EDUCAÇÃO
INCLUSIVA E ESPECIAL
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20 1.4 Uma Experiência De Pesquisa Sobre Inclusão Na Escola Regular – A Realidade Discursiva Dos Profissionais
24 1.5 Que Caminhos O Professor Deve Percorrer Para Ensinar E Aprender Na Diversidade?
SUMÁRIO
31 1.7 Quanto Vale A Contribuição Dos Pais No Processo De Inclusão?
33 1.8 Conto De Uma Experiência De Inclusão/Exclusão Escolar De Uma Pessoa Portadora De Deficiência Visual
52 5.8 Convenção dos direitos da pessoa com deficiência da ONU e seu protocolo facultativo – New York – 2007
Ao longo das últimas três décadas até tar chamar àqueles que se interessam em
os dias de hoje o tema inclusão escolar entender um pouco mais sobre a comple-
continua a ser amplamente discutido nos xidade do processo de inclusão escolar,
espaços educativos e entre as pessoas no sentido de indicar algumas questões
que direta ou indiretamente, se envolvem que possam favorecer um repensar sobre
com este processo na escola ou em diver- como desenvolver uma educação inclusi-
sos ambientes sociais, onde há interação va, de forma que a própria ação de refletir
de pessoas. Não se pode negar a polêmi- possa significar mudança.
ca que existe em torno das questões que
Para início da discussão destacou-se al-
se relacionam com a inclusão nas escolas
guns conceitos e ideias sobre a educação
regulares de alunos com deficiências ou
inclusiva. Educadores que se dedicaram à
diferenças individuais acentuadas.
pesquisa sobre essa temática tentaram
Para alguns professores, o cotidiano da contextualizar conceitos de um proces-
educação inclusiva é tão complexo que ele so inclusivo de educação que consideram
se torna difícil de enfrentar, ou até mes- pertinente ao direito de participação de
mo, impossível de acontecer algo de novo. todos no espaço escolar. Sobretudo, por
Ele se apresenta, às vezes, de forma tão meio de práticas e ações estruturadas
incerta, tão cheia de dúvidas que gera in- para atender com igualdade a todos. A
segurança e medo de enfrentar situações discussão de ambos educadores mostrou
inesperadas. Isso, porque dependendo da que para se efetivar a educação inclusiva
situação a ser encarada poderá represen- de fato, haverá a necessidade de trans-
tar uma ameaça a identidade do professor formações na estrutura e organização
como sujeito que ensina. do tempo e espaço escolar. Além disso, é
preciso haver formação permanente dos
Não há dúvida de que a atividade do-
profissionais que atuam diretamente com
cente não é simples, principalmente,
a diversidade sociocultural presente num
quando se lida com uma heterogeneidade
mesmo espaço educacional escolar.
de maior complexidade. A formação do-
cente oferecida nos moldes que se apre- Uma das tentativas de mudanças de
senta nas instituições de ensino superior, paradigma educacional ficou registrada
infelizmente, não favorece uma visão na substituição do termo integração para
dessa complexidade que há nas relações o termo inclusão. Mudanças de estruturas
socioculturais no espaço escolar. Com e paradigmas são muitas vezes, lentas e
isso, o profissional terá que adquirir ex- até dolorosas. Mudar tradições requer pa-
periências e aprender a lidar com todas as ciência, persistência e enfrentamento de
situações inesperadas a partir de uma for- resistências e limites. Infelizmente, não
mação continuada em serviço e por meio se pode afirmar, hoje, que a inclusão como
de estudos. processo de inserção total, se instalou de
fato nas escolas brasileiras e substituiu,
No decorrer desta reflexão vamos ten-
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para desenvolver uma educação que va- participam de reuniões, que se aliam à es-
lorize todos os alunos nas suas variadas cola nas suas dificuldades de lidar com as
habilidades e talentos. diferenças individuais estão favorecendo
o êxito da inclusão. Contudo, torna-se ne-
É válido ressaltar alguns caminhos que
cessário que a escola abra as portas para a
são fundamentais ao professor quando
família de forma a envolvê-la como força-
este pretende ensinar e aprender na di-
-tarefa nesse processo inclusivo de edu-
versidade. É preciso ter a coragem de mu-
cação.
dar o que já está pronto, alçar vôos mais
altos e vislumbrar novos caminhos quando Encerrando a presente discussão ficou
se pretende ensinar e aprender num pro- exposto o conto de uma história relatada
cesso de educação inclusiva. A tarefa de por uma pessoa portadora de deficiência
ensinar é complexa, pois motivar alguém visual que descreveu algumas de suas
a aprender depende de estratégias cria- experiências escolares, com o propósito
tivas para fazê-lo de forma eficaz. Assim, de contribuir para uma reflexão sobre as
todo esse processo educacional vai de- ações e atitudes dos profissionais que fi-
mandar do professor não só conhecimen- zeram parte do seu processo educativo. É
tos científicos, mas, também uma tomada importante observar na presente história
de atitude para mudar as velhas práticas, certa fragilidade dos professores para li-
tornando-as espaços de interação e de dar com as diferenças individuais. Pode-
respeito à cultura e ao conhecimento de -se analisar também, que algumas ações
todos. daquela realidade vivida, infelizmente,
podem ser associadas a alguns fatos da
A seguir, a preocupação ficou em tor-
realidade educacional do momento atual,
no da discussão de quais competências
configurando ações excludentes.
didáticas poderiam favorecer a educação
inclusiva. Ficou registrado que uma edu- Importa ressaltar que o quadro con-
cação inclusiva exige uma ação docente ceitual e teórico que fundamentou este
dinâmica e inovadora que vai requerer estudo não esgotou as ideias que se rela-
uma formação docente continuada em cionam com o tema educação inclusiva. É
serviço. Na versão inclusiva os docentes importante lembrar, como foi mencionado
se colocam como gestores da ação edu- neste texto, que é necessário e urgente
cativa, tomam decisões, e têm liderança que os profissionais da educação perce-
compartilhada nos diversos espaços das bam a importância da formação continua-
escolas. Neste sentido, o professor busca da em serviço. Pois esta é estratégia que
estratégias específicas de atendimento pode permitir a melhoria das ações educa-
educacional especializado para atender tivas, no cenário da educação inclusiva.
às necessidades de todos os alunos.
Portanto, a partir deste estudo, espe-
Ficou também registrada a importân- ra-se que haja uma leitura crítica com rela-
cia da parceria dos pais com a escola para ção ao processo de inclusão. Vale lembrar
favorecer uma melhor qualidade ao pro- que nunca se discutiu tanto, esse tema,
cesso de educação inclusiva. Os pais que como nos dias de hoje. E nessa perspec-
acompanham o trabalho da escola, que tiva, muitos são os desafios a enfrentar e
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fissional contínuo durante a vida profis- e isto requer mudança de antigos para
sional. novos paradigmas. E é a partir da compre-
ensão de inúmeros aspectos ligados aos
A ideia acima revela que o processo para
conceitos de igualdade e de diferença, é
uma educação inclusiva caminha como ex-
que se pode investir em seres humanos
pressão de luta para o alcance dos direitos
melhores e mais fraternos. E assim sen-
humanos, tendo, portanto, a necessidade
do, haverá significativa contribuição para
de amplas transformações.
profundas modificações na área educa-
Mantoan(2003), destaca que a educa- cional.
ção inclusiva implica em mudança de pa-
De acordo com Guimarães (2003), a in-
radigma educacional. É a nossa capacida-
clusão escolar que funciona se baseia na
de de entender e reconhecer o outro e,
ideia de que incluir é mais do que criar con-
assim, ter o privilégio de conviver e com-
dições para os deficientes, é um desafio
partilhar com pessoas diferentes de nós.
que implica em mudança da escola como
A educação inclusiva acolhe todas as pes-
um todo, partindo do projeto pedagógico,
soas, sem exceção. Esse processo prevê a
à postura do professor diante dos alunos.
inserção de todos os alunos de forma ra-
Na educação inclusiva não se espera que o
dical, completa e sistemática. A inclusão
aluno com deficiência se integre à escola,
escolar é produto de uma educação plural,
mas que esta se transforme de maneira a
democrática e transgressora que provoca
possibilitar a inserção total dele.
uma crise de identidade institucional, que
por sua vez, abala a identidade dos pro- Considerando a ideia acima, vale a pena
fessores, pois parte dos mesmos buscam chamar a atenção pelo fato de que a esco-
alunos de modelos ideais, permanentes e la precisa de transformação para receber
essenciais. qualquer tipo de aluno, mesmo aqueles
com deficiência. Valendo-se disso, uma
A ideia de aluno ideal pode nos levar
questão merece ser refletida: Há interes-
a refletir sobre a cultura da homogenei-
se e vontade política por parte de todos os
dade, muitas vezes, desejada por educa-
profissionais das escolas em mudar, radi-
dores que temem mudanças, utilizam de
calmente, atitudes, práticas e conceitos?
práticas imutáveis e rotineiras e desvalo-
rizam as diferenças individuais. Nas últimas décadas, o tema inclusão
tem sido palco de debate para educado-
O conceito de educação inclusiva nas
res, pais de alunos com deficiências e pes-
palavras de Ferreira e Guimarães (2003)
soas diretamente ligadas a instituições
se refere ao acesso à escola de todos os
que lutam pela inclusão e valorização das
alunos, indistintamente, independente-
pessoas que portam alguma deficiência
mente, do fato de apresentarem dificul-
ou dificuldades de aprendizagem. Pensar
dades e ou deficiências. Nesse modelo de
a educação numa lógica inclusiva é pensá-
educação é preciso criar alternativas téc-
-la em novas perspectivas educacionais,
nico-pedagógicas, psicopedagógicas e so-
é caminhar para a busca dos direitos, bem
ciais que possam contribuir para o proces-
como, levantar a bandeira da igualdade no
so de aprendizagem de todas as crianças,
cenário educativo.
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Para discutir com maior propriedade a colar regular e especial, em todos os tipos
educação inclusiva, consideramos neces- de atendimento, ou seja, classes especiais
sário refletir como esse processo surgiu e em escolas comuns, ensino itinerante,
como ele vem sendo analisado no cenário sala de recursos, classes hospitalares, en-
da educação escolar. sino domiciliar e outros.
ao processo. Além disso, essa nova visão Neste sentido, Mitler (2003) apud Morin
inclusiva de trabalho vai abalar a rotina (2000), que sugere com pertinência a se-
da massificação dos programas prontos e guinte ideia que poderia servir de relação
indiscutíveis e das classes especiais nas com essa transição de processos:
escolas que passarão a não existir mais.
Estamos numa época em que temos
Assim sendo, todas as turmas da es- um velho paradigma, um velho princí-
cola inclusiva se constituirão em espa- pio que nos obriga a disjuntar, a simpli-
ços da diversidade. Espaço para as trocas ficar, a reduzir, a formalizar sem poder
culturais, para o respeito à capacidade comunicar aquilo que está disjunto e
de cada aluno para aprender dentro do sem poder conceber os conjuntos ou
seu tempo. Tais afirmações podem gerar a complexidade do real. Estamos num
insegurança e até mesmo descrédito de período “entre dois mundos”: um que
alguns professores que não acreditam está prestes a morrer, mas que não
neste modelo de educação. morreu ainda, e outro, que quer nas-
A educação inclusiva vai, com certeza, cer, mas que não nasceu ainda. Es-
mexer com conceitos, paradigmas e cul- tamos numa grande confusão, num
turas cristalizadas de que não é possível desses períodos angustiantes, de
trabalhar na perspectiva da igualdade. nascimentos que se assemelham aos
Mitler (2003) apud Cláudia Werneck que períodos de agonia, de mortes.
salienta com propriedade a seguinte
contribuição “Traga dúvidas e incertezas, A atualidade da era do conhecimento,
doses de ansiedade, construa e descons- da globalização e da complexidade impri-
trua hipóteses, pois aí reside a base do me muitos desafios para a escola. Sem
pensamento científico do novo século . contar a questão da diversidade cultural
Um século cansado de verdades, mas se- que a cada dia evolui com as novas ideias,
dento de caminhos.” com as experiências e com as transforma-
ções que ocorrem na sociedade de manei-
Nessa reflexão presencia-se a emer- ra muito rápida. Toda essa mudança tende
gência de mudanças, de posturas cien- a provocar certa angústia nos professores
tíficas e complexas. O sujeito dessa so- que se sentem como se estivessem sem-
ciedade atual não pode mais conviver pre defasados diante da sala de aula.
com verdades prontas e incontestáveis.
É preciso caminhar para frente em busca Mantoan (2003) apud Mitler (2000),
de novas ideias e resolução para os pro- salienta que os professores do ensino
blemas que afligem. regular se consideram despreparados e
incompetentes para lidar com as diferen-
A realidade atual requer mudança de ças nas salas de aula, especialmente, ao
antigos para novos paradigmas. A tran- atendimento de alunos com deficiência,
sição do processo de integração e inclu- pois seus colegas especializados sempre
são passa por momentos de desafios, se distinguiram por realizar unicamente
incertezas, conflitos, medos e acima de esses atendimentos e exageraram essa
tudo insegurança de se lançar ao novo. capacidade de fazê-lo aos olhos de todos.
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soas abertas ao sofrimento e a alegria. E cial, política e humana exige um novo mo-
é a partir da compreensão humana que delo de educação. A escola atual tem uma
se pode lutar contra o ódio e a exclusão. função mais complexa. O seu processo de
formação deve estar pautado no desper-
Considerando as palavras desse autor,
tar da reflexão crítica e sistemática sobre
percebe-se que as maiores dificuldades da
a natureza humana, na importância das
escola em trabalhar com a inclusão ocorre
diferenças individuais, na valorização da
por falta de sabedoria de como lidar com
capacidade criadora de cada ser humano,
a diversidade humana. Enfrentar essa di-
na consciência da incompletude e da ne-
ficuldade exige o trabalho de uma peda-
cessidade de ser mais a cada dia.
gogia criativa que dialogue com a incerte-
za humana, que prepare as pessoas para Não se pode negar que falta um longo
situações inesperadas, que conscientize caminho para que as escolas brasileiras
as pessoas de que sua própria vida é uma incorporem na sua estrutura organizacio-
aventura da humanidade. nal todos estes requisitos mencionados.
Mas não se pode negar, também, que há
A diversidade humana apresenta-se
tentativas de avanço no aprofundamento
assim, como algo vivido e a viver. É um ca-
de valores e atitudes compatíveis com os
minho sem volta. Querendo ou não, todos
ideais de igualdade, diferença, diversida-
fazem parte dessa diversidade humana. É
de e deficiência.
preciso, portanto, lutar para adquirir res-
peito e o direito de ser diferente. Basea- Segundo Ferreira e Guimarães (2003),
do nesta reflexão, Ferreira e Guimarães é necessário repensar o significado da
(2003, p. 41), registraram a seguinte ideia: prática pedagógica na escola regular, para
poder assim evitar os erros do passado,
A sociedade está se tornando mais quando os alunos com deficiência eram
complexa a cada dia: a diversidade au- deixados á margem. Neste sentido, cabe a
menta de forma acelerada. Com isso, escola se tornar uma ambiente de ensino
imperceptivelmente, muda também a e aprendizagem de qualidade, garantindo
forma de compreender o mundo e os aos alunos, sem distinção, o apoio e incen-
próprios semelhantes. É este o novo tivo para que sejam sujeitos ativos nesse
paradigma que está nascendo: “viver novo tipo de sociedade.
a igualdade na diferença”, “integrar na
Pode-se concluir, portanto, que é ur-
diversidade” – eis o apelo dos líderes
gente repensar sobre a questão das di-
dos movimentos em conflito. O dife-
ferenças individuais e construir novos
rente fica cada vez mais comum.
paradigmas de convivência humana. Não
se pode negar a beleza da diversidade hu-
Partindo desta reflexão, qual é o papel
mana. É preciso percebê-la como algo po-
da escola a desempenhar para valorizar
sitivo e importante para a compreensão
todas as pessoas que ocupam um espaço
humana.
no seu interior? A escola de hoje tem que
assumir uma função diferente das quais
assumiu no passado. Hoje a demanda so-
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Neste sentido, o autor chama a aten- Dessa forma, a interação é uma ativida-
ção para a importância da discussão nas de que deve acontecer como fator impres-
escolas de questões ligadas à diferença cindível nos ambientes da escola para que
e igualdade. Acredita-se que o ponto de se privilegie a circulação de informações,
partida para iniciar um trabalho de edu- a cultura da cooperação, o crescimento da
cação inclusiva é o conhecimento desses formação voltado para a construção de
conceitos. Um ensino inclusivo, como se novos conhecimentos, bem como a apren-
sabe é moroso porque requer a conscien- dizagem do aprender sempre.
tização da mudança de paradigmas anti-
gos para novos paradigmas. A educação inclusiva não prevê a
utilização de práticas de ensino escolar
Não é novidade que a implementação
específicas para esta ou aquela defici-
de um processo de educação inclusiva
ência e/ ou dificuldades de aprendiza-
irá exigir paciência, estudo, cooperação,
gem. Os alunos aprendem nos seus li-
solidariedade, conhecimento do funcio-
mites e se o ensino for, de fato, de boa
namento da inclusão e uma boa dose de
qualidade, o professor levará em conta
coragem e entusiasmo para enfrentar as
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sos e ações serão necessárias ao professor em alguns casos nem se quer há o domínio
para que desenvolva uma prática de educa- dos conteúdos básicos a serem ministrados
ção inclusiva de qualidade e dentro dos pa- em sala de aula... (VASCONCELLOS, 2003), P.
drões do atendimento à diversidade, torna- 14).
-se necessário refletir algumas dificuldades
A situação acima destacada denota a fra-
da profissão que o professor enfrenta na
gilidade da formação dos professores para
realidade dos dias de hoje.
o magistério. Sem contar que muitos deles
Vasconcellos (2003), destacou que nas permanecem muitos anos na carreira docen-
últimas décadas ocorreram variadas mu- te sem uma formação continuada relaciona-
danças na escola brasileira, e isso de certa da à profissão. E isso poderia se denominar o
forma, influenciou as condições de vida e de verdadeiro caos da educação.
trabalho dos professores, deixando-os num
Nesse sentido, vale a pena questio-
dilema. De um lado, o professor pondera seu
nar: Como um professor advindo dessa for-
gosto pelo magistério, as alegrias que encon-
mação única e, provavelmente, ultrapassada
tra no exercício da função, os anos dedicados
no sentido de conhecimentos científicos,
à profissão, com também a sua remuneração
dentre outros, poderia favorecer uma apren-
que, independentemente do valor, de algu-
dizagem significativa, atualizada e coerente
ma forma garante-lhe a sobrevivência. De
com a diversidade de alunos que ocupa os
outro lado, emerge um conjunto de fatores
bancos das escolas de hoje?
bastante desestimuladores como a falta de
reconhecimento de seu trabalho por parte Seria um equívoco não buscar maior com-
dos dirigentes do sistema de educação, dos preensão para essa face da realidade. É ne-
pais, da equipe da escola, dos alunos e até cessário discutir resultados de pesquisas,
dos colegas. Como se não bastasse, a sobre- usar a imaginação, a intuição, a criatividade
carga de trabalho, as exigências crescentes para encontrar alternativas de melhorias nas
frente às condições mínimas que não são ga- situações que fazem muitas vezes o profes-
rantidas, a falta de clareza do seu papel. sor colecionar rótulos e estigmas.
dessas ideias que ensinar e aprender são Outra dimensão se refere aos docentes
atividades complexas que vão exigir do como gestores da ação educativa, da to-
professor uma boa dose de motivação e mada de decisões e da liderança compar-
um considerável nível de criatividade. tilhada nas escolas. Estes devem traduzir
as demandas de sua comunidade e as po-
1.6 Algumas Competências líticas educativas na visão estratégica e o
projeto educativo para sua escola, além
Didáticas Para a Educação de assumir a responsabilidade correspon-
Inclusiva dente aos resultados educativos.
Para se desenvolver uma ação docen- A dimensão das políticas educativas
te inclusiva o professor precisa vencer o refere-se à participação dos docentes na
desafio da dificuldade de lidar com as di- formulação, na execução e na avaliação
ferenças. Segundo Campos (2006/2007) por meio de mecanismos que tornam pos-
o professor precisa desempenhar sua sível sua presença real. Docentes que re-
função a partir de uma visão renovada e cuperam sua capacidade de se expressar
integral. Mobilizar suas capacidades pro- como sujeitos sociais com voz própria.
fissionais, sua disposição pessoal e sua
responsabilidade social para desenvolver As dimensões citadas pela autora não
relações significativas entre o conheci- podem ser esgotadas no que se refere ao
mento já produzido e a realidade, procu- desenvolvimento profissional dos docen-
rando dar sentido à aprendizagem dos tes. Muitas outras considerações teóricas
alunos. poderiam ser aqui sugeridas. Porém, há a
necessidade de abordar também, compe-
Esse foco assinala a necessidade de tências didáticas diretamente relaciona-
transformação de práticas tradicionais das à prática docente na sala de aula. Pois
onde se privilegiava, simplesmente, a me- estas ações poderiam servir de sugestões
morização de conteúdos prontos. Para ser para aqueles que buscam incessantemen-
coerente com essas ideias, vale a pena te, desenvolver um processo de educação
mencionar algumas dimensões de traba- inclusiva.
lho docente, que segundo a mesma auto-
ra, se tomadas como base da ação peda- Não é novidade que trabalhar com alu-
gógica educativa poderiam favorecer o nos com deficiências na sala de aula exi-
desenvolvimento de uma educação para ge do professor algumas competências
todos, sem distinção. que são imprescindíveis para que a ação
educativa produza resultados positivos.
Uma das dimensões é focalizar apren-
O professor quando se deparar com
dizagem dos estudantes, já que a razão
alunos com deficiências na sala de
do ser docente é facilitar-lhes a aprendi-
aula tem que tomar algumas provi-
zagem. O docente sem ser o único agen-
dências de início:
te educativo em interação com os estu-
dantes, poderia garantir a aprendizagem Ele precisa investigar e diagnosticar
como um processo intencional, sistemáti- junto a outros profissionais que tipo de
co e teoricamente fundamentado. deficiência tem o aluno;
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As deficiências não podem ser medidas e cola comum. O processo de inclusão, como
definidas, genericamente. Há que levar vemos, vai exigir uma reestruturação da
em conta a situação atual da pessoa, ou base cultural já formada em moldes prati-
seja, a condição que resulta da interação camente imutáveis.
entre as características do indivíduo e as
Finalizando, fica registrado que a edu-
do ambiente. Informe-se sobre as espe-
cação inclusiva vai exigir uma ação docen-
cificidades e os instrumentos adequados
te dinâmica, inovadora e competente do
para fazer com que o jovem encontre na
ponto de vista da valorização das diferen-
escola um ambiente agradável, sem dis-
ças e da formação continuada em serviço.
criminação e capaz de proporcionar um
Esta é uma tarefa complexa, repleta de
aprendizado efetivo, tanto do ponto de
desafios e possível de colocar em prática.
vista educativo quanto do social.
Por parte dos professores, fui bem aco- No ano seguinte, 1987, tive que me mu-
lhida na Escola Estadual Virgínio Perillo, dar de escola, visto que a anterior que eu
dentre elas, duas me marcaram muito: Dona estudara não oferecia segundo grau. Am-
Iraídes, professora de História por 4 anos biente diferente, com professores que não
consecutivos. De fala tão mansa e com uma conseguiram se adaptar à minha realidade
sabedoria incrível, contávamos a História e colegas adolescentes, onde a maioria se
do Brasil e do mundo de maneira tão cla- reunia para fazer seus trabalhos e contar
ra que na hora das avaliações, que sempre suas histórias. Por não encontrar o mesmo
eram orais, porque a Escola não dispunha apoio da escola anterior, preferi deixar.
de recursos e tecnologia para me fornecer
E, em 1989, cursei o segundo grau em BH
provas em Braille, eu nunca encontrava difi-
na Escola Palomar. Com a graça de Deus, ali
culdade. E durante os quatro anos que esti-
encontrei alguns professores e colegas que,
ve com ela, só tirei notas boas. O u t r a
mesmo na correria que é passada a matéria
professora que me marcou muito por seu
nos cursos supletivos, muito se esforçaram
zelo e carinho foi Dona Guilhermina, profes-
pra me ajudar e, consegui concluir todas as
sora de Português e Inglês da quinta a oita-
matérias em apenas quatro meses e meio.
va série. Com muito carinho ela explicava a
matéria e, na hora de meus colegas resolve-
rem os exercícios nos livros didáticos, lá es- Não ingressei em nenhuma Faculdade,
tava a Dona Guilhermina em minha carteira, por não definir dentro de mim um curso que
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me realizasse como pessoa e como profis- Senhora de Guadalupe, Vilma concluiu tam-
sional. Afinal, mais que financeiramente, bém o curso técnica em contabilidade, sem-
minha meta é ajudar a todos que precisam pre amparada por bons colegas, que Deus
de mim. colocou em seu caminho.
Com a minha irmã Vilma, a história foi um Hoje, Vilma é telefonista concursada na
tanto diferente. Antes de a mesma frequen- Prefeitura de Lagoa da Prata. É casada há
tar a Escola, eu a alfabetizei. Na Escola Es- três anos, tem um filho de um ano e quatro
tadual Dr. Jacinto Campos, sua primeira pro- meses, o Gabriel, verdadeiro presente de
fessora, viu-se perdida por não conseguir Deus para todos nós.
compreender que, além de sua deficiência
Quanto a mim, faço trabalhos voluntários
visual, Vilma era uma criança extremamen-
em nossa Paróquia com a equipe de música
te saudável e inteligente. Esta professora
da missa das crianças há vinte anos, e colo-
sugeriu à minha mãe que a levassem para a
co-me a disposição para qualquer outra ati-
APAE. Minha tia, a que conseguira as vagas
vidade onde Deus precisa de mim. Agradeço
nas escolas pra nós, pediu à direção da Es-
à Professora Janilcélia por me permitir con-
cola que a trocassem de turma.
tar um pouco de nossa experiência de inclu-
Encaminharam-na então para a profes- são não apenas nas escolas que frequenta-
sora Cleuza que, sem nenhuma experiência mos, mas na sociedade onde vivemos.
com o método Braille, mas com muito cari-
Vale destacar que promover a inclusão
nho, soube aproximá-la das outras crian-
da pessoa com deficiência nas escolas e
ças, onde ela conquistou vários colegas. Foi
em toda parte, é extremamente necessá-
quando uma professora, Conceição Freitas,
rio, afinal, viver, conviver e aprender é um
cunhada de minha tia que lecionava na pri-
direito de todos. No entanto, deve-se ter o
meira série da mesma Escola, soube do caso
cuidado em saber que, incluir não é apenas
e se propôs aprender o Braille e, após o tér-
permitir que o portador de deficiência fre-
mino da aula, Vilma era levada até sua casa
quente os mesmos ambientes das pessoas
para aulas particulares.
que se dizem normais, mas, esses ambien-
Essas aulas permitiram-na concluir a pri- tes e os que vão receber tais pessoas ESPE-
meira série no mesmo ano. Percebendo a CIAIS, devem ser devidamente adaptados
inteligência de Vilma, no ano seguinte, já a e preparados para receberem a estes que,
transferiram para a sala da Conceição, cuja como todos, são humanos e merecem ser
turma era de alunos de aprendizagem mais respeitados e preservados em sua dignida-
rápida. A partir daí, Vilma já com a ajuda tam- de e auxiliados em suas dificuldades.
bém dos colegas que tinham a mesma idade
Desta forma, com certeza atingiremos o
e os mesmos interesses, se destacava no
objetivo de Deus: Construiremos um mun-
aprendizado e ano após ano, esteve sem-
do melhor onde TODOS se amam e se res-
pre nas melhores turmas por apresentar
peitam. Pode parecer utopia, mas, quando
boas notas em suas provas, sempre feitas
fazemos a nossa parte, dando nossa con-
de forma oral aplicadas por algum profes-
tribuição por menor que seja, a felicidade
sor ou em dupla com alguma colega. Além
acontece em nós mesmos. E, é a partir de
do ensino Médio, na Escola Estadual Nossa
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nós, que o meio onde vivemos se transfor- Talvez, estas ações excludentes podem ter
ma e, quando menos percebermos, o mun- sido a maior causa da evasão de Eloísia, que
do se torna melhor pra gente viver. não obteve a confiança necessária das pes-
soas que a educavam. Mas existem, tantas
E assim estará acontecendo a verdadeira
outras ações que excluem que estão pre-
inclusão, porque a gente não cruzou os bra-
sentes nas escolas e que precisam ser re-
ços. E quando há cooperação, solidariedade
pensadas e expulsas da escola.
e amor entre as pessoas, há sempre um es-
paço para proporcionar aos portadores de Considerando estas ideias, é relevante
alguma deficiência, o prazer de ouvir, falar, ressaltar Mantoan (2003), quando a mes-
enxergar e caminhar. ma diz que muitas vezes, o professor não é
capaz de predeterminar a extensão da assi-
Entretanto, para que esse plano se cum-
milação dos alunos nem saber o grau de fa-
pra, basta que abramos nossos corações e
cilitação e adaptação das atividades escola-
imaginemos naquela pessoa a quem nos
res para alguns. Isto porque o próprio aluno
propomos a servir, o nosso semelhante,
é que se adapta ao conhecimento dentro
porque somos todos iguais e diferentes ao
de suas capacidade de construí-lo. E vale
mesmo tempo. Portanto, precisamos fazer
o que os alunos são capazes de aprender
dessas diferenças a grande diferença que
hoje e o que o professor pode oferecer-lhes
é compreendermos a alegria e o prazer de
de melhor para que todos os alunos se de-
viver, servir e amar e se completar no outro.
senvolvam num ambiente rico de estímulos
A história contada por Eloísia, mostra um e conhecimentos importantes para a boa
pouco da realidade que se configura no ce- convivência na sociedade.
nário real das escolas e da sociedade. Infeliz-
Ainda, no presente conto, pode-se per-
mente, podendo assim dizer, várias escolas
ceber que a inclusão, também, ocorreu no
produzem a exclusão, às vezes de maneira
momento em que o professor deixou de fo-
inconsciente, por vários fatores, que dentre
calizar a deficiência como fator impeditivo
eles vale a pena destacar, novamente: inse-
para a aprendizagem e passou a valorizar a
gurança, medo de não ser competente nas
capacidade de aprender do aluno, através
ações inclusivas, pouco conhecimento teó-
de uma outra estratégia que não a dos de-
rico e prático para conduzir o processo, do-
mais alunos, que escreviam, e passou a tra-
ses de ansiedade, receio de perder a identi-
balhar a oralidade.
dade de ensinante.
Neste momento, pode-se concluir que
Analisando as questões colocadas pela
a parceria de profissionais e pessoas que
autora do conto, no que diz respeito à es-
se interessam pela inclusão transforma-
cola não oferecer recursos didáticos para
ram a realidade da exclusão e construíram
avaliar, e o fato das diferenças de idade/
outra maneira de valorizar as pessoas que
maturidade, às vezes ocorridas pelo fato
nasceram com alguma deficiência. E, nes-
de acreditar que pessoas com deficiências
te sentido vale a pena destacar, novamen-
sensoriais são acometidas, também de
te, as palavras de Eloísia, que ressalta que
atrasos mentais, são apenas algumas reali-
promover a inclusão da pessoa com defi-
dades que favorecem a exclusão na escola.
ciência nas escolas e em toda parte, é ex-
37
Reportando essa importância para a ção das ideias de vários autores, incluindo
educação especial quer dizer simplesmen- aqueles que consideramos clássicos, não
te que só chegamos a esse nível de com- se tratando, portanto, de uma redação ori-
preensão, solidariedade, respeito e valo- ginal e tendo em vista o caráter didático da
rização dos sujeitos sem distinção porque obra, não serão expressas opiniões pesso-
aprendemos com os eventos que foram se ais.
sucedendo ao longo da nossa história.
Ao final do módulo, além da lista de refe-
Falamos de objetivos e usamos os ver- rências básicas, encontram-se outras que
bos “conhecer”, “definir”, mas são ações foram ora utilizadas, ora somente consul-
que precisam ser completadas! É o que tadas, mas que, de todo modo, podem ser-
desejamos: que conheçam para refletir e vir para sanar lacunas que por ventura ve-
agir, proporcionando às pessoas com ne- nham a surgir ao longo dos estudos, além
cessidades especiais os direitos que lhe de anexos com legislação de interesse às
são reservados, dentre eles: educação de pessoas com necessidades especiais que
qualidade, atendimento clínico terapêuti- doravante chamaremos de PNE, aos pro-
co, dentre outros. fessores, enfim, a todas as pessoas que de
uma maneira ou de outra se interesse pela
Outro viés que a Educação Especial nos
educação especial.
remete, relaciona-se com a questão dos
Direitos Humanos e a busca pela cidadania
que é um direito de todos, portanto, fecha-
mos nossa introdução com palavras do so-
ciólogo Boaventura Souza Santos (2003, p.
56):
corpo, tais como as flagelações, a fogueira os mutilados das guerras, que como sem-
e as torturas da Santa Inquisição represen- pre influenciaram muitos períodos, e para
tavam a purificação dos pecadores, inten- indivíduos cegos e surdos (FERNANDES;
sificando a ideia de que o corpo era o refle- SCHLESENER; MOSQUERA, 2011).
xo de tudo o que a alma cometia de errado.
Garcia (2012) faz uma lista dos
Enquanto isso, povos do Norte da Europa
acontecimentos desse período que in-
como os Visigodos, Ostrogodos considera-
cluem:
dos bárbaros, matavam seus deficientes,
assim como os Célticos que achavam ser o invento de um método para ensinar
um mal pressagio ou castigo dos deuses; pessoas surdas a ler e escrever (até então
também eram povos nômades e deixa- a crença era de que pessoas surdas não po-
vam seus deficientes para trás (ANDRADE, deriam ser educadas);
2008).
um médico francês, Ambroise Paré
Felizmente veio a Idade Moderna que (1510-1590) que se dedicou a atender fe-
tem início em 1453, com a tomada da Cons- ridos com amputações em guerra, aperfei-
tantinopla e vai até o início da Revolução çoou os métodos cirúrgicos para ligar arté-
Francesa, em 1789. Começamos a passar rias, substituindo cauterizações com ferro
do feudalismo e das trevas para o capitalis- em brasa e azeite fervente, contribuindo
mo e no contexto mais humano, começam para a criação de próteses;
a surgir movimentos de contestação ao
pessoas com problemas de visão como
poder da Igreja Católica.
Galileu Galilei e Johannes Kepler estuda-
vam o céu, mostrando que essa deficiência
4.2 A Idade Moderna: da ex- não era impedimento;
trema ignorância às novas
Pinel explicou que pessoas com per-
ideias turbações mentais deviam ser tratadas
Foi com a Idade Moderna que surgem como doentes, ao contrário do que acon-
novas ideias e transformações marcadas tecia na época, quando eram tratados com
pelo humanismo. Em tal época, segundo violência e discriminação;
Kassar (1999, p.4), “houve uma grande
nesse período e mais adiante (século
população de pobres, mendigos e indiví-
XIX, 1819), cria-se um método para intera-
duos com deficiência, que se reuniam para
ção com cegos. Charles Barbier, um capitão
mendigar”. A sensação e a constatação da
do exército francês, atendeu um pedido
miséria resultavam na esperança de que
de Napoleão Bonaparte e desenvolveu
alguma coisa precisava ser feita para os
um código para ser usado em mensagens
pobres e deficientes.
transmitidas à noite em suas batalhas.
Mas nesse panorama caótico, os hospi- Esse sistema de uma letra ou conjunto de
tais que mais pareciam prisões sem qual- letras, representado por duas colunas e
quer tipo de tratamento especializado, ini- pontos que tinha uma tabela de referência
ciaram o desenvolvimento no atendimento foi a inspiração para o Código Braille.
aos indivíduos com deficiências, com as-
É importante ressaltar que, a partir da
sistência especializada em ortopedia para
44
Revolução Industrial iniciada no século malidade que poderia ser “curada” pela
XVIII e caracterizada pela passagem da medicina, cremos ter feito alguns avanços
manufatura à indústria mecânica, a ques- significativos! Claro, os preconceitos e a
tão da habilitação e da reabilitação da pes- segregação ainda eram acentuados.
soa com deficiência para o trabalho ganhou
força. 4.3 Contemporaneidade e
Segundo Fonseca (2000 apud FERNAN- as garantias atuais
DES; SCHLESENER; MOSQUERA, 2011), Ainda no século XIX, foi criado no Rio de
as anomalia genéticas, as epidemias e as Janeiro, em 1854, o Imperial Instituto dos
guerras deixaram de ser as causas únicas Meninos Cegos e, em 1857, o atual Institu-
das deficiências. O trabalho, muitas vezes to Nacional de Educação de Surdos – INES
em condições precárias, começou a oca- – que passou atender pessoas surdas de
sionar acidentes mutiladores e também todo Brasil, a maioria abandonada pela fa-
doenças profissionais. Assim, tornou-se mília.
necessário a criação do Direito de Trabalho
e de um sistema de seguridade social mais O Século XX trouxe avanços importan-
eficiente. tes para as pessoas com deficiência, so-
bretudo em relação às ajudas técnicas ou
O Século XIX, ainda com reflexos das elementos tecnológicos assistivos. Os ins-
ideias humanistas da Revolução France- trumentos que já vinham sendo utilizados
sa, ficou marcado na história das pessoas – cadeira de rodas, bengalas, sistema de
com deficiência. Finalmente se percebia ensino para surdos e cegos, dentre outros
que elas não só precisavam de hospitais – foram se aperfeiçoando. A sociedade,
e abrigos, mas também de atenção espe- não obstante as sucessivas guerras, orga-
cializada. É nesse período que se inicia a nizou-se coletivamente para enfrentar os
constituição de organizações para estudar problemas e para melhor atender a pessoa
os problemas de cada deficiência. Difun- com deficiência (GARCIA, 2012).
dem-se então os orfanatos, os asilos e os
lares para crianças com deficiência física. Por volta dos anos de 1902 até 1912,
Grupos de pessoas organizam-se em torno cresceu na Europa a formação e organiza-
da reabilitação dos feridos para o trabalho, ção de instituições voltadas para preparar
principalmente nos Estados Unidos e Ale- a pessoa com deficiência. Levantaram-se
manha (GUGEL, 2007). fundos para a manutenção dessas institui-
ções, sendo que havia uma preocupação
Foi o início de estudos mais aprofun- crescente com as condições dos locais aon-
dados no campo biológico, buscando ex- de as pessoas com deficiência se abriga-
plicações fisiológicas e anatômicas das vam. Já começavam a perceber que as pes-
deficiências e quase que paralelamente, soas com deficiência precisavam participar
preocupação com a educação desses defi- ativamente do cotidiano e integrarem-se
cientes. na sociedade.
Enfim, de vítimas de um poder sobrena- Somente no século XX, os indivíduos
tural, criado pela ignorância do próprio ser com deficiências começaram a ser consi-
humano para conduta desviante ou anor- derados cidadãos com seus direitos e de-
45
to quanto possível, de uma vida normal por países do mundo inteiro não haviam
para pessoas da mesma idade. assegurado o direito à educação para to-
dos, persistindo as seguintes realidades:
10 - As pessoas deficientes deverão ser
protegidas contra toda exploração, todos mais de 100 milhões de crianças, das
os regulamentos e tratamentos de natu- quais pelo menos 60 milhões são meni-
reza discriminatória, abusiva ou degra- nas, não têm acesso ao ensino primário;
dante.
mais de 960 milhões de adultos –
11 - As pessoas deficientes deverão dois terços dos quais mulheres são anal-
poder valer-se de assistência legal qualifi- fabetos, e o analfabetismo funcional é um
cada quando tal assistência for indispen- problema significativo em todos os países
sável para a proteção de suas pessoas e industrializados ou em desenvolvimento;
propriedades. Se forem instituídas medi-
mais de um terço dos adultos do
das judiciais contra elas, o procedimento
mundo não têm acesso ao conhecimento
legal aplicado deverá levar em considera-
impresso, às novas habilidades e tecnolo-
ção sua condição física e mental.
gias, que poderiam melhorar a qualidade
12 - As organizações de pessoas defi- de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-
cientes poderão ser consultadas com pro- -se às mudanças sociais e culturais; e,
veito em todos os assuntos referentes
mais de 100 milhões de crianças e
aos direitos de pessoas deficientes.
incontáveis adultos não conseguem con-
13 - As pessoas deficientes, suas fa- cluir o ciclo básico, e outros milhões, ape-
mílias e comunidades deverão ser ple- sar de concluí-lo, não conseguem adquirir
namente informadas por todos os meios conhecimentos e habilidades essenciais.
apropriados, sobre os direitos contidos
Sendo a educação para todos, incluem-
nesta Declaração.
-se aí as pessoas com necessidades espe-
Resolução adotada pela Assembleia ciais, ou seja, a partir desses documentos,
Geral das Nações Unidas, de 09 de dezem- sela-se um compromisso com a constru-
bro de 1975, Comitê Social Humanitário e ção de sistemas de educação inclusivos.
Cultural.
5.4 Declaração de Salaman-
5.3 Conferência de Jomtien ca – 1994
– 1990 Em julho de 1994, foi realizada na Espa-
Realizada em março de 1990, na cidade nha, cidade de Salamanca, a Conferência
de Jomtien, na Tailândia, essa conferên- Mundial sobre Educação de Pessoas com
cia proclamou a Declaração Mundial sobre Necessidades Especiais, com o patrocínio
Educação para Todos, um plano de ação da UNESCO e do Governo Espanhol. Nessa
para satisfazer as necessidades básicas Conferência foi criada a Declaração de Sala-
de aprendizagem, justificando que em- manca e o Plano de Ação para a Educação de
bora mais de 40 anos as nações tivessem Necessidades Especiais, que foi aceito por
afirmado a DUDH, os esforços realizados mais de 300 participantes de 92 países e 25
49
de que a plena inclusão das pessoas com participantes neste processo para que
deficiência na sociedade requer a nossa facilitem ativamente a adoção de tal con-
solidariedade para trabalharmos em prol venção, a qual deve abordar, entre outras
de uma convenção internacional que le- coisas, as seguintes áreas de preocupa-
galmente obrigue as nações para reforçar ção prioritária:
a autoridade moral das Normas sobre a
(a) Melhoria da qualidade de vida das
Equiparação de Oportunidades para Pes-
pessoas com deficiência e sua libertação
soas com Deficiência, da ONU.
da privação, opressão e pobreza.
6. Nós acreditamos que o limiar do novo
(b) Educação, treinamento, trabalho
século é uma época oportuna para todos –
remunerado e participação em todos os
pessoas com deficiência de qualquer tipo
níveis do processo de tomada de decisão.
e suas organizações e outras instituições
cívicas, governos locais e nacionais, mem- (c) Eliminação das atitudes e práticas
bros do sistema da ONU e outros órgãos discriminatórias, bem como das barreiras
intergovernamentais, bem como o setor de informação, de infraestrutura e legais.
privado – colaborarem estreitamente em
um processo consultivo inclusivo e amplo,
(d) Alocação crescente de recursos
para assegurar a igual participação das
visando à elaboração e adoção de uma
pessoas com deficiência.
convenção internacional para promover
e proteger os direitos das pessoas com 9. Nós, através desta declaração, emi-
deficiência e aumentar as suas oportuni- timos uma convocação a todos aqueles
dades iguais de participação na corrente preocupados com a igualdade e a dignida-
principal da sociedade. de humanas, para que se unam em amplos
esforços abrangendo capitais, municípios
7. Nós, portanto, instamos todos os
e cidades, aldeias remotas e os fóruns da
chefes de estado e de governo, admi-
ONU, a fim de assegurarem a adoção de
nistradores públicos, autoridades locais,
uma convenção internacional sobre os di-
membros do sistema da ONU, pessoas
reitos de todas as pessoas com deficiên-
com deficiência, organizações cívicas que
cia. E,
participam do processo de desenvolvi-
mento e organizações do setor privado 10. Nós comprometemos nossas res-
socialmente responsáveis, no sentido de pectivas organizações para se empenha-
que iniciem imediatamente o processo rem por uma convenção internacional, le-
por uma convenção internacional, inclu- galmente obrigatória, sobre os direitos de
sive provocando-o em todos os fóruns todas as pessoas com deficiência à parti-
internacionais, especialmente a Sessão cipação plena e à igualdade na sociedade
Especial da Assembleia Geral da ONU so- (TRADUÇÃO DE SASSAKI, 2003).
bre Desenvolvimento Social, o Fórum do
Milênio das ONGs, a Cúpula e a Assembleia Essa declaração foi mais uma amos-
Geral do Milênio da ONU e as reuniões pre- tra de que a legislação até então, embo-
paratórias pertinentes. ra afinada com as vertentes mundiais de
inclusão, não garantia o acesso e, mais, o
8. Nós, além disso, instamos todos os sucesso das crianças com deficiências na
52
reconhecer que muito deve ser feito até Existem no mundo 600 milhões de
que as diferenças não nos impeçam de ser pessoas com deficiência, sendo que 400
iguais, justifica ela. milhões vivem em países pobres ou em
desenvolvimento. No Brasil, 27% destes
Vital (2008) cita o grande avanço que já
brasileiros vivem em situação de pobreza
tivemos na proteção dos direitos das mu-
extrema e 53% são pobres (IBGE, 2000).
lheres e meninas com deficiência que são
mais vulneráveis a todo tipo de violência Estes dados por si só nos mostram a ur-
doméstica, bem como de qualquer outra gência e importância devida à questão das
ordem. pessoas com alguma deficiência e mais
uma vez podemos dizer fundamentam os
O princípio do movimento de vida in-
estudos e reflexões da educação especial
dependente está valorizado quando se
no Brasil.
assinala a autonomia e independência
individuais das pessoas com deficiência, O material é extenso, mas vale a pena
inclusive da liberdade delas fazerem suas ser conferido, principalmente os comen-
próprias escolhas, e participarem ativa- tários feitos a artigos que tratam de ques-
mente das decisões relativas a programas tões ligadas mais de perto à deficiência.
e políticas públicas, principalmente as que
lhes dizem respeito diretamente. Nada
Vejamos os comentários ao artigo
sobre nós, sem nós. 7 – Crianças com deficiência, por Flá-
via Cintra (2008, p. 42):
A promoção da acessibilidade, assim, é
o meio que dará a oportunidade às pes- Chegamos ao terceiro milênio diante da
soas com deficiência de participarem ple- constatação de que os direitos universais
namente na sociedade, em igualdade de das crianças ainda são violados em todas
condições com as demais. as partes do mundo.
A pobreza e a deficiência estão dire- A ONU estima, por exemplo, que a cada
tamente ligadas por múltiplas razões e é ano, 2 milhões de meninas são submeti-
natural que a Convenção contemple o de- das a rituais de mutilação genital, princi-
senvolvimento, conceito extraído dos di- palmente na África e na Ásia, o que resul-
ferentes documentos oficiais do sistema ta em deficiências severas, infertilidade e
das Nações Unidas, que além de sustentá- mortalidade. Mutilação genital é a prática
vel deve ser inclusivo. da extração total ou parcial dos órgãos
genitais femininos. Sua forma mais severa
A deficiência é tanto uma causa como inclui a mutilação total do clitóris, a exci-
uma consequência da pobreza; alguns são (extirpação total ou parcial dos lábios
cálculos indicam que uma em cada cinco menores) e a raspagem dos lábios maiores
pessoas pobres apresenta uma deficiên- para criar superfícies em carne viva que,
cia (DEVANDAS, 2006 apud VITAL, 2008). depois de unidas pela cicatrização, tapem
Podemos então dizer que todas as famí- a vagina.
lias de uma comunidade pobre são dire-
tamente afetadas pelos efeitos socioeco- A proteção da criança é abordada por
nômicos dela decorrentes. muitas convenções internacionais. Ao
54
tomada pelo Governo Itamar Franco com poder e consenso político em torno das
a mesma denominação, mas de sigla SE- funções sociais e educativas);
ESP (GARCIA; MICHELS, 2011).
ajuste econômico com a dimensão
A Educação Especial tinha como orien- humana (valor que se deve atribuir à dig-
tação o documento intitulado Política nidade dos portadores de necessidades
Nacional de Educação Especial (1994), especiais como seres integrais);
o qual apresentava como fundamentos
legitimidade (participação direta ou
a Constituição Federal (1988), a Lei de
indireta das pessoas portadoras de defi-
Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº
ciência na formação de políticas públicas,
4.024/61), o Plano Decenal de Educação
planos e programas) (BRASIL, 1994).
para Todos (1993) e o Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente (1990). Até aqui, Garcia e Michels (2011) ob-
servam que o princípio da integração foi
A proposição política, naquele momen-
apresentado como organizador da políti-
to, tanto para a educação como para a
ca para a área. Por outro lado, 1994 tam-
Educação Especial, tinha como princípios
bém foi o ano de promulgação da Decla-
a democracia, a liberdade e o respeito à
ração de Salamanca que, segundo muitos
dignidade. A Educação Especial, em me-
intelectuais da área, substituiria o funda-
ados dos anos 1990, orientava sua ação
mento integracionista pelo inclusivista.
pedagógica por princípios específicos,
quais sejam: Entretanto, como indica Bueno
(2008), a introdução do termo inclusão
normalização (que pode ser conside-
em substituição à integração, no Brasil,
rada a base filosófico-ideológica da inte-
está constituída de problemas em rela-
gração);
ção à tradução do referido documento.
integração (que se refere a valores Segundo o autor, a primeira tradução im-
como igualdade, participação ativa, res- pressa da Declaração de Salamanca, pu-
peito a direitos e deveres); blicada pela Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Defi-
individualização (que pressupõe a
ciência – CORDE –, em 1994, assumia uma
adequação do atendimento educacional
orientação integradora. Já em 2007, essa
a cada portador de necessidades educa-
mesma coordenadoria altera essa tradu-
tivas especiais, respeitando seu ritmo e
ção com a substituição de integração por
características pessoais);
inclusão, o que gera um dilema conceitu-
interdependência (envolve parce- al e de fundamentação de política (BUE-
rias entre diferentes setores); NO, 2008).
Mas quem são mesmo esses alu- tos públicos de ensino; a consideração da
nos? educação especial como modalidade de
educação escolar, permeando todos os ní-
Alunos com deficiência são aqueles veis e modalidades de ensino; dentre ou-
que têm impedimentos de longo prazo, tras medidas.
de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, que em interação com diversas Em 2001, foi a vez do Plano Nacional de
barreiras podem ter restringida sua par- Educação, a Lei nº 10172, que estabele-
ticipação plena e efetiva na escola e na ceu objetivos e metas para a educação das
sociedade. pessoas com necessidades educacionais
especiais (hoje já estamos no Plano para o
Os alunos com transtornos globais decênio 2011-2020).
do desenvolvimento são aqueles que
apresentam alterações qualitativas das Logo no início dos anos 2000, o Conselho
interações sociais recíprocas e na comu- Nacional de Educação – CNE – promulgou a
nicação, um repertório de interesses e resolução que institui as Diretrizes Nacio-
atividades restrito, estereotipado e re- nais para a Educação Especial na Educa-
petitivo. Incluem-se nesse grupo alunos ção Básica (BRASIL, 2001). Tal documento,
com autismo, síndromes do espectro do com caráter de lei, passa a regulamentar os
autismo e psicose infantil. artigos presentes na LDB nº 9.394/96, que
já instituía a Educação Especial como mo-
Alunos com altas habilidades/super- dalidade educacional, o Atendimento Es-
dotação demonstram potencial elevado pecializado aos alunos com necessidades
em qualquer uma das seguintes áreas, especiais na rede pública iniciando desde a
isoladas ou combinadas: intelectual, aca- educação infantil, ou na faixa etária entre
dêmica, liderança, psicomotricidade e zero e seis anos.
artes. Também apresentam elevada cria-
tividade, grande envolvimento na apren- Se a LDB nº 9.394/96 propôs um aten-
dizagem e realização de tarefas em áreas dimento especializado, preferencialmen-
de seu interesse. Dentre os transtornos te na rede regular, a Resolução CNE/CEB
funcionais específicos estão: dislexia, di- 2/2001, em seu artigo 7º indicou a edu-
sortografia, disgrafia, discalculia, trans- cação de sujeitos com necessidades es-
torno de atenção e hiperatividade, entre peciais na escola regular. Suprimiu-se o
outros. “preferencialmente” e foi acrescentada a
noção segundo a qual os alunos da Educa-
6.3 Diretrizes Nacionais ção Especial poderão, extraordinariamen-
te, ser atendidos em classes ou escolas
para educação Especial especiais. A mudança do texto legal – reti-
Em 1999, vimos surgir a Política Nacio- rou-se o “preferencialmente” e acrescen-
nal para a Integração da Pessoa Portadora tou-se o “extraordinariamente” – manteve
de Deficiência/Decreto 3298 que estabe- a histórica lógica dual integrado/segrega-
leceu a matrícula compulsória nos cursos do, modificando, contudo, sua intensidade
regulares; a oferta obrigatória e gratuita (GARCIA; MICHELS, 2011).
da educação especial em estabelecimen-
61
nas diretrizes do Compromisso Todos pela cação Básica e preconiza em seu artigo 29,
Educação, a garantia do acesso e perma- que os sistemas de ensino devem matricu-
nência no ensino regular e o atendimento lar os estudantes com deficiência, trans-
às necessidades educacionais especiais tornos globais do desenvolvimento e altas
dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas habilidades/superdotação nas classes co-
escolas públicas (BRASIL, 2014). muns do ensino regular e no Atendimento
Educacional Especializado – AEE –, comple-
Tem muito mais!
mentar ou suplementar à escolarização,
O Decreto nº 6571/08, incorporado pelo ofertado em salas de recursos multifun-
Decreto nº 7611/11, institui a política pú- cionais ou em centros de AEE da rede públi-
blica de financiamento no âmbito do Fun- ca ou de instituições comunitárias, confes-
do de Manutenção e Desenvolvimento da sionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
Educação Básica e de Valorização dos Pro-
O Decreto nº 7084/10, ao dispor sobre
fissionais da Educação – FUNDEB –, esta-
os programas nacionais de materiais didá-
belecendo o duplo cômputo das matriculas
ticos, estabelece no artigo 28, que o Mi-
dos estudantes com deficiência, transtor-
nistério da Educação adotará mecanismos
nos globais do desenvolvimento e altas
para promoção da acessibilidade nos pro-
habilidades/superdotação. Visando ao
gramas de material didático destinado aos
desenvolvimento inclusivo dos sistemas
estudantes da educação especial e profes-
públicos de ensino, este Decreto também
sores das escolas de educação básica pú-
define o atendimento educacional espe-
blicas.
cializado complementar ou suplementar à
escolarização e os demais serviços da edu- O Decreto nº 7611/2011 define como
cação especial, além de outras medidas de público da Educação Especial os estudan-
apoio à inclusão escolar (BRASIL, 2014). tes com deficiências, Transtorno Global
do Desenvolvimento-TGD e Altas Habili-
Com a finalidade de orientar a organiza-
dades/Superdotação-AH/SD. É dever do
ção dos sistemas educacionais inclusivos,
Estado garantir a esses estudantes um
o Conselho Nacional de Educação – CNE –
sistema educacional inclusivo em todos os
publica a Resolução CNE/CEB, 04/09, que
níveis, etapas e modalidades, assim como
institui as Diretrizes Operacionais para o
oferecer aprendizado ao longo de toda a
Atendimento Educacional Especializado –
vida e combater as práticas de exclusão no
AEE – na Educação Básica. Este documento
sistema educacional e a segregação sob
determina o público-alvo da educação es-
alegação de deficiência, conforme dispõe
pecial, define o caráter complementar ou
o Decreto 7611/2011.
suplementar do AEE, prevendo sua institu-
cionalização no projeto político-pedagógi- A fim de promover políticas públicas de
co da escola. inclusão social das pessoas com deficiên-
cia, dentre as quais, aquelas que efetivam
O caráter não substitutivo e transver-
um sistema educacional inclusivo, nos ter-
sal da educação especial é ratificado pela
mos da Convenção sobre os Direitos das
Resolução CNE/CEB nº 04/10, que institui
Pessoas com Deficiência, instituiu-se, por
Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu-
meio do Decreto nº 7612/11, o Plano Na-
63
cional dos Direitos da Pessoa com Defici- mano, ganhando em contornos conceitu-
ência – Viver sem Limite. ais e estruturais.
SEGREGAÇÃO
terística física, visual, auditiva ou inte- Termo correto: Pessoa com Deficiência.
lectual, mas reforça-se o indivíduo acima Não se utiliza o termo portador de defici-
de suas restrições. A construção de uma ência, visto que a pessoa não porta uma
verdadeira sociedade inclusiva passa deficiência, ela TEM uma deficiência.
também pelo cuidado com a linguagem.
Jamais utilizar: incapacitado, aleijado,
Na linguagem se expressa, voluntária ou
defeituoso, inválido. O termo portador de
involuntariamente, o respeito ou a discri-
necessidades especiais é utilizado tanto
minação em relação às pessoas com defi-
para pessoas que tem deficiência como
ciência. Por isso, vamos sempre nos lem-
para pessoas sem deficiência, assim não é
brar que a pessoa com deficiência antes
correto utilizá-lo quando se refere à pes-
de ter deficiência é, acima de tudo e sim-
soa com deficiência.
plesmente: pessoa (SILVA, 2011).
cânica, copiando resultados, sem compre- Assim, o nível de desenvolvimento a ser al-
ender o sentido da operação. cançado pela criança, com deficiência men-
tal, irá depender não só do grau de compro-
Nem todos os alunos que apresentam
metimento da mesma, mas também de sua
deficiência intelectual chegam a assimilar
história de vida, particularmente do apoio
as operações de multiplicação e de divisão
familiar e das oportunidades verificadas
e a compreender o sentido destas. Este
(FURLAN; ARAÚJO; PERALTA, 2010).
professor seria mais bem sucedido em sua
ação pedagógica, se tivesse como objeti- Pense nisso professor!
vo o desenvolvimento lógico-matemático
E a educação na diversidade, o que que-
de seus alunos, se propusesse atividades
remos realmente, como chegar até ela?
de aprendizagem próximas aos interesses
deles com base nas experiências vivencia- Bom: o primeiro passo é levar sempre em
das por eles. Deste modo, o professor, pro- consideração o fato de que as pessoas são
vavelmente, teria contribuído mais para o diferentes e que, portanto, a escola deve
desenvolvimento dos alunos e permitido a ajudar cada um a desenvolver suas aptidões
eles aprendizagens mais significativas. A no contexto comum a todos, livre de sele-
qualidade da vida social e profissional das ção e da consequente classificação de alu-
pessoas que apresentam deficiência inte- no(a)s em diferentes tipos de instituições
lectual repousa em boa parte sobre bases especializadas. O segundo passo é eliminar
que são o desenvolvimento intelectual e o espírito de competitividade, a partir do
as aprendizagens significativas que teve qual a visão de mundo se restringe a uma
na escola e fora dela. Quando o professor corrida na qual apenas alguns conseguirão
percebe a capacidade de o aluno aprender, chegar ao final e o terceiro passo, oferecer
ele empreende ações que possibilitam essa oportunidades a todos para compensar as
aprendizagem. desigualdades existentes, mas sem educar
para ‘formar pessoas iguais’ (ALVAREZ; SO-
Uma vez que a Educação Especial é de
LER, 1998 apud DUK, 2006).
suma importância para o desenvolvimento
de pessoas com deficiência mental, todo in- No atendimento à diversidade, po-
vestimento em programas de estimulação dem ser apontados alguns princípios,
precoce, pedagogia e outros profissionais, entre os quais, destacam-se:
visa sempre o pleno desenvolvimento do
potencial apresentado pelo indivíduo com personalização em lugar de pa-
deficiência mental e a inserção do mesmo dronização – reconhecer as diferenças
em sua comunidade. Quanto maior for a in- individuais, sociais e culturais dos aluno(a)
tegração da pessoa, maiores serão as opor- s, a partir das quais a ação educacional é
tunidades de aceitação e inclusão na socie- orientada;
dade. Vale aqui ressaltar que o trabalho da resposta diversificada versus res-
família, de instituições como a Associação posta uniforme – permite adequar os
de pais e amigos dos excepcionais (APAE) e processos de ensino-aprendizagem às di-
de profissionais formam um canal empáti- ferentes situações;
co para a obtenção de resultados positivos.
heterogeneidade versus homoge-
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Estes programas mencionados consti- tem três dimensões de formação que de-
tuem o esteio da atual política para a edu- vem ser consideradas para capacitar os
cação especial no Brasil e estão vinculados professores no apoio à Educação Inclusiva
ao Plano de Desenvolvimento da Educação tanto no âmbito de especialização como
(PDE), o plano de metas do governo federal nível generalista: os saberes, as compe-
que apresenta um corpo de projetos para tências e as atitudes. Vejamos cada uma
diferentes níveis e modalidades da educa- delas:
ção nacional (GARCIA, 2013).
a) Dimensão dos saberes
Rodrigues (2008) ressalta que a disse-
A dimensão dos saberes refere-se ao
minação do modelo de Educação Inclusiva,
conjunto de conhecimentos de índole mais
nomeadamente pela inclusão de alunos
teórica que fundamentam as opções de in-
com condições de deficiência na escola
tervenção. Estes conhecimentos vão des-
regular, origina novos desafios para a for-
de aspectos mais diretamente teóricos,
mação de professores. Já não se trata de
tais como o contato com o pensamento e
formar professores para alunos que são
a teorização de diferentes autores, até (e
educados num modelo segregado, mas,
sobretudo) trabalhos de investigação fei-
sim, professores que são capazes de tra-
tos em contextos reais que possam funda-
balhar com eficácia com turmas assumida-
mentar a adoção de determinadas opções
mente heterogêneas. Para isto, é neces-
metodológicas.
sário um novo olhar sobre os saberes, as
competências e as atitudes que são neces- No que respeita à Educação Inclusiva,
sárias para se trabalhar com classes inclu- esta dimensão de saberes envolve o co-
sivas. Essas competências são complexas nhecimento das características de desen-
e diversificadas. volvimento e de aprendizagem de alunos
com condições não habituais. Envolve
Espera-se que o professor seja compe-
certamente a caracterização pedagógica
tente num largo espectro de domínios que
destas condições não habituais de desen-
vão desde o conhecimento científico do
volvimento. Tradicionalmente é dada uma
que ensina à sua aplicação psicopedagógi-
grande ênfase ao estudo das condições de
ca, bem como em metodologias de ensino,
deficiência nomeadamente à etiologia e à
de animação de grupos, atenção à diversi-
patologia em termos clínicos. Precisamos,
dade, entre outras. Isto sem considerar as
pelo contrário, reforçar o olhar educacio-
grandes expectativas que existem sobre o
nal para as dificuldades encaradas sob o
que o professor deve promover no âmbito
ponto de vista educacional; isto é, conhe-
educacional mais geral, tal como a edu-
cer como se avalia, como se planeja, como
cação para a cidadania, educação cívica,
se desenvolve um processo educacional e
sexual, comunitária, entre outras. Alguns
de aprendizagem em alunos com dificulda-
autores têm, por isso, denominado a mis-
des ou com deficiências que, se não forem
são do professor na escola contemporânea
enquadradas, poderão influenciar a plena
como uma “missão impossível” (BEN-PE-
participação no processo educativo.
RETZ, 2001 apud RODRIGUES, 2008).
A dimensão dos saberes implica também
O mesmo autor acima acredita que exis-
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conhecer formas diversificadas de anima- entre os alunos pode servir para justificar
ção de grupos, quer na esfera da decisão a sua não inclusão. Pode servir, ainda, para
quer no nível do desenvolvimento do cur- encontrar estratégias e metodologias que
rículo, bases sobre o trabalho com famílias levem à anulação dessas diferenças. Nes-
e com comunidades em diferentes escalas te caso, conhecer as diferenças seria só o
de compreensão ecológica. primeiro passo para anulá-las; considerar
a heterogeneidade não seria mais que a
b) Dimensão das competências
primeira etapa de um processo educativo,
A dimensão das competências relacio- que teria como finalidade promover a ho-
na-se com o “saber fazer”, isto é, o conheci- mogeneidade dos alunos.
mento específico que o professor deve ter
c) Dimensão das atitudes
para conduzir, com sucesso, processos de
intervenção em contextos assumidamen- De pouco serviriam os saberes e as com-
te diversos. petências se os professores não tivessem
atitudes positivas face à possibilidade de
Cabe aqui refletir sobre os objetivos do
progresso dos alunos. É fundamental que
trabalho pedagógico com grupos assumi-
os professores do ensino regular e de Edu-
damente heterogêneos.
cação Especial conheçam por experiência
Podemos dizer “assumidamente” por- própria situações em que uma adequada
que todos os grupos são heterogêneos modificação do currículo e das condições
em termos de aprendizagem; a questão é de aprendizagem consiga eliminar barrei-
se nós os tratamos como tal (considerando ras à aprendizagem e promover a aquisição
que a heterogeneidade é inerente ao gru- de novos saberes e competências aos alu-
po e, portanto, “natural”) ou se nos relacio- nos.
namos como grupos (naturalmente) hete-
Um professor para desenvolver atitudes
rogêneos como se fossem problemáticos
positivas, não pode, como era tradicional,
só pelo fato de não serem homogêneos.
construir a sua intervenção baseado no
Trabalhar com grupos assumidamente he-
déficit, mas, sim, naquilo que o aluno é ca-
terogêneos é, pois, considerar em termos
paz de fazer para além da sua dificuldade.
de avaliação, planejamento e intervenção,
que a heterogeneidade é própria do grupo Basta imaginar qual seria o futuro aca-
e a situação anômala seria a de encontrar dêmico de um jovem que tendo dificulda-
um grupo de aprendizagem que se pudes- des, por exemplo, em Matemática, visse
se considerar homogêneo (RODRIGUES, todo o seu currículo escolar ser referen-
2008). ciado a essa matéria. Assim, a construção
curricular baseada na deficiência ou na
Ainda refletindo sobre o trabalho com
dificuldade, para além de ter uma duvido-
grupos assumidamente heterogêneos,
sa probabilidade de sucesso para o aluno,
cabe perguntar o que significa considerar
evidencia uma visão do professor que mais
as diferenças dos alunos, porque o simples
realça as dificuldades do aluno do que as
conhecimento das diferenças não conduz
suas potencialidades.
inexoravelmente à adoção de modelos in-
clusivos. O conhecimento das diferenças Para desenvolver expectativas positi-
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vas, é essencial que o professor conheça ção das diferenças impede que os alunos
múltiplas formas de eliminar e contornar se confrontem com outros pontos de vista
dificuldades e barreiras e que possa, a par- e realidades e por este motivo empobre-
tir deste trabalho, acreditar e fazer acre- ce a qualidade da educação (RODRIGUES,
ditar que o aluno é muito mais do que as 2008).
suas dificuldades e que existem variadas
Fazendo uma síntese retrospectiva,
formas para se chegar ao sucesso.
vimos que a educação especial se funda-
Conhecer casos de boas práticas, co- menta em bases filosóficas, históricas, so-
nhecer percursos pessoais para além da ciológicas, legislativas e pedagógicas.
idade escolar, conhecer, enfim, depoimen-
Há um artigo elaborado por Luiza Corte-
tos de pessoas que conseguiram construir
são (pesquisadora e professora portugue-
vidas autônomas e úteis apesar de con-
sa), “O arco-íris e o fio da navalha – proble-
dições adversas, são certamente fatores
mas em face das diferenças” que propõe
que influenciam a formação de atitudes.
duas metáforas em que o arco-íris simbo-
Claro que quanto maior for a implicação e
liza uma situação de preocupação e intran-
proximidade da pessoa com estes proces-
quilidade, mas oferece também esperan-
sos bem sucedidos, mais sedimentada e
ça; já o fio da navalha, segundo a autora,
convicta será a sua atitude positiva face à
poderá acentuar a vertente da dificuldade,
possibilidade de sucesso de alunos com di-
do risco que comporta cada passo dado e
ficuldade.
cada iniciativa. Estas metáforas represen-
De acordo com os documentos oficiais, tam o equilíbrio e a ousadia que ora tom-
a educação especial, modalidade de edu- bam para um lado, ora para outro.
cação escolar, é um processo educacional
Pois bem, trabalhar com educação es-
definido por uma proposta pedagógica que
pecial no contexto da educação inclusiva é
assegure recursos e serviços educacionais
complexo, é desafiador e igualmente moti-
especiais, organizados institucionalmente
vador se nossas opções passarem por vias
para apoiar, complementar, suplementar
de mão dupla onde transitem autonomia e
e, em alguns casos, substituir os serviços
emancipação para todos.
educacionais comuns, de modo a garantir a
educação escolar e promover o desenvol-
vimento das potencialidades dos educan-
dos que apresentam necessidades edu-
cacionais especiais, em todas as etapas e
modalidades da educação básica.
REFERÊNCIAS
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soas-com-deficiencia
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SANTOS, Sofia; MORATO, Pedro. Acer-
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2012, vol.18, n.1, pp. 3-16. Disponível em:
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ANEXOS