André Scucato
1
SUMÁRIO
2
1.0 O ESTADO POÉTICO GREGO: Mímesis, Téchné e Poiésis
Um povo se torna povo quando sua autoconsciência é
patenteada num poema inaugural. É possível imaginar uma
sociedade sem sapateiros, porque é possível viver descalço, mas
não uma sociedade sem poetas, porque não há vida humana sem
linguagem.1
1
RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. Arte no pensamento de Platão. p. 130. Disponível em:
<http://www.artenopensamento.org.br/palestras.php> Acesso em: 20 mar. 2007.
2
SOUZA, Jovelina Maria Ramos. A dimensão ético-política da crítica platônica à mimesis na Politéia. Belo
Horizonte: UFMG/FAFICH, 2003, p. 13. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG em 30/01/2003.
3
Poemas épicos escritos por Homero.
4
[Do gr. aoidós, "cantor"] Na Grécia Antiga, poeta que recitava ou cantava suas composições religiosas ou épicas,
acompanhando-se à lira. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1986, p. 52.
5
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 10.
3
Cabe lembrar que "os poetas foram não só os primeiros educadores hegemônicos da
cidade, mas também os primeiros a tentar explicar a origem e a ordem do mundo."6 "De
Homero a Hesíodo, a cultura grega se mostra completamente impregnada pelos efeitos da
poesia na formação ética, política e pedagógica das crianças e dos jovens."7 A poesia homérica
era utilizada em todos os níveis educacionais, reconhecida como enciclopédia do saber.
Ilíada e Odisséia constituíram fontes seguras de informação para todo o grego bem
educado e que as conhecia desde a mais tenra infância: "Homero era não um homem,
mas um deus" era uma das sentenças que os jovens transcreviam durante o processo
de alfabetização no período helenístico.8
No século VI a.C, o estadista Sólon institui que, "em Atenas, o ensino dos poemas
homéricos fosse parte da educação dos jovens atenienses."9 Fato compreensível em uma
sociedade que baseava o sistema de ensino em técnicas de memorização e repetição. A poesia
tinha a função de transmitir ensinamentos éticos, pedagógicos e práticos que, aliada aos meios
de produção, funcionava como uma mola propulsora do Estado grego, um meio de apreender
sobre a vida, sobre as funções na pólis grega, de se relacionar com o divino e com o profano.
Também entretinha. A recitação declamada pelos rapsodos era escutada por grandes públicos
nos festivais de arte e celebrações religiosas.
Peisistratos introduziu a recitação dos poemas Homéricos nas Panatéias, o maior
festival em honra da deusa Atena. O estabelecimento de aprendizagem e recitação de
Homero nos festivais compunha o ideal grego de sociedade, que deveria valorizar
seus alicerces para que não caísse em meio a devaneios. 10
Todo jovem possuía como modelo as ações e feitos dos heróis nas epopeias homéricas.
Criava-se uma referência em que o processo de imitação consiste em assemelhar o aluno aos
homens virtuosos do passado.
As duas obras de Homero contêm, em seus relatos, o constante entrelaçamento entre
o cenário político e militar da guerra e os rituais, as crenças, os costumes, as tradições
dos gregos em suas relações familiares. De um lado, a ação dos heróis no campo de
batalha, do outro, o lado humano de seus heróis. Nesse sentido, a Ilíada e a Odisséia
representam, no período de seu surgimento, a instância privilegiada para o povo grego
compreender melhor o próprio mundo. Reunindo a tradição oral e a escrita em um
mesmo espaço, o da epopéia, Homero pensa a vida do cidadão grego, a partir das
noções de virtude (areté) e justiça (díke). 11
6
Ibid., p. 9.
7
Ibid., p. 9.
8
MURRAY, P. Plato on Poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 19.
9
NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos.
Disponível em: <http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
10
Ibid.
11
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 25.
4
Utilizando o modelo do homem ideal encontrado nos poemas homéricos, o governo
estabelece uma organização social pela doutrinação do aluno por meio da educação, auxiliando
a preservar a ordem já estabelecida. As qualidades estéticas da poesia não eram o motivo da
sua difusão na comunidade grega, mas sim sua eficácia pedagógica em transmitir a ética e o
conhecimento. A sua função moralizadora era o que importava ao Estado Grego.
Aristóteles
12
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
13
O conceito de imitação, a mimesis, foi o primeiro conceito de arte criado pelos gregos e que, por longos séculos,
se consolidou como a principal referência artística. RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação
na pintura Renascentista e impressionista. In: Revista Eletrônica print by FUNREI. Disponível em:
<http://www.funrei.br/revistas/filosofia>. Acesso em: 27 mar. 2008.
14
SÖRBOM, Göran. Mimesis and Art. Studies in the Origin and Early Development of an Aesthetic
Vocabulary. Scandinavian University Books, 1966. Disponível em: <http://www.blackwellpublishing.com/
content/ BPL_Images/Content_store/Sample_chapter/9780631207627/001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008.
15
A tese de Killers é que a palavra grega mimesthai vem de mimos, o que significa ator, ou participante em um
evento como protagonista, de onde deriva o sentido do ator dramático. KUI, Wong. Nietzsche, Plato and
Aristotle on Mimesis. Disponível em: <http://dogma.free.fr/txt/KwokKuiNietzschePlatoAristotle.htm>.
University of Hong Kong. Acesso em: 01 fev. 2009.
16
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 51.
5
A arte mimética reproduz os gestos, as falas, as ações, ela "incide sobre os elementos
que ajudam a compor os personagens, os sons da natureza ou os elementos colocados em cena
pelo ator, e ainda, as paisagens imaginárias e os ofícios representados na obra do pintor." 17
A mimesis está de tal forma relacionada com a arte que os dois campos se confundem
assim como seus limites. Da encenação ao figurino, da música à tela, da dança ao texto, do
corpo à fala, a mimesis fundamenta a relação da arte com o real e o público.
"Em Platão a mimese atravessa todo o campo da criação artística."18 O conceito mais
evidente da aplicação prática da mimesis em relação à arte é o valor que a representação
mantém com a realidade. Quanto maior a verossimilhança do objeto representado com o real,
maior é o seu valor artístico.
Plínio e Cícero relatam a história do pintor Zeuxis, que foi convidado a ornamentar o
Templo de Juno. O artista, desejoso de uma imagem que englobasse o reflexo perfeito
da beleza feminina, solicitou que as jovens mais belas da cidade se submetessem ao
seu julgamento. Como não encontrou alguma que fosse perfeita, cinco das mais belas
posaram para o artista, que compôs sua figura com as partes do corpo mais perfeitas
de cada uma. Zeuxis, obcecado pela ilusão, pintou com acuidade uvas que os
passarinhos vinham bicar. Entretanto, sentiu-se humilhado por Parrasius, seu rival,
quando desejou afastar uma cortina pintada em tromp l’oeil pelo mesmo.19
17
Ibid., p. 52.
18
Ibid., p. 51.
19
ROSEMBER, Liana Ruth Bergstein. Artista e modelo: uma visualidade poética. Disponível em:
<br.geocities.com/anpap_2004/ textos/chtca/LianaRosembe.pdf.> p. 3. Acesso em: 2 abr. 2008.
20
Poese [Do gr. Poíesis, eos.] El. Comp. = ´formação´, ´criação´.
21
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 54.
22
CASTRO, Manuel Antônio. A Poética da poiésis como questão. Disponível em:
<http://travessiapoetica.blogspot.com/ 2006_09_01_archive.html>. Acesso em: 15 abr. 2008.
23
DASTUR, Françoise. Arte no Pensamento. p. 16. Disponível em: <www.artenopensamento.org.br/pdf/
arte_no_pensamento.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2008.
6
O mesmo acontece com a Techné, que, devido a um erro, passou a ser traduzido como
Arte. Manuel Antônio de Castro ressalta que, na leitura do tratado de Aristóteles, se fez uma
enorme confusão porque o termo substantivo era techné, que dizia respeito a todo e qualquer
conhecimento e que indicava um "conhecimento" especial; o adjetivo poiétiké ficou esquecido.
Passou-se a falar em Poética e se entendeu, na verdade, Techné, ou seja, conhecimentos
técnicos.
Do verbo poiein se formou o adjetivo poietikos. (...) O feminino se substantivou e
tornou-se he poitiké, ligada a outro substantivo grego: techné. Este substantivo
significa fundamentalmente conhecimento.24
24
CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
25
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
< www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19 mar. 2007.
26
CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
27
RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. op. cit. p. 105.
7
O fenômeno envolvendo a mimeses é tão forte e complexo no estudo das artes que a
sua evolução permanece associada ao conhecimento até os dias atuais. Maria Luiza Falabella
escreve sobre a mimesis no livro História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração:
Constitui sempre um desafio às reflexões sobre a natureza da arte, seu papel, suas
relações com o mundo, e esteve no centro da discussão das artes desde a Antiguidade
Greco-Romana até os nossos dias. Sua importância como conceito refletiu-se tanto
no discurso filosófico como no fazer artístico e na nossa própria maneira de ajuizar
a obra de arte.28
Platão nasceu em Atenas, no ano 427 a.C. Na juventude era Poeta, e a sensibilidade na
escrita o acompanhou por todos os textos. Aos vinte anos conheceu Sócrates, permanecendo
seu discípulo até o falecimento deste, oito anos depois. Após a morte do mestre, Platão partiu
para conhecer o mundo e se instruir. Conheceu o Egito, admirando sua estabilidade política
encontrou os pitagóricos na Itália. Conheceu o Egito e admirou sua estabilidade política. Na
Itália, encontrou os pitagóricos Na Sicília conheceu o tirano Dionísio, o Antigo, e terminou
preso e vendido como escravo. Libertado por um amigo, voltou a Atenas dez anos após a
partida, no ano de 387 a.C e fundou a célebre escola nos Jardins do Academo, de onde
germinou o nome Academia.30
O Filósofo dedicou 50 anos à escrita, ao pensamento e à defesa da filosofia como
doutrina da lógica. Se bem da verdade contribuiu para o pensamento, Platão provocou uma
cisão entre razão e imaginação, entre arte e pensamento, conferindo à filosofia as questões da
racionalidade e delegando à poesia e à arte a faculdade de imaginação e inspiração divina.
28
FALABELLA, Maria Luiza. História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração. Rio de Janeiro: Editora
Elo, 1987, p. 9.
29
LIMA, Roberto Sarmento. O falso da imitação. Revista LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Escala
Educacional, Ano 2, n. 19., p. 46. ISSN 1984-3682.
30
MADJAROF, Rosana. Platão a Vida e as Obras. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/
platao.htm>. Acesso em: 13 abr. 2008.
8
O objetivo platônico era minar o poder da poesia nas estruturas sociais para que a
filosofia fosse posta à frente, governando os rumos políticos e morais da cidade.
Profundo conhecedor do discurso poético e obstinado crítico de Homero, os textos
platônicos estão repletos de imagens e mitos sobre a poesia. Na Politeia, cidade ideal construída
pelas palavras, Platão condena os poetas, expulsando-os. Em seus escritos, é comum o ataque
à estrutura poética da sociedade grega, afastando a poesia da verdade e do conhecimento para
que a filosofia possa governar a cidade. Essa ação levou Nietzsche a acusar o filósofo de ser
"o maior inimigo da arte nascido em toda Europa."31 Platão iniciou seu estratagema
minimizando a dimensão da mimesis, reduzindo-a a uma simples imitação.
No início do livro X da República, Platão classifica a poesia e a pintura como
imitação (mimesis), no interior de sua teoria acerca de uma cidade perfeita, imaginada
de forma a ser justa. Platão diz que os poetas, como imitadores, não têm
conhecimento sobre aquilo que imitam, e fazem uma brincadeira sem seriedade. A
poesia e a pintura, para o autor, estão três pontos afastadas da realidade.32
O filósofo afirma que o marceneiro, ao produzir uma mesa, realiza uma cópia do
modelo já existente no mundo das ideias. O pintor, ao representá-la na tela, efetua a cópia da
cópia, afastando-se da verdade. A poesia, ao imitar os gestos e as ações humanas, está, da
mesma forma, afastada da razão.
Já Platão, na República, define a poesia como imitação. Platão o faz explicitamente
para denegrir a poesia, para torná-la de mesmo valor que a pintura ou a escultura,
coisa de artesãos, profissão de artífices manuais, socialmente inferiores na hierarquia
da cidade antiga.33
Para os cidadãos gregos, o valor da arte poética era diferente das artes plásticas. A
pintura e a escultura sequer possuíam diferença das demais atividades técnicas, como as de
sapateiros e ferreiros. Não havia a figura do pintor "mas o oleiro que pinta seus vasos, não há
o escultor, mas uma equipe de mestres, pedreiros e carpinteiros que edifica o templo."34
Portanto igualar a arte da escrita, fruto do pensamento, do intelecto, às artes manuais, era um
artifício sutil encontrado por Platão para diminuir a influência que a poesia exercia sobre o
Estado. Na sequência de seus escritos, o rapsodo é o próximo alvo.
O público do rapsodo submetia-se ao seu hipnotismo. Se o rapsodo ficava atento às
reações dos ouvintes e modificava sua entonação com o único intuito de ganhar a
competição, então nada havia de divino nessa ação de caráter meramente pecuniário,
estabelecendo uma estreita relação comercial com as emoções do público.35
31
SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 133.
32
DUCLÓS, Miguel. A crítica de Platão ao teatro e ao Homero como educador. Disponível em:
<http://www.consciencia.org/platao_republica.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2008.
33
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
<www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19 mar. 2007.
34
Ibid. p. 74.
35
NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos.
Disponível em:<http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
9
Depois de destituir de importância a função social do rapsodo como detentor de um
conhecimento (passando a ser um mero agente reprodutor) dotado de inspiração divina, Platão
passou a questionar a obra de Homero. Sua crítica tinha como base a falta da vivência do poeta
em relação aos fatos narrados. Questionava que, sem qualquer experiência militar, os versos
do poeta sobre a guerra eram frutos de uma fantasia.
A prova está em que Homero ou qualquer outro poeta não possui competência nos
assuntos mais importantes como a arte bélica, a tática militar, a administração do
Estado, a educação. Mesmo como guia da vida privada (...) O poeta imitativo revela
e alimenta o elemento inferior de nossa alma, e, corroborando-o, arruína o elemento
capaz de raciocinar.36
36
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
37
NERI, Adriano, op. cit., p. 3.
10
1.3 A Mimesis Aristotélica
O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza. Este princípio
elementar é justo, se não esquecemos que imitar a Natureza não
quer dizer copiá-la, mas sim imitar os seus processos.38
Fernando Pessoa
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) nasceu em Estagira, na Calcídia. Discípulo de Platão
durante 20 anos, foi seu melhor aluno. Quando não estava presente na Academia, seu mestre
dizia "A inteligência está ausente". Criador do pensamento lógico e pai da Poética, foi tutor de
Alexandre, o Grande. "Atuou em diversas áreas do conhecimento humano, a ética, política,
física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É
considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental."39 Aristóteles
era conhecido também como o estagirita, por ter como origem a cidade de Estagira.
A mimesis, para ele, era um verdadeiro processo. Escapando da definição platônica de
imitação, Aristóteles professava que "a arte não precisa mostrar o verdadeiro, não precisa
reproduzir com exatidão o real, mas evocá-lo de modo que as situações, caracteres e emoções
retratados sejam convincentes, pareçam verossímeis."40
A mimesis Aristotélica é um contraponto à mimesis Platônica, não define o valor
artístico mas o valor de verdade: se, para Platão, a imitação era o distanciamento da
verdade e o lugar da falsidade e da ilusão, para Aristóteles, a imitação é o lugar da
semelhança e da verossimilhança, o lugar do conhecimento e da representação. A
função mimética em Aristóteles nem é uma exclusividade das artes poéticas, ela se
apresenta também, por exemplo, na linguagem humana em sua função de representar
as coisas.41
38
PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 321.
39
ARISTÓTELES. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aristóteles>. Acesso em: 23 fev. 2008.
40
FALABELLA, Maria Luiza. op. cit., p. 17.
41
MOREIRA, Fernando José Santoro. op. cit., p. 75.
42
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 289.
43
Melopeia - evoca a dimensão sonora do poema, os recursos melódicos que o aproximam da música, da dança
(rimas, aliterações, assonâncias, repetições, metrificação), marcantes nos poemas especialmente dos simbolistas,
como Cruz e Souza. SILVA, Susana Souto. O corpo do Poema. Publicação do Centro de Ciências de Educação
e Humanidades – CCEH, Universidade Católica de Brasília – UCB, Volume I, Número 2, Novembro 2004.
Disponível em: <http://www.humanitates.ucb.br/2/corpo.htm>. Acesso em: mar. 2009.
44
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 289.
11
Aristóteles aplica a mimesis a elementos pertencentes a uma ou mais artes, como a cor,
o tom e o ritmo. Portanto a mimesis pode ser aplicada no estudo desse diálogo artístico com
perfeição. Sobre o pintor, possui uma visão diferente da platônica.
Sendo o poeta um imitador, como é o pintor ou qualquer criação de figuras, perante
as coisas será induzido a assumir uma das três maneiras de as imitar; como elas eram
ou são, como os outros dizem que são ou como parecem ser, ou como deveriam ser.45
45
Ibid., p. 283.
46
MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
<www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >, p. 80. Acesso em: 19 mar. 2007.
47
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970, p. 294.
12
1.4 Os Poéticos sentidos da metáfora
48
ARISTÓTELES. The Works of Aristotle. Trad. francesa organizada por W. D. Ross. Oxford: Clarendon, 1928,
p. 390-392.
49
[Do gr. Metaphorá, pelo lat. Metaphora.] S.f. Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um
âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança
subentendida entre o sentido próprio e o figurado. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 1326.
50
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970. p. 209.
13
A relação metafórica estabelece laços tão fortes com o sentido da visão que a imagem
e a metáfora tendem a se confundir. Para Aristóteles, a imagem é igualmente uma metáfora.
"Quando Homero diz de Aquiles (que se atirou como leão), é uma imagem; mas
quando diz (este leão atirou-se), é uma metáfora."51 Não é ao acaso que sentido figurado seja
sinônimo do sentido metafórico. Por sentido figurado, o Dicionário Aurélio define: 1- figurado
[Part. De figurar]. Em que há figuras ou alegorias; metafórico, tropológico. 2- Alegórico,
imitativo, representado. No pensamento aristotélico, encontramos o sentido figurado em
associações entre a metáfora e a imagem.
“É a metáfora que põe o fato diante dos olhos”. “Surtem efeito às imagens dos poetas;
o elo que, quando empregadas a propósito, confere um ar de urbanidade ao estilo. A
imagem é, como dissemos acima, uma metáfora, diferindo dela apenas por ser
precedida de palavras”52 Ou “Podemos empregar todas estas expressões quer como
imagens, quer como metáforas”. “Todas as que saborearmos como metáforas servirão
também manifestamente como imagens, e as imagens, por sua vez, serão metáforas
a que não falta senão uma palavra.”53
51
Ibid., p. 217.
52
Ibid., p. 232.
53
Ibid., p. 217.
54
Ibid., p. 211.
55
CARNEIRO, Glauco. História da Dermatologia no Brasil. Edição comemorativa dos 90 anos da fundação da
Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2002, p. 211.
14
As metáforas encontram força nas associações sonoras em “O grito de Calíope”,
visual e tátil em “Vi um homem que, com fogo colava bronze sobre outro homem”,
do olfato em “Antístenes comparava o magro Cefisódoto ao incenso que, enquanto
se consome, exala odor agradável” ou paladar em “Sob um jasmineiro em flor
mastigava amoras frescas. 56
A metáfora, portanto, apoia sua construção nos cincos sentidos, utilizando esse
conhecimento para compor suas analogias. A sensação, captada pelos nossos sentidos,
fundamenta a natureza do conhecimento.
56
ARISTÓTELES, Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 216.
57
PIERON, Henri. A Sensação. Portugal: Ed. Publicações Europa-América Ltda, 2003, p. 97. (Coleção Saber).
15
2.0 Do teatro de sombras a projeção de imagens, uma breve história.
Conta a lenda que o imperador Wu Ti, da dinastia Han, triste pela morte de sua bailarina
predileta, ordenou ao mago da corte que a trouxesse de volta do "Reino das Sombras". Caso
desobedecesse, a punição era a morte. Utilizando uma pele de peixe macia, o mago, com
criatividade, modelou a figura de uma bailarina. "Estendeu uma cortina branca armada contra
a luz do sol, alcançando uma boa projeção de silhuetas. Estava feito, no ano 121, um Teatro de
Sombras.59
Essa pequena narrativa sobre o teatro de sombras60 ilustra a sedução que as imagens
em movimento despertam no imaginário humano em todas as épocas. A projeção dos raios
luminosos começou a ser estudada quando "Aristóteles observou a passagem de um feixe de
luz através de uma abertura qualquer."61 Desde o olhar aristotélico, séculos se passaram antes
que o homem pudesse aplicar e reproduzir esse fenômeno observado.
Aristóteles (384-322 a.C) observou a imagem do sol projetada no solo em forma de
meia-lua ao passar seus raios por um pequeno orifício entre as folhas de um plátano62
e concluiu que, quanto menor fosse o orifício, mais nítida era a imagem. Surgiu assim
a primeira descrição da câmara obscura.63
Após mais de mil anos, um sábio árabe conseguiu tornar realidade o que Aristóteles
havia percebido. "O princípio da câmara escura."64
58
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC;
São Paulo: Unesp, 2003, p. 31.
59
O TEATRO de Sombras. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_de_sombras> Acesso em: 25
ago. 2008.
60
Teatro de Sombras surgiu na China, por volta de 5.000 a.C e consiste em uma projeção, sobre paredes ou telas
de linho, de figuras humanas, animais ou objetos. O espetáculo costuma atrair multidões graças ao seu peculiar
encanto artístico. Disponível em: <http://inusitatus.blogtv.uol.com.br/2007/05/21/o-incrivel-teatro-de-sombras>
Acesso em: 25 ago. 2008.
61
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC;
São Paulo: Unesp, 2003, p. 32.
62
Plátano - Os plátanos são árvores do gênero Platanus, da família Platanaceae, as quais são nativas da Eurásia e
América do Norte. Fonte: Wikipedia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Plátano>. Acesso em: mar.
2009.
63
PINTO, Cláudia Alves do Amaral. A Fotografia - História e origem. Disponível em:
<http://www.espigueiro.pt/reportagem/428fca9bc1921c25c5121f9da7815cde.html>. Acesso em: 25 ago. 2008.
64
O princípio da câmara escura é simples: se fizermos um pequeno orifício na parede ou na janela de uma sala
mergulhada na escuridão, a paisagem ou qualquer objeto exterior serão projetados no interior da sala, na parede
oposta ao orifício. Se a tela for feita com um pedaço de papel ou um pano branco, a imagem fica ainda melhor.
Se a tela estiver perto da abertura, a imagem fica pequena, porém nítida; se estiver distante, ela aumenta, mas
perde em definição e colorido. MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema.
São Paulo: Editora SENAC; São Paulo: Unesp, 2003, p. 32.
16
Uma das comprovações mais antigas que temos da sua utilização prática, segundo o
historiador alemão Klaus Opten Hoefel, é da observação de um eclipse solar pelo
sábio árabe Ibn Al Haitam, na corte de Constantinopla no ano 1038.65
Como o Sol observado diretamente poder ser prejudicial à visão, a câmara escura se
tornou o método perfeito para o estudo solar. Vítima desse efeito, o cientista Guillaume de
Saint-Cloud observou um eclipse no dia 5 de junho de 1285 e teve a visão prejudicada por
vários dias. Após esse acidente, passou a estudar o fenômeno apenas com o uso da câmara
escura. Segue uma curiosa passagem na qual descreve a técnica.
Faça uma abertura no telhado ou na janela de uma casa fechada, direcionada para a
parte do céu onde aparecerá o eclipse, aproximadamente do tamanho do orifício que
se faz em um tonel para se extrair o vinho. Quando a luz do sol entrar por esta
abertura, coloque a uma distância de 20 ou 30 pés do orifício alguma coisa plana, por
exemplo uma tábua, e verá que os raios de luz formam uma imagem circular sobre a
tábua, mesmo se a abertura for angular.66
O físico Giovanni Battista della Porta (1540 - 1615) exibiu diversas paisagens usando
lentes sofisticadas, mas foi além do uso normal da câmara escura. Com a técnica de pintura em
vidro, incluiu nas projeções um cenário elaborado. Depois acrescentou atores e música.
Realizava o roteiro de cada apresentação, criando um espetáculo multimídia, uma celebração
das artes para comemorar a captura do movimento pelo homem. A facilidade de trânsito entre
a arte e a ciência foi essencial para o aperfeiçoamento da técnica da projeção.
65
HARRELL, Thomaz. A Imagem Virtual. História do Cinema. p. 2. Disponível em:
< http://www.tharrell.prof.ufu.br/> Acesso em: ago. 2008.
66
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 33.
67
Ibid., p. 34.
68
PLATÃO. O mito da caverna. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna> Acesso em:
mar. 2009.
69
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 33.
17
Graças a ele, a câmara escura, subitamente desviada de sua vocação científica, torna-
se um 'teatro ótico", um método de iluminação capaz de projetar histórias, cenários
fictícios, visões fantasmagóricas. Deixou os domínios da ciência e da astronomia para
mergulhar nos do artifício, da representação, do maravilhoso, da ilusão. 70
Della Porta inventou o Teatro Ótico,71 desviando o uso prático e científico no qual a
câmera era utilizada. A projeção se transformou em espetáculos dinâmicos, encantando o
público que se reunia no interior da caixa escura. Do lado de fora, atores reproduziam os
movimentos projetados. Os músicos tocavam acompanhando as imagens. Os atores recitavam
o texto. O teatro ótico, portanto, reunia a técnica da projeção ao teatro, literatura, música, dança
e pintura.
As imagens de Della Porta, corretamente projetadas graças às lentes de cristal e ao
espelho, que ele conhece desde 1558, apresentavam atores de verdade, com
cenário e músicas de acompanhamento.72
Della Porta aliou os princípios da câmera escura a jogos de espelhos para a criação de
monstros, em um espetáculo aterrorizante, desviando a imagem de seu sentido denotativo.
Seu objetivo era atemorizar os que o visitavam, através de espelhos deformantes ou
pintados, ou surpreendê-los com projeções inesperadas.(...) o trabalho de Della Porta
descrevia espelhos que alongavam ou encurtavam os rostos, tornavam os homens
mais velhos ou mais jovens, deformavam-nos e desfiguravam-nos, ou acrescentava-
lhes cabeças de asno, bicos de grou, focinhos de porco. Os métodos para tais efeitos
foram detalhados na Magiae naturalis.73
70
MANNONI, op. cit., p. 35.
71
Giambatista Porta, que teve sua “magiae naturalis sine de miraculis rerum naturalium” publicada em 1589,
afirmava que o reino da mágica natural incluía não só os poderes mágicos das imagens, pedras, plantas e
influências celestiais, mas também experimentos químicos e óticos. Porta apresentava então um teatro ótico
usando uma câmara escura para criar um entretenimento visual variado e móvel. HERTHEL, Nanda. História do
cinema: o início. Disponível em: <http://www.artigos.etc.br/historia-do-cinema-o-inicio.html>. Acesso em: ago.
de 2009.
72
Ibid., p. 37.
73
Ibid., p. 45.
74
Ibid., p. 39.
18
A arte da projeção conferiu novo ânimo a uma série de retratistas, pintores e
desenhistas, que forneciam sua técnica como reprodutores de imagens.
Diversos assuntos eram ilustrados sobre a superfície do vidro. Athanasius Kircher75
(1501-1576), em seu livro A grande arte da luz e da sombra, editado em 1646, detalha a
relação entre o pintor e a câmara escura portátil.
Kircher descreveu uma grande câmara escura destinada aos pintores de paisagem e a
ser colocada a céu aberto. Dentro dela, estendeu uma parede de papiro. O pintor tinha
apenas de entrar na câmara para desenhar no papel as paisagens externas.76
75
Athanasius Kircher (1601-1680), jesuíta de origem alemã, foi ordenado sacerdote em 1628 e fixou-se em Roma em
1635. Além da lanterna mágica, inventada em 1650, Kircher é considerado o pai da história da música e inventor de
duas máquinas, uma para escrever e a outra para compor música. In: OLIVEIRA, Henrique J. C. Os meios
audiovisuais na escola portuguesa. Braga: Universidade do Minho, 1996, p. 49-52.
76
CHÉRUBIN d´Orleans. La dioptrique oculaire. Paris: T. Jolly & S. Bernard, 1671, p. 285-288, apud
MANNONI, op. cit.
77
MANNONI, op. cit., p. 79.
19
A imagem é "fixa" ou "animada", pois a placa comporta um sistema mecânico que
permite dar movimento ao assunto representado. Basta introduzir a placa de ponta
cabeça no passa-vistas e, na frente do foco luminoso de uma vela ou de uma lâmpada
a petróleo, [...] para que as imagens multicoloridas brilhem sobre a parede branca.78
A projeção era também utilizada pela ciência, principalmente nas abordagens de temas
complexos pesquisados pelos cientistas. A novidade da projeção de imagens atraía muitos curiosos,
que apareciam nas palestras científicas, em jornais visuais e em toda sorte de eventos. Pelo fato de
atrair público e tornar compreensíveis assuntos complexos, a projeção foi pedagogicamente
difundida pelo uso, contribuindo com a disseminação da própria ciência.
Em 1852 já acalentava a idéia de usar as projeções para popularizar as ciências (idéia
muito antiga...). Só a lanterna mágica seria capaz de atrair o público e prender-lhe a
atenção; as mais difíceis explicações se tornariam compreensíveis quando ilustradas com
imagens luminosas.80
78
Ibid., p. 58.
79
OLIVEIRA, Henrique J. C., op. cit., p. 49-52.
80
MANNONI, op. cit., p. 271.
20
Similares a esses dois instrumentos, muitos outros surgiram na mesma época. Cito as caixas
ópticas, fantascópio, panorama, diorama, traumatrópio, anortoscópio, fenaquitiscópio.
Com os aparatos técnicos, era possível capturar o movimento e projetá-lo, faltando apenas
fixar as imagens produzidas pelos equipamentos óticos em papel. O objetivo era ultrapassar a
perfeição mimética dos pintores e desenhistas na técnica de copiar a realidade. Surgia então a
fotografia.
Jacques Aumount
81
AUMONT Jacques. O Olho Interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac & Naif, 2004, p. 37.
82
O francês Louis Daguerre foi quem primeiro produziu uma imagem fixa pela ação direta da luz. Em 1835, em
seu laboratório, Daguerre estava manipulando uma chapa revestida com prata e sensibilizada com iodeto de prata
que não apresentava nenhum vestígio de imagem. No dia seguinte, a chapa, misteriosamente, revelava formas
difusas. Ele concluiu que o vapor de mercúrio proveniente de um termômetro quebrado teria sido o misterioso
agente revelador. Daguerre aprimorou o processo passando a utilizar chapas de cobre sensibilizadas com prata e
tratadas com vapores de iodo. O revelador era o mesmo mercúrio aquecido; e o fixador, uma solução de cloreto
de sódio. O processo de Daguerre foi apresentado em 19 de agosto de 1839 perante uma sessão da Academia
Francesa de Ciência e Belas-Artes pelo astrônomo e deputado François Aragó (1786-1853). Ao tornar o invento
domínio público, o governo francês concedeu uma pensão de 6 mil francos a Daguerre.
83
HARRELL,Thomaz. A Imagem Virtual. História do Cinema. Disponível em:
< http://www.tharrell.prof.ufu.br/>. Acesso em: ago. 2008. p. 5.
21
Na mesma época o inglês William Henry Fox Talbot desenvolveu um processo
fotográfico muito mais barato e prático. Diferente da daguerreotipia, o processo de Talbot
utilizava um negativo de papel que permitia a fotografia em série. A única desvantagem é que
a imagem das cópias de Talbot não possuía a mesma qualidade dos daguerreótipos.
Mesmo assim, o progresso feito por Talbot foi popular. Em 1841 a Talbotipia já
conseguia concorrer em popularidade com a Daguerreotipia. Deve-se dizer que houve
processos e acusações de plágio entre ambos os rivais, mas Talbot perdeu quase todas
e não viu jamais os lucros do seu trabalho. Anos mais tarde, o francês Gustave Le-
Gray refinou a técnica imergindo os negativos de papel num banho de cera para torná-
los mais transparentes.84
A prática fotográfica foi simplificada a partir de 1871. O inglês Richard Leach Maddox
utilizou emulsão de gelatina para fixação da imagem.
O processo foi aperfeiçoado e ficou conhecido como chapa seca.
Em São Franciso, o sr. Muybridge causou grande sensação com suas fotografias
instantâneas de animais em movimento. A ciência do zootrópio recebe assim uma
bela ilustração com o auxílio da arte fotográfica; pois em suas fotografias é possível
obter cada fase, por ligeira que seja, do movimento de um cavalo, ou do vôo de um
pássaro, por exemplo. Temos aqui, talvez, uma nova aplicação da fotografia à ciência
fisiológica.86
84
Ibid., p. 6.
85
Ibid., p. 9.
86
Le moniteur de la Photographie. Paris, 16 de abril de 1879, apud MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e
da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora SENAC; São Paulo: Unesp, 2003, p. 310.
22
A publicação das imagens de Muybridge conquistou importância nas pesquisas sobre a
animação fotográfica. Seus estudos auxiliaram áreas como a veterinária e a medicina.
Estimulado pelas ações de Muybridge, o fisiólogo e inventor francês Dr. Jules Eienne Marey
utilizou a cronofotografia como um método investigativo da realidade no final do século XIX.
Isto aponta para uma questão: as cronofotografias são um novo suporte para um
método de investigação que já estava presente desde os primeiros trabalhos desse
cientista. Reforça-se a idéia de que o uso da fotografia (ou dos sistemas audiovisuais)
para a revelação de fenômenos e para a produção de conhecimento sobre a realidade
deve ser precedido por um método e principalmente por uma postura epistemológica
que se coloque à frente dos aparelhos e procedimentos utilizados.87
Todavia, o que se pretende demonstrar aqui é que, no caso de Marey, além de apenas
mais um aparato técnico-fotográfico em desenvolvimento, tratava-se de uma
abordagem investigativa mais ampla, que também poderá ser encontrada até hoje, em
atividades documentárias, científicas ou não-científicas, que se desenvolveram
posteriormente.89
87
SOUZA, Hélio Augusto Godoy. Marey e a visibilidade do invisível. Disponível em: <
http://hgodoy.sites.uol.com.br/Artigos/marey.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2008.
88
Tornando-a consequentemente metafórica e, portanto, artística.
89
SOUZA, Hélio Augusto Godoy, op. cit. Não paginado.
90
BARTHES, Roland. A câmara Clara: nota sobre Fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1984, p. 18.
91
Para ser realizada, a primeira fotografia, em 1827, pelo francês Josepg-Nicphore Niepce, teve que permanecer
em exposição durante oito horas. A foto foi produzida de sua janela e mostrava a vista do quintal de sua casa.
Como o material fotográfico é sensível à luz, entre a manhã e a tarde, o sol se deslocou, e aparecem no resultado
final dois focos intensos de luz, como se existissem dois sóis. BERINO, Aristóteles de Paula; VICTORIO, Filho.
Escrever com luz. Rio de Janeiro. Jornal Educação & Imagem, v. 2, 2007, p. 1.
23
Um aparelho que podia rapidamente gerar uma imagem do mundo visível, com um
aspecto tão vivo e tão verídico como a própria natureza. (...) As pessoas não ousavam
a princípio olhar por muito tempo as imagens por ele produzidas. A nitidez das
fisionomias assustava, e tinha-se a impressão de que os pequenos rostos humanos que
apareciam na imagem eram capazes de ver-nos, tão surpreendente era para todos a
nitidez insólita dos primeiros daguerreótipos.92
De acordo com Diana de Abreu Dobranszky, no seu ensaio A fotografia entre a arte
e a máquina, na Antiguidade, a arte e a ciência se encontravam na mesma categoria, techné,
que englobava toda atividade que, por seguir regras, poderia ser ensinada.
Quando a fotografia surge na primeira metade do século XIX, ciência (campo da
técnica e do rigor metodológico e matemático) e arte (campo de criação e da
expressão) transitam em dimensões e bases teóricas completamente distintas. A arte
que abandonou a rigidez da doutrina de imitação da natureza para exercitar-se na
fluidez da expressão e dos sentimentos precisou lidar com uma nova forma de
produção que parecia reportar-se à doutrina abandonada no século XVIII. Da mesma
forma teve que lidar com uma mecanicidade que parecia ter maior relação com a
ciência do que com a arte, mas cujos operadores queriam que suas imagens fossem
reconhecidas como criação artística. 93
92
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: editora Brasiliense, v. II, p. 95, 1993. (Obras Escolhidas).
93
DOBRANSZKY, Abreu Diana. A Fotografia entre a arte e a máquina. Revista Studium, Unicamp, v. 21, 2005.
24
2.2 A Invenção da Câmera de Filmar
Dois Fragmentos de filmes foram descobertos, que colocam o francês Louis Aimé
Augustin Le Prince como o primeiro cineasta da história. O primeiro filme94 mostra o jardim
do sogro do cineasta, gravado no dia 18 de outubro de 1888, em Roundhav, na Inglaterra, com
menos de três segundos de duração.
94
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nR2r__ZgO5g>
95
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g3AbI6rs8XQ
96
O Celulóide, conhecido como película, foi criado apenas em 1889 por George Eastman.
97
SABADIN, Celso. Vocies ainda não ouviram nada. A barulhenta história do cinema mudo. Lemos Editorial
& Gráficos LTDA. SP. 1997 pg 34.
25
Com sua câmera e filmes, Le Prince embarca na estação de Dijon com destino final a
cidade de Paris. Ao chegar na cidade luz no interior do trem não havia vestígio nem do invertor,
nem do seu equipamento. Apesar de posteriores investigações policiais, este mistério nunca foi
solucionado.
É correto afirmar que dezenas de inventores disputavam na época a criação do
dispositivo de capturar e projetar imagens em movimento. Diversos inventos foram
apresentados, mas sem qualidade desejada ou sem registro de suas criações. Portanto podemos
colocar Le Prince como inventor da Câmera de Cinema e o primeiro cineasta.
Andrei Tarkovski
98
TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
99
A ele são atribuídas mais de 1300 patentes, ainda que nem todas sejam de invenções de autoria própria. Entre
as suas criações estão a lâmpada elétrica incandescente, o gramofone, o ditafone, o microfone de grânulos de
carvão para o telefone e o cinestocópio. Wikipedia. Disponível em:
< http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Edison>. Acesso em: 15 de junho de 2008.
100
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 388.
26
Também era engenhosa a forma como esse invento encontrava uma importante aliada
na arquitetura dos estúdios. Thomas Edison, em suas memórias, descreve a construção da
arquitetura desse ambiente.
Quase tão impressionante quanto os filmes que ali fazíamos. Buscávamos
praticidade, não arte. O edifício tinha cerca de 25 a 30 pés e demos um efeito grotesco
ao telhado, elevando-o no centro e acrescentando-lhe uma saliência provida de
venezianas que podiam ser abertas ou fechadas por meio de roldana, de modo a
permitir-nos aproveitar ao máximo a luz.101
101
EDISON, Thomas. Memoires et observations. Trad. M. Roth. Paris: Flammarion, 1949, p. 34.
102
Ibid., p. 390.
103
MANNONI, Laurent, op. cit., p. 390.
27
2.4 A História das primeiras Projeções e exibições cinematográficas
O ano de 1895 é o marco das projeções e exibições de cinema. Em fevereiro Ácme le
Roy (que apesar do nome era americano) e o francês Eugene Lauste realizam uma precária
projeção para uma pequena plateia de pesquisadores nos Estados Unidos. A primeira exibição
paga da história do cinema foi realizada por Willian Kennedy Laurie Dickson (ex-assistente de
Edison) e o norte americano Major Woodville Lathan. Eles desenvolveram
“um sistema de filmagem e projeção chamado Panopticom, e o exibiram na Broadway
n 153, em Nova York, no dia 20 de maio de 1895. Como Dickson e Latham cobraram ingressos
para mostrar a invenção.ambos entrarão para a história como os responsáveis pela primeira
exibição paga de um filme. Seu título era Young Griffo versus Battlino Charles Barnett, uma
rápida historinha de apenas quatro minutos tendo o boxe como tema. O projetor era um
primitivo modelo batizado de Eidoloscope da Landa Company”. 104
104
SABADIN, Celso. Vocies ainda não ouviram nada. A barulhenta história do cinema mudo. Lemos Editorial
& Gráficos LTDA. SP. 1997 pg 45
105
A primeira projeção de imagens animadas aconteceu no dia 1º de novembro de 1895, um mês antes desta
apresentação. O que aconteceu foi a fama do cinematógrafo, muito mais versátil, ter sobrevivido junto ao aparelho.
O mesmo não podemos afirmar sobre o bioscópio. "Os irmãos Max e Emil Skladanowsky, alemães de origem
polonesa, que, na mesma época dos Lumière e Edison, haviam inventado o "bioscópio", um aparelho de projeção
dupla que apresentaram publicamente no dia primeiro de novembro de 1895. (...) Entre 1892 e 1895, Max
Skladanowsky, que conhecia muito bem a recentemente desenvolvida película Kodak, perfurada e em 35mm,
aperfeiçoa seu aparelho, relativamente mais simples que o dos irmãos Lumière, que finalmente apresentará no
Wintergarten de Berlim quase dois meses antes da projeção dos Lumière no Café Índio de Paris em 28 de
28
câmera, o projetor e a copiadora de filmes. A praticidade também favorecia os franceses, pois
seu aparelho era dez vezes mais leve do que o de Thomas Edison.
Pesava cinco quilos, enquanto a máquina de Edison pesava 50. A película de 35
milímetros, perfurada, desenrolava-se à velocidade de 16 quadros por segundo, e as
lentes ampliavam as imagens projetadas. Um último detalhe proporcionou aos irmãos
nítida superioridade: a mesma máquina poderia ser utilizada tanto na filmagem como
na projeção, legendava e podia copiar outros filmes. Em 13 de fevereiro de 1895, foi
registrada uma patente em nome de ambos. Os irmãos batizaram a nova câmera de
Cinematógrafo.106
Dezembro de 1895. PARODI, Ricardo. O óbvio e o obtuso: origens e expansão do cinema alemão até a
Primeira Guerra Mundial. Disponível em: <http://www.goethe.de/INS/br/sab/pro/seminare/htm/semin2/
aula1.htm>. Acesso em: ago. 2009.
106
MELLO, Wilson. A Sétima Arte: O mundo dos irmãos Lumière. Disponível em: <br.geocities.com/
wilsonmello10/lumiere2.html>. Acesso em: 11 set. 2008.
107
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 16.
29
Nesta forte influência que a pintura exerceu no nascimento da linguagem cinematográfica,
encontramos outras semelhanças. A correspondência de temas, como a existente no filme Jogo
de cartas, rodado no castelo Lumière com os jogadores de cartas de Cézanne. As
coincidências narrativas e pictóricas contribuíram para que Godard, em seu filme Chinoise
(1967), expressasse, por meio da personagem interpretada por Jean Pierre Léaud, que "Lumière
era um pintor, o último pintor impressionista, considerando-o um artista, produtor de efeitos
de realidade."108
É certo que existe, na fotografia em movimento de Lumière, um olhar sobre a cena a
partir de uma análise do enquadramento. Pensa-se não no registro puro, e sim na riqueza de
detalhes e movimentos da ação, que possibilitam leituras diversas ao espectador.
Os efeitos de realidade, às vezes esquecemos de dizer, são também efeitos
quantitativos, e é este, eminentemente, o caso na Vista de Lumière. O que encanta o
espectador é também o fato de lhe mostrarem um número tão grande de figurantes a
um só tempo e, sobretudo, de maneira não repetitiva. As 'personagens' da Saída da
Fábrica ou da Place des Cordeliers são vistas como independentes umas das outras;
as pessoas ficam encantadas em descobrir, na décima vez que vêem o filme, um gesto,
uma mímica que até então havia escapado: a cada instante acontece alguma coisa, e
quantas se quiser, ou quase. Bastante esclarecedor, ao contrário, um filme como o
Desembarque dos fotógrafos no Congresso de Neuville-sur-Saône: bem
individualizáveis, já que passam todos fazendo os mesmos gestos afetados,
instalamo-nos na repetição, nos entediamos em um minuto!"109
De acordo com esse pensamento, podemos dizer que a movimentação interna das
pessoas dentro de um quadro cinematográfico e sua composição podem possibilitar diversas
leituras pelo espectador, sendo construídas, reinventadas pelo seu público. Uma imagem de
onde se pode extrair diferentes interpretações é uma imagem poética, uma imagem-metáfora.
A outra imagem baseada em uma repetição comum, uma linguagem objetiva, é uma
imagem-prosa. Consiste nessa definição o que separa a linguagem ordinária de Edison,
prosaica, e a imagem rica e artística de Lumière. Na época, a atração era o movimento no
cinema, e os temas eram acontecimentos sociais, catástrofes, batalhas, assinaturas de tratados
e enterros de celebridades. Grande parte da produção dos irmãos franceses se enquadrava
nessas categorias.
Uma notável exceção é L’Arroseur Arrosé (1895), também dos Lumière, mas que
se distingue por ser uma das primeiras tentativas de “criar” uma situação puramente
cômica e cinematográfica com o intuito de conseguir uma reação específica do
espectador. É o começo do cinema como instrumento de manipulação do espectador
e é também o começo do cinema arte.110
108
"Ainda hoje, este tipo de efeito responde a uma certa definição de arte visual, e nos esquecemos de que, ao
longo de ao menos um século, a pintura, e depois a fotografia, se obstinaram a produzir esse tipo de "efeito".
AUMONT, Jacques. O olho interminável [cinema e pintura]. Trad. Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac &
Naif, 2004, p. 34.
109
Ibid., p. 33.
110
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 18.
30
Nessa película o cinematógrafo registra pela primeira vez uma atuação. O teatro já
infiltra a nova arte, imprimindo suas influências essenciais para o desenvolvimento da
linguagem cinematográfica. É a gênese da atuação no cinema. Pela primeira vez, o
cinematógrafo não capta uma imagem documental, e sim uma cena construída sobre uma
narrativa. Erik Barnouw em seu livro Documentário, a história do filme não ficcional,111
escreve que Lumière, desde o início, assumiu uma postura de rejeitar o teatro como base para
o cinema, fato confirmado ao analisar sua filmografia, composta em grande parte por vistas de
paisagens, pequenos extratos da realidade, sem o uso de efeitos visuais, narrativas elaboradas
e cenários artificiais.
111
BARNOUW, Erik. Documentary: A History of the Non-Fiction Film. Nova Iorque: Oxford University Press,
1993.
31
2.5 O primeiro diretor cinematográfico e a magia do Cinema.
Escapando do cinema como representação da realidade, o Mágico Méliès, honrando
sua tradição de ilusionista, descolará da película o seu sentido de realidade. O que desperta a
atenção no aparelho e o modo criativo que poderia aperfeiçoar suas apresentações. Na época,
tentou adquirir o cinematógrafo dos irmãos Lumière, sem sucesso. Um dos motivos era que a
família Lumière não gostaria que o cinematógrafo, coisa séria, científica, fosse utilizada para
fomentar ilusões.
Entre as pessoas presentes na platéia estava o mágico e ilusionista George Méliès.
Ele definiu o que viu como um truque extraordinário e imediatamente se interessou
por ter acesso a um dispositivo semelhante. Confrontado com a recusa dos Lumière
em vender a ele um cinematógrafo, foi à Inglaterra, onde comprou e adaptou um
modelo semelhante de câmera feito por outro fabricante e, em poucos meses,
começou a realizar filmes que sintetizavam sua experiência de ilusionismo de palco
com as possibilidades técnico-expressivas do então novo meio.112
Godard, na retrospectiva Lumière, organizada por Henri Langlois, disse uma frase que
define bem a diferença entre eles: "O que interessava a Méliès era o ordinário no extraordinário,
e a Lumière o extraordinário no ordinário." Com um equipamento menos eficiente que o
cinematógrafo, era comum a Méliès cometer alguns erros durante as filmagens. A partir dessas
experiências, se desenvolvia a linguagem no cinema.
A fita quebra, o fotógrafo faz exposição dupla, a iluminação é insuficiente ou fraca,
os ajustes da objetiva criam imagens fora de foco, o filme é mais granulado ou está
velado... Estas dificuldades em gravar a realidade levaram à possibilidade do cinema
como arte. Todos estes erros e falhas constituíram, depois de dominados, os
elementos mais criativos do cinema.113
O primeiro filme a se beneficiar dessa nova técnica foi L’escamotage d’une Dame
chez Robert-Houdin (A dama desaparecida), realizado em 1896.
112
TIETZMANN, Roberto. Gênese dos Efeitos Visuais no Cinema. Puc-RS. Trabalho apresentado ao GT de
História da Mídia audiovisual do V Congresso Nacional de História da Mídia, Facasper e Ciee, São Paulo, 2007,
p. 3.
113
HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 19.
114
COSTA, Ricardo. Os olhos e o cinema. Mimesis e onomatopeia. Portugal. Disponível em:
<www.bocc.ubi.pt>. Acesso em: 15 set. 2008.
32
Em cena, uma moça senta na cadeira e é coberta por um lençol. Instantes depois, o
lençol é retirado, e a moça desaparece. Essa pequena cena liberta o cinema do tempo real,
definindo a característica diferencial dessa arte que consiste em esculpir o tempo.115 Méliès
apresenta o fantástico, aproximando o cinema dos princípios da encenação teatral.
Até mesmo no truque de fundir uma cena com outra, Méliès adaptou técnicas teatrais
existentes, como se uma delas nascesse de outra. Invertia o filme alguns metros e
filmava o começo da nova cena sobre o término da antiga. Este artifício, conhecido
como "dissolução" foi rapidamente aceito pela platéia como convenção
cinematográfica, que persiste ainda hoje.116
115
Andrei Tarkovski dedicou um livro inteiro à expressão "Esculpir o tempo".
116
GUIMARÃES, Cesar. Imagens da memória: entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997,
apud AUGUSTO, Maria de Fátima. A Montagem cinematográfica e a lógica das imagens. São Paulo:
Annamblume; Belo Horizonte: FUMEC, 2004, p. 28.
117
TIETZMANN, Roberto, op. cit., p. 5.
118
HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 19.
119
Convenzionalmente si ritiene che Georges Méliès con Il viaggio della luna del 1902 e Il viaggio attraverso
l'impossibile del 1904, sia stato il primo ad introdurre la narrazione cinematografica: le sequenze, riprese con
piano fisso, venivano collegate tra loro con il montaggio-incollaggio di spezzoni di pellicola (rulli o bobine)
ROVERE, Gabriele la. Il Cinema È Arte, Ma L'arte Del Cinema È Il Montaggio. Disponível em:
<http://1aait.com/larovere/montaggi.htm>. Acesso em: 17 set. 2008. (tradução nossa).
33
O mágico não conseguiu ultrapassar a magia encantatória do espaço cênico,
descartando as possibilidades da narrativa que encontraria do lado de fora do teatro.
Apesar da sua grande originalidade na narrativa e de sua criatividade técnica, Méliès
continuou preso ao conceito de palco, filmando sempre os seus dramas do ponto de
vista de um espectador sentado num teatro. Os atores entravam em cena como num
palco convencional, do lado esquerdo ou direito, a câmara era sempre fixa, nunca
mudando de ângulo ou posição. Sem dúvida a tradição teatral, e talvez de mágico,
foram tão fortes que Méliès não conseguiu perceber que o cinema lhe permitiria
romper as barreiras do tempo e do espaço.120
Com a expansão dos negócios, enviou o irmão para os Estados Unidos, na função de
representante comercial. Lá chegando, ele conheceu um realizador americano chamado Edwin
S. Porter,121 que revolucionou o cinema com um simples ato. Moveu a câmera. Começou a
filmar com os atores fora do teatro e dos estúdios de cinema. Libertando a cena do palco, agora
o espaço cênico do cinema poderia habitar qualquer locação do mundo.
Era como se unisse as vistas de Lumière e a mise-en-scene de George Méliès. Dessa
justaposição, aliada à prática profissional, conseguiu alcançar o conceito de plano.
Ele também descobriu que o plano era peça básica na construção do filme. Como
comenta Karel Reisz "Porter, revelou que um simples plano, registrando uma parte
incompleta da ação, é a unidade a partir da qual os filmes devem ser construídos e,
assim, estabeleceu o princípio fundamental da montagem."122
120
HARRELL,Thomaz, op. cit., p. 19.
121
Edwin S. Porter era o principal fotógrafo dos filmes produzidos por Thomas A. Edison. Entre 1898 e 1905,
Porter fotografou mais de uma dúzia de filmes para Edison. Entre estes, alguns dos mais interessantes são: Uma
Estranha Aventura do Baterista em Nova York (1899), O Pesadelo do Tio Josh (1900), Namoro à Luz da
Lua (1901), O Vagabundo do Século XX (1902). DANCINGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e
vídeo: história, teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
122
DANCINGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e vídeo: história, teoria e prática. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003.
34
2.6 A Construção da linguagem Cinematográfica
Em 1903 Porter filma a vida de um bombeiro americano, que conta a história dos
bombeiros que salvam uma mãe e uma criança de um prédio em chamas. Nas cenas de
incêndio, o cineasta recorreu a um filme documental de incêndio, intercalando com cenas de
interiores, realizada com atores.
A inclusão das cenas documentais trouxe um sentido de autenticidade para o filme.
Ela também sugeria que dois planos filmados em lugares diferentes, com diferentes
objetivos, podiam, quando unidos, significar algo maior do que a mera soma de duas
partes. A justaposição podia criar uma nova realidade, maior do que a de cada plano
individual.123
Assim como no texto, cada palavra tem modificado seu sentido com o texto que se
segue; no cinema o plano baseia-se no mesmo princípio. Porter então tecia o começo de uma
sintaxe, de uma ligação de sentidos entre a imagem, estabelecendo uma narrativa. Se era certo
que na origem do cinema apenas o movimento era atração, passado um tempo, fez-se
necessário acrescentar elementos para que as exibições continuassem a despertar a atenção do
público. Iniciava-se uma busca pela narrativa cinematográfica.
A montagem cinematográfica, como tal, deve, de forma embrionária, especialmente
a Edwin Stanton Porter, em A vida de um bombeiro americano, de 1902, e The
Great Train Robbery, de 1903.124
O plano, que estava preso à entrada e à saída do ator em cena, se modifica. Nenhum
plano individual registra uma ação do início ao fim. Porter foi responsável por inovar
movimentando a câmera em seu eixo, criando o movimento panorâmico, reduziu a distância
dos atores em relação à filmagem com planos médios e closes, acentuou a dramaticidade e a
123
Ibid., p. 4.
124
Il montaggio cinematografico in quanto tale, lo si deve, in forma embrionale, soprattutto a Edwin Stanton Porter
in Vita di un pompiere americano del 1902 e La grande rapina al treno del 1903. ROVERE, Gabriele la. Il
Cinema È Arte, Ma L'arte Del Cinema È Il Montaggio. Disponível em:
<http://1aait.com/larovere/montaggi.htm>. Acesso em: 17 set. 2008. (tradução nossa).
125
DANCINGER, Ken. op. cit., p. 5.
35
tensão com a montagem paralela. Em 1906, na Biograph, recebeu a visita de um ator que o
procurava com um roteiro.
Porter rejeitou o roteiro, mas ficou com o ator, oferecendo-lhe cinco dólares por dia
para desempenhar um papel. David Wark Griffith, recém-casado e desempregado,
aceitou. Enquanto ator na Biograph, Griffith continuou insistentemente redigindo
roteiros e apresentando-os a Porter, que sempre os rejeitava. Certa vez, por falta de
um diretor, Griffith foi escalado para dirigir seu primeiro filme.126
A paixão pela literatura foi um dos fundamentos para o aperfeiçoamento do seu sistema
narrativo. A profunda admiração pelo escritor Charles Dickens fez com que se inspirasse na
literatura para aperfeiçoar a narrativa no cinema.128
Suas melhores idéias, parece, surgiram a partir de Dickens, que sempre foi seu autor
favorito... Dickens inspirou o Sr. Griffith com uma idéia, e seus empregadores (meros
homens "de negócios") ficaram horrorizados; mas, diz o Sr. Griffith, "fui para casa,
reli um dos romances de Dickens e voltei no dia seguinte para dizer-lhes que
poderiam ou usar a minha idéia ou despedir-me."129
126
Ibid., p. 6.
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 41.
128
Possuía um papel semelhante ao de Camões em relação à língua portuguesa. Em Os Lusíadas, seu poema
épico, o vate português unificou a ortografia da língua mantendo a unidade na escrita em toda a estrutura do
poema. Algumas palavras foram inventadas por ele para expressar da melhor forma o que desejava. O mesmo
processo se observa em Griffith, que elaborou e sistematizou a técnica para melhor servir ao discurso.
129
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005, p. 179.
36
O pensamento Griffithiniano influenciou todo o mundo cinematográfico. O
travelling,130 bem como o grande plano,131 era utilizado com precisão, construindo assim uma
linguagem no cinema.132
O Cinema narrativo de ficção promete uma linguagem que fala da realidade
utilizando os próprios meios, tipos e expressões, gestos, texturas e cenários da
realidade. Um grande esforço de codificar essa linguagem da realidade, como
denominou Pasolini, tornaria possível contar histórias através do cinema.133
Próxima foi a relação entre clássicos da literatura e cinema. O modelo adotado por
Griffith influenciou toda uma geração posterior. Farejava o sucesso literário e o transpunha
para a tela. Agindo dessa forma, acreditava aproximar o cinema de sua condição artística. “A
literatura dos séculos XVIII e XIX, mais precisamente o seu modelo dominante134 constituíam
a fonte ideal para toda uma geração de realizadores preocupada com a inscrição do cinema no
âmbito das belas artes.”135
No momento em que se consolida a narrativa no cinema na América do Norte, surgem
as vanguardas com inovações, principalmente na Europa.
O termo vanguarda, no âmbito do cinema, refere-se diretamente à tradição de seu uso
a partir da avant-garde francesa, conforme testemunhamos nos anos 1910 e com toda
força na década seguinte. De forma mais abrangente, o termo refere-se aos conjuntos
de movimentos artísticos de radical renovação e profunda ruptura do passado.136
Se o regime narrativo estabelecia sua hegemonia nos Estados Unidos, facilitada pelo
sucesso dos filmes de Griffith, os artistas reagiram para solidificar o cinema como forma de
arte. Paris era centro cultural do mundo naquela época, reunindo artistas de diversos países.
Nesse cenário surge o gênero de arte no cinema.
130
Travelling, também chamado [em francês] de chariot. Consiste em fazer avançar a câmara sobre carris, permite
passar, de modo já não tão discursivo, mas contínuo, do plano de conjunto ao plano aproximado, e
reciprocamente... foi na Inglaterra que ele apareceu pela primeira vez (1903) num filme de Collins - Marriagem
by motor. Na Itália utilizou-se pela primeira vez em estúdio com Cabiria (1923). ANGEL, Henri. O Cinema.
Trad. Antônio Couto Soares. Porto: Livraria Civilização Editora, 1972, p. 58.
131
Grande plano, cuja descoberta costuma-se a atribuir a Griffith, mas na verdade, mesmo antes de utilizá-lo era
amplamente empregado nos filmes italianos. (...) Entre todos os enquadramentos, é o mais importante. É o que dá
ao homem e ao rosto humano o máximo relevo, captando-lhe as características substanciais e acidentais.
BARBARO, Umberto. Elementos da estética cinematográfica. Rio de Janeiro: Editora civilização Brasileira,
1965, p. 148.
132
Há a famosa frase de André Malraux "O nascimento do cinema como meio de expressão (e não de reprodução)
data da destruição desse espaço fixo; da época em que o realizador começou a imaginar a divisão da sua história
em planos e procurou filmar não uma peça de teatro, mas uma sucessão de instantes duma cena... O meio de
reprodução do cinema é a fotografia móvel, mas o seu meio de expressão é a sucessão de planos.” ANGEL, Henri,
op. cit., p. 55.
133
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 29.
134
O drama do tipo de Diderot e o romance do tipo balzaquiano ou zolesco.
135
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997, p. 85.
136
VIEIRA, Luiz João. As Vanguardas Históricas: Eisenstein, Vertov e o construtivismo cinematográfico. In:
BENTES, Ivana. Ecos do cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 69.
37
O primeiro gênero, digamos assim, “elevado” a ser tentado pelo cinema foi chamado
film d´art, cujo modelo e rubrica foram dados pela França, embora seu sucesso nesse
país tenha sido quase nulo. O gênero nasceu em 1908, com a estréia, em Paris, do
primeiro filme da companhia Films d’Art – L’assassinat du duc de Guise -, cuja
missão principal era justamente “elevar o nível” do cinema francês, trazendo para a
sala escura o pedigree das formas estabelecidas de belas-artes.137
137
MACHADO, Arlindo, op. cit., p. 84.
138
VIEIRA, L. J. As vanguardas históricas:Eisenstein, Vertov e o Construtivismo Cinematográfico. In: Ivana
Bentes. (Org.). Ecos do Cinema: de Lumière ao Digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, v. , p. 69-82.
139
"É nesta época que o cinema começa a assumir os contornos de uma verdadeira indústria, sobretudo nos Estados
Unidos". HARRELL,Thomaz. op. cit., p. 26.
140
At a young age, Survage was directed to enter the piano factory operated by his Finnish father. He learned to
play piano, then completed a commercial diploma in 1897. Disponível em:<http://en.wikipedia.org/wiki/
Léopold_Survage>. Acesso em: 21 set. 2008.
141
I had aspirations to become a painter; but all my family were against it, and especially my father. I was sixteen.
After a year of hesitation, I ended by obeying him, and became an apprentice in a piano factory. SURVAGE,
Leopold. Autobiography. Nova Iorque: Covici-Friedi Publishers. 1929 p. 2 (tradução nossa). “Eu tinha
aspirações de me tornar um pintor, mas toda a minha família era contra e, sobretudo, meu pai. Eu tinha dezesseis
anos. Após um ano de hesitação, acabei por lhe obedecer, e tornei-me um aprendiz em uma fábrica de pianos.”
142
I have said that the painting of Léopold Survage is the nearest thing I know to "visual music". It is visual music
when it is successful, when it achieves its aim. The painter's technical and esthetic aims, comprised in the Problem
of Space, are, when analyzed, seen to be something perfectly analogous to music. PUTNAM, Samuel. The
Glistening Bridge - Leopold Survace and the spatial problem in painting. New York: Covici-Friede
38
Survage, dando continuidade aos estudos de Kandinsky, parte do princípio de que o
ritmo é a analogia que une as cores e formas à música.143 Ele escreve que a cor não é o único
ponto em que encontramos o pintor pensando em termos musicais. Ele ainda pensa nesses
termos quando se aproxima do problema de transferir a forma objetiva para a tela,144 utilizando
formas abertas (abstratas) e ritmos (tempo), criando, desse modo, um sentido, uma emoção ao
espectador. O crítico Rolland Dailly afirmava que “enquanto os pintores não trouxessem ao
cinema sua visão arbitrária, este nunca abandonaria o domínio do plágio.”145
Se, por um lado, a fotografia auxiliou a pintura na época dos impressionistas para um
caminho livre à abstração, a pintura devolveu o favor trazendo essa experiência abstrata para a
fotografia em movimento, encerrando um ciclo. O cinema elevava sua experimentação no
interior da película.
Seus filmes Le Rhytme Abstrait (1913) e Etudes Pour un Film Abstrait (1913),
são provavelmente os primeiros exemplos de cinema experimental puro e partem do
princípio de que o cinema como arte não serve somente para copiar ou imitar a
realidade, mas pode ser um instrumento de expressão unicamente plástica e
estética.146
39
Na França surge o movimento Dadaísta, que acentua a capacidade abstrata ligada à
narrativa no cinema. Devido às suas características, o Dadaísmo teve uma projeção de curta
duração, imprimindo ideias no surrealismo e no expressionismo. Com poucas obras
representativas, devido ao seu breve período, o filme Entre-ato (1924), de Rene Clair, constitui
a principal referência da época dadaísta do cinema. Apresentado entre os atos de uma peça de
Francis Picabia (Relâche) com música de Erik Satie, o filme fez sua estreia.
Desiludidos com a sociedade em que viviam e cansados dos padrões estéticos em
vigência, estes artistas queriam sensibilizar pelo choque. O movimento Dadaísta foi
simplesmente um dos mais tempestuosos e revoltados movimentos de que se tem
notícia. Foi também um dos mais revolucionários, pois por ser um movimento anti-
intelectual (e antiestético), modificou profundamente a forma de se ver a arte, assim
como a forma de se fazer arte. A orientação principal era de contrariar os padrões
sociais e estéticos, proclamando a supremacia do arbitrário e do irracional.149
40
O conhecimento de arquitetura em Lang fez com que utilizasse o espaço interno do
teatro para possibilitar os grandes cenários de seus filmes. Sua experiência na escultura
constitui grande importância, principalmente no filme Metrópolis, com construção de
máquinas, escadarias, cenários imensos, maquetes futuristas. O filme possui, além da
plasticidade estética da imagem, a plástica da movimentação dos atores.153 Fritz Lang teve uma
relação próxima também ao teatro,154 sendo "influenciado principalmente pela encenação de
Max Reinhardt."155
Participou da I Guerra Mundial, onde foi gravemente ferido, perdendo um olho. No
Hospital, iniciou a redação de roteiros para Joe May, os quais eram dotados de um forte
grafismo no campo do fantástico e do demoníaco. "O êxito desses argumentos o levou a ser
convidado para realizar filmes."156 Conhecendo a diversidade da sua formação artística (ator,
escultor, pintor, roteirista), podemos perceber o motivo que levou sua obra à representação
máxima do expressionismo. A qualidade da obra audiovisual depende da proporção do
conhecimento e experiência do diretor em outros campos artísticos.
Na Rússia, o mesmo fenômeno acontece na poesia musical de Dziga Vertov e na
pesquisa das artes e do movimento em toda a trajetória artística de Eisenstein. Ambos
possuíam a mesma ânsia pela inovação e renovação da linguagem cinematográfica, unidos a
toda uma geração de artistas da união soviética.
Essa busca e necessidade de experimentação, de encontrar alternativas para a já então
inevitável consagração de um modo único de se fazer e consumir cinema, encontrou
seu campo mais fértil na Antiga União Soviética.157
153
Os atores com seus movimentos em sincronia em muito se assemelham ao balé e respectiva coreografia.
154
Atuou ainda como ator no filme O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. Logo, voltaria para os Estados
Unidos, onde veio a falecer, quase cego. FRITZ Lang. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Fritz_Lang>.
Acesso em: 23 mar. 2009.
155
MANZANO, Luiz Adelmo Fernandes op. cit., p. 78.
156
FRITZ Lang. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Fritz_Lang>. Acesso em: 23 mar. 2009.
157
VIEIRA, Luiz João. As Vanguardas Históricas: Eisenstein, Vertov e o construtivismo cinematográfico. In:
BENTES, Ivana (Org.). Ecos do Cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 71.
41
as chamas e as centrais elétricas, admiramos os movimentos dos cometas e dos
meteoros, e os gestos dos projetores que ofuscam as estrelas… Viva a poesia da
máquina acionada e em movimento, a poesia dos guindastes, rodas e asas de aço, o
grito de ferro dos movimentos, os ofuscantes trejeitos dos raios incandescentes.158”
Com bons conhecimentos musicais, Vertov soube expandir os limites dos ritmos
visuais na tela.159 A escolha do seu pseudônimo no cinema torna mais explicita essa união entre
a ação e o som, a música e o ritmo, a poesia160 e as imagens.
Neste momento adota o pseudônimo Dziga Vertov, uma tremenda ironia. Vertov é
derivado do verbo girar, rodar ou fazer rodar; Dziga, segundo o próprio, é a
onomatopéia do girar da manivela em uma câmara (dziga, dziga,...).161
Seu filme Homem com uma câmera revolucionou a estética e o ritmo da montagem,
fruto de seu conhecimento de ritmo proveniente da música e da poesia.
158
XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Edição Graaal; Embrafilme, 1983, p. 249.
159
Estudou música no conservatório da cidade até a invasão alemã, que o obrigou a mudar-se para Moscou. Lá,
trava conhecimento com o Futurismo de Marinetti, enquanto se dedica à poesia e à ficção científica.
160
Procurando estruturar toda esta nova linguagem, surgem termos como cinema prosa e cinema-poesia. Em um
artigo chamado o Extrato do ABC dos Kinoks, em 1929, publicado por Vertov.
161
Poeta e Homem do Cinema. Disponível em: <http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia
_c_4844.html> Acesso em: 1 out. 2008.
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