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A linguagem na modernidade

Antologia
De poemas, contos e
crônicas.

Gabriela Barbosa e Jayne Meneses


ANTOLOGIA

de Poemas, Contos e Crônicas.

Gabriela Barbosa e Jayne Menezes

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Sumário

04- Introdução

05- Clarice Lispector – Feliz aniversário

12- Machado de Assis – O nascimento da crônica

14- Mario de Andrade – Será o Benedito!

17- Lygia Fagundes Telles – Natal na barca

21- Arnaldo Jabor – Amor é prosa, sexo é poesia

24- Manuel Bandeira – O último poema

26- Fernando Pessoa – Autopsicografia

28- Mario Quintana – Esperança

30- Carlos Drummond de Andrade – A bolsa e a vida

35- Cecília Meireles – Edmundo, o céptico

37- Breves biografias e características estilísticas

42- Conclusão

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Introdução

Como é a linguagem literária da modernidade?

A linguagem de hoje procura usar palavras simples e objetivas, de forma que até as
pessoas menos estudadas compreendam o conteúdo (antigamente, livros eram para as
elites).
Há o jogo de palavras, mas não como antigamente, que a linguagem era mais
rebuscada e regrada. A linguagem de hoje está mais livre e "solta".
Os autores procuram se expressar de modo claro e objetivo, fazendo a linguagem
escrita aproximar-se da falada, e, geralmente, desejam denunciar a realidade como ela é,
nua e crua.
Veremos a seguir contos,crônicas e poemas que possuem essa linguagem.

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Feliz Aniversário
Clarice Lispector

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem
vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de
Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a
barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas
mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu
melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três
filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas
engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.
Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto cadeiras unidas
ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de
cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a
boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir", dissera ela a
Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino,
amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado
da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.
Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E
como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já
havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na
cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria
empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta
das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a
babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.
E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia
hoje oitenta e nove anos.
Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel
colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns
dos quais estava escrito "Happy Birthday!", em outros "Feliz Aniversário!" No centro havia
disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois
do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não
desarrumar a mesa.
E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-
lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-
de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as
duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala
silenciosa.
De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro
balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda:
quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.
Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.
Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a
situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das ofensas
passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim
José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa
se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação
de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas,
enchendo a sala — e inaugurando a festa.
Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém
podia saber se ela estava alegre. Estava era posta á cabeceira. Tratava-se de uma velha
grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.
— Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho agora que Jonga tinha
morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração
pública e como sinal imperceptível para todos.
Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial.
Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela
aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo
timidamente.
— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. É um brotinho!, disse
espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa.
A velha não se manifestava.

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Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma
combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a
dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria
aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da
casa guardava os presentes, amarga, irônica.
— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.
A velha não se manifestava.
Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem,
com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a
festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação
que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido,
Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava
um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras,
eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.
— Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios!
— Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua
mulher que de longe estendia um ouvido
atento.
— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!

Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro — ela era a mãe. A
aniversariante piscou os olhos.
E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o barulho que os filhos
faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil
luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado
onde estava escrito "89". Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou
angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se
lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a
comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração
revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força,
entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, "vamos! todos
de uma vez!" — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada
pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em
português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês
passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo
em inglês.
Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de
uma lareira.
Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a
chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência
inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da
casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada.
— Viva mamãe!
— Viva vovó!
— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.
— Happy birthday! gritaram os netos, do Colégio Bennett.
Bateram ainda algumas palmas ralas.
A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.
— Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou
incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos,
ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!
E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento
ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.
— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou
agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.
— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que
eu, disse Zilda amarga.
Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se
aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada
um para a sua pazinha.
Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço.
As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta,
acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre
farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam
atentas a queda.

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E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último
bocado?
E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.
— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu José radiante.
— Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o
desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos
músculos da cara.
— Hoje é dia da mãe! disse José.
Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a
mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe
de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga
mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a
mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira,
desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não
passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de
sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e
despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha
ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a
aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte
pudera dar á luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que
casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente,
ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara
os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem
capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos,
fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que
eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a
sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
— Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada
de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se
entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito
para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício
que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso!
— acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros,
quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame
suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de
acordo que a velha não passava agora de uma criança.
— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.
Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.

Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos —


provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os
traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ainda
mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com
aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas
mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e
todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava.
— Me dá um copo de vinho! disse.
O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.
— Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.
— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos
carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! —
ordenou.
Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas,
como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa
interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar
seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos,
com croquetes na mão. E olhavam impassíveis.
Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no
copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.
Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera
como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse
acontecido.
Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro
tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria,
que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia

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vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua
severidade, sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente
com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum
modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas,
o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os
sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só
comera uma coisa de cada, para experimentar.
E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas
benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a
dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas
porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam
cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde
cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado,
suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma
curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam.
Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam
a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de
Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas
como um peso.
— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos
da saia. Vários se ergueram sorrindo.
A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão
infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras
propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao
que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia
então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.
— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas
profundezas.
Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta
ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à
cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e
com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa,
nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e,
superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo
sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É
preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.
Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a
estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da
aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma
vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num
ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia
quis olhar.
Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.
Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora
seguiu-o espantada.
— Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em torno da mãe, pigarreou
José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.
— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.
— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos
esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.
Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo
o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do
discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga
fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o, lenço — como Jonga fazia falta
nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso
dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo
um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele
mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os
sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico,
risonho.
E de repente veio a frase:
— Até o ano que vem! disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem
mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com
receio de não ser compreendido.

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Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um
ano.
— No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso! esclareceu melhor o filho
Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo
aceso! disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para
José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.
Então ela abriu a boca e disse:
— Pois é.
Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado,
grato, com os olhos úmidos:
— No ano que vem nos veremos, mamãe!
— Não sou surda! disse a aniversariante rude, acarinhada.
Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo.
As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um
cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis,
escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia
menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para
as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na
tranqüilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.
Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns
conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns
abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos
sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de
compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não sabiam
propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas
que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se
desligar dos parentes sem brusquidão.
— Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo,
os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar
cuidado com o coração. Até o ano que vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura
parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele
ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia
mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se
encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam
se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles
sinceramente nada podiam fazer a respeito: "Pelo menos noventa anos", pensou melancólica
a nora de Ipanema. "Para completar uma data bonita", pensou sonhadora.
Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante
sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não
vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.

Texto extraído do livro "Laços de Família", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1998, pág.
54.

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Sobre o texto:
A festa de aniversário descrita se processa apenas no nível do parecer. O título do
conto Feliz aniversário sugere a leitura irônica dos “laços de família” que se tornam
fragilizados, pois a confraternização familiar não acontece verdadeiramente. A velha senhora
de Clarice Lispector, desperta a simpatia pela coragem e pelo olhar crítico que despeja sobre
os sentimentos burocráticos de sua família, e ainda pelo modo como se contém até que, não
cabendo mais em si, transforma todas as palavras que lhe entravam na mente numa
grosseira cusparada, despertando, também por isso, e pelos sentimentos duros, e pela sua
burocracia interior (ao fim do relato, tudo o que se pergunta é se haverá jantar...), a
repulsa. Ou, pelo menos, provoca no leitor uma série de sentimentos ambíguos e
incompatíveis entre si.
A riqueza do conto está justamente aí: ele não só não oferece, mas também não
permite qualquer tipo de solução. Em vez de fechar o caminho do leitor, com uma moral,
uma lição, uma teoria, uma tese, ele o rasga, o amplia, o liberta. Essa liberdade do conto
expressa também o momento de sua autoria, o modernismo. Essa compreensão da
consciência individual e de análise indireta dos comportamentos humanos caracteriza Clarice
Lispector, e seus textos modernistas.
Concluindo: história breve e de aparência simples, ela conduz a sentimentos
paradoxais que, ao fim, só resta suportar.

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O nascimento da crônica
Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que
desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou
simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos,
fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se
um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.
Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam
de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo
de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e
não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma
capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a
segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é
provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.
Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa
degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno;
vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses
do ano.
Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a
probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o
jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente
começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que
tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do
morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa
mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.
Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que
lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contudo,
leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete.
Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer
que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar,
porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.
Não afirmo sem prova.
Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos
os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor!
Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!
Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O
sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os
de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar
esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça
descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, e
daí às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça
descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-
diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto acima foi publicado no livro "Crônicas Escolhidas”, Editora Ática – São Paulo, 1994,
pág. 13, e extraído do livro "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras", Editora Objetiva - Rio de
Janeiro, 2007, pág. 27, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.

Sobre o Texto:

Essa crônica de Machado de Assis, com clareza e humor, tenta explicar, do ponto de
vista do autor, como surgiu a crônica. O autor nos diz que pra que esta seja criada não é
preciso muito, apenas o fato de dizer ”que calor!” já propicia a criação de uma crônica. O
texto afirma que a crônica nasceu quando as primeiras vizinhas começaram a conversar.
Como características modernistas da linguagem, temos o uso de estrangeirismos e o
efeito inovador e ousado que as expressões e até a maneira com a qual o texto é escrito
causa no leitor.

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Será o Benedito!
Mário de Andrade

A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na
Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só
pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com
os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de
repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de
minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a
comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na
esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer:
— O hôme da cidade, chi!...
Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos
insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de
pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras
grossas do pomar.
Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me
deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas
tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns
trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às
vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu
cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de
onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve:
— Mas será o Benedito! Não é assim, moço!
Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e
superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e
assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.
Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que
guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, "Será o Benedito!", com que ele arrematava
todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me
deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade
que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em
devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não
dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas
realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os
homens. "Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que..."
— O que é isso?...
— É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente
por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos.
— Será o Benedito...
E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia
matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e
voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os "chauffeurs" (queria ser "chauffeur"...),
os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da República (não sei se
queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu
riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de
setembro se refletiam, numa brancura sem par.
Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um
chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias
de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era
fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho.
Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se
amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a
tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se
metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a
tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:
— Morrer não quero, não sinhô... Eu fico.
E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto
dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus "chauffeurs", seus
cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias
depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o
dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o

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pegara pela nuca. Não pude me conter: "Mas será o Benedito!...”. E é o remorso comovido
que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)

Texto extraído do livro "Será o Benedito!", Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e
Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992, pág. 66, uma colaboração de João Antônio Bührer e
seus "Arquivos Impagáveis".

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Sobre o texto:
Benedito é o nome do menino-personagem com quem o narrador estabelece franco e
afetuoso contato — e, daí, resulta um sorriso nosso para o humor que pontua o texto. Será o
Benedito? É o bendito moleque de treze anos que o narrador traz na memória, desde a
primeira imagem que capturou do amigo: — “Achando graça nele, de repente o encarei
fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença.
Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança
talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer: —O hôme da cidade, chi!...”
O texto traz uma relação afetiva entre o narrador e o menino, e ainda nos mostra o
amor e a ingenuidade de Benedito, que por ironia do destino, ao deixar de viajar com medo
da tuberculose morre com um coice de burro bravo que o pegara pela nuca.
Vemos como características modernistas a regionalidade nas falas de Benetido, que
nos fazem pensar nele como um menino do campo, e uma sátira característica do
modernismo.

14
Natal na barca
Lygia Fagundes Telles

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que
em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação
desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz
vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.
O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras
amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós,
apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo
manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.
Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da
viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava
mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo.
Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco
negro que a embarcação ia fazendo no rio.
Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os
quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão.
Contudo, estávamos vivos. E era Natal.
A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me
para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as
pontas dos dedos na água.
— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.
— Mas de manhã é quente.
Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio
sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente
brilhantes.
Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de
uma certa dignidade.
— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.
— Quente?
— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa
pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra
pergunta:
— Mas a senhora mora aqui perto?
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que
justamente hoje...
A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-
lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de
balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.
— Seu filho?
— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia
ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma
febre, só febre... Mas Deus não vai me abandonar.
— É o caçula?
Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a
expressão doce.
— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando
de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro
não era alto, mas caiu de tal jeito... Tinha pouco mais de quatro anos.
Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso
pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso
desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.
— E esse? Que idade tem?
— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era
um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas
era muito engraçado... A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os
braços. E voou.
Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os
laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele
instante. E agora não tinha forças para rompê-los.

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— Seu marido está à sua espera?
— Meu marido me abandonou.
Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta
porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.
— Há muito tempo? Que seu marido...
— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por
acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe
que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma
manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o
menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha
lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até
que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio...
Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui
morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.
Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia
contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem
ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos
remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o
segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia?
Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas.
Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.
— A senhora é conformada.
— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.
— Deus — repeti vagamente.
— A senhora não acredita em Deus?
— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por
quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma.
Era a tal fé que removia montanhas...
Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E
começou com voz quente de paixão:
— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que
saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele!
Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com
tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer
só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez,
só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como
dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na
minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim
do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou
tanto, tanto... Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em
mim.
Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer
alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale
novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar
o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o
peito. Mas ele estava morto.
Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse
mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim
— Estamos chegando — anunciou.
Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela
descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga
curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:
- Chegamos!... Ei! chegamos!
Aproximei-me evitando encará-la.
— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse atropeladamente, estendendo a mão.
Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse
apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo
que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.
— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.
— Acordou?!
Ela sorriu:
— Veja...
Inclinei-me. A criança abrira os olhos — aqueles olhos que eu vira cerrados tão
definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem
conseguir falar.

16
— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a sacola no braço.
Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia.
Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite.
Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo
com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E
pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.

Texto extraído do livro “Para gostar de ler – Volume 9 – Contos”, Editora Ática – São Paulo,
1984, pág. 67.

17
Sobre o texto:
O discurso não refere nenhum intuito de comemoração, mas, como se observa, as
personagens se tornam humanas, como se de dentro delas emergissem sentimentos
benéficos e gratuitos: as palavras do bêbado são amenas, a frieza inicial da narradora se
enleia em teias de amizade e compaixão e a mulher, apesar das mazelas de seu destino,
mantém os olhos brilhantes, vivos, as mãos enérgicas e vigorosas, a voz quente de paixão,
transparecendo resignação e serenidade. Somente ela, ainda que sutilmente, lamenta passar
o Natal na barca: “Já tomei essa barca não sei quantas vezes, mas não esperava que
justamente hoje...”
O final, quando a narradora diz que o filho da mulher está morto, sugere uma
ambigüidade: Uma realidade – a mulher apenas achou que o bebe estava morto quando
estava apenas dormindo – ou algo fantástico, milagroso – o bebe realmente estava morto,
mas ressuscitou.
O modernismo é percebido nos momentos epifânicos da narradora ao se questionar
sobre os tais “laços afetivos”, no caráter metafórico e no intimismo presente.

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Amor é prosa, sexo é poesia
Arnaldo Jabor

Sábado, fui andar na praia em busca de inspiração para meu artigo de jornal. Encontro
duas amigas no calçadão do Leblon:
- Teu artigo sobre amor deu o maior auê... – me diz uma delas.
- Aquele das mulheres raspadinhas também... Aliás, que você tem contra as mulheres
que barbeiam as partes? – questiona a outra.
- Nada... – respondo. – Acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas partes
dessas moças um bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do
Sarney... Lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho que vou
escrever ainda sobre sexo...
Uma delas (solteira e lírica) me diz:
- Sexo e amor são a mesma coisa...
A outra (casada e prática) retruca:
- Não são a mesma coisa não...
Sim, não, sim, não, nasceu a doce polêmica ali à beira-mar. Continuei meu cooper e
deixei as duas lindas discutindo e bebendo água-de-coco. E resolvi escrever sobre essa
antiga dualidade: sexo e amor. Comecei perguntando a amigos e amigas. Ninguém sabe
direito. As duas categorias trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o cinismo;
ninguém sabe onde a galinha e onde o ovo. Percebo que os mais “sutis” defendem o amor,
como algo “superior”. Para os mais práticos, sexo é a única coisa concreta. Assim sendo,
meto aqui minhas próprias colheres nesta sopa.
O amor tem jardim, cerca, projeto. O sexo invade tudo isso. Sexo é contra a lei. O
amor depende de nosso desejo, é uma construção que criamos. Sexo não depende de nosso
desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém
sofre de tesão. O sexo é um desejo de apaziguar o amor. O amor é uma espécie de gratidão
posteriori pelos prazeres do sexo.
O amor vem depois, o sexo vem antes. No amor, perdemos a cabeça,
deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.
No sexo, o pensamento atrapalha; só as fantasias ajudam. O amor sonha com uma
grande redenção. O sexo só pensa em proibições: não há fantasias permitidas. O amor é um
desejo de atingir a plenitude. Sexo é o desejo de se satisfazer com a finitude. O amor vive
da impossibilidade sempre deslizante para a frente. O sexo é um desejo de acabar com a
impossibilidade. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrrário não acontece. Existe amor
sem sexo, claro, mas nunca gozam juntos. Amor é propriedade. sexo é posse. Amor é a
casa; sexo é invasão de domicílio. Amor é o sonho por um romântico latifúndio; já o sexo é o
MST. O amor é mais narcisista, mesmo quando fala em “doação”. Sexo é mais democrático,
mesmo vivendo no egoísmo. Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio
e veneno. Amor pode ser veneno ou remédio. Sexo também – tudo dependendo das
posições adotadas.
Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do “outro”; o sexo,
no mínimo, precisa de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem
até mas sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor
é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. Amor muitas vezes e uma
masturbação. Seco, não. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós e
demora. O sexo vem dos outros e vai embora. Amor é bossa nova; sexo é carnaval.
Não somos vítimas do amor, só do sexo. “O sexo é uma selva de epiléticos” ou “O
amor, se não for eterno, não era amor” (Nelson Rodrigues). O amor inventou a alma, a
eternidade, a linguagem, a moral. O sexo inventou a moral também do lado de fora de sua
jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes
paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói – quando acaba a valentia, ele vem e come.
Eles dizem: “Faça amor, não faça a guerra”. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o
ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte.
No sexo, a morte está ali, nas bocas... O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas
não se explica. O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as saunas relax for
men. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provinciais do século XII e, depois,
revitalizado pelo cinema americano da direita cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor
é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti
consigo mesmo. O amor domado protege a produção. Sexo selvagem é uma ameaça ao bom
funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controla-lo é programa-lo, como faz
a indústria das sacanagens. O mercado programa nossas fantasias.

19
Não há saunas relax para o amor. No entanto, em todo bordel, FINGE-SE UM
“AMORZINHO” PARA INICIAR. O amor está virando um “hors-d’oeuvre” para o sexo. O amor
busca uma certa “grandeza”. O sexo sonha com as partes baixas. O PERIGO DO SEXO É QUE
VOCÊ PODE SE APAIXONAR. O PERIGO DO AMOR É VIRAR AMIZADE. Com camisinha, há
sexo seguro, MAS NÃO HÁ CAMISINHA PARA O AMOR. O amor sonha com a pureza. Sexo
precisa do pecado. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. Sexo precisa
da novidade, da surpresa. “O grande amor só se sente no ciúme” (Proust). O grande sexo
sente-se como uma tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda (ou não,
dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o
contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta). E por aí vamos. Sexo e amor tentam
mesmo é nos afastar da morte. Ou não; sei lá... e-mails de quem souber para o autor.

Do livro: As cem melhores crônicas brasileiras – p. 301

20
Sobre o texto:
A crônica expressa uma dualidade:sexo e amor eis a questão.Entre uma discussão de
duas mulheres,uma casada e a outra solteira, sobre a diferença do amor e sexo que, não são
a mesma coisa.Arnaldo presencia o fato e decide escrever sobre o assunto que nasceu como
polemica.
Uma crônicas com características modernistas nos assuntos tratados e na linguagem
livre, sem medo de usar as palavras.

21
O último poema
Manuel Bandeira

Assim eu quereria meu último poema


Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Poema extraído do livro " Manuel Bandeira — 50 poemas escolhidos pelo autor", Ed. Cosac
Naify – São Paulo, 2006, pág. 35.

22
Sobre o texto:
“O ultimo poema” foi extraído do livro “Libertinagem” de Manuel,o primeiro que é
inteiramente modernista onde a expressão poética explora os veios da fala
cotidiana,coloquial e popular usando um “prosismo poético”.Ele é tirado de um material em
que conclui todos os assuntos modernos já escritos como poema e é desfecho de seu livro.
Nesse poema, é descrito com intensidade, o desejo do autor para o seu último poema.

23
Autopsicografia
Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

27/11/1930

Os versos acima foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar
Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 164.

24
Sobre o texto:
Esta composição poética é uma esplêndida síntese do que Pessoa pensava sobre a
gênese e a natureza da poesia. Podemos, pois, considerá-lo como uma verdadeira "arte
poética".
O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada
uma das estrofes.
Na primeira parte, o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, na frase de
tipo axiomático "o poeta é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por
meio de uma particularização centrada na dor.
Quer isto dizer que a poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente,
mas no fingimento dela. Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte,
tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que
partir da dor real, a dor que deveras sente.
Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria,
por exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte sem
imaginação, sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma
a surgir como um objetivo poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.

25
Esperança
Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano


Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.

26
Sobre o texto:
Nesse poema, Mario Quintana tenta mostrar o que é esperança. Ele descreve a
maneira como ela aparece, e ainda mostra o quanto ela é desconhecida; as pessoas ou não
a conhecem ou se esqueceram de quem ela é.
O poema sem forma pré-definida, de versos livres e sem rimas, e a maneira como o
autor aborda o tema do poema demonstra o estilo modernista/contemporâneo de Mario
Quintana.

27
A bolsa e a vida

Carlos Drummond de Andrade

I. O achado
Jamais em minha vida achei na rua ou em qualquer parte do globo um objeto
qualquer. Há pessoas que acham carteiras, jóias, promissórias, animais de luxo, e sei de um
polonês que achou um piano na praia do Leblon, inspirando o conto célebre de Aníbal
Machado. Mas este escriba, nada: nem um botão.
Por isso, grande foi a minha emoção ao deparar, no assento do coletivo, com uma
bolsa preta de senhora. O destino me prestava esse pequeno favor: completava minha
identificação com o resto da humanidade, que tem sempre para contar uma história de
objeto achado; e permitia-me ser útil a alguém, devolvendo o que faria falta.
A bolsa pertencia certamente à moça morena que viajava a meu lado, e de que eu vira
apenas o perfil. Sentara-se, abrira o livro e mergulhara na leitura. Eu senti vontade de dizer-
lhe: "Moça, não faça isso, olhe seus olhos", mas receei que ela visse em minhas palavras
mais do que um cuidado oftalmológico, e abstive-me. Absorta na leitura, ao sair esquecera o
objeto, que só me atraiu a atenção quando o lotação já ia longe.
Mas eu não estava preparado para achar uma bolsa, e comuniquei a descoberta ao
passageiro mais próximo:
- A moça esqueceu isto.
Ele, sem dúvida mais experimentado, respondeu simplesmente:
- Abra.
Hesitei: constrangia-me abrir a bolsa de uma desconhecida ausente; nada haveria nela
que me dissesse respeito.
- Não é melhor que eu entregue ao motorista?
- Complica. A dona vai ter dificuldade em identificar o lotação. Abrindo, o senhor
encontra um endereço, pronto.
Era razoável, e diante da testemunha abri a bolsa, não sem experimentar a sensação
de violar uma intimidade. Procurei a esmo entre as coisinhas, não achei elemento
esclarecedor. Era isso mesmo: o destino me dava as coisas pela metade. Fechei-a depressa.
- Leve para casa - ponderou meu conselheiro, como quem diz: - É sua. Mas
acrescentou: - Procure direito e o endereço aparece.
Como ele também descesse logo depois, vi-me sozinho com a bolsa na mão, já
deliberado a levá-la comigo. E para evitar que na saída o motorista me interpelasse: "Ei, ó
distinto, deixa esse troço aí", achei prudente envolvê-la no jornal que eu portava. Já percebe
o leitor que, a essa altura, minha situação moral era pouco sólida, pois eu procurava
esconder do motorista um objeto que não me pertencia, sob o fundamento de que pretendia
restituí-lo à dona; como se eu conhecesse essa proprietária mais do que ele, motorista, que
podia muito bem conhecê-la de vista; e como se eu duvidasse dele, que com igual razão
podia desconfiar de mim, passageiro, quando o mais fácil seria explicar-lhe (ou não seria?)
que eu duvidava, não dos motoristas em geral ou dele em particular, mas sim da eficácia do
sistema de entrega de objetos perdidos em coletivos.
Assim, embuçada convenientemente a coisa, como algo tenebroso que convinha esquivar à
curiosidade pública, paguei com dignidade a passagem e saltei sem impugnação. No próximo
escrito, o que continha a bolsa, e o mais que sucedeu depois.

II. O conteúdo
Chegando à casa, o primeiro cuidado deste cronista foi esvaziar a bolsa e examinar-lhe
o recheio, para o fim de identificar sua proprietária. Logo atinei com a conveniência de dispor
os objetos em ordem, e inventariá-los, primeiro porque era minha intenção devolver tudo de
maneira regular, devendo a moça verificar, em minha presença, se não faltava nenhum
pertence; segundo, porque, vencida a repugnância de mexer em coisa alheia, era legítima,
até científica, a curiosidade de apurar que utensílios contém uma bolsa feminina comum, em
nossa época, na área cultural do Rio de Janeiro.
Bem, não continha artefatos de couro, metal ou pedra, reveladores de hábitos tribais
ainda não estudados; não deslumbrava pela magnificência dos artigos de toalete nem
encerrava crimes e paixões em objetos simbólicos. Eis, honestamente, o seu acervo:
2 batons; 1 lápis para cílios; 1 escovinha idem; 1 espelhinho; 1 trousse folheada a
ouro; 1 pente; 2 grampos; 1 vidrinho de Nuit de Longchamp; 1 sabonete de papel; 1
lencinho branco; 1 dito amarelo estampado, para limpar batom; 1 flanela para óculos; 1
caneta-tinteiro; 2 lápis; 1 borracha; 3 clipes; 1 canivete; 1 figa de madeira; 1 atadura
adesiva; 1 ampola de Pernemon Forte; 1 comprimido de magnésia bisurada; 1 bula de
Xantinon B 12; 1 chaveiro com duas chaves; 1 chave maior, solta; 1 folha de papel de

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embrulho; 1 pedaço de barbante; 1 cartão de firma de representações; 1 nota de venda no
valor de Cr$4.550,00 referente a "1 camisola de luxo, 1 anágua franzida e 1 calcinha com
liga"; 1 porta-níqueis com Cr$4,50; 1 calendário pequeno; 2 folhetos; 1 papel datilografado.
Num escaninho dissimulado, o dinheiro maior: Cr$950,00.
A agenda foi explorada; em seu interior havia uma flor seca, a fotografia de um
desenho, representando um rosto feminino de cabelos compridos, e uma carteira de
estudante de medicina; na carteira, o retrato de frente de uma jovem em que não foi dificil
reconhecer a moça do lotação, vista de perfil. Tive a alegria de uma descoberta; mas foi
curta, pois em nenhuma folha do caderninho havia o endereço da moça. Os nomes não
coincidiam, e como os endereços anotados fossem vários, pareceu incomodo e até
desaconselhável discar para todos eles, indagando sobre a acadêmica de medicina. Que grau
de intimidade teriam essas pessoas com ela, e por que precisavam ficar sabendo que a moça
perdera sua bolsa?
Resolvi, por, telefonar para a secretaria da Faculdade de Medicina, na manhã seguinte,
e voltei a guardar na bolsa o que dela retirara. Dormi mal, preocupado com a noite que a
jovem estaria passando, sem dinheiro, sem chave de apartamento, numa cidade onde as
moças nem sempre estão bem protegidas. Quem sabe se mesmo à noite eu poderia
tranquilizá-la? Eram 24 horas. Corri à bolsa, li o papelzinho datilografado: "Chave da
Harmonia. Desejo Harmonia, Amor, Verdade e Justiça a todos os meus irmãos do Círculo da
Comunhão do Pensamento. Estou satisfeita e em paz com o universo inteiro e desejo que
todos os seres realizem suas aspirações mais íntimas." Tais sentimentos me penetraram, e
conciliei o sono. O resto, a seguir.

III. A busca
Às nove da manhã, pelo telefone, comuniquei-me com a secretaria da Faculdade de
Medicina. Expus o objeto da consulta, de maneira a não deixar dúvida: procurava o endereço
da senhorita Andréia de Poggia (era o nome da carteira) para restituir-lhe uma bolsa, não
para isso assim assim. O homem ouviu-me atenciosamente, e depois:
- Ah, moço, só o senhor tocando outra vez depois das 11. Eu sou faxineiro.
Mais por pressentimento do que à base de fatos, comecei a perceber que não seria
fácil desfazer-me daquele objeto. A razão dizia que dentro de duas horas o endereço de
Andréia estaria em meu poder. Uma voz obscura me sussurrou: Duvido.
Às 11 e 15, uma funcionária gentil tomou conhecimento do caso, certificou-se de
minha honorabilidade e prometeu tocar logo que colhesse a informação. E efetivamente o
fez, instantes depois.
- O senhor deve estar equivocado. Não temos aluna chamada Andréia de Poggia.
- Talvez esteja com a matrícula trancada, e não conste do fichário.
- Não senhor.
- Mas está na carteira: número 215.
- 215 é um rapaz.
Agradeci e fui à agenda. Para meu desapontamento, a maioria dos nomes anotados
não dispunha de telefone, ou eram casas comerciais, que não queriam conversa. Os dois ou
três telefonáveis não estavam em casa ou não conheciam nenhuma Andréia. Um julgando-se
vítima de trote, ia proferir uma dessas expressões comuns na Câmara de Vereadores, mas
desliguei. Outro conhecia André - o André Meireles, da Sursan, que perdeu uma pasta com
ações da Brahma ao portador, e quase ficou maluco; eu tinha achado, é?
Expliquei-lhe que eram matérias completamente distintas, e que, já às voltas com uma
bolsa feminina, eu não podia responsabilizar-me pela pasta de André, mas o homem queria
de toda maneira estabelecer um vínculo entra a pasta e a bolsa.
Depois de tantas ligações infrutíferas, o jeito era botar no jornal um anúncio
classificado. Verifiquei a eficácia desse meio de divulgação, em face de nove senhoras e
senhoritas que, pelo fio, em carta ou pessoalmente, se declararam mais ou menos Andréia
de Poggia, isto é, à procura de uma bolsa perdida. Mas todas se enganavam a respeito da
própria identidade. Os nomes não coincidiam, ou os rostos é que não coincidiam com a foto,
embora alguns fossem até mais bonitos. A quarta Andréia esclareceu que ao tirar o
retratinho estava mais gorda, a sétima que estava mais magra, nenhum se zangou quando
lhes expliquei que a bolsa era, indubitavelmente, de outra Andréia de Poggia - a décima, que
não aparecia. Outra observação: sendo avultado o número de bolsas femininas perdidas no
Rio, muitas (senhoras, não bolsas) se resignam a aceitar outra qualquer, em substituição à
que perderam. Mulheres procurando bolsas, bolsas aguardando mulheres; desencontros.
Já nutrindo certo mau humor com relação a Andréia, que assim se ocultava às minhas
investigações benignas, mais desejoso de cumprir até o fim de dever de um cavalheiro do
velho estilo, que achou uma bolsa de senhora de lotação, anotei os nomes das ruas
constantes da agenda, e empreendi pesquisas de campo. E como este rocambole já me vai

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caceteando, embora empolgue um ou outro leitor que me tem telefonado para saber se achei
a dona da bolsa, darei o desfecho na próxima.

IV. O encontro
Bati em várias casas de bairros vários, e ninguém soube informar-me quem era
Andréia de Poggia. Em geral, acolhia-se com ceticismo minha intenção de devolver alguma
coisa a alguém. Na bolsa, o dinheiro se desvaloriza, e era de recear que, se um dia eu
encontrasse a proprietária, já o conteúdo nada valesse.
Contemplando o retrato de Andréia, eu naturalmente lhe emprestava uma
personalidade universitária; meditando a frase da Chave da Harmonia, outra Andréia se
figurava à minha imaginação. Uma, racional, científica, técnica; outra, sonhadora e mágica,
em ligação com o universo através das "Instruções reservadas para uso do irmão do Círculo
da Comunhão do Pensamento" e das "Meditações" diárias do mesmo circulo, como se
intitulavam os folhetos contidos na bolsa.
Cheguei a pensar que o objeto pertencesse em condomínio a duas moças, tão diversas
me pareciam as tendências. Que uma se houvesse apoderado da bolsa da outra, não era
agradável admitir. Pensei também - sem convicção - num caso de dupla personalidade, com
visitas alteradas ao anfiteatro médico e a sessões espíritas; a bolsa serviria a ambos os
interesses.
Nas idas e vindas em busca da moça, carregava comigo o objeto embrulhado. Às vezes
sentia ímpetos de atirá-lo fora, livrando-me da obrigação incomoda. A mesma voz de antes
me murmurava então "Fraco! Fraco!". E daí, mesmo jogada do bondinho do Pão de Açúcar,
ela seria talvez encontrada, iniciando novo ciclo de indagações.
Então, redobrava de cuidados, com receio de, por minha vez, perder a coisa perdida;
ninguém me censuraria por isso, a não ser eu mesmo, pois a bolsa crescia em mim, cobria-
me de imperativos morais, comandava-me. Sentia-me "Homem do embrulho", vagamente
suspeito à Polícia.
Quando de repente, um mês depois, na Rua Uraguaiana, dou de cara com Andréia. Ela
mesma, como a vira de perfil e a decorara de retrato.
- É a senhorita Andréia de Poggia?
Não disse que sim nem que não; olhou-me com naturalidade, como se conhecesse ou
me esperasse; apenas murmurou?
- Será que o senhor,...
- Exatamente. Encontrei sua bolsa. Aqui está.
- Ah, obrigada! Eu tinha certeza de que ela voltaria, sabe? Sou espiritualista. Com
licença.
E abrindo-a sem cerimônia, o que me chocou um pouco, remexeu até encontrar a
agenda e retirar dela a reprodução do desenho.
- Felizmente aqui está ele!
Perguntei-lhe a quem se referia, pois a figura era feminina, de cabelos compridos.
- Não senhor, é o meu guia, um principe hindu, de cabelos longos. Veja que nobreza!
- Tenha a bondade de contar o dinheiro - pedi-lhe, constrangido.
- Não precisa, confio em seu cavalheirismo. O essencial para mim é o retrato do guia.
Eu não podia perde-lo. Mas tinha certeza de que voltaria.
- Escute, D. Andréia...
- Não sou Andréia, interrompeu-me suavemente. Meu nome é Rita Peixoto,
comerciária, sua criada.
- Então aquela carteira...
- Bem, de vez em quando a gente gosta de ir a um cineminha, o senhor compreende...
Compreendi; as carteiras de estudante são para isso. Contei-lhe então os problemas
da consciência que me assaltaram por causa de sua bolsa, os esforços por descobri-la.
- Está vendo? Foi o meu guia que agiu em tudo isso. Me fez perder a bolsa para que o
senhor se aproximasse mais da humanidade. Agora está explicado!
Separamo-nos, felizes; ela, com o retrato do guia; eu, livre da bolsa, e determinado a
não pegar mais nada que encontre em lotação.

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Sobre o texto:
Nesse texto, o autor cria um suspense em torno da questão: “quem é a dona da
bolsa”? e ainda se ele a encontraria ou não.
Tal clima se encerra ao final do texto, quando há o encontro entre o homem e a dona
da bolsa, é nesse momento em que o mistério é solucionado, e o homem entende que tudo o
que ele pensava estava errado a respeito da dona da bolsa.
O texto tem aspectos modernistas quando é irônico e na maneira simples de escrita. E
o ambiente onde se passa a história também nos faz imaginar características mais modernas
em relação a tempo.

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Edmundo, o Céptico
Cecília Meireles

Naquele tempo, nós não sabíamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico.
As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma
definição errada.
Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que
há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele
quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O
cepticismo também tem o seu valor!)
Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d'água do quintal, podia morrer
afogado. Não se assustou com a idéia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só
não morreu porque o jardineiro andava perto.
Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste
mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: "E o rei Salomão?" Foi preciso a professora fazer
uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: "Só vendo." E em certas
ocasiões, depois de lhe mostrarem tudo o que queria ver, ainda duvidava. "Talvez eu não
tenha visto direito. Eles sempre atrapalham." (Eles eram os adultos.)
Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as suas
dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim desconfiasse de
tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me disse estar a ponto de
inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava muito em moda, mais ou
menos como, hoje, as aventuras espaciais.
Edmundo estava sempre em guarda contra os adultos: eram os nossos permanentes
adversários. Só diziam mentiras. Tinham a força ao seu dispor (representada por várias
formas de agressão, da palmada ao quarto escuro, passando por várias etapas muito
variadas). Edmundo reconhecia a sua inutilidade de lutar; mas tinha o brio de não se deixar
vencer facilmente.
Numa festa de aniversário, apareceu, entre números de piano e canto (ah! delícias dos
saraus de outrora!), apareceu um mágico com a sua cartola, o seu lenço, bigodes retorcidos
e flor na lapela. Nenhum de nós se importaria muito com a verdade: era tão engraçado ver
saírem cinqüenta fitas de dentro de uma só... e o copo d'água ficar cheio de vinho...
Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos
demais. Disse: "Eu não acredito!" Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver mais
as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia debandar um
pombo voando... (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo
morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?).

Texto extraído do livro "Quadrante 2", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962, pág. 122.

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Sobre o texto:
A autora descreve nesse texto o ceticismo de um menino chamado Edmundo, o qual
duvidava de tudo e por isso era difícil lidar com ele.
Cecília escreve um texto de valor humorístico e que, ao mesmo tempo, faz pensar: Edmundo
estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu
Deus, com que verdades?
O texto tem um estilo moderno e uma linguagem não-padrão nos mostra isso.

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Breves biografias e características estilísticas:
Clarice Lispector:
De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. A família de Clarice
sofreu a perseguição aos judeus, durante a Guerra Civil Russa de 1918-1921. Seu
nascimento ocorreu em Chechelnyk, enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia, antes da
viagem de emigração ao continente americano. Chegou no Brasil quando tinha dois anos de
idade.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade do Recife,
onde passou parte da infância. Falava vários idiomas, entre eles o francês e inglês. Cresceu
ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche.
Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com
câncer inoperável no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia 9 de dezembro
de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi inumada no Cemitério Israelita do Caju,
no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro.
É a principal representante da tendência intimista da moderna literatura brasileira. O
questionamento do ser, o intimismo, o peso existencial são temas abordados pela escritora
através do fluxo da consciência ou do monólogo interior. A narrativa é densa, pesada, cheia
de idas e vindas, um constante remoer de situações.

Machado de Assis:
Joaquim Maria Machado de Assis, nasce do no Rio de Janeiro a 21 de junho de 1839 e
morre a 29 de Setembro de 1908. Começa a vida como sacristão, aprendendo a ler e
escrever com um padre. É obrigado a trabalha desde infância como aprendiz de tipógrafo e
mais tarde como revisor, torna-se depois ajudante de direção do Diário Oficial. Em 1873,
entra para o ministério da agricultura, onde trabalha até a aposentadoria, poucos anos antes
de sua morte.
Machado de Assis descendente de uma família humilde, aprendeu por si mesmo com
seu próprio esforço, viveu numa época em que o Brasil estava sob regime monárquico
escravocrata, na época D. Pedro II era imperador do país. Cultivou quase todos os gêneros
literários, mas destacou-se coo ficcionista. Inicia sua fase realista, demonstrando um estilo
perfeito, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Esse romance
apareceu inicialmente em folhetins, na Revista Brasileira do Rio de Janeiro, 1880; sendo que
essa obra é considerada como marco inicial do realismo brasileiro.
Machado de Assis, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (1897), na
qual foi aclamado seu primeiro presidente até a sua morte.
A obra poética de Machado de Assis divide-se me duas fases: a romântica (que sofre
forte influência de Gonçalves Dias) e a mais próxima ao Parnasianismo (com temas
semelhantes ao de Raimundo Correia). A prosa machadiana divide em: 1ª fase (romances
com características românticas) e a 2ª fase (com características realistas).

Mario de Andrade
Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo em 1893. Além de poeta e
escritor, foi musicólogo, folclorista e conferencista, estreou em 1917 com o livro de versos
sob o pseudônimo de Mário Sobral "Há uma gota de sangue em Cada Poema". Liberta-se,
porém, das primitivas influências com os versos que iriam compor a "Paulicéia Desvairada",
escritos numa noite em 1920.
Mário de Andrade defendia a disciplina formal na elaboração poética e apontava o
artesanato como sua fundamentação estética. Formula um verdadeiro manifesto em
"Prefácio Interessantíssimo", que precede os versos de "Paulicéia Desvairada”, e que ajudou
a estampar-lhe o rótulo de criador de novos rumos, valorizou a fala brasileira e procurava
uma "estilização culta da linguagem popular da roça como da cidade, do passado e do
presente".
Essa estilização utilizava vocábulos do linguajar nacional de todos os pontos do país,
erros e impropriedades inventados pelo povo, construindo assim uma poesia coloquial e
impressionista. Já no fim da vida passa a desenvolver uma poesia interessada no drama
social contemporâneo, de vinculação política, apresentada em "Lira Paulistana".
Entre outras instituições de ensino, lecionou por algum tempo na Universidade do
Distrito Federal e exerceu vários cargos públicos ligados à cultura, de onde sobressaía sua
faceta de importante pesquisador do folclore brasileiro. Foi um dos principais nomes da
Semana de Arte Moderna de 1922.
Participou também de importantes publicações modernistas como a Revista "Klaxon" e
a "Estética". Mário de Andrade morreu de ataque cardíaco no ano de 1945 em São Paulo.

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Lygia Fagundes Telles
Contista e romancista, Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, mas passou a
infância em pequenas cidades no interior do Estado, onde o pai, o advogado Durval de
Azevedo Fagundes, foi delegado e promotor público. A mãe, Maria do Rosário (Zazita) era
pianista. Algumas das cidades percorridas: Sertãozinho, Areias, Assis, Apiaí e Descalvado.
Voltando a residir com a família em São Paulo, formou-se em Direito (Faculdade do Largo de
São Fransisco) e cursou ainda a Escola Superior de Educação Física da mesma Universidade.
Foi casada com o jurista e ensaísta Goffredo Telles Júnior. Divorciada, casou-se com o crítico
de cinema e fundador da Cinemateca Brasileira, Paulo Emílio Salles Gomes. Tem um filho,
Goffredo Telles Neto, cineasta.
Lygia Fagundes Telles começou a escrever muito cedo, o que a levou a considerar seus
primeiros livros "muito imaturos e precipitados". Segundo o crítico Antonio Candido, o
romance Ciranda de Pedra (1954) seria o marco da sua maturidade intelectual. Concordando
com esse critério, a autora considera a sua obra a partir dessa data. Participante e
testemunha desse tempo e desta sociedade, a escritora classifica sua obra como de natureza
engajada, ou seja, comprometida com a condição humana nas suas desigualdades sociais.
Recebeu diversos prêmios literários, dentre os quais o do Instituto Nacional do livro,
1958; o Guimarães Rosa, 1972; o Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, 1973; o
Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, 1980; e o Pedro Nava, de melhor livro do ano, 1989. A
coletânea de contos A Noite Escura e mais Eu recebeu três importante prêmios literários:
melhor livro de contos, da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro; Jabuti, da Câmara Brasileira
do Livro, São Paulo; e Aplub de Literatura, Porto Alegre.
Lygia Fagundes Telles tem participado de feiras de livros e congressos realizados não
só no Brasil, mas também em Portugal, Alemanha, Espanha, França, Itália, República
Tcheca, Suécia, Canadá, Estados Unidos e México, países nos quais foram publicados seus
contos e romances. Condecorações: Ordem do Rio Branco (Brasil), Infante Dom Henrique
(Portugal), Ordre dês Arts et dês Lettres-Chevalier (França) e Orden Al Mérito Docente y
Cultural Gabriela Mistral – Gran Oficial (Chile). A escritora pertence à Academia Paulista de
Letras e à Academia Brasileira de Letras. É membro do Pen Club do Brasil.

Arnaldo Jabor
Arnaldo Jabor, crítico, cineasta e jornalista carioca. Nasceu no Rio de Janeiro, dia 12 de
dezembro de 1940. Começou a carreira em 1962 em O Metropolitano, jornal ligado ao
movimento estudantil. Ao longo das décadas de 60, 70 e 80, dedicou-se ao cinema. Antes de
lançar Pindorama (1970), seu primeiro filme de ficção, foi assistente de Carlos Diegues, Leon
Hirszman e Paulo César Saraceni. Entre seus filmes mais famosos estão Toda Nudez Será
Castigada (1973) e Eu Sei Que Vou Te Amar (1984).
Em 1991, abandonou o cinema e iniciou colaboração semanal na Folha de S. Paulo,
tornando-se uma das personalidades mais polêmicas da imprensa brasileira. Em 1995,
começou a trabalhar como comentarista dos telejornais da Rede Globo. Jabor já lançou cinco
coletâneas de crônicas: Os Canibais estão na Sala de Jantar (1993), Brasil na Cabeça
(1995), Sanduíches de Realidade (1997), A Invasão das Salsichas Gigantes e Amor é Prosa,
Sexo é Poesia (2004).
Em toda sua obra, seja no cinema ou no jornalismo, ele faz uma crônica dos vícios da
classe média do país. Vem daí sua ligação com Nelson Rodrigues, cujo universo temático ele
compartilha. Foi dele que Jabor herdou o gosto pela hipérbole e pelo adjetivo, abundantes
em seus textos. Capaz de escrever com fluência em estilos variados, é pródigo em aliar
citações eruditas a uma visão debochada da realidade brasileira.

Manuel Bandeira
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no dia 19 de abril de 1886, em Recife,
filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira.
Em 1903 a família se mudou para São Paulo onde Bandeira se matriculou na Escola
Politécnica. Começa ainda a trabalhar nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da
qual seu pai era funcionário.
No ano seguinte abandonou a faculdade por ter contraído tuberculose. Passou doente
toda vida, apesar das várias estadas em clínicas brasileiras e até na Suíça.
Escreveu seus primeiros versos livres em 1912. Em 1917 publicou seu primeiro livro,
“A cinza das horas", numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor, e foi com o seu
segundo livro, “Carnaval” que despertou o entusiasmo entre os modernistas paulistas.
Em 1940 foi eleito para a Academia brasileira de Letras e em 1943 foi nomeado
professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia.
A pedido de amigos, apenas para compor a chapa, candidatou-se a deputado pelo
Partido Socialista Brasileiro, em 1950, sabendo que não teria quaisquer chances de eleger-
se. Comemorou 80 anos, em 1966, recebendo muitas homenagens. A Editora José Olympio

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realizou em sua sede uma festa de que participaram mais de mil pessoas e na qual foi
lançado Estrela da Vida Inteira, sua antologia de poemas.
Manuel Bandeira faleceu no dia 13 de outubro de 1968.

Fernando Pessoa
Fernando Antônio Nogueira Pessoa foi um dos mais importantes escritores e poetas do
modernismo em Portugal. Nasceu em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e
morreu, na mesma cidade, em 30 de novembro de 1935.
Fernando Pessoa foi morar, ainda na infância, na cidade de Durban (África do Sul),
onde seu pai tornou-se cônsul. Neste país teve contato com a língua e literatura inglesa.
Adulto, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor técnico, publicando seus primeiro
poemas em inglês.
Em 1905, retornou sozinho para Lisboa e, no ano seguinte, matriculou-se no Curso
Superior de Letras. Porém, abandou o curso um ano depois.
Pessoa passou a ter contato mais efetivo com a literatura portuguesa, principalmente
Padre Antônio Vieira e Cesário Verde. Foi também influenciado pelos estudos filosóficos de
Nietzsche e Schopenhauer. Recebeu também influências do simbolismo francês.
Em 1912, começou suas atividade como ensaísta e crítico literário, na revista Águia.
A saúde do poeta português começou a apresentar complicações em 1935. Neste ano
foi hospitalizado com cólica hepática, provavelmente causada pelo consumo excessivo de
bebida alcoólica. Sua morte prematura, aos 47 anos, provavelmente aconteceu em função
destes problemas, pois apresentou cirrose hepática.

O ortônimo e os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa usou em suas obras diversas autorias. Usou seu próprio nome
(ortônimo) para assinar várias obras e pseudônimos (heterônimos) para assinar outras. Os
heterônimos de Fernando Pessoa tinham personalidade própria e características literárias
diferenciadas. São eles:

Álvaro de Campos
Era um engenheiro português de educação inglesa. Influenciado pelo simbolismo e
futurismo, apresentava um certo niilismo em suas obras.

Ricardo Reis
Era um médico que escrevia suas obras com simetria e harmonia. O bucolismo estava
presente em suas poesias. Era um defensor da monarquia e demonstrava grande interesse
pela cultura latina.

Alberto Caeiro
Com uma formação educacional simples (apenas o primário), este heterônimo fazia
poesias de forma simples, direta e concreta. Suas obras estão reunidas em Poemas
Completos de Alberto Caeiro.

Mario Quintana
Mario Miranda Quintana nasceu em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Tem na
simplicidade um método e isso faz com que viva despreocupado com a crítica, faz poesia
porque "sente necessidade", segundo suas próprias palavras. Apresenta uma desconcertante
capacidade de síntese, elemento poético com que surpreende seus leitores. Foi também
jornalista, ingressando em 1928 no jornal O Estado do rio Grande.
Após ter participado da Revolução de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro,
retornando em 1936 para em Porto Alegre e indo trabalhar na Livraria do Globo, onde ficou
sob a direção de Érico Veríssimo. Traduziu, entre outros, Charles Morgan, Proust, Voltaire,
Virginia Woolf e Maupassant. Em sua poesia há um permanente toque de pessimismo e
muito de ternura por o mundo lhe é adverso. Morre no dia 5 de maio de 1994.

Carlos Drummond de Andrade


Drummond, mineiro de Itabira do Mato Dentro, filho Carlos de Paula Andrade e Julieta
Augusta Drummond de Andrade, nasceu em 31 de outubro de 1902. Filho de fazendeiros,
decidiu percorrer outros caminhos: cursou Farmacologia, tornou-se professor de Português e
Geografia, jornalista, tradutor, além de brilhante poeta e prosador.
Já em Belo Horizonte-MG, fundou, juntamente com Emílio Moura, João Alphonsus, A
Revista que se tornou um dos principais órgãos de divulgação do Modernismo.
De 1934 a 1947, no Rio de Janeiro, foi chefe de gabinete do então Ministro da
Educação e Saúde, Gustavo Capanema.

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Concomitantemente, de 1924 a 1945, correspondeu-se com Mário de Andrade de
quem recebeu valiosas sugestões e comentários críticos sobre seus escritos.
Segundo levantamento feito pelo professor Luís Milanesi, da Escola de Comunicação e
Artes da USP, há cerca de 120 peças para canto compostas a partir dos textos de Carlos
Drummond de Andrade , reflexo de uma poética que marcou profundamente a vida cultural
brasileira e tornou-se referência para mais de uma geração.
Em cinco de agosto de 1987, sua filha única, falece em decorrência de um câncer;
doze dias depois, não suportando esta perda, falece no Rio de Janeiro, Carlos Drummond de
Andrade.
A qualidade e a extensão da poesia de Drummond, que vai desde um “ilhamento”
itabirano à complexidade do homem frente aos tempos modernos, bem como o fato de ter
ele inaugurado novos caminhos que se multiplicaram na lírica contemporânea através de
outros tantos poetas — João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Adélia
Prado, Carlito Azevedo, citando apenas alguns — tornam Drummond, indubitavelmente, um
marco na literatura brasileira.

Cecília Meireles
Cecília Meireles é uma das grandes escritoras da literatura brasileira. Seus poemas
encantam os leitores de todas as idades. Nasceu no dia 7 de novembro de 1901, na cidade
do Rio de Janeiro e seu nome completo era Cecília Benevides de Carvalho Meireles.
Sua infância foi marcada pela dor e solidão, pois perdeu a mãe com apenas três anos
de idade e o pai não chegou a conhecer (morreu antes de seu nascimento). Foi criada pela
avó Dona Jacinta. Por volta dos nove anos de idade, Cecília começou a escrever suas
primeiras poesias.
Formou-se professora (cursou a Escola Normal) e com apenas 18 anos de idade, no
ano de 1919, publicou seu primeiro livro “Espectro” (vários poemas de caráter simbolista).
Embora fosse o auge do Modernismo, a jovem poetisa foi fortemente influenciada pelo
movimento literário simbolista.
No ano de 1922, Cecília casou-se com o pintor Fernando Correia Dias. Com ele, a
escritora teve três filhas.
Sua formação como professora e o interesse pela educação levaram-a a fundar a
primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro no ano de 1934. Escreveu várias obras na área
de literatura infantil como, por exemplo, “O cavalinho branco”, “Colar de Carolina”, “Sonhos
de menina”, “O menino azul”, entre outros. Estes poemas infantis são marcados pela
musicalidade (uma das principais características de sua poesia).
O marido suicidou-se em 1936, após vários anos de sofrimento por depressão. O novo
casamento de Cecília aconteceu somente em 1940, quando conheceu o engenheiro
agrônomo Heitor Vinícius da Silveira.
No ano de 1939, Cecília publicou o livro Viagem. A beleza das poesias trouxe-lhe um
grande reconhecimento dos leitores e também dos acadêmicos da área de literatura. Com
este livro, ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.
Cecília faleceu em sua cidade natal no dia 9 de novembro de 1964.

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Conclusão:

Essa antologia, feita com textos de dez autores diferentes, busca mostrar o conceito de
modernidade ao inserir neste livro autores modernistas e alguns contemporâneos, todos com
um mesmo estilo: o moderno.
Nesse contexto de modernidade, os escritores buscaram inovar em todos os seus
textos. Na prosa temas livres, figuras de linguagem em abundância e como base a liberdade
de expressão. Não foi diferente na poesia, com versos livres, com ou sem rimas, sem
preocupação estética ou com qualquer formalidade. A ideia é INOVAR.
Fugindo do estereotipo comum aos períodos anteriores ao modernista, os textos dão a
ideia de liberdade; fazem com que o leitor se sinta parte do movimento literário. É como se
não só os escritores o tivessem vivido, mas aquele que lê, aprecia e entende, também
tivesse.
Crônicas, contos e poemas leves, ousados e envolventes, os textos aqui imprimidos
não só relatam e mostram o que é a modernidade, como a faz viva e presente ao lê-lo, não
importando a idade ou o sexo do grupo leitor.

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