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MOBILIZAÇÕES POLÍTICAS E O MOVIMENTO SURDO: SOBRE OS (NOVOS)

ARRANJOS DAS AÇÕES COLETIVAS CONTEMPORÂNEAS1

Eudenia Magalhães Barros (PPGS/IFCH/Unicamp - São Paulo)

RESUMO: Atualmente, as mobilizações da comunidade surda têm como objetivo


principal a conquista das Escolas Bilíngues para surdos. O coletivo denominado
“Movimento Surdo em favor da Educação e da Cultura Surda”, conduzido por surdos e
apoiadores da causa, agrega lideranças de várias instituições representativas da
comunidade surda brasileira. Um dos eventos que marcaram a constituição desse
coletivo foi a manifestação ocorrida em maio de 2011, em Brasília, com o intuito de
chamar atenção do MEC, questionando o método da escola inclusiva e propondo
alternativas que levam em consideração as peculiaridades metodológicas no ensino de
crianças surdas. Considerando a discussões que dizem respeito aos movimentos sociais
contemporâneos e suas lutas em defesa de direitos específicos, aproximando-se da
agenda que faz uso da noção de repertório para analisar especialmente as performances,
os sentidos e os usos dos agentes nas suas mobilizações políticas, esse artigo se pretende
analisar, tomando como referência as experiências de campo na mobilização de 2011,
como ocorre a apropriação e adaptação de repertórios num contexto em que há uma
constante construção performática da identidade surda; a redefinição de repertórios não
apenas relacionada às oportunidades políticas e aos contextos locais, mas
principalmente aos agentes em si, enquanto sujeitos surdos, que atribuem novos
sentidos nas interações confrontacionais através da sua constante luta pela afirmação da
cultura surda.
PALAVRAS-CHAVE: Movimentos sociais; Comunidade Surda; Repertório

Alinhando-se ao cumprimento da Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002,


regulamentado pelo Decreto nº5.626 de 22 de dezembro de 2005, de que dispõe sobre a
Língua Brasileira de Sinais como segunda língua oficial do país, assegurando o direito
dos usuários da libras de terem acessibilidade através da difusão da língua e formação
de profissionais da área, entre outras resoluções, as mobilizações da comunidade surda2
tem como foco a conquista das Escolas Bilíngues para surdos.

O coletivo denominado “Movimento Surdo em favor da Educação e da Cultura


Surda”, liderado e organizado por surdos e apoiadores da causa, se constituiu em 2011
agregando lideranças de várias instituições representativas da comunidade surda
brasileira. Um dos eventos que marcaram a constituição desse coletivo foi a
manifestação ocorrida no dias 19 e 20 de maio de 2011, em Brasília, com o intuito de

1
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
2
Ao falar comunidade surda, significa referir-se aos próprios surdos, aos pais, familiares e amigos de
surdos, e aos intérpretes e tradutores da Libras (Tils).

1
chamar atenção do Ministério da Educação, questionando o método da escola inclusiva
e propondo alternativas que levam em consideração as idiossincrasias que envolvem as
metodologias de ensino de crianças surdas.

Esse coletivo é formado por surdos e ouvintes envolvidos historicamente em


mobilizações do movimento surdo brasileiro, um movimento social que se constitui a
partir de uma agenda política relativa às questões da surdez e em defesa das línguas de
sinais. Para tal ocasião, os conceitos tillyanos sobre ações coletivas e política
contenciosa ajudam na compreensão dos fatos históricos e dos eventos ocorridos,
principalmente por considerar que o movimento surdo brasileiro se configura como uma
mobilização coletiva envolvendo um conjunto de performances que confrontam o poder
político em prol de demandas específicas, e fomenta a construção de uma identidade.

Aproximando-se da agenda que faz uso da noção de repertório para analisar


especialmente as performances, os sentidos e os usos dos agentes nas suas mobilizações
políticas, esse artigo se pretende analisar como ocorre a apropriação e adaptação de
repertórios num contexto em que há uma constante construção performática da
identidade surda; o peso que a questão da surdez e o uso da libras tem na condução das
mobilizações políticas; a redefinição de repertórios não apenas relacionada às
oportunidades políticas e aos contextos locais, mas principalmente aos agentes em si,
enquanto sujeitos surdos, que atribuem novos sentidos nas interações confrontacionais
através da sua constante luta pela afirmação da cultura surda. O conceito de repertório
utilizado nesse artigo baseia-se principalmente nas produções de Charles Tilly
realizadas a partir dos anos 2000, e nas leituras de Alonso (2009, 2012) que auxiliaram
na contextualização e elucidação de tal conceito.

MOVIMENTOS SOCIAIS E ANÁLISE DAS MOBILIZAÇÕES COLETIVAS À


LUZ DE CHARLES TILLY

De acordo com Charles Tilly (2009), o que atualmente é reconhecido por


movimentos sociais, na realidade, é fruto de uma construção relativamente recente para
referir-se às ações populares que surgiram no final do século XVIII, e que se
diferenciavam pela sua nova forma de se organizar politicamente. Na obra Social
Movements, 1768-2004 (2004), Tilly apresenta como essa nova configuração política de
disputas e mobilizações coletivas foi se construindo historicamente. Segundo o autor,

2
Trata os movimentos sociais como uma forma específica de política
contenciosa – contenciosa, no sentido de que os movimentos sociais
envolvem a elaboração coletiva de reivindicações que, alcançando sucesso,
conflitariam com os interesses de outrem; política, no sentido de que
governos, de um ou outro tipo, figuram de alguma forma nesse processo, seja
como demandantes, alvos das reivindicações, aliados desses alvos, ou
monitores da contenda. (McADAM,TARROW e TILLY, 2001 apud TILLY,
2010)

Tilly também se vale da expressão confronto político para fazer menção aos
movimentos sociais devido a sua amplitude, abrangendo categorizações tais como
“revoluções”, “ciclo de protestos” e “ações coletivas”, utilizadas também entre analistas
e estudiosos para referir-se aos grupos que reivindicam interesses específicos, e que tem
como principal adversário o detentor do poder, geralmente o governo vigente (TILLY,
TARROW, McADAM, 2009). A nomenclatura confronto político é uma tentativa de
reportar-se teoricamente às ações sociais relacionadas a reivindicações por demandas,
buscando sintetizar algumas dessas interações empíricas em favor de uma análise
ampliada.

O lugar da história na compreensão dos movimentos sociais é de extrema


relevância, principalmente no que tange às diferenciações entre as formas de ação
política no decorrer dos séculos, os determinados contextos que possibilitaram tais
manifestações existirem e as maneiras pelas quais os movimentos foram incorporando
determinadas estratégias para suas organizações. Segundo Tilly, ao passo que o
contexto histórico modifica as oportunidades políticas, os interesses e as posições
dentro do movimento também são constantemente alterados, inovados e realinhados. Ao
adquirir experiência, o movimento passa a descartar estratégias que não foram eficazes,
aderido novos repertórios, tomando de empréstimo ações que foram eficazes com outros
atores políticos, com readaptações necessárias. Dessa forma, a dinâmica do movimento
social e as implicações que ele causa na realidade também altera, à longo prazo, as
estruturas de oportunidade, as formas de repressão e as identidades políticas. (TILLY,
TARROW, McADAM, 2009, p.27)

Para Tilly, o conceito de movimento social é constituído de três características


que servem de elementos distintivos na análise das ações sociais: envolve esforço dos
participantes em reivindicações direcionadas às autoridades – no caso, esse esforço pode
ser também denominado de campanha; combinação de uma lista especifica de ações
que delimita o que é considerado repertório dos movimentos sociais; e representações

3
públicas denominadas de VUNC (valor, unidade, números e comprometimento), que
expressariam as características dos participantes. (2010, p. 137)

Na visão de Tilly, o que confere status de movimento social a uma ação coletiva
é a combinação relativamente coesa e lógica entre campanha, repertório e
demonstrações de VUNC. Não necessariamente toda ação social configura um
movimento social; o autor argumenta que alguns elementos não fazem parte do cerne de
um movimento, mas que, na realidade, são apenas ações outras que podem ajudar a
fomentar a organização, como por exemplo, redes de apoio, campanhas, e quaisquer
iniciativas que atraiam adesão à causa. O que deve ser analisado quanto movimento
social, além das formas de intercessão dos três elementos citados anteriormente, é a
dinâmica interna, suas interações entre componentes, líderes, autoridades, pautas e as
intensas manobras e realinhamentos que permeiam o interior do movimento.

Evidenciando os atores sociais em meio aos confrontos políticos, “Os


participantes de movimentos nacionais fazem reivindicações às autoridades, mas
também afirmam suas próprias identidades – ou as das populações em nome das quais
dizem falar – como atores dignos, significativos e solidários.” (TILLY, TARROW,
McADAM, 2009, p. 22). Os movimentos sociais fazem reivindicações com referência a
uma identidade – o nós – que é constituída e fortalecida com as demonstrações de valor,
unidade, número e comprometimento (VUNC). A intensidade de cada elemento varia
entre os movimentos; para cada contexto, há um arranjo entre os participantes que
caracteriza quais são as posições ocupadas entre eles, a fase em que se encontra o
movimento e quais são as suas demandas ao longo do tempo em que se constituem
quanto organização.

Além dos interesses e das oportunidades políticas, os movimentos sociais se


constituem também devido às redes sociais de apoio, às motivações pessoais, às
interações entre pessoas com laços que ultrapassam os incentivos formais e individuais.
A interação que ocorre entre os participantes dos movimentos e o estado, as elites, e/ou
outros atores que detêm certo poder, ocorre de maneira conflituosa, em que as disputas
acontecem em uma dinâmica de constantes negociações, divergências e lutas.

Partindo da concepção teórica tillyana, é importante frisar que a análise dos


movimentos sociais e demais mobilizações políticas se detém principalmente nas
práticas, pois por mais relevantes que sejam os discursos dos agentes, é no momento da
4
ação que se torna possível observar as performances que os movimentos apresentam,
sendo elas repletas de sentidos; o foco é no estudo sistemático da ação coletiva do
confronto. Devido a tal contexto e sob essa perspectiva sociológica, o conceito de
repertório tem sido bastante apropriado na análise dos movimentos sociais.

SOBRE O CONCEITO DE REPERTÓRIO

Considerando que os movimentos sociais são um produto histórico ocidental que


configura formas de ação coletiva e não estão necessariamente presentes em todas as
culturas, Tilly formula a concepção de repertório, com caráter histórico-cultural, a fim
de argumentar que as formas de ação política estão disponíveis aos agentes em um leque
de possibilidades vinculado a um dado momento temporal específico. Nomenclatura
trazida do campo musical, em vários momentos o autor refere-se ao seu caráter
improvisador e criativo, equiparando, por vezes, o agente a um músico de jazz que está
diante de um conjunto harmônico determinado, porém livre para realizar o arranjo que
julgue mais exequível.

Segundo o autor, o repertório pode ser entendido como “um conjunto limitado
de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um
processo relativamente deliberado de escolha.” (Tilly, 1995, p.26 apud Alonso, 2009,
p.7). Devido ao seu caráter estrutural, esse conceito, portanto, teria como escopo a ideia
pragmática de que há modelos de ação que são apropriados por diferentes agentes,
possibilitando que vários grupos utilizem das mesmas ferramentas em suas
mobilizações. Por meio dessa perspectiva, a noção de repertório começa a considerar o
potencial de agência do ator que será compelido a escolher as melhores estratégias de
ação segundo a conjuntura política e as oportunidades vigentes. As possibilidades de
ação estão relacionadas às condições sociais, econômicas, políticas e histórico-culturais;
na medida em que mudam as estruturas sociais – e vale considerar que essas
transformações são lentas e contínuas –, paulatinamente, as estratégias de ação são
reformuladas, ressignificadas e, se menos eficazes, vão caindo em desuso.

Sobrevindo de uma percepção estruturalista, o conceito de repertório foi sendo


reformulado ao longo do tempo e das discussões levantadas em torno do tema. Em meio
a críticas levantas em relação ao pouco espaço de agency dessa ideia, Tilly passa a
considerar que é na interação entre atores em conflito que os repertórios se rotinizam,
abrindo espaço para o interacionismo simbólico, trazendo a ideia de que um repertório é

5
posto em prática através dos arranjos sociais, nas interações face to face e na
performance entre os atores envolvidos. De acordo com o autor, “Como suas
contrapartes teatrais, repertórios de ação coletiva designam não performances
individuais, mas meios de interação entre pares de grandes conjuntos de atores. Uma
companhia, não um indivíduo, mantém um repertório” (Tilly, 1995, p.27 apud Alonso,
2012, p. 25).

Ao mencionar a ideia interacionista de “rotina”, Tilly passa a considerar os


hábitos, os costumes, a tradição, e etc. na construção dos sentidos produzidos nas
situações de conflito, dando maior margem para as modificações das estratégias
conforme seus usos. No entanto, o repertório de uma época é considerado pequeno e
restrito, no qual seu processo de criação e inovação é podado pelo conjunto de
ferramentas disponíveis contextualmente. Segundo o autor, os repertórios são
reconstruídos adaptando e renovando as ações ao invés de romperem totalmente com as
estratégias de mobilizações anteriores.3

O repertório passa a ter um caráter duplo: ainda que possua um aspecto


“modular”, – conjunto de estratégias que podem ser identificados em diferentes
contextos –, ele passa a incorporar símbolos locais que singularizam as ações, não sendo
de todo idêntico em todos os contextos. (Tilly, 2005 apud Alonso, 2012, p. 29) Com a
influência da globalização, a difusão dos repertórios entre países e grupos diversos é
observada com mais atenção, principalmente porque é nesse momento que as
transformações das estratégias têm maior potencialidade de ocorrer. As escolhas e a
criatividade dos agentes ao incorporarem repertórios alheios são freadas pela tradição e
cultura local, como também pelas condições de oportunidades políticas.

Na medida em que os agentes se defrontam com situações inéditas, cabe à sua


criatividade adaptar determinadas ações já preexistentes no repertório a fim de alcançar
maior eficácia na mobilização. É nesse momento de agency que as atualizações
decorrentes da criatividade produzem particularidades nas performances. A

3
Mesmo após a tentativa de Tilly de ampliar o espaço da cultura na noção de repertório com a
incorporação das ideias interacionistas, a crítica que ainda prevalecia girava em torno, principalmente,
sobre o caráter prático e objetivo e da ausência do caráter simbólico e ritual que a noção de cultura
poderia contribuir nas análises das mobilizações. Nos anos 2000, Tilly reconsidera as críticas ao teor
estruturalista da sua abordagem, buscando ampliar ainda mais o espaço de agency, acionando com mais
entusiasmo o conceito de performance, atentando-se para as invariâncias de formas de ações em
diferentes contextos, e como os agentes se apropriam desses repertórios e o manejam em suas
mobilizações. (Alonso, 2012, p. 28)

6
flexibilidade das performances é mais evidenciada quando a intenção das ações é
“surpreender”; geralmente essa estratégia é utilizada pelos que estão desafiando o poder,
pois procuram em repertórios mais flexíveis maneiras de inovar, desestruturando o
modo como os detentores do poder irão reagir a tais mobilizações. Em contrapartida, os
detentores do poder, de certo modo, tendem a reproduzir repertórios rígidos baseados
em sua eficácia no passado. (Alonso, 2012, p. 30)

Quanto mais “modular” for o caráter das performances do repertório, maior será
o seu nível de transposição. Algumas estratégias de mobilização só fazem sentido em
contextos específicos, pois foram desenvolvidos partindo de situações particulares, e
quando são transpostos para situações diversas, perdem o sentido reivindicatório.
Portanto,

A transferência de repertórios é, então, processo relacional e disputado (pelos


agentes em interações conflituosas), histórica e culturalmente enraizado (o
peso da tradição) e condicionado pelo ambiente político nacional (as
estruturas de oportunidade). (Alonso, 2012, p. 31)

É importante destacar que, mesmo na circunstância em que o agente repete


estratégias do repertório disponível, a sua performance ocorrerá numa ocasião
semelhante, e não idêntica a do passado, e o seu desempenho se adapta a essa
conjuntura. (TILLY, 2006).

Na medida em que sociologia tillyana ganhou visibilidade no mercado de


conceitos que se propunham analisar as ações coletivas, alguns autores foram
apropriando-se do conceito de repertório, realizando devidas alterações, como por
exemplo, Ann Swidler (1995, 2001), que interpretou o repertório como sendo uma
“caixa de ferramentas”, dando ênfase aos aspectos simbólicos e as escolhas que os
agentes fazem ao montar suas estratégias de ação. Neste artigo, a apropriação das ideias
de Tilly se aproxima da interpretação do conceito de repertório realizada por Swidler, a
fim de compreender principalmente as nuances trazidas nas mobilizações de surdos, que
diferem, em certa medida, das mobilizações realizadas por não surdos.

MOBILIZAÇÕES POLÍTICAS DA COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA:


INSTITUIÇÕES, ORGANIZAÇÕES E DISPOSITIVOS REIVINDICATÓRIOS

Realizar a contextualização das lutas travadas pela dita Comunidade Surda


Brasileira é, de certo modo, reproduzir parte do discurso nativo, no qual é defendida

7
uma história única4 dos surdos, com fatos intrinsecamente interligados, conectando
todos os eventos registrados historicamente como sendo a legítima história do
“Movimento Social Surdo”, sendo constantemente recontada entre seus líderes e
participantes.

No entanto, por mais que haja um arremate político na linearização dos fatos
históricos, ainda assim, se faz necessário considerar tais dados do discurso padrão sobre
as lutas dos surdos, sendo desde já importante salientar que a construção da memória do
povo surdo atribui sentido às suas mobilizações, fortalecendo a identidade do grupo,
denominada por eles de identidade surda. A gênesis das organizações de instituições de
e para surdos no Brasil remete a uma reivindicação internacional de uma cultura e visão
de mundo próprias dos surdos, e fomenta o argumento da sua principal mobilização
política atual: o direito à escolas bilíngues.

A fim de salientar as lutas no Brasil, nesse artigo será ressaltado as principais


instituições no Brasil, apresentando um conciso relato sobre as articulações da
Comunidade Surda Brasileira, baseado em pesquisas já realizadas, e em pontos de vista
nativo.

Sobre os primeiros registros oficiais sobre surdos no Brasil

Segundo registros históricos oficias, a fundação do primeiro instituto para surdos


no país ocorreu no período do segundo império, com a chegada de um ex-aluno surdo
do Instituto de Paris, Hernest Huet. Sendo apoiado por Dom Pedro II, Huet conseguiu
um prédio na cidade do Rio de Janeiro, e em 26 de setembro de 1857, fundou o Instituto
Imperial dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educação dos
Surdos – INES. O interesse de fundar tal instituto seria impulsionado pelo fato de Dom
Pedro II ter um neto surdo, filho da Princesa Isabel com o conde D’Eu, parcialmente
Surdo.

O que conhecemos atualmente como a língua brasileira de sinais – Libras –


começou a se desenvolver nesse período. Com o alfabeto datilológico francês trazido
por Huet, os sinais caseiros já desenvolvidos por alguns surdos brasileiros foram sendo
organizados e readaptados com grande influência da língua de sinais francesa.

4
Sobre a expressão “história única”, uso o sentido dado pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie,
em “O perigo da história única”, disponível em: <http://www.ted.com/talks/lang/pt-
br/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html> Data de acesso: 26/01/2014.

8
Em um primeiro momento após sua fundação, o instituto utilizou a língua de
sinais na metodologia de ensino e sociabilização, porém, a partir de 1911, passou a
adotar o método oralista5, obedecendo às ordens do Congresso de Milão6 que proibia o
uso da língua de sinais. Em 1957, por influência da diretoria do instituto, foi proibido
qualquer tipo de uso, mesmo informal, da língua de sinais, impedindo até mesmo o
contato de alunos mais velhos com os novatos. Mesmo com essa proibição,
clandestinamente muitos professores e ex-alunos que frequentavam bastante o instituto
construíram focos de resistência e manutenção da língua de sinais.

A partir 1950, algumas associações de e para surdos foram sendo organizadas


pelo país7, tendo como foco a integração por meio de eventos esportivos, lúdicos e
recreativos. Nesse período, as atividades promovidas por esses agentes ainda não se
valiam do repertório dos movimentos sociais; as redes formadas por essas associações
se movimentavam em torno de competições e torneios esportivos, concursos de beleza,
promovendo reuniões periódicas e confraternizações.8 A organização nacional que
atualmente se configura como uma das instituições mais importantes na representação
das lutas atuais da Comunidade Surda Brasileira, a Federação Nacional de Ensino e
Integração de Surdos – FENEIS, também teve sua fundação atrelada com questões de
cunho mais social do que político.

Com o intuito inicial de agrupar instituições relativas aos sujeitos surdos em


âmbito nacional, no ano de 1977 foi fundada a Federação Nacional de Educação e
Integração do Deficiente Auditivo (FENEIDA), na cidade do Rio de Janeiro.9 A
organização dessa instituição teve a iniciativa de associações de surdos, do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES) e da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE), onde seus representantes eram principalmente profissionais

5
Método que prioriza o uso de ferramentas no intuito de reabilitar a pessoa com surdez e torna-la capaz
de aprender a língua oral. É utilizado nesse método o uso de aparelhos auditivos, sessões de
fonoaudiologia, leitura labial, e rechaça o uso de gestos na comunicação.
6
Congresso realizado no período de 06 a 11 de setembro de 1880, onde educadores de surdos se fizeram
presentes para debater o melhor método de ensino, sendo votado o método oral. Cf. QUADROS (org.),
2006.
7
A primeira associação de surdos foi a Associação Brasileira de Surdos-Mudos, no Rio de Janeiro, em
1930, mas brevemente desativada. Em 1954, foi fundada a Associação dos Surdos de São Paulo, que atua
até hoje. (RAMOS, 2004)
8
As associações também são consideradas espaços de resistência da língua de sinais no período em que
não era permitido o seu uso nas escolas para surdos.
9
Fonte: http://www.feneis.org.br/

9
ouvintes, e cuja a responsabilidade administrativa da entidade lhes pertencia. O teor
dessa instituição era de caráter assistencialista e de apoio aos deficientes auditivos.

Segundo as pesquisas de Brito (2013), os agentes surdos somente se


organizaram como um grupo articulado na luta pelos direitos humanos, pressionando o
Estado com suas demandas específicas e se valendo do repertório de movimento social,
no contexto da redemocratização do Estado brasileiro, atrelado especialmente ao
movimento social de pessoas com deficiência, no final dos anos 1980.

Brito (2013) descreve que um dos principais fatos que marcou o início das
articulações entre pessoas com deficiência no Brasil foi a iniciativa da Organização das
Nações Unidas (ONU) anunciar que o ano de 1981 seria o Ano Internacional das
Pessoas Deficientes, cujo lema era “participação plena em igualdade de condições”.
Com base no material divulgado e distribuído pela ONU, algumas associações voltadas
para pessoas com deficiência começaram a se articular em nome da igualdade de
direitos e reconhecimento social. Um fator importante que distinguiu tal articulação das
outras que já existiam foi o protagonismo das pessoas com deficiência, ocupando as
lideranças das mobilizações, que fora denominada “movimento social das pessoas com
deficiência”. (LANNA JÚNIOR, 2010) Como afirmou Brito,

O movimento social das pessoas com deficiência foi de grande importância


para assegurar garantias de direitos, particularmente na Constituição Federal
de 1988. Tão importante quanto essa positivação de diretos foi o modo pelo
qual eles foram conquistados. Desde as reuniões preparatórias do AIPD no
Brasil, as lideranças do movimento buscaram a autoafirmação e autonomia
da pessoa com deficiência. Essa agência pode ser interpretada como sendo de
franca oposição simbólica à lógica do modelo médico ou assistencialista da
deficiência. Rejeitou-se assim qualquer forma de tutela, seja pelo Estado, seja
pelas instituições que prestavam atendimento às pessoas com deficiência, seja
ainda pelas organizações da área de reabilitação coordenadas por pessoas que
não apresentavam deficiência. (2013, p.92 – 93)

O 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes ocorreu nos dias 22


a 25 de outubro de 1980, e contou com a presença de poucos surdos. Apenas uma
organização representante estava presente no evento, a Associação dos Surdos de Minas
Gerais (ASMG), porém, não havia intérprete em língua de sinais, o que acabou
limitando a participação dos mesmos.

As reivindicações internas mobilizadas pelos agentes surdos era basicamente o


acesso às informações através da Libras, justificadas pelo mesmo argumento que
compunha a demanda principal do movimento: condição de igualdade de oportunidades,

10
e o poder de decisão sobre suas próprias vidas. A defesa da Libras se tornou prioridade
entre os agentes surdos, e essa bandeira de luta específica fez com que o grupo criasse
autonomia diante o movimento de pessoas com deficiência.

No 3º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes ainda havia pouca


participação de surdos. Foi reconhecido que para cada deficiência havia demandas
específicas, e grupos foram organizados nesse encontro, onde cadeirantes, deficientes
visuais e auditivos foram agrupados separadamente. Os participantes surdos desse
evento decidiram por criar a “Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos”. Nesse
mesmo encontro fora colocado em votação a possível criação de uma instituição
nacional representante das pessoas com deficiência; os participantes surdos foram
contra a unificação, com a justificativa de que ainda não estavam preparados para
integrar o movimento e que precisavam se fortalecer internamente. É possível ainda
admitir que a comunicação entre os surdos usuário de libras e os demais militantes
deficientes era bastante limitada, o que ocasionou poucas discussões sobre as demandas
específicas dos surdos dentro do movimento mais abrangente. (RAMOS, 2004)

Os integrantes dessa comissão se dispuseram a concorrer à diretoria da


FENEIDA. No dia 16 de maio de 1987, foi organizada uma assembleia geral com
representantes dessa comissão e de algumas associações de surdos, onde fora decidido
pelo encerramento das atividades da FENEIDA, e sugerido um novo estatuto,
assumindo a nova administração da entidade uma chapa formada por maioria de pessoas
com surdez, e passando a chamar-se Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos (FENEIS).

Segundo a fala de Ana Regina e Souza Campello, em 1988, nesse momento


sendo a primeira presidente surda da FENEIS, o principal motivo que levou os surdos a
se apropriarem com mais ênfase das discussões relativas à eles mesmos foi
principalmente a questão da independência:

Consideramos da maior importância as colaborações que recebemos e


queremos continuar recebendo das pessoas que ouvem. Mas consideramos
também que devemos assumir a liderança de nossos problemas de forma
direta e decisiva à despeito das dificuldades que possam existir relacionadas à
comunicação. (RAMOS, 2004, p. 6)

Esta instituição continuou a realizar atividades de cunho educacional,


assistencial e sociocultural, para os surdos e seus interesses, com serviços que se

11
estendem desde à assessoria jurídica gratuita e capacitações de instrutores surdos para o
ensino, até a disponibilização de intérpretes e cursos de formação em Libras, dentre
outros. O principal intuito da FENEIS foi continuar a disseminar o conhecimento da
língua de sinais brasileira, como também assuntos relacionados às suas atividades e
projetos, eventos esportivos e culturais, porém com o teor político mais aflorado,
principalmente devido as lideranças que assumiram a instituição e seu envolvimento
com o movimento social de pessoas com deficiência. Nesse momento, as atividades dos
agentes surdos se direciona para a conquista de direitos, constituindo uma agenda
política que, mais tarde, tomaria força e visibilidade através dos atos públicos e
reivindicações.

Ainda que a FENEIS seja a instituição com maior respaldo na representatividade


das mobilizações de surdos atualmente, tal instituição funcionou como uma rede de
manutenção de interesses e fomentação de demandas específicas; em uma relação
dialética, tal instituição tanto forma lideranças que compõe o Movimento Surdo, como
dá respaldo a tal movimento e responde pelas suas mobilizações. Com a continua
disseminação da Libras e a construção de uma comunidade surda falante de tal língua,
gerou-se uma visibilidade nas dificuldades vivenciadas pelas pessoas com surdez em
vários âmbitos sociais (escolarização, acessibilidade, oportunidade no mercado de
trabalho, etc.).

Assumindo oficialmente a luta em prol da língua de sinais, a FENEIS utilizou de


seus materiais de divulgação, como revistas, apostilas e publicações, para fortalecer as
demandas do movimento social surdo. A mobilização em torno do direito ao uso da
Libras nas escolas foi direcionada ao Ministério da Educação e às instâncias legais, o
que, depois de um amplo processo, culminou na Lei de Libras.10

Em 24 de abril de 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a


Lei Federal 10.436, referente ao reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais –
Libras, como meio legal de comunicação e expressão. E, a partir desse respaldo legal, as
atuais lutas desse movimento social seguem em prol do direito a educação para crianças
surdas em escolas bilíngues.

***

10
Sobre o processo histórico com detalhes sobre essa conquista da Comunidade Surda, cf. BRITO, 2013.

12
O coletivo nacional denominado “Movimento Surdo em favor da Educação e da
Cultura Surda” surgiu em contraposição a uma das diretrizes do Plano Nacional de
Educação (PNE), um projeto de lei proposto no ano de 2010 pelo Poder Executivo que
tem como objetivo o desenvolvimento de projetos que se referem à educação escolar no
país em seus vários níveis, modalidades e etapas educacionais, além de propor
estratégias específicas para a inclusão das minorias, que vigoraria entre os anos de 2011
e 2020.

No que diz respeito à Educação Especial, o Projeto de Lei nº 8035/2010 prevê


que as crianças com algum tipo de necessidade especial devem ser incluídas em escolas
regulares, onde elas teriam o contato e interagiriam com as demais crianças,
proporcionando dessa maneira o estímulo ao respeito às diferenças. O Projeto pauta-se
na Constituição da República, sobre os direitos dos cidadãos de viver em sociedade “o
mais plenamente possível.” Há um forte ideário de que a escola mais adequada seria
aquela que pudesse atender a todo e qualquer tipo de aluno.11

A partir dessas diretrizes, as escolas regulares, para se adaptarem ao modelo


inclusivo, teriam o apoio da equipe do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
O AEE é um programa do MEC, que se propõe a qualificar professores da rede de
ensino público para que estes consigam lidar com qualquer tipo de aluno com
deficiência. Esse programa foi inserido na Constituição Brasileira, no Art. 208, que se
refere à responsabilidade de garantir a educação como dever do Estado:

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,


preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos


de idade;• (Inciso com redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional
nº 53, de 19/12/2006.) (BRASIL, 2008, p. 143)

Do ponto de vista dos elaboradores e executores desse programa, a Escola


Especial é considerada segregacionista, pois impede que o aluno com deficiência
conviva com os demais; em uma de suas cartilhas, o posicionamento ideológico que é
apresentado discorda nitidamente do modelo da Escola Especial:

11
Projeto em tramitação no Congresso Nacional - PL nº 8.035/2010. Apresenta o Projeto de Lei 8530/10
de autoria do Poder Executivo, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE). Disponível em:
<http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/5826>. Acesso em: 14 de setembro de 2012.

13
Estas questões geram polêmica entre muitos estudiosos, profissionais,
familiares e entre as próprias pessoas com surdez. Aqueles que defendem a
cultura, a identidade e a comunidade surda apoiam-se no discurso das
diferenças, alegando que elas precisam ser compreendidas nas suas
especificidades, porém, pode-se cair na cilada da diferença, como refere
Pierucci (1999), que em nome da diferença, pode-se também segregar.
(SEESP / SEED / MEC, 2007, p. 14)

Baseada na ideologia da inclusão, a rotina do aluno com deficiência teria dois


momentos de aprendizagem; em um turno ele estaria tendo aulas na escola regular,
junto aos alunos sem deficiência, e em outro turno, ele teria um “reforço”, com uma
equipe especializada na sua deficiência. O aluno teria uma dupla matrícula, que segundo
dizem as autoridades à frente do projeto do PNE, seria opcional.

Foi com a divulgação dessa notícia, realizada por uma liderança com grande
representatividade na Comunidade Surda Brasileira, que as discussões via redes sociais
começaram a ganhar força, e a mobilização promovida por alguns surdos no país
culminou na manifestação política nos dias 18 e 19 de maio de 2011, em Brasília,
organizada pelo “Movimento Surdo em favor da Educação e da Cultura Surda.”

OS PROTESTOS DOS SURDOS E SUAS PERFORMANCES: APROPRIAÇÕES


E ADAPTAÇÕES DE REPERTÓRIOS

Nos dias 19 e 20 de maio de 2011, centenas de pessoas participaram em Brasília


dos atos políticos em favor das escolas bilíngues para surdos. Uma agenda de atividades
fora organizada pelas lideranças, concentrando os manifestantes em determinados
locais, enquanto algumas pessoas se reuniam com representantes do Ministério da
Educação (MEC), Deputados e Senadores. A programação oficial prevista, distribuída
em folders, girava em torno dessas atividades: dia 19, manifestação em frente ao prédio
do MEC, com sugestão de acampamento; dia 20, passeata partindo do Museu Nacional
até o Congresso.

A manifestação do dia 19, quinta-feira, iniciou-se pela manhã, em frente ao


prédio do MEC, ponto de encontro para a comunidade surda e interessados na causa.
Algumas dezenas de pessoas utilizaram vários artefatos para proclamarem suas
reivindicações: faixas com frases de denúncia, bandanas, desenhos, nariz de palhaço.
Porém, os artefatos mais evidentes, presentes nas mãos de quase todos os manifestantes
nesse primeiro momento foram os apitos, cornetas, vuvuzelas, buzinas, instrumentos de
percussão (bumbo, surdo e tarol). O uso de instrumentos que produzem ruídos em

14
manifestações não é inédito a esse movimento; o que pode ser elencado como uma
apropriação autêntica dessa estratégia é a tentativa de desconstruir a relação
surdez/silêncio. Os manifestantes assumiram tal estratégia a fim de expor que eles
“também têm voz” e “querem se fazer ouvir” pelas autoridades. A regência dos
compassos musicais tocados pelos percussionistas surdos era feita de maneira visual,
sem o auxílio de ouvintes, situação que causava espantos entre os funcionários do
governo que os observavam pelas janelas do prédio.

A constância de ruídos que os apitos e as buzinas faziam contradisse a


expectativa de um movimento silencioso e calmo; ao incorporar essa performance, o
movimento surdo surpreendia por trazer para as suas mobilizações elementos que,
supostamente, não lhes conviria ou não lhes seria cabível, devido a própria concepção
de deficiência auditiva. O fato é que, segundo o discurso nativo, quanto maior o volume
dos sons emitidos, maior o impacto da vibração nos seus corpos surdos, fazendo-os
interagir com a música.

No local, muitos cartazes estavam erguidos: reivindicações por igualdade de


direitos, respeito à diferença, e principalmente, pelo direito de participar das decisões
que lhes dizia respeito. O lema “Nada sobre nós sem nós”, escrito em letras garrafais
nas faixas trazidas pelos surdos, remetia a uma discussão célebre entre os estudos das
pessoas com deficiência e suas lutas políticas12. Em uma das faixas, o artigo 24 da
Convenção da ONU13 ressaltava que a suas reivindicações estavam condizentes com a
legislação internacional do direito das pessoas com deficiência. Enfatizar que as ações
reivindicatórias do movimento estão aparadas por um documento legal valida o discurso
de que o Estado não tem sido eficaz nas políticas públicas voltadas para essa parcela da
população, revelando uma interação contenciosa entre tais agentes e as autoridades
políticas.

Outras faixas apresentavam frases em favor das escolas bilíngues para crianças
surdas, e outras contra o modelo inclusivo sugerido pelo MEC: “Não à inclusão

12
Em 1993, James Charlton publica “Nothing about Us without Us: Disability Oppression and
Empowerment”, uma das primeiras produções que se dispôs a realizar um panorama teórico que
debatesse a questão das opressões à deficiência, realizando comparações entre outros tipos de opressão,
dentre eles o racismo, o sexismo e o colonialismo.
13
“Garantindo que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja
ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em
ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.” Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, Brasília, 2007.

15
homogeneizadora”. Essa é uma das pautas mais polêmicas trazida pela comunidade
surda porque, diante das lutas defendidas principalmente pelos movimentos de pessoas
com deficiência, a necessidade da inclusão é um fator primordial para que tais sujeitos
sejam reconhecidos como cidadãos, possuidores de direitos e deveres como qualquer
outro indivíduo; a inclusão plena seria o ápice da conquista dos direitos das pessoas
com deficiência à cidadania.

Porém, o modelo inclusivo de educação é percebido pelo movimento surdo como


sendo um retrocesso, devido ao fato de que a língua utilizada na sala de aula não seria
em Libras, língua defendida como a mais apropriada na educação de surdos. As pessoas
com deficiência motora, intelectual e visual, por exemplo, utilizariam como primeira
língua o português, sem encontrarem maiores dificuldades em aprendê-la, sobretudo
porque conseguem ouvi-la e reproduzi-la oralmente. Para as pessoas cegas, há o sistema
alfabético Braille, para que seja possível a leitura; não chega a ter o status de língua
como a Libras, mas uma readaptação do símbolo gramático para que esse possa ser
capturado através do sentido tátil.

No caso dos surdos, o sistema de aprendizagem da língua portuguesa requer


recursos que estimulem a oralização do sujeito, fazendo com que aprenda a ler lábios,
emitir os sons e utilizar aparelhos auditivos. Há inúmeros debates que questionam esse
método de aprendizagem, sobretudo os estudos de Fernando Capovilla (2006, 2008,
2011)14, que são incorporados nos discursos da comunidade surda para embasar
cientificamente um argumento que vem sendo defendido pelos sujeitos em seus debates
internos ao movimento social.

Em um primeiro momento, pode-se entender que o movimento surdo estaria na


contramão do movimento mais amplo das pessoas com deficiência. De fato, quando
houve reações negativas ao modelo inclusivo do governo por parte do movimento
surdo, a adesão às redes estabelecidas anteriormente não vingaram; o projeto político
trazido pelo movimento de pessoas com deficiência visa principalmente à inclusão
escolar, e nessa circunstância, o ponto de vista dos movimentos foi divergente. No caso,
a pressão política realizada em prol da inclusão se deu de forma majoritária, e o

14
Fernando César Capovilla, pesquisador e professor em psicologia (USP), realiza a mais de 10 anos
pesquisas sobre neuropsicolinguística cognitiva, desenvolvendo estudos que apresentam em seus
resultados fatores que comprovam a eficácia do ensino da língua de sinais na primeira infância para que a
criança surda consiga construir o léxico necessário para a compreensão de mundo, e posteriormente possa
associar os significados aos códigos escritos do português em um segundo momento.

16
movimento surdo divergiu do seu grupo político mais próximo, configuração que
diverge das análises tillyanas, que afirmam:

[...] os ativistas se empenham muito para criar coalizões e tentar formar


identidades coletivas mais amplas em torno delas, disputando o controle de
organizações, eliminando agendas rivais, criando expressões de apoio
unificado para seus próprios programas e negociando com as autoridades.”
(TILLY, TARROW, McADAM, 2009, p.23, 24)

Jovens surdos com nariz de palhaço carregavam mais faixas, escrito “Respeito à
Cultura Surda”, e em vermelho “Fora Martinha Clarete”, até então diretora de Políticas
de Educação Especial, “Professores Surdos Já!”; esse era o cenário das primeiras
movimentações da quinta feira, 19, em frente ao prédio do MEC.

A próxima atividade agendada ainda pela a manhã era a ocupação do Senado


Federal. Uma audiência fora convocada pelo senador Lindberg Farias (PT/RJ),
presidente da Subcomissão Permanente de Assuntos Sociais das Pessoas com
Deficiência, e cerca de 200 participantes ocuparam a sala da Comissão de Assistência
Social, restando ainda outros manifestantes que ocuparam o lado externo do auditório.
O ato da ocupação já havia sido inserido no repertório de ação dos agentes surdos há
algum tempo; na votação da lei de Libras, por exemplo, a comunidade surda ocupou o
plenário, lotando as galerias, e ao final da votação, fez uma grande confraternização nos
gramados do Congresso Nacional. (BRITO, 2013)

À tarde, mais passeatas foram realizadas em torno do prédio do MEC. Ao


entardecer, todos os manifestantes se agruparam nos gramados do Congresso Nacional
para realizar uma homenagem aos surdos que estudaram no INES na época em que a
língua de sinais era proibida. Ao anoitecer, os manifestantes acenderam velas em
referência aos surdos que resistiam em conversar em língua de sinais nos corredores do
INES, na calada da noite, à luz de velas.

Geralmente, o uso de velas nas mobilizações traz da esfera religiosa elementos


que são ressignificados em ações políticas, como por exemplo, nos atos do movimento
negro no Dia da Consciência Negra (20 de novembro), em Belém – PA, onde
manifestantes as acenderam em memória dos líderes negros que morreram vitimas do
racismo.15 Na perspectiva religiosa cristã, a vela tem uma simbologia bastante relevante,

15
Fonte: <http://m.g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/11/movimentos-sociais-realizaram-ato-no-dia-da-
consciencia-negra > Acesso em: 28/01/2014.

17
significando a luz que ilumina o caminho da escuridão indicando o caminho a ser
seguido – “onde houver trevas, que eu leve a luz”, segundo a oração de São Francisco
de Assis; a vela simboliza o Cristo ressuscitado, “a verdade, o caminho e a luz”. Esse
ato simbólico de indicar o caminho verdadeiro através da luz emitida pela vela foi
utilizado, por exemplo, contra o ministro da suprema corte, em frente ao Superior
Tribunal Federal, em maio de 2009, onde manifestantes acenderam cerca de 5 mil velas
diante a entrada do STF, para “iluminar” a postura do magistrado. 16 Em alguns
protestos, o ritual do velório é realizado denunciando a morte de algo, por exemplo,
como no uso de caixões onde fora escrito “democracia” em atos contra a não paridade
nas eleições para Reitor das universidades federais e estaduais.

No caso da comunidade surda, o uso das velas evidenciou a ideia da resistência;


a fim de enfatizar que a língua de sinais brasileira é fruto da persistência dos surdos ao
utilizarem uma comunicação dita proibida, a manifestação demonstrou que os agentes
continuarão resistindo em utilizar a Libras como primeira língua na luta pelas escolas
bilíngues, e não se sujeitarão à oralização. Segundo o discurso de uma das ativistas, a
luz também foi indicada como um caminho da verdade, remetendo-se a uma simbologia
religiosa:

Na ausência de luz, não nos comunicamos. Na ausência de uma escola


bilíngue, não teremos como nos comunicar, nos desenvolver e nos
transformarmos em sujeitos atuantes no mundo. Estamos buscando essa luz,
por meio de uma educação melhor. (Karin Strobel, REVISTA FENEIS, nº
44, p. 13)

Na manhã da sexta-feira, 20, contabilizou-se a presença de cerca de 4 mil


pessoas na passeata que partiu do Museu Nacional rumo ao Congresso Nacional. A
rampa do Museu serviu de palanque para as lideranças estaduais realizarem seus
discursos; a organização da passeata e a disposição dos grupos foram feita por estado,
onde um líder de cada grupo fora escolhido para representar na rampa a sua delegação,
dispostos de maneira tal que cada líder estivesse posicionado em frente a cada grupo de
pessoas e pudesse repassar as coordenadas de como se daria a passeata.

A transmissão das coordenadas e a proclamação das “palavras de ordem” tinham


como intermediadores os intérpretes; as orientações eram ditas simultaneamente em
Libras pelas lideranças estaduais, e em português pelos intérpretes a fim de contemplar

16
Fonte: < http://noticias.terra.com.br/brasil/manifestantes-acendem-5-mil-velas-em-protesto-contra-
mendes,04b94999eed4b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html> Acesso em: 28/01/2014

18
os ouvintes que também estavam presentes na manifestação. O apoio desses agentes era
de fundamental importância, principalmente na passeata pela avenida rumo ao
congresso nacional devido à segurança dos manifestantes durante o fluxo de automóveis
no lugar.

Ao decorrer da tarde, novamente reunidos em frente ao prédio do MEC, algumas


apresentações de teatro aconteceram. Palhaços surdos contavam piadas referentes ao
modelo inclusivo das escolas, denunciando a possível exclusão que ocorreria entre
pessoas ouvintes não falantes de Libras e surdos que estariam isolados sem conviver
com seus pares. Lideranças organizaram essas apresentações na intenção de mostrar às
autoridades que a comunidade surda tem humor e cultura própria. Crianças surdas
também subiram no trio que servia de palanque para depor em favor das escolas no
intuito de demonstrarem que a demanda de fato existia; essa estratégia pode ser
interpretada também como uma tentativa de sensibilização, e com o envolvimento de
crianças nos atos políticos fortalece tal performance.

***

As performances dos surdos, ao utilizar o repertório dos movimentos sociais,


tiveram o intuito de reiterar a cultura e a identidade surda; por mais que as suas ações
viessem a repetir repertórios eficazes de outros movimentos, a sua justificativa recaia no
fortalecimento das mobilizações dos surdos, sendo que quaisquer ações advindas desses
agentes eram considerados legitimamente expressão cultural própria da comunidade
surda.

Ao utilizar materiais sonoros nos protestos, os surdos defendiam que tal


expressão remetia à sua particularidade cultural; surdos gostam de vibrações, se reúnem
em ambientes festivos com volume sonoro elevado, têm o hábito de frequentar baladas,
boates e casas de show com bastante música, e promovem festas que não são
silenciosas, como geralmente se espera em um ambiente com surdos. Ao trazer
elementos que compõe grande parte das formas de mobilização dos movimentos sociais
composto por ouvintes, percebe-se a eficácia dessa estratégia de ação e enfatiza seu
aspecto modular, sendo adaptado por agentes que, à priori, era esperado que não fariam
um uso adequado de tal estratégia. No entanto, o uso dos instrumentos sonoros tanto

19
atingiu seu objetivo principal – atrair a atenção dos passantes e das autoridades – quanto
serviu para reinterar o discurso da identidade surda.

Outro exemplo é o caso do uso das velas, onde o elemento trazido do campo
religioso se remeteu a um fato histórico de resistência do uso da língua de sinais no
Brasil, trouxe algumas evidências de que elementos de outros campos podem ser
incorporados na mobilização política devido ao fato de que seu significado é
compreendido dentro do contexto cultural e temporal em que fora realizado.

A diferenciação no uso do repertório não girava especificamente em torno de


práticas exclusivas dos agente surdos; performances foram adaptadas muito mais em
seu significado proferido do que na ação em si. Nas ações quem envolvessem o “som”
da palavra dita, os intérpretes estavam realizando tal performance; os discursos, que
eram traduzidos em tempo real, estiveram prioritariamente com os líderes surdos. Os
intérpretes possibilitaram que algumas estratégias de mobilização pudessem ser
realizadas, e isso tornou possível que tal ação política fosse identificada como uma
mobilização de cunho confrontacional e contencioso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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