RESUMO
Este artigo refere-se à neurose obsessiva, o qual apresenta uma conceituação da mesma a
partir da psicopatologia referenciada no DSM-IV, como também na abordagem psicanalítica,
remetendo-se a conceituação freudiana e lacaniana e perpassando por questões da
constituição do sujeito através da castração, do desejo e da morte, na formação e definição
de uma estrutura clínica neurótica obsessiva.
ABSTRACT
This article refer to an obsessive neurosis, that shows a conception of it, considering the
psychological diseases representing in DSM-IV, as to in an approach of psychoanalysis,
sending to a conception of Freud and Lacan and pass by questions about the subject
construction through the castration, the desire and the death, in formation and definition of a
clinic structure obsessive neurotic.
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Graduanda em Psicologia pelo Unileste- MG
2
Psicanalista, doutorando em Letras pela UFMG
3
Graduanda em Psicologia pelo Unileste-MG
4
Graduanda em Psicologia pelo Unileste-MG
5
Graduanda em Psicologia pelo Unileste-MG
Ser tomado como falo pela mãe possui uma dupla lógica, sustentada por um luxo perigoso:
ao mesmo tempo em que é fundamental para a constituição do sujeito, permanecer alienado
a essa posição é situar-se no lugar do Nada.
Com Lacan, podemos dizer que Espelho e Édipo são coincidentes, uma vez que o terceiro
tempo do Estádio do Espelho é coincidente com o primeiro tempo do Édipo. Ao sair da fase
identificatória do Estádio do Espelho, a criança coloca-se na posição de satisfazer o desejo
da mãe, na condição de falo e encontra-se, aí, assujeitada ao desejo da mãe.
Porém, é preciso que a criança saia desta posição de falo da mãe, pois a mesma pode ser
“engolida” pela mãe, e para isto torna-se necessário a entrada do pai nessa relação, para
No terceiro tempo do Édipo, é fundamental que o pai não seja apenas o castrador, mas é
necessário que ele aponte possibilidades. Ele deve se apresentar para a mãe como aquele
que pode dar o que ela deseja. E ao filho deve se mostrar potente, para que o mesmo possa
se identificar com o pai, pois ele é quem tem o falo. Lacan ressalta que, “o pai pode dar a
mãe o que ela deseja, e pode dar porque possui. Aqui intervém, portanto, a existência da
potência no sentido genital da palavra – diga-se que o pai é um pai potente. Por causa
disso, a relação da mãe com o pai torna a passar para o plano real”. Diante ainda dos
dizeres de Lacan, “o pai se revela como aquele que tem. É a saída do complexo de Édipo.
Essa saída é favorável na medida em que a identificação com o pai é feita nesse terceiro
tempo, no qual ele intervém como aquele que tem o falo. Essa identificação chama-se Ideal
do eu”.
Em síntese, pode-se pensar que ao final do Édipo o que se tem de um sujeito é a sua
estrutura – neurose, psicose ou perversão – e em cada estrutura, tem-se um tipo clínico –
aqui, interessa-nos a neurose obsessiva. No entanto, é oportuno destacar que em uma
psicanálise de orientação lacaniana, o que sustenta um tratamento e faz um sujeito é a
particularidade de cada caso.
Com esta lista, o DSM-IV encerra sua discussão sobre aquilo que poderia ser a neurose
obsessiva. A título de esclarecimento, O Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação
Psiquiátrica Norte-Americana (DSM) constitui o resultado melhor acabado das propostas
empírico-operacionais da chamada Escola de Saint-Louis, liderada por Feighner, Robins e
Guze na década de 70. A criação de um sistema operacional de diagnóstico para pesquisa
como o RDC (Research Diagnostic Criteria) e, posteriormente, do DSM-III derivam
diretamente das proposições elaboradas por aquele grupo de pesquisadores, que tinha
como finalidade o fim da “Babel diagnóstica” que aparecia nas disciplinas implicadas na
psicopatologia. De fato, os vários manuais e índices diagnósticos chegavam a utilizar a
mesma designação para objetos teóricos diversos. A finalidade, então, dessa escola era
criar um sistema objetivo e pragmático para a classificação do sofrimento mental.
Freud (1996), em seu texto sobre as neuroses de, apresenta sua preocupação com o
problema das neuroses e a partir de seus estudos sobre o tipo clínico Neurose Obsessiva,
pode afirmar que o paciente que analisou gozava de boa saúde mental até o momento em
que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa – isto é, até que
seu eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que
suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua
capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio
da atividade de pensamento.
Mas a soma de excitação desvinculada dela tem que ser utilizada de alguma outra forma.
Até este ponto, os processos observados na histeria, nas fobias e nas obsessões são os
Pode-se dizer que, todo ‘Eu’ constrói uma fantasia. Sendo assim, o que caracteriza a
neurose é que o Eu está submetido às exigências da realidade e imposições do supereu.
Para o obsessivo, a questão do desejo é central. Esse desejo, como diz Lacan, “é o desejo
do outro, porque seu desejo é evanescente. A razão disso deve ser buscada numa
dificuldade fundamental de sua relação com o outro, na medida em que este é o lugar onde o
significante ordena o desejo. Assim, o sujeito procura se exprimir, manifestar num efeito de
significante como tal aquilo que acontece em sua própria abordagem do significado”.
Dessa forma, o desejo que é revelado pelo inconsciente é sempre incestuoso. No entanto, o
sujeito vive a anulação de seu desejo. Ele tenta evitar o desejo, tamponando a sua falta, o
qual, não dá conta dessa inconsistência. Diante disto, Rinaldi coloca que, “o obsessivo está
orientado para o desejo, mas o que é característico de sua sintomatologia, é que, ao
apreender o desejo no Outro, o que causa angústia, ele recorre, como defesa, à demanda
do Outro. O recobrimento do desejo pela demanda revela a profunda dificuldade do sujeito
obsessivo para passar ao lugar do desejo e sustentá-lo por sua conta e risco, sendo assim,
ele está sempre na dependência que o Outro o autorize ou lhe peça isso”.
Lacan ressalta que “o desejo sempre ultrapassa qualquer espécie de resposta que esteja no
nível da satisfação, pede, em si mesmo, uma resposta absoluta, e, portanto projeta seu
Pode-se também dizer que, o obsessivo nega o tempo todo o amor. O amor é considerado
para a psicanálise, um desencontro, devido o obsessivo negá-lo o tempo todo, sendo que, o
que fica é o seu falo. “É no espaço virtual entre o apelo da satisfação e a demanda de amor
que o desejo ocupa seu lugar e se organiza. Por isso é que só se pode situá-lo numa
posição sempre dupla em relação à demanda, ao mesmo tempo além e aquém, conforme o
aspecto pelo qual se considere a demanda – demanda em relação a uma necessidade, e
demanda estruturada em termos de significante” (Lacan). O que fica marcado então é a
impossibilidade do obsessivo de se haver com o seu próprio desejo.
Para Lacan, “o desejo sempre ultrapassa qualquer espécie de resposta que esteja no nível
da satisfação, pede, em si mesmo, uma resposta absoluta, e, portanto projeta seu caráter
essencial de condição absoluta em tudo o que se organiza no intervalo interno entre os dois
planos da demanda, o plano significado e o plano significante. É nesse intervalo que o
desejo deve ter lugar e se articular”. Rinaldi ressalta que, “é nesse intervalo, entre a relação
do sujeito com sua demanda e o Outro que lhe é tão necessário, que se localiza o desejo,
em si mesmo anulado, mas cujo lugar é mantido. E é isso que se pode servir de guia na
condução da análise de neuróticos obsessivos”.
Lacan contribui, dizendo que, “a subsistência da dimensão oral constitui o ponto de equilíbrio
da fantasia obsessiva como tal, sendo necessária existir. No entanto, o obsessivo está
sempre pedindo alguma permissão, pois assim ele estabelece uma certa relação com a
Assim, “o obsessivo oscila num balanço, e que seu desejo, quando sua manifestação, indo
longe demais, torna-se agressivo, recai quando ou pende de novo para um
desaparecimento, ligado ao medo da retaliação efetiva dessa agressividade por parte do
outro, ou seja, ao medo de sofrer por parte deste, uma destruição equivalente à do desejo
que ele manifesta. Pois é preciso que o outro se preserve e se sustente a qualquer preço,
pois é o lugar onde se registra a façanha, onde se inscreve sua história. É isso que torna o
obsessivo tão adepto de tudo o que é da ordem verbal, da ordem do cálculo, da
recapitulação, da inscrição, e também da falsificação. O que o obsessivo quer manter acima
de tudo, sem dar a impressão disso, com um jeito de quem almeja outra coisa, é esse outro
onde as coisas se articulam em termos de significante” (Lacan).
O sujeito se sente realizado quando reconhece o desejo do outro como tal, sendo esta, uma
fantasia, uma ilusão, para o obsessivo, pois o que ele quer é que o outro consinta com seu
desejo. Assim, os caminhos encontrados pelo obsessivo, para a busca da solução do
problema de seu desejo, são interpretados de uma maneira clara para ele, podendo-se
confirmar tal fato, na maneira como se comporta com seu semelhante. Lacan coloca que,
“poupar o outro é exatamente o que está no fundo de toda uma série de cerimoniais, de
precauções, de desvios, em suma, de todas as manobras do obsessivo. O obsessivo tem a
tendência a repetir atos, o que equivale a mergulhá-lo à repetição em suas formas mais
gerais, que vem como uma tentativa de solução do problema da relação do desejo com a
demanda”.
Diante destas afirmações, Rinaldi afirma que “estas indicações são preciosas porque
permitem destacar duas questões centrais para a análise da complexa dinâmica do desejo
na neurose obsessiva: a relação ao significante falo, que ressurge em todos os pontos da
fenomenologia do obsessivo, através de sua polipresença nos sintomas, e a prevalência da
morte que marca esta dinâmica de forma radical”.
“O obsessivo duvida. Por isto mesmo, ele duvida e deve ter razão de duvidar. Pois, se essa
operação que o tornou devedor tivesse sido bem sucedida, sua história poderia ter sido
outra. Ele poderia estar morto e no céu. Entre a obrigação de viver e a proibição de viver,
ele vai desdobrando sua estratégia, mas de pensamento” (Valore).
“Na Neurose Obsessiva, estamos o tempo todo dizendo desse corpo, da sina a que o
condenam as coordenadas obsessivas, mas cerní-lo diretamente não é fácil. Se escolhemos
passar pelo homem nos encontramos com o fato de que ele é um ser que não tem corpo”
(Valore).
O conceito de pulsão de morte, tal como formulado por Freud, indica que, para o homem, a
vida projeta-se desde sempre para a morte. Nossa única certeza é a morte, morte essa que
não pode, contudo, ser experimentada na sua radicalidade, como ponto limite cuja
ultrapassagem abole toda experiência possível. Mas é por referência a este ponto de falta,
que se desenvolvem os fenômenos da vida. Lacan vem destacar que é pela sujeição ao
significante, através da qual experimentamos a vida, que o homem se percebe como já
morto. Como não há experiência da morte, ela é simbolizada de outra maneira, justamente
pelo significante privilegiado que representa o desejo e o impulso da vida. É o falo que
assume um lugar especial na cadeia significante para introduzir a dimensão de falta-a-ser
através da qual a linguagem marca a vida do sujeito. (Rinaldi)
Enquanto o histérico encarna a falta, o obsessivo visa obturá-la, o que faz a qualquer preço,
em detrimento de seu desejo e através de sua inteligência e racionalização, nem sempre,
entretanto, fazendo justiça ao que se propõe – é conhecido o famoso “emburrecimento”
neurótico. Suturando a divisão que o histérico, por sua vez, explicita, ele abole a clivagem,
esquiva-se da castração, devota-se a preencher o intervalo, mas, sobretudo, vigia para
perseguir o desejo ali onde o fareja, mirando-o com seu implacável voto de morte (Lima).
Dessa forma, de acordo com Rinaldi, o obsessivo busca seu desejo num além, o que faz
com que ele faça o seu desejo passar à frente de tudo. Ao buscá-lo além, o que ele visa é o
desejo como tal na medida em que ele nega o Outro. Vemos aí claramente a presença da
pulsão de morte, como sustentação desse desejo puro. Mas o Outro é o lugar do desejo e,
para constituir-se, o desejo do sujeito precisa deste apoio no Outro. A destruição do Outro
representa a destruição do próprio desejo e é nisto que esbarra o obsessivo, revelando a
profunda contradição entre ele e seu desejo. Na verdade, trata-se de uma contradição que é
interna ao próprio desejo. Disso decorrem as constantes idas e vindas do obsessivo, uma
vez que a possibilidade de realização de seu desejo se apresenta como mortal. É desse
momento que ele se afasta, na medida em que alcançá-lo significa matar o desejo. Lacan
10
S. Leclaire (1977), citado em Lima, nos trás que o obsessivo está sempre pronto para tudo,
desde que não se comprometam. Neste sentido, vale lembrar que ele dá tudo, ou seja, na
verdade não dá coisa alguma, donde não se deve crer em sua aparente generosidade a
qual, segundo Lacan (op. cit.), é a máscara que encobre o ódio pelo Outro.
Sendo assim, Lima nos afirma, que o obsessivo não dialetiza”, seja em análise seja no
convívio familiar e social. Verificam-se neste sujeito características de imobilidade e
incomunicabilidade. Na descrição de Leclaire, citada em Lima, “ele sente-se isolado, vazio e
frio, emparedado sem nada para dizer.” Assim, se o sujeito histérico tem uma questão
sexual – sou homem ou mulher? – a questão do obsessivo é existencial, já observara Lacan
– estou morto ou vivo?
O que caracteriza sua demanda precoce e exigente, é que se trata de uma demanda de
morte, porque as primeiras relações com o Outro foram marcadas por essa anulação do
desejo em que ele se apreende como desejo no Outro. É esse lugar de enigma do desejo da
mãe que ele se vê convocado a ocupar, o que o instala no dilema de saber se ele é ou não
é aquilo que é o desejo do Outro. O recurso à demanda, como saída para esse impasse,
através do qual ele preserva o lugar de seu desejo enquanto excluído, anulado, não pode ter
no horizonte outra coisa senão uma demanda de morte. É o que se observa nos obsessivos
graves, em que os silêncios prolongados, que tantas dificuldades criam ao desenvolvimento
da análise, revelam os obstáculos que essa demanda de morte traz para a articulação do
discurso do obsessivo e de sua demanda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Ao considerar o desejo do obsessivo, este será sempre incestuoso devido remeter sempre à
falta do sujeito, e, portanto, ele quer tamponá-la, não querendo se houver com o mesmo. O
obsessivo não se atém com o seu desejo, ele anula o tempo todo o desejo do outro,
reduzindo-o ao objeto. Além disso, ele se coloca na posição de dependente do outro, como
forma de demandar algo, sendo capaz de verbalizar esta dependência, quando pede
permissão ao outro de algo. E, ao mesmo tempo, ele tende a destruir o outro, controlando-o,
que ao fazê-lo, tenta mantê-lo a qualquer custo, revelando neste ato, a sua profunda
dependência ao outro para a obtenção do acesso ao seu desejo. O obsessivo quer que o
outro consinta com o seu desejo. Sendo assim, uma forma de lidar com o problema de seu
desejo, de sua falta, é criando manobras para conseguir dar conta de uma situação
intolerável. Entretanto, o obsessivo passa a se orientar com o desejo do outro como uma
forma de defesa, relacionando assim, o tempo todo, com a sua demanda ao outro.
Para o obsessivo, seu corpo é destinado à morte, sendo que é com este corpo que pagará a
divida de um crime inaugural que ele não pode pagar. É a morte que ele deve, ele deve
acima de tudo seu corpo. E entre a obrigação de viver e a proibição de viver ele vai
desdobrando sua estratégia.
Por fim, pode-se dizer que o analista pode contribuir no caso clínico; neurose obsessiva, no
sentido de histerizar o sujeito, para que esse se apresente e assim coloque suas demandas.
Assim, é relevante que o analista veja o sujeito como um ser subjetivo, e através de uma
teoria, construa sua práxis, de acordo com o caso particular que estiver em questão.
REFERÊNCIAS
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GAZZOLA, Raul. Estratégias da Neurose Obsessiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005.
LACAN, Jacques. O seminário 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1999.
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