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A evolução que nos trouxe das cavernas para o mundo conectado pela internet foi
uma sequência de eventos complexos. Envolveram um concerto de novas
tecnologias e ideias. É possível apontar, em cada uma delas, uma inovação
decisiva que, como uma chave, abriu um universo de possibilidades. Foi assim
com o arado, que aumentou a produção agrícola, gerou excedentes e permitiu a
criação de Estados e impérios. Ou com a caravela, que uniu continentes, abriu
caminho para o imperialismo intercontinental e o comércio global. Com a
máquina a vapor, que forneceu energia para a Revolução Industrial e a produção
em massa. Ou, recentemente, com o chip de silício, que permitiu a criação de
computadores, de celulares, da internet e da vida digital. Agora estamos às
vésperas de uma nova revolução. Sua chave são as máquinas capazes de
imprimir em três dimensões, as impressoras 3D.
>> As profissões condenadas a desaparecer – e as que resistirão às novas
tecnologias
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>> A redenção do plágio
Claro que isso tudo ainda não chegou às ruas e aos shoppings. Mas já está em
gestação. Para imaginarmos o que vem por aí e nos prepararmos, é importante
acompanhar de perto quem está na vanguarda dessa revolução. É um grupo de
gente criativa, empreendedora e organizada. Compõem o que chamam de
movimento maker. Ele ganhou força nos Estados Unidos nos últimos dois anos e
começa a fisgar adeptos no Brasil. Como qualquer outro movimento, o Maker é
um fenômeno popular; uma ação organizada de um grupo de pessoas que seguem
ideologias e filosofias afins. O fio condutor das ideias dos makers é: fabrique
você mesmo, não compre produtos ou serviços pré-moldados por grandes
fabricantes e indústrias. “O movimento reúne pessoas apaixonadas, artesãos,
designers, inventores de qualquer coisa, empreendedores que perseguem o
aprendizado, a criatividade e o compartilhamento”, diz a revista Make:,
publicação criada em 2005 para divulgar os feitos dos participantes do
movimento. Acima de tudo, os promotores do movimento acreditam que
qualquer um pode se tornar um maker. “Todos nascemos inventores”, afirma o
americano Dale Dougherty, fundador da Make:.
>> Peggy Johnson: “Um smartphone é uma sala de aula sem paredes”
CÉLULAS DA REVOLUÇÃO
Alguns revolucionários brasileiros disseminam por aqui a ideia de Dougherty, da
revista Make: qualquer um pode fabricar alguma coisa. Há duas frentes nesse
sentido. A primeira, conhecida como espaços makers, são salas ou galpões
equipados com computadores e máquinas em que qualquer um pode desenhar,
programar e produzir quase tudo o que quiser. Em alguns deles, paga-se uma taxa
pelo uso. “São lugares onde as pessoas trazem, compartilham e materializam suas
ideias”, afirma Heloísa Neves, diretora da Fab Lab Brasil, ligada à rede
internacional desses laboratórios de fabricação, também chamados de “fab labs”.
Nada muito diferente dos clubes de entusiastas digitais que movimentaram os
primórdios da computação pessoal e reuniam aqueles que se autointitulavam
“hackers”. O berço acadêmico dos “fab labs” é o mesmo dos “hackers”: o
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde a década de 1990, o MIT
estuda a relação entre átomos e bits. Seus laboratórios, criados antes mesmo da
onda maker, atendem perfeitamente aos princípios de criatividade,
compartilhamento e execução de ideias dos makers. Há mais de 200 “fab labs”
espalhados pelo mundo – dois deles em São Paulo. “Nossa missão é, além de dar
acesso aos equipamentos, disseminar a filosofia dessa nova maneira de aprender
e produzir”, diz Heloísa, também sócia do Garagem Fab Lab.
Outro espaço maker deverá chegar ao Brasil até o final do ano, a TechShop. Com
oito unidades nos Estados Unidos, deverá abrir em breve sua primeira na Europa,
na Alemanha. A TechShop vai além da parafernália tecnológica. Fundada em
2005, é uma grande estação de trabalho, em que se paga uma mensalidade para
usar computadores, impressoras e scanners 3D, cortadoras a laser e outros
equipamentos para criar seus protótipos. Também é um centro de ensino, com
pessoal treinado para ajudar o cidadão comum a usar o que há ali. O espaço
criativo é aproveitado por grandes empresas, que mandam seu pessoal de
desenvolvimento de produtos e inovação para fazer cursos lá.
“O brasileiro não tem o hábito dos trabalhos manuais, mas tem criatividade”, diz
o engenheiro paulista José Michel. Ele trará a franquia para o Brasil. “A
TechShop terá aqui um trabalho forte de educação dos usuários.” Formado em
engenharia civil, Michel preferiu, em vez de construir viadutos, trabalhar com
design de produtos. Nos últimos cinco anos, depois de vender seu negócio,
começou a investir num novo tipo de marcenaria. Ao lado das serras tradicionais,
trabalha com uma máquina que esculpe madeira em 3D. Dali, saiu sua última
criação, um motor de uma moto, que deu de presente a um amigo. Michel produz
outros mimos para dar aos outros ou para uso próprio. Como guitarras. Ou o
pisca-pisca de sua moto italiana. O original quebrou, e ele teria de esperar meses,
além de pagar uma fortuna pela reposição da peça. Ele mesmo fabricou um novo.
(Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
EDUCAÇÃO REVOLUCIONÁRIA
A segunda frente de disseminação do “fabrique você mesmo” está dentro das
escolas. Alguns colégios particulares se apropriaram da filosofia maker para
ensinar de um jeito diferente em seus próprios “fab labs”. Os alunos do professor
Charles Esteves Lima, do Colégio Liessin, no Rio de Janeiro, ganharam uma
impressora 3D e uma máquina de soldagem para tocar projetos pessoais. Pode ser
qualquer coisa. Uma maquete com trens que se movimentam para um projeto da
aula de geografia. Ou um colete massageador. Ou uma bengala eletrônica de
baixo custo para cegos. “O principal é que fabriquem suas próprias ideias”, diz
Lima. No Colégio Bandeirantes, de São Paulo, a sala antes usada para aulas de
informática se transformou no Hub, nome do salão que pode ser usado por
qualquer professor, para qualquer projeto. Os antigos computadores deram lugar
a laptops em mesas móveis e a bancadas com materiais de costura, tintas,
madeira, papéis. “É um espaço colaborativo e criativo; um lugar para fazer
acontecer”, diz Cristiana Mattos, coordenadora de tecnologia do Bandeirantes. O
Hub, criado no início do ano, tem mais de 20 projetos em andamento. “Ele acaba
com a divisão artificial dos temas em disciplinas”, diz Leo Burd, pesquisador do
MIT e consultor do Bandeirantes. “Artes, ciências e engenharia se misturam no
Hub.”
Outro ponto é levantado pelos críticos dos “makers”: as fábricas não são o alvo
certo. As verdadeiras empresas dominantes de hoje são Facebook, Google,
Apple, Amazon e outras do tipo. Revolução mesmo, só quando alguém levantar
bandeira contra elas. Os “makers” rebatem os críticos com desdém. Dizem que
estão equivocados ao deixar de lado o principal: por ora, os “makers” querem,
antes de mais nada, se divertir.
(Fotos: divulgação)
https://epoca.globo.com/vida/vida-util/carreira/noticia/2014/04/bfabrique-voceb-
mesmo.html