro filme.126

A experiência de ator foi definitiva para o seu pensamento em relação à prática


cinematográfica. Melhorou a continuidade visual conquistada por Porter, adicionando
dramaticidade. Para conseguir esse feito, utilizou planos de diferentes tamanhos, aproximando
o espectador do que acontecia na tela. Associou os planos grandes, médios e os closes à
narrativa cinematográfica. Soube, como nenhum outro diretor na época, em que momento usá-
los para alcançar o efeito desejado.

O papel-chave de Griffith no período 1908-1913 não foi o de "inventar" técnicas e


procedimentos - close-up, movimentos de câmara, paralelismo de ações criado pela
montagem. Isoladamente e com funções diversas, estes já estavam em uso antes de
Griffith iniciar sua carreira. O que ele fez de crucial foi criar a figura do diretor,
traduzir para o cinema aquela busca de coerência do espetáculo própria à tradição
teatral, dar função dramática precisa às técnicas já conhecidas, transformar o close-
up em canal de "subjetivação" das imagens, adensar a psicologia no cinema e ampliar
o alcance da narrativa, não só no plano da continuidade das ações, mas também no
plano da carga simbólica atribuída às imagens. Enfim, o mestre da decupagem o foi
não por tê-la inventado, mas por tê-la transformado em peça-chave de um sistema
narrativo.127

A paixão pela literatura foi um dos fundamentos para o aperfeiçoamento do seu sistema
narrativo. A profunda admiração pelo escritor Charles Dickens fez com que se inspirasse na
literatura para aperfeiçoar a narrativa no cinema.128

Suas melhores idéias, parece, surgiram a partir de Dickens, que sempre foi seu autor
favorito... Dickens inspirou o Sr. Griffith com uma idéia, e seus empregadores (meros
homens "de negócios") ficaram horrorizados; mas, diz o Sr. Griffith, "fui para casa,
reli um dos romances de Dickens e voltei no dia seguinte para dizer-lhes que
poderiam ou usar a minha idéia ou despedir-me."129

126
Ibid., p. 6.
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 41.
128
Possuía um papel semelhante ao de Camões em relação à língua portuguesa. Em Os Lusíadas, seu poema
épico, o vate português unificou a ortografia da língua mantendo a unidade na escrita em toda a estrutura do
poema. Algumas palavras foram inventadas por ele para expressar da melhor forma o que desejava. O mesmo
processo se observa em Griffith, que elaborou e sistematizou a técnica para melhor servir ao discurso.
129
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005, p. 179.

36
O pensamento Griffithiniano influenciou todo o mundo cinematográfico. O
travelling,130 bem como o grande plano,131 era utilizado com precisão, construindo assim uma
linguagem no cinema.132
O Cinema narrativo de ficção promete uma linguagem que fala da realidade
utilizando os próprios meios, tipos e expressões, gestos, texturas e cenários da
realidade. Um grande esforço de codificar essa linguagem da realidade, como
denominou Pasolini, tornaria possível contar histórias através do cinema.133

Próxima foi a relação entre clássicos da literatura e cinema. O modelo adotado por
Griffith influenciou toda uma geração posterior. Farejava o sucesso literário e o transpunha
para a tela. Agindo dessa forma, acreditava aproximar o cinema de sua condição artística. “A
literatura dos séculos XVIII e XIX, mais precisamente o seu modelo dominante134 constituíam
a fonte ideal para toda uma geração de realizadores preocupada com a inscrição do cinema no
âmbito das belas artes.”135
No momento em que se consolida a narrativa no cinema na América do Norte, surgem
as vanguardas com inovações, principalmente na Europa.
O termo vanguarda, no âmbito do cinema, refere-se diretamente à tradição de seu uso
a partir da avant-garde francesa, conforme testemunhamos nos anos 1910 e com toda
força na década seguinte. De forma mais abrangente, o termo refere-se aos conjuntos
de movimentos artísticos de radical renovação e profunda ruptura do passado.136

Se o regime narrativo estabelecia sua hegemonia nos Estados Unidos, facilitada pelo
sucesso dos filmes de Griffith, os artistas reagiram para solidificar o cinema como forma de
arte. Paris era centro cultural do mundo naquela época, reunindo artistas de diversos países.
Nesse cenário surge o gênero de arte no cinema.

130
Travelling, também chamado [em francês] de chariot. Consiste em fazer avançar a câmara sobre carris, permite
passar, de modo já não tão discursivo, mas contínuo, do plano de conjunto ao plano aproximado, e
reciprocamente... foi na Inglaterra que ele apareceu pela primeira vez (1903) num filme de Collins - Marriagem
by motor. Na Itália utilizou-se pela primeira vez em estúdio com Cabiria (1923). ANGEL, Henri. O Cinema.
Trad. Antônio Couto Soares. Porto: Livraria Civilização Editora, 1972, p. 58.
131
Grande plano, cuja descoberta costuma-se a atribuir a Griffith, mas na verdade, mesmo antes de utilizá-lo era
amplamente empregado nos filmes italianos. (...) Entre todos os enquadramentos, é o mais importante. É o que dá
ao homem e ao rosto humano o máximo relevo, captando-lhe as características substanciais e acidentais.
BARBARO, Umberto. Elementos da estética cinematográfica. Rio de Janeiro: Editora civilização Brasileira,
1965, p. 148.
132
Há a famosa frase de André Malraux "O nascimento do cinema como meio de expressão (e não de reprodução)
data da destruição desse espaço fixo; da época em que o realizador começou a imaginar a divisão da sua história
em planos e procurou filmar não uma peça de teatro, mas uma sucessão de instantes duma cena... O meio de
reprodução do cinema é a fotografia móvel, mas o seu meio de expressão é a sucessão de planos.” ANGEL, Henri,
op. cit., p. 55.
133
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 29.
134
O drama do tipo de Diderot e o romance do tipo balzaquiano ou zolesco.
135
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997, p. 85.
136
VIEIRA, Luiz João. As Vanguardas Históricas: Eisenstein, Vertov e o construtivismo cinematográfico. In:
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 69.

37
O primeiro gênero, digamos assim, “elevado” a ser tentado pelo cinema foi chamado
film d´art, cujo modelo e rubrica foram dados pela França, embora seu sucesso nesse
país tenha sido quase nulo. O gênero nasceu em 1908, com a estréia, em Paris, do
primeiro filme da companhia Films d’Art – L’assassinat du duc de Guise -, cuja
missão principal era justamente “elevar o nível” do cinema francês, trazendo para a
sala escura o pedigree das formas estabelecidas de belas-artes.137

Poetas, músicos, pintores, dançarinos, atores e arquitetos observavam o cinema com


outros olhares, realizando uma oposição ao sistema de celebridades baseado sobre o lucro. Os
vanguardistas não praticavam concessões no roteiro e nas etapas de produção para alcançar o
maior número de pessoas possíveis, como acontecia no modelo americano.
A história dos filmes de vanguarda é muito simples. É uma reação direta contra os
filmes de roteiro e estrelismo. É a fantasia e o jogo indo de encontro à ordem
comercial dos outros. E isto não é tudo": é a revanche dos pintores e dos poetas. Numa
arte como esta, onde a imagem deve ser tudo, há que se defender e provar que as artes
da imaginação, relegadas a meros acessórios, poderiam, sozinhas, por seus próprios
meios, construir filmes sem roteiro, considerando a imagem móvel como personagem
principal.138

Enquanto Hollywood139 fazia a estreia do filme Intolerância, de Griffith, na Europa


era lançado o manifesto do cinema futurista, com influências da literatura e da poesia, no qual
temos no Vita Futurista (1916), de Arnaldo Ginna, o principal expoente. Nessa mesma época,
o pintor russo Leopold Survage realizava experiências plásticas no cinema. Vale ressaltar que
Survage obteve um diploma em piano140 por influência paterna.141
Com formação musical e plástica, investigava um meio de diálogo entre essas duas
artes, uma ponte. Tateava à procura da sinestesia escondida no movimento da pintura e da
música.
Tenho dito que a pintura de Léopold Survage é o mais próximo do que eu conheço
como "música visual". É música visual quando é bem-sucedida, quando ela atinge
seu objetivo. A técnica do pintor e os objetivos estéticos, que conformam o Problema
do Espaço, estão, quando analisadas, vistos a ser algo perfeitamente análogo à
música.142

137
MACHADO, Arlindo, op. cit., p. 84.
138
VIEIRA, L. J. As vanguardas históricas:Eisenstein, Vertov e o Construtivismo Cinematográfico. In: Ivana
Bentes. (Org.). Ecos do Cinema: de Lumière ao Digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, v. , p. 69-82.
139
"É nesta época que o cinema começa a assumir os contornos de uma verdadeira indústria, sobretudo nos Estados
Unidos". HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 26.
140
At a young age, Survage was directed to enter the piano factory operated by his Finnish father. He learned to
play piano, then completed a commercial diploma in 1897. Disponível em:<http://en.wikipedia.org/wiki/
Léopold_Survage>. Acesso em: 21 set. 2008.
141
I had aspirations to become a painter; but all my family were against it, and especially my father. I was sixteen.
After a year of hesitation, I ended by obeying him, and became an apprentice in a piano factory. SURVAGE,
Leopold. Autobiography. Nova Iorque: Covici-Friedi Publishers. 1929 p. 2 (tradução nossa). “Eu tinha
aspirações de me tornar um pintor, mas toda a minha família era contra e, sobretudo, meu pai. Eu tinha dezesseis
anos. Após um ano de hesitação, acabei por lhe obedecer, e tornei-me um aprendiz em uma fábrica de pianos.”
142
I have said that the painting of Léopold Survage is the nearest thing I know to "visual music". It is visual music
when it is successful, when it achieves its aim. The painter's technical and esthetic aims, comprised in the Problem
of Space, are, when analyzed, seen to be something perfectly analogous to music. PUTNAM, Samuel. The
Glistening Bridge - Leopold Survace and the spatial problem in painting. New York: Covici-Friede

38
Survage, dando continuidade aos estudos de Kandinsky, parte do princípio de que o
ritmo é a analogia que une as cores e formas à música.143 Ele escreve que a cor não é o único
ponto em que encontramos o pintor pensando em termos musicais. Ele ainda pensa nesses
termos quando se aproxima do problema de transferir a forma objetiva para a tela,144 utilizando
formas abertas (abstratas) e ritmos (tempo), criando, desse modo, um sentido, uma emoção ao
espectador. O crítico Rolland Dailly afirmava que “enquanto os pintores não trouxessem ao
cinema sua visão arbitrária, este nunca abandonaria o domínio do plágio.”145
Se, por um lado, a fotografia auxiliou a pintura na época dos impressionistas para um
caminho livre à abstração, a pintura devolveu o favor trazendo essa experiência abstrata para a
fotografia em movimento, encerrando um ciclo. O cinema elevava sua experimentação no
interior da película.
Seus filmes Le Rhytme Abstrait (1913) e Etudes Pour un Film Abstrait (1913),
são provavelmente os primeiros exemplos de cinema experimental puro e partem do
princípio de que o cinema como arte não serve somente para copiar ou imitar a
realidade, mas pode ser um instrumento de expressão unicamente plástica e
estética.146

Com auxílio do cinema, o artista conseguia não só estudar a correspondência entre


elementos pictóricos e a música, mas une essa experiência a uma prática artística, utilizando a
linguagem audiovisual como metodologia de estudo e criação, simultaneamente. Surgia, dessa
forma, a realização de um cinema puro, abstrato, totalmente afastado do modelo de
representação do real adotado até então, baseado no ritmo. Era comum uma pequena orquestra
ou um piano acompanhar o filme durante a exibição. Esses dois filmes realizados em 1913
serviram de inspiração para outros artistas, que seguiram adiante na investigação da
plasticidade no cinema e sua relação com a música.147
Vicking Eggelink, depois de Léopold Survage, tem a distinção de ter sido o primeiro
cineasta a utilizar o cinema para a expressão do movimento rítmico das formas puras.
Com o seu filme experimental Diagonale Symphonie (1921-24), Eggelink se coloca
como um dos primeiros nomes na lista de célebres experimentalistas dessa época ao
lado de: Hans Richter, Rhytmus (1921); Walter Ruttman, Opus IV (1922); Fenand
Léger, Ballet Mécanique (1924); Man Ray, Emak Bakia (1926), e Marcel
Duchamp, Anemic Cinema (1926), entre outros.148

Publishers, 1929, p. 112. (tradução nossa).


143
Toda esta defesa está publicada no último número de Soirées de Paris em 1914 em um artigo intitulado On Its
Analogy with Music. PUTNAM, Samuel. op. cit., p 113.
144
But color is not the only point at which we find the painter thinking in musical terms. He is still thinking in
those terms as he approaches the problem of transferring objective form to his canvas: PUTNAM, Samuel, op.
cit., p. 113. (tradução nossa).
145
SURVAGE, leopold. The Plastic Synthesis of space. 1927. Apud ANGEL, Henri. O Cinema. Porto: Livraria
Civilização Editora. 1972, p. 155.
146
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 16.
147
Outras obras dignas de nota nesse período são: Entre-ato, de René Clair (1924), Le Coquille et le clergyman
(1926), de Germaine Dulac, Le Retour a la raison (1923), de Man Ray.
148
HARRELL, Thomaz. A Imagem Virtual. História do Cinema. p. 28. Disponível em:

39
Na França surge o movimento Dadaísta, que acentua a capacidade abstrata ligada à
narrativa no cinema. Devido às suas características, o Dadaísmo teve uma projeção de curta
duração, imprimindo ideias no surrealismo e no expressionismo. Com poucas obras
representativas, devido ao seu breve período, o filme Entre-ato (1924), de Rene Clair, constitui
a principal referência da época dadaísta do cinema. Apresentado entre os atos de uma peça de
Francis Picabia (Relâche) com música de Erik Satie, o filme fez sua estreia.
Desiludidos com a sociedade em que viviam e cansados dos padrões estéticos em
vigência, estes artistas queriam sensibilizar pelo choque. O movimento Dadaísta foi
simplesmente um dos mais tempestuosos e revoltados movimentos de que se tem
notícia. Foi também um dos mais revolucionários, pois por ser um movimento anti-
intelectual (e antiestético), modificou profundamente a forma de se ver a arte, assim
como a forma de se fazer arte. A orientação principal era de contrariar os padrões
sociais e estéticos, proclamando a supremacia do arbitrário e do irracional.149

Na Alemanha, os expressionistas acompanhavam a tendência de levar o cinema rumo


à abstração. Elementos como sombras, o jogo de claro e escuro, figurinos sofisticados,
maquiagens, formavam a imagem subjetiva. O expressionismo, portanto, desenvolveu-se no
cinema a partir da estética dos pintores, influenciados, por sua vez, pela literatura e o teatro.
O expressionismo é essencialmente um movimento estético, literário, poético e teatral
enraizado na cultura germânica. Originalmente, o termo expressionismo foi utilizado
por um grupo de pintores do começo do século para descrever os seus princípios. (...)
Os primeiros expressionistas formaram na cidade de Dresden, no ano 1905, um grupo
com o nome Die Brucke (A Ponte).150

Entre as obras principais do expressionismo cito O gabinete do doutor Caligari


(1919), O Golem (1920), Nosferatu151 (1921), A Última Risada (1924), O Vampiro de
Dusseldorf (1925) e Metrópolis (1927). O cinema expressionista possui um laço estreito com
a pintura. O maior expoente dessa geração foi Fritz Lang que, antes de ser diretor de cinema,
foi pintor. O autor dos filmes como Dr. Mabuse (1922) e M. O vampiro de Dusseldorf (1931)
cursou um semestre na faculdade de arquitetura, abandonando-a para estudar esculturas e
melhorar as habilidades como pintor.
Lang freqüentou por um semestre as aulas de arquitetura, mas logo abandonou os
estudos e sua Viena natal, indo atrás do desejo de ser pintor. (...) Lang acabou
passando por vários países da Europa e do Oriente, solidificando uma experiência
muito importante na área da pintura, tendo convivido com movimentos intelectuais
interessantes.152

< http://www.tharrell.prof.ufu.br/> Acesso em: ago. 2008.


149
Ibid., p. 34.
150
Ibid., p. 26.
151
Em seu livro Surrealismo e Cinema, T.H. Mathews nos relata que, quando o poeta surrealista Robert Desnos
elogiou Nosferatu no jornal francês Le Soir, em 27 de maio de 1927, foi porque ele sentiu que nenhuma de suas
inovações técnicas era arbitrária, e porque “tudo foi sacrificado à poesia e nada à arte”.151 HARRELL,Thomaz.
op. cit., p. 32.
152
MANZANO, Luiz Adelmo Fernandes. Som-imagem no cinema: a experiência alemã de Fritz Lang. São
Paulo: Perspectiva; Fapesp, p. 77, 2003.

40
O conhecimento de arquitetura em Lang fez com que utilizasse o espaço interno do
teatro para possibilitar os grandes cenários de seus filmes. Sua experiência na escultura
constitui grande importância, principalmente no filme Metrópolis, com construção de
máquinas, escadarias, cenários imensos, maquetes futuristas. O filme possui, além da
plasticidade estética da imagem, a plástica da movimentação dos atores.153 Fritz Lang teve uma
relação próxima também ao teatro,154 sendo "influenciado principalmente pela encenação de
Max Reinhardt."155
Participou da I Guerra Mundial, onde foi gravemente ferido, perdendo um olho. No
Hospital, iniciou a redação de roteiros para Joe May, os quais eram dotados de um forte
grafismo no campo do fantástico e do demoníaco. "O êxito desses argumentos o levou a ser
convidado para realizar filmes."156 Conhecendo a diversidade da sua formação artística (ator,
escultor, pintor, roteirista), podemos perceber o motivo que levou sua obra à representação
máxima do expressionismo. A qualidade da obra audiovisual depende da proporção do
conhecimento e experiência do diretor em outros campos artísticos.
Na Rússia, o mesmo fenômeno acontece na poesia musical de Dziga Vertov e na
pesquisa das artes e do movimento em toda a trajetória artística de Eisenstein. Ambos
possuíam a mesma ânsia pela inovação e renovação da linguagem cinematográfica, unidos a
toda uma geração de artistas da união soviética.
Essa busca e necessidade de experimentação, de encontrar alternativas para a já então
inevitável consagração de um modo único de se fazer e consumir cinema, encontrou
seu campo mais fértil na Antiga União Soviética.157

Procurando se opor ao cinema comercial de Griffith, o cineasta Russo Vertov fundou o


grupo de documentaristas-Kinoks, em 1919. Ele declarava que os velhos filmes romanceados
e teatrais possuíam lepra, incitando o público a fugir desses espetáculos. Vertov deseja a Poesia
do cinema, procura um ritmo próprio, a especificidade fílmica. Em 1922 tem seu manifesto
publicado no primeiro número da Revista Kinophot:
Nós caminhamos de peito aberto para o reconhecimento do ritmo da máquina, para o
deslumbramento diante do trabalho mecânico, para a percepção da beleza dos
processos químicos. Nós cantamos os tremores de terra, compomos cine-poemas com

153
Os atores com seus movimentos em sincronia em muito se assemelham ao balé e respectiva coreografia.
154
Atuou ainda como ator no filme O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. Logo, voltaria para os Estados
Unidos, onde veio a falecer, quase cego. FRITZ Lang. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Fritz_Lang>.
Acesso em: 23 mar. 2009.
155
MANZANO, Luiz Adelmo Fernandes op. cit., p. 78.
156
FRITZ Lang. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Fritz_Lang>. Acesso em: 23 mar. 2009.
157
VIEIRA, Luiz João. As Vanguardas Históricas: Eisenstein, Vertov e o construtivismo cinematográfico. In:
BENTES, Ivana (Org.). Ecos do Cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 71.

41
as chamas e as centrais elétricas, admiramos os movimentos dos cometas e dos
meteoros, e os gestos dos projetores que ofuscam as estrelas… Viva a poesia da
máquina acionada e em movimento, a poesia dos guindastes, rodas e asas de aço, o
grito de ferro dos movimentos, os ofuscantes trejeitos dos raios incandescentes.158”

Com bons conhecimentos musicais, Vertov soube expandir os limites dos ritmos
visuais na tela.159 A escolha do seu pseudônimo no cinema torna mais explicita essa união entre
a ação e o som, a música e o ritmo, a poesia160 e as imagens.

Neste momento adota o pseudônimo Dziga Vertov, uma tremenda ironia. Vertov é
derivado do verbo girar, rodar ou fazer rodar; Dziga, segundo o próprio, é a
onomatopéia do girar da manivela em uma câmara (dziga, dziga,...).161

Seu filme Homem com uma câmera revolucionou a estética e o ritmo da montagem,
fruto de seu conhecimento de ritmo proveniente da música e da poesia.

158
XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Edição Graaal; Embrafilme, 1983, p. 249.
159
Estudou música no conservatório da cidade até a invasão alemã, que o obrigou a mudar-se para Moscou. Lá,
trava conhecimento com o Futurismo de Marinetti, enquanto se dedica à poesia e à ficção científica.
160
Procurando estruturar toda esta nova linguagem, surgem termos como cinema prosa e cinema-poesia. Em um
artigo chamado o Extrato do ABC dos Kinoks, em 1929, publicado por Vertov.
161
Poeta e Homem do Cinema. Disponível em: <http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia
_c_4844.html> Acesso em: 1 out. 2008.

42

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