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paulo césar pinheiro Um baú de 2 mil canções, histórias e parcerias

nº 52 outubro/2010 www.redebrasilatual.com.br

A vez
de Dilma
52

428008
I SSN 1981-4283

O país está bem perto de


771981

seguir mudando para melhor


9

R$ 5,00

assédio mortal Pressões e humilhações no trabalho que tiram a vontade de viver


Índice Editorial
Eleições 8
Com apenas Dilma e Serra no páreo,
tucano não resistirá a comparações
Saúde 14
Consumidores de remédios são
reféns da indústria farmacêutica
Trabalho 18
Pressão por produtividade à base de
humilhação pode levar ao suicídio
História 24
Sobreviventes da bomba atômica
só encontraram a paz no Brasil
Ambiente 28
Ano da Biodiversidade: hora de conter

Tomas Bravo/REUTERS
o prejuízo e reverter a destruição

Estudantes de Monterrey, México, em marcha silenciosa contra a violência ligada ao tráfico

Luciana Whitaker
Paulo César
Pinheiro O caminho a ser seguido

A
Entrevista 32
Paulo César Pinheiro conta que suas chamada “guerra ao narcotráfico” no México já produziu mais de 28 mil mor-
canções brotam como nascentes tos nos últimos quatro anos. Em todos os níveis, autoridades são corrompidas
Mídia 38 pelas organizações criminosas, ameaçadas, assassinadas. O país sofre influência
Por que o governo de São Paulo direta dos Estados Unidos em sua política de defesa nacional. De acordo com o
maltrata tanto a TV Cultura? respeitado sociólogo mexicano Héctor Díaz-Polanco, o país está perdido, não
tem projeto nacional e a sociedade está tomada por uma sensação de desalento. O México
Cultura 42
foi um dos mais engajados no neoliberalismo desde os anos 1990. Hoje, enfrenta sem forças
Três décadas depois, rap nacional
rediscute os seus caminhos um inimigo recente, poderoso e torpe, que abastece de drogas o assombroso mercado con-
sumidor americano. O país não é pobre e poderia exercer liderança semelhante à do Brasil
na América do Sul. Mas o Estado está debilitado. O assunto será objeto de reportagem de
um dos próximos números da Revista do Brasil. Mas por que abordar, neste espaço, temas
de uma edição que ainda está por vir?
Trata-se de dar uma vaga ideia do que poderíamos ter virado caso o Brasil não tivesse co-
meçado, há oito anos, a virar o jogo do neoliberalismo conduzido pelo PSDB/DEM. Sabe-se

Selma Tronco
que a eficiência e a inteligência policial são essenciais no enfrentamento ao crime, mas essa
Arquitetura alemã ação será inócua se não forem combatidas a concentração de renda e a miséria, raízes mais
em Pomerode
profundas das sociedades violentas. No Brasil, foi nos presídios do estado mais rico que nas-
Viagem 46 ceu a principal organização criminosa do país, que mesmo de dentro das celas comandam
suas operações. No sistema de segurança desse estado estão os piores salários de policiais
Colonização alemã ainda influencia
o cotidiano de Pomerode, em SC do país, e nas escolas desse mesmo estado os profissionais de educação estão entre os mais
desprezados. E as mesmas forças políticas e cabeças econômicas comandam esse mesmo
estado há mais de 16 anos. E depois de se comportar como amigos da onça enquanto o Bra-
seções sil reagia à crise econômica, agora ainda tentam retomar o poder central, perdido em 2002.
Diferentemente do que costumam alardear as cabeças tucanas e seus porta-vozes na
Cartas 4 imprensa, o sucesso da economia brasileira não está na “continuidade” da política da era
Ponto de Vista 5 PSDB/DEM. Está na ruptura iniciada há oito anos, que adotou o estímulo ao crescimento
Na Rede 6 econômico em vez da estagnação. E que tem como resultado, ao contrário daquela época,
Atitude 37 o crescimento do emprego, da massa salarial, a inclusão social e a distribuição de renda.
Curta Essa Dica 48 É esse o ponto de partida para se chegar a uma sociedade sem violência, a um país que
seja grande economicamente e também justo com seu povo. Que o Brasil siga nessa tri-
Crônica 50
lha, sem dar chance ao retrocesso.

outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 3


Cartas PontodeVista Por Mauro Santayana

O povo e seu líder


Informação que transforma
A vida no Privatizações em SP
Núcleo de planejamento editorial
Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, moinho A reportagem “Apagão de Memória” (ed.
Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Gostei muito da 51) foi oportuna, porém acho que foi um
Editores
Paulo Donizetti de Souza
reportagem so- grande erro não ter descrito a situação em
Vander Fornazieri bre a Favela do que ficou a Emae com a cisão da Eletropau-
Assistente editorial Moinho (“A vida lo. É a maior prova da falta de respeito que
Xandra Stefanel
no moinho”, ed. o PSDB/DEM demonstrou com o bem pú-
Redação
Anselmo Massad, Cida de Oliveira, 51). Apresentei a blico. Sugiro uma matéria específica sobre Os êxitos dos últimos oito anos não foram obra de
economistas, mas da classe trabalhadora, que criou dirigentes
Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres,
Ricardo Negrão, Suzana Vier, Vitor Nuzzi reportagem nos o estrago que o episódio com a Emae foi
e Júlia Lima (arte) grupos de que para o patrimônio público.
Revisão
Márcia Melo
participo como educador de rua e pales- Gothardo Garcez Vilete capazes de governar e de lutar pelas melhores condições
Capa
Foto de Gilberto Tadday
trante para pessoas usuárias e dependen-
tes de drogas. Esse é mais um tormento que Violência contra mulher
de vida nas fábricas e em seus lares

E
Sede
Rua São Bento, 365, 19º andar, tem afligido nossa juventude no mundo. Estou escrevendo um artigo acadêmico que
Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Precisamos cobrar dos nossos governan- será publicado e pretendo utilizar trechos screvemos estas notas no dia 5 de outubro, A grande importância do operário Luiz Inácio foi a
Tel. (11) 3241-0008 tes mais ação e uma política autêntica para da reportagem Triste Espetáculo (sobre vio- logo depois de contados os votos do primeiro­ de confrontar-se com a ditadura, ao romper as algemas
Comercial
Sucesso Mídia (61) 3328-8046 que possamos levar aos nossos filhos uma lência contra a mulher), publicada na edi- turno e antes que se iniciasse a campanha para a que estava submetido o movimento sindical, e liderar
Suporte, divulgação e adesões orientação e cura para esse grande flagelo ção 50, de agosto deste ano. Aliás, quero o segundo. Tudo começa de novo. Jornalismo­ a primeira greve depois de muitos anos de arrocho e de
(11) 3241-0008
Claudia Aranda, Carla Gallani que está destruindo nossa humanidade. Pa- elogiar a revista pelas reportagens bem ela- não é profecia, embora possa­reunir­indícios,­ silêncio. Era o povo que, na pessoa de um metalúrgico,
e Paulo Rogério Cavalcante Alves rabéns, Revista do Brasil. Essa reportagem boradas e dizer que sempre as utilizo nos comparar fatos e apontar tendências. Preferimos, no só conhecido entre seus companheiros, se levantava para
Impressão
Bangraf (11) 2940-6400
vale mais que ouro. trabalhos em sala de aula, com meus alunos entanto,­fazer algumas considerações sobre o governo chamar outros brasileiros ao brio. É claro que, quando
Simetal (11) 4341-5810 José Aguiar, São Paulo (SP). de ensino médio. que termina. Qualquer que venha a ser o futuro político­ isso ocorreu, muitos outros brasileiros já haviam lutado,
Distribuição Nanci Moreira Branco, Pres. Prudente (SP) do presidente Lula, que deixa a chefia do Estado com sofrido a ignomínia das prisões políticas e das torturas,
Gratuita aos associados
das entidades participantes. Bela e fera os mais altos índices de reconhecimento e morrido em pleno martírio. Mas, com
Bancas: Fernando Chinaglia Excelente reportagem com uma bela mu- Falência total nacional­e internacional,­a sua trajetória O povo Lula, essa resistência saía da clandestinida-
Tiragem
360 mil exemplares lher (“A Bela é fera”, ed. 51). Adorei essa edi- É difícil constatar que o que está prevale- de vida e de liderança política­garante-lhe brasileiro se de e das casas parlamentares, para voltar à
ção. Não que das outras não tenha gostado, cendo nesta eleição são os bolsa-votos e lugar na História entre os mais importantes­ resumiu e luz do dia. Por isso, e de repente, o rapaz
www.redebrasilatual.com.br mas isso é mais um incentivo para as mu- cotas demagogas. A dívida interna, assim brasileiros de todos os tempos. Não é gê- se torna a referência da Igreja e dos intelec-
lheres que têm vontade de fazer um espor- como educação, saúde e segurança estão nio intelectual, nem santo. Como seus
se integrou tuais, como porta-bandeira da plena rede-
te que antes era predominantemente feito um caos. Até quando a nação suportará inimigos­gostam de dizer, é um apedeuta,­ na pessoa mocratização do país.
por homens. antes de sua falência total moral, ética e ou seja, um homem do povo – que gosta de seu Ao chegar finalmente ao poder, Lula não
Adriana Calixta de Sousa, Mauá (SP) cívica? de futebol, de se reunir com amigos para presidente, foi o governante perfeito. Cometeu erros
Lucio Costa, São Paulo (SP) almoços­descontraídos, de tomar sua cer- com seus políticos, e em certos momentos deixou-se
Conselho diretivo Serra é do DEM vejinha e torcer pelo seu time. pecados e levar pela vaidade, diante do reconhecimen-
Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Li no Viomundo, do Azenha (www.vio- Exatamente assim tornou-se um dos
defeitos, mas, to quase universal de suas virtudes. Como
Correção
Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia A informação publicada da página 17 da edi-
Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade mundo.com.br), uma análise brilhante homens mais importantes da História, e poucos de seus predecessores, soube falar de
com ele o povo se sentiu protagonista. As mais do que
de Alencar, Arilson da Silva, Artur Henrique ção 51, em “Presente para banqueiro”, de que
da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira,
apontando para a incapacidade das lide- o Bradesco teria adquirido o Bemge, está incor- igual para igual com os governantes estran-
Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, ranças de esquerda em detectar, neutralizar reta. Segue trecho corrigido, por colaboração do elites contam com outros bens, com que se isso, com geiros, e defender os povos historicamen-
Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar
da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva
e/ou responder boatos. Aponto para outra: leitor José Joaquim Veiga, de São Paulo: o BC apegar, mas os pobres só têm a pátria, e só sua vontade te marginalizados nas reuniões internacio-
Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco a incapacidade de veicular na net argumen- gastou R$ 62 bilhões com o Proer, e arrecadou dela podem desfrutar nas cores da bandei- de ser nais. Não se deixou embasbacar diante dos
Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo R$ 11,6 bilhões. O Banerj foi o primeiro a ser
Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas,
tos que os adversários oferecem de bande- ra, na visão de sua paisagem, no orgulho plenamente grandes do mundo, como fizera seu anteces-
vendido, ao Itaú, em junho de 1997. Em setem-
Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do ja. Um está embutido na própria campanha das riquezas naturais, das quais nunca se sor imediato, deslumbrado com as luzes de
Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco de Serra, de demonização de Dilma. Não,
bro do ano seguinte, o Itaú (e não o Bradesco)
aproveitam. “A pátria dos pobres está sem-
senhor do Buckingham e com as alamedas de Harvard.
absorveu também o Bemge. Outro mineiro, o
pre no futuro, sempre na esperança”, resu- próprio
Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do
Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, não falo do aborto, mas sim o jingle que diz Credireal, foi comprado pelo ex-BCN, banco de- Lula praticou, nos encontros com os di-
José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo,
Luiz César de Freitas, Marcos Aurélio Saraiva
“Serra é do bem”, que quer dizer “... Dilma pois incorporado pelo Bradesco. mia Tancredo Neves, para quem o Brasil destino rigentes dos grandes países, a filosofia de
Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria é do mal”. Pegue o mote e grite: “Serra é do só avança pela luta reivindicatória de seus outro homem do povo, Garrincha, para
Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, DEM!” O DEM que é responsável por tan- pobres e a eles, queiram ou não os elitistas, cabe a van- quem qualquer adversário era João. Sabe que represen-
Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Mauro
Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto tas e tantas mazelas na história deste país. revista@revistadobrasil.net guarda da História. ta um dos maiores países do mundo e um povo não é Santayana
Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Túlio Muniz, Fortaleza (CE ) Os êxitos dos últimos oito anos não foram obtidos maior ou melhor do que os outros, tampouco é menor trabalhou nos
Sérgio Goiana, Rosilene Côrrea, Sérgio Luis As mensagens para a Revista do Brasil principais jornais
Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, podem ser enviadas para o e-mail acima ou pelos economistas. Esses êxitos se devem à classe ope- ou pior. Assim, não tinha por que se curvar. brasileiros a
Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Futebol rária – que, com seus sindicatos, criou dirigentes ca- O povo brasileiro se resumiu e se integrou na pessoa partir de 1954.
Silva, Wilian Vagner Moreira, para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro,
Wilson Franca dos Santos. Lamentável o comentário sobre futebol São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que pazes de lutar pelas melhores condições de vida nas de seu presidente – com seus pecados, seus defeitos, Foi colaborador
Diretores responsáveis de Tancredo
Juvandia Moreira
desse jornalista, parece que o cidadão não as mensagens venham acompanhadas fábricas e em seus lares, e lutar decididamente pela evo- mas, mais do que isso, com sua vontade de ser plena- Neves e adido
de nome completo, telefone, endereço e
Sérgio Nobre é do ramo (Paulo Ganso e a Cidadania, de lução política do Brasil. Sempre que essa consciência mente senhor do próprio destino. Completa-se o so- cultural do Brasil
Diretores financeiros e-mail para contato. Caso não autorize a em Roma nos
Ivone Maria da Silva
Renato Pompeu, ed. 48). publicação de sua carta, avise-nos. esmaece,­o povo sofre com a perda da liberdade. Ou nho de Vargas em sua carta testamento: “Este povo, do
anos 1980
Teonílio Monteiro da Costa Robinson Zamora, São Paulo (SP) com o retrocesso econômico. qual fui escravo, não será mais escravo de ninguém”.

4 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 5


NaRede www.redebrasilatual.com.br

Lula na
O ator Ruy
Ricardo Dias
Uma
academia
como Lula
senhora
Lula, o Filho do Brasil foi escolhido como
cobertura
o representante brasileiro na disputa por Durante o final de semana do 1º tur-
uma indicação ao Oscar 2011 na categoria no, a Rede Brasil Atual produziu cer-
de melhor filme estrangeiro. A escolha foi ca de 100 notícias sobre as eleições e
unanimidade no Comitê de Seleção Oficial e milhares de comentários no Twitter.
anunciada no mês passado pelo presidente da Também foram feitas parcerias que
Academia Brasileira de Cinema, Roberto Fa- podem render bons frutos em termos
ria. O filme dirigido por Fábio Barreto conta de produção de informação e de mul-
a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da tiplicação de audiência. O site mante-
Silva, desde a infância pobre em Pernambuco, ve acessos ao canal TVT e ao blog 48h
até a morte de sua mãe, dona Lindu, em 1980, de Democracia, ação colaborativa que
mesmo ano de fundação do PT. Os cinco fil- reuniu, antes e depois da eleição, deze-
mes concorrentes ao Oscar de melhor filme nas de jornalistas e blogueiros, em sin-
estrangeiro serão anunciados em 25 de janei- tonia com milhares de visitantes numa

divulgação
ro de 2011. A cerimônia acontece em 27 de “vigília democrática” virtual.
fevereiro. http://migre.me/1uPAG

Maioria no Senado Maioria na Câmara Bateu, não levou


Por Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Vitor Nuzzi

Coligados na eleição presidencial, PMDB, com O PT terá a maior bancada da Câmara dos Deputados na próxima legisla- Representantes da velha-guarda do Congresso se deram mal como oposição
19 representantes, e PT, com 15, passam a ter as tura, ocupando 88 cadeiras. Na posse, em 2007, o partido tinha 83 represen-
duas maiores bancadas do Senado a partir do tantes. O PMDB, em seguida, virá com 79 parlamentares (11 a menos que
ano que vem, segundo o Diap. O PSDB enco- há três anos). O PSDB ocupará 53 vagas (eram 64 na posse de 2007). Depois
lhe e fica com dez parlamentares, enquanto o virá o DEM, com 43 cadeiras. Em 2007, ainda como PFL, eram 64. Segundo
DEM também diminui a sua representação, fi- o site Congresso em Foco, a base aliada de um possível governo Dilma será
cando com oito. Foram eleitos 35 novos senado- 13% maior que a eleita quatro anos atrás. Os governistas teriam 402 deputados
res, um índice de renovação de 64,81%, enquan- federais, ante os 380 atuais e os 357 eleitos em 2006. Já a bancada de oposi-
to 19 foram reeleitos. “Dos senadores que faziam ção deve encolher 29%. Em outubro de 2006, PSDB, DEM (ainda como PFL),
oposição ostensiva ao presidente Luiz Inácio PPS e PSOL somavam 156 deputados, hoje são 133 e no ano que vem serão
Lula da Silva e que tentaram a reeleição, apenas 111. Os números ainda podem sofrer modificações. Muitos nomes estão sub
José Agripino (DEM-RN) e Demóstenes Tor- judice devido ao impasse com a Lei da Ficha Limpa. http://migre.me/1uPzt
res (DEM-GO) foram reeleitos”, diz o Diap. Dos e http://migre.me/1uPA9
81 atuais senadores, 27 têm mandato até 2014. Arthur Virgílio Tasso Jereissati Gustavo Fruet Efraim Morais Heráclito Fortes Marco Maciel Mão Santa
http://migre.me/1uPyI A Câmara em 2011 (Psdb) (Psdb) (Psdb) (DEM) (DEM) (DEM) (PSC)

O Senado a partir de 2011 Depois de governar três vezes o Ceará e exercer o mandato de Na Bahia, César Borges (PR) e José Carlos Aleluia (DEM), her-
senador desde 2002, Tasso Jereissati (PSDB-CE) perdeu a sua pri- deiros de ACM, terminaram respectivamente em terceiro e quin-
meira eleição, ficando atrás de Eunício (PMDB) e José Pimentel to lugares na disputa do Senado. No Piauí, Heráclito Fortes (DEM)
(PT). Líder histórico dos tucanos no Nordeste, Jereissati também ficou em quarto, atrás do também derrotado Mão Santa (PSC). O
foi presidente nacional do PSDB. Ele já adiantou que abandona- DEM perdeu ainda o senador Efraim Morais, da Paraíba.
rá a vida política. No Rio de Janeiro, a principal liderança do DEM, Cesar Maia,
As eleições fizeram um número expressivo de “vítimas” entre no- também foi reprovado nas urnas. Assim como a tucana Rita Cama-
PMDB 19 PSB 3 mes consagrados da política – sobretudo de oposição ao governo Lula. ta (ES), vice de José Serra em 2002, perdeu a disputa para o Senado.
PT 14 PCdoB 2
PSDB 10 PSOL 2
Pelo menos 12 lideranças ficaram de fora. Em Pernambuco, Marco No Paraná, a eleição em primeiro turno de Beto Richa (PSDB) não
DEM 8 PRB 1
PT 88 PSB 34 PPS 12 PRP 2 Maciel (DEM). No Amazonas, Arthur Virgílio (PSDB). Figura fre- ajudou seu colega de partido Gustavo Fruet, que ficou atrás de Glei-
PMDB 79 PDT 28 PRB 8 PRTB 2
PTB 6 PSC 1 quente nos microfones de ataque ao governo, Virgílio chegou a falar si Hoffmann (PT) e do ex-governador Roberto Requião (PMDB).
PSDB 53 PTB 20 PMN 4 PSL 1
PP 5 PMN 1
DEM 43 PSC 17 PSOL 3 PTC 1 em dar literalmente uma surra no presidente Lula. http://migre.me/1uPxM
PDT 4 PPS 1
PR 41 PV 16 PTdoB 3
PR 4
PP 41 PCdoB 15 PHS 2 A Rede Brasil Atual traz informações diárias sobre política, economia, saúde, cultura, cidadania, América Latina e mundo do trabalho no
www.redebrasilatual.com.br e também no Twitter e no Facebook.

6 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 7


eleições RR

C
AP

Ficou para o
andidatos, eleitores e imprensa panha deve ser centrada na comparação en-
aguardaram até quase o último AM
tre os governos FHC e Lula.
CE
minuto do domingo, 3 de outu- PA
MA
RN Essa também é a visão de Marco Auré-
bro, para ter certeza se haveria PI PE
PB
lio Garcia, assessor especial da Presidência
ou não segundo turno na dispu- e coordenador da campanha petista. “Ma-

segundo
AC
AL
SE
ta para a Presidência da República. Confir- rina (Silva, candidata do PV) obteve êxito
RO TO

mada a segunda rodada, os petistas tentaram quando jogou pelo caminho da terceira via.
MT BH

disfarçar a decepção, enquanto os tucanos, de A votação DF


Mas agora só há duas, que o povo conhece
por estado GO
quase derrotados, surfaram na onda da eufo- bem”, afirma.

tempo
MG

ria. Passada a ressaca, este segundo turno é n Dilma ES


A cientista política Maria Victoria
n Serra MS

momento de debater de fato quem fez o quê, n Marina SP RJ Benevides,­professora da­Faculdade de


comparar gestões e evitar a boataria que con- PR
Educação da USP, acredita que a votação
taminou boa parte da campanha. surpreen­ dente alcançada por Marina Sil-
O bispo de Jales (SP), dom Demétrio Va- SC
va deve se dividir no segundo turno. Bene-
lentini, presidente da Cáritas Brasileira, de- RS
vides considera, no entanto, que a candida-
tecta uma mudança de comportamento da
população, que já não se guia pelos cha-
Os 3,1 pontos percentuais ta do PV teria “politicamente e moralmente”
obrigação de se manifestar a favor da petista.
mados formadores de opinião ou por re- de votos válidos que “Ela (Marina) não pode dar as costas para a
comendações de viés autoritário. “Gran- esquerda da qual sempre fez parte”, sustenta
des camadas da população brasileira se dão faltaram a Dilma no Maria Victoria. Ela observa que as duas can-
conta das transformações em curso, e co- primeiro turno frustraram didatas tiveram “um passado conflituoso no
meçam a perceber que elas dependem de governo”, mas Marina teria uma proximidade
opções políticas. A grande popularidade de petistas e causaram muito maior com uma coligação de esquerda
Lula não é fruto somente do seu carisma
político. Lula é símbolo da mudança acon-
euforia entre tucanos. do que com uma que abranja o DEM”.
Dilma ficou com 47% dos votos válidos
tecida. Se esta não existisse, o povo deixaria Agora, chegou o momento do primeiro turno. Precisa, portanto, do
Lula de lado, e não apoiaria Dilma”, afirma.
Mas o bispo considera importante também
de comparar gestões apoio de apenas um quarto dos eleitores de
Marina para suceder Lula a partir de 2011.
dar “consistência” a essa nova postura po- Por Vitor Nuzzi
lítica. “Nesse sentido, acho que será bom Melhorias
o povo perceber que Lula não será mais o Números não faltam. De janeiro de 2003
presidente. Para perceber que a política está até o final deste ano, com base nos dados
segura só quando está nas mãos do povo.” do Cadastro Geral de Empregados e De-
Ganhar no primeiro turno não era obri- sempregados (Caged), do Ministério do

Ricardo Moraes/Reuters
gação, observou o professor Paul Singer, se- Trabalho, estima-se que o país terá criado
cretário nacional de Economia Solidária, aproximadamente 12 milhões de empre-
para quem o resultado, na verdade, mos- gos com carteira assinada. Em seus oito
trou o êxito do atual governo. “O grande anos, o saldo do governo FHC é inferior
prestígio do presidente Lula, a meu ver me- a 800 mil. A taxa média de desemprego
recido, mostra que este governo fez muita atingiu em agosto o seu menor nível na sé-
coisa pelo país.” Singer disse esperar ainda rie histórica, segundo o IBGE. Os índices
que o segundo turno seja marcado por efe- na campanha. “Boato só prospera onde há eleita, Dilma recebeu votação “espetacular” de pobreza e miséria caíram consideravel-
tivo debate dos problemas nacionais e não perplexidades, vácuos, vazios. Quando você mesmo depois de passar mais de 60 dias sob mente. O atual governo tomou posse, em
por denúncias de escândalos. tem um vácuo e não tem clareza, o boato­ um bombardeio absoluto da mídia. “Fez janeiro de 2003, com US$ 30 bilhões em
No pós-eleição, políticos da base aliada acaba­prosperando mais do que devia.” 47% dos votos, praticamente o que o Lula reservas internacionais. Fechou setembro
detectaram problemas de comunicação. O A própria Dilma falou sobre a necessidade­ fez em sua última eleição”, observou. No dia deste ano com US$ 275 bilhões. O cresci-
governador eleito do Espírito Santo, Rena- de esclarecer a população sobre boatos lan- seguinte ao da eleição, ele afirmou que to- mento médio do PIB aumentou nesse pe-
to Casagrande (PSB), falou em “mal-estar” çados durante a campanha. “Considero que dos os governadores eleitos da base aliada ríodo, e a previsão é de que supere 7% em
com os cristãos e disse que a situação exi- foi feita uma campanha perversa sobre o estavam prontos “para uma grande ofensiva 2010, com inflação sob controle.
giria uma resposta rápida e clara. Por sua que eu penso e acredito. E foi uma campa- política de natureza programática”.Ou seja, O governo espera expansão da atividade
vez, o governador reeleito de Pernambuco nha mais difícil porque quem me acusava comparar gestões e resultados. industrial de 10% este ano e 5,5% ao ano de
Jamil Bittar/Reuters

(com 83% dos votos), Eduardo Campos, do não aparecia de forma muito clara. É aque- O sociólogo Emir Sader considera fun- 2011 a 2014. Luiz Guilherme Schymura, di-
mesmo partido, defendeu que a campanha la campanha que lança inverdades e nunca damental esse debate. “Não soubemos (no retor do Instituto Brasileiro de Economia,
desfaça a onda de contra-informação mo- permite que a gente discuta.” primeiro turno) colocar como agenda cen- da Fundação Getúlio Vargas (FGV), des-
vida pelos adversários. Já eleito para o governo do Rio Grande do tral o fato de que o Brasil se tornou menos taca como aspectos positivos a recupera-
O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) diz passado comum Para a cientista política Maria Victoria Benevides, a história de Marina Sul com 54% dos votos, Tarso Genro (PT) injusto, menos desigual com Lula, e que é o ção da agricultura, a plataforma energética
que os boatos têm importância “periférica­” Silva a coloca ao lado de Dilma e na obrigação política de orientar o voto para a petista destaca que, mesmo não tendo sido ainda caminho central a seguir”. Para ele, a cam- com diversas fontes (etanol, reservas de gás,

8 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 9


pré-sal) e o desenvolvimento da indústria. imutável nesse debate, que é o lucro. E não
“Isso nos permitiu uma pauta exportado- é imutável.” O lucro líquido da Companhia
ra muito diversificada”, afirma, defendendo Siderúrgica Nacional foi de R$ 1,4 bilhão no
uma “gestão cuidadosa para nos aproveitar Boato só Hoje somos primeiro semestre, crescimento de 95,5%
dessa situação (favorável)”. prospera onde há independentes sobre igual período de 2009.
O presidente da Associação Brasileira da
Certezas e pedras
perplexidades, do ponto de Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib),
Depois que passar o furacão eleitoral, co- vácuos, vazios vista econômico- Paulo Godoy, lembra que os investimentos
meçará a fase de montagem de governos e Ciro Gomes (PSB-CE) financeiro. Temos em infra-estrutura passaram de R$ 58 bilhões
suas equipes, com as tradicionais especula- em 2003 para R$ 122 bilhões no ano passado,
ções. Se na economia as perspectivas conti-
de preservar isso sendo metade no setor de petróleo e gás. “En-
Benjamin Steinbruch,
nuam positivas, no campo político espera- controlador da Companhia tretanto, o Brasil precisa de algo como R$ 160
-se turbulência nas relações entre governo Siderúrgica Nacional (CSN) milhões por ano”, diz o executivo.
e oposição. Afinal, as últimas semanas de O diretor-técnico do Dieese, Clemente
campanha eleitoral foram tensas e incluí- Ganz Lúcio, inclui pelo menos duas gran-

Marcello Casal JR./ABR

EVELSON DE FREITAS/AE
ram golpes baixos. des questões na agenda a partir de 2011: as
Para a professora Roseli Coelho, da Fun- reformas política e tributária. “Tem tam-
dação Escola de Sociologia e Política de São bém algumas minirreformas, como o Ca-
Paulo, o diálogo já está irremediavelmente dastro Positivo, que dariam capacidade ao
prejudicado. No caso de um governo Dil- governo para baixar a taxa básica (de ju-
ma, diz ela, o Congresso poderá ser “um ros)”, acrescenta. Uma preocupação mais
lugar de faca nas costas, de sangue, meta- imediata é com a questão cambial. “É um
foricamente falando”. Com Dilma eleita, al- problema que está posto hoje em todo o
guns “fios soltos” poderão ser retomados Lula é símbolo mundo. É uma questão para preservar nos-
pelos oposicionistas, avalia a professora. O sa estratégia de exportação.”
que também seria uma oportunidade de
da mudança Ao mesmo tempo em que declarou à re-
apurar se, por trás da enxurrada de denún- acontecida. Se esta vista britânica The Economist que pretende
cias, existem tentativas sinceras de apura- não existisse, o povo se recolher após o final do mandato, Lula ga-
ção ou se tratava-se de oportunismo puro e rantiu que continuará fazendo política. Para
simples. “Para a imprensa, o denuncismo é
deixaria Lula de lado ele, por sinal, a reforma política tem de ser
mais fácil, sempre”, comenta. Segundo ela, e não apoiaria Dilma vista como prioridade. “Agora estou me com-
a gestão Lula levou a um novo paradigma, Dom Demétrio Valentini,
presidente da Cáritas Brasileira
Vamos partir prometendo, quando eu não for mais presi-
a um patamar mais elevado de exigência. para uma grande dente, a começar a convencer o meu próprio
“É uma herança bendita para o conjunto partido, porque acho que essa é a principal
do país”, afirma. ofensiva política reforma que temos de fazer no Brasil, para
Na nova configuração do Congresso, PT de natureza que possamos (depois) fazer as demais.” Se-

cnbb/divulgação
e PMDB saíram em vantagem, formando as programática gundo Lula, esse é um motivo de frustração

WILSON DIAS/ABR
maiores bancadas tanto na Câmara como Tarso Genro, governador eleito
em seu mandato.
no Senado. Na oposição, PSDB, DEM e do Rio Grande do Sul pelo PT
PPS perderam cadeiras. Dos 18 governa- Colaborou João Peres
dores eleitos no primeiro turno, PMDB,
PSDB e PT fizeram quatro cada, enquanto da educação, que requer uma presença fis- de nos tornar uma potência”, afirma. No final
o PSB elegeu três, o DEM ficou com dois e
o PMN, com um.
calizadora muito mais rigorosa.”
Na opinião do empresário Benja-
de setembro, o empresário criticou a conces-
são de reajustes na faixa de 10%. “É um cer-
“Se eu tivesse seguido a política do FHC, o Brasil tinha quebrado”
Dom Demétrio Valentini, da Cáritas, não min Steinbruch, controlador da Compa- to exagero, considerando o que acontece no Em entrevista conjunta ao site o superávit­ primário. E era pre- ticularidades. Eu acho que os O presidente lembrou ain-
vê risco de crise institucional, mas cobra­ nhia Siderúrgica­Nacional (CSN) e até 4 de resto do mundo.” Com poucas correções de Carta Maior, ao jornal Página 12 ciso cuidar do déficit. Ora, o que Kirchner­, tanto o Néstor quanto a da que democracia precisa ser
um posicionamento dos políticos. “E espero­ outubro­presidente em exercício da Federa- rota, ele vê pelo menos mais dez anos de cres- (Argentina) e La Jornada (Méxi- aconteceu, o que aconteceu, Cristina, têm o seu estilo de go- entendida como uma palavra
que o novo governo garanta um clima de ção das Indústrias do Estado de São Paulo­ cimento contínuo sustentado. co), Lula rebateu os que costu- meu filho? Nós que ficávamos vernar. O dado concreto é que a inteira­e não meia palavra. “É não
mam dizer que seu governo se- subordinados­ao FMI, nos livra- Argentina está melhorando. Nos- apenas­o direito de gritar que se
respeito­e de confiança, que possa envolver (Fiesp), a maior conquista do governo Lula A observação do empresário sobre os sa-
guiu a política econômica do an- mos do FMI. Nós, que não tínha- so querido Pepe Mujica tem seu tem fome­, mas o direito de comer.
a responsabilidade­da oposição.” Mas o bispo­ foi a inserção de 50 milhões de consumidores lários foi contestada pelo economista Sérgio tecessor: “Se eu tivesse seguido mos nenhuma reserva, vamos modelo de governar; o fato con- Não apenas o direito de protestar,
vislumbra­uma “tarefa hercúlea” para o pró- no mercado, além dos sistemas produtivo e fi- Mendonça, do Departamento Intersindical a política do Fernando Henrique, chegar ao final do ano a US$ 300 creto é que o Uruguai está me- mas o de conquistar.”
ximo governo. “Na educação, foram dados nanceiro organizados. “Nunca vi o Brasil nes- de Estatística e Estudos Socioeconômicos o Brasil tinha quebrado”, disse o bilhões em reservas. Nós, que lhorando. Eu tenho o meu tipo; o Conquistas do governo à parte,­
passos importantes, criadas escolas técni- sa situação”, diz Steinbruch, para quem este (Dieese). “Os salários no Brasil são baixos, presidente. éramos devedores, viramos cre- fato concreto é que o Brasil está na entrevista à The Economist, ao
“Quando cheguei aqui no go- dores do FMI. Nós éramos um melhorando. O Evo tem seu tipo; responder a uma pergunta sobre
cas e facilitado o acesso ao ensino superior. deixou de ser o país do futuro para ser o do a participação do salário na renda nacio-
verno a palavra de ordem era que país de economia capitalista sem o fato concreto é que o Peru es- o próximo presidente, Lula foi sim-
Mas um perigo ronda o processo educacio- presente. “Hoje somos libertos e independen- nal ainda é pequena. Há espaço para cres- o governo não poderia gastar, capital, sem crédito, sem investi- tá melhorando, e assim vale para ples: “Fazer política com o coração,
nal brasileiro, a sua falta de qualidade, em tes do ponto de vista econômico-financeiro. cer”, afirma. Ele defende uma mudança de não poderia fazer investimentos mento”, acrescentou Lula. todo mundo. É isso que me inte- cuidar dos mais pobres e praticar
boa parte consequência da mercantilização Temos de preservar isso. Estamos a um passo foco na discussão. “Parece que há uma coisa­ porque tudo tinha que garantir “Cada país tem as suas par- ressa. “ a democracia até o fim absoluto”.

10 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 11


internet economia

Donos da Petrobras
Com novo portal, que
inclui TV e rádio-web,
CUT sinaliza nova era
de investimentos em Empresa, agora com 64% sob controle da União, garante
comunicação financiamento de negócios até 2014, agiganta a Bovespa e
Por Isaias Dalle protagoniza um dos maiores lances da história do capitalismo

Novo
canal de
informação
E
m agosto, mês em que comemo- A dirigente lembrou ainda a importância Classificaram a mobilização – convocada
rou 27 anos de existência, a Cen- de a ação não ser um passo isolado, mas para denunciar o abandono de regras bási-
tral Única dos Trabalhadores parte de um movimento que inclui outros cas do jornalismo com objetivo de alterar o
lançou novo portal na internet. veículos, como o programa de rádio Jornal rumo das eleições – como manobra “contra
O site, reformulado, traz ainda Brasil Atual, a Revista do Brasil – reunidos a liberdade de expressão”, como fazem com
duas novas ferramenta, rádio-web e TV- na Rede Brasil Atual –, além da TV dos Tra- toda crítica objetiva à conduta da imprensa,
-web. O objetivo, além de oferecer serviço balhadores (TVT). como se só esta tivesse o direito de crítica.
Lula, Mantega,
noticioso ao público do movimento sindi- O secretário de Administração e Finan- Artur Henrique lembra de um fato ocor-

Ricardo Stuckert/PR
Gabrielli e
cal representado pela central, é manter um ças da CUT, Vagner Freitas, acredita que a rido recentemente que não causou revol- representantes
canal de acesso direto por toda a sociedade, forma como a grande imprensa atuou no ta aos supostos defensores da democracia. da Bolsa:
capitalização é
tornando-a mais independente da cober- período que antecedeu “Há quatro anos, os par- salvaguarda
tura tradicional da imprensa comercial. A as eleições de 2010 tidos DEM e PSDB en-
www.cut.org.br

A
ação, intitulada Rede CUT, expõe uma vi- mostra que é neces- traram com uma ação
são crescente na central e entre entidades sário discutir o aces- judicial para impedir a cena de fato parecia insólita: um ex-sindicalista – que R$ 30,4 bilhões, ou US$ 17,7 bilhões, atrás apenas da de Hong
que a compõem, de que os tempos de ape- so à produção da infor- circulação do primeiro disputou sua primeira eleição em 1982 dizendo “vote Kong (US$ 19,8 bilhões). “O valor da nossa bolsa está ligado ao
nas reclamar dos defeitos da grande mídia mação. “Trata-se de um espaço estratégico número da Revista do 3 que o resto é burguês” – fazendo festa na Bolsa de potencial de crescimento do país e das empresas brasileiras e fruto
acabaram. A democratização do acesso à de disputa de poder. Não podemos falar de Brasil simplesmente por trazer uma repor- Valores. Ele próprio fez questão de lembrar – “dez da operação que comemoramos nesta data”, afirmou Edemir Pinto.
informação passa também pela produção nós para nós mesmos enquanto lidamos tagem de capa explicando por que o pre- anos atrás eu passava aqui na porta da Bolsa, as pes- Lula também enfatizou a importância da operação para a eco-
de conteúdo diferenciado. com canais de criminalização em massa sidente mantinha elevado índice de apro- soas tremiam de medo: ‘Onde é que vai esse comedor de capita- nomia brasileira, em possível referência à época em que a Petro-
Para o presidente da CUT, Artur Henri- dos movimentos sociais. Com a internet, vação, apesar de apanhar sistematicamente lismo?’” – ao bater o martelo na maior oferta pública de ações já bras foi cotada para entrar na lista de privatizações e até mudar o
que da Silva Santos, a parte mais difícil vem o papel de formador de opinião deixou de da mídia durante todo o primeiro mandato. vista no mercado, iniciada em 24 de setembro. Para o presidente nome para Petrobrax. “Ao contrário do passado, não estamos aqui
a seguir: fazer com que as notícias ultrapas- ser restrito aos articulistas dos grandes jor- “Interessante, nesse caso a imprensa não se da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, a economia passou a se divi- para debilitar o Estado ou alienar o patrimônio público. Um Esta-
sem os limites do ambiente sindical. “Nosso nais, inclui todos os trabalhadores”, afirma. comoveu nem protestou. Deve ser porque o dir “em antes e depois da operação de capitalização da Petrobras”. do fraco nunca foi sinônimo de iniciativa privada forte”, afirmou.
papel é levar o pensamento dos trabalhado- A reação da grande mídia a um ato po- excesso de transparência incomodou”, iro- A oferta incluiu mais de 2,1 milhões de ações ordinárias (com “A capitalização é uma das salvaguardas criadas pelo governo para
res para todo o país, ampliando o canal de lítico realizado no Sindicato dos Jornalis- nizou o presidente da CUT. direito a voto em assembleias) e quase 1,6 milhão de preferen- evitar que essa riqueza se perca num labirinto de desperdícios e
debate. A seguir, devemos buscar a susten- tas de São Paulo em 23 de setembro, por Durante o debate de lançamento da ciais (cujos titulares recebem antes os lucros), por meio de um interesses equivocados.” Segundo o ministro da Fazenda, Guido
tabilidade desse projeto”, aponta. A secre- jornalistas, blogueiros independentes e re- Rede CUT, o diretor do canal Telesur aumento de capital da Petrobras. Durante a cerimônia, o pre- Mantega, a União aumentou de 40% para 49% a sua participação
tária de Comunicação da central, Rosane presentantes dos movimentos sociais, mos- Beto Almeida afirmou que a TV, a rádio e sidente da estatal, José Sergio Gabrielli, informou que a oferta no capital total (64% das ordinárias) da Petrobras.
Bertotti, afirma que a ideia é integrar diver- trou como uma atuação articulada pode in- o site da CUT podem ser uma experiência alcançou R$ 115,05 bilhões (ou US$ 66,9 bilhões). Parte dos re- Como em toda operação dessa natureza, a capitalização mexeu
sos parceiros na iniciativa: “Tudo acontece- comodar. Os veículos da velha imprensa, viva e dinâmica para a difusão dos temas cursos ajudará a financiar o plano de negócios da companhia de com o mercado de câmbio, que ainda causa preocupação ao go-
rá a partir da articulação dos sindicatos e que costumam simplesmente ignorar ações que estão sempre distantes dos grandes 2010 a 2014, que totaliza US$ 224 bilhões. verno, por causa do real valorizado, o que prejudica as exporta-
dos movimentos sociais. A proposta é agre- como essa, dessa vez pautaram o tema e de- meios de comunicação, mas que também Para “um comedor de capitalismo”, Lula ajudou a dar um bom ções brasileiras. Durante evento na Federação das Indústrias do
gar a essa iniciativa, por exemplo, rádios e ram a suas coberturas um discurso unifi- são cruciais para tornar o Brasil um país impulso, já que na véspera da operação a Bolsa paulista se tor- Estado de São Paulo (Fiesp), Mantega disse que o mundo vive
TVs comunitárias espalhadas pelo Brasil”. cado, como que escrito pelo mesmo autor. mais justo. nou a segunda maior do mundo em valor de mercado, atingindo uma “guerra cambial”.

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saúde

Não acredite em E
ntre 2001 e 2007, um reconhe- LPI estão sendo contestados. Em novem- tação de que as drogas contra HIV estavam
cido programa brasileiro pode- bro de 2007, a Federação Nacional de Far- na lista do pipeline. A partir de então seu
ria ter gasto US$ 519 milhões macêuticos (Fenafar), em nome da Rede grupo começou a publicar artigos alertando
a menos só com a compra de Brasileira pela Integração dos Povos (Re- para o problema, e costumeiramente criti-
cinco medicamentos do coque- brip), pediu ao procurador-geral da Repú- cados “por olhar muito para o passado”. Até

amostra grátis
tel de combate aos efeitos da aids e assim blica, Antônio Fernando Barros e Silva e que um evento realizado em São Paulo, em
atender mais portadores do HIV. O preju- Souza, a propositura de uma Ação Direta 2007, teve forte presença de representantes
ízo, calculado por pesquisadores da Uni- de Inconstitucionalidade (ADI 4234), pro- das farmacêuticas. “Foi um termômetro do
versidade Federal do Rio de Janeiro, teria tocolada quase dois anos depois no Supre- alto interesse pelo tema”, diz. O grupo se de-
sido evitado não fossem dois artigos da Lei mo Tribunal Federal (STF). bruçou então a escrever ADI.
9.279, de 1996, conhecida como Lei Brasi- Desconhecido fora dos laboratórios e das
Indústria farmacêutica ainda leira de Propriedade Industrial (LPI), ela- Por que a pressa? ONGs ligadas ao setor, o assunto já suscita
dita preços de remédios cujas borada e aprovada a toque de caixa no go-
verno Fernando Henrique Cardoso. Esses
“Os artigos protegem invenções que, por
estarem registradas em outros países antes
pressões para influenciar a decisão do Su-
premo. Segundo o site do STF, a Anvisa,
patentes não deviam nem existir artigos – 230 e 231 – instituíram as chama- de 1995, deixaram de ser novidade, e não a Associação Brasileira da Indústria Quí-
Por Cida de Oliveira das patentes pipeline, proibiram o acesso
do sistema de saúde aos genéricos, então
atendiam mais o principal requisito de pa-
tenteabilidade”, explica a advogada Renata
mica Fina, a Fundação Oswaldo Cruz e
representantes da área farmacêutica e de
disponíveis para tratar todas as doenças, e Reis, coordenadora do grupo de trabalho produtores de sementes apresentaram ar-
causaram danos ainda a calcular à saúde e sobre propriedade intelectual da Rebrip. gumentos. Por enquanto, foram acolhidos
ao bolso do brasileiro, aos cofres públicos e “Queremos que essas patentes caiam e vol- apenas o da Associação da Indústria Far-
à indústria farmacêutica nacional. tem ao domínio público, que permite a fa- macêutica de Pesquisa (Interfarma), que
Os artigos permitiram a aprovação au- bricação de suas versões genéricas. Assim reúne 28 laboratórios que abastecem 54%
tomática, sem avaliação prévia, dos pedi- corrigiremos esse erro histórico.” Segundo a do mercado brasileiro. A entidade quer a
dos ou de patenteamento feitos ao Instituto advogada, se a decisão do Supremo for favo- improcedência da ação.
Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) rável, é possível que se decida pela inconsti- Outra aberração da lei é a pressa com
até um ano após a entrada da lei em vigor. tucionalidade de maneira retroativa, abrin- que ela foi elaborada e aprovada. Em 1994,
Bastava ao requerente comprovar o registro do caminho para ações indenizatórias, ou países-membros da Organização Mundial
original de patente em outro país para obter com validade apenas após a sentença. do Comércio (OMC) assinaram o Acordo
aqui o direito de exclusividade. A corrida Renata, que integra também a Associação Trips, que obriga o reconhecimento, por 20
foi grande. Entre maio de 1996 e de 1997 Brasileira Interdisciplinar de Aids, do Rio de anos, de patente para todas as áreas tecno-
foram depositados 1.182 pedidos, dos quais Janeiro, conta que a ação nasceu da consta- lógicas. Até então, era opcional patentear
mais de 700 eram de fármacos. algumas áreas, como o setor farmacêutico.
A lista inclui itens caríssimos e essenciais Como as novas regras trariam mudanças, a
no tratamento das mais variadas doenças, OMC deu prazo até 2005 para os países em
como o Imatinib (marca comercial Glivec), desenvolvimento se adequarem.
usado contra leucemia. O preço ao consu- Nações pobres, como Moçambique e
midor de uma caixa com 30 comprimidos Bangladesh, têm até 2016. “Em vez de usar
chega a custar R$ 12 mil. Por isso, muitos o tempo que tinha, o Brasil correu”, afirma
deles são alvo de batalhas entre o governo, a farmacêutica Gabriela Costa Chaves, in-
entidades que defendem o acesso aos tra- tegrante da Campanha de Acesso aos Me-
tamentos, fabricantes de genéricos e os de- dicamentos Essenciais da organização hu-
tentores das patentes. manitária Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Em maio de 2007, pela primeira vez, o Como ela diz, sobram desconfianças de que
Brasil decretou a quebra de patente do Efa- o governo cedeu a pressões da indústria. A
virenz, produzido pelo laboratório norte- Índia, por exemplo, só mudou sua legisla-
ameri­cano Merck para terapia antiaids, de- ção em 2005. “Com isso, sem desobedecer
clarado de interesse público. O fabricante ao acordo, os indianos tiveram tempo para
chegou a oferecer desconto de 30% sobre o desenvolver versões genéricas mais baratas
preço de US$ 1,59 por comprimido, mas o e se transformaram na grande farmácia ge-
ministro da Saúde, José Gomes Temporão, nérica do mundo”, diz Gabriela.

fotos rodrigo queiroz


considerou insuficiente. Com o licencia- Como antes da LPI o Brasil não reconhe-
única saída mento, foi possível importar versões gené- cia patentes de medicamentos, o Far-Man-
Claudia Damarindo recorreu ao ricas de laboratórios qualificados pela Or- guinhos, laboratório vinculado à Funda-
serviço de distribuição gratuita ganização Mundial da Saúde (OMS). ção Oswaldo Cruz, já fabricava, no começo
Danilo Ramos

de remédios para conseguir


retardar as complicações do Cheque em branco assinado e entregue dos anos 90, sete dos medicamentos do co-
Alzheimer de sua mãe, Cecy por FHC às indústrias, especialmente as bi- domínio público Renata (no alto) e quetel antiaids. A produção e a comerciali-
lionárias farmacêuticas, os dois artigos da Gabriela: ação pela quebra de patentes zação foram interrompidas com a nova lei.

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Começavam­então o sucateamento do par- “Quando ela teve o diagnóstico, há cerca Pressionado pela crescente demanda
que industrial nacional e a luta das organi- Alternativa inteligente de dois anos, fomos orientados a procu- por medicamentos para pacientes infec-
Márcia recorreu ao Banco de
zações de saúde para mitigar o impacto das Remédios, uma ONG de Porto rar o serviço de distribuição gratuita”, con-tados pelo HIV – os gastos com aquisi-
novas regras. Alegre, e conseguiu os caros ta Claudia. “Se não fosse isso, como farí- ção saltaram de US$ 35 milhões em 1996
Consultora do Ministério da Saúde e ex- comprimidos que precisa amos? A aposentadoria dela mal dá para para US$ 305 milhões em 1998 – o governo
para tratar uma doença que
-diretora de Far-Manguinhos, a química-far- ataca os rins uma caixa do remédio”. que concedeu as patentes pipeline não viu
macêutica Eloan Pinheiro avalia a concessão outro jeito senão criar, três anos depois, o
das patentes pipeline como a maior derrota Perversidade programa de medicamentos genéricos. Se-
que a saúde pública poderia ter. “As grandes Está aí a perversidade da questão. Se- gundo a Pró Genéricos, em dez anos fo-
farmacêuticas foram beneficiadas em detri- gundo a consultora Eloan Pinheiro, nos ram investidos mais de US$ 170 milhões na
mento da indústria nacional, que teve mui- primeiros cinco anos de venda é possível construção e modernização de plantas in-
tas fábricas desativadas ou vendidas. Ficamos recuperar o que foi investido no desenvol- dustriais. Pela lei, os genéricos são, no míni-
dependentes de matéria-prima para medica- vimento. A partir de então, o que entrar é mo, 35% mais baratos que os de referência.­
mentos, tendo que importar quase tudo”, diz. lucro. Quando a patente expira e os fabri- Esses medicamentos podem ser ain-
“Lembro que no dia da votação da lei, vi no cantes de genéricos começam a produzir da mais em conta por meio de programas
aeroporto um rapaz da Interfarma dizer ao suas versões, a competição como a Farmácia Popular
telefone, em inglês, ‘conseguimos muito mais derruba os preços. Hoje, em
Empresas são do Brasil, do Ministério da
do que queríamos’”. muitas farmácias, é possível protegidas Saúde, com unidades espa-
Eloan, na época dirigente do Sindicato dos comprar o Viagra, cuja pa- por lei feita lhadas em várias cidades. O
Químicos e Engenheiros Químicos do Esta- tente expirou recentemente, às pressas artista plástico Luiz Lombar-
do do Rio de Janeiro, conta que foram feitas mais barato que o genérico. nos anos 90, di, 59 anos, da capital pau-
várias reuniões. “Eram poucos os que com- “Por que antes o fabricante que concedeu lista, recorre a esses ende-
preendiam o estrago que estava para ser fei- mantinha o preço lá em cima reços sempre que precisa.
to. O discurso de que caminhávamos para a se acabou mostrando depois
mais de 700 Com um problema derma-
modernidade era forte, embora, na verdade, que pode vender por muito patentes a tológico, Luiz deve tomar
estivéssemos reféns de uma política de im- menos?”, critica Eloan. Ela medicamentos uma cápsula de Fluconazol a
portação, sem estímulo à indústria farmoquí- coloca em questão também que não cada sete dias, durante 20 se-
mica nacional.” os principais argumentos poderiam manas. Nas farmácias, cada
Célia Chaves, presidente da Fenafar, acres- em defesa das patentes: o es- mais ser uma custa entre R$ 8 e R$ 45.

andréa Graiz
centa que a LPI é consequência do projeto tímulo à inovação e a busca “Aqui pago R$ 0,95”, diz.
apresentado pelo governo Collor em abril de novas moléculas.
patenteados A cada 100 remédios ven-
de 1991, sob o argumento de criar um cli- O investimento em pesquisa e desenvol- didos, 20 são genéricos. Há estimativas de
ma favorável aos investimentos externos. O presidente da Associação Brasileira das In- vimento, aliás, tem sido menor do que em crescimento com a entrada no mercado das
projeto se arrastou na Câmara e no Sena- dústrias de Medicamentos Genéricos (Pró marketing. Estudos mostram que em 2002, versões do Viagra e do Lipitor (atorvastati-
do, onde, sob pressão explícita do governo Genéricos). Os preços variam entre R$ 40 nos Estados Unidos, as companhias gasta- na), que por muitos anos foram beneficia-
brasileiro, da embaixada dos Estados Uni- e R$ 763, conforme a dosagem do princípio ram para “estreitar o relacionamento com dos pelas pipelines. Em setembro, a Anvisa
dos e do lobby­da indústria, especialmente a ativo e o número de comprimidos. os médicos” o dobro do que investiram em aprovou o genérico da atorvastatina – fár-
farmacêutica americana, foi sucessivamen- Há quase dois anos, a auxiliar adminis- busca de novas formulações. maco da Pfizer para baixar o colesterol que
te modificado até a sua aprovação, ainda no trativa Márcia Greff Demétrio descobriu Nos últimos 30 anos, as estratégias co- custa entre R$ 44 e R$ 656.
primeiro mandato de FHC. A dirigente diz que tem lúpus, uma doença autoimune merciais ficaram mais intensas e agressivas, Os genéricos também são bom negócio.
não ter dúvida de que a decisão do STF será que ataca os rins. O remédio indicado – com o patrocínio de congressos médicos e A Medley, grande empresa nacional do se-
pela inconstitucionalidade. mais eficaz e com menos efeitos colaterais shows de artistas famosos para o lançamen- tor, foi comprada no ano passado pela Sa-
As patentes causam impacto no preço dos – é o micofenato mofetil. O preço varia en- to de medicamentos que nem sempre são nofi, uma das maiores do mundo. Essa con-
remédios. Dá ao detentor o direito de exclu- tre R$ 537 e R$ 1.972, conforme dosagem inovadores. Sem contar as viagens nacio- corrência é bem-vinda porque derruba os
sividade de venda, ou de designar quem vai e quantidade. Sem poder pagar, Márcia nais e internacionais, os presentes e brin- preços. Gabriela Chaves, do Médicos Sem
vender, por 20 anos, além de impor o preço recorreu ao programa de medicamentos des a médicos. “Embora os grandes labora- Fronteiras, lembra que a terapia antirretro-
que quiser. E não só a substância ativa é pa- de alto custo, do Sistema Único de Saú- tórios neguem, é claro que todo esse gasto viral de primeira linha – usada no come-
tenteada. Há patentes da substância e da ma- de (SUS), mas, por questões burocráticas, está embutido no preço”, diz o médico in- ço do tratamento para pacientes com resis-
nipulação que vai transformá-la em medica- não conseguiu. Recorreu ao Banco de Re- tensivista Guilherme Barcellos, diretor do tência ao coquetel anti-HIV – custava, nos
mento e até das combinações que poderão médios, uma ONG estabelecida em Porto Sindicato Médico do Rio Grande do Sul. anos 1990, US$ 10 mil/paciente/ano. Hoje
ser feitas no futuro. Isso gera confusão jurí- Alegre, e conseguiu os comprimidos. “Há Recentemente, a entidade lançou a cam- está por volta de US$ 87.
dica e os laboratórios aproveitam. É o caso mais de um ano recebo os remédios e vol- panha “Alerta – Amostra nunca é grátis”,
do Seroquel, contra distúrbios como esqui- tei a trabalhar e a viver normalmente”, diz. que por meio de atividades, aulas e pales- Mais no site
Danilo Ramos

zofrenia. “Na lista pipeline com vigência até A bancária Claudia Damarindo teve mais tras voltadas principalmente aos médicos Em www.redebrasilatual.com.br, saiba
2006, o fabricante Astrazeneca entrou com facilidade de acesso ao Reminyl (Galanta- residentes pretende reduzir a influência das sobre outros fatores que influenciam o
custo dos remédios e programas que
liminar para prolongar a vigência do direi- mina) que sua mãe, Cecy, toma para retar- indústrias sobre a escolha do medicamento beneficiam pacientes cuja renda não
to de exclusividade”, explica Odnir Finotti, Bom senso Luiz paga R$ 0,95 por uma cápsula que pode custar R$ 45 numa drogaria comercial dar o avanço e complicações do Alzheimer.­ a ser receitado. dá conta do preço dos remédios.

16 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 17


trabalho

Pressão

João Correia Filho


fatal
Alguns modelos de gestão movidos
a competitividade nociva e a
exploração do trabalho sob assédio
moral, pressões por desempenho e
humilhações podem estar por trás
Quebrei o vidro do
de um ato extremo: o suicídio meu carro com o pulso,
Por João Correia quase morri. Não tenho os
movimentos da mão ainda.
Minha vida é no hospital.
Tomo seis tipos de remédios,
calmantes, antidepressivos,
fico descaracterizado
Wellington, bancário

C
láudio debruçou-se sobre o pa-
rapeito de uma das passarelas
cerca de 15 milhões de pessoas sofram dessa­
doença no Brasil. O segundo elo está nos
Humilhações, revelou que de 2.072 entrevis-
tados 42% sofriam de humilhações constan- Na França, empresa é condenada Para o psicólogo Nilson Berenchtein
Netto, co-autor da cartilha, um dos moti-
da rodovia Raposo Tavares, em motivos que os levaram à decisão de se ma- tes em seus ambientes laborais – 16% desse vos para que a relação entre suicídio e tra-
São Paulo. Só tinha em mente tar: problemas no trabalho. “Nos três casos grupo já havia pensado em se matar. Para casos de suicídio ainda não há reconheceu como acidente de trabalho o balho seja negligenciada é que as análises
jurisprudência no Brasil e, mesmo em suicídio de um de seus empregados, em sua
pular e terminar com todo o so- ficaram claros fatores como assédio moral, No ano passado, a médica organizou ou- termos mundiais, o cenário avança casa, em julho de 2009. Em 18 meses foram
de doenças como depressão e outros trans-
frimento. Foi impedido por um companhei- perseguições, humilhações e sobrecargas, tra pesquisa, Suicídio e Trabalho: Homicídio lentamente. Na Espanha, por exemplo, há registrados 24 casos de suicídio na empresa, tornos psíquicos quase sempre consideram
ro de trabalho que passava. Maria tomou que desestruturaram e destruíram a vida Culposo Corporativo?, ouvindo 400 traba- jurisprudência desde 2003, quando um atribuídos às mudanças de gestão ocorridas que o problema está no indivíduo. “Ou se
mais de 20 comprimidos, mas a dose não foi dessas pessoas”, afirma Margarida Barreto, lhadores, 84 homens e 316 mulheres. Mais tribunal superior considerou como acidente nesse período. diz que essas patologias ocorrem por fal-
suficiente para que ela acabasse com a pró- médica especialista em saúde do trabalha- de um quarto desse grupo teve ideias suici- de trabalho o suicídio de um funcionário Tais casos reforçam os dados obtidos ta de algum neurotransmissor, de alguma
que caiu em depressão decorrente de várias por pesquisas como as feitas no Sindicato
pria vida. Gislaine também tentou o suicí- dor, pioneira no estudo do assédio moral. das ligadas ao trabalho – tendência propor- situações de humilhação. dos Químicos de São Paulo. E a urgência
substância que faz com que a pessoa se de-
dio tomando comprimidos. Depois, jogou- Margarida é uma das autoras da cartilha cionalmente mais presente entre os homens Na França, um episódio chamou a de mudanças drásticas na organização prima, ou que surgem do próprio psiquis-
-se de uma das escadas de sua casa e sofreu Suicídio e Trabalho – Manual de Promoção (37%, ante 24% das mulheres). “Os resulta- atenção da mídia por envolver uma gigante do trabalho, para que histórias como as mo, considerando que ela se deprimiu por-
traumas no corpo. Essas pessoas têm mais à Vida para Trabalhadores e Trabalhadoras, dos da pesquisa e as histórias colhidas em do setor automobilístico. Depois de um de Gislaine, Cláudio e Maria não sejam que não conseguiu se adaptar às relações
em comum do que o fato de ainda estarem lançada em maio pelo Sindicato dos Traba- meu consultório chamaram a atenção para longo processo, envolvendo o suicídio de vistas como casos isolados de depressão sociais e pessoais. Essas correntes não le-
vários engenheiros, a Renault foi condenada e descontentamento pessoal, mas como
vivas após frustradas tentativas de suicídio. lhadores nas Indústrias Químicas, Farma- uma realidade que coloca o suicídio como pela morte de um dos trabalhadores denúncia de que a pressão no trabalho
vam em conta o trabalho como uma catego-
A primeira semelhança, o diagnóstico de cêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo. resultado da exploração constante que os envolvidos e a pagar indenização à viúva. como ferramenta de autoridade ou de ria fundamental na constituição do homem
depressão profunda, os insere numa esta- Há uma década, sua pesquisa estarrecedora trabalhadores têm sofrido, como um grito Agora em agosto, a France Telecom desempenho pode ser uma arma mortal. nem, portanto, a relação entre trabalho, de-
tística silenciosa e alarmante: estima-se que sobre assédio moral, intitulada Jornada de de socorro que ainda não foi ouvido.” pressão e suicídio”, diz Netto.

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Fora do Brasil, um caso que tem chama- Lourival Batista Pereira, coordenador da

João Correia Filho


do a atenção da imprensa mundial é o da Secretaria de Saúde do Sindicato dos Quí-
empresa chinesa Foxconn. Foram 13 sui- micos de São Paulo, questiona a quem inte-
cídios de funcionários nos últimos oito ressa o silêncio diante dessa problemática.
meses. A Foxconn, fornecedora de equi- “As empresas não têm intenção de assumir
pamentos eletrônicos para gigantes como esse ônus, pois é comum tratar o trabalha-
Dell, Sony, HP e Apple, é acusada de sub- dor como uma peça descartável”, afirma.
meter funcionários a uma disciplina militar A costureira Gislaine vê seu caso como
e constante assédio moral. exemplo. Entre 2003 e 2004, depois de in-
Segundo a Organização Mundial de Saú- gressar numa multinacional do setor de
de, 3 mil pessoas suicidam-se todos os dias plásticos, passou a sofrer humilhações cons-
no mundo. A média aumentou 60% nos úl- tantes de uma das gerentes. “Eu trabalhava
timos 50 anos. Porém, a maioria dos órgãos das 7h às 17h e, quando acabava meu servi-
ligados ao assunto, incluída a OMS, distan- ço, ela descosturava tudo e dizia que estava
cia-se de ver danos decorrentes de relações malfeito para me humilhar. Dizia ter carta
inadequadas de trabalho. Embora assuma o branca pra fazer o que quisesse”, conta Gis-
suicídio como problema de saúde pública, laine. “Cheguei a ter um enfarte e tive de ser
o órgão liga os casos a transtornos mentais, afastada. Quando voltei, 20 dias depois, reto-
depressão, drogas. E quando os relaciona ao maram as humilhações. Perdi peso, adoeci e
trabalho o faz de maneira discreta, atribuin- fui ficando sem noção das coisas. Comecei
do-os a vulnerabilidade individual. a bater nas minhas filhas, deixei de ser uma
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde,
a taxa de 4,5 casos de suicídio em cada 100
Um dos motivos para pessoa alegre e me desestruturei completa-
mente, profissionalmente e com minha fa-
mil mortes é considerada baixa, embora seu que a relação entre mília.” A situação culminou numa depressão
crescimento seja preocupante. Mais de 90% suicídio e trabalho profunda e em duas tentativas de suicídio.
deles são atribuídos a transtornos mentais e
ao abuso de substâncias psicoativas, sem rela-
seja negligenciada “Não tinha força nem para sair da cama. Só
pensava em acabar com a vida”. Aos 51 anos,
ção direta com o universo do trabalho. é que as análises ela ainda vive à base de antidepressivos.
Margarida Barreto vê nesse cenário uma de doenças como
tentativa de responsabilizar o indivíduo depressão e outros Pouco avanço
pelo suicídio, deixando de lado fatores so- Perseguições e descaso também fazem
ciais marcantes. “É preciso ver a tentativa de transtornos quase parte da tragédia de Cláudio. Funcionário
tirar a própria vida como uma grande de- sempre consideram do setor de estoque de uma multinacional
núncia às condições de trabalho impostas
pelo neoliberalismo nas últimas décadas,
que o problema está do ramo de tintas, ele começou a perceber
que as regras de segurança não eram cum-
baseada no assédio moral e numa verda- no indivíduo pridas. “Como eu questionava, começaram
deira gestão por injúria”, reforça a médica. a me perseguir, dar trabalhos mais pesados.

Setor bancário: depressão epidêmica


medicamentos controlados. nos humilhavam na frente de tudo, com a minha vida, com nervosas dormindo. Quan-
Fui levada para o hospital. Não todo mundo. ‘Que porcaria de essa dor de cabeça, eles vão pa- do isso acontece, eu não con-
aguentava mais, o gerente me produção é essa? Vocês querem rar de me humilhar’. Assim não sigo me lembrar como e o
ignorava, não falava comigo, que eu enfie um Sonrisal no c* teria mais de ir trabalhar com que acontece. Passei por neu-
Embora haja muitas estatís- 1993 e 1995, época em que es- Organização do Trabalho, tese Em 2007, cansada das humi- passava meus clientes para os de vocês para andarem que nem essas pessoas. Por isso, se mi- rologista, psiquiatra e estou
ticas referentes ao adoecimento tavam em alta temas como reor- de mestrado em Administração lhações no ambiente de traba- outros. Eu simplesmente não jet ski?’ E eu não conseguia es- nha vida acabasse hoje, tudo em grupos de apoio”, relata.
e à depressão de trabalhadores, ganização do trabalho, acelera- de Empresas de Marcelo Au- lho, a bancária Mônica, de 25 existia. O médico me afastou, quecer essas coisas. Ia ficando bem. Eles acabaram com a mi- “Depois de seis anos, con-
poucas pesquisas relacionam ção tecnológica, privatizações, gusto Finazzi Santos, na Uni- anos, tentou acabar com o so- mas meu gerente me forçou a cada vez pior.” nha vontade de viver.” tratavam para ser meu supe-
tais doenças ao suicídio. Uma fusões, programas de demissão versidade de Brasília (UnB), frimento tomando uma over- trabalhar mesmo com atestado. Em novembro de 2009, ela foi Wellington também sofre rior uma pessoa que não sabia
das pioneiras foi apresentada voluntária e demissões em mas- apurou que 181 bancários ter- dose de remédios. Ela mesma Aí, pediu minha demissão”. pressionada a abrir em uma se- de depressão. Contratado em o trabalho, eu tinha de ensinar
na década passada pelo profes- sa – no período, foram demiti- minaram com a própria vida de relata: “Olhei pra cima e falei: Mônica não suportava mais mana 100 contas de renda aci- 2000 para trabalhar no anti- e era muito cobrado. Na práti-
sor Ernani Xavier, mestre em dos mais de 430 mil trabalha- 1996 a 2005 – em média, um a ‘Me leva porque eu não aguento ouvir insultos dos superiores. ma de R$ 4 mil. “A meta geral go Banespa como operador ca, o que eu falava era ordem,
Administração­pela Universi- dores no setor em todo o Brasil. cada 20 dias. Entre as principais mais as humilhações, os xinga- “Um dia eu estava almoçan- era abrir dez contas dessas em de Controle de Qualidade, ele mas não tinha cargo nem salá-
dade Federal do Rio Grande do Em 2009, o trabalho Pato- causas, assédio moral, pressões mentos’. Minha mãe me socor- do, eram mais de 16h, e a mi- um mês. Em uma semana era começou a ter crises nervosas. rio para essa responsabilidade,
Sul. Xavier identificou 76 ban- logia da Solidão: O Suicídio de por metas, excesso de tarefas e reu. Em 2009, eu tentei de novo nha gerente geral começou a impossível. Diziam ‘se vira!’ “Eu não era reconhecido. Co- tinha que ter o controle de tudo
cários que se suicidaram entre Bancários no Contexto da Nova medo do desemprego. com 40 ou 50 comprimidos­de gritar: ‘Não pode comer!’. Eles E eu pensei: ‘Vou acabar com mecei a ter convulsões, crises porque era uma gráfica de

20 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 21


Havia funcionários que, por medo de repre- no braço direito. Tive tendinite, rompimen-

João Correia Filho


sálias dos encarregados, nem sentavam mais to nos dois ombros, e ainda não estou bem.
ao meu lado. Me deram duas advertências só Perdi o movimento e fiquei com deforma-
para que eu me calasse diante dos problemas ções no braço. Dediquei toda minha vida a
e me colocaram para trabalhar numa área essa profissão e fui largada de lado”, lamenta.
isolada. Comecei a entrar em pânico, a ter Maria recupera-se da última cirurgia e espe-
crises de choro, me descontrolar. A tentativa ra por decisões da Justiça do Trabalho e do
de suicídio foi pensando que assim a polícia INSS, que podem lhe render uma indeniza-
veria o que estava acontecendo lá dentro”, ção ou a aposentadoria. Ou nada.
conta o jovem de 29 anos. Dependendo do resultado, ela entrará
Dois anos de perseguições provocaram para um seleto grupo de trabalhadores que
em Cláudio um quadro de esquizofrenia ganharam ações na Justiça por assédio mo-
que o obrigou a ficar internado numa clíni- ral, o que começa a ocorrer no Brasil. Exis-
ca psiquiátrica por 20 dias. “Não conseguia tem mais de 80 projetos de lei em diferen-
mais sair na rua e comecei a achar que to- tes municípios e vários no âmbito federal à
dos estavam me perseguindo, inclusive gente espera de votação. Na esfera estadual, desde
da família. Eu não entendia quem mentia e maio de 2002, o Rio de Janeiro condena a
quem falava a verdade. Perdi o rumo da mi- prática. Também há projetos em tramitação
nha vida”, lamenta Cláudio, que há um ano em São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernam-
trabalha em outra empresa e ainda precisa buco, Paraná e Bahia.
de medicamentos para depressão. Gislaine entrou na Justiça contra sua al-
Para Lourival, do Sindicato dos Químicos, Pensei: ‘Vou acabar goz e ganhou a causa por assédio moral.
outro indício desse descaso está nos índices com tudo, com a minha A perseguidora foi condenada a pagar 250
de adoecimento e de acidentes de trabalho, vida, com essa dor de cestas básicas à comunidade, “entregues
que engordam as estatísticas negativas do por mim, em locais muito pobres, algo que
atual modelo de gestão empresarial. “Essas cabeça, eles vão parar de me lavou a alma”, diz Gislaine. Cláudio tam-
duas situações costumam gerar demissão e me humilhar’. Assim não bém ganhou a causa na Justiça do Trabalho
perseguição. O funcionário hoje só serve se teria mais de ir trabalhar e a empresa foi obrigada a pagar um ano
está muito bem. Doente, incomoda, aí vêm de plano de saúde e R$ 8 mil de indeniza-
as perseguições, numa tentativa de que eles com essas pessoas. Por ção, o suficiente para que o rapaz pagasse
se demitam sem direito a nada”, diz. isso, se minha vida as contas que se acumularam enquanto es-
O caso de Maria é emblemático. Depois acabasse hoje, tudo bem. teve afastado. Muito pouco para pagar as
de 20 anos trabalhando na mesma empresa, despesas que tem com os antidepressivos.
multinacional do ramo de cosméticos, co- Eles acabaram com a
meçou a sentir dores crônicas e teve de pas- minha vontade de viver
sar por cirurgias. “Foram cinco nos últimos *Os nomes de algumas pessoas
Mônica, bancária e empresas foram alterados ou omitidos
cinco anos, nas mãos, no ombro esquerdo e a pedido dos entrevistados

segurança máxima. Para eu ir quase morri. Não tenho os mo- trabalho é pouco estudado no metas, independentemente de Pesquisa feita com bancários -gerais de agência dizendo: ‘Eu Para ela, é importante criar Só no primeiro semestre
ao banheiro tinha de passar por vimentos da mão ainda. Minha Brasil por dificuldades metodo- onde estejam. Quando você é de todo o Brasil sobre as prio- não aguento, meu diretor fica instrumentos para que o ban- deste ano, 18 mil funcioná-
revista, tirar o sapato. Os outros vida é no hospital. Tomo seis lógicas. A depressão, alerta ela, pressionado, os comportamen- ridades da campanha nacional ligando todo dia, tenho de me co condene formalmente essa rios saíram dos bancos, me-
não precisavam.” tipos de remédios, calmantes, tornou-se epidêmica no mun- tos são os mais diversos”, explica deste ano mostra que para qua- controlar muito para não re- conduta. “Ele tem que garantir tade deles pediu demissão. “O
Segundo ele, as humilhações antidepressivos, fico descarac- do inteiro, mas é pior nessa cate- Maria Maeno. se 80% da categoria o comba- passar essa pressão para o meu que não admitirá isso. Tem de trabalho bancário hoje é mui-
o levaram a quase acabar com a terizado. Caí na escada e que- goria. “O ramo financeiro talvez “É preciso haver acordo en- te ao assédio moral e às metas quadro de funcionários’”, diz. ter prazo para apurar denúncias to caracterizado pela pressão,
própria vida: “Aconteceu numa brei os pés. Estou de licença mé- seja o que tenha sofrido a maior tre trabalhadores e bancos. Os abusivas são os principais pro- Juvandia admite que há pro- e tomar providências. Há casos pela cobrança. É fundamental
semana que eu estava de ates- dica. No banco me chamam de reengenharia na organização bancários estão vulneráveis e blemas nos locais de trabalho. blema com o comportamen- em que se demora seis meses ou que a gente encerre a campa-
tado médico. A maioria das Gardenal”. do trabalho. Com a automa- não reagem quando passam Para a presidenta do Sindi- to individual das chefias, mas mais para apurar. Tem muitos nha salarial com algum avanço
pessoas da minha equipe foi Para a médica Maria Maeno, ção, a velocidade da informa- por essas situações. Isso não cato dos Bancários de São Pau- considera que a organização bancários afastados por causa no combate ao assédio porque
demitida e acabei indo numa coordenadora do grupo temá- ção e das transações, a deman- é culpa do gerente geral ou do lo, Osasco e Região, Juvandia do trabalho do banco induz de depressão, mas também os realmente­é um grave proble-
reunião. Teve uma desavença tico Organização do Trabalho da ficou mais rápida e eles têm superintendente, são as che- Moreira Leite, o assédio tem a esse comportamento. “Eles que não estão afastados, mas ma em todos os bancos, públi-
muito grande, fui menospreza- e Adoecimento, da Fundacen- de responder mais rapidamente fias imediatas as que aparecem, a origem no sistema de orga- querem resultados, indepen- tomam remédios. Em agências, cos e privados”, afirma a presi-
do, discriminado, rotulado. Fi- tro (órgão do Ministério do também. Todos têm de vender mas sobre elas há a pressão que nização do trabalho imposto dentemente de como a cobran- acho que no mínimo uma pes- denta do sindicato.
quei muito mal. Quebrei o vi- Trabalho que atua em questões produtos – que não são de pri- vem da forma como o sistema pelos bancos.“Nós temos vá- ça é feita. E isso até hoje ficou soa tem esse problema ou de-
dro do meu carro com o pulso, de saúde), o suicídio ligado ao meira necessidade – e cumprir bancário­ funciona”,­ adverte. rias reclamações de gerentes- sem punição.” senvolve sintomas.” Por Xandra Stefanel

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Crueldade atômica
história

Yoshitaka nasceu em Bauru e vive em Haruko trabalhava na zona rural de Hi-


Caía uma chuva um sítio em Suzano. Chegou a servir ao roshima, a 16 quilômetros do epicentro
negra. A população orgulhoso exército imperial japonês. Esta-
va dentro de um navio militar em Nagasaki
da explosão. Mesmo assim, as consequên-
cias foram catastróficas. “A casa desabou
pensava ser óleo quando, em 9 de agosto de 1945, a bomba em cima de todo mundo, espalhando ca-
jogado pelos explodiu na cidade portuária de 240 mil ha-
bitantes – 80 mil morreram imediatamente.
cos de vidro para todo lado. Eu vivia com
mais quatro irmãos na cidade de onde meus
americanos, mas Em Hiroshima, estima-se em pelo menos pais saíram para vir ao Brasil”, conta. Um
100 mil os mortos logo após a explosão. Os irmão morreu pouco após a bomba, vítima
era uma chuva efeitos da radiação matariam ainda outros de uma febre que não passava.
ácida, resultante da milhares de pessoas nos anos seguintes.
“Lembro que o navio balançou. Saímos e
Pouco tempo depois, numerosos grupos
de vítimas que conseguiram sair da cidade fo-
explosão com força estava tudo escuro. A cidade inteira estava ram para a zona rural em busca de ajuda para
de 21 toneladas destruída”, conta. Na sequência, os soldados
saíram para socorrer as vítimas da explosão
escapar do horror. Não era possível, entretan-
to, encontrar muita coisa. “Era muita gente,
de dinamite da fat man (homem gordo), nome dado à que alojamos numa escola, um dos poucos
segunda bomba – a little boy (menininho) lugares que ficou em pé, já que tudo estava
Por Moacir Assunção havia sido jogada antes do avião Enola Gay queimado e destruído. Faltava de tudo.”
sobre Hiroshima. Yoshitaka ficou com man- Pela segunda vez, a família de Haruko to-

H
chas brancas nos braços. “Após a explosão, mava parte de um fato histórico. Seu pai, Fu-
aruko Yoshiga, de 88 anos, às 11 horas, o dia virou noite. O cheiro de sakishi Nishimura, havia sido um dos 781
Yasuko Nishimura, de 79, e morte nas ruas era difícil de aguentar. De- pioneiros da imigração japonesa ao Brasil,
Yoshitaka Samedima, de 82, moramos para entrar em Nagasaki. Quando onde chegaram em 1909 a bordo do navio
têm em comum a lembrança chegamos, havia sobreviventes em abrigos. Kasato Maru. Somente um de seus oito filhos
viva do maior horror jamais O resto, até as árvores, estava tudo queima- havia nascido em Hiroshima, todos demais
criado pelo homem: a bomba atômica. do.” O brasileiro, cujos pais chegaram ao país eram brasileiros, ocidentalizados demais
Lançada há 65 anos por aviões america- em 1909, voltou para São Paulo em 1960. para o gosto do tradicionalista Fusakishi.
nos, ela arrasou as cidades japonesas de
Hiroshima e Nagasaki. Os descendentes
de japoneses viram nascer a maior arma
de destruição em massa, cuja criação
marcou um novo paradigma na história
do homem, ao estabelecer que a própria
raça poderia ser extinta.
Yasuko, a única natural de Hiroshi-
terror
ma, chegou ao Brasil em 1952. Haruko e A decisão final sobre
Yoshitaka, de pais japoneses, são brasi- o uso das bombas
leiros nascidos no estado de São Paulo, foi do presidente dos
Estados Unidos, Harry
que voltaram à terra de seus ancestrais Truman. Em Hiroshima
no final da década de 1930 para apren- foi lançada uma bomba
der o idioma e retomar o contato com de urânio. Em Nagasaki,
de plutônio. Muitos
sua cultura. historiadores afirmam
Com a guerra, não puderam voltar e se que detonar as bombas

danilo ramos
tornaram protagonistas de uma história foi um recado à então
União Soviética, pois a
curiosa e pouco conhecida de brasileiros, guerra contra o Japão já
a dos hibakushas – pessoas afetadas pela estava ganha
bomba, das quais 130 vivem no Brasil.

Afp
Memória Mesmo a 16 quilômetros do centro da explosão, Haruko viu sua casa desabar

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Enquanto seus conterrâneos rumaram para
o interior, Fusakishi ficou na capital. Vendia
brinquedos de madeira feitos à mão. Alguns
anos depois, conseguiu montar uma peque-
na fábrica no bairro da Mooca. Em de 1939,
mandou os filhos de volta ao Japão. Um de-
les, Kenzo Nishimura, casou-se com Yasuko
na cidade natal do pai. Depois da guerra, de-
cidiram voltar. “Não tem lugar como o Bra-
sil”, diz ela.

Saúde de ferro
A Associação dos Sobreviventes da Bom-
ba Atômica no Brasil foi surpreendida com
a existência de brasileiros natos entre as ví-
timas. Imaginava-se que os hibakushas eram
somente japoneses e coreanos. “Como todo Hibakushas Duas vezes por ano, médicos japoneses especialistas em sequelas de
mundo tem traços e nomes orientais, pen- bombas atômicas vêm ao Brasil para consultar os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki
sávamos que não havia brasileiros. Eles são
muito reservados e muitas vezes nem a fa- Uma cena que Morita jamais esqueceu man escreveu em seu diário: “A arma final-
mília sabia o que tinha acontecido”, conta a foi a de uma jovem mãe, morrendo ao lado mente será usada contra o Japão. Parece a
diretora da entidade Yasuko Saito. Somente do seu filho, que pediu ao vê-lo fardado: coisa mais terrível jamais descoberta”.
depois de um encontro há pouco mais de “Soldado, mate americanos”. No Brasil, A decisão foi mais do que uma vingança
um ano os sobreviventes foram estimulados onde chegou em 1956 ao lado da mulher, contra a operação japonesa na base norte-
a falar mais de sua origem. “A história é ab- a enfermeira Ayako e os filhos Yasuko (a -americana de Pearl Harbor, localizada na
solutamente surpreendente porque sempre diretora da associação) e Tetsuji, foi relo- ilha de Ohau (Havaí), na qual foram mor-
se achou que os sobreviventes eram somente joeiro na Rua Augusta e, depois abriu uma tos 2.400 americanos. O ataque causou terrí-
japoneses e, talvez, alguns coreanos”, afirma mercearia de produtos japoneses no bairro veis repercussões na opinião pública do país.

fotos danilo ramos


o professor de História André Lopes Loula, da Saúde, onde também funciona a sede da Os Estados Unidos alegavam que sofreriam
diretor cultural da entidade. associação e da entidade-irmã Associação muitas baixas – até 200 mil – em um eventual­
Em 2003, Yoshitaka Samedima conheceu Hikabusha-Brasil pela Paz. ataque convencional ao Japão. Mas o que
Takashi Morita, de 86 anos, presidente da moveu mesmo o governo de Truman a em-
associação e também sobrevivente de Hi- lembranças Yasuko nasceu em Hiroshima, sobreviveu à bomba e veio para o Brasil em 1952 “Meu Deus, o que fizemos?” pregar a bomba foi, segundo a maior parte
roshima, que perguntou sobre as manchas A frase de espanto com as consequências dos especialistas, a intenção de dar um reca-
nos braços. Até então, nem a família sabia Duas vezes por ano, médicos japoneses recia o fim do mundo”, descreve Morita, do ataque a Hiroshima teria sido pronun- do a União Soviética. Afinal, o Exército Ver-
o que ele tinha vivido naquele agosto de especialistas em sequelas de bombas atô- ainda emocionado. Na hora da explosão, ciada pelo co-piloto Robert Lewis. Ele es- melho havia destruído a máquina de guerra
1945. A razão do segredo era o preconcei- micas vêm ao Brasil para consultar os hi- ele não ouviu barulho algum, foi projeta- tava a bordo do B-29, batizado como Enola de Adolf Hitler – era preciso demonstrar ter
to. “Nenhuma moça queria se casar com bakushas. A maior parte, entretanto, tem do dez metros à frente e sofreu queima- Gay, comandado pelo coronel Paul Tibbets, em mãos uma arma mais poderosa.
hibakushas. Achavam que os filhos nasce- saúde de ferro, apesar da idade. E ao con- duras nas costas e nuca. O então policial de onde partiu a bomba que formou o enor- Hiroshima e Nagasaki teriam sido esco-
riam com deficiências”, explica. Por causa trário da crença popular, os filhos também atribui sua sobrevivência ao fato de estar me “cogumelo”, fotografado pelo sargento lhidas por se situar entre vales, o que permi-
disso, muitas histórias ficaram escondidas. nasceram saudáveis. com roupas grossas, bem alimentado e de Bob Caron. A decisão havia sido tomada tiria observar os efeitos da bomba em alvos
A Associação das Vítimas da Bomba Atô- costas para o epicentro. no dia 25 de julho pelo presidente dos Es- reais, sem condições de a radiação se dissi-
mica no Brasil foi fundada em 1984, com Uma luz silenciosa Só viu uma luz silenciosa, uma espécie de tados Unidos, Harry Truman. Em um gabi- par totalmente antes de cessarem seus efei-
o objetivo de congregar os sobreviventes e Apesar de estar no Brasil desde a déca- flash, que percorreu rapidamente todo o seu nete improvisado no cruzador USS Augus- tos. Seriam as primeiras (e até hoje únicas)
conseguir alguma ajuda do governo japo- da de 1950, Morita ainda fala português corpo. Ao conseguir se levantar, estava tudo ta, no meio do Atlântico, foi Truman quem vezes em que a poderosa arma foi usada con-
nês para os hibakushas que viviam em ou- com dificuldade, e atribui sua longevida- escuro, embora fossem 8h15. Caía uma chu- ordenou o ataque nuclear contra o inimigo tra alvos humanos.
tros países. Na rígida cultura nipônica, os de ao clima tropical. Policial militar em va negra, que a população pensava ser óleo que havia impingido um enorme número Era o fim da Segunda Guerra Mundial
que saíram do país passaram a ser vistos Hiroshima, estava a pouco mais de um jogado pelos americanos para provocar in- de baixas de americanos no ataque a Okina- e o início da era nuclear e da Guerra Fria,
como ingratos com sua pátria. Morita, que quilômetro do epicentro da explosão. En- cêndios, como tinha acontecido em Tóquio. wa. Antes, entretanto, o Japão já analisava a conflito não declarado entre as grandes po-
começou a organizar o movimento, foi for- quanto muitos fugiam, ele voltou à cidade Não era, tratava-se de uma chuva ácida, re- sua rendição, pela primeira vez na história tências, EUA e URSS, que se estenderia por
çado a entrar com ações judiciais contra o para tentar socorrer vítimas. “Nunca es- sultante da explosão e da radiação provoca- militar do país. todo o século 20. O embate com as extin-
Japão para ver reconhecidos os direitos dos queci nem vou esquecer o que vi. Milha- da pelo artefato nuclear com potência de 21 O presidente americano tinha em mãos tas potências comunistas já não existe mais.
conterrâneos. Hoje os 130 sobreviventes no res de corpos queimados dentro dos bon- toneladas de dinamite. Até aquele momen- uma lista de cidades-alvo feita pelo secretá- Mas os interesses econômicos do bloco de
Brasil recebem uma ajuda de aproximada- des, crianças mortas sob os escombros, o to, ninguém imaginava que a bomba lança- rio de Guerra, Henry Stimson: Hiroshima, nações ricas – inclusive os da indústria ar-
mente R$ 500 por mês e assistência médi- fogo avançando sobre pessoas que pediam da era muitas vezes mais letal que as temidas Kyoto, Nokura, Niigata e Nagasaki. Hiroshi- mamentista – ainda são um legado das po-
cheiro de morte Yoshitaka estava em
ca – antes o governo japonês só atendia as ajuda para não morrer dentro das casas ogivas incendiárias que devastaram a capi- um navio em Nagasaki quando a bomba ma passou a ser um alvo prioritário por ter tências capitalistas a ser desarmado pela
pessoas do país. destruídas. Era um cenário de horror, pa- tal japonesa. explodiu. “O dia virou noite” 40 mil soldados em sua área. No navio, Tru- humanidade no século 21.

26 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 27


ambiente

A
té alguns anos atrás, a palavra Banco genético
“biodiversidade” era quase in- Ao mesmo tempo em que parece um nú-
compreensível para a maioria mero grande, pode também parecer irrele-
das pessoas. Hoje, se ainda vante. “Hoje, conhecemos cerca de 2 mi-
não chega a ser um tema que lhões de espécies. Mas a estimativa é de que
se discuta nos bares, vem se incorporando sejam de 15 a 30 milhões”, diz Luiz Eduardo
cada vez mais na sociedade em geral. Tudo Corrêa Lima, professor titular de Biologia
indica que a variedade de espécies de plan- da Faculdades Integradas Tereza D’Ávila, de
tas, animais e insetos de uma determinada Lorena (SP).
área começa a ser uma preocupação geral – Nessas espécies encontram-se um vasto
a ponto de a ONU considerar 2010 o Ano e generoso banco genético, cuja exploração
Internacional da Biodiversidade. ainda engatinha, capaz de prover os mais
Mas ainda que seja um assunto cada vez diferentes tipos de soluções para questões
mais popular, convencer governos e socie- humanas eminentes. Por exemplo, o desen-
dades de que a biodiversidade tem impor- volvimento de uma medicação para tratar a
tância fundamental para a espécie humana leucemia, recentemente extraída de plantas
e para o próprio planeta é uma perspecti- da Floresta de Masoala, em Madagascar, na
va remota. Afinal, a quantidade de espécies África. Ou os sistemas de refrigeração dos
aparentemente não influencia na vida pro- cupinzeiros copiados para projetar prédios
fissional, social e econômica de quem está com baixo consumo de energia. E até mesmo

russel mittermeier/conservação internacional/divulgação


mergulhado nas decisões mais prosaicas do um tipo de tinta impermeável que se inspira
dia a dia. No entanto, essa vai ser, mais uma na flor de lótus, cuja superfície não absorve
vez, a missão de boa parte das 8 mil pes- água. Esses são exemplos do que a biodiver-

A biodiversidade
soas – técnicos, consultores, especialistas e sidade já está fazendo para a humanidade.
cientistas – que irão se reunir em Nagoya, Mas há casos também daquilo que já per-
no Japão, entre 11 e 29 de outubro, para a demos. Como uma rã típica da floresta tro-
10ª Conferência das Partes da Convenção pical australiana (gastric-brooding frog) que

é nossa
sobre Diversidade Biológica. guardava no estômago os ovos fertilizados
Além deles, estarão lá líderes políticos pelo macho. Durante o período de desen-
de cerca de 190 países incumbidos de dis- volvimento dos girinos, a produção de suco
cutir um variado cardápio de questões que digestivo interrompia-se e os pesquisado-
envolvem o uso e a preservação da biodi- res acreditam que o estudo dessa espécie
versidade em todo o globo. Ou, como diz poderia produzir medicamentos eficientes
Ahmed Djoghlaf, secretário-executivo da contra úlceras. Mas a rã está considerada
Convenção, “desenvolver um novo plano extinta desde 1981.
estratégico para as próximas décadas, in-
cluindo uma visão para 2050 e uma missão
O Brasil será Fatos como esse poderiam constituir ar-
gumentos convincentes para a preservação
para a biodiversidade em 2020”. destaque neste das espécies e das áreas em que elas se en-
Talvez seja um discurso um pouco vago contram. Mas não são. Assim, o raciocínio
devido à urgência dos fatos: nunca, na his- outubro, no Japão, conservacionista tem sido puramente con-
tória do planeta, registrou-se um número em mais uma tábil: quanto vale a biodiversidade, qual é
tão grande de espécies ameaçadas. Diaria- o prejuízo que representa sua diminuição
mente, 100 espécies entram em processo conferência que e que investimento é necessário fazer para
russel mittermeier/conservação internacional/divulgação

de extinção e calcula-se que nos próximos


20 anos mais de 500 mil espécies serão var-
põe a temática mantê-la. Não é a forma ideal para evocar
um princípio ético da única espécie capaz
ridas definitivamente do globo. Tudo isso ecológica na agenda de pensar na preservação de todas as espé-
é, na maior parte, “obra” do ser humano:
segundo a Fauna e Flora International,
do planeta. Desta cies. Mas talvez seja a saída.
Segundo o documento A Economia dos
uma das organizações não-governamen- vez, enfrentando Ecossistemas e da Biodiversidade, produ-

Paulo Whitaker/REUTERS
tais mais antigas dedicadas ao estudo da zido pelo Programa Ambiental das Na-
biodiversidade, cerca de 80% das florestas o olho gordo de ções Unidas (Pnuma), os desmatamentos
que originalmente cobriam o planeta foram
destruídas ou degradadas nos últimos 150
interesses nem na Amazônia, por exemplo, são responsá-
veis por um prejuízo de até US$ 44 trilhões
anos e estima-se que, graças à intervenção sempre ambientais ao ano. Já o relatório Global Biodiversi-
humana, as espécies estão desaparecendo
a uma taxa 10 mil vezes maior do que se-
em nossos biomas Sem teto Lar de inúmeras espécies, a Mata Atlântica já perdeu 93% de sua área natural.
O mico-leão-dourado (página ao lado) é raríssimo. A arara-vermelha já desapareceu desse
ty Outlook (GBO), também da ONU, por
exemplo, estima que a perda anual de flo-
ria natural. Por Roberto Amado bioma costeiro e está criticamente ameaçada no estado de São Paulo restas tenha custado entre US$ 2 trilhões

28 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 29


e US$ 5 trilhões. A pesquisa mostra, por Mas dados do IBGE confirmam que a co- às duras custas algumas espécies endêmicas,
outro lado, que a preservação desses bio- bertura vegetal desse bioma foi, apenas nos como o mico-leão-dourado, a onça-pintada,
mas requer investimentos anuais de ape- últimos anos, reduzida à quase metade. O o bicho-preguiça e a cobra jararaca. Calcu-
nas US$ 45 bilhões. Cerrado corre o risco de desaparecer até la-se que na Mata Atlântica ainda existam
Nessa contabilidade, o que entra é um va- 2030 se o desmatamento prosseguir à ve- 1.020 espécies de pássaros, 197 de répteis,
lor atribuído aos “serviços” ambientais que locidade de 3 milhões de hectares por ano. 340 de anfíbios e 350 de peixes.
os biomas oferecem – como a purificação do Junto com a cobertura vegetal estão sumin- Ao Brasil resta, mais uma vez, tomar a
ar e da água, o fornecimento de água doce e do espécies típicas, como a onça-pintada, frente das negociações e se envolver nesse
de madeira, a regulação climática, a proteção o tatu-canastra, o lobo-guará, a águia-cin- movimento que procura dar valor mone-
a desastres naturais, o controle da erosão e zenta e o cachorro-do-mato-vinagre. tário aos biomas e sua diversidade. Mas no

haroldo Castro/conservação internacional/divulgação


até a recreação. E a ONU avisa: mais de 60% Já a Mata Atlântica, nosso segundo âmbito da política internacional, não basta
desses serviços estão sofrendo degradação hotspot,­tem histórico igualmente contun- fazer isso. Afinal, por trás dessas discussões
ou sendo consumidos mais depressa do que dente. Originalmente, estendia-se ao longo financeiras relacionadas à biodiversidade,
podem ser recuperados. Mas não é só isso. da costa, do Rio Grande do Sul ao Piauí, su- repousa, ainda latente, uma outra, de im-
Segundo Luiz Eduardo Corrêa Lima, a im- perando diferentes formas de relevo e até cli- portância fundamental para nós: a proprie-
portância da diversidade biológica está além mas. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, dade sobre as espécies. Não faltam movi-
do que ela pode nos oferecer como “servi- é considerada o bioma mais rico em biodi- mentos e gestões globais que procuram dar
ços” – afinal, “é o registro genético de tudo versidade do planeta. Mas cerca de 93% de posse internacional a esse tesouro natural –
o que aconteceu na evolução das espécies, sua área já foi devastada, principalmente de- afinal, a perda dele, segundo argumentam,
um histórico biológico e evolutivo”. vido ao fato de estar em regiões em que se gera danos a toda humanidade e não ape-
concentram 62% da população do país, cer- nas ao país “proprietário”. Mais uma vez, o
Marcar território ca de 110 milhões de pessoas, incluindo as Brasil terá de brigar por aquilo que é seu –
Seja como for, o Brasil tem enorme inte- maiores cidades e capitais. Nela, sobrevivem e ter competência de saber preservá-lo.
resse nessa conta: é a região do planeta que savana brasileira Segundo maior bioma do país, o Cerrado sofre com os frequentes
incêndios e avanço da agricultura e pecuária. Corre o risco de desaparecer até 2030
apresenta maior diversidade biológica. Por-
tanto, somos donos de um enorme tesouro,
Hotspots da vida na Terra
Os “pontos quentes” do planeta, onde a variedade de espécies encontradas é maior do que em qualquer outro lugar, mas que já
liderando o restrito grupo dos megadiver- tiveram pelo menos 70% de sua área original destruída. Marcados com a bola preta, as áreas que se tornaram hotspots recentemente
sificados, compostos por outros 16 países.
Em 2002, quando foi realizada a 6º Confe-
rência das Partes sobre Diversidade Biológi-
ca, em Haia (Holanda), os países signatários
definiram metas a serem alcançadas agora,
5
em 2010, que, aparentemente, não pareciam 2 20 22

tão distantes. Por exemplo, a redução da per- 18 16


da e degradação de habitats e proteção de 15
12
23

pelo menos 10% das regiões mais biodiver- 14


4
sificadas do planeta. Agora é hora de prestar 21
10 34
26

contas e encarar a dura realidade: nenhum 11 13


27
32
país conseguiu alcançar os objetivos. 27

agência brasil
8 9
6 30
Segundo a secretária de Biodiversidade e 33
Florestas do Ministério do Meio Ambiente, 31
24
Maria Cecília Wey de Brito, o Brasil atingiu 1
29
17
28
75% da meta mundial de criação de áreas 19

protegidas permanentemente, o que inclui pelo menos 1.500 espécies endêmicas (que contram 50% das plantas e 42% dos verte- 7 3 25

parques e áreas reservadas. só ocorrem em uma determinada área) e brados conhecidos.


Embora as instituições governamentais que tenham perdido mais de 75% de sua No Brasil, há dois deles: a Mata Atlântica
do planeta façam pouco pela conservação vegetação original. e o Cerrado – a Amazônia, apesar de apre-
da biodiversidade, algumas ONGs têm um Myers a princípio identificou apenas dez sentar a maior biodiversidade do planeta,
trabalho efetivo nessa área, produzindo e hotspots no planeta. A partir desse trabalho, ainda não foi destruída a ponto de ser con-
reunindo informações. Uma delas é a Con- a CI elaborou estudos que levaram a uma siderada crítica. Apesar de ter pouca visibi- 1. Mata Atlântica (Brasil, Paraguai, 10. Florestas de Afromontane 19. Maputaland-Pondoland, Albany 26. Filipinas
servation International (CI), que tem inclu- ampliação crescente do número de área crí- lidade, por não se tratar de uma região com Argentina) (África do Sul, Namíbia) (África do Sul, Swazilândia, 27. Ilhas da Polinésia e Micronésia
2. Província Florística da Califórnia 11. Florestas da Guiné (África Ocidental) Moçambique) (incluindo Hawaí)
sive sede no Brasil. A CI tem trabalhado ticas e estabeleceu a existência de 34 regiões­ árvores exuberantes e grandes animais, o 3. Província Florística do Cabo (África 12. Himalaia 20. Bacia do Mediterrâneo 28. Sudoeste da Austrália
no conceito dos hotspots, criado pelo ecó- (mapa ao lado) que constituem o habitat de Cerrado é o segundo maior bioma do país, do Sul) 13. Chifre da África 21. Mesoamérica (Costa Rica, Nicarágua, 29. Karoo das Plantas Suculentas (África)
4. Ilhas do Caribe 14. Regiões da Indo-Birmânia Honduras, El Salvador, Guatemala, 30. Sunda (Indonésia, Malásia e Brunei)
logo inglês Normam Myers, em 1988, para 75% dos mamíferos, aves e anfíbios mais localizado no Brasil Central, e apresenta 5. Cáucaso 15. Região Irano-Anatólica Belize, México) 31. Andes Tropicais
definir as áreas prioritárias de preservação ameaçados do planeta. Ainda que a soma uma fauna e flora extremamente rica – se- 6. Cerrado 16. Japão 22. Montanhas da Ásia Central 32. Tumbes-Chocó-Magdalena
7. Florestas Valdívias (Chile Central) 17. Madagascar e Ilhas do Oceano Índico 23. Montanhas do Centro-Sul da China (Panamá, Colômbia, Equador, Peru)
da biodiversidade. Ou seja, áreas que apre- total dos hotspots represente apenas 2,3% gundo a CI, há mais de 10 mil espécies de 8. Montanhas do Arco Oriental 18. Floresta de Pinho-Encino de Sierra 24. Nova Caledônia 33. Wallacea (Indonésia)
sentam grande diversidade biológica, com da superfície terrestre, é neles que se en- vegetais na região. 9. Ilhas da Melanésia Oriental Madre (México, EUA) 25. Nova Zelândia 34. Ghats Ocidentais (Índia, Sri Lanka)

30 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 31


entrevista

A música é uma estrela, deitada


na minha cama. Ela me chega
sem jeito, quase sem eu perceber.
Quando me dou conta e vou ver,
ela já entrou no meu peito

A música
me ama

luciana whitaker
V
Paulo César Pinheiro ocê está numa cidade imaginária. Siga pela Avenida Baden Powell e
entre na Travessa Elis Regina. No fim da viela, descanse na Praça João
de Dori Caymmi. Uma pequena amostra desse acervo o poe-
ta, de 61 anos, descreve no saboroso livro Histórias das Minhas
Em meio a uma obra tão vasta, como conseguiu eleger as can-
ções que botou no livro?
não tem controle Nogueira, junto ao Monumento à Clara Nunes, bem no Cantinho do Canções­, lançado recentemente pela Editora Leya. E como ele Já estou preparando o volume 2. Eu já tinha listado, a princípio,
Sabiá, em frente ao conservatório musical Dorival Caymmi. Passe para não consegue nem faz questão de explicar direito, em prosa, de 100 histórias, só por ser um número redondo. Mas quando chegou
sobre o que cria. As a outra quadra, e na esquina da Rua Eduardo Gudin com a Maurício onde vem seu poder da criação, os versos a seguir, que não es- na sexagésima eu percebi que o livro estava ficando muito gran-
canções brotam, como Tapajós tome alguma coisa no Bar Pixinguinha, onde não entra quem não tem ca-
ráter. É possível que Vinicius e Tom estejam por lá. Depois, caminhe pelo Bulevar
tão no livro, talvez o faça:
“A música me ama, ela me deixa fazê-la. A música é uma estrela­,
de. Eu não tinha ideia de que as histórias iam se estender. Achei
por bem parar, porque se fosse fazer as 100, o livro iria para umas
que de uma nascente. Aldir Blanc. Você verá o Museu de Arte Mauro Bolacha Duarte e o Grupo Escolar deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu 600 páginas, ia ficar muito caro. A produção acabou ficando boa,
Elas já renderam Radamés Gnatalli – talvez no jardim espie a professora Luciana pastorando Lenine,
Diogo, Marcel, Bena, Alice e outras crianças, observada de longe pela diretora Suely
perceber­. Quando me dou conta e vou ver, ela já entrou no meu
peito. No que ela entra a alma sai, fica meu corpo sem vida. Volta­
a editora é muito boa. Todo mundo que me diz que leu, diz que
leu numa tacada só. Eu comecei a compor até antes de Viagem – a
parcerias com gente Costa. Pare no caixa automático do Banco Sivuca e saque algumas notas musicais, depois comovida, e eu nunca soube onde vai. Meu olho dana a primeira música, feita aos 14 anos (Oh, tristeza me desculpe, estou
a moeda corrente nessa cidade, com população de mais de 2 mil composições, cha- brilhar.­Meu dedo corre o papel, e a voz repete o cordel que se de malas prontas...). Daí em diante, fui fazendo sem nem me dar
de cinco gerações e mada Paulo César Pinheiro. Trata-se de um lugar sem pragas nem ervas daninhas, derrama­do olhar. Fico algum tempo perdido até me recuperar, conta do que aquilo era na minha vida.
um baú pronto para sem armas nem homens de mal, espécies extintas pelas cinzas de um carnaval. quase sem acreditar se tudo teve sentido. A música parte e eu
Nesta entrevista, concedida numa tarde de setembro no Bar Getúlio, em desperto­pro mundo cruel que aí está. Com medo de ela não mais Você foi compondo as canções e elas compondo você?
servir a outras tantas Copabacana, PC Pinheiro fala um pouco dessa cidade da criação, e da inex- voltar. Mas ela está sempre por perto. Nada que existe é mais forte, Com certeza. É uma simbiose. A música começa a fazer parte
Por Paulo Donizetti plicável inspiração que o torna o compositor da música popular de mais vasta
obra de todos os tempos. Levam sua assinatura obras tramadas com parceiros
e eu quero aprender-lhe a medida de como compõe minha vida,
que é para eu compor minha morte.” (Do disco Parceria, gravad­o
da sua história, da sua vida. Música é isso: observação. É muita
inspiração, mas muita observação da vida, das pessoas, dos per-
de Souza de cinco gerações, de Pixinguinha, que hoje teria 113 anos, a Alice, 20, filha em 1994, com João Nogueira.) sonagens, do sentimento humano.

32 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 33


Era uma época privilegiada da criação musical do Você compôs e conviveu com gente que participou E as mil e poucas músicas que você ainda tem guar- café e escuto aquelas pessoas que estão ali. Às vezes uma
Brasil, né? Tudo que vinha do DNA do Caymmi, do intensamente da sua vida que já se foi. Crer que “a dadas, tem planos pra elas? frase de um bêbado me faz fazer um samba. A obser-
Pixinguinha, Noel Rosa, Ary Barroso, Villa Lobos es- vida é uma missão” ajudou a suportar as perdas? Não, elas vão saindo lentamente. Da mesma forma vação é algo muito forte em mim, e tendo tempo pra
tava em plena ebulição na obra de sua geração. Com certeza, perdi muitos parceiros. De minha ge- que eu vou fazendo por fazer, às vezes eu faço por en- observar o seu tempo, você começa a ver na frente o
A minha talvez tenha sido, até agora, a última gran- ração e de gerações anteriores. Pixinguinha hoje estaria comenda. É um filme, e pedem uma canção tema, é te- que vai acontecer. A previsão da violência urbana, dos
de geração de compositores do Brasil. Isso vai desem- fazendo 113 anos, estou com 61. Teve o Radamés Gna- atro, é novela... À medida que as pessoas vão me procu- morros descendo pro asfalto, do medo do pessoal­do
bocar em algum momento em algum lugar. Mas acho talli (1906-1988), o Mirabeau Pinheiro (1924-1991), rando pra perguntar se tem alguma nova, vou tirando asfalto, das armas. Da destruição da natureza. A música
que ainda são os mais atuantes. Alcyr Pires (1906-1994), e outros do meu momento, do baú. Eu sempre tenho. Quando me procuram, só As Forças da Natureza é de 1976 e já alertava: vai haver

fotos luciana whitaker


Baden, Tom, João Nogueira, Mauro Duarte, Maurício pergunto qual é o gênero que a pessoa quer (risos). catástrofe, vai acontecer coisa ruim. Começa a passar
Aliás, você... Tapajós, Raphael Rabello, Sivuca... Foram morrendo “Samba-canção­? Bolero? Valsa? Samba? Choro? O que na cabeça uma sequência de filme, e você vai até 30, 40
Eu sou o compositor de maior obra na música popular­ meus parceiros... (pausa). Mas hoje tenho parceiros de você quer? Tem, está no baú, é só vasculhar e escolher.” anos adiante. Isso desemboca na minha obra.
de todos os tempos. Já falaram até que é caso para o Guiness­ 19 anos. Quer dizer, tenho um de 113 e um de 19 (risos).
Book. Tenho mais de 1.150 músicas gravadas e outras mil Quando você fala de “encomenda” não é só profis- E as novas gerações de compositores, e também
ainda na gaveta. E não parei. Tem muita gente gravando­ O João Nogueira foi das mais intensas? sional, mas pedidos pessoais também, né? de consumidores de música, estão ligadas? Estão
Quem músicas minhas, alguns discos inteiros só de músicas Foi. Começamos em 1972, foi uma parceria muito É. A Elis era a rainha das encomendas. observando o mundo ao seu redor?
A música
compra CD minhas­. Na história da música brasileira, talvez o mais longa. Era parceiro, companheiro de farra, de boemia. Muita gente está. Não essa moçada da mídia. A mo- nasce
por R$ 5 em próximo disso seja o Braguinha, que deve ter umas 700. Você menciona no livro uma cantora, nos anos çada que segue a mídia não está. Mas a moçada que sozinha.
camelô não O Baden Powell foi o cara que sacou tudo isso. Eu digo Foi ele que o convenceu a fazer um tributo à Clara 1970, que enciumou a Elis. Ela até pediu um samba está ao largo da mídia, à margem da mídia, está bus- Não preciso
paga R$ 35 sempre com gratidão e com um misto de assombro. Na- Nunes. (Cai Dentro) pra cutucar a concorrente. Quem era? cando caminhos, sim. Eu conheço muita gente, muito estar triste
em loja. O quele momento, eu era parceiro do João de Aquino, que Exatamente. [Clara Nunes morreu aos 39 anos, em Ah, isso eu não posso falar. compositor bom, que está escondido, em guetos prati- ou feliz,
era primo do Baden, a quem conheci por meio dele. Nós 1983, vítima de um choque anafilático. Cinquenta mil camente, e que vive da música. Meus filhos, por exem-
preço devia éramos vizinhos de bairro, numa pracinha em São Cris- pessoas velaram seu corpo na quadra da Portela. Paulo Pô, eu juro que não conto pra ninguém. plo, são compositores. A Escola Portátil, por exemplo,
num lugar
ser mais tóvão (zona norte do Rio). O João tocava acordeon – o pai César, casado com ela desde 1975, recolheu-se a ponto De jeito nenhum (risos). é um foco disso. A Lapa, que voltou a ser a Lapa de especial.
razoável. O dele era cearense –, depois aprendeu pandeiro, violão. Eu, de mal conseguir falar do assunto. João Nogueira insis- outros tempos, é o coração da vida noturna do Rio. A Posso estar
processo de menino ainda, já tinha muita admiração pelo Baden, que tiu que fizesse um samba-tributo. Dizia: “Só você tem Você parece carregar um traço de generosidade. É zona sul acabou. A Lapa foi renascendo, crescendo, se preso num
feitura do já era um nome mundial. E na década de 1960 inteira a autoridade pra fazer esse samba. Se não fizer, vai pintar característica nata, ou desenvolveu com o tempo, desenvolvendo e ramificando. Agora já está indo para cubículo
disco é caro, parceria Baden-Vinícius já era muito forte. Meu assom- uma enxurrada de samba ruim sobre o assunto”. E saiu com as parcerias? a praça Tiradentes, para o cais do porto... que faço
bro foi a visão do Baden diante de um menino começan- Um ser de Luz: “... Mas aconteceu um dia/ Foi quando o Nasci em berço pobre. Meu pai era operário, tinha
mas não a do a fazer música, ele já celebridade, referência de toda a menino Deus chamou/ E ela se foi pra cantar/ Para além dois empregos. Conheci meu pai praticamente com 11 São redutos que vão além das baladas comerciais?
música. Ela
ponto de ter minha geração. Eu tinha 16 anos quando ele me ofereceu do luar/ Onde moram as estrelas (...) Canta, meu sabiá, anos de idade, porque antes eu nunca o via de tanto que Exatamente. E grande parte dos músicos que susten- extrapola
de custar uma parceria. “Vamos fazer música juntos?” Aquilo pra voa meu sabiá, adeus, meu sabiá/ Até um dia!”] João era ele trabalhava. A gente morava numa vila de operários, tam essa música da Lapa está saindo da Escola Portátil. qualquer
R$ 35. Tem mim foi um choque, um espanto. Mas ele já estava ante- meu amigo, meu compadre, sou padrinho de uma filha da Light, em Jacarepaguá (zona oeste do Rio). A famí- tipo de
de ter um vendo o que ia acontecer comigo. dele. Aliás, parceria não é só um trabalho de compor lia dele, paraibano, é toda nordestina. Eu visitando pa- E o que é a Escola Portátil? ambiente, a
meio-termo junto. É amizade, é convivência, senão não funciona. rentes meus via a miséria que era. Da parte da minha É uma escola que foi criada pela minha mulher, Lu- música não
Você nem imaginava que ia viver da sua música? mãe, meu avô era pescador, com família grande. Na ciana Rabello, e pelo Maurício Carrilho pra ensinar cho-
Meu espanto pelo Baden é essa antevisão que ele teve Você ainda assina em baixo da tese do Pixinguinha, casa dele não tinha luz, era lampião de querosene; não ro, principalmente porque os nossos filhos não tinham
é racional. É
de que eu poderia ser o que sou. Quando fizemos La- “beber só faz mal pra quem é mau caráter”... tinha gás, era fogão a lenha; a água era a de um riacho muito ambiente musical. E foi crescendo. Conseguiu re- uma missão
pinha eu tinha 16 anos (Quando eu morrer me enterre Não é bem assim. É “beber só faz mal pra quem não do lado. A casa era uma tapera. Minha avó, por parte centemente uma casa na Rua da Carioca, entre a Praça
na Lapinha/ Calça, culote, paletó e almofadinha). Dali tem caráter”. E assino embaixo. de mãe, é índia guarani de uma tribo que ainda existe Tiradentes e o Largo da Carioca – em frente ao Bar Luís,
em diante fizemos cerca de 100 músicas. Muita coisa em Angra dos Reis, Bracuí. Saído desse meio não pode pra ser mais específico. Era um pedido antigo ao governo
está na cabeça das pessoas até hoje. Baden me apresen- Sua Trilogia no Alumbramento – as músicas Súplica, dar ninguém que não seja assim. Eu sou meio índio, do estado. Uma casa tombada pelo patrimônio, caindo
tou todo mundo. O Poder da Criação e Quando Eu Canto – explica so- meio sertanejo, tenho isso na minha essência, está no aos pedaços. Eles estão com projetos, mantendo a facha-
bre como trabalha a cabeça do compositor? meu sangue, está no gene. da e reformando tudo por dentro. É uma casa de quatro
E daí veio a ciumeira do Vinicius de Morais? Tentei explicar o que muita gente me pergunta sem- andares, já começaram as primeiras obrinhas. As salas
O Vinícius sempre foi ciumento, possessivo. Por que pre. “Como é que você faz?” “Você precisa estar triste, Você, acolhido naquele meio criativo de sua época, de aula vão estar todas ali. Vai haver um teatro, como
um homem de 52 anos, diplomata, escritor maravilhoso­, ou feliz?” “Precisa de alguma coisa especial?”... Essas também acolheu gente jovem que veio depois, co- espaço de espetáculos e para gravações. Vai haver um
poderia ter ciúme de uma criança? O tempo botou as perguntas eu ouvi a vida inteira. Não preciso de nada mo o Lenine, que não voltou pro Nordeste porque estúdio para gravar tudo o que vai acontecer ali. Quer
coisas no lugar e nos tornamos grandes amigos. disso exatamente. A música brota, não sou quem faz, você insistiu pra ele ficar e deu no que deu. dizer, as pessoas estudam ali, praticam lá em cima, num
ela nasce sozinha. Muita gente. Sempre fui assim. terraço, num botequim tomando cerveja, e depois fazem
O bilhete que você recebeu dele e reproduz no livro shows e gravam no teatro. É bem bolado. É um projeto
é algo antológico na vida de alguém. Esse lance que você diz de ter sensações, visões, Algumas composições suas parecem premonitó- para formar cidadão e para ele sair dali um profissional
Pra você ver até que grau ia a amizade depois... (“Para ouvir vozes, foi pontual, episódico, ou é recorrente? rias. “O Dia em que o morro descer e não for carna- de alguma coisa da música. Não é só um projeto que vai
o Paulinho, De pai pra filho e de filho pra pai, sem pai e É recorrente. Quando eu comecei a fazer meus pri- val, ninguém vai ficar pra assisitir o desfile final...”, lá, tira o menino da rua e não ensina nada de arte.
sem filho, sem filho e sem pai, e com muito amor pelo filho meiros versos, compor minhas primeiras melodias, você fez com Wilson das Neves...
que eu poderia ter (e não tive) mas que é como se tivesse. E isso começou em mim. São histórias intermináveis, É observação. A gente que não está no meio da Fale sobre as gravadoras, comparando aquela épo-
aproveitando pra mandar ele pra puta que me pariu, o co- misteriosas. Não sei explicar. Mas vejo gente, escuto correria­da sobrevivência a qualquer custo, pode sentar­ ca efervescente com os dias de hoje, em que se
ração amigo, paterno, fraterno, inferno do seu Vinicius.”) coisas, acontecem coisas sobrenaturais comigo. e observar. Eu paro num balcão de bar pra tomar um produz tanta mediocridade.

34 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 35


Nessa época rica a que você se refere, cada gravadora não a ponto de ter de custar R$ 35, R$ 40. Tem de ter
Atitude Por Xandra Stefanel. Foto de Rodrigo Queiroz

tinha cerca de 90 artistas em seus elencos. A Odeon ti- um meio-termo.


nha isso, a Phillips tinha por aí, a CBS, a RCA Victor. E
os diretores daquela época eram pessoas de outro tipo de Onde você mora hoje em dia? Fale um pouco da
gosto. E às vezes até músicos. O (Roberto) Menescal foi sua cidade.
diretor da Phillips. Hoje a atribuição dessa escolha não Em moro em Laranjeiras, mas eu já morei em tudo
é artística, é do marketing, que dita as regras e opina o que foi canto do Rio de Janeiro. O Rio é o meu quin-
que vai vender e o que não vai. As gravadoras por sua vez tal. Eu nasci em Ramos, onde hoje é o Complexo do
estão acabando no Brasil. Foram diminuindo, vendendo Alemão, barra pesada. Passei parte da minha infân-
seus estúdios, que eram maravilhosos, e reduzindo seus cia em Jacarepaguá, na zona oeste, onde ainda ha-
luciana whitaker

castings. E ferramentas novas foram chegando. A gente via fazendas de gado, hortas. Morei em São Cristó-
tem de aprender a lidar com elas. Agora, eu só acho que vão, primeiro no pé do Morro de Mangueira, na Rua
o direito autoral precisa ser respeitado, ainda está haven- Ana Neri, depois no pé do Morro do Tuiuti – minha
do discussão em torno disso. E acho que a internet é um adolescência, final de infância, foi nos morros. Por
Já falaram sistema muito mais democrático do que o das rádios. isso eu entendo bem dos morros. Depois morei em
que é caso Copacabana, no Jardim Botânico, morei no Leblon,
para o E as rádios, continuam iguais a sempre? na Barra da Tijuca, morei em Jacarepaguá de novo.
Guiness As emissoras de rádio são concessões públicas, a Estou agora em Laranjeiras, e só saio dali para o (ce-
Book. maioria é de políticos, e a regra do jogo em rádio que mitério) São João Batista.
Tenho mais toca música é ditada por esse marketing de que falei an-
tes. Os horários estão comprometidos. Existe o famoso Toc, toc, toc...
de 1.150 jabá, a compra disso. E se quem está chegando não tem Morei em todo canto e por isso sou um conhecedor
músicas como botar seu disco para tocar em rádio nenhuma, da cidade. Fazendo boemia, passei por todos os luga-
gravadas migra para a internet. Está mais democrático. A rádio res, nos subúrbios da zona oeste, da zona sul, da zona
e outras toca a mesma coisa no Brasil inteiro. Música achatada e norte mais distante. Conheço bem, não conheço de me
mil ainda pasteurizada, não tem leque aberto. Pelo menos na in- contarem. Talvez eu tenha sido um dos compositores
na gaveta. ternet você ouve o que você quer, busca o que você quer. que mais falou da cidade do Rio de Janeiro.
Na história Hoje muita gente produz e vende seus próprios Das pessoas da sua geração, com quem você convi-
da música CDs. ve mais hoje, e com quem ainda compõe?
brasileira, Pois é, naquela época eram contratados muitos artis- Edu Lobo, Dori Caymmi, Francis Hime... Foram os
talvez

Bom exemplo
tas... E hoje também é tudo muito rápido e passageiro. que sobraram.
o mais Naquela época, os diretores artísticos investiam muito
próximo nos artistas e durante muito tempo. Hoje se um artis- Nunca fez nada com o Chico Buarque, o Paulinho
ta não dá certo num disco, ele morre, acaba. Naquela da Viola? Não são da mesma turma?
seja o época, o Milton Nascimento, para citar um exemplo, Não. Somos da mesma turma, mas eles fazem tudo.
Braguinha,

T
começou a ser conhecido depois do quarto disco, mas O Chico não precisa muito de parceiro. O Paulinho faz
que deve ter a gravadora ia arriscando, dando condições para o cara sozinho também, e tem alguns parceiros, Elton Medei- reze é o número de sorte de José Carlos Alcântara Mo- social­para os jovens e suas famílias; Gol de Letrinhas, com aulas­
umas 700 sabendo que era um artista de verdade. Então tinha ros e tal. O Chico esporadicamente faz com alguém. raes. Foi com essa idade que ele começou a ter aulas no de leitura, escrita e informática; Jogos do Mundo, que busca o
mais esse tempo de desenvolvimento, que não exis- Fez mais com o Francis, como Edu, por trabalhos en- espaço mantido na comunidade do Caju pela Fundação desenvolvimento­social, corporal e intelectual por meio do estudo­
te mais. Hoje é tudo muito veloz. Não deu certo, joga comendados também. E aí como nós fazemos música Gol de Letra. Criada há mais de dez anos pelos ex-joga- e da prática esportiva e recreativa; e o Mensageiro da Água, que
fora, bota outro. e letra, todos... O Edu não faz tanto letra, já fez, o Dori dores Raí e Leonardo, a instituição sem fins lucrativos estimula a conscientização das crianças em relação à situação
não faz, então essa minha convivência em parceria com mantém unidades educativas também em Niterói e São Paulo­. Des- ambiental da comunidade.
As novas ferramentas oferecem também uma eles é mais por isso. pertou a atenção do garoto o aspecto mais óbvio: o gosto pelo es- Seu bom desempenho nas aulas e oficinas fez como que fosse
alternativa­à indústria do disco. Como pode um porte que é paixão nacional. “Me interessei muito porque pensava­ selecionado para uma viagem cultural de dez dias pela França.
lançamento­ainda custar em torno de R$ 35, R$ 40? E dessa safra nova, mais jovem? que era uma escolinha de futebol. Daí fui ver que não era só isso. “Eles escolheram os alunos mais esforçados daqui e de São Paulo.
Quem compra? E quando alguém compra, que fatia Eu sou hoje parceiro dos filhos dos meus parceiros. Tinha várias oficinas que, hoje sei, são muito importantes para Conhecemos­Paris, o Louvre, a Torre Eiffel, Lyon... Foi a melhor
vai para o artista? As minhas companhias hoje são o Bernardo Lobo (o mim”, afirma Zé Carlos. Ele participou de oficinas de informática, coisa que aconteceu na minha vida. Antes eu era muito tímido.
É caro. O ganho vai depender do contrato, como Bena, 37 anos), Diogo Nogueira (29), o Louis Marcel e tornou-se “fanzaço” da biblioteca local – porque “ela ensina a gente Voltei mais maduro e aberto. Estou na 8ª série e já sei que quero
uma gravadora ou uma independente vai distribuir. o Philippe (28 e 32 anos, filhos do Baden) – o Philippe é a ficar mais esperto nos poemas” – e começou a praticar esportes fazer um curso profissionalizante de desenho. O que eu aprendi
Pode ser 10% do preço de loja, pode ser 7% ou 15%. meu afilhado, inclusive, de batismo. A filha do Danilo que nunca havia experimentado, como basquete, vôlei e handebol. aqui deve me ajudar”, comemora o adolescente.
Mas um disco custar R$ 35 é caro. Devia ser mais ra- Caymmi, Alice (20), é minha parceira. Então sou par- Foi muito além das peladas. Com mais experiência, sua responsabilidade agora aumentou.
zoável esse preço. Por causa disso a pirataria se instala ceiro dos meninos que peguei no colo. Sou parceiro dos O bairro do Caju, zona norte do Rio de Janeiro, com baixo Ao completar 15 anos, foi selecionado para uma vaga de monitor
e aí esculhamba todo o resto. Quem compra um CD meus filhos. Isso daí é impagável. Você pegar uma crian- Índice­de Desenvolvimento Humano (IDH), tem metade de sua do programa Jogo Aberto. “Durante três dias por semana ajudo
por R$ 5 na mão do camelô não vai dar R$ 35 na loja. ça no colo, e 20, 30 anos depois você ser companheiro de população formada por crianças e jovens. É para esse público os professores, faço o que eles pedem, organizo os materiais, olho
O preço devia ser mais razoável, mesmo com todo o trabalho dessa pessoa, ser parceiro dessa pessoa,­é difícil que a Gol de Letra desenvolve o projeto Jogo Aberto, composto­ as crianças. Mas o mais importante, e o que eles mais cobram de
processo de feitura do disco, que é caro também, mas explicar a sensação. Quer coisa melhor? por quatro programas: Comunidades, que presta assistência mim, é que eu seja um bom exemplo para elas.”

36 REVISTA DO BRASIL outubro 2010 outubro 2010 REVISTA DO BRASIL 37


mídia

Estão maltratando a

Cultura
Com mau humor no comando político de SP, falta de investimentos,
desrespeito aos profissionais e à qualidade da programação, canal que
podia ser referência de TV pública está ameaçado Por Vitor Nuzzi

Jair Bertolucci/Divulgação
N
a segunda metade dos anos Padre Anchieta, o economista João Sayad, até dedicou-o ao “pedágio”. Nassif conta ter
1960, Abreu Sodré foi à Eu- que deixou a Secretaria da Cultura, cau- ouvido de Sayad que o afastamento de He-
ropa e ao Canadá conhecer sou desconforto. Esperava-se a reeleição ródoto já fazia parte dos planos. Em rela-
experiências de TVs educa- de Paulo Markun, no comando da funda- ção à saída de outro jornalista importante
tivas antes de tomar posse ção desde 2007. Markun, indicado por José do staff da emissora, Gabriel Priolli – tam-
como governador de São Paulo. Em seu li- Serra, não contava com a simpatia de Ge- bém após uma reportagem sobre pedágios
vro de memórias, Sodré conta que o obje- raldo Alckmin, desafeto do ex-governador –, Sayad disse apenas que o erro teria sido
tivo era criar uma emissora “custeada pelo no ninho tucano. a nomeação de Priolli. Já quanto à saída do Cocoricó Havia rumores de que o programa não seria
estado”, mas independente de seu governo Em texto publicado no seu blog em 22 de próprio Nassif, houve negociação direta en- mais gravado. Porém a direção diz considerá-lo o mais importante projeto infantil da emissora
e do governo de seus sucessores. Em se- setembro, o jornalista Luis Nassif assinala tre Markun e Serra. Na mídia tradicional,
tembro de 1967, foi aprovada a lei (9.849) que Heródoto Barbeiro foi afastado do co- nenhuma reportagem ou editorial identifi- toda a programação. Pairaram dúvidas até a mesma Cultura, na busca pela qualidade “(A questão financeira) É talvez o maior
que autorizava a criação da Fundação Padre mando do programa Roda Viva por ter feito cou alguma ameaça à liberdade de imprensa. sobre a manutenção de programas como o e pelo respeito pela inteligência do espec- problema, mas não é exclusivo da Cultura”,
Anchieta, mantenedora da TV Cultura, que uma pergunta sobre pedágios que teria de- As intrigas não se limitam aos bastido- Cocoricó – que a direção garante conside- tador”, afirma. “Naturalmente, as organiza- diz Priolli. “Já existe um ambiente ultracom-
entrou no ar em 15 de junho de 1969, virou sagradado José Serra. Ao receber um prê- res do jornalismo. A TV Cultura passa por rar o mais importante projeto infantil e que ções públicas estão sujeitas a circunstân- petitivo e a internet vem crescendo de forma
referência de qualidade, mas não se livrou mio do site Comunique-se, o apresentador um período de remanejamento que afeta continuará em 2011. cias políticas e tensões diferentes”, analisa. avassaladora, dividindo o tempo do especta-
das oscilações causadas pelas mudanças de Uma política que assegurasse um orçamen- dor”, observa o jornalista, com três passagens
humor político. A mais recente trouxe uma Contradição to mais compatível com o potencial da TV pela Cultura que somam 12 anos. A primei-
onda de inquietação. Para o professor da Universidade de São Cultura já poderia ter resolvido ou melho- ra, aos 22 anos, foi como “foca” (novato), em
A começar de uma espécie de “fogo ami- Paulo (USP), Laurindo Leal Filho, o Lalo, rado, segundo ele, questões como audiên- 1975, seis meses antes de o então diretor de
go” tucano. Em entrevista a um blog (Po- ouvidor-geral da Empresa Brasil de Comu- cia, tratamento ou formato dos programas. Jornalismo, Vladimir Herzog, ser assassina-
der Online) em agosto, o secretário estadual­ nicação (EBC), a Cultura convive desde o do nas dependências do Doi-Codi, um dos
da Cultura, Andrea Matarazzo, chamou a início com crises institucionais, com mo- órgãos de repressão da ditadura.
emissora de ficção. “É cool gostar da TV mentos de “instrumentalização” pelo grupo Nesta terceira passagem, como assessor
Cultura, mas ninguém assiste”, afirmou, a que domina a política estadual, mas nunca da vice-presidência de gestão, Priolli tem
pretexto de questionar a utilidade do orça- deixou de ser um espaço para criatividade, contrato até 31 de dezembro. Prefere não
Jair Bertolucci/CEDOC FPA/Divulgação

mento de R$ 80 milhões destinado à fun- ousadia e experimentação: “Ela se solidifi- comentar notícias que circularam a res-
dação pelo governo. O escritor Jorge da cou no imaginário da população como um peito de sua saída. “A Cultura é uma das
Cunha Lima, ex-presidente da fundação, exemplo de televisão de qualidade, graças emissoras mais importantes do país, por

Cleones Ribeiro/divulgação
reagiu em seu blog: “A TV Cultura não é o aos esforços dos funcionários”. Para Lalo, oferecer uma alternativa ao espectador em
caos que se deseja vender. Ainda é a melhor quando o governo intervém na emissora, relação às comerciais. Existe a necessida-
televisão pública do Brasil (...) E ainda será inibe a produção. Mas a regra ainda são os de de uma emissora de formação cultural.”
melhor e mais respeitada quando os políti- programas de qualidade, e a audiência vem Lalo entrou na Cultura meses antes de
cos respeitarem a lei que criou a Fundação com a continuidade. “É uma falácia dizer Priolli, em 1974, atraído pelo noticiário do
Padre Anchieta, que afirma que ela tem um que não produz audiência.” canal. “Era um telejornal de contextualiza-
conselho política, intelectual e administra- O jornalista e professor Gabriel Priolli ção, aprofundamento e explicação da no-
pé no chão Cadão Volpato, do Metrópolis:
tivamente autônomo”. Rá-Tim-Bum De 1989 a 1992 e de 1992 a 1994 (já como Castelo Rá-Tim-Bum), teve no
também considera que a emissora não per- “Emissoras privadas têm mundos e fundos, tícia, levando ao debate e à reflexão, o que
A própria eleição do atual presidente da elenco Sérgio Mamberti (Doutor Victor): “Nunca foi feito mais nenhum investimento” deu a essência. “De certa forma, sempre foi a Cultura depende de recurso público” levou a perseguições”, lembra. Em 1975, o

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cleones ribeiro/divulgação
então secretário estadual da Cultura, o em- Bambalalão Dependência co está mais eficiente, com menos etapas,
Sucesso da
presário José Mindlin, levou Herzog para a programação
Uma das fontes de receita é a prestação de menos cansativo.”
direção de Jornalismo. infanti, foi ao serviços. Porém, o diretor do Sindicato dos O veterano Luiz Noriega vê a Cultura
ar de 1977 Radialistas de São Paulo, Sérgio Ipoldo, diz como um laboratório. Ele lembra que nos
a 1990. Era
Mambembe apresentado
que a emissora está encerrando contratos es- anos 1970, quando apresentava o programa
Gigi Anhelli entrou em 1973, como esta- por Gigi pecíficos, como os das TVs Justiça e Assem- É Hora de Esporte, o canal abriu um espa-
giária, e lá ficou por 18 anos. Ela lembra das Anhelli, bleia (em São Paulo), que absorvem aproxi- ço até então inédito para o esporte amador,
Silvana Roda Viva O programa de entrevistas
dificuldades – e do prazer – de preparar e Teixeira e
madamente 500 dos 1.900 funcionários da com transmissões de tênis, vôlei e basquete,
surgiu em 1986. Passou por várias
apresentar o Bambalalão, programa infantil Chiquinho rede. “O que a gente percebe é que o governo atletismo, inclusive de categorias infanto- mudanças de apresentador e de fórmula
que fez história. “Sempre trabalhamos com Brandão. não quer mais por dinheiro lá”, diz. “Mudan- -juvenis. “Fomos precursores da Copa São
Gigi ficou na
pouca verba. Não pintamos de dourado. A Cultura por 18
ças geram ansiedade”, admitiu Sayad em ar- Paulo de futebol júnior, criada pelo Fábio exibia uma programação diferenciada hoje
gente mostrava que fazia algo mambembe. anos: “Sempre tigo. “Fala-se em desmanche da TV Cultura, Lazzari”, lembra. “Tivemos uma participa- existente em canais especializados.
Um programa desses só seria possível com trabalhamos demissões em massa, destruição da TV tão ção grande na divulgação da primeira fase Para o cineasta e produtor Tadeu Jungle, a
com pouca
pessoas dedicadas”, conta a apresentadora, verba. A gente
querida. Não é verdade”, disse o presidente, da carreira do (Ayrton) Senna. O vôlei cres- Cultura está engessada. “Precisamos que ela
que até hoje se pergunta por que acabou o mostrava que pedindo paciência aos “blogueiros que di- ceu, as meninas do basquete...”, acrescen- veja o mundo com olhos livres, contemporâ-
programa que chegou a ter 17 pontos de au- fazia algo fundem especulações e maldades”. ta Noriega, que migrou da TV Tupi para a neos à internet e às novas formas de comuni-
mambembe.
diência. A equipe do Bambalalão era asse- Um programa
Uma das apostas é trazer de volta no- Cultura na Copa de 1970 e saiu em 1986. cação. Ela precisa se radicalizar, buscar raízes
diada por outras emissoras, diz Gigi, que desses só mes que tiveram sucesso em outros tem- “A TV Cultura tinha um padrão de tra- e antenas, no mundo do século 21”, afirma.
agora apresenta o Brincando de Bambalalão seria possível pos. Caso de Cadão Volpato, que retornou balho e de organização que eu nunca vi”, “A molecada precisa participar, a molecada
com pessoas
na internet. Mas ela avalia que seria difícil dedicadas”
após 15 anos ao comando do programa afirma. Noriega destaca a linguagem criada já nasce fazendo audiovisual! Os velhos mes-
subordinar um programa com tal padrão de Metrópolis. “A TV Cultura tem um selo para as narrações esportivas – menos agres- tres têm de interagir com o ímpeto desconexo
liberdade de conteúdo, informação e educa- de prestígio que se manteve, apesar das siva, sem gritaria, mais suave. A cobertura da juventude. Tem de haver um processo de
ção à lógica das emissoras comerciais. turbulências pelas quais passou. A luta da chegou a incluir jogos no interior e noti- troca. Os garotos não veem mais TV. Tocam e
Representante de outro marco da Cultu- nova gestão é retomar ainda mais essa re- ciário de clubes que mantinham departa- trocam tudo na internet. Quem está pensan-
ra, o Rá-Tim-Bum, o ator Sérgio Mamberti, levância. As emissoras privadas têm mun- mentos de esportes amadores. Por isso, o do em tevezinha na sala, dançou.”
atual presidente da Funarte, diz que o su- dos e fundos, a Cultura depende de recur- locutor lamenta que o esporte tenha hoje Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo,­
CEDOC FPA/ Divulgação

cesso do programa – e da emissora – che- so público e deve fazer valer cada centavo”, tão pouco espaço, embora considere o Car- a Cultura reflete o problema da relação da
gou a incomodar as outras. “A partir dali, compara. Segundo ele, a ligação com o es- tão Verde e o Grandes Momentos do Esporte TV com o estado. Ele mesmo testemunhou,

regina de grammont
nunca foi feito mais nenhum investimento”, tado nunca causou restrição. “Agora, te- bons programas. como secretário estadual (de Ciência e Tec-
lamenta Mamberti, o doutor Victor do Rá- nho até mais liberdade, um campo vasto de Hoje diretor da ESPN Brasil, José Traja- nologia, no governo Orestes Quércia, 1987-
-Tim-Bum, que mesmo anos depois chegou trabalho. A TV já era veloz, agora está com no lembra de ter trabalhado em “uma época 1990), “hostilidade” de secretários pelo fato
a dar autógrafos até “para os indiozinhos do velocidade supersônica. O processo técni- forte” da Cultura. “Foi uma administração de a Cultura “escapar ao controle”, já que na
Xingu”, que reconheciam seu personagem. (Roberto Muylaert) que gostava de esporte, visão de alguns a emissora deveria servir
O início de Mamberti na Cultura foi no do jornalismo, as coisas aconteciam. Cada mais aos propósitos do governo. “É preciso
primeiro ano da emissora, em 1969, com os editoria tinha um programa ou dois que se ter muito espírito público para saber que a
teleteatros – adaptações de peças para a tele- destacavam. Lamento ver de longe muita TV não deve servir a este ou àquele governo”,

sophia stephanie/arquivo pessoal/ e alfredo nagib filho/cedoc fpa/ diculgação


visão, com direção de nomes como Antônio coisa que vem acontecendo, apenas notícias diz Belluzzo, integrante do conselho curador
Abujamra, Ademar Guerra, Antunes Filho e que não são boas.” As mudanças de admi- da fundação. Para Belluzzo, a audiência não
Sérgio Britto. “Foi um oásis para quem fazia nistração, avalia Trajano, afetaram a Cultura, é o quesito mais importante, como pensam
teatro”, lembra o ator, que fez também Curu- mas outros fatores contribuíram para o en- alguns integrantes do conselho. “Uma emis-
mim, pioneiro da programação infantil, di- fraquecimento. “O surgimento da TV a cabo sora pública deve ter uma informação mais
rigido por Abujamra – hoje estrela do pro- prejudicou mais a Cultura do que as outras”, analítica e muito mais debate”, defende.
grama de entrevistas Provocações. diz o jornalista, lembrando que a emissora Falta, talvez, uma dose de ousadia, como
Para Mamberti, a TV Cultura criou um ocorreu com o programa que Tadeu pilo-
vínculo com a sociedade. “Sempre conside- tava no início dos anos 1980 e abria espa-
rou a questão da formação e da cidadania de ço para talentos desconhecidos da música,
forma muito criativa. Existia sempre a difi- como Titãs, Ultraje a Rigor, Paralamas, Ba-
culdade, mas havia um reconhecimento de rão Vermelho, Ira!. “Foi um programa feito
sua importância.” Por isso, ele considera no com emoção, coração, garra, coragem. Bus-
mínimo “equívoco” um secretário de esta- cávamos a potência contida na música e na
do criticar a falta de audiência da TV públi- expressão de um público de auditório livre.
ca em vez de zelar pela qualidade. Mamber- Essa liberdade é uma das coisas que o públi-
augusto coelho

ti vê na Cultura diversos subprodutos com co mais sente falta. Não advogo isso como
potencial para dar retorno ao canal, como único caminho, mas sei que este funciona”,
a produção de cadernos, livros e peças que diz o apresentador do Fábrica do Som.
Fábrica do Som No ar de 1982 a 1984, no recém-inaugurado teatro do Sesc Pompeia,
poderiam ser montadas, mas entende que as forças ocultas Priolli deverá deixar a emissora já no final do ano: “Naturalmente, as levou ao público bandas iniciantes. Tadeu Jungle foi seu apresentador: “A Cultura precisa Leia entrevista com João Sayad no
“galinhas dos ovos de ouro são ignoradas”. organizações públicas estão sujeitas a circunstâncias políticas e tensões diferentes” se radicalizar, buscar raízes e antenas no mundo do século 21” www.redebrasilatual.com.br

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cultura
nário do rap nacional. Sua primeira músi- o novo seja uma evolução, uma caminhada,
Raiz ca foi lançada na coletânea Som das Ruas, até ser uma ruptura. Quero me emocionar
“Na periferia,
na origem
de 1988, mesmo ano em que saiu o álbum mais com uma nova geração. Eu me divirto
do hip hop, é Hip Hop – Cultura de Rua, com músicas de muito, mas quero chorar também.”
onde temos
de estar com Com pelo menos Thaíde e Dj Hum, Código 13 e outros. “A
gente fazia rap naquele tempo pra dançar.
Para Thaíde, escola é tudo o que ensi-
na. “Velha ou nova cada escola marca um
o amálgama
preparado. três décadas de Foi depois que o rap pegou sua caminhada período­, e cada um tem sua importância”,
Nós somos de revolucionar, fazer as cobranças, defen- acredita. Mas admite: “Antigamente havia a
música para
transformar a
presença no cenário der o povo...”, diz Naldinho, que na época necessidade de se informar, passar as ideias
sociedade, a
comunidade”,
musical, o rap ainda era NdeeRap. “Não tinha nenhuma
outra música no país que tivesse essa postu-
para frente por meio das nossas músicas, e
isso ficou em segundo plano, infelizmente”.
diz GOG,
rapper de
refletiu a evolução ra, mas isso não quer dizer que a gente não Max B.O., apresentador do Manos e Mi-
Brasília do pensamento possa falar de amor, de alegria.”
Edi Rock, do Racionais MC’s, lembra:
nas, não vê somente uma velha e uma nova
geração. “A gente deveria aproveitar melhor
social brasileiro “Só depois foi que o rap ficou mais sério, só- as diferenças de idade e ideias.” Max ganhou
cio-político. Foi uma fase de mudança mui- destaque com suas rimas no freestyle e co-
e hoje rediscute to importante. Autoafirmação, negritude, meçou a atuar profissionalmente em 1999.
seus caminhos liberdade de expressão...”. Ele tinha apenas Não acha que suas letras são um protesto
19 anos em 1989, quando, junto com Mano veemente como outras. “Mas também não
Por Nina Fideles Brown, KL Jay e Ice Blue, formava um dos faço ninguém se passar por trouxa. Acre-

As
grupos de maior referência do Brasil. dito que tem muita coisa vazia circulando
por aí.”
De lá pra cá O desenvolvimento da tecnologia e sua
Racionais MC’s, Thaíde e Dj Hum, Ndee apropriação é um dos fatores que influen-

muitas
Naldinho, Os Metralhas, GOG e tantos ou- ciou na atualidade do rap. O acesso a fer-
tros grupos influenciaram uma nova gera- ramentas de produção e aos meios de di-
ção na década de 1990, quando o rap nacio- vulgação como sites, blogs e redes sociais
nal se fortaleceu. E ainda hoje novos nomes ampliaram o campo de atuação e ajudaram

rimas
ganham destaque e dão sequência a essa no gargalo da distribuição. Hoje é muito co-
história. Considerando o rap uma cultura mum o lançamento das mixtapes, vendidas
relativamente jovem, o velho terá sido su- de mão em mão em shows e eventos por
perado? Para GOG, 45 anos, a evolução de preços mais acessíveis. Leandro Roque de

do
uma geração não está na mudança do tema, Oliveira, o Emicida, 25 anos, vendeu mais

hip
e sim na superação deles. E eles não foram de 10 mil cópias de sua mixtape de estreia

paulo pepe
superados. “Acredito nessa leitura para que no ano passado.

C
om as mudanças na TV Cul- programas de TV, muita coisa aconteceu. ley... Como fala o Edi Rock, ‘a música negra
tura, o programa semanal Ma- Mas datar historicamente o início do rap é uma grande árvore com várias raízes’. En-
nos e Minas, voltado para a no Brasil é tarefa imprecisa. Cada região tão, se nasce da mesma raiz e tá no mesmo pé,
cultura hip hop, foi cancelado tem seus protagonistas. Antes de se defi- é parte do mesmo corpo, da mesma árvore.”
no início de agosto, junto com nir como hip hop brasileiro, as tendências No início, as referências eram todas inter-
outros da grade da programação. A medida do rap norte-americano influenciavam al- nacionais e falava-se de festas, mulheres,
provocou uma reação em massa de pessoas guns artistas. Por exemplo, o apresentador diversão. Algumas músicas já abordavam

hop
envolvidas com o movimento e apoiadores de TV Carlos Miele gravou em 1979 o Melô temas sociais, como o Rap da Abolição, do
por meio de blogs e redes sociais, audiên- do Tagarela, sampleando a música Rapper’s grupo Os Metralhas, de 1988. Mas foi so-
cias e atos político-culturais. A direção da Delight, do Sugarhill Gang. E a música de mente mais tarde que o rap foi fortemen-
emissora acabou recuando, e o programa Jair Rodrigues, Deixa isso prá lá, de 1964, te caracterizado como música de protesto.
reestreia em outubro. já não tem uma pegada assim, meio rap? Pepeu e MC Mike, que gravaram o rap
As mudanças no mercado e no mundo Para o brasiliense GOG (de Genival Oli- Bastião, em 1986, Dj Ninja e MC Jack, Ge-
da música, e até mesmo a relação com a veira Gonçalves), mais importante que neral D., Black Juniors e outros grupos pas-
mídia, são temas recorrentes que sempre identificar uma data do nascimento do hip saram a agregar mais pessoas nos famosos
mexem no jeito de escrever, divulgar, pro- hop é ter a noção histórica de que essa cul- bailes organizados por equipes de som. Foi

rodrigo zanotto
duzir e pensar o rap nacional. Desde o tem- tura é uma evolução do pensamento social quando surgiu o rap Bastião, de NdeeNal- qualidade
po da São Bento, o largo que virou palco e da urbanidade da música. “Augusto dos dinho, hoje com 41 anos. Ele se identifi- Ex-integrante do grupo Inquérito, Nicole
acredita que rap independe de gênero. “Rap
do hip hop no centro da capital paulista, Anjos, muito antes da gente, já escrevia hip cou com a cultura e, ao gravar o Melô da feito por mulheres não perde em nada na
até a incursão em boates, casas de shows e hop. Solano e Raquel Trindade, Bob Mar- Lagartixa, inseriu-se no processo embrio- qualidade musical nem nas ideias”

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O mercado fonográfico também mudou. alguém­ter colocado o título gospel em nos- ração está preocupada em fazer isso. O rap
Em todos os estilos musicais, caem as ven- so grupo fez com que algumas portas se fe- vai ser mais um gênero musical como outro
das e multiplicam-se os downloads. An- chassem, mas nunca gostamos de usar esse qualquer, sem diferença nenhuma”, declara.
tigamente, os grupos apostavam alto. Os rótulo. Quando levamos uma música numa Durante todos estes anos, os Racionais
Racionais MC’s, com o Sobrevivendo no rádio secular, dizem que nosso som é gos- MC’s e outros negaram inúmeros convites
Inferno, de 1998, ultrapassaram um mi- pel; quando levamos numa rádio gospel di- da grande mídia. Para Edi Rock, ver o gru-
lhão de cópias vendidas, marca ainda in- zem que é muito rap. Vai entender”, ironiza. po na TV vai depender muito do formato:
superável no rap nacional. De Menos Cri- “Eu não consigo ver o grupo na televisão,

divulgação
me, com São Mateus para a Vida, de 1999, Reflexão e ação a não ser em programas que tenham a ver
vendeu 150 mil cópias. NdeeNaldinho, com Nos últimos anos, o público das perife- com a nossa cara”, afirma.
O Apocalipse, de 1999, mais de 100 mil. rias brasileiras, em um primeiro momento Mas muitos rappers conheceram de per-
Protesto Rúbia: “Rap é manifesto. Pode
“Além de mudar as técnicas de produção, fiel ao rap nacional, tem curtido muito o abordar, sim, várias coisas, mas não pode to essa mídia como Rappin’ Hood, Thaíde,
50% dos militantes mudaram seus ideais e funk. Essa perda de espaço tem gerado re- perder o tom da reivindicação” Xis, KL Jay, RZO. Hoje, por exemplo, o ca-
mudaram também os ativistas. Antes, o me- flexões sobre a atuação do estilo. “Quando rioca MV Bill tem papel em Malhação, e
nino tinha 17 anos, hoje tem 35 e uma famí- as portas começavam a se abrir, o rap falou lítica, mesmo que alguns tenham atingido conta que sempre respeitou os grupos que
lia pra sustentar. A dificuldade pra se manter ‘lá eu não vou, isso a gente não faz, lá a gen- para si um nível de organização pessoal. foram avessos à mídia, mas optou por ou-
financeiramente faz com que [o rap] seja pra te não pode’. Se fechou em muitos lugares, “Eu não consigo bater no peito e dizer que tro caminho. “Apesar de ter estagnado um
poucos...”, analisa Cléber, do grupo Ao Cubo. mas ainda assim conquistou muita gente e a cultura está muito bem, porque mais uma pouco, o hip hop me fez gostar de comuni-
O conteúdo das músicas não transfor- cumpriu um papel”, avalia Naldinho. geração envelhece e não conseguiu ter uma cação, e o meu parceiro Celso Athayde me
mou apenas as letras das novas gerações. Marco Antônio, o Markão II, 38 anos, é estrutura de rádios, lojas, casas de shows, ensinou a utilizar a mídia a nosso favor e,
Para Edi Rock, hoje o rap está “mais livre” membro do grupo DMN, e segundo ele o revistas. Isso é sinal que a gente falhou em quando possível, intervir nesta realidade”.
e ele gosta assim. Mas admite que muitos hip hop não construiu uma estrutura po- algum momento, e não acho que a nova ge- Thaíde também “não teve medo de fazer”,
rappers, ao enxergar os Racionais como lí- como ele diz, e após deixar a apresentação
deres e não músicos, pegaram somente a do Manos e Minas se integrou à equipe do
parte política e exageraram nisso. “Hoje te- programa A Liga, da Bandeirantes. “A gen-
mos caras novos, com formas e visões dife- te ensinou muita coisa, mas não ensinamos
rentes e isso é bom. É tempo de mudança! ninguém a lidar com a TV, com os rádios, a
E acho que para melhor, senão teria sido se profissionalizar, a ser artista. E isso tam-
tudo em vão.” bém é importante”, opina.
O rapper Crônica Mendes, do grupo A Fa- Por ter um discurso político e reivindica-
mília, faz uma avaliação semelhante. “É im- tório, o rap quase que naturalmente se afas-
portante manter nosso público-alvo, e con- tou da grande mídia e se aproximou da vida
quistar outro público também, pois dentro e política, via partidos e movimentos sociais.

ricardo carpin
fora das periferias tem muita gente que com- Vários envolvidos com a cultura já se can-
pactua com a mesma ideia”, defende. didataram ou assessoram e apoiam publi-
Para MV Bill, que organiza com a Cen- camente candidatos. Erlei Melo, 36 anos,
tral Única das Favelas (Cufa) o Festival Rap Fôlego novo Edi Rock, dos Racionais MC’s, afirma que hoje o rap tem diversas formas: rapper do grupo Face da Morte, conhecido
Popular Brasileiro (RPB), a mutação é cons- “Isso é bom. É tempo de mudança! Acho que para melhor, senão teria sido tudo em vão” como Aliado G, disputou vaga de deputado
tante. “Tá sempre aparecendo coisa nova. estadual pelo PC do B, em São Paulo. “So-
Boas e ruins. O festival ajuda a revelar novos sim, várias coisas, mas não pode perder o rap e dizer que é nordestino. “É preciso in- mos muitos e muito fortes. Acredito que en-
nomes e novas ideias, e a trazer um frescor à tom da reivindicação e ultimamente mui- corporar musicalidade, adaptar à técnica tre nós podem existir médicos, engenheiros,
cena.” Seguindo a analogia da árvore como tos não têm essa preocupação.” Em sua opi- da rima, se não fica muito estereotipado, advogados e lideranças políticas. O que te-
a música negra, eternizada na música de nião, alguns mais novos não conhecem e só para demarcar. Muito sotaque, estética, mos de diferente da elite são as oportuni-
Edi Rock, GOG observa que hoje a árvore não se preocupam com o que foi feito an- mas pouca essência e prática do que o con- dades”, diz.
cresceu e continuará crescendo. “Alguns ga- tes deles e alguns mais velhos não aceitam teúdo quer passar”, explica. Aliado G criou o Face da Morte em
lhos, em alguns períodos, vão crescer mais e certas coisas novas. O também cearense Francisco Igor Al- 1995, em Hortolândia, no interior paulis-
vão pensar que estão fazendo sombra para Nicole, 26 anos, é ex-integrante do grupo meida dos Santos, o Rapadura, 26 anos, diz ta, e como selo lançou discos do GOG, Re-
as outras pessoas. Mas todos os galhos são Inquérito. Ela segue com a produção de suas que seria um avanço se cada estado tivesse o alidade Cruel e Clã Nordestino. “Indepen-
importantes.” músicas e participa de outros grupos. Sobre a rap com sua raiz e sotaque: “Consigo alcan- dentemente da vontade de A ou B, a arte
condição feminina, acredita que rap é rap, seja çar outros meios artísticos e outros públi- transforma ou conserva a sociedade. A
Particularidades no todo ele feito por mulher ou por homem. “Acho cos por fazer ‘rap com ritmos nordestinos’. nossa transforma”, sintetiza. GOG concor-
Rúbia Fraga, 42 anos, se desafiou a ras- que rap feito por mulheres não perde em nada Só assim aprenderíamos a nos respeitar e da. “Lá em nossa base, na periferia, na ori-

Rodrigo Queiroz
cunhar suas primeiras letras em 1992 e for- na qualidade musical nem nas ideias, e é im- nos entender melhor”. gem do hip hop, é onde temos de estar com
mou o grupo RPW. Para ela, fazer rap hoje portante que se mantenha assim.” O mercado do chamado rap gospel tam- o amálgama preparado. Nós somos música
é mais fácil e isso fez com que os grupos se Em Fortaleza, Preto Zezé, 34 anos, do bém tem público. Diversos grupos transi- para transformar a sociedade, a comunida-
preocupassem menos com a escrita, com a grupo Comunidade da Rima, aponta que tam no cenário livremente, sem rótulos, respeito Para Rapadura, do Ceará, seria um avanço se cada estado tivesse o rap com de. Trabalhando contra nós mesmos, sem-
postura. “Rap é manifesto. Pode abordar, não basta colocar qualquer coisa com o como afirma Cléber: “O fato de um dia sua raiz e sotaque: “Só assim aprenderíamos a nos respeitar e nos entender melhor” pre sairemos derrotados.”

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viagem
bém fazem parte do cotidiano dos pome- anos, caçula de 12 irmãos, vive desde que seis ocasiões comemorativas. Uma delas é
rodenses. A iguaria chamada “cuca” é pre- nasceu na residência construída pelo pai a Festa do Colono que acontece sempre no
sença certa no café da manhã dos hotéis da em 1913. Na época em que casou preferiu segundo final de semana de julho. No sá-
cidade. Feita com manteiga, ovos, fermen- ficar com o imóvel a aceitar uma quantia de bado tem baile e no domingo, desfile dos
to e farinha de trigo, a guloseima pode ser dinheiro oferecida pelo pai: “Sempre gos- clubes da cidade. Nos dois dias de festa, faz-
doce ou salgada. Marreco recheado tam- tei muito dela, preferi continuar morando -se a colheita de frutas e verduras que ficam
bém não pode faltar no cardápio dos res- aqui”, diz. Da união com dona Rovena, 72 penduradas no salão e, ao final, são levadas
taurantes e nos almoços de família aos anos, nasceram cinco filhos. E novamente pelos participantes.
domingos. O fogão a lenha ainda é mui- essa herança ficará com o mais novo. Hoje, Para quem não vive na região e tem
to utilizado nas casas da região: “O gás é Rogério vive com os pais, a esposa e dois curiosidade de testar a pontaria, uma boa
caro e lenha a gente tem, por isso usamos filhos no imóvel que futuramente será dele. oportunidade é no mês de janeiro, na Fes-
mais esse fogão do que o moderno”, explica ta Pomerana. A comemoração surgiu em
a moradora Guerda Hornburg, de 66 anos. Tradição e tiros 1984 para celebrar a emancipação político-
É impossível caminhar pela cidade As missas, em português e alemão, pre- -administrativa de Pomerode, que ocorreu
sem perceber os detalhes que a carac- servam a religião evangélica luterana. Uma em 21 de janeiro de 1959. Até então, a re-
terizam como reduto germânico. Uma das mais antigas de Pomerode é a da Igreja gião era considerada distrito de Blumenau.
singularidade de Pomerode são as casas Testo Alto, construída em 1886. Como o ca- Durante dez dias de festa, há desfiles tí-
construídas­com a técnica denominada tolicismo era a religião oficial na época do picos pelas ruas centrais, quando rainhas e
de enxaimel, em que madeiras entrelaça- Império, apenas igrejas católicas podiam princesas que representam os clubes locais
das formam a estrutura da residência e os ter sinos e torres. Por isso, o instrumen- são saudadas pelo público. Não é raro ser
vãos são preen­chidos com tijolos. As edi- to só foi instalado no início do século 20. abordado por jovens, que oferecem copos
ficações estão presentes desde o início da “Os sinos são importados da Alemanha e de chope grátis durante os desfiles. Por fim,
colonização da área, em 1863. antigamente eram tocados uma hora antes todos se dirigem ao pavilhão de eventos,

A mais alemã do Brasil


É em Testo Alto que está a Rota do Enxai- de começar o culto para atrair as pessoas”,­ onde há shows, tiro ao alvo e comidas típi-
mel. Os 16 quilômetros de estrada têm uma conta Adalbert Riemer, presidente da co- cas. Nessa ocasião, a cidade recebe visitan-
grande variedade dessas casas. A mais an- munidade. tes que chegam de ônibus e lotam os hotéis.
tiga, tombada pelo Patrimônio Histórico, é Até o Cemitério Testo Alto II preserva a Todas essas tradições revelam o moti-

Em Pomerode, Rota do Enxaimel:


a colonização casas típicas alemãs
do século 19
germânica influencia
o cotidiano da cidade
até hoje
Por Selma Tronco

W fotos Prefeitura de pomerode/ divulgação


illkommen. A placa de
“bem-vindo” escrita em
alemão sinaliza a chega-
Festa Pomerana:
da a Pomerode, na região tradição mantida
centro-norte de Santa
Catarina, a 33 quilômetros de Blumenau e
a 165 da capital, Florianópolis. A partir da a Wachholz, de 1867, recentemente restau- tradição luterana de manter os túmulos po- vo de Pomerode ser considerada a cidade
chegada, é melhor se acostumar com o idio- rada e onde, desde o início do ano, funcio- sicionados de costas para a rua. “É por cau- mais alemã do Brasil. Até o nome é de-
ma dos primeiros habitantes, já que quase na uma pousada. A responsável pela casa sa do costume da religião de deixar os pés rivado de palavras estrangeiras: o radical
todos os 26 mil moradores falam ou têm é Ilse Lore, 62 anos, cujo marido, Ruthard dos mortos voltados para o sol nascente, Pommern e o verbo rodern, que significa
algum conhecimento da língua. não tem descendência alemã. transporte utilizado pela garotada para se Wachholz, já falecido, era bisneto do pri- como se a pessoa estivesse olhando para o tirar os tocos, tornar a terra apta para o
O dialeto plattdüsch é ouvido nos pontos Lindorf Lemke, 74 anos, conta que ape- deslocar até o colégio é a bicicleta, princi- meiro imigrante que chegou a Pomerode. leste. Na hora de velar um corpo essa posi- cultivo. A denominação também se refere
de ônibus, padarias, em conversas entre pe- nas uma neta não domina o idioma: “A mãe palmente as crianças que moram em locais A maioria dessas construções antigas ção também deve ser mantida”, explica Adir à origem dos imigrantes vindos da Pome-
dreiros ou dentro da prefeitura. As crianças dela é do Paraná e não fala alemão, então mais afastados do centro. passa de geração para geração. Muitas ve- Siewert, secretário administrativo do local. rânia, região do norte da Alemanha. Es-
têm contato com o idioma desde peque- não conversam em casa, por isso ela não A quatro quilômetros da região central, o zes são herdadas pelo filho mais novo que, Pomerode tem ao todo 16 clubes de caça ses pioneiros que cruzaram o Atlântico
nas, pois antes de ir para a escola aprendem fala”. Nesses casos, o conhecimento da lín- bairro de Testo Alto conserva uma atmos- quando casa, leva a esposa para morar no e tiro, que promovem eventos durante o ano trouxeram como legado uma cultura que
em casa a língua dos antepassados. Tradi- gua ocorre na própria escola, pois todas fera calma em meio às montanhas. imóvel com os sogros. E assim por diante. inteiro. No XV de Novembro, fundado em já perpassa séculos e não mostra sinais de
ção que só é quebrada quando um dos pais têm aulas de alemão na grade. O meio de As comidas de origem germânica tam- É o caso da família Siewert. Wendelin, 75 1966 por Augusto Lindemann, 89 anos, há esmorecimento.

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CurtaEssaDica Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Paisagens distintas
marcam as cenas de
Mama África
Miró em Brasília
A exposição Los 24
Escalones y Joan Miró,
no Museu Nacional
do Conjunto Cultu-
ral da República – no
Eixo Monumental de
Brasília –, promove a
relação entre a obra
do catalão e cinco jo-
vens artistas espanhóis
contemporâneos. Pin- Proyecto del pavimento de cerámica

África muito além dos estereótipos


del Pla de l’Os, Barcelona, 1976
turas, litografias, es-
cultura, filme e livro de Miró dividirão espaço com peças
de Abigail Lazkoz, Diana Larrea, Javier Arce, Juan López e
A África é muito mais que um Moreira um estereótipo de que é um continente das Raúl Belichón, que tiveram acesso privilegiado aos diferen-
Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

continente devastado pela fome, pela Chonguiça trevas”. E não é. tes espaços da Fundação Miró de Barcelona e à biblioteca
pobreza e pela aids. É o que mostra o O diretor Alê Braga viajou por meses do artista para realizar obras de diferentes linguagens.
documentário Mama África – O Cotidiano para mostrá-lo sob outra ótica, mais Mulher, De terça a domingo, das 9h às 18h30. Tel. (61) 3325-5220.
de um Continente pelos Olhos de Seus humana. A frase da escritora nigeriana 1969 Grátis. Até 25 de novembro.
Filhos, lançado no Festival Internacional de Chimamanda Adichie daria uma boa
Cinema do Rio de Janeiro, realizado entre sinopse do filme: “O problema com
o final de setembro e o começo de outubro. estereótipos não é que eles sejam
Produzido pela Cine Internacional, braço
africano da produtora brasileira Cinevideo, o filme mostra os
mentira e, sim, que eles são incompletos.
Eles fazem com que uma história se torne a única história”.
Em busca da felicidade Pin.Up nº 148,
quadro de Anton Henning
filhos de dez países, moradores de pequenas e grandes cidades O personagem principal do documentário é o saxofonista A russa Sophia Kovalevsky foi jornalis-
em Moçambique, Tanzânia, África do Sul, Senegal, Malawi, moçambicano Moreira Chonguiça. Mama África, que ta e romancista, mas destacou-se mes-
Marrocos, Suazilândia, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Gana. também foi selecionado no festival argentino DocMeeting e mo pela genialidade e pioneirismo na
Acima de tudo, expõe muita beleza, contrastante com a imagem no Festival de Cinema Brasileiro no Canadá, deve ser exibido matemática. Na segunda metade do
que geralmente se tem do continente. Um dos entrevistados diz: parcial ou integralmente no site da produtora: século 19, foi uma das primeiras mu-
“É verdade que a maioria das pessoas que não são da África tem www.cinevideoproducoes.com.br. lheres admitidas como professora uni-
versitária em Estocolmo (Suécia). Os
dias que antecedem sua morte são tema

Loucos
do conto que dá nome ao livro Felicida-
Pierre-Luc Brillant de Demais, da canadense Alice Munro, lançado pela Compa-
e Marc-André

de amor
nhia das Letras. São histórias de mulheres diante de aconteci-
Grondin
mentos (muitas vezes trágicos) que mudaram o rumo de suas
vidas. Tudo narrado com extrema delicadeza. R$ 50.
Zac (Marc-André Grondin) nasceu num
dia de Natal considerado clinicamente
morto. Sua mãe, católica fervorosa, jura
que isso lhe deu o dom de curar as pessoas
Relato de um pai Alemanha em São Paulo
só de pensar nelas. C.R.A.Z.Y. – Loucos Marcelo Nadur resolveu declarar seu
de Amor, de Jean-Marc Vallée, conta a amor pelo filho Rafael escrevendo um li- O Museu de Arte de São Paulo reúne pinturas produzidas nas
história de dois amores: o de um pai por vro: Síndrome de Down – Relato de um duas últimas décadas na Alemanha pós-Muro. A mostra Neste
seus filhos e o de um filho pelo pai. O Pai Apaixonado. A obra, lançada pela Edi- Tempo – Pintura Alemã Contemporânea: 1989-2010 tem 83 obras
garoto é completamente diferente dos tora Gaia, foge das explicações científicas de 26 artistas que nasceram e cresceram sob as mudanças de um
outros irmãos, mas para agradar Gervais e técnicas sobre a SD. O autor é professor país dividido. São vários estilos e movimentos de artistas consa-
(Michel Côté), renega ao máximo de educação física, e não médico. Trata-se grados, como Gerhard Richter e A.R.Penck, e também de jovens
sua homossexualidade. Trata sobre a de uma lição de dedicação e amor incon- talentos, como Johathan Meese, Tim Eitel, Albert Oelen e Kathe-
importância de aceitar as diferenças antes dicional na qual Marcelo transmite sua rina Grosse. Na Galeria Clemente de Faria, subsolo do Masp, de
que seja tarde. Bom enredo, com reforço experiência como pai de uma criança es- terça a domingo e feriados das 11h às 18h; às quintas, das 11h às
de uma trilha sonora cheia de David pecial e mostra como é possível superar preconceitos e ser feliz. 20h. R$ 15 e R$ 7. Grátis às terças. Até 9 de janeiro de 2011.
Bowie. Em DVD. Mesmo porque todos somos diferentes. R$ 27.

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Crônica Por Mouzar Benedito

Ventania!
Mimoso!
Guaçuí!
Q
ue nome você gostaria que sua cida- Pinhal virou Espírito Santo do Pinhal. Em Goiás, a
de tivesse? Ventania ou Alpinópolis? segunda cidade fundada no estado chamava-se Meia
Mimoso­ou Luís Eduardo Magalhães? Ponte, porque uma enchente levou a outra metade. Al-
Pergunto porque há uma cultura que guém comparou a serra de lá com os Pirineus e botou-
acho besta de querer mudar o nome de -lhe o nome feioso de Pirenópolis.
cidades, de ruas ou aeroportos para agradar aos po- E tem o caso dos preconceitos. No Rio Grande do
derosos da política local. É o caso de Luís Eduardo Sul, na época da ditadura, Não Me Toques teve seu
Magalhães. A cidade de Mimoso, no oeste da Bahia, nome mudado para Campo Florido, por imposição de
mudou de nome para homenagear o filho do todo- um prefeito. A população chiou. Caminhoneiros con- Ligue agora e veja
-poderoso ACM logo depois que ele morreu. Inde- tavam que em todo lugar que paravam, alguém via a
pendentemente das qualidades ou defeitos do home- placa do caminhão e vinha brincar com o nome Não a disponibilidade no seu estado
0800 570 0800
nageado, isso lá é nome de cidade? E quem nasce lá, Me Toques, e tornavam-se amigos. Fez-se um plebis-
o que é? Luiseduardo­magalhãesense? cito, e a cidade voltou ao nome tradicional.
Mas os seguidores de ACM não se contentaram em No Espírito Santo tem uma história interessante. É mais que consultoria.
dar o nome de seu filho a uma cidade. Mudaram o Um distrito da cidade de Alegre emancipou-se em
É mais que curso.
tradicionalíssimo nome do Aeroporto 2 de Julho para 1928 e ganhou o nome de Veado, nome de um rio
Aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Em 2 de julho que passa por lá. Logo depois, veado virou sinônimo
É Sebrae Mais.
comemora-se a “independência da Bahia”, lembran- de homossexual, e havia muito preconceito contra a
do que nessa data, em 1823, os baianos impuseram a homossexualidade. Em 1931, uma comissão de mo- de 2 anos
derrota final no estado aos portugueses, que não acei- radores foi ao IBGE, argumentou e conseguiu mudar Se a sua empresa tem
de 9 funcionários
tavam a independência do Brasil. o nome da cidade para Siqueira Campos, em home-
São muitos os lugares que mudaram de nome para nagem a um herói das revoltas tenentistas da década www.sebrae.com.br
Estas soluções são para você:
agradar políticos. Geralmente a mudança é para pior. de 1920, que morreu em 1930, num desastre de avião.
No estado de São Paulo, por exemplo, tem Borboleta, Só que naquela época não havia o CEP, o código de
que mudou de nome para Bady Bassit. Não sei quem endereçamento postal. Para facilitar o trabalho dos
era Bady Bassit, mas eu preferiria muito mais morar correios, quem mandava cartas para lá dava a indica- Estratégias Empresariais Gestão da Inovação
num lugar chamado Borboleta do que em Bady Bassit. ção no envelope: Siqueira Campos (ex-Veado). Aí a Você será capaz de fazer uma análise completa do seu Descubra que inovação não é só tecnologia.
Minha cidade mesmo mudou de nome várias vezes. coisa complicou, a família do homenageado não que- ambiente empresarial, identificando pontos fortes e fracos, E, sim, uma nova forma de pensar e gerir
Já se chamou Santa Rita Velha e Santa Rita dos Cafés. ria saber disso. redefinindo missões e metas corporativas. Também irá o negócio: fazendo diferente.
Promovida a município, virou Vila Nova de Resende – Novamente resolveram mudar o nome da cidade, e elaborar e implementar um plano de ação estratégica.
sobrenome da família mais influente na política local em 1943 uma comissão foi procurar o apoio do mi-
na época – e finalmente Nova Resende. Vila Nova de nistro da Educação e Cultura, Gustavo Capanema,
Mouzar Benedito, Resende até que é um nome sonoro, bonito. Sem o para ajudar os trâmites da mudança de nome. Conta- Empretec Gestão Financeira
mineiro de Um seminário desenvolvido pela ONU que lhe motiva a promover Compreenda todas as informações financeiras da sua
Nova Resende, “Vila”, perdeu o charme. ram a história e ele concordou. Perguntou qual seria
é jornalista e Alguns outros lugares mudaram de nome não para a nova denominação. Guaçuí, informaram. E ele deu mudanças no seu comportamento, aperfeiçoando suas habilidades empresa e transforme-as em ferramentas para decisões
geógrafo. homenagear alguém, mas por outras bobagens. E pio- uma bela risada. de negociação e gestão, proporcionando maior segurança nas seguras e eficientes. Método prático: você aprende
Publicou vários decisões e aumentando a chance de sucesso da sua empresa. enquanto aplica o conteúdo na empresa.
livros, entre eles raram bastante. Em Minas, Ventania (que beleza!), vi- Muito culto, Capanema sabia um pouco de tupi. E
o Anuário do rou Alpinópolis, sem graça. Barro Preto virou Con- explicou: a palavra guaçuí significa rio do veado. Não
Saci, ilustrado ceição da Aparecida. Tuiuti virou Jureia. Cavaco virou se importaram. Guaçuí é o nome até hoje, sem pre-
por Ohi
Divino Espírito Santo (!!!). No estado de São Paulo, conceitos. Dizem que é uma bela cidade.
Internacionalização Encontros Empresariais
Prepare sua empresa para conquistar o mercado Aprenda com a experiência de empresários do seu ou
global, tornando seu produto ou serviço mais de outros setores. Compartilhe soluções já testadas e
50 REVISTA DO BRASIL outubro 2010
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5 de outubro – Dia da Micro e Pequena Empresa.


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Ouvidoria BB 0800 729 5678 – Deficiente Auditivo ou de Fala 0800 729 0088

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