INSTITUTO DE ARTES
A MATERIALIDADE DO VAZIO :
"Se há uma superfície - limite entre tal interior e tal exterior, essa superfície é dolorosa dos
dois lados [...].O espaço íntimo perde toda clareza. O espaço exterior o seu vazio. O vazio,
Índice
Resumo...............................................................................................................................05
Sobre o texto.......................................................................................................................06
Afinidades do pensamento.................................................................................................07
Referências artísticas
Aproximações...................................................................................................................10
Victor Brecheret...............................................................................................................11
Lygia Clark......................................................................................................................13
Amilcar de Castro............................................................................................................16
A referência ao feminino..................................................................................................19
O interior.........................................................................................................................20
A poética da queima
Comentários finais............................................................................................................39
Bibliografia........................................................................................................................56
5
Resumo
Este relatório explora a dinâmica entre o meu pensamento e minha produção artística
interno ampliou a intimidade de meu olhar, possibilitou uma presença a partir da ausência.
Sobre o texto
Poderia a partir de um estudo histórico da evolução das ciências aplicadas exemplificar e citar
princípios empíricos que alicerçam o pensamento científico. Desde a física clássica aos
questionamentos atuais da física quântica, são vários os exemplos presentes. Utilizaria minha
confortável. Prevendo desde o início a conclusão final, você não se ateria às particularidades
do percurso, não o vivenciaria. Mas a obra artística poderia se esvaziar no discurso. Ela
requer uma estrutura de ação muito mais dinâmica, na qual a sistematização, intuição, técnica,
linguagem. Após ser sensibilizado pela citação a seguir de Ferreira Gullar ( 1995, apud
Duarte, 2001, p.23), opto em redigir este texto na primeira pessoa, na forma de depoimento
de minha poética.
Afinidades do pensamento
Carusto 2003
entrar em contato com a teoria do conhecimento1, percebi como minha formação se deu de
mesmo tempo que distanciava-me da realidade afetiva. Acredito ser esta uma característica
marcante de grande parte das relações de nossa sociedade, a minha porém, foi intensificada
quando comecei a realizar uma produção intuitiva na escultura cerâmica. Tentava negar
minha dinâmica de pesquisa anterior. Em 1998 o livro " o Espirito na Arte e na Ciência " de
JUNG2, da mesma forma que me encorajava nesta busca com sua visão de processo autônomo
barcos". A construção de uma nova realidade e intenção artística deveria ser construída a
intuitivo. Neste momento, trabalhava com a dualidade perceptiva das superfície externa e
interna das esculturas, sentia a presença da ausência, do vazio interior. Não conseguia
preencher este vazio a partir de ações externas. Compreendi, ao ler "O homem livre" de
KRISHNAMURTI3, que ao buscar uma solução para esse vazio, estava na verdade me
deslocando para fora dele. Deveria explorá-lo e conhecê-lo profundamente até que ele não
mais se apresentasse como uma situação problema, mas sim como uma possibilidade de
1
Disciplina de Metodologia de Pesquisa em Artes, Professor Dr. Ernesto Giovanni Boccara, 1999
2
Jung,C.G. O espirito na arte e na ciência. Petropóis : Vozes, 1991
3
Jiddu Krishnamurti,pensador indiano, nasceu em 1887, foi educado na Inglaterra e faleceu em 1986
9
Explorei a superfície de fronteira, flui a minha percepção através dela, até reconfigurar uma
nova realidade que possibilitasse uma existência a partir da ausência. Apesar do momento da
processos de pesquisa sistêmica e intuitiva, que através do fluxo do vazio pelas superfícies,
explora a dialética entre o interior e exterior. Esta dinâmica é entretanto extremamente tensa,
questiona constantemente as minhas relações com a matéria e com o espaço social. A tensão
sempre se apresentou como uma característica de minha existência. Talvez seja ocasionada
pela nossa fragmentação em uma coleção desconexa de opostos, uma característica intrínseca
ao ser conforme sugerido por Heráclito4. "[...] segundo ele tudo é regido pelo eterno devir em
que os contrários se opõem e se unem. É nessa tensão, nesse equilíbrio conflituoso dos
Ao explorar, comecei a não mais separar o sujeito do objeto, não sei ao certo quem pensa e
quem é pensado, a ação não é mais unidirecional, a meta não se encontra mais no fim do
4
Heráclito (540-470ac), filosofo grego da escola jônica, apelidado "O obscuro" devido ao caracter
enigmático de seu pensamento.
5
Edgar Morin, filósofo Francês nascido em 1921, que sugere que na sua "...idéia de dialógica, há sempre dois
princípios contraditórios ou antagônicos, associados, sem que se possa resolvê-los numa síntese. Nós vivemos
de contradições, sem poder superá-las. Essas contradições nos fazem viver." ( 2002, p. 55)
10
Referências artísticas
Aproximações
Minha aproximação da arte foi pela matéria, por sua modelagem e não pelos livros e
exposições. Havia tido um contato inicial muito rico no período do ginásio na escola
vocacional Oswaldo Aranha em São Paulo na decada de 70. Durante 4 anos utilizei seu ateliê
de Artes Plásticas e visitei as principais bienais de arte no período. Aos 30 anos após um
encontro casual com a argila, comecei minha produção artística com o auxilio do Liceu de
de outros artistas tiveram grande impacto sobre meu processo. Muito mais do que serem
6
" Na acepção moderna, etretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da
realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente
transformação" (KONDER, 1981, p.8).
11
Victor Brecheret
Como paulistano, a obra de Brecheret (1884 a 1955) convivía com meu cotidiano. Desde a
do ibirapuera, da mesma forma que o Duque de Caxias instigava os céus do centro, da antiga
rodoviaria. Mas foi o encontro com uma retrospectiva sua no Museu Brasileiro da Escultura
Havia sido arrebatado minutos antes pela primeira exposição de Rodin na Pinacoteca em São
Paulo, mas foi na exposição do escultor modernista brasileiro que senti a força do processo
criativo, a realização de uma vida. O fauno a minha frente (figura 2), cristalizou em uma
fração de segundo, todo o recolhimento e síntese formativa que buscava em meu trabalho.
Uma presença forte e densa caracterizada pela escolha e tratamento da superfície do granito,
7
KLINTOWITZ, Jacob. Victor Brecheret, modernista brasileiro. São Paulo: MD Comunicações e Editora,
1994. p. 144.
12
da intimidade da escultura.
Não me recordo de ter visto o “O índio e a suassuapara” na exposição de 1995, mas sua
figurativas de minha poética visual por toda a década de 1990. Esta interferência se revelou
mais objetivamente somente com meus estudos abstratos a partir de 2000 e com o contato
real com a obra do escultor brasileiro na comemoração dos 50 anos da Bienal de São Paulo.
A escultura em bronze (figura 3) presente nesta exposição foi obtida como síntese de uma
pesquisa da cerâmica marajoara, realizada por Brecheret. A primeira versão, em cerâmica, foi
retorno da exposição Mês Brasileiro em Paris em 1955. A relação entre a superfície, vazados
e o espaço ao redor desta escultura, estabelecia em minha percepção uma dualidade entre a
materialidade da obra e sua conseqüente presença vazia no espaço externo, que muito me
Lygia Clark
se deu mais como uma vivência do processo de exploração do espaço e do espectador do que
por uma sensibilização estética. Este processo, observado em sua retrospectiva no MAM-SP
em 1999, constituia-se em uma referência a ser ao mesmo tempo seguida e evitada. Gostaria
de vivênciar o espaço em todas as suas possibilidades no meu trabalho, mas não desejava
elemento sensível, o início de uma rica exploração espacial que partindo do plano do quadro,
desdobrou-se nas séries dos bichos, da obra mole e do caminhando. Em caminhando (Figua
4), o espectador com uma tesoura cortava um caminho contínuo e cíclico sobre uma fita de
papel, cujas as extremidades haviam sido torcidas e coladas (fita sem fim) . Possibilitava-se à
determinado pela espessura da trilha. Trilha esta que poderia interagir espacialmente com o
ambiente e outros suportes de forma dinâmica e sensual como havia ocorrido com a obra
desta forma a meu trabalho uma possibilidade de interação com o espaço e com o espectador
elementos da escultura.
8
MILLIET, Maria Alice. Lygia Clark : Obra – trajeto. São Paulo : Edusp, 1992. P. 98.
9
Walter Smetak ( 1913-1984), compositor suiço naturalizado brasileiro, que através de sua pesquisa das
"plásticas sonoras", reelaborou plasticamente instrumentos sonoros considerando a linguagem da escultura
(SCARASSATII, 2001).
15
Amilcar de Castro
Amilcar de Castro11 a partir do gesto simples e preciso do corte e da dobra de uma chapa de
com o espaço, acabando com a separação entre figura e o fundo, ou seja, entre escultura e
Presenciar, na obra de Amilcar de Castro, toda a fluição da relação vivêncial das esculturas
com o espectador e com o espaço, que eu gostaria de incorporar ao meu trabalho em 2000,
criou-me uma agonia sufocante, uma provocação, uma provação. As relações entre forma e
conceitos dentro de minha poética não representam mais minhas intenções. Estava preso a
elas, sabia aonde queria ir mas não imaginava como chegar lá. Como incorporar os conceitos
da obra de Amilcar a minha, uma vez que o tratamento da superfície e os materiais que
10
TASSINARI, Alberto ( org.). Amilcar de Castro. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 42.
11
Amilcar de Castro (1920 - 2002), escultor mineiro que aderiu ao movimento Neoconcreto em 1959.
17
empregava eram tão diferentes? Existia porém uma semelhança com o percurso de formação
de sua carreira. Iniciada como advogado, por influência do pai jurista, deslocou-se para o
esculturas de corte e dobra de Amilcar aparecem justas, precisas, em 1959 após um período
de 7 anos de recolhimento.
Acredito ter sido esta semelhança de formação e pensamento da obra que me possibilitou
(figura 8).
12
Max Bill (1908-1994), escultor suiço que buscava na Unidade Tripartide interpretar de maneira artística
18
Começo a observar uma nova relação entre minha subjetividade e a matéria. Com a ação
estar separando-as ao longo deste texto por questões didáticas, tenho utilizado metáforas na
tentativa de manter os elos de ligação. Explorando minha produção e reflexão artística nestes
últimos 10 anos, compreendo que meu processo criativo não se deixa fragmentar
da matéria.
problemas matemáticos, principalmente aqueles relacionados a fita de Moebius (Fita sem fim)
19
A referência ao feminino
sempre de uma relação figurativa com o corpo da mulher, inicialmente desenhava sobre a
argila a linha da coluna, dos seios, do ventre, das pernas .... Ampliava para o espaço o
movimento previamente elaborado no desenho. Este não era um projeto construtivo para a
proporções da figuração, desejando uma síntese das formas do corpo feminino dentro de uma
e instável, além de potencializar esta exploração, teve um papel importante em sua própria
O interior
de um corpo presente começou a se revelar como uma fronteira, um limite entre dois
Em 1998 após remover a argila do interior, comecei a cortar a superfície da escultura, que já
através da superfície. As figuras de rupturas buscavam um diálogo com a forma externa e com
O removido era uma presença marcante na técnica utilizada nestes últimos 6 anos. Após
modelar a escultura, cortava-a em vários pedaços e retirava uma porção interna de argila,
mantendo sua superfície com uma espessura constante. A seguir, remontava-a e dava o
provenientes da ação das ferramentas e das mãos e aplicava sobre a região uma camada de
produzidas neste instante e intitulada de vazios, revelavam este fascínio pela matéria e sua
configuração.
materialidade do vazio. Esta intenção, alterou minha postura técnica em relação ao material.
conteúdo. Elas não foram mais confeccionadas maciças e posteriormente cortadas, ocadas e
remontadas. Utilizava placas de argila com espessuras constante colocadas por dentro das
formas de gesso das modelagens. Posteriormente, as placas já firmes eram coladas com uma
massa pastosa do mesmo material, recompondo a forma que tinha sido modelada.
O interno perdeu sua materialidade com a confecção das esculturas através de formas
auxiliares, moldes da exterioridade das modelagens. O espaço interno passou a ser sempre
vazio, não a perda do preenchimento, mas o vazio, o que não havia sido preenchido. Criava
técnicas que possibilitavam esculturas grandes e finas muito bem acabadas por dentro e por
fora. O vazio era vazio sem textura, sem memória, intocável. Tinha consciência de sua
ser entreaberto, vazado, vazando. Buscava conhecer a imensidão de minha intimidade, mas
A partir de 2001, passei a não mais analisar esteticamente minha produção durante a criação
e construi uma atitude bem definida em relação ao material. Transgredi-lo, testar seu limite,
sobrepor minhas capacidades técnicas e do ateliê. Aumentei a escala dos trabalhos e adotei a
técnica de modelagem por rolinhos14 de argila muito mais instável do que as técnicas
girava a escultura em torno de seus eixo horizontal durante a confecção. Esta atitude também
tinha o objetivo de desconectar o pensamento sistêmico durante a produção. Este passava a ter
um papel muito importante na análise das técnicas a serem empregadas e na reflexão da obra,
materialidade para o vazio a partir dos conflitos. Escondia-me da criação por períodos longos.
próximo mergulho. Não começo não sabia para onde iria, minha sistematização da exploração
intuitiva surtia efeito, mas ao invés de criar uma sensação romântica de liberdade, gerava
13
Sentida por exemplo por Bachelard em sua poética do espaço ( 2000, p.29). Para ele, a memória não se
preocupa com as datas, mas sim com a intimidade dos espaços que ocupou no passado.
23
uma angustiante tensão entre morte e criação. Começava porém, a observar as texturas
vivência a presença de uma materialidade para o vazio. A superfície passou a não ser mais
vazio atravessou a escultura revelando a percepção das texturas do espaço externo (figura
11).
14
nesta técnica os rolinhos abertos á mão sobre uma mesa, são colocados um sobre os outros e unidos através
da pressão lateral do polegar de cima para baixo, estabelecendo desta forma a superfície da escultura.
24
A poética da queima
Porque queimo as esculturas por 4 dias a uma temperatura final de 1350°C em um forno a
lenha se poderia obter quase a mesma resistência mecânica após cerca de 6 horas em um
forno elétrico ?
Função da queima
de energia, calor e ar dentro dos diversos tipos de fornos utilizados na produção cerâmica. As
impermeabilidade da argila. Cada argila requer uma curva e temperatura final de queima
específica. Ao longo desta curva de queima existem praticamente 3 pontos críticos: a 100°C,
temperatura de evaporação da água pode explodir as peças; a 350°C ocorre uma reação
química no material que produz água que também pode danificar a peça ; a 570°C temos a
transição da sílica que ocasiona trincas nas peças (FIENNES, 1987). Se ultrapassarmos a
deformar, rasgar, até mesmo ferver e fundir uma às outras como um grande bloco disforme,
queimar as peças com uma taxa de queima de aproximadamente 100°C a cada hora. Uma
outra função da queima refere-se à coloração da superfície. Podemos obter efeitos através da
óxidos ou corantes minerais. Geralmente, a aplicação de esmaltes deve ser feita sobre a
25
cerâmica previamente queimada a uma temperatura de cerca de 800°C, para facilitar a adesão
deste à superfície. Os efeitos de cores e texturas obtidas após as queimas para as formas de
modos de queima.
garrafa térmica com uma lâmpada pequena de árvore de natal em seu interior. Se o isolamento
térmico for ideal e a fonte de calor não apresentar perdas com o aumento da temperatura no
perdas nos tijolos isolantes refratários e na capacidade térmica das resistências elétricas. Para
obtermos a temperatura desejada temos que obter um balanço térmico entre a fonte de calor e
as perdas pelas superfície do forno. Funcionando como uma garrafa térmica, inerte, obtemos
um equilíbrio muito bom de temperatura dentro do forno sem troca de ar com o exterior.
Temos sempre uma queima oxidante obtendo um tratamento de superfície homogêneo dentre
Os fornos a gas operam com um fluxo de calor, com um processo de queima dinâmico
diferentemente do estático observado nos fornos elétricos. Este fluxo de calor se inicia nos
queimadores (maçaricos ), na parte inferior do forno, sobe para a parte superior (abobada) de
onde é "puxado" para baixo pela ação da chaminé, saindo posteriormente pelo topo desta
(figura 12 ).
26
Dependendo da relação entre o fluxo de entrada e a "puxada" da chaminé, não existe quase
fluxo de calor através das paredes do forno. Podemos observar este fenômeno, tirando um
possibilitar a existência de um fluxo de calor maior pelo interior das superfícies das paredes e
pela chaminé do forno. O fluxo de calor se inica nos maçaricos, com a queima do gás e do
oxigênio presente no ar. Se o fluxo de ar for igual ou superior ao de gás teremos uma queima
em oxidação, homogênea, igual aos fornos elétricos, por outro lado se tivermos excesso de
gás, teremos uma queima em redução, que alterará toda a coloração dos esmaltes e das argilas
ao longo da superfície da mesma peça devido a níveis de redução diferentes dentro do forno.
Temos, na verdade, uma processo de coloração das superfícies das esculturas no forno que
27
O forno Anagrama, " quinto continente", da ceramista Cristina Rocha utilizado na queima
Campinas e tem este nome por sido o primeiro forno construído por Peter Callas16 na América
do Sul. Tem aproximadamente 3 metros de comprimento. Inicia-se com uma altura de 1,50 m
metros. Parece uma locomotiva... jogamos a lenha em uma extremidade e vamos botando
15
FIENNES, Jerrmy. Fornos a combustão. in Cerâmica: Arte da Terra. editado por Miriam B. Birmann
Gabbai. São Paulo: Gallis, 1987. p. 132.
28
pelas próprias peças que foram posicionadas durante a montagem da queima (Figura 13 b). Se
não criarmos estas restrições ao fluxo, ele ocorreria somente na parte superior da abobada
ocasionando temperaturas muito baixas na parte inferior e a perda das cinzas produzidas para
fora do forno. Cinzas estas que ao se acumularem sobre as peças durante os 3 primeiros dias
da queima, irão produzir as texturas, cores e esmaltes naturais quando das últimas 24 horas a
16
Ceramista que trabalha com queimas anagramas nos estados unidos reconhecido internacionalmente
29
cores. Esta variação é potencializada pela pressão da chama que incide contra a escultura ou
As texturas de superfícies são compostas pelos esmaltes provenientes da fundição das cinzas,
pelas cracas ou lavras frias das cinzas e brasas não fundidas e pela migração de
Ambas as características de cor e texturas são fortemente influenciadas pela forma, rupturas e
pelo tipo de argila utilizada. O posicionamento da escultura dentro do forno, bem como o tipo
de madeira e curva de queima empregadas são também bastante relevantes. Todos estes
Esta presença marcante que se apresentava à minha percepção a cada nova queima,
dialogava com a intimidade de meu olhar que estava sendo elaborada nos relevos cerâmicos
(página 26). Comecei a sentir a presença do vazio como sendo o fluxo que vibrava no interior
do forno. A cor e a textura das esculturas representavam a memória deste vazio, impregnada
sobre sua superfície cerâmica. Uma presença matérica do vazio sobre a escultura que veio
complementar minha compreensão anterior, que observava o vazio como sendo um fluxo do
memória do vazio. Não o vazio contido, a contra-forma, mas o ativo que impregna e grava
presença nas superfícies que conduzem e delimitam o fluxo de minha existência. Convivo
com o medo de reconfigurar meu ser a partir da ausência, recriar uma realidade a partir da
A valorização perceptiva das texturas que começava a perceber durante as modelagens, levou-
me a realizar uma pesquisa paralela da superfície no plano bidimensional. Em 2001, uma série
para os vazios que haviam sido escavados. Estes relevos, que representavam a presença deste
vazio, foram retrabalhados na madeira, utilizando goivas e máquinas elétricas (figura 15). No
resistência e falta de fluição da linha acabei utilizando serras circulares para transpor a
matéria. Definido o processo de embate com a matéria, utilizava a prensa de gravura para
regiões em que a matriz não havia sido escavada e reproduzia as texturas da madeira,
reforçando o contraste entre os relevos. Como o papel não conseguia ocupar toda a
profundidade da escavação, observava na impresão uma transição suave entre os relevos que
não condizia com a ação das máquinas elétricas sobre as matrizes. Posteriormente em 2002,
apertei essas matrizes sobre placas úmidas de argila (figura 16). Esta nova impressão, sobre
um material denso porém maleável, reproduzia fielmente as texturas e a ação da serra sobre a
elétrica criaram descontinuidades em relação ao plano das texturas da madeira, enquanto que
Figura 16 : Relevo cerâmico, forno Anagrama a lenha 1350°C, 10 x 42 cm, Carusto Camargo 2002
33
Figura 17: Desenho com ponta de bambu e nanquim, 21 x 30 cm, Carusto Camargo 2002
Weiss. A intenção artística elaborada nestes últimos 10 anos transitava livremente além da
escultura. Dois fatores foram muito importantes neste processo de compreensão. Primeiro, o
tempo de produção tornou-se muito mais curto, devidos aos prazos envolvidos,
possibilitando em 6 meses, explorações e análises que levariam vários anos. O outro fator
em 2002, no mesmo Instituto, sob orientação da Dra. Lygia Arcuri Eluf. Ao focar o objeto de
observação, supostamente externo à minha subjetividade, percebi que esta era transferida
para a paisagem e refluía para o papel conduzida pela linguagem poética. Gravava no papel a
configurando através de sua dinâmica cíclica, tensa e descontínua o espaço vital a existência
(Figura.17).
mesma forma que começava a utilizar somente a superfície em novos estudos para a
escultura. Da minha formação da área de pesquisa em engenharia trazia comigo uma noção de
esculturas a fronteira física entre exterior e interior já havia se rompido totalmente, perdera
O vazio que não pode ser contido, mas sim conhecido, conduziu o fluxo do espaço através do
condutor da percepção da obra no espaço real e subjetivo, da mesma forma que fragiliza a
trabalho a constância do fluir como um movimento entre domínio técnico e sua transgressão,
manipulando a massa e o vazio, o ser e o não ser. Este equipamento carrega consigo uma
sensualidade muito forte. Nunca consigo dominá-lo totalmente, sempre quero ir além das
argila é tão difícil como um de 200 g com paredes finas, uniformes e sem deformações.
colocada sobre o torno e centralizada devido a pressão externa de ambas as mãos em direção
ao centro de rotação. Em seguida a mão direita perfura o centro de massa até encontrar a base.
Ao comprimir a parede de argila contra a mão esquerda, esta vai afinando e crescendo de
acordo com a forma descrita pelo movimento ascendente. Finalmente, na maioria das
esculturas, diminuo o diâmetro das paredes até enclausurar o vazio que se havia formado.
Após fechar a forma, intervenho sobre a superfície gravando o meu corpo sobre a escultura
ainda úmida ( figura 19). Esta ação transgride o domínio técnico conquistado durante a
escultura além das possibilidades expressivas inerentes à forma do vaso. O resgate busca
recuperar meu laço afetivo com a produção, que sente-se enfraquecido pela elaboração
sistêmica da pesquisa da poética artística. Esta atitude também flui minha subjetividade
do vazio.
37
revida. Sua pressão interna amortece a deformação da superfície até o rompimento. Neste
instante, com o rosto conectado respiro e sinto a respiração da escultura com os contatos das
minhas mãos. Sua pele se expande e contrai como um pulmão. Como dois pulmões
que me levou a esta emboscada, resguarda-me, dá um passo atrás e arremessa pequenos vasos
38
contra o muro do atelie. Não perco o poder de minha ação sobre o resgate do vazio, da
interioridade, mas transfiro para a parede o instante da intervenção. O vazio não mais implode
devido a uma ação externa, mais explode com o impacto contra o plano vertical. Ele não mais
de incidência definem a forma das deformações. O tamanho, forma e espessura dos vasos
20).
Comentários finais
A metodologia de pesquisa que permeia a exploração poética que esta sendo realizada neste
engenharia aplicada com uma posterior produção artística intuitiva. Na verdade sempre foi
tênue a linha que separou meu pensamento sistêmico do intuitivo. Minha produção e
reflexão artística apresentou uma relação muito mais dinâmica e entrelaçada entre eles.
Apesar de existirem regiões de fronteiras com dominação de um sobre o outro, eles não
revelaram uma linha de pesquisa bem definida quando de uma análise distanciada. Por outro
expressiva casual. Na verdade temos mais uma relação de complementaridade entre estes
pesquisa mais abrangente, que não esvazie o significado da expressão poética. Que não limite
A poética foi conduzida por uma atitude em relação à subjetividade da matéria. Não existiu
matéria pela minha intenção artística. Compreender e potencializar este fenômeno dinâmico
foi tão importante como a produção artística final. Basicamente, utilizei o pensamento
soluções para a poética, bem como objetivo parâmetros estéticos. Exploro a subjetividade da
O vazio que não pode ser preenchido, mas sim conhecido, conduziu o fluxo do espaço
Olhar, A dimensão espacial do vazio e o fluxo entre o ser e o não ser , são questões que estão
Este processo elaborou a intimidade de meu olhar e o fluxo de minha percepção através das
superfícies dos espaços que habito. Ao mesmo tempo que permiti-me novos vazios a serem
superfícies ao redor deste caminho. Somos definidos pela presença física de nosso contorno
externo, mas é nosso fluxo físico e afetivo dentro do vazio que nos define enquanto
Documentação sobre a
Produção Artística
42
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