A catequese e a
inspiração catecumenal
História da Catequese:
Puebla, México, 1979
Pág. 3
Israel José Nery
Inspiração catecumenal
e conversão pastoral
Pág. 17
João Fernandes Reinert
Aspectos metodológicos
que brotam da inspiração
catecumenal
Pág. 27
Ariél Philippi Machado
Os sacramentos do
batismo, crisma e
eucaristia na perspectiva
da catequese a serviço da
iniciação à vida cristã
Pág. 37
Lucia Imaculada
Roteiros homiléticos
Luiz Alexandre Solano Rossi
Pág. 45
Se está na internet,
nem sempre é verdade!
FAKE POPE
AS FALSAS NOTÍCIAS SOBRE O
PAPA FRANCISCO
Nello Scavo e Roberto Beretta
Francisco é o papa mais difamado da
história? Levando em conta a quantidade de
boatos que pipocam sobre ele internet afora,
a resposta é sim! E muita gente acredita neles.
Mas será que tudo que está na internet é
verdade? Fake Pope: as falsas notícias sobre
o Papa Francisco prova que não! Escrito pelos
jornalistas Nello Scavo e Roberto Beretta, o
livro reúne 80 falsas notícias sobre Francisco,
revelando uma das maiores pragas do nosso
tempo: as fake news.
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História da Catequese:
Puebla, México, 1979
Israel José Nery*
Este artigo traça um panorama da catequese nos dez anos depois de Medellín
(1968) e, de modo especial, expõe o que o Documento de Puebla (1979) traz
sobre ela. Não podemos esquecer, porém, da 6ª Semana Internacional de
Catequese, realizada também em Medellín, na Colômbia, de 11 a 17 de
agosto de 1968, cujo documento final foi assumido e adaptado pelos bispos
latino-americanos na conferência daquele ano (Cap. 8). Tal texto é decisivo
para o impulso renovador da catequese, em nível mundial e latino-americano.
3
entre os dias 27 de janeiro e 13 de fevereiro, ra (cf. Christus Dominus, n. 14), até a velhice.
em razão do falecimento dos papas Paulo VI Elogiou e estimulou as mães e os pais, que se
e João Paulo I e da eleição do pontífice Karol tornam os amorosos mestres dos seus pró-
Wojtyla, que escolheu o nome de João Paulo prios filhos ao colocar-lhes nos lábios as pri-
II. Participaram de Puebla 356 bispos. meiras orações e nas mentes as primeiras no-
ções do Deus que está conosco.2
1. Alguns antecedentes de Puebla O pontífice também dirigiu uma palavra
de gratidão aos religiosos, religiosas, leigos e
1.1. Roma, 1971 leigas: “dedicados ao ensino do
Em abril foi publicado, em “A catequese catecismo, exercitais, vós mes-
obediência ao Concílio Vatica- é obra de toda mos, as mais preciosas virtudes
no II (1962-1965), o Diretório a Igreja, e não cristãs e dais à Igreja um inesti-
Catequético Geral (DCG).1 Para apenas dos mável contributo de fidelidade e
impulsionar o conhecimento e catequistas; não vitalidade”.
a aplicação desse DCG, reali- pode se limitar No final de sua alocução, fa-
zou-se em Roma, em setembro às crianças, na lou aos catequistas:
do mesmo ano, um Congresso idade da iniciação
Internacional de Catequese, cristã, mas deve Por fim, dirigimos uma palavra
promovido pela Sé Apostólica. progredir com a de louvor, estímulo e reconheci-
Nesse evento, alguns cateque- vida, até a idade mento, em nome de toda a Igreja
tas latino-americanos apresen- madura” (Christus Católica, aos catequistas paro-
taram as novidades de Medel- Dominus, n. 14) quiais, especialmente a vós, cate-
lín. Ressaltaram algumas ca- quistas missionários, homens e
racterísticas da catequese, afirmando, so- mulheres, que sois os verdadeiros e os pri-
bretudo, que ela precisava: a) ser situacio- meiros semeadores da Palavra do Senhor.
nal; b) ser conscientizadora; c) ser evangeli- A vós, as comunidades eclesiais devem a
zadora; d) ser libertadora e promotora do sua nascente fecundidade. A vós é confia-
ser humano; e) ter incidência política; f) do um precioso e, muitas vezes, impres-
levar à unidade entre teoria e práxis. Ou cindível ministério de suplência e promo-
seja, falava-se de uma catequese que tenta- ção, em favor das vossas comunidades.
va realizar a síntese entre Sacramento e An-
tropologia, entre Libertação, Bíblia, Tradi- O papa ainda relembrou as palavras de
ção, Teologia, Eclesiologia de Comunhão e santo Agostinho a respeito da necessária un-
Doutrina. ção interior que qualifica a missão de cate-
Durante o referido congresso, o papa quizar: “O que narras, deves narrá-lo de tal
Paulo VI, na Audiência Geral do dia 22 de modo que a pessoa com quem falas, ao ouvir
setembro, chamou a atenção ao dizer que a o que dizes, creia, e crendo, espere, e espe-
catequese é obra de toda a Igreja, e não ape- rando, ame”.3
nas dos catequistas; não pode se limitar às
nº- 325
ção catequética do povo”. Cf. CONGREGAÇÃO PARA O AGOSTINHO. De Catechizandis Rudibus, c. IV, 8,
Vida Pastoral
4
1.2. Roma, 1972
No ano seguinte, em 6/1/1972, Paulo VI As fontes da
promulgou, também em obediência ao Con-
cílio Vaticano II,4 o Ritual da iniciação cristã
Amoris Laetitia
de adultos (RICA), todo ele baseado no itine-
rário catecumenal de iniciação cristã, dos João Décio Passos
séculos III ao V.
1.3. Sínodos
Também se realizaram vários sínodos ro-
manos, entre Medellín (1968) e Puebla
(1979), que foram importantes para a reno-
vação da catequese. Citamos os principais: a)
sobre Justiça (1971); b) sobre Evangelização
(1974), do qual surgiu, em 1975, a Evangelii
Nuntiandi, de Paulo VI; c) sobre Catequese
(1977), do qual brotou, em 1979, a Catechesi
Tradendae, de João Paulo II.
1.4. O contexto
128 págs.
4
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum SAC: (11) 5087-3625
Concilium, n. 64-66; Decreto Ad Gentes, n. 14; Decreto
Christus Dominus, n. 14. Cf. RICA, n. 2: “o Concílio Vati- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
•
5
de Puebla: a) o Sínodo sobre Evangelização ríndia5 e conseguiram colaborar muito com
(1974), com a posterior publicação da Exorta- a conferência.
ção Apostólica Evangelii Nuntiandi, do papa
Paulo VI (1975); b) a batalha contra a Teologia 3. O documento final de Puebla
da Libertação perpetrada por uma ala da Igre- Com o título A evangelização no presente e
ja latino-americana, a qual também era contra no futuro da América Latina, o Documento de
as consequências teológicas e pastorais do Puebla (DP) foi aprovado e publicado. Todas
Concílio Vaticano II (1962-1965) e de Medel- as suas cinco partes são fundamentais para a
lín (1968) no continente, tendo renovação da catequese: 1) Visão
como um dos seus líderes e “Não é possível, pastoral da realidade latino-ame-
mentores o próprio secretário- para um seguidor ricana; 2) Desígnio de Deus so-
-executivo do Conselho Episco- de Jesus Cristo, bre a realidade da América Lati-
pal Latino-Americano (Celam), prescindir da na; 3) A evangelização na Igreja
dom Alfonso López Trujillo, em justiça social e da da América Latina: comunhão e
total oposição ao presidente do libertação integral participação; 4) Igreja missioná-
mesmo conselho, o brasileiro do ser humano” ria a serviço da evangelização na
dom Aloísio Lorscheider; c) a América Latina; 5) Sob o dina-
realidade política, social, econômica e ditato- mismo do Espírito: opções pastorais.
rial do continente, com o aumento da pobre- Em fidelidade ao Concílio Vaticano II, a
za e do medo em face das arbitrariedades dos João XXIII, a Medellín, a Paulo VI e em aten-
regimes militares. ção à realidade sofrida do continente, o refe-
rido documento, apesar das poderosas bar-
2. A realização de Puebla reiras, conseguiu explicitar a opção da Igreja
O ponto de partida da 3ª Conferência, a pelos esquecidos e descartados da humani-
pedido de Paulo VI, foram as conclusões de dade, com seus variados e gritantes rostos
Medellín e seu pano de fundo, bem como a de dor,6 e convocar toda a Igreja e as pessoas
Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de boa vontade para a reintegração social
de 1975, fruto do Sínodo de 1974 sobre “a dessa imensa multidão de sofredores, recu-
evangelização no mundo contemporâneo”. perando e promovendo seus direitos e valo-
A preocupação básica de Puebla foi, portan- res. Puebla evidencia um dado evangélico
to, a evangelização, missão fundamental da essencial na vida de todos os cristãos: não é
Igreja, no presente e no futuro da América possível, para um seguidor de Jesus Cristo,
Latina. No entanto, influenciado por dom prescindir da justiça social e da libertação
Alfonso López Trujillo, o papa João Paulo II integral do ser humano. Tal convicção está
foi ao evento com forte reticência à Teologia claramente embasada no Documento de
da Libertação e ao esforço do episcopado Puebla, nos capítulos referentes à verdade
continental de firmar-se em Medellín e con- sobre Cristo, à verdade sobre o ser humano
solidar uma Igreja católica e apostólica com e à verdade sobre a Igreja.
rosto latino-americano. Teve grande reper-
nº- 325
se organizaram sob a coordenação da Ame- Senhor (que nos questiona e interpela)” (DP 31).
6
4. Uma leitura catequética de Puebla fonte remota, mas fecunda, dos atuais movimen-
Retomemos as grandes partes desse do- tos comunitários da Igreja latino-americana.
cumento para destacar tanto as referências Capítulo II: Visão sociocultural da realidade
diretas à catequese como o que, ali, se mostra latino-americana. Nessa consciência da reali-
de grande importância para a sua renovação. dade histórica da missão da Igreja em nosso
continente, enfrentando e superando gran-
4.1. Primeira parte – Visão pastoral da des dificuldades políticas, sociais, econômi-
realidade latino-americana cas, culturais e religiosas, Puebla retoma o
Capítulo I: Visão histórica da realidade lati- impulso renovador do Concílio Vaticano II
no-americana. Uma abordagem histórica da (1962-1965) e da 2ª Conferência Episcopal
realidade do nosso continente revela, entre Latino-Americana, em Medellín, na Colôm-
outras coisas, o seguinte: bia, em 1968. Com esse propósito, apresenta
novos passos a serem dados no presente e no
Nosso radical substrato católico, com futuro da evangelização em nosso continen-
suas formas vitais de religiosidade vi- te, na fidelidade ao que até então havia sido
gente, foi estabelecido e dinamizado realizado na missão de ajudar o ser humano
por uma imensa legião missionária de “a passar de situações menos humanas a mais
bispos, religiosos e leigos [...]. Ensi- humanas”, como ensina o papa Paulo VI em
nam-nos todos que [...] o evangelho, sua Encíclica Populorum Progressio, n. 20,
em sua plenitude de graça e de amor, sempre a exemplo de Jesus, que passou por
foi e pode ser vivido na AL como sinal este mundo fazendo o bem (cf. DP 15-16).
da grandeza espiritual e da verdade de É muito rica a descrição dos dados positi-
Deus. Intrépidos lutadores em prol da vos em nosso continente, que encheram de
justiça e evangelizadores da paz [...] de- alegria os participantes da 3ª Conferência
monstram, com a evidência dos fatos, Episcopal Latino-Americana (cf. DP 17-26),
como a Igreja faz a promoção da digni- assim como a dos dados negativos, que gera-
dade e da liberdade do homem latino- ram angústia e provocaram o zelo pastoral da
-americano (DP 7-9). Igreja, sobretudo em relação ao desrespeito
aos direitos humanos, ao esquecimento dos
No n. 9, o DP se refere explicitamente ao pobres, aos desmandos políticos e econômi-
importante trabalho realizado pelos missio- cos (cf. DP 27-61). Puebla aponta as causas e
nários, com sua busca ingente de entrar na raízes reais da situação de injustiça na América
própria cultura dos povos autóctones me- Latina (cf. DP 62-70) e sintetiza o panorama
diante a elaboração de catecismos nas diver- inquietante da realidade com esta denúncia:
sas línguas indígenas. Isso sem contar o re- “As angústias e frustrações, se as considerar-
curso ao vasto uso de outras ricas e variadas mos à luz da fé, têm por causa o pecado, cujas
mediações pedagógicas, tais como as artes, dimensões pessoais e sociais são muito am-
desde a música, o canto e a dança até a arqui- plas”, mas, também, com esta feliz constata-
tetura, a pintura e o teatro. ção: “As esperanças e expectativas do nosso
nº- 325
Puebla afirma também que, nessa tarefa de povo nascem do seu profundo sentido religio-
evangelização, catequese e vida de oração, a mu- so e de sua riqueza humana” (DP 73).
•
ano 60
lher teve um papel essencial. Ademais, explicita o Capítulo III: Visão da realidade eclesial, hoje,
apreço da Igreja às muitas confrarias e irmanda- na América Latina. A Igreja, em Puebla, pro-
pôs-se diversas reflexões, autoavaliou-se cora-
•
a espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a josamente e lançou-se este questionamento: o
7
que temos feito diante da realidade em cons- nhecendo a importância do método Ver, Jul-
tante mutação, nos últimos dez anos (cf. DP gar (Iluminar) e Agir, afirma não ser possível a
74), tendo presente a missão fundamental evangelização “sem que se faça o esforço per-
que é evangelizar, aqui e agora, mas com os manente para reconhecer a realidade e adap-
olhos voltados para o futuro? (cf. DP 75). tar a mensagem cristã ao homem de hoje, di-
No número 78, depois de um relato so- nâmica, atraente e convincentemente” (DP
bre as profundas mudanças que impactam 85), “[...] para o aprofundamento da mensa-
a população pelas facilidades de informa- gem e para o conhecimento do homem, em
ção, comunicação e transpor- suas situações concretas e em
tes e também pelo aumento “As esperanças suas aspirações” (DP 86), porque
demográfico, a Igreja se viu e expectativas o clamor do povo sofredor, per-
muito limitada diante de tan- do nosso povo cebido como surdo em Medellín,
tos e novos desafios. A situa- nascem do seu “agora é claro, crescente, impe-
ção foi agravada pela crise vo- profundo sentido tuoso e, em alguns casos, amea-
cacional, as desistências entre religioso e de sua çador” (DP 87-89).
presbíteros, religiosos, religio- riqueza humana” Os bispos, em Puebla, valori-
sas e lideranças leigas. Nesse (DP 73) zaram as comunidades eclesiais
contexto, a quantidade de mi- de base (CEBs) e outros grupos
nistros da Palavra, de presbíteros e de es- eclesiais que têm trazido importante sopro re-
truturas eclesiásticas é insuficiente, e ainda novador para a Igreja na América Latina, com
não se conseguiu uma catequese que atinja destaque ao que se refere à catequese:
a vida integralmente.
Puebla constatou o crescimento do indi- A vitalidade das CEBs começa a dar seus
ferentismo religioso, da agressividade ao en- frutos; é uma das fontes de onde brotam
sinamento da Igreja e de um cristianismo in- os ministérios confiados aos leigos: ani-
dividualista e até mesmo ideológico. Predo- mação de comunidades, catequese, mis-
minavam, na época, a crescente rejeição aos são. [...] Com estes grupos a Igreja se
princípios morais católicos, o ritualismo e apresenta em pleno processo de renova-
práticas católicas tidas como principais sinais ção da vida da paróquia e da diocese, me-
de pertença à Igreja (DP 82), porém vividas diante uma catequese que é nova não
mais como atos sociais do que de fé (sacra- apenas na sua metodologia e no uso dos
mentos e exéquias). A Igreja constatou tam- meios modernos, mas também na apre-
bém que, se, por um lado, as grandes mu- sentação do conteúdo, que é vigorosa-
danças facilitavam o senso crítico do povo, mente orientado no sentido de introduzir
por outro, ainda havia grande ignorância re- na vida motivações evangélicas em busca
ligiosa entre os católicos, em todos os níveis, do crescimento em Cristo (DP 97; 100).
não obstante o progresso muito positivo im-
pulsionado pela catequese, especialmente Eles enfatizaram também a renovação da
com os adultos (cf. DP 81). liturgia, com participação pessoal e ativa, como
nº- 325
fica que “a Igreja tem conquistado paulatina- pela proclamação da Palavra, iluminando e
mente a consciência cada vez mais clara e aprofundando a vida cristã (cf. DP 101). Ade-
profunda de que a evangelização é sua mis- mais, reconheceram o valor da religiosidade
•
Vida Pastoral
são fundamental” (DP 85). Além disso, reco- popular, apesar de suas ambiguidades, afir-
8
mando: “As grandes devoções e celebrações
populares têm sido um distintivo do catoli- Sujeitos no mundo e
cismo latino-americano; elas conservam va-
lores evangélicos e são sinal de pertença à na Igreja
Igreja” (DP 109). João Décio Passos (org.)
Ao desenvolver a temática das estruturas
de evangelização, Puebla, no que se refere às
paróquias (cf. DP 110-111), nota a excessiva
centralização no serviço litúrgico e sacra-
mental, em detrimento de formação de pe-
quenas comunidades territoriais ou ambien-
tais, que propiciam uma evangelização mais
personalizada e comunitária. Em relação à
escola (cf. DP 112), os bispos a consideram
um lugar de evangelização e comunhão e
identificam a necessidade de mais cristãos
comprometidos para nela atuarem. Nos de-
mais temas tratados – bispos, presbíteros,
diáconos, vida consagrada, leigos (cf. DP
113-125) –, o destaque é dado aos religiosos
344 págs.
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Vida Pastoral
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clara que necessita de nova evangelização e, secamente unidas. No Brasil, o Documento
consequentemente, de unidade, organicida- 26 da CNBB, Catequese renovada, orientações
de e coesa canalização de todas as suas ener- e conteúdo, assumiu esse tríptico na sua Ter-
gias. Para que isso aconteça: a) investirá cora- ceira Parte, “Temas fundamentais para uma
josamente na pastoral urbana e rural, na ani- Catequese Renovada”, enriquecendo-o com
mação vocacional e na formação dos fiéis em outros documentos da Igreja, mas relem-
vista de um laicato amadurecido e evangeli- brando que o temário fundamental da cate-
zador (cf. DP 151-155); b) na evangelização, quese é a Bíblia (cf. CR 162).
“dará prioridade à proclamação Destacamos da Segunda Par-
da Boa-Nova, à catequese bíbli- “Puebla te do DP, no que tange ao minis-
ca e à celebração litúrgica, como alerta sobre a tério da evangelização (cf. DP
resposta à crescente ânsia do necessidade da 348ss) e, nele, o da catequese, os
povo pela palavra de Deus” (DP missionariedade números 356-360. Mediante o
150); c) “reconhecerá a valida- ‘ad gentes’ dessa processo evangelizador universal
de da experiência das CEBs e mesma Igreja, em (cf. DP 361), em cumprimento
estimulará seu desenvolvimen- direção a outras do mandato missionário recebi-
to em comunhão com os pasto- latitudes do do de Jesus em Mt 28,19: “Ide,
res” (DP 156); d) empenhar-se- mundo” pois, fazei discípulos meus todos
-á decididamente “em educar a os povos” (cf. DP 362), a Igreja:
fé cristã do povo simples, naturalmente reli- a) “dá testemunho de Deus, revelado em Je-
gioso, e o preparará, de forma adequada, sus Cristo pelo Espírito que, dentro de nós,
para receber os sacramentos” (DP 157); e) clama Abba, ‘Pai’ (cf. Gl 6,7) e, assim, comu-
“dará maior importância aos meios de comu- nica a experiência de sua fé nele” (DP 356);
nicação social e os empregará para a evange- b) “anuncia a Boa-Nova de Jesus Cristo, me-
lização” (DP 158). diante a palavra da vida: este anúncio suscita
a fé, a pregação, a catequese progressiva que
4.2. Segunda parte – O desígnio de a alimenta e educa” (DP 357); c) “gera a fé,
Deus sobre a realidade da América que é conversão do coração e da vida, entrega
Latina da pessoa a Jesus Cristo; dá a participação na
Após reafirmar, à luz da Gaudium et Spes, sua morte, para que a vida de Cristo se mani-
n. 1, que “a Igreja na América Latina sente-se feste em cada homem e mulher. Esta fé, que
íntima e realmente solidária com todo o povo também denuncia o que se opõe à constru-
do continente” (DP 162), Puebla dedica o ção do Reino, implica rupturas que são ne-
Capítulo I da Segunda Parte ao conteúdo da cessárias e às vezes dolorosas” (DP 358); d)
evangelização. Explicita, em densos parágra- “leva ao ingresso na comunidade dos fiéis,
fos, o tríptico enunciado pelo papa João Pau- que perseveram na oração, na convivência
lo II em seu Discurso de Abertura da 3ª Con- fraterna e celebram a fé e os seus sacramen-
ferência: a) a verdade a respeito de Cristo, o tos, cujo ápice é a Eucaristia” (DP 359); e)
salvador que anunciamos (tema 1: DP 178- “envia como missionários os que receberam
nº- 325
219); b) a verdade a respeito da Igreja, o povo o evangelho, com ânsia de que todos os ho-
de Deus, sinal e serviço de comunhão (tema mens sejam oferecidos a Deus e de que todos
•
ano 60
2: DP 220-305); c) a verdade a respeito do ho- os povos o louvem (cf. Rm 15,16)” (DP 360).
mem, a dignidade humana (tema 3: DP 304- Para que tudo isso possa tornar-se reali-
•
339). Obviamente é impossível haver autên- dade, Puebla insiste na necessidade de for-
Vida Pastoral
tica catequese sem essas três verdades, intrin- mar continuamente comunidades eclesiais
10
mais vivas (cf. DP 364), animadas por “cris-
tãos mais fiéis e amadurecidos em sua fé”, Update! Confissão!
alimentados por “uma catequese adequada e
Edição de luxo
uma liturgia renovada” (DP 364).
A complexa realidade da população da YOUCAT
América Latina, porém, exige da Igreja a tarefa
de “atender às situações que mais precisam de
evangelização” (DP 364): a) situações perma-
nentes, como os indígenas e os afro-america-
nos (cf. DP 365); b) situações novas, que nas-
cem das mudanças socioculturais e exigem
outra evangelização, como os emigrantes,
grandes aglomerados urbanos, massas popu-
lacionais em precária situação de fé, grupos
expostos à influência de seitas e ideologias (cf.
DP 366); c) situações particularmente difíceis,
como os grupos cuja evangelização é urgente,
mas muitas vezes adiada: universitários, mili-
tares, operários, jovens, mundo da comunica-
ção social etc. (cf. DP 367).
88 págs.
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Vida Pastoral
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São de grandíssima importância os parágrafos são evangelizadora? A resposta é direta, den-
que se referem à evangelização da cultura em sa, objetiva, concreta:
nosso continente (cf. DP 385-443), assim
como à evangelização e religiosidade popular (cf. A ação do Espírito se faz sentir na oração
DP 444-469). e ao escutar a palavra de Deus; aprofun-
Merece especial atenção o que diz Puebla da-se na catequese, celebra-se na liturgia,
sobre evangelização, libertação e promoção hu- testemunha-se na vida, comunica-se na
mana (cf. DP 470-506) e evangelização, ideo- educação e compartilha-se no diálogo,
logia e política (cf. DP 507-562), temas estes que busca oferecer a todos os irmãos a
que, como vimos, estavam cau- vida nova que, sem merecimento
sando sérios conflitos teológi- “Para que a da nossa parte, recebemos na
cos e pastorais, principalmente Igreja cumpra Igreja como operários da primei-
em virtude das desconfianças e cabalmente sua ra hora (DP 566).
acusações relativas à possível missão na América
influência marxista na reflexão Latina, os bispos, Para que a Igreja cumpra ca-
e prática da Igreja na América em Puebla, balmente sua missão na América
Latina. Como era de esperar, o fizeram a opção Latina, os bispos, em Puebla, fi-
documento da 3ª Conferência pela eclesiologia zeram a opção pela eclesiologia de
alerta para os riscos de instru- de comunhão e comunhão e participação (cf. DP
mentalização ideológica e políti- participação” 567), ricamente apresentada em
ca da Igreja e da atuação de seus quatro capítulos:
ministros (cf. DP 558-561). a) centros de comunhão e participação (cf.
A orientação da Igreja é, segundo Puebla, DP 568-657): a família, na qual a catequese
“ler o político a partir do evangelho e não o (cf. DP 586), robustece a fé e todos se enri-
contrário” (DP 559), não restabelecer a cris- quecem pelo testemunho das virtudes cris-
tandade medieval, marcada pela aliança es- tãs. Nela, os pais são mestres, catequistas e
treita entre o poder civil e o poder eclesiásti- os primeiros ministros da oração e do culto
co (cf. DP 560), e jamais cair na “aliança es- a Deus; as comunidades eclesiais de base, a pa-
tratégica com o marxismo” (DP 561). Toda a róquia e a Igreja particular (as quais, segundo
Igreja, afirma Puebla, unida a Cristo “na ora- DP 631, se renovam por meio de constante
ção e na abnegação, se comprometerá, sem atualização da catequese);
ódios nem violências, até as últimas conse- b) agentes de comunhão e participação (cf.
quências, na conquista de uma sociedade DP 658-891): ministério hierárquico (sendo o
mais justa, livre e pacífica, anseio dos povos bispo o primeiro catequista da diocese, cf.
da América Latina e fruto indispensável de DP 687); vida consagrada; leigos (que, segun-
uma evangelização libertadora” (DP 562). do DP 788, dão seu apoio à catequese e con-
tribuem na construção da Igreja como comu-
4.3. Terceira parte – A evangelização nidade de fé, de oração e de caridade frater-
da Igreja na América Latina: na); pastoral vocacional (DP 866 reconhece
nº- 325
namento: como deve a Igreja viver a sua mis- ção; comunicação social;
12
d) diálogo para a comunhão e participação
(cf. DP 1096-1126). A profissão da fé
É dessa Terceira Parte o capítulo específico Catequeses sobre o Credo
sobre a catequese (cf. DP 977-1011), como
Bento XVI e Papa Francisco
“educação ordenada e progressiva da fé”
(Mensagem do Sínodo sobre Catequese, n. 1),
que “deve ser atividade prioritária da Igreja
na América Latina, se quisermos conseguir
uma renovação profunda da vida cristã e,
com esta, uma nova civilização que seja par-
ticipação e comunhão de pessoas na Igreja e
144 págs.
na sociedade” (DP 977).
A 3ª Conferência traça vasto panorama so-
bre a situação da catequese depois de Medellín: O livro apresenta na íntegra a série especial
de catequeses sobre o Credo proferidas por
Bento XVI e Papa Francisco nas audiências
– Quanto aos aspectos positivos (cf. DP 978- gerais de 2013, por ocasião do Ano da Fé.
Uma obra essencial para compreender com
986): a) “esforço sincero para integrar a vida profundidade e com riqueza de detalhes a
com a fé, a história humana com a história da profissão da fé católica.
paulus.com.br
Vida Pastoral
13
– Quanto aos aspectos negativos da caminha- “formar homens pessoalmente comprometi-
da da catequese (cf. DP 987-991): a) “a cate- dos com Cristo, capazes de participação e co-
quese não consegue atingir todos os cristãos munhão no seio da Igreja e dedicados ao ser-
em medida suficiente, nem todos os setores viço da salvação do mundo” (DP 1000); b)
e situações como, por exemplo: vastos seto- “tomar como fonte principal a Sagrada Escri-
res da juventude, das elites intelectuais, dos tura, lida no contexto da vida, à luz da Tradi-
camponeses e do mundo operário, das for- ção e do Magistério da Igreja, transmitindo,
ças armadas, dos anciãos e dos enfermos além disso, o símbolo da fé; portanto, dará
etc.” (DP 987); b) “não raro, importância ao apostolado bí-
cai-se em dualismos e falsas “O Documento blico, difundindo a palavra de
oposições, como entre cate- de Puebla traz Deus, formando grupos bíblicos
quese sacramental e catequese riquíssima etc.” (DP 1001); c) “dar priori-
vivencial; catequese da situa- reflexão, com dade pastoral à formação ade-
ção e catequese doutrinal. Por orientações quada dos catequistas, em di-
não situar-se numa posição de práticas, sobre a versos institutos, atendendo à
justo equilíbrio, alguns têm ação missionária sua especialização em função
caído no formalismo e outros da Igreja no das diversas situações, idades e
no vivencial sem apresentação continente” áreas em que vivem os catequi-
de doutrina; há os que passa- zandos, p. ex. crianças, jovens,
ram do memorismo à total ausência de me- camponeses, operários, forças armadas, eli-
morização” (DP 988); c) “há catequistas que tes, enfermos, deficientes, presidiários etc.”
descuram a iniciação à oração e à liturgia” (DP 1002); d) “nos institutos de formação
(DP 989); d) “por vezes, não se respeita a dos sacerdotes e dos religiosos e religiosas,
diferença entre certos assuntos que são da adaptar a Ratio studiorum, como algo urgen-
alçada dos teólogos e outros que cabem aos te para que se intensifique o sentido da
catequistas em sintonia com o magistério; transmissão adequada e atualizada da men-
devido a isso, tem sucedido difundirem-se, sagem evangélica” (DP 1003).
entre os catequistas, conceitos que não pas- Por sua vez, os catequistas devem procurar:
sam de meras hipóteses teológicas ou de es- a) “a integridade do anúncio da Palavra, para
tudo” (DP 990); e) “verifica-se certa deso- superar dualismos, falsas oposições e a unila-
rientação das atitudes catequéticas no cam- teralidade” (DP 1004); b) “iniciar os catequi-
po ecumênico” (DP 991). zandos na oração e na liturgia; no testemu-
Puebla apresenta, também, os critérios nho e no compromisso apostólico” (DP
teológicos da evangelização e da catequese: a) 1005); c) “ministrar uma catequese vocacio-
comunhão e participação (cf. DP 992-993); nalmente orientadora, explicando também a
b) fidelidade a Deus (cf. DP 994; c) fidelida- vocação leiga, suscitando um compromisso
de à Igreja (cf. DP 995); d) fidelidade ao ho- adaptado às diferentes idades, desde a infân-
mem latino-americano (cf. DP 996-997); e) cia até a idade adulta” (DP 1006); d) “como
conversão e crescimento (cf. DP 998); f) cate- educadores da fé das pessoas e das comuni-
nº- 325
quese integradora, que deve unir de modo dades, empenhar-se numa metodologia que
inseparável o conhecimento da palavra de inclua, sob forma de processo permanente,
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ano 60
eficaz, ter bem presentes alguns objetivos: a) 1007); e) “ministrar uma educação integral
14
da fé, que inclua os seguintes aspectos: a ca- ferencial pelos pobres (cf. DP 1134-1165); a
pacitação do cristão para ‘dar razão de sua opção preferencial pelos jovens (DP 1166-
esperança’; a capacidade de dialogar ecume- 1205); a ação da Igreja junto aos construtores
nicamente com os outros cristãos; uma boa da sociedade pluralista (DP 1206-1253); a
formação para a vida moral, assumida como ação da Igreja em favor da pessoa na sociedade
seguimento de Cristo, acentuando-se a vi- nacional e internacional (DP 1254-1293).
vência das bem-aventuranças; a formação
gradual para uma ética sexual cristã positiva; 4.5. Quinta parte – Sob o dinamismo
a formação para a vida política e a doutrina do Espírito: opções pastorais
social da Igreja” (DP 1008). A última parte do Documento de Puebla
No que tange à metodologia (cf. DP 1009), traz extensa lista de opções pastorais para a
Igreja atuar profeticamente na realidade do
os catequistas tenham em consideração a continente. O ponto de partida é um ato de fé:
importância da memória, conforme o “É o testemunho de Jesus que nos envia, como
que afirma o papa Paulo VI: “Memorizar missionários com a Igreja, a dar testemunho
as mais importantes sentenças bíblicas, dele entre os homens” (DP 1294), mas também
mormente as do Novo Testamento, e os uma decisão generosa da Igreja: “Desejamos ser
textos litúrgicos que se usam para a ora- dóceis [...], buscamos a comunhão, pretende-
ção em comum e para tornar mais fácil a mos ser servidores do homem”, respondemos
confissão da fé”; e deem importância às sim à nossa missão no mundo para transformá-
técnicas audiovisuais: desenho, fotopala- -lo (cf. DP 1295) com a criatividade do Espírito
vra, minimídia, dramatização, canto etc. e o seu dinamismo (cf. DP 1296). Desejamos
formar o “homem novo, à imagem do Cristo
Quanto à ação catequética (cf. DP 1010), ressuscitado, portador da nova esperança para
Puebla recomenda: a) “deverá dirigir-se de for- seus irmãos” (DP 1296). Para isso a Igreja opta
ma simultânea aos grupos e às multidões. Para por ser: a) uma Igreja sacramento de comu-
estas últimas, são de muita eficácia as missões nhão (cf. DP 1302); b) uma Igreja servidora (cf.
populares, convenientemente renovadas DP 1303); c) uma Igreja missionária (cf. DP
numa linha evangelizadora”; b) “favoreça-se a 1304); d) uma Igreja em permanente processo
catequese permanente, desde a infância até a de evangelização, que denuncia as situações de
velhice, integrando-se entre si as comunidades pecado, chama à conversão e se compromete,
ou instituições que catequizam, a saber, a fa- especialmente por meio dos leigos e leigas, na
mília, a escola, a paróquia, os movimentos e as transformação do mundo (cf. DP 1305).
diversas comunidades ou grupos”. Os últimos parágrafos do Documento de
Puebla, ao mesmo tempo que elencam, com
4.4. Quarta parte – Igreja missionária otimismo e ação de graças, evidentes sinais de
a serviço da evangelização na muita vitalidade evangelizadora no continente
América Latina (cf. DP 1309), fazem contundente profissão
O Documento de Puebla traz riquíssima de fé: “Ele [Jesus Cristo] é a plenitude de
nº- 325
reflexão, com orientações práticas, sobre a todo ser. É somente em Cristo que o homem
ação missionária da Igreja no continente. Im- encontra sua alegria perfeita” (DP 1310).
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ano 60
combatidas por seus opositores: a opção pre- mo Documento de Puebla, que se baseou em
15
Medellín (1968) e no contexto da época (fins especial à promoção de uma educação dos
da década de 1970), podemos elencar alguns catequizandos no sentido crítico e construti-
pontos para a renovação continuada da cate- vo da pessoa, da comunidade e da socieda-
quese: a) a necessidade de integração entre de, segundo os valores cristãos; e) ênfase na
vida e fé, cultura e fé, assim dimensão comunitária da cate-
como entre história humana e “A última parte quese e no compromisso da co-
história da salvação, para o fa- do Documento munidade eclesial com a forma-
vorecimento da visão integral de Puebla traz ção dos catequizandos e com a
do ser humano, sujeito partíci- extensa lista de acolhida fraterna deles; f) esfor-
pe da sua verdadeira libertação opções pastorais ço decidido para ultrapassar a
em Jesus Cristo; b) a proposi- para a Igreja atuar catequese entendida como “cur-
ção de uma pedagogia catequé- profeticamente so”, com ponto de chegada – os
tica que parta da realidade hu- na realidade do sacramentos –, para assumi-la
mana e caminhe, à luz da Pala- continente” como processo dinâmico, gra-
vra, da convivência fraterna e dual, criativo e permanente de
do clima orante, rumo ao encontro pessoal educação da fé, da esperança e do amor.
com Jesus Cristo, assim como rumo à inser- O Documento de Puebla alertou, ou-
ção na comunidade eclesial e ao compromis- trossim, para a necessidade de promover
so com a missão da Igreja; c) o embasamento decididamente a formação de catequistas e a
da vida nova em Cristo, tanto na Sagrada elaboração de textos segundo os critérios de
Escritura, como fonte principal da cateque- uma catequese renovada, em conformidade
se, quanto na liturgia – celebração dos mis- com as orientações do Concílio, de Medellín
térios da fé cristã –, no compromisso com a e da própria 3ª Conferência Geral do Epis-
vida da Igreja e com a sua missão; d) atenção copado da América Latina e do Caribe.
Referências bibliográficas
Sabemos que evangelizar é, acima de tudo, conduzir a pessoa a um encontro com sua humanidade para
•
poder anunciar Jesus Cristo, centro da ação de uma catequese evangelizadora. Este livro é indicado
ano 60
para todos os catequistas, não somente para quem coordena. Apresentamos pistas de reflexão sobre a
importância da coordenação na Animação Bíblico-Catequética, pois acreditamos que não pode haver
comunidades realmente vivas se não houver uma boa organização desse ministério.
122 págs.
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Vida Pastoral
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Inspiração catecumenal
e conversão pastoral
João Fernandes Reinert*
1. A inspiração catecumenal
Franciscano (Petrópolis). Pároco da Paróquia Santa Clara to de fé “tranquila” não exigia maiores con-
de Assis, em Duque de Caxias-RJ. Autor de Pode hoje a versões à pastoral de então. O mesmo se
paróquia ser uma comunidade eclesial? (Vozes),Paróquia e
pode dizer da instituição paroquial tradicio-
•
Vida Pastoral
17
da fé cristã, não sendo necessário à época, para quê, para qual direção, para onde? Sem
portanto, maiores mudanças estruturais e a clareza da nova direção a ser tomada, a con-
pastorais. A problemática surge quando, por versão torna-se mero passeio sem rumo, e
um lado, muda a realidade cultural e religio- não verdadeira mudança de rota. Outra ques-
sa e, por outro, os pressupostos pastorais e as tão fundamental para a conversão evangeli-
estruturas eclesiais permanecem inalterados. zadora é a pergunta: com base em quê? Trata-
Trata-se de um contexto em que a religião -se da pergunta sobre os referenciais para a
deixa de ser um dado cultural, em que cris- concretização da mudança de rumo pastoral.
tãos já não nascem como tais, e, Que paradigma de pastoral deci-
não obstante, vigora a pastoral “Uma metodologia didamente missionária em anda-
de manutenção, até com o re- pastoral se mento poderá servir de inspira-
torno de práticas eclesiológicas converte em ção para a tão urgente conversão
restauracionistas, no intuito de paradigma de eclesial? Chegamos, assim, à mo-
recuperar o monopólio institu- evangelização tivação maior deste artigo. Res-
cional perdido com a chegada quando extrapola gatar o catecumenato é peça es-
da sociedade secularizada. seu campo de sencial no conjunto de conver-
O documento da Conferên- atuação e se sões pastorais de uma “Igreja em
cia Geral do Episcopado Latino- mostra capaz de saída”. A inspiração catecumenal
-Americano e Caribenho, reali- inspirar outras é redescoberta como elemento
zada em Aparecida, convoca ca- ações eclesiais” fundamental nesse processo de
tegoricamente todos para a pas- conversão eclesial. Sem a inspi-
sagem da pastoral de manutenção à pastoral ração catecumenal, o processo de conversão
decididamente missionária e para o abandono pastoral se torna por demais vagaroso, senão
das estruturas obsoletas, ultrapassadas, que impossibilitado.
não favorecem a transmissão da fé. A quais es- Uma metodologia pastoral se converte em
truturas caducas se refere o Documento de Apa- paradigma de evangelização quando extrapola
recida? Quais saídas a pastoral é convocada a seu campo de atuação e se mostra capaz de
realizar? Quais expressões de pastoral de ma- inspirar outras ações eclesiais. O catecumena-
nutenção se devem abandonar? Como se con- to tem algo para oferecer a toda ação pastoral,
figura a pastoralidade verdadeiramente missio- converte-se em inspiração à totalidade da ação
nária? Essas e outras questões nem sempre são evangelizadora. Ou melhor, em tempos de cri-
de fácil resposta; exigem discernimento, criati- se de fé, já não é permitido separar, com tama-
vidade, coragem, escuta atenta aos sopros do nha facilidade, a pastoral da iniciação das de-
Espírito e aos apelos da realidade. Se conver- mais pastorais. O conjunto das atividades
são significa mudança de rota e de mentalida- eclesiais é convocado para a transmissão da fé,
de, novos rumos, renovada maneira de pensar, para a reiniciação à vida cristã. A isso chama-
de ser e de agir, então o primeiro passo nesse mos dimensão transversal do catecumenato
processo de conversão pastoral é se perguntar na pastoralidade eclesial, paradigma catecu-
“onde” se está e “como” se está. Converter-se a menal para a pastoralidade.
nº- 325
sivo refere-se à pergunta: conversão pastoral entende como uma caminhada de fé, um iti-
18
nerário de introdução e aprofundamento no O catecumenato é um percurso celebrati-
mistério de Jesus Cristo e da comunidade vo. A evolução na fé, a maturidade cristã con-
eclesial. A estrutura catecumenal está organi- quistada progressivamente, é celebrada litur-
zada com base nessa autocompreensão, ou gicamente. Os ritos catecumenais marcam a
seja: se o catecumenato se entende como ca- passagem de um trecho da caminhada ao ou-
minho de introdução no mistério de Cristo e tro. Cada tempo percorrido, após terem sido
da Igreja, então seus elementos pastorais re- alcançados seus objetivos, é marcado por ce-
velam essa disposição; tem-se clareza de lebrações específicas, chamadas celebrações
onde se parte e aonde se pretende chegar. de passagem. As celebrações não são apêndi-
A consciência do objetivo do percurso da ces da caminhada; ao contrário, são marcas,
iniciação é constitutiva da identidade catecu- pausas, reabastecimentos que marcam a pas-
menal. Não se trata de corrida inconsequente sagem de um tempo já percorrido e o início
em busca dos sacramentos, mas de itinerário de outro a ser iniciado. As celebrações e ritos
percorrido conscientemente, em vista do tor- de passagem são alimento que fortalece a
nar-se adulto na fé e no discipulado missio- continuidade da caminhada, são liturgias que
nário de Jesus Cristo; os tempos e as etapas, festejam o amadurecimento na fé já alcança-
com seus objetivos específicos, os ritos de do, são “pausas” para tomar maior consciên-
passagem, a gradualidade do processo, en- cia dos passos dados e dos novos passos a
fim, cada dimensão da metodologia catecu- serem percorridos.
menal confirma a afirmação de que o catecu- As passagens de um tempo ao outro não
menato é um percurso consciente e gradual são, portanto, automáticas. Supõem e exigem
de maturação da vida cristã. A noção de per- discernimento, consciência, amadurecimen-
curso remete à de progressividade, processo, to, liberdade, expressos nas celebrações. Tor-
duração, passos sucessivos. na-se evidente que não se trata de um cami-
Nas últimas décadas, não poucos esfor- nhar meramente racional, escolástico. Não se
ços têm sido empregados no intuito de fazer trata de caminhada meramente com os pés
da pedagogia catecumenal o modo ordinário da razão, isto é, com o conhecimento racio-
de iniciar na fé, superando, de uma vez por nal do mistério, e sim com os pés do coração,
todas, a mentalidade segundo a qual a cate- da celebração da fé, da experiência.
quese consiste em curso de preparação aos Uma das mais relevantes contribuições da
sacramentos. Contudo, bem sabemos que a renovação catequética dos últimos anos, com
estrutura e a mentalidade de curso não são destaque para a catequese de inspiração cate-
superadas de uma hora para outra. A conver- cumenal, está na conversão da compreensão
são da mentalidade de curso para a lógica do de iniciação à vida cristã, decorrente da clare-
percurso é lenta, o que torna a consolidação za teológico-pastoral daquilo em que ou da-
do catecumenato morosa. Na compreensão quele em quem se é iniciado. Não é por coinci-
de catequese como preparação aos sacramen- dência que se emprega ultimamente a palavra
tos, sobressai a pedagogia do curso, do saber “vida” na iniciação cristã; ou seja, iniciação à
sobre, diferentemente do paradigma do per- vida cristã é a expressão que melhor traduz o
nº- 325
curso, em que o próprio termo sugere pro- processo do mergulho sacramental e existen-
gressividade, amadurecimento, iniciação. cial no mistério de Jesus Cristo.
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ano 60
19
não passam de recursos paliativos, por não rio, do querigma. Na catequese tradicional, o
tocarem a raiz da questão. Somente quando primeiro anúncio de Jesus Cristo, o querig-
se sabe ao certo em que ou em quem se é ma, era considerado um pressuposto, por ser
iniciado é que se pode apresentar como se algo já garantido. Sendo a fé um dado natural
inicia, isto é, o caminho a ser percorrido e cultural, tornava-se, portanto, prescindível
para alcançar os objetivos perseguidos. No a tarefa de apresentar Jesus Cristo. Naquele
catecumenato, o como é consequência da lu- contexto, a preocupação primeira, a grande
cidez sobre o quê. missão da catequese, era catequizar, doutri-
O déficit de maturidade nar. Foram séculos sem grandes
cristã no cristianismo se deve, “A riqueza da preocupações missionárias, sé-
em grande parte, a modelos metodologia culos de pressuposição da fé.
pastorais que negligenciam a catecumenal A inspiração catecumenal re-
dimensão existencial na evan- é fruto da cupera, em seu itinerário, esse
gelização. Antes de chegar aos consciência sobre trecho do percurso da iniciação à
sacramentos, é preciso assimilar o que é iniciação vida cristã, tão caro ao cristianis-
existencialmente os grandes e qual o caminho mo primitivo e perdido posterior-
mistérios da fé cristã. Com isso para atingir seu mente, ou então dado por já per-
não se está afirmando que a ca- objetivo” corrido, via cristianismo socioló-
tequese tradicional não almeja a gico. Quiçá esteja aqui a expres-
iniciação cristã, o que seria uma acusação in- são maior da missionariedade da inspiração
justa; o problema está em sua compreensão catecumenal: não dar por pressupostos a fé, a
de iniciação cristã e no como ela se realiza. proclamação do querigma, o ingresso na co-
munidade. Em outras palavras, o período cha-
3. Conversão pastoral e a não mado pré-catecumenato é o sinal mais elo-
pressuposição da fé quente da missionariedade catecumenal, que
sabe a necessidade de começar com o anúncio
3.1. A missionariedade catecumenal explícito de Jesus Cristo.
No percurso catecumenal, existe um Graças à não pressuposição da fé, o estilo
tempo para redespertar o interesse por cami- catecumenal se caracteriza como percurso,
nhar, para pôr-se a caminho, para conhecer está protegido do sacramentalismo e se torna
os primeiros passos da estrada do cristianis- inspiração para a pastoralidade. Residem aqui,
mo. Trata-se do tempo do pré-catecumenato, portanto, oportunidades enormes de inspira-
período fundamentalmente importante que, ção à conversão pastoral. A mais significativa
embora de modo algum deva ser omitido (cf. intuição do tempo do pré-catecumenato para
RICA 9), na pastoralidade e, sobretudo, na a nova evangelização é a não pressuposição da
pastoral catequética é geralmente dado por já fé em nenhuma atividade eclesial.
percorrido, o que traz profundas consequên- Alguns exemplos podem nos ajudar.
cias negativas à maturação da fé. Quanto aos noivos que pedem o sacramento
O pré-catecumenato é o tempo para tra- do matrimônio, não se pode imaginar que fa-
nº- 325
balhar a orientação inicial a Cristo e à Igreja. çam tal pedido motivados primeiramente pela
“É o tempo da evangelização em que, com fé ou já estejam nela iniciados. Resulta disso a
•
ano 60
firmeza e confiança, se anuncia o Deus vivo e necessidade de nova estruturação dos assim
Jesus Cristo” (RICA 9). Trata-se fundamen- chamados “cursos de noivos”, em perspectiva
talmente do tempo voltado à primeira evan-
•
gelização, para fazer ressoar a voz do misté- propor a fé, conduzir a experiência cristológi-
20
ca e eclesial. A preparação dos noivos é cha-
mada a deixar de ser curso para assumir a fi- Caminho de iniciação à
sionomia de percurso, de anúncio e experiên-
vida cristã
cia de fé, com menos preocupações canônicas
Elementos fundamentais
e morais e mais investimento missionário. A
problemática se agrava quando “se obriga” o
João Panazzolo
adulto a ser batizado para poder casar-se na
Igreja... “Na realidade, [essa prática] supõe
uma falsa compreensão do batismo como um
rito qualquer, sem compromisso de mudança
de vida” (TABORDA, 2017, p. 9).
O mesmo se pode dizer dos “cursos de
batismo”, que preparam os pais e os padri-
nhos para o batismo de seus filhos e afilha-
dos. Qual a densidade querigmática e mista-
gógica desses encontros, ou seja, são “lugares
teológicos” de anúncio e aprofundamento da
fé, de experiência eclesial, ou prevalece o es-
tilo palestra, em que se supõe que pais e pa-
drinhos estejam iniciados na vida cristã?
O pré-catecumenato questiona, portanto,
144 págs.
essa presunção uma das causas da atual crise Vendas: (11) 3789-4000
de fé? É muito estreita a relação entre batiza- 0800-164011
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ano 60
paulus.com.br
Vida Pastoral
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3.2. (Re)começar a partir A segunda orientação, impor, expressa as
de Jesus Cristo tendências que ressurgem com força na atua-
A reflexão anterior não deixou margem a lidade. São as tentativas equívocas de respon-
dúvidas sobre a lucidez da missionariedade der à crise religiosa. No afã de recuperar o
catecumenal em não pressupor o primeiro monopólio religioso perdido, tende-se a im-
anúncio. Com base nisso, torna-se mais evi- por. Não vêm de hoje tentativas equivocadas
dente a pretensão das Diretrizes Gerais da de resposta à crise de fé. Ganha destaque a
Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil ao pastoral apologética, que, ao defender a insti-
enfaticamente convocar a pas- tuição, faz frente à secularização,
toral para “partir de Jesus Cris- “Conversão às outras religiões. Trata-se de
to” (CNBB, 2015, cap. 1). À luz eclesial é, antes de pastoral não apenas voltada à
da inspiração catecumenal, esse tudo, conversão manutenção da fé, mas também
urgente apelo pode ser lido de de fé, volta ao à defesa, ao embate, ao enfrenta-
vários ângulos. essencial, com mento, por entender que as mu-
A convocação ajuda a en- base na qual danças culturais viriam abalar o
tender o cristianismo – e, con- surgem outras catolicismo tranquilo e, conse-
sequentemente, a pastoral – conversões, as quentemente, a tranquila insti-
como proposta. Dois equívocos saídas pastorais, a tuição religiosa.
pastorais muito comuns consis- missionariedade” A terceira via, propor, indica
tem em pressupor ou impor a a direção da nova evangelização,
fé. Em nome de uma pseudofidelidade à tra- porque recupera a maturidade das origens,
dição, tende-se, por vezes, a impor a fé, a perdida com a cristandade. Conversão pasto-
moral, as normas, a instituição religiosa... ral é a concretização da passagem da pressu-
Propor a fé é, sem dúvida, a chave her- posição para a proposição. Não nos é permi-
menêutica das ações eclesiais que queiram tido, em tempos de crise religiosa, pressupor
estar no processo de conversão pastoral, de a fé, pressupor a dimensão comunitária da fé,
saída missionária. Propor é conduzir mista- a consciência de que a caridade e o amor ao
gogicamente à descoberta de Deus, é desper- próximo são constitutivos da fé e tantas ou-
tar, é apresentar, é atrair, mais por testemu- tras dimensões inerentes ao cristianismo.
nho do que por argumentações ou explica- Para a religiosidade líquida, essas questões
ções. A pastoral precisa, cada vez com maior não são evidentes. Iniciação à vida cristã é
urgência, estruturar-se como proposta, como iniciação à totalidade do ser cristão, a qual, se
oferta, como processo, como redescoberta, não se pode pressupor, também não se dá
encantamento, apaixonamento. por imposição, mas por “atração”, por meio
Estes três verbos – pressupor, impor, pro- da “alegria do evangelho”.
por – apontam para três perspectivas distin- Outro modo de ler a convocação pastoral
tas no cotidiano da evangelização. “começar a partir de Jesus Cristo”– leitura
Ao primeiro verbo, supor, convergem to- que, de certa forma, já apareceu neste texto
das as expressões de pastoral de manutenção. – é como chamada de atenção para a volta ao
nº- 325
proposta cristã. Cai-se facilmente na pastoral passa necessariamente pela distinção da es-
Vida Pastoral
22
que só tem sentido à luz do essencial. Não se será vítima de saudosismos, privilégios, acor-
trata, obviamente, de descartar o doutrinal, dos, benefícios, entre outras deturpações
mas de perceber que o conjunto de preceitos pastorais. A distinção em questão é, portan-
está a serviço da experiência da fé, e não o to, potencialização para a própria identidade
contrário. O doutrinal, o ritual, o legal visam cristã. A autonomia das realidades, a qual a
expressar e recordar um encontro primeiro, secularização reivindica, requer do cristianis-
uma experiência fundadora, do contrário s mo clareza da própria identidade, de sua lei
tornariam fins em si mesmos. própria (autonomia).
Muitas são as expressões do agir eclesial Conversão eclesial é, antes de tudo, con-
desprovido do querigma. “O querigma não é versão de fé, volta ao essencial, com base na
uma propaganda para ganhar visibilidade. qual surgem outras conversões, as saídas pas-
Alguns têm denominado de querigma, por torais, a missionariedade. O movimento mais
exemplo, um anúncio que se limita a um rea- importante da saída pastoral é, portanto,
vivamento religioso, uma busca por milagres, para “dentro”. Antes de quaisquer outros mo-
sem compromisso profético e sem o segui- vimentos, mais do que multiplicar pastorais e
mento” (CNBB, 2017, n. 156). serviços, a Igreja em saída aponta primeira-
O tempo atual mostra-se propício à volta mente para a volta ao essencial como condi-
ao essencial. O processo de separação ou dis- ção de toda ação eclesial.
tinção entre sociedade e cristianismo, o qual
chamamos de secularização, apresenta-se 4. Mistagogia, paradigma de
como oportunidade única para a recuperaçã conversão pastoral
da originalidade da fé cristã. Chaves de leitura Querigma e mistagogia são, em nosso en-
para entender a lógica da sociedade secular tender, as duas colunas da inspiração catecu-
são os conceitos de autonomia e pluralismo. A menal. Nas páginas anteriores, debruçamo-
visão de mundo passa a ser plural, as culturas -nos sobre o querigma e suas implicações na
são policêntricas, as fontes de sentido da reali- conversão eclesial e pastoral. Cabe-nos agora
dade são igualmente multiformes, o que signi- mergulhar na dimensão mistagógica da evan-
fica que já não existe mais um princípio nor- gelização. Enquanto o paradigma doutrinal
teador para o todo social. A autonomia das tem como representante máximo o argumen-
realidades sociais oferece ao cristianismo a to, a explicação, a doutrina, o paradigma ca-
possibilidade de novamente ser autônomo, tecumenal tem como chave hermenêutica o
isto é, a oportunidade para a comunidade dos querigma, a mistagogia, a experiência, a ini-
seguidores de Cristo novamente se distinguir ciação, o encontro.
da sociedade, no sentido de romper com aque-
la identificação social que lhes priva da identi- 4.1. Relação entre querigma e
dade e da missão de serem fermento na massa. mistagogia
Trata-se da volta às fontes, do retorno aos pri- Mistagogia, antes de ser a última etapa do
meiros séculos da era cristã, em que o cristia- processo da iniciação à vida cristã de inspira-
nismo já era secular, isto é, autônomo, com ção catecumenal, é sua característica maior,
nº- 325
sua lei própria, o evangelho. do mesmo modo que “o querigma não é so-
A conversão pastoral se concretiza no res- mente uma etapa, mas o fio condutor de um
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ano 60
gate da identidade cristã, no tornar o cristia- processo que culmina na maturidade do dis-
nismo novamente uma comunidade alternati- cipulado de Jesus Cristo” (DAp 278).
va. Sem a clareza da necessidade dessa distin- Apesar de o último tempo do percurso
•
Vida Pastoral
ção, sem a volta ao essencial, a ação pastoral catecumenal receber o nome de mistagogia,
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é decisivo não perder de vista que todo o (EN 22). Há que lembrar que nem todo
processo catecumenal é mistagógico, viven- anúncio do querigma tem sido mistagógico.
cial, experiencial, por colocar o iniciante, do Há formas de anúncio que não condizem
início ao fim do itinerário, em contato vital com a riqueza do conteúdo anunciado. Não
com Jesus Cristo e com a comunidade de fé. há novidade em afirmar que muitos ruídos
Decorre dessa afirmação uma possível defi- pastorais e eclesiais dificultam, quando não
nição de mistagogia. A palavra, de origem impossibilitam, o eco do querigma na vida e
grega, composta do substantivo mystes (mis- no coração de quem está sendo iniciado.
tério) e do verbo agein, tem o Muitas são as expressões pas-
sentido de conduzir. Mistago- “A proclamação torais dessa natureza; geral-
gia é, portanto, o ato de con- do querigma, da mente são proclamações au-
duzir alguém ao mistério, re- Boa-Nova, tem torreferenciais, focadas mais
velado em Jesus Cristo. Refe- como exigência na instituição do que na espi-
re-se a tudo aquilo que con- a mistagogia; ou ritualidade. São ações de pre-
duz ao encontro com Cristo, seja, é necessário ceitos, de assimilação de ver-
que gera experiência de fé, proclamá-los dades religiosas, obcecadas
conversão, discipulado, mis- mistagogicamente” pelo ritualismo e pelo legalis-
são. A mistagogia, na meto- mo desumanizantes. Podem
dologia catecumenal, está na linguagem, nos estar presentes na homilia, no atendimento,
ritos celebrativos, na gradualidade do pro- na acolhida, na formação, na liturgia, no
cesso, na densidade da experiência, na aco- confessionário, enfim, podem entrar por to-
lhida, na comunidade, no catequista, no in- das as portas do ser e agir da Igreja. São ati-
trodutor, no padrinho, na Palavra, nos sacra- tudes ou ações pastorais por demais prede-
mentos celebrados e vividos, enfim, está em terminadas que enquadram, quando não
cada instância ou elemento que auxiliam no aniquilam, a individualidade.
encontro com Cristo e com a comunidade
eclesial. Todas essas dimensões são canais de 4.2. O tempo da mistagogia, o último
encontro e de experiência. do itinerário catecumenal, e seu
Querigma, por sua vez, é a proclama- significado para a conversão pastoral
ção da Pessoa de Jesus Cristo, de seu mis- Se até aqui enfatizamos a dimensão trans-
tério salvífico, a qual não pode ser feita de versal da mistagogia na metodologia catecu-
qualquer modo, sob o risco de não ser ou- menal, cabe igualmente agora uma palavra
vida nem experimentada. A proclamação específica sobre a mistagogia enquanto últi-
do querigma, da Boa-Nova, tem como exi- mo tempo do percurso catecumenal e sua
gência a mistagogia; ou seja, é necessário inspiração para uma nova evangelização.
proclamá-los mistagogicamente. Vigora, O significado teológico e pastoral do
portanto, uma relação inseparável entre tempo da mistagogia, o último do percurso
querigma e mistagogia, comparável à rela- catecumenal, é de uma atualidade inquestio-
ção entre palavra e som. nável, ainda a ser descoberta e explorada em
nº- 325
O anúncio querigmático não é uma pro- muitos ambientes eclesiais. Conquanto todo
clamação doutrinarista. Ele é realizado mis- o itinerário catecumenal seja mistagógico, a
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ano 60
“anúncio claro e inequívoco de Jesus Cristo” damento das relações com a comunidade dos
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fiéis” (RICA, 7d), “conhecimento mais com-
pleto e mais frutuoso” do mistério (RICA 38). Catequese e moral cristã
Chama a atenção o destaque que o Ritual
Novos tempos, novas respostas:
da iniciação cristã de adultos, denominado orientações pastorais para
RICA, dá ao tempo da mistagogia, à conclu- catequistas
são do processo de iniciação: “Para encerrar o
tempo da mistagogia, realiza-se uma celebra- Frei Ademildo Gomes
paulus.com.br
Vida Pastoral
25
Fato é que, de iniciação à vida cristã, deve-se, com a
mesma pertinência, falar de inspiração cate-
se a paróquia precisa ser lugar da iniciação cumenal para o todo da pastoral. A isso de-
à vida cristã, necessita igualmente assumir nominamos dimensão catecumenal transver-
o compromisso com o contínuo aprofunda- sal da pastoralidade. A inspiração catecume-
mento da fé dos já iniciados, caso contrário, nal é um paradigma evangelizador, e inicia-
correria o risco de, conforme um ditado ção à vida cristã é mais do que um setor pas-
bastante brasileiro, “morrer na praia”, ou toral da Igreja. Em tempos de crise de fé, de
seja, todo o esforço da transmissão da fé, de religiosidade líquida, não se pode simples-
iniciar na vida cristã torna-se em vão, quan- mente pressupor que os “iniciados” já este-
do não se oferecem estruturas comunitárias jam iniciados na fé e nas demais dimensões
para viver essa mesma fé e aprofundá-la da vida cristã. Portanto, urge a cada atividade
continuamente (REINERT, 2015, p. 188). eclesial assumir renovada compreensão de
iniciação. Urge, na nova etapa evangelizadora,
tomar sempre maior consciência daquilo que
Conclusão compete à iniciação, ou seja, da sua tarefa de
Se a pastoral catequética fala, com razão, gerar filhos na fé e do seu esforço para tornar
de inspiração catecumenal para toda forma cristãos adultos.
Referências bibliográficas
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nº- 325
REINERT, J. F. Paróquia e iniciação à vida cristã: a interdependência entre renovação paroquial e mista-
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ano 60
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Ritual da iniciação cristã de adultos. Vaticano:
Libreria Editrice Vaticana, 1972.
•
TABORDA, F. Apresentação.In: PARO, Thiago Faccini. As celebrações do RICA: conhecer para bem
Vida Pastoral
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Aspectos metodológicos
que brotam da inspiração
catecumenal:
pistas para a formação de
discípulos missionários
Ariél Philippi Machado*
Introdução
27
frutos de uma caminhada histórica da Igre- alcança-nos, envolve-nos e permite-nos des-
ja, não podemos negar. Contudo, “a traves- frutar de seus dons. Cronologicamente, esse
sia da doutrinação para a evangelização im- desfrute vai sendo alcançado ao longo do
plica também mudança no modo de ser ano litúrgico, verdadeiro catequista e mode-
dos agentes condutores. É esta a questão lo de itinerário de educação da fé proposto
que permite ver na metodolo- pela Igreja. No ano litúrgico
gia um problema de primeira “O ponto de concentra-se a dinâmica da me-
grandeza para a evangeliza- partida do método todologia catecumenal, sem me-
ção” (BENINCÁ; BALBINOT, querigmático é ses temáticos e devoções maxi-
2012, p. 39). o interesse de malistas, mas, essencialmente,
Nesse sentido, perscrutar acolher a pessoa com a manifestação do mistério
os tempos e etapas do catecu- humana” de amor divino, que, pela obra
menato, enquanto instituição, da encarnação, faz festa e mora-
é uma maneira de descobrir novos métodos da nas tendas da humanidade.
e novas atitudes, para uma conversão pasto-
ral madura em prol da evangelização neste 1. Aspectos do método querigmático
tempo de mudanças. Acreditamos que “a O imediatismo relativista é uma marca de
inspiração catecumenal liberta-nos da busca nossos dias. Em contraponto, a fé é a garantia
do sacramento pelo sacramento e alarga os do que se espera, a prova do que não se vê
horizontes da formação da personalidade (cf. Hb 11,1). Diante dessa tensão, as meto-
cristã com uma identidade mais definida em dologias de outrora (da certeza, da memori-
tempos em que o pluralismo questiona a zação, da tradição e do preceito) precisam
adesão vital à Igreja” (LELO, 2015, p. 71). dar lugar aos métodos interacionistas, viven-
Essa conversão pastoral será notada à ciais e humanizadores.
medida que as práticas e estratégias das co- O método querigmático traz consigo a
munidades cristãs mudarem o foco, deixan- mensagem para quem já perdeu o sentido da
do de conduzir apenas para o sacramento e espera. Afinal, “a imediatez dos aconteci-
passando a investir em verdadeiros ambien- mentos determina a urgência do momento, e
tes de anúncio do amor divino e de celebra- o sentido da vida se concentra no que faze-
ção do mistério de Jesus Cristo. Nas comuni- mos agora” (NÚCLEO DE CATEQUESE
dades primitivas, “a iniciação cristã cuidava PAULINAS, 2014, p. 13). Em resposta à li-
de instruir os catecúmenos tanto na adesão à quidez das sensações e experiências, o méto-
pessoa de Jesus Cristo quanto na vida comu- do querigmático quer: a) interessar-se pelo
nitária e no novo jeito de agir na sociedade e ser humano, criado por amor pelo Pai, e co-
na família” (CNBB, 2015, p. 89). Essa é a nhecer seus afazeres, anseios, medos, proje-
conversão pastoral. Converter de uma cate- tos e necessidades; b) apresentar Jesus Cris-
quese e pregação sacramentalista para uma to, Filho de Deus e companheiro de cami-
formação integral da pessoa humana, tendo nhada; c) reanimar, por meio do testemunho
como modelo Jesus de Nazaré, em vista de dos crentes, a chama da fé depositada em
nº- 325
um novo jeito de ser e agir nos ambientes da cada coração por obra do Espírito Santo.
sociedade, seja no trabalho, no lazer, na es-
•
ano 60
mistério pascal de Jesus Cristo. Esse mistério “A pessoa humana é obra-prima de Deus. Ao
28
longo da história da humanidade, o grande
desafio foi sempre de resgatar a dignidade da A vida nova em Cristo
pessoa humana, seu valor e sentido. O ho- Uma existência humana com sentido e
mem e a mulher não são simples coisas, mas esperança. Conteúdo catequético para
a iniciação à vida cristã com adultos
filhos e filhas de Deus e irmãos uns dos ou-
tros” (KESTERING, 2016, p. 21). Pe. Edemilson E. Lovatto
Se querigma quer dizer anúncio, a pri- Pe. Paulo Crozera
meira atitude que expressa sem palavras, mas
com gestos, o anúncio do amor de Deus é a
acolhida da pessoa humana, nas suas diferen-
tes realidades da sociedade hodierna. “O
evangelho não mudou, mas mudaram os in-
terlocutores. Mudaram os valores, os mode-
los, as alegrias e as esperanças, as tristezas e
as angústias dos homens e das mulheres de
hoje” (CNBB, 2017, p. 34).
O querigma da acolhida significa assumir
a cruz de Jesus na pessoa interlocutora e,
junto dela, dividir o peso da cruz.
Jesus Cristo é “uma testemunha que está to- Vendas: (11) 3789-4000
talmente tomada por Deus, vive radicalmen- 0800-164011
•
ano 60
29
amor está a fonte da vida eterna” (GEVAERT, 2. Aspectos do método catecumenal
2009, p. 82). Jesus Cristo, Filho de Deus, é A fé é um dom de Deus e precisa ser des-
testemunha qualificada para expressar a obra pertada, nutrida, educada por meio de sinais,
de amor que habita em cada ser humano. Ele gestos e conteúdos. O querigma é o momen-
é a imagem de Deus invisível (cf. Cl 1,15) to que desperta no interlocutor o desejo de
que apresenta, nos gestos humanos, o valor aprofundar os momentos da vida, dos feitos e
da vida e encanta com sua ternura, a qual dos ensinamentos de Jesus Cristo. O grande
acolhe a pessoa humana, lhe perdoa e a rein- objetivo de um método catecumenal é a for-
tegra no contexto social. mação do discípulo missioná-
“O catecumenato, rio, a qual marcará a vida toda
1.3. O testemunho de fé modelo de do cristão. Essa etapa de for-
Decorre, da escuta e do instituição da Igreja mação realiza-se após a con-
anúncio, a prática de vida. A fé nascente, obtinha versão, isto é, após a aceitação
no querigma é chancelada no das Escrituras as sincera do candidato de se-
cotidiano da vida, nas opções instruções da fé guir um caminho novo, que
que as pessoas crentes fazem. e contava com os exige escolhas e renúncias.
Acolher por amor e anunciar contemporâneos Aprender sobre Jesus e de-
que Deus ama implica a vivên- dos apóstolos para cidir segui-lo é a consequência
cia concreta da doação, da mi- garantir a solidez de de ter percorrido um itinerário
sericórdia e da alegria do segui- sua catequese” de fé. Nesse itinerário, são
mento. contemplados alguns elemen-
O testemunho da fé em Jesus Cristo, tos metodológicos por meio dos quais a fé é
morto e ressuscitado, significa assumir no- explicitada, oferecendo ao simpatizante ele-
vas posturas que apontem os sinais de vida mentos que permitam dar “razões de sua espe-
nos contextos de incertezas, desafios e cená- rança” (1Pd 3,15) em Jesus Cristo.
rios de morte de nossos dias. O papa Bento O catecumenato, modelo de instituição
XVI ensinou que da Igreja nascente, obtinha das Escrituras as
instruções da fé e contava com os contempo-
a renovação da Igreja realiza-se também râneos dos apóstolos para garantir a solidez
através do testemunho prestado pela vida de sua catequese. Com base nos relatos bíbli-
dos crentes: de fato, os cristãos são chama- cos, sabemos que os primeiros seguidores
dos a fazer brilhar, com sua própria vida “eram assíduos em escutar o ensinamento
no mundo, a Palavra de verdade que o Se- dos apóstolos, na solidariedade, na fração do
nhor Jesus nos deixou. [...] Com efeito, a pão e nas orações” (At 2,42).
fé cresce quando é vivida como experiên- Após o anúncio da Boa-Nova, que marca
cia de um amor recebido e é comunicada o início do processo de formação do discípu-
como experiência de graça e de alegria. A lo missionário, a catequese passa como que a
fé torna-nos fecundos, porque alarga o co- formalizar os conteúdos da fé, por meio da
ração com a esperança e permite oferecer explicitação da doutrina.
nº- 325
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mo da Igreja Católica, distribuídos em
quatro partes: Credo, Sacramentos, Moral
Creio
– a vida em Cristo e Oração (MACHADO; A profissão de fé explicada aos
BERTOLDI, 2017, p. 8). catequistas
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Vida Pastoral
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2.2. Itinerário de fé, processo de 2.3. A centralidade da palavra
educação constante de Deus
O Documento de Aparecida chama a aten- A Bíblia é o livro por excelência da cate-
ção para os itinerários de formação, sugerin- quese. A inspiração catecumenal recupera,
do que não sejam constituídos apenas de téc- com toda a força, a função pedagógica das
nicas, dinâmicas e conteúdos, mas favore- Sagradas Escrituras como fonte da educação
çam, per se, um encontro pessoal com Jesus da fé. A catequese que tem como pano de
Cristo. Diz o documento: fundo os textos bíblicos e a leitura orante
como método de acesso torna
o caminho de formação do “Tendo por base o sempre presente o mistério de
seguidor de Jesus lança suas livro da Bíblia para Deus, que zela por seu povo elei-
raízes na natureza dinâmica o ato catequético, to e o defende.
da pessoa e no convite pes- pede-se sempre A catequese bíblica supera
soal de Jesus Cristo, que mais a intimidade os modelos de doutrinação e
chama os seus pelo nome e com a palavra de memorização.
estes o seguem porque lhe Deus, por meio do
conhecem a voz. O Senhor exercício da leitura Este é o sentido da Bíblia: a ação
despertava as aspirações orante” de Deus vem continuamente ma-
profundas de seus discípu- nifesta num crescendo maravi-
los e os atraía a si, maravilhados. O segui- lhoso até a perfeição absoluta e total da
mento é fruto de uma fascinação que res- obra no término glorioso da História da
ponde ao desejo de realização humana, ao Salvação. [...] É uma história de amor,
desejo de vida plena (DAp 277). onde Deus trabalha pedagógica e ordena-
damente. [...] O ponto central de coesão e
Um itinerário, portanto, é composto de movimentação de toda a História da Sal-
elementos básicos seguros e orientações que vação é o Cristo-Evento. É ele o maior
conduzem do início ao fim do processo. No acontecimento de toda a história. Por isso,
contexto da fé, o início do itinerário se dá qualquer página da Bíblia ou qualquer
nos pequenos contatos cotidianos com ex- fato devem ser atingidos pelo clarão dessa
pressões e gestos religiosos no ambiente fa- “luz verdadeira, que, vinda ao mundo, ilu-
miliar ou mesmo na comunidade estendida, mina todo homem” (Jo 1,9) (FRAINER,
entre amigos e vizinhos. Para a fé, no entan- 1977, p. 19).
to, o itinerário não tem final. O itinerário de
seguimento de Jesus Cristo tem, sim, seu Como mencionado, tendo por base o li-
ponto de partida: aquele momento único e vro da Bíblia para o ato catequético, pede-se
pessoal de encanto e encontro com a pessoa sempre mais a intimidade com a palavra de
de Jesus Cristo, momento que se prolonga Deus, por meio do exercício da leitura oran-
por toda a vida. te. Ela é um método eficaz para alimentar a
Diante disso, destaca-se o valor da for- espiritualidade bíblica, capacitando o cate-
nº- 325
mação permanente dos agentes de pastoral. quista para a função narrativa da história da
E, em consequência, da catequese constan- salvação. Folheando os textos, entramos em
•
ano 60
te que precisa ter lugar na vida do cristão, diversos modelos de catequese narrativa, um
para que a recepção dos sacramentos não elemento rico de significado para a transmis-
•
seja um ponto final ou a marca do ponto de são da fé, a ser redescoberto em nossas estra-
Vida Pastoral
32
2.4. O domingo, Páscoa semanal
O domingo é o dia da comunidade. Ou ComuniCat
seja, é dia preparado pelo Senhor (Sl 118) A comunicação a serviço da
para que, ao redor da Palavra e do altar, os catequese
filhos e as filhas elevem suas preces de lou-
vor e gratidão pelo dom da vida. A metodo- Irmã Mary Donzellini
Mario Meireles
logia catecumenal não pode abrir mão des-
sa interação entre fé e vida. Pela via da ora-
ção comunitária, os gestos, símbolos e ritos
unem, numa só voz, o mesmo canto de
ação de graças ao Deus da vida.
O domingo nos faz reviver, toda sema-
na, a mesma experiência dos primeiros
discípulos e discípulas: o Senhor está vivo
nas nossas lutas e vitórias. Por esse moti-
vo, os eventos da vida de Jesus Cristo se
tornam realidade na nossa vida, na medi-
da em que nos pomos a caminho e partici-
pamos das celebrações em comunidade.
Assim, o dia do Senhor (domingo) se tor-
nou o dia mais importante da semana,
72 págs.
trabalhos de evangelização.
A, B e C, o ano litúrgico se estabelece
como verdadeiro itinerário de fé para a co-
munidade, e o domingo reúne e alimenta
a fé dos cristãos sempre de modo novo.
nº- 325
33
2.5. A comunidade do discipulado visita às periferias existenciais, à pastoral em
missionário saída, ao cuidado com os pobres, ao compro-
O método catecumenal misso com o evangelho e com a
tem por foco a formação da “O centro da fé defesa da vida, à comunhão dos
personalidade da pessoa de fé, cristã é o mistério serviços e ministérios.
o discípulo missionário. Tal pascal de Jesus A compreensão do valor da
formação se dá no seio de uma Cristo, vale comunidade e do lugar prioritá-
comunidade de referência. As- dizer, sua vida, rio que ela possui no itinerário
sim, a comunidade precisa re- paixão, morte e de formação estará refletida no
cuperar seu protagonismo de ressurreição” comprometimento dos agentes
catequista por excelência. “É da ação evangelizadora entre si e
na comunidade que o cristão experimenta com a proposta do evangelho.
a vida da Igreja e descobre a sua missão
como cristão no mundo” (KESTERING, 3. Aspectos do método celebrativo-
2016, p. 53). Para isso acontecer, é preciso vivencial
promover a formação continuada dos agen- O centro da fé cristã é o mistério pascal de
tes da ação evangelizadora e investir na Jesus Cristo, vale dizer, sua vida, paixão, morte
compreensão de que a catequese é uma di- e ressurreição. Tal mistério é celebrado anual-
mensão de todas as pastorais, movimentos mente na comunidade por ocasião da Páscoa.
e serviços eclesiais. Diante da comunidade reunida, Deus manifes-
Novas metodologias exigem novas postu- ta, de maneira sempre nova, o dom da vida,
ras. A conversão pastoral e, também, meto- gerando novos filhos e filhas por meio do batis-
dológica terá início na composição dos con- mo, confirmando-os diante da comunidade re-
selhos e instâncias de organização das peque- unida e alimentando a todos com o Corpo e
nas comunidades. A inspiração catecumenal Sangue de seu Filho, Jesus. Esse é o caráter uni-
será verdadeiramente compreendida quando tivo dos sacramentos da iniciação cristã.
as burocracias, o poder de comandar um Em vista disso, se a Páscoa é a festa mais
grupo, a posse das chaves e a competição de importante da nossa fé, ela merece um tempo
construções civis cederem lugar à acolhida, à de preparação à altura. Esse tempo é conhe-
Este livro é um convite para entrar no mundo dos primeiros cristãos, analisando todas as
formas de expressão do cristianismo primitivo. Com ele, o leitor vai descobrir como esse grupo
é diferente de qualquer forma de cristianismo que conheça ou que pratique.
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152 páginas
•
34
cido como Quaresma. Pede a Igreja que tal cristã concorre com suas bênçãos e orações.
tempo seja vivido de modo a intensificar a Não é um desejo isolado de receber o sacra-
vida de oração, aprender sempre mais a im- mento ao fim de uma peregrinação conteu-
portância do jejum, libertar-se daquilo que é dista. A inspiração catecumenal exige a pre-
excessivo e partilhar com os necessitados os sença e o protagonismo da comunidade cris-
bens que temos. Essas três atitudes de con- tã, seu testemunho e vigilância, enquanto são
versão simbolizam nossa participação no realizados os preparativos para a Páscoa e,
mistério de Cristo, morto e ressuscitado. nela, a iniciação sacramental dos novos mem-
bros da família de fé.
3.1. A riqueza da espiritualidade
quaresmal 4. Aspectos do método mistagógico
A inspiração catecumenal oferece à Igre- Antes, um dado: querigma e mistagogia
ja, no Terceiro Tempo do catecumenato, o são dimensões de um itinerário de inspiração
momento de recolhimento necessário à vida catecumenal e paralelamente configuram,
humana. Conduzida com sobriedade pela li- cada um deles, um tempo específico do mes-
turgia, a Quaresma concentra o menor tempo mo itinerário.
da inspiração catecumenal, o qual, porém, é Isso implica “compreender que também
o mais intenso dessa metodologia iniciática. os tempos anteriores fazem mistagogia, ou
O Terceiro Tempo, que coincide com a seja, introduzem no mistério de Cristo e da
Quaresma, “é um tempo em que se realça Igreja, através dos ritos ao longo do ano litúr-
mais o cultivo da vida interior. Procura-se gico e de todo o percurso catecumenal”
purificar os corações e aprofundar a conver- (QUEZINI, 2013, p. 61). De igual modo, o
são pelo exame de consciência e pela peni- querigma é presença nos tempos subsequen-
tência” (CNBB, 2009, p. 44). tes, porque a todo momento é preciso voltar
Daí decorre que, ao longo da Quaresma, a ele como razão e sentido do itinerário de fé.
se configura o método celebrativo-vivencial Chamamos de método mistagógico o
por meio dos ritos específicos desse tempo: meio pelo qual os iniciados assumem automa-
escrutínios e entregas. São ritos que marcam ticamente o papel de catequistas, enquanto a
a maturidade de quem se pôs no caminho do comunidade toda é, por um instante, catequi-
discipulado, confirmando seus sinais de ade- zanda. Isto é, a mistagogia é o tempo e a atitu-
são a Jesus, fortalecendo os vínculos com a de de, após experimentar na vida os efeitos do
comunidade e purificando e aperfeiçoando sacramento, poder partilhar tal experiência,
os sentimentos (RICA, 2001, p. 23-24). contando-a aos membros da comunidade.
Enquanto, nos tempos anteriores, havia
3.2. Vida de oração uma postura de preparação, agora, por força
A marca do Terceiro Tempo e de seu méto- e realização do sacramento recebido, os ini-
do celebrativo-vivencial é a vida de oração, que ciados estão em condições de assumir seu
tende a intensificar-se ao longo da Quaresma. discipulado missionário, conduzindo novos
Ademais, o itinerário de formação de discípulos interlocutores ao mistério de Cristo. E os pri-
nº- 325
jam receber os sacramentos na Vigília Pascal. de seu zelo e trabalho apostólico de educar
Por isso, enquanto os candidatos percor- na fé os recém-iniciados.
rem o tempo específico de preparação para a A mistagogia significa a ação de guiar,
•
Vida Pastoral
35
no sacramento. Contudo, seremos capazes de Para (não) concluir
mergulhar no mistério de Deus se deixarmos Para recuperar o modelo e jeito de ser da
que ele mesmo nos conduza. O mistério de Igreja nascente, é preciso empreender um
Deus não se explica com palavras, mas é vivên- processo pessoal e comunitário de revisão e
cia concreta, na experiência de fé que temos no conversão de atitudes e metodologias. “Par-
dia a dia. tindo de Jerusalém, os apóstolos criaram co-
Em vista disso, a inspiração catecumenal munidades nas quais a essência de cada
sugere, para o tempo da mistagogia, a recu- cristão se define como filiação divina”
peração da unidade entre liturgia, catequese (CNBB, 2015, p. 43). A mesma essência das
e caridade. Bonitos passos foram dados ao primeiras comunidades precisa penetrar nas
estreitar os laços de liturgia e catequese. En- estruturas das comunidades atuais e inspi-
quanto, porém, faltar a caridade, soaremos rar aquela mesma eclesiologia à ação evan-
como um metal estridente e um címbalo que gelizadora atual.
tine (cf. 1Cor 13,1).
Referências bibliográficas
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nº- 325
serviço da iniciação à vida cristã. Revista de Catequese, São Paulo, ano 40, n. 149, p. 5-15, jan./jun.
2017.
•
NÚCLEO DE CATEQUESE PAULINAS. Querigma: a força do anúncio. São Paulo: Paulinas, 2014.
ano 60
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Ritual da iniciação cristã de adultos. São Paulo:
Vida Pastoral
Paulus, 2001.
36
Os sacramentos do batismo,
crisma e eucaristia na perspectiva
da catequese a serviço da
iniciação à vida cristã
Lucia Imaculada*
Introdução
do Rio de Janeiro, Membro da Sociedade Brasileira de Tal proposta torna-se, de certa forma, uma
Catequetas, professora no Instituto Superior de Teologia, necessária mudança de foco da pastoral, para
Instituto Superior de Ciências Religiosas, Escola Diaconal
atender melhor aos desafios da mudança de
•
Vida Pastoral
37
Concílio Vaticano II já acenava para a necessi- ção e mistagogia), intercalados por três eta-
dade de formar cristãos mais amadurecidos na pas (entrada no catecumenato, rito da eleição
fé e capazes de “dar as razões da própria espe- e recepção dos sacramentos). Tais etapas de-
rança” (1Pd 3,15) por meio de uma atitude vem representar, na vida do candidato, sua
dialogal e respeitosa nesta sociedade pluralista predisposição para prosseguir em novo tem-
em que vivemos, que exige de cada um de nós po com crescente adesão à vida de Cristo:
uma identidade eclesial como testemunha da “Quando eu era criança, falava como criança,
fé cristã. Para facilitar esse processo, em alguns pensava como criança, raciocinava como
de seus documentos, o Concílio criança. Desde que me tornei
solicitou a restauração do cate- “A renovação homem, eliminei as coisas de
cumenato.1 Citamos a constitui- da pastoral criança” (1Cor 13,11).
ção sobre a liturgia, Sacrosanc- catequética A vida espiritual é dinâmica;
tum Concilium: envolve uma deve ser desenvolvida até que to-
ação integral dos tenhamos chegado à unida-
Restaure-se o catecumenato que conduza de da fé e do conhecimento do
dos adultos, dividido em di- à progressiva Filho de Deus,
versas etapas, introduzindo- iniciação do
-se o uso de acordo com o candidato – seja até atingirmos o estado de ho-
parecer do Ordinário do lo- ele criança, jovem mem feito, a estatura da maturi-
cal. Desta maneira, o tempo ou adulto – no dade de Cristo. Para que não con-
do catecumenato, estabele- mistério pascal tinuemos crianças ao sabor das
cido para a conveniente ins- de Cristo” ondas, agitados por qualquer so-
trução, poderá ser santifica- pro de doutrina, ao capricho da
do com os sagrados ritos a serem celebra- malignidade dos homens e de seus artifí-
dos em tempos sucessivos (SC 64). cios enganadores. Mas, pela prática since-
ra da caridade, cresçamos em todos os
Essa renovação da pastoral catequética sentidos, naquele que é a cabeça, Cristo. É
envolve uma ação integral que conduza à por ele que todo o corpo – coordenado e
progressiva iniciação do candidato – seja ele unido por conexões que estão ao seu dis-
criança, jovem ou adulto – no mistério pascal por, trabalhando cada um conforme a ati-
de Cristo. A experiência salvadora de Jesus vidade que lhe é própria – efetua esse cres-
na vida do candidato é perpassada por vários cimento, visando à sua plena edificação na
elementos que se integram, tais como o caridade (Ef 4,13-16).
anúncio do querigma, a leitura orante da Bí-
blia, o chamado à conversão e ao testemunho
de vida, o conhecimento da doutrina católi- 1. O RICA como instrumento para
ca, as celebrações litúrgicas, a educação para compreensão da unidade entre os
a participação na vida eclesial, a iniciação à sacramentos da iniciação cristã
missão na vida social. Todos esses elementos O Ritual da iniciação cristã de adultos
nº- 325
são encontrados ao longo do processo, que se (RICA), livro litúrgico editado no Brasil em
apresenta organizado em quatro tempos 1973 e reeditado em 2001, por ocasião da
•
ano 60
1
SC 64 e 66; CD (Christus Dominus) 14; AG (Ad Gentes)
14. Mais do que as costumeiras práticas de “pre-
38
paração” para os sacramentos, o RICA, ao
citar, no primeiro número das “observações Bíblia
preliminares gerais sobre a Iniciação Cristã”, Palavra que transforma a
o texto do decreto do Concílio Vaticano II vida dos catequistas
Ad Gentes (AG 14), apresenta a dinâmica de
vida do candidato em união com todo o Humberto Robson de Carvalho
mistério da salvação: “Os seres humanos, li-
bertos do poder das trevas, graças aos sacra-
mentos da iniciação cristã, mortos com
Cristo, com ele sepultados e ressuscitados,
recebem o Espírito de filhos adotivos e cele-
bram com todo o povo de Deus o memorial
da morte e da ressurreição do Senhor”.
Com esse início, o RICA já aponta para o
sentido de unidade entre os sacramentos da
iniciação cristã que deve existir numa cateque-
se com inspiração catecumenal, mostrando-
-nos a necessidade de superar a prática frag-
mentada que ainda perdura em nossas comu-
nidades eclesiais, tanto em nível paroquial
88 págs.
como diocesano.
Considere-se o fato de que, ainda num
contexto de cristandade, vigorava uma práti-
ca cuja pressuposição era que, em famílias
O catequista é um discípulo-
católicas, a iniciação ocorreria naturalmente.
-missionário, e seu discipulado
Nesse contexto, bastava a “preparação” mais
nasce a partir do dia em que faz
imediata à recepção dos sacramentos.
o grande encontro de sua vida:
Nessa visão, os sacramentos do batismo,
o encontro com Jesus. Esta obra
da crisma e da eucaristia eram e ainda são
apresenta um percurso para que
considerados celebrações estanques e distan-
o catequista tenha familiaridade
tes entre si. Tal perspectiva, de certa forma,
com a Palavra de Deus,
desvaloriza a dinâmica da vida espiritual.
salientando o lugar primordial da
Em muitas comunidades, as próprias
Palavra no ser do catequista e no
pastorais são organizadas de forma segmen- exercício do seu ministério.
tada: pastoral do batismo, pastoral da cate-
Imagens meramente ilustrativas.
paulus.com.br
Vida Pastoral
39
Essa prática, ainda muito comum, não mano atingir a unidade da família de Deus.
só revela os equívocos de compreensão, De tal modo se completam os três sacra-
como reforça a ideia de que, em relação aos mentos da iniciação cristã, que proporcio-
sacramentos da iniciação cristã, encontra- nam aos fiéis atingirem a plenitude de sua
mos um conjunto de pastorais, mas não estatura no exercício de sua missão de povo
um trabalho de pastoral de conjunto. Isto cristão no mundo e na Igreja (RICA, “A ini-
é, “estes sacramentos deveriam estar aber- ciação cristã”, n. 2).
tos uns aos outros num crescimento dinâ-
mico, em busca da perfeição
mais profunda que consiste “No início da 2. Os sacramentos da
em viver a vida nova de Cris- Igreja, os três iniciação cristã: do
to” (ARQUIDIOCESE DO RIO sacramentos da compartimento para a
DE JANEIRO, 2010, p. 15). iniciação cristã integração
Se nos aprofundarmos no eram conferidos No início da Igreja, os três sa-
estudo do texto introdutório do juntos, no Sábado cramentos da iniciação cristã eram
RICA, poderemos perceber que Santo, dentro conferidos juntos, no Sábado San-
esse livro litúrgico nos convida da celebração to, dentro da celebração da Vigília
a recuperar e esclarecer o senti- da Vigília Pascal, Pascal, mãe de todas as vigílias.
do do processo catecumenal, a mãe de todas as Após longo período de iniciação,
serviço da iniciação à vida cris- vigílias” o catecúmeno era totalmente inse-
tã, superando a prática de uma rido no mistério pascal de Cristo,
catequese que visa somente à recepção dos recebendo os sacramentos nesta ordem: batis-
sacramentos. mo, confirmação e eucaristia. A iniciação cristã
de adultos mantém essa ordem tanto nos ritos
O batismo os incorpora a Cristo, tornando- latinos como nos orientais; isto é, começa
-os membros do povo de Deus; perdoa-lhes quando o adulto ingressa no tempo do catecu-
todos os pecados e os faz passar, livres do menato e atinge seu ponto culminante em uma
poder das trevas, à condição de filhos ado- única celebração dos três sacramentos.
tivos, transformando-os em uma nova cria- Em relação à iniciação de crianças ou até
tura pela água e pelo Espírito Santo; por mesmo adolescentes, “nos ritos orientais, a
isso, são chamados filhos de Deus e real- iniciação cristã das crianças começa no ba-
mente o são. Assinalados pela crisma pela tismo, seguido imediatamente pela confir-
doação do mesmo Espírito, são configura- mação e pela eucaristia, ao passo que, no
dos ao Senhor e cheios do Espírito Santo, a rito romano, ela prossegue durante os anos
fim de levarem o Corpo de Cristo quanto de catequese, para terminar mais tarde com
antes à plenitude. Finalmente, participan- a confirmação e a eucaristia, ápice de sua
do do sacrifício eucarístico, comem da car- iniciação cristã” (CIC, cân. 85, 2º).
ne e bebem do sangue do Filho do homem, Atualmente, por conta dessa “separação”
e assim recebem a vida eterna e exprimem entre os sacramentos da iniciação cristã, a ad-
nº- 325
40
A proposta pode ser interessante do pon-
to de vista pastoral, porém nela o sacramento Paróquia e iniciação cristã
da crisma passa a ser considerado o ponto A interdependência entre
final da iniciação cristã, ficando em segundo renovação paroquial e
plano o fato de que o cume de toda a vida mistagogia catecumenal
sacramental é a eucaristia.
João Fernandes Reinert
O Catecismo da Igreja Católica, em seu nú-
mero 1212, afirma:
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Vida Pastoral
pontos práticos.
41
Pode-se realizar, com a equipe de cate- organizar a iniciação à vida cristã segundo a
quistas, um aprofundamento litúrgico dos sa- faixa etária, isto é, iniciação cristã de crianças
cramentos de iniciação cristã, de modo que a e adolescentes, iniciação cristã de jovens e
integração com a equipe de liturgia fortaleça o adultos. A prática tão comum de abordar a
“mergulho” existencial na beleza dos ritos: rea- iniciação com foco nos sacramentos favorece
lizar a leitura orante da Palavra, utilizando os uma compreensão de terminalidade que,
textos bíblicos sugeridos pelo RICA; meditar muitas vezes, prejudica a inserção dos candi-
as orações, escrutínios e exorcismos; valorizar datos na vida eclesial. Expressões do tipo
a linguagem corporal contida “pastoral da catequese”, “pasto-
nos vários ritos, a fim de facilitar “Quando ral da crisma”, e até mesmo “ca-
a inteireza da pessoa nas várias valorizamos o tecumenato eucarístico” e “cate-
etapas do processo catecumenal percurso pessoal cumenato crismal”, vinculam o
(“a Verdade só se revela inteira de cada candidato, processo a uma conclusão, que
ao homem inteiro”).2 inserido na vida seria a recepção dos sacramentos
Se houver esse aprofunda- comunitária, de forma estanque em relação
mento litúrgico, ficará muito realizamos aos outros. Precisamos reconhe-
mais evidente para todos, cate- em conjunto cer que nossa atividade pastoral
quistas e catecúmenos/catequi- a ‘gestação’, a considerou a “preparação para”
zandos, a unidade entre os sa- iniciação cristã em detrimento da “iniciação à”.
cramentos da iniciação cristã e desses novos Quando a comunidade prepara,
como a liturgia, de maneira ge- discípulos reforça a ideia de que a “obra”
ral, conduz todos os sacramen- missionários de está concluída. Quando a comu-
tos para a recepção e vivência Jesus” nidade inicia, conduz, pedagógi-
da eucaristia. ca e mistagogicamente, ao en-
contro pessoal e comunitário com Cristo e
A Iniciação à Vida Cristã depende da in- com a Igreja.
tegração entre o processo formativo e a Ainda que muitos jovens e adultos apa-
liturgia. A liturgia é fonte inesgotável de rentemente recebam “por último” o sacra-
formação do discípulo missionário, e as mento da crisma, como que “concluindo” a
celebrações, pela riqueza de suas pala- iniciação cristã (após já terem sido batizados
vras e ações, mensagens e sinais, podem e recebido a primeira eucaristia), torna-se
ser consideradas como “catequese em fácil mostrar que a própria liturgia da missa
ato”. Não somente os catequizandos e os da qual participam conduz ao ápice que é a
que seguem outros processos formativos, eucaristia. Pelo batismo, somos incorpora-
mas toda a comunidade precisa ser cons- dos a Jesus e à sua Igreja; na crisma, somos
tantemente formada para a vida litúrgica. configurados à missão de Jesus pastor e
A liturgia, com a riqueza do Ano Litúrgi- evangelizador; na eucaristia, somos alimen-
co, é ocasião privilegiada de formação tados por Jesus, a fim de aprendermos com
continuada (CNBB, Doc. 107, n. 182). ele a doar nossa vida até pelo martírio, se
nº- 325
preciso for.
Outro aspecto não menos interessante é Outra maneira de colaborar para que a
•
ano 60
42
ritos contidos no itinerário de vida cristã, cul- suas famílias. Em seguida, temos o catecume-
minando com a recepção dos três sacramentos nato infantil, no qual crianças entre 7-10 anos
durante a Vigília Pascal, conforme sugere o recebem, num primeiro momento, o querigma
Código de Direito Canônico: “ A não ser que e, depois de participarem do rito de entrada,
uma razão grave o impeça, o adulto que é ba- são instruídas na palavra de Deus e nos funda-
tizado seja confirmado logo depois do batismo mentos da fé católica. Após a participação no
e participe da celebração eucarística, receben- rito penitencial, esses pequenos candidatos são
do também a comunhão” (CDC, cân. 866). admitidos ao batismo (os não batizados) e,
O Documento 107 da CNBB reafirma posteriormente, à mesa eucarística. O tempo
essa necessidade: da mistagogia pode ser vivenciado nos vários
grupos juvenis existentes nas paróquias, tais
Os candidatos adultos que vão receber os como o grupo da catequese de perseverança,
três sacramentos da iniciação cristã devem o grupo de coroinhas, o da Infância e Adoles-
fazê-lo preferencialmente na Vigília Pascal. cência Missionária (IAM), o do Movimento
O RICA orienta, porém, que os adultos já Eucarístico Jovem (MEJ), o dos marianinhos,
batizados não celebrem os sacramentos da entre outros. A participação nessas atividades
crisma e da eucaristia na Vigília Pascal. Po- eclesiais colabora muito no desenvolvimento do
derão, então, recebê-los em outra ocasião serviço a Cristo e aos irmãos, fruto da vida da
mais adequada, de acordo com o crono- graça em cada um de nós e de todos os que se
grama proposto pela comunidade paro- aproximam dos sacramentos da iniciação cristã.
quial (CNBB, Doc. 107, n. 147). Mesmo que recebam o sacramento da crisma na
adolescência, na juventude ou na vida adulta, já
Por isso, em relação aos demais catequi- realizam na própria vida os frutos dos sacra-
zandos (já batizados), o RICA sugere vários mentos do batismo e o sentido da vida eucarís-
itinerários, que podem ser adaptados às si- tica. Afinal, o mandamento do amor foi ordena-
tuações de vida pessoal, comunitária e reli- do por Jesus na Última Ceia: “Dou-vos um novo
giosa de cada grupo. Esse acompanhamento mandamento: amai-vos uns aos outros. Como
e cuidado pastoral devem ser realizados pela eu vos tenho amado, assim também vós deveis
comunidade como um todo, já que a inicia- amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34).
ção cristã “é algo de seu e interessa a todos os
batizados” (RICA 41). O período mais apro- Conclusão
priado é sempre durante o tempo pascal, cuja Quando valorizamos o percurso pessoal
liturgia faz evidenciar, de forma belíssima, o de cada candidato, inserido na vida comuni-
mistério pascal de Cristo, fonte de vida nova tária, realizamos em conjunto a “gestação”, a
para todos os que dele se aproximam. iniciação cristã desses novos discípulos mis-
Em relação à iniciação à vida cristã de sionários de Jesus. Observa-se que, muitas
crianças e adolescentes, o sentido de progressi- vezes, porém, algumas práticas pastorais se
vidade se torna mais evidente ao longo de todo satisfazem apenas com a prática ritual, o que
o itinerário da catequese de inspiração catecu- pode empobrecer a unidade entre os sacra-
nº- 325
menal. Há dioceses e paróquias que realizam o mentos da iniciação cristã. O rito quer ex-
que se costuma denominar de pré-catecume- pressar o desenvolvimento do candidato em
•
ano 60
nato infantil, quando crianças a partir de 4/5 e toda a integralidade da vida cristã: cresci-
6/7 anos participam de grupos da mesma faixa mento na fé crida, celebrada, vivida e orada,
etária, a fim de receberem o primeiro anúncio fazendo-o, de maneira progressiva, tanto em
•
Vida Pastoral
da fé. O objetivo é a evangelização delas e de sua vida pessoal como na vida comunitária
43
da família de Deus, a qual também se renova da paróquia. Propomos que o processo ca-
e se fortalece ao recebê-lo. tequético de formação adotado pela Igreja
Por fim, cabe recordar que o Documento para a iniciação cristã seja assumido em
de Aparecida dá grande destaque à catequese todo o continente como a maneira ordiná-
de inspiração catecumenal, quando afirma ria e indispensável de introdução na vida
em seu número 294: cristã e como a catequese básica e funda-
mental. Depois, virá a catequese perma-
Assumir esta iniciação cristã exige não só nente que continua o processo de amadu-
uma renovação de modalidade catequética recimento da fé [...].
Referências bibliográficas
Sem liturgia, não há catequese verdadeira. Este livro convida você a resgatar a relação entre
a prática catequética e a ação litúrgica, abraçando inteiramente a missão de formar discípulos
missionários comprometidos com o projeto de Jesus.
•
ano 60
136 páginas
•
44
homiléticos
Roteiros
Também na internet:
vidapastoral.com.br Epifania do Senhor
6 de janeiro
I. Introdução geral
Procure imaginar que, no projeto de Deus, tudo deve estar
conectado. Considere, contudo, que não somente as pessoas
*Luiz Alexandre Solano Rossi é se conectam umas às outras. Trata-se de conexão que vai além
doutor em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista de das pessoas e atinge também os espaços em que elas vivem.
São Paulo (Umesp) e pós-doutor Nesse sentido, podemos incluir nesta conversa as cidades e as
em História Antiga pela
Universidade Estadual de Campinas
Igrejas. As cidades e as Igrejas deveriam ser um reflexo dos
(Unicamp) e em Teologia pelo compromissos de cada pessoa e, assim, refletir o compromisso
Fuller Theological Seminary com os valores evangélicos que cada cristão traz gravados no
(Califórnia, EUA). É professor no
programa de Mestrado e coração. Cidades e Igrejas que não refletem os valores evangé-
Doutorado em Teologia da licos apenas mostram que a maioria do povo que nelas está
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR). Publicou diversos
inserido vive uma vida cristã sem autenticidade e desvincula-
livros, a maioria pela PAULUS, entre da do projeto de Deus. Nesse sentido, uma reflexão poderia
os quais: A falsa religião e a ser muito bem-vinda: a cidade que habitamos reflete o povo
nº- 325
solidariedade; A origem do
Na primeira leitura, estamos diante da bela descrição que o
Pastoral
45
Roteiros homiléticos
por Deus como centro religioso e econômico nopolizar o Messias. Nesse caso, também os
para todos os povos. Uma cidade em que ne- “gentios” são convidados a participar do
cessariamente as pessoas se encontrariam e de- povo de Deus. Em Jesus Cristo é somente
senvolveriam um projeto de paz, de segurança possível pensar em inclusão. Nele, por ele e
e de bem-estar. Vendo dessa forma, é possível a partir dele todas as pessoas podem se sen-
dizer que a construção do bem-estar indica a tir incluídas.
desconstrução e superação do mal-estar, ou Jesus, por isso, não pode ser circuns-
seja: as sementes da violência e da destruição já crito a uma etnia, a uma ideologia, a uma
não crescerão nas ruas da cidade de Jerusalém. fronteira qualquer. Vemos nele, em suas
É possível pensar nessa descrição compa- palavras e ações, que sua preocupação
rando-a àquela de Isaías 1,21-23, em que o maior era sempre com a inclusão. Jamais
profeta retrata a cidade de Jerusalém como in- recusava aqueles que queriam segui-lo. Ja-
fiel a Deus porque havia posto de lado a práti- mais fechava a porta atrás de si. Não se via
ca do direito e da justiça e deixado de agir so- como um mistério a ser desvendado por
lidariamente em favor dos enfraquecidos. A alguns iluminados e privilegiados. Nele
cidade que se caracteriza pelo brilho da glória havia a possibilidade da inclusão para to-
de Deus é aquela em que reina a prática da dos aqueles que desejassem segui-lo. Bas-
justiça. O profeta Isaías chama a nossa atenção tava dar um primeiro passo!
para algo de extrema importância do qual, na
maioria das vezes, nos esquecemos. A cidade 3. Evangelho: Mt 2,1-12
de Jerusalém era infiel, ainda que tivesse um Uma visão que bem poderia ser com-
templo e este fosse o famoso Templo de Salo- preendida como a mais comum para todos
mão. Isaías é ousado ao mostrar que a infideli- nós reveste-se de uma força que tem o poder
dade a Deus estava ligada à prática da injusti- de contagiar-nos e, dessa forma, conduzir-
ça, à falta de solidariedade e do direito e tam- -nos por caminhos de novas e melhores prá-
bém ao esquecimento dos pobres justamente ticas: Maria está em casa com seu filho (cf. v.
por aqueles que frequentavam o Templo. Eram 11) – uma imagem que para muitos em nossa
pessoas que gostavam de Deus desde que não sociedade, sejam mães ou pais, se tornou fu-
precisassem praticar a justiça! gidia. Ela está em casa e usa de seu tempo de
forma sábia e com qualidade. Vive com qua-
2. II leitura: Ef 3,2-3a.5-6 lidade ao lado do filho. Faz do espaço do-
A palavra “mistério” utilizada por Paulo méstico um lugar de formação continuada do
não deve ser compreendida como algo que caráter do pequeno Jesus. É bem apropriado
foge à nossa compreensão. Seu significado pri- dizer que Maria utiliza seu tempo com quali-
meiro se relaciona com o projeto de Deus, que dade. No tempo, Maria vê possibilidades de
visa salvar a todos por intermédio de Jesus. gerar maior conhecimento e comunhão não
Em Jesus tudo se descortina. Ele é quem reve- somente entre ela e o filho, mas também en-
la Deus: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). tre eles e o projeto de Deus.
Há um projeto salvador em Jesus que Hoje, dizemos: “Não temos tempo” e,
nº- 325
Paulo procura com esmero anunciar. Diz ele com isso, vivemos com nossos filhos e filhas
que esse projeto não era conhecido das gera- relações marcadas por profunda falta de qua-
•
ano 60
ções passadas. Trata-se de mistério apresen- lidade. Vivemos mais fora do que dentro de
tado para a salvação de toda a humanidade, casa. Muitos saem pela manhã, quando os
mediante Jesus Cristo. Paulo está dizendo,
•
com todas as letras, que não é possível mo- noite, quando aqueles já se recolheram. Não
46
os veem e, consequentemente, comprome-
tem a qualidade do relacionamento com seus Ministério do catequista
filhos. Se administrarmos o tempo de forma Elementos básicos para a
inadequada, ele age contra nós. Disso decor- formação
re que, não raro, quando percebemos, nossos
queridos filhos(as) cresceram sem que tivés- Humberto Robson de Carvalho
semos consciência de tal fato. Precisamos de
tempo e, talvez muito mais do que isso, pre-
cisamos priorizar o que realmente possui va-
lor para todos nós: os(as) filhos(as).
Não há nada que substitua o contato da
mãe e do pai com seus filhos e filhas. Por
isso, Maria se faz presente. Não é uma mãe
ausente. Sua presença é forte, constante,
carinhosa e fundamental para que seu filho
cresça num ambiente sadio. O texto bíbli-
co, ao ressaltar que “viram o menino com
Maria”, deseja enfatizar que a qualidade
dos relacionamentos bem construídos é
constituída do tempo dedicado às pessoas
que amamos. Maria ama e, por isso, faz
148 págs.
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Vida Pastoral
47
Roteiros homiléticos
festação de relações justas entre iguais, en- “Deus não faz diferença entre as pessoas”
quanto a lógica humana se apresenta como a poderia ser o título do que chamaríamos de
catequese para a vida. Pedro chegou a essa
•
guais. Qual lógica vamos escolher? conclusão por meio de uma experiência real
48
na casa de Cornélio. Enquanto Pedro queria correia das sandálias de Jesus. João é cons-
separar, Deus queria unir. Não existe, de fato, ciente até mesmo de sua indignidade para
teologia da separação, que procura diferen- prestar o mais humilde dos serviços de um
ciar os que são daqueles que não são; os me- escravo a Jesus, pois eram os escravos os res-
lhores dos piores; os fortes dos fracos; os ri- ponsáveis por desatar as correias das sandá-
cos dos pobres. Para fundamentar sua expe- lias de seus senhores. O profeta não está
riência, Pedro põe em cena o próprio Jesus, preocupado com posições e com poder.
que peregrinava pelas estradas fazendo o Mesmo que a pregação de João Batista te-
bem e curando a todos. O apóstolo reconhe- nha aumentado no povo a esperança da pró-
ce que o evangelho não pode ser visto como xima vinda do Messias e a suposição de que
uma redoma de vidro, privilegiando alguns ele próprio pudesse sê-lo, no coração do Ba-
poucos em detrimento de muitos. tista resplandecia a beleza do Cristo. Tudo
A descoberta do apóstolo é que as boas- em João apontava para Jesus. O profeta não
-novas possuem um caráter universal e, com chama para si as luzes dos holofotes. Sabedor
a universalização da mensagem de Jesus, to- de sua missão, retira-se para que as luzes
das as barreiras levantadas pelos preconcei- atinjam em cheio aquele que deveria reinar
tos humanos devem ser derrubadas. O eternamente. O poder de Jesus se manifesta-
evangelho não é, portanto, um instrumento rá em sua obra. Enquanto João batiza apenas
de construção de barreiras que nos impe- com água, Jesus batizará com o Espírito San-
dem de caminhar em direção aos outros, e to e com fogo. Não que a água não seja im-
sim um instrumento que nos leva a cami- portante. Percebe-se, na verdade, que a ação
nhar em direção ao outro por meio de pon- de Jesus vai mais longe.
tes de libertação. Viver um evangelho que Tanto nos v. 15-16 quanto nos v. 21-22, a
não derruba barreiras é algo para ser revisto. presença do Espírito Santo é abundante. Nos
Todo evangelho, necessariamente, deveria primeiros versículos, indica-se que Jesus ba-
nos levar à superação dos preconceitos que tizará com o Espírito Santo e com fogo e, nos
edificamos e pensamos serem eternos. A últimos, que o Espírito Santo desce sobre ele
universalização do preconceito cria infernos no batismo não somente o tomando por
no cotidiano e inviabiliza a construção de completo, mas também ratificando sua iden-
uma sociedade na qual Jesus seja tudo em tidade: realmente ele é Filho de Deus, pois é
todos. Se vamos universalizar algo, que não gerado por Deus. Aquele que é cheio do Es-
seja o preconceito, e sim o amor de Jesus, pírito pode batizar com o Espírito.
que inclui a todos. A equação parece simples: não se pode
dar o que não se tem. Jesus é a vida e conce-
3. Evangelho: Lc 3,15-16.21-22 de vida; tem o Espírito e batiza com o Espí-
Na segunda leitura, lemos como Deus rito. Em Jesus se encontra a plenitude da
ungiu a Jesus com o Espírito Santo e com po- vida, e a vida somente pode ser completa
der. No evangelho, deparamos com duas em nós ao assumirmos a vida dele. O que
grandes figuras: João Batista e Jesus. Entre Jesus é se replica totalmente em suas rela-
nº- 325
eles está o povo que procura pelo Messias. A ções, palavras e ações. Tudo o que ele é se
atitude do Batista é permeada de humildade: reproduz naqueles que lhe dão adesão. Cer-
•
ano 60
ele sabe que é apenas como uma bússola que tamente esta seria a lógica esperada por Je-
indica a melhor direção. E sua humildade é sus: tudo o que somos por causa dele deve-
exemplar: percebe-se como alguém que não
•
49
Roteiros homiléticos
Se, no início, o Espírito pairava sobre as vida em que Deus se faça ausente. Talvez pudés-
águas, produzindo ordem em meio ao caos, semos dizer que o “sobrenome” de Deus seja
agora a presença do Espírito em Jesus criará “mudança”. Onde ele se apresenta, não somente
ordem em todos(as) aqueles(as) que a ele ade- as pessoas mudam, como também suas histórias
rirem. Em meio ao caos que, em muitos mo- são fortemente alteradas. A experiência do êxo-
mentos, se apresenta na vida, é necessária a do é modelar. Deus se apresentou na história
presença do único princípio capaz de anular dos escravos mantidos em cativeiro por um fa-
sua força ameaçadora, produtora de destrui- raó que não desejava mudança alguma, mudou
ção: trata-se do princípio da criação a partir a condição deles de escravos para livres e pro-
de cada vida! Desse momento em diante, a pôs-lhes construir uma história em que eles
missão do Filho é a mesma missão do Pai. mesmos seriam protagonistas. Andar com Deus
significa, por conseguinte, rever completamente
quem somos, o que fazemos e como fazemos. A
III. Pistas para reflexão partir do momento em que experimentamos
– Uma das questões mais difíceis do ser Deus, não podemos mais ser e fazer do mesmo
humano relaciona-se com o tema do poder. jeito. Nele a mediocridade é anulada para que
Na verdade, o poder pode ser considerado o possamos ir mais além. Medíocre, nesse senti-
mais terrível vírus que infecta o ser humano. do, é a pessoa que se acomodou àquilo que é e,
Ninguém está livre dele! Trata-se de tentação além disso, se acostumou com o futuro como
constante e contínua. Dificilmente nos ve- uma extensão do que vive no presente. Trans-
mos como servos. A preocupação de muitos formados pela experiência de Deus, somos cha-
é com as posições que podem ocupar e a mados a viver de forma diferente numa socieda-
quantidade de poder que terão em cada uma de marcada pela indiferença.
dessas posições. Não valeria a pena recupe-
rarmos o exemplo de João Batista?
– Quais preconceitos trazemos no coração? II. Comentários aos textos
Sim, sabemos e temos convicção de que Deus bíblicos
não faz diferença entre as pessoas. O que, no 1. I leitura: Is 62,1-5
entanto, dizer de nós? Via de regra, quase nin- Andar com Deus exige mudança radical
guém se reconhece preconceituoso. Basta, po- de vida. É impossível caminhar com ele e
rém, uma cena do cotidiano para verificarmos continuar agindo da mesma maneira. Talvez
que o preconceito existente dentro de nós é até possamos dizer que, se quisermos conti-
muito mais forte do jamais havíamos pensado. nuar vivendo do mesmo jeito, deveremos,
Não é verdade que temos a tendência de dividir na verdade, afastar-nos de Deus. Relaciona-
as pessoas entre melhores e piores, fortes e fra- mento com Deus, portanto, exige transfor-
cos, ricos e pobres, inteligentes e ignorantes, e mação. Em Isaías, a transformação vem ma-
decidirmos sempre pelos que são o que admi- nifestada pela mudança de nome, o que,
ramos, em detrimento daqueles que não são? nesse caso, significa ter novo destino. A
transformação radical pela qual passará Je-
nº- 325
ma maneira, será necessário optarmos por uma conder o que está errado ou, em outras pa-
50
lavras, esconder a sujeira embaixo do tape-
te. Trata-se, sim, de radical transformação. Catequistas
Quando Deus se ausenta, também o Discípulos missionários
projeto de vida, liberdade e justiça desejado
por ele se afasta. A ausência de Deus se ma-
José Carlos Pereira
nifesta por meio da instalação de um projeto
de violência e de morte. Por isso o profeta
Isaías havia dito que a cidade fiel se transfor-
mara em prostituta, que antes era cheia de
direito e nela morava a justiça, mas, após o
afastamento de Deus, estava cheia de crimi-
nosos (cf. Is 1,21). Nega-se a Deus e sua pre-
sença, nesse caso, quando se vira as costas
para os mais frágeis da sociedade; ou seja,
nas palavras do próprio Isaías, quando não
se faz justiça ao órfão, e a causa da viúva não
chega até os chefes do povo (cf. Is 1,23).
paulus.com.br
Vida Pastoral
51
Roteiros homiléticos
dade teológica de Paulo é chave para enten- – e, em muitos casos, a pretensão – de inver-
der que Deus, em sua infinita sabedoria, dis- ter essa situação e, dessa forma, apresentar-
tribuiu dons, ministérios e serviços a diferen- -nos como aqueles que determinam o que
tes pessoas a fim de que elas, ao se encontra- Jesus pode ou não fazer em relação a nós.
rem, completassem umas às outras. Na lógica Não raro, observando o comportamento de
de Paulo, se vivemos separados, sucumbimos muitos cristãos, tem-se a vívida impressão de
ao isolamento. Se, ao contrário, nos aproxi- que Jesus foi transformado num servo re-
marmos, complementaremos o que falta a fim quintado que está à disposição deles.
de que o corpo cresça em unidade. Queremos a plenitude de Jesus em nós,
Não podemos, contudo, deixar de perceber mas temos dificuldade de nos dedicar com-
a crítica sutil que Paulo faz àqueles que, na co- pletamente a ele. A espiritualidade vivida por
munidade de Corinto, desejavam ser os pro- Maria segue em direção oposta à nossa e, por
prietários do Espírito Santo. A ambição deles isso, indica o bom caminho pelo qual deve-
promovia a divisão da comunidade; orgulha- mos viver o discipulado. Para ela, o discipu-
vam-se de ter determinados dons e, portanto, lado é a marca que distingue o verdadeiro do
achavam-se superiores. A esses Paulo afirmava, falso discípulo. Nesse sentido, a obediência e
de forma categórica, que quem concedia os o desejo de servir se apresentam nela como
dons e fazia agir era o Espírito de Deus. elementos que a tornam discípula por exce-
lência. Obediência e serviço estavam impreg-
3. Evangelho: Jo 2,1-11 nados na maneira como Maria vivia. Eram
O Evangelho de João retrata uma situa- como irmãs gêmeas que indicavam a melhor
ção de carência. Maria é a discípula das discí- maneira de ser e fazer-se discípulo.
pulas. Ela assume o discipulado como estilo Maria estabelece a esperança como padrão
de vida, e assim seus gestos, suas palavras, de comportamento. Talvez seja necessário olhar
seus sentimentos, seu jeito de ser-viver-fazer a realidade com olhos marianos. Ela vê uma
estão direcionados para o próprio Jesus. Ma- realidade e não se atreve a negá-la. A realidade
ria é a mãe de Jesus, mas também se apresen- vivida não é, porém, ainda a definitiva. Falta a
ta como discípula dele. ação de Jesus, que virá como o vinho melhor.
Maria vive para Jesus não apenas porque Em Maria se antecipa a esperança. Através dos
ele é seu filho, mas sobretudo porque é sabe- olhos dela, podemos ver mais além e enxergar a
dora de que ele é o Filho de Deus e o salvador completude daquilo que nos falta.
do mundo. Dessa forma, a primeira das dis-
cípulas dá o tom do que vem a ser o verda- III. Pistas para reflexão
deiro discipulado: fazer a vontade de Jesus. – Quando perdemos a referência do comu-
Muitos cristãos desejam a vida de Cristo nitário, acabamos nos envolvendo no emara-
sem o discipulado. Querem tudo quanto Jesus nhado de linhas do individualismo. E não há
pode dar, desde que não haja o seguimento e o nada mais contrário à vida cristã do que o indi-
compromisso. Na verdade, amamos Jesus e vidualismo, que nega o encontro e a vivência
tudo quanto ele fez por nós, porém nos inco- em comum. Uma das mais importantes desco-
nº- 325
modamos com aquilo que ele nos manda fazer. bertas na vida cristã é justamente a percepção
A fala de Maria (cf. v. 5) revela-nos uma de que somente existimos para os outros e no
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ano 60
verdade singular: Jesus sempre se apresenta encontro com todos os outros é que nos com-
na relação conosco como Senhor e, conse- pletamos. Não por outra razão, o apóstolo
quentemente, deveríamos fazer tudo quanto Paulo afirma que os cristãos individualmente
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Vida Pastoral
ele nos ordenar. Às vezes temos a tendência formam, todos eles, o único corpo de Cristo.
52
– Obediência e serviço são duas das pa- espaço para interesses individuais e para a ne-
lavras mais difíceis de praticar. Ambas se cessidade de reconhecer quem é mais e quem
apresentam como verdadeiro peso que não é menos. E qual era o motivo da reunião? Para
gostaríamos de carregar. Quão difícil é obe- que fosse lido o livro da Lei. Tratava-se, nesse
decer a Jesus e fazer sua vontade. É muito caso, de uma catequese coletiva. Todo o povo
mais fácil reconhecer que ele é o Filho de reunido para ouvir a palavra de Deus. Uma
Deus do que segui-lo como discípulo. Seria reunião a que se pode atribuir quatro caracte-
possível ser discípulo e missionário de Jesus rísticas, a saber: é espontânea, coletiva, har-
sem obedecer à sua vontade e sem nos pôr a moniosa e com um propósito. A comunidade
serviço de todos aqueles que precisam? se reunia ao redor da Palavra e procurava, com
base nesse referencial seguro, traduzir em suas
3º Domingo do Tempo Comum práticas diárias a vontade de Deus, que é sem-
27 de janeiro pre concretizada na partilha. Um povo que se
reunia para se alimentar com o pão nutritivo
I. Introdução geral da palavra de Deus e, assim, saciar a fome.
Nenhuma comunidade se constrói sem a A reunião foi marcada pela atenção com
palavra de Deus. Uma das provas irrefutáveis que ouviam a leitura da Palavra, pela reve-
da fragilidade de uma paróquia se revela na rência (ficaram em pé), pela atitude de pôr o
pouca profundidade que seus fiéis possuem próprio corpo para participar dessa festa li-
nas Escrituras. A palavra de Deus deve ser túrgica (erguiam as mãos e respondiam com
compreendida como o alimento sólido que amém) e pelo choro resultante do fato de os
leva a comunidade a caminhar, com passos corações terem sido atingidos em cheio pelo
firmes e seguros, para o futuro. Quando não calor da palavra de Deus. A reunião do povo
nos alimentamos, o corpo enfraquece e des- para escutar a Palavra não pode, porém, ser
falece. Imaginemos todo o corpo de Cristo pensada como um momento de tristeza. Por
tomado pela indisposição e pela letargia, isso, Esdras motivou-os a retornar às suas ca-
marcado pela falta de conhecimento bíblico sas e celebrar a proposta de vida de Deus
e, com isso, propenso a ser levado para lá e com muita alegria e comida, sem se esquece-
para cá por qualquer vento de falsa doutrina. rem de partilhar com os que nada tinham.
O estudo das Sagradas Escrituras une irmãos Afinal, se todo o povo era como uma única
e irmãs ao redor da mesma fé e os torna res- pessoa, nem uma pessoa sequer poderia pas-
ponsáveis uns pelos outros. sar fome e vivenciar a tristeza da carência. O
compromisso com a Palavra causa profundas
mudanças no povo de Deus.
II. Comentários aos textos
bíblicos 2. II leitura: 1Cor 12,12-30
1. I leitura: Ne 8,2-4a.5-6.8-10 Paulo sabiamente utiliza o corpo huma-
A segunda leitura nos faz lembrar uma ex- no como metáfora do modo pelo qual as rela-
pressão curiosa: “O fio de três dobras não se ções entre irmãos e irmãs deveriam ocorrer
nº- 325
rompe com facilidade”, diz um dos provérbios na comunidade. Se a sociedade ao redor uti-
bíblicos. Imagine, então, todo um povo unido lizava a imagem do corpo para justificar o
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ano 60
53
Roteiros homiléticos
por base os mais fracos. Cristo é a cabeça de seriam as ações, opções e comportamentos
um só corpo, e todos os membros estão nele de Jesus, bastaria prestar atenção nas pala-
integrados. No entanto, não é possível deixar vras que fluíam de seus lábios. As pessoas
de lado a inovação de Paulo, ao afirmar o cri- presentes na sinagoga tinham os olhos fixos
tério de atenção aos membros mais fracos: nele. Aquilo que Jesus tem para falar des-
“os membros do corpo que parecem mais fra- perta a atenção de todos. Não são palavras
cos são os mais necessários” (v. 22). vazias e sem sentido. São palavras carrega-
A unidade do corpo passa pelo respeito a das de sentido, recheadas com um projeto
si próprio, assim como pelo respeito aos ou- de libertação. Palavras que vão ao encontro
tros. Em relação a si próprio, é necessário sa- dos desamparados, para que eles possam se
ber quem se é dentro do corpo e assumir a sentir seguros e protegidos por uma palavra
própria função, sem dar margem a vaidades viva que liberta. Percebe-se logo que o mi-
comparativas (“se não sou mão, então não nistério (a vida) de Jesus está concentrado
pertenço ao corpo”, v. 15); relativamente aos na periferia. Ele não se apresenta nos gran-
outros, deve-se pensar sobre a responsabili- des centros nem frequenta as grandes cida-
dade ética que temos para com as demais des. Sua vida é direcionada aos oprimidos e
pessoas que vivem e convivem conosco na vulneráveis. Ele decididamente permaneceu
mesma comunidade. ao lado deles e, simultaneamente, condenou
Para Paulo, é a percepção de que todos os opressores.
constituímos um só corpo que determina a Ao ler o texto de Isaías 61,1-2 e aplicá-
construção de uma comunidade sadia. No v. -lo a si mesmo, Jesus assume sua vida e mi-
13, por duas vezes, o apóstolo falou do Espíri- nistério no contexto em que está vivendo.
to. Num primeiro momento, destacou que Não é um alienado que fecha os olhos para
“fomos batizados num só Espírito” e, em se- o que tem diante de si. É sabedor da própria
guida, afirmou: “todos bebemos de um só Es- realidade. Ele não nega a realidade, mesmo
pírito”. É preciso salientar o aspecto comuni- que seja contraditória, opressora e criadora
tário nas duas afirmações – “todos” –, indican- de pobreza e marginalização. Ao contrário,
do a superação de qualquer divisão na comu- assume sua vocação em meio à forte contra-
nidade. O corpo é a comunidade, e o espírito dição social e se faz solidário com aqueles
envolve o corpo. Todas as patologias advêm que estavam sendo desumanizados e empo-
justamente quando algum membro do corpo brecidos pelo sistema sociopolítico. A reali-
procura viver segundo o princípio da hierar- dade que os pobres viviam não era estranha
quização e da dominação do outro. Não há a Jesus, pois era uma realidade que também
espaço, na construção do corpo, para senti- o alcançava, bem como sua família. O sécu-
mentos de superioridade ou inferioridade. Em lo I d.C. foi marcado por grandes catástrofes
comunhão, vemo-nos como extensões uns na Palestina: secas, furacões, epidemias,
dos outros e, portanto, não como competido- tempos de fome. As propriedades eram con-
res que precisam derrotar o outro. No corpo centradas nas mãos de poucos e com isso
não há inimigos, e sim irmãos e irmãs. aumentava o número dos sem-terra; os im-
nº- 325
de trabalho. Se alguém quisesse saber quais vive na periferia da vida, é uma quantidade
54
enorme de pessoas que vivem no anonima- 4º Domingo do Tempo Comum
to. São pobres não porque sejam vagabun- 3 de fevereiro
dos e não gostem de trabalhar. São pobres,
justamente, porque trabalham. Apresentam- I. Introdução geral
-se como vítimas de uma sociedade que cria Somos chamados por Deus para uma vo-
a pobreza e faz da miséria um instrumento cação histórica. É justamente na história que
de riqueza de alguns poucos. A multidão devemos construir o projeto que exige sempre
que o segue passa fome e anda em busca de inserção e protagonismos. Jamais podemos
alimento como as ovelhas que não têm pas- nos esquecer de que Deus age no mundo por
tor para alimentá-las. Jesus não vira as cos- meio de seus filhos e filhas. Todas as vezes que
tas para a multidão de pobres. nos negamos a agir, sonegamos a ação liberta-
Diante da multidão, a única opção que lhe dora de Deus na história de muitos. Da mesma
cabia era o exercício da solidariedade. A reali- maneira que ele assumiu a história do ser hu-
dade que Jesus vivia era seu maior desafio. Ele mano como se fosse sua, devemos assumir a
se encarnava nela para que pudesse transfor- história de todos os pequeninos que vivem na
má-la. Jesus não se alienava da realidade, e periferia, a fim de que também possam viver
suas palavras e ações não produziam alienação em abundância de vida.
nos ouvintes. A relevância de Jesus pode ser
vista justamente na maneira como assumiu a
realidade dos pobres como se fosse a sua pró- II. Comentários aos textos
pria. Nesse sentido, o povo encontrava pro- bíblicos
funda relevância em suas palavras e gestos. 1. I leitura: Jr 1,4-5.17-19
Na primeira leitura, encontramos o pró-
prio Jeremias relatando sua vocação. Ele re-
III. Pistas para reflexão cebe uma palavra, mas não se trata de qual-
– Seria muito interessante utilizar os gru- quer uma. É palavra de Javé; portanto, algo
pos de reflexão ao redor da Bíblia como ter- dinâmico e poderoso. Uma palavra que não
mômetro para medir o compromisso com volta vazia, enquanto não cumprir o seu ob-
nossas paróquias. Temos facilidade de produ- jetivo. Uma palavra que se realiza, que irrom-
zir grandes ajuntamentos para shows e não ve- pe na vida do profeta e da qual ele não tem
rificamos o mesmo entusiasmo e participação como desviar-se. Devemos também perceber,
quando se convoca para estudar a Bíblia. porém, que essa palavra é recebida dentro da
Como poderemos conhecer o projeto de Deus história. Isso aponta para o caráter histórico e
para nossa vida e para nossa Igreja se não ti- dinâmico da palavra de Javé. A palavra de
vermos familiaridade com a palavra de Deus? Deus acontece na história – isto é, no dia a
– Há, nas palavras de Jesus, um projeto dia de homens e mulheres. Esta percepção de
de libertação integral para o ser humano. Ele Jeremias é fundamental para entender sua
fez uma ousada e decidida opção pelos mais vida, ministério e vocação: a percepção de
vulneráveis de seu tempo. Ao olhar para as que Javé lhe fala de dentro da história. O pro-
nº- 325
pessoas, não via, em primeiro lugar, os peca- feta não é chamado para se alienar da histó-
dos delas, e sim o sofrimento que as atingia e ria, mas para viver, profunda e intensamente,
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ano 60
subjugava. Em seu programa de atividade, o papel que Deus lhe concedeu viver.
lido na sinagoga, Jesus indicou, com todas as Deus fala ao profeta: “eu o conheci”, re-
letras, os caminhos que haveria de trilhar. E velando muito mais do que uma atitude teó-
•
Vida Pastoral
55
Roteiros homiléticos
no contato prático, na experiência do cotidia- quais, por serem imagem e semelhança dele,
no, no relacionamento intenso. O texto não são capazes de amar. Nesse sentido, o amor
está dizendo que Javé apenas tomou conheci- na Igreja jamais poderia ser pensado e vivido
mento de Jeremias, que sabia de sua existên- de forma homeopática. Na Igreja, o amor
cia. Absolutamente, não! O texto bíblico está deve ser tudo em todos.
nos assegurando que, desde tempos remotos, Existem muitos caminhos pelos quais
Javé estava em relacionamento intenso com o podemos andar. O apóstolo Paulo, porém,
profeta, dedicando-lhe cuidado, preocupa- ensina-nos que há um caminho bem melhor.
ção e providência. Infeliz é aquele que dá passos em vários ca-
Deus também acrescenta as palavras: minhos e não chega a lugar algum. O cami-
“eu o consagrei”. Jeremias é separado por nho proposto por Paulo – o amor – é aquele
Javé do ambiente profano para viver uma re- que nos leva a atingir o alvo da vida proposto
lação especial com Ele. Privilégio, diríamos! por Deus. Não é por menos que o apóstolo,
Se olharmos bem, no entanto, veremos que nos v. 4-7, enumera 15 qualidades do amor.
esse “ser consagrado” não é atribuição de Sete vezes indica as coisas que o amor é e faz,
uma qualidade, e sim de uma função. Jere- e oito vezes o que o amor não é e não faz. O
mias foi consagrado para viver uma função, amor se manifesta como se fosse um grande
uma tarefa. Enganam-se aqueles que pen- lago no qual uma pedra lançada produziria
sam que a consagração fez dele uma pessoa ondas sucessivas. Somente o amor pode dar
superprotegida e intocável – triste engano. unidade interna ao cristão, bem como unida-
A leitura do texto bíblico nos levará a perce- de à comunidade.
ber um homem que viveu contradições, que Não é suficiente ter fé e esperança. Mes-
passou vergonha, que apanhou e foi tortura- mo que estas sejam elementos essenciais
do; alguém que chorou nas mãos de Javé e para construir a vida humana, o amor se
nas mãos dos homens. Contudo, não desis- apresenta como uma realidade que comple-
tiu nem de um nem dos outros! Do começo ta o ser humano e o leva a viver em nova
ao fim do livro, podemos perceber esse du- realidade. A ausência do amor indica espa-
plo vai e vem da vida consagrada do profeta. ços de egoísmo, rixas, ciúmes que precisam
Sua dedicação a Javé é inquestionável, e sua ser urgentemente preenchidos. É o amor
opção pelo povo pobre e sofrido é de um que nos move em direção aos outros e per-
colorido excepcional. mite que derrubemos os muros causadores
de separação. Quem não ama o outro tam-
2. II leitura: 1Cor 12,31-13,13 bém é incapaz de amar a si mesmo; quem
A segunda leitura nos remete ao conheci- não ama o próximo que vê, certamente não
do hino ao amor, do apóstolo Paulo, que desenvolverá nenhum sentimento amoroso
deve ser lido, interpretado e vivido como para com Deus. Amar, nesse sentido, não é
uma proposta comunitária para orientar o uma opção que temos. Trata-se sempre de
povo de Deus. O caminho do amor (ágape) um imperativo.
deve ser compreendido como entrega gene- 3. Evangelho: Lc 4,21-30
nº- 325
rosa e livre. E o ponto alto do ágape divino A missão de Jesus se torna clara quando
pode, sem dúvida, ser reconhecido quando ele lê Isaías 61,1-2 na sinagoga de Nazaré.
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ano 60
Deus enviou seu Filho unigênito (Jo 3,16). Não é, porém, somente a questão de leitura
Pode-se dizer que o amor de Deus se tornou de um texto sagrado. É necessário perceber a
visível no “ato de entrega”. Deus saiu de si ousadia de Jesus ao afirmar, após a leitura,
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Vida Pastoral
mesmo para amar os seres humanos, os que cada uma daquelas palavras se cumpria
56
nele. Ele assume, em seu modo de ser, pensar
e viver, a tradição profética e, por isso, apre- III. Pistas para reflexão
senta-se como o maior de todos os profetas. – É possível perceber que o projeto de Javé
Um profeta que traz a boa notícia para os po- se impõe a Jeremias de modo taxativo e deter-
bres porque foi ungido pelo Espírito de Deus. minante. Estaria o texto nos dizendo que o pro-
A presença nele do Espírito de Deus é fonte feta se encontraria na absoluta dependência de
de libertação para os pobres e, ao mesmo Javé e teria consciência de ser mero instrumen-
tempo, ratifica sua missão junto àqueles que to nas mãos e nos planos de Javé? No entanto,
vivem na periferia da vida. Não se trata, no Jeremias reage forte e imediatamente: “Ah, Se-
entanto, de libertação para uns poucos. Jesus nhor Javé, eu não sei falar, porque sou jovem”.
utiliza o exemplo de outros profetas, Elias e Não se trata apenas de simples desculpa. Não é
Eliseu, com o propósito de mostrar que a um exagero de Jeremias. Na verdade, seu argu-
mensagem de libertação não se restringe a mento é convincente. Ele está dizendo que é
um único povo. Os dois profetas operaram jovem; não é ainda adulto; não é pessoa que
os milagres da ressurreição e da cura do le- tenha atingido a maturidade; não tem a vivên-
proso em benefício de estranhos. O próprio cia e a experiência dos mais velhos, como tam-
Jesus ressuscitará o filho da viúva de Naim bém não tem experiência para falar. Jeremias
(cf. Lc 7,11) e libertará da lepra um samarita- está querendo dizer, com todas as letras, que
no (cf. Lc 17,12). O ensinamento é muito não deseja ser profeta. Contudo, Deus já o esco-
claro: o que decide não é pertencer a um lheu. Agarrou um instrumento aparentemente
povo, mas a graça de Deus e a fome de salva- imprestável e o preparou para o exercício obe-
ção, cheia de fé e expectativa, das pessoas. diente da missão. Estamos preparados para a
Não é possível e imaginável privatizar a surpreendente vocação de Deus? Quais descul-
salvação e a libertação de Jesus Cristo. Se pas damos a Deus?
muitos desejam colocar Jesus dentro de uma – Quem não ama o outro não é capaz de
redoma a fim de manipulá-lo, sempre é de amar a si mesmo e muito menos a Deus.
bom tom lembrar que ele desfez e desfaz to- Como amaremos a Deus, que não vemos, se
das as barreiras e fronteiras que queiram im- não amamos o outro, que vemos? Talvez seja
pedir seu projeto de libertação. necessário reconhecer que nenhum relacio-
O projeto de Deus é global e tem início namento vertical é possível se anteriormente
na comunidade dos oprimidos. Não existem não existir um relacionamento horizontal.
fronteiras quando se fala em libertação. Ja- Somente o encontro com o próximo nos leva
mais será possível confinar a Boa-Nova do ao encontro com Deus. Nesse sentido, deve-
evangelho entre quatro paredes. O hoje de mos, com muito maior cuidado, reconhecer
Jesus anuncia a chegada do ano da graça. Deus na face de todas as pessoas com as quais
Em Jesus, o tempo é renovado com a reno- vivemos e convivemos.
vação das relações entre as pessoas. Já não é 5º Domingo do Tempo Comum
tempo de escravidão nem opressão. Quando 10 de fevereiro
Jesus manifesta sua presença libertadora?
nº- 325
senta num continuum que atualiza sua pre- lativamente inadequada e parcial sobre o sig-
sença libertadora. O tempo da salvação é nificado da palavra “santidade”. Na maioria
anunciado e introduzido por ele. Sempre é das vezes, pensamos que a santidade estaria
•
Vida Pastoral
57
Roteiros homiléticos
Nesse sentido, ela diria respeito restritivamen- rável à comunidade. Verifica-se a purifica-
te a uma pessoa. Todavia, os textos bíblicos ção e a consagração de sua boca exatamente
nos sugerem que a santidade, ou o fato de ser porque ele será destinado a falar. Para além
santo, se manifesta principalmente na prática disso, saliente-se o fato de o texto conside-
da justiça. Dessa forma, ser santo e/ou buscar rar que tanto o profeta quanto os destinatá-
a santidade não significaria tão somente aquilo rios possuem “lábios impuros”. Todavia, so-
que faço para Deus, mas também – e especial- mente o primeiro é objeto de purificação.
mente – aquilo que faço para os outros. Quanto aos segundos – o povo, os líderes –,
a purificação dependerá de como responde-
rão à mensagem do profeta. Morar em meio
II. Comentários aos textos a um povo de lábios impuros implica tam-
bíblicos bém, para Isaías, estar aprisionado na soli-
1. I leitura: Is 6,1-2a.3-8 dariedade da culpa coletiva. Há diálogo en-
Para o profeta Isaías, ser santo significa tre os “dizeres”, isto é, o profeta ouve, mas
principalmente praticar a justiça: “O Deus também fala. Isaías e Javé se comunicam. Há
santo mostra sua santidade pela justiça” (Is protagonismo do profeta e, necessariamen-
5,16). Sua compreensão de santidade passa te, uma autoafirmação como sujeito que tem
automaticamente pela compreensão de pu- direito à palavra. Nesse caso, não existe ma-
rificação, mas, predominantemente, de pu- nipulação do discurso por parte de Javé.
rificação dos pecados de injustiça (cf. Is Que fique claro: no relato da vocação de
1,10-20). Na vocação de Isaías no templo, Isaías, Javé não monopoliza a palavra.
sobressai sua visão do “santo, santo, santo”
(Is 6,3). Visto que o Deus santo de Israel 2. II leitura: 1Cor 15,1-11
julga com justiça e exige a prática da justi- A afirmação da segunda leitura é funda-
ça (cf. Is 11,3-6), não há nada mais conse- mental para a fé cristã: Jesus morreu e res-
quente do que exigir do seu povo a mesma suscitou. Trata-se do credo que Paulo rece-
prática (cf. Is 5,18-19). Isaías faz eco à pro- beu e estava anunciando. Ele, Paulo, não é
fecia ao salientar que a proposta de santi- discípulo sozinho. É, antes, continuador de
dade, enquanto luta pela justiça, rejeita to- um caminho iniciado por muitos outros.
das as formas de ritualismo que não sejam Consciente de ser apenas mais um elo na
acompanhadas dessa prática efetiva. É pre- grande corrente da fé, Paulo se apresenta
ciso continuamente lembrar que os relatos como continuador do projeto de evangeliza-
de vocação sempre possuem uma dimen- ção. A repetição da afirmação “segundo as
são coletiva. Deus chama para que se pres- Escrituras” (v. 3-4) justifica-se porque, para
te um serviço ao povo e, por conseguinte, o os primeiros cristãos, recorrer às Escrituras
beneficiário da vocação nunca é aquele que era um modo de afirmar a veracidade do
é chamado. presente que viviam. Assim, os primeiros
É por meio do impacto ocasionado pela missionários tinham a necessidade de de-
declaração da santidade de Deus que Isaías monstrar o caráter de cumprimento proféti-
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santidade, do outro, encontra-se a impure- nho das aparições: a Pedro, aos doze apósto-
za. Da reação do profeta diante da visão in- los, a quinhentos irmãos, a Tiago, a todos os
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fere-se que a impureza é causada pelo peca- apóstolos e, finalmente, a Paulo. O caráter do
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são testemunhas do enorme impacto de Jesus espalhar a Boa-Nova e, para isso, precisarão
na própria vida. Mais do que isso, cada uma ir ao encontro dos outros. Já não ficarão en-
dessas pessoas deve ser vista como um elo da volvidos com redes, anzóis, barcos e peixes.
mesma corrente. São testemunhas que assu- Da solidão de um grupo pequeno, farão o
mem em seu próprio tempo uma responsabi- caminho que os levará ao encontro das pes-
lidade. Possivelmente podemos dizer que soas, para que elas possam saber que ainda
elas têm consciência do que são. Ao olhar lhes resta o mais fundamental dos encon-
para essas testemunhas, os outros enxergam tros: o encontro com Jesus. Nesse momento,
algo de diferente: nelas transborda a vida de eleição e vocação se encontram numa só
Jesus. Como as pessoas crerão se não há pessoa: Simão.
quem fale? Somente o anúncio sobre Jesus, Jesus dirigiu a Simão uma palavra de
que morreu e ressuscitou, pode levar as pes- movimento que o colocou diante de uma
soas a viver em novidade de vida. prova de fé. Era o exato momento para crer
contra toda a esperança. A fé pôs Simão e
3. Evangelho: Lc 5,1-11 seus companheiros em movimento. Mesmo
A cena se passa no lago de Genesaré. Je- cansados, após terem pescado por horas em
sus, Simão, Tiago, João e uma multidão estão vão, tiveram na fé um elemento motivador.
presentes. Num primeiro momento, Jesus Se à noite, a hora mais propícia para a pes-
ensina a multidão e, logo depois, sobe numa caria, o resultado fora completamente nulo,
das barcas e segue pelo lago. Nesse momen- sob a palavra de Jesus as redes se encheram.
to, tem lugar um episódio no mínimo curio- Não se frustra aquele que deposita a fé nas
so: Jesus, que havia sido treinado por seu pai palavras de Jesus. Se antes os amigos eram
adotivo – José – na arte da carpintaria, passa sócios na atividade pesqueira, a partir do
a dar orientações sobre a arte de pescar. Ele encontro com Jesus estariam muito mais li-
orienta: “Levem o barco para águas mais pro- gados para dar início à construção da nova
fundas e lancem as redes”. sociedade. É interessante observar que os
Possivelmente, a orientação de Jesus pa- locais de vida de Pedro – por exemplo, o
receu muito estranha aos ouvidos daqueles lugar onde ele orava, sua casa e seu ambien-
pescadores experientes. “Mestre, trabalha- te de trabalho – são libertados da miséria,
mos duramente a noite toda e não pescamos da doença, da desgraça e da falta de êxito.
nada!” A reação de Simão é absolutamente Mais vale a vida com a presença de Jesus!
natural: o que um carpinteiro poderia ensi- “Não tenha medo” é uma expressão
nar a um pescador? Será que Jesus não estava admirável de Jesus. Ele tira o medo de Simão
indo longe demais? Por que ele não se preo- e lhe dá uma tarefa. A presença de Jesus lança
cupava tão somente em ensinar a palavra de fora o medo e permite que se assumam fun-
Deus? No entanto, sobrenatural é o que Si- ções antes ignoradas e/ou tidas como impos-
mão diz logo a seguir: “Por causa das tuas síveis. Os exemplos de Abraão e de Maria fa-
palavras, jogarei as redes”. O que de fato im- lam por si mesmos.
porta é depositar a fé nas palavras de Jesus.
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mento em diante, Simão seria um pescador podemos “desmontar” os muitos projetos que
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de gente. Ele e seus amigos são chamados a nos causam medo. Antes de mais nada, é pre-
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ciso considerar que Simão assume como se Se consideramos que não há sofrimento
fosse dele as palavras e, portanto, o projeto estranho, logo concluímos que a melhor de-
de Jesus. São as palavras de Jesus as que cisão é justamente aquela que fazemos com
realmente importam. Ele, Simão, passa a os nossos “pés”, ou seja, quando rompemos a
olhar a própria vida com outro olhar e, fa- bolha que nos isola de tudo e de todos e ca-
zendo isso, percebe que algo pode ser dife- minhamos em direção aos outros, preferen-
rente. Jesus ensina Simão a olhar para o cialmente àqueles que se sentem machuca-
mesmo lugar, porém de forma diferente, e dos e feridos pela vida.
isso faz toda a diferença.
– Somente um Deus santo poderia exigir
santidade de seu povo. Assim como somente II. Comentários aos textos
um Deus justo poderia exigir que seu povo bíblicos
viva a prática da justiça. Santidade e prática 1. I leitura: Jr 17,5-8
da justiça são complementares em Deus. A A leitura do profeta Jeremias nos recorda
santidade de Deus se manifesta por meio de o Salmo 1. Expressa o simples contraste entre
sua justiça: essa é a declaração do profeta a confiança na sabedoria humana e a confian-
Isaías. Talvez esteja mais do que na hora de ça em Deus. A humanidade vive sob o curso
pensarmos que a busca da santidade passa do erro e da ilusão, enquanto a confiança em
também, necessariamente, pela prática da Deus é o caminho da bênção e da segurança.
justiça na vida cotidiana. A razão do contraste é evidenciar como o trá-
gico destino de Judá, apresentado nos v. 1-4,
6º Domingo do Tempo Comum pode ser essencialmente traçado como erros
17 de fevereiro do entendimento humano.
A confiança no ser humano é contraposta
I. Introdução geral à confiança em Deus. A confiança nas pes-
Exercer a confiança em meio a dias tene- soas está assentada em valores instáveis e en-
brosos é uma das maiores dificuldades do ganosos, como a riqueza, a sabedoria e a for-
ser humano. Afinal, quando a noite escura ça física. A confiança em Javé, por sua vez, é
da alma se instala na vida, é certamente tratada como algo inabalável, isto é, como
mais difícil enxergar a luz de Deus brilhan- algo que não se desmancha no ar.
do. Jesus sempre apresenta nova possibili- As expressões que servem de referência ao
dade de vida. Na verdade, tudo quanto ele apoio humano refletem a morte e a dor: “de-
fala e faz causa verdadeiro espanto e, muitas serto”, “salgado”, “inabitável”. Já as expressões
vezes, leva-nos a sair do lugar-comum. que se referem à confiança em Javé indicam
Diante do risco da falta de sentido e de fina- vida: “água”, “rio”, “verdes”, “frutos”.
lidade para vivermos e nos construirmos Talvez exista uma conexão mais pro-
como seres humanos, ele se apresenta como funda, baseada na compreensão de que o
“ressurrecto”. Nele, e somente nele, encon- caminho da vida e da fertilidade não deve
tramos sentido para a vida. Ao contrapor as ser buscado em rituais confusos, mas na
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lher em qual categoria de pessoa nos encai- e postes sagrados, pois são provisórios e,
xamos: na categoria que caminha em dire- em si mesmos, destituídos de vida. As for-
ção aos pobres e aflitos ou na categoria que ças desconhecidas e misteriosas da morte
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lheres se enraízam às margens do manan- externa, que age e interage com cada discípu-
cial de vida, Javé. lo e discípula, transformando-os e motivan-
Assim, para o profeta Jeremias, a vida do-os totalmente diante de uma sociedade
pode ser definida com base no caminho a ser sem sentido.
seguido. A confiança na própria força conduz A ressurreição é apresentada por Paulo
o ser humano à injustiça, à exploração e à como algo que preenche a vida de sentido.
violência. Devemos, de fato, lembrar-nos que Assim, no v. 20, ele inicia o período com uma
o profeta Jeremias é vocacionado por Deus conjunção adversativa (“mas”) para se con-
para falar justamente contra os reis, os sacer- trapor aos coríntios que negavam a ressurrei-
dotes e os proprietários de terra, ou seja, con- ção e, finalmente, para fazer um ato de fé,
tra o poder político, o poder religioso e o po- proclamando alto e bom som: “Cristo ressus-
der econômico (cf. Jr 1,18). Por outro lado, a citou dos mortos”.
fonte de todas as bênçãos reside justamente
naquele(a) que segue, de forma confiante, o 3. Evangelho: Lc 6,17.20-26
projeto de Deus. Jesus se encontra entre seus discípulos e
uma grande multidão de pessoas. Dele saía
2. II leitura: 1Cor 15,12.16-20 uma força chamada “esperança” para todos
Entre os moradores da cidade de Corin- aqueles e aquelas que se sentiam doentes e
to, a ressurreição era desacreditada. No en- desprezados. Sementes de esperança eram
tanto, negá-la seria o mesmo que aniquilar a lançadas por Jesus a fim de que a vida pudes-
esperança. Justamente por isso, na segunda se ser resgatada e dignamente vivida.
leitura, Paulo é enérgico ao afirmá-la como Lucas deixa bastante claro que a vida é
fundamento da fé. Somente a ressurreição de composta de “bem-aventuranças” e de “ais”.
Cristo é que pode, de fato e de verdade, dar São quatro bem-aventuranças e quatro ais.
sentido à vida e à morte de cada um dos cris- Há equilíbrio entre bênção e denúncia. De
tãos. O apóstolo ensina os primeiros cristãos um lado estão os pobres, os famintos, os que
da comunidade de Corinto a esperar contra sofrem e os rejeitados; de outro, distantes,
toda esperança, demonstrando que haverá a mas promotores da situação em que aqueles
ressurreição dos mortos por causa da ressur- viviam, os ricos.
reição de Cristo. Jesus se apresenta como profeta que de-
A ressurreição de Cristo marca o início de nuncia a produção de violência contra os
novo modo de os discípulos e discípulas de pequeninos. Nesse sentido, ele dá continui-
Cristo pensarem a própria história. Não se dade à escola profética do Antigo Testamen-
trata apenas de ver a história objetivamente, to. Sabe que a promoção da violência e da
mas também de vê-la na perspectiva de Cris- pobreza é um escândalo. Por isso, elas não
to. A ressurreição de Cristo indica não apenas podem ser consideradas naturais nem, mui-
o surgimento de nova humanidade, como to menos, divinas. Pobreza e violência, nas
também o modo de proceder segundo um Sagradas Escrituras, devem ser pensadas
novo projeto de vida. como escândalo. Deus jamais pode ser consi-
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A partir da ressurreição, nenhum esforço derado a fonte da pobreza, nem, muito me-
é em vão. Há, por trás de cada gesto e de cada nos, deveríamos nos alinhar a construções
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ação, uma motivação superior aos desejos e teológicas que sustentam ser ele quem de-
ambições pessoais. Na ressurreição, a moti- termina que uns sejam ricos e outros vivam
vação nasce em Cristo e é depositada em
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cada coração. Assim, trata-se de motivação tende suas raízes para o estabelecimento de
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qual das duas categorias eles próprios per- ser aquele encontrado em Jesus. Permanecer
tencem. na condição do primeiro Adão é deixar de
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das Escrituras diz respeito ao tema da san- abertura para o futuro de esperança.
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vezes faz uso das duas narrações da criação
II. Comentários aos textos que se encontram no livro do Gênesis, isto
bíblicos é, Gn 1 e 2, com o objetivo de compreender
1. I leitura: 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23 a própria história. Nesta segunda leitura,
Davi, tendo a possibilidade de fazer o Paulo estabelece um paralelo entre Adão e
mal, fez o bem. Os profetas, posteriormen- Cristo a fim de salientar e explicar a gran-
te, escreverão: deixem de fazer o mal e diosidade de Cristo.
aprendam a fazer o bem. Saul e Davi vivem Se o primeiro homem, Adão, foi feito
uma situação emblemática. A morte e a alma vivente, o último Adão se tornou espíri-
vida se encontram nas mãos deles, e cabe to que dá vida (cf. v. 45). A contraposição
exatamente a eles decidir se um ou outro está estabelecida e não deixa lugar a nenhu-
devem viver. ma dúvida. No Gênesis, o primeiro Adão, ou
Davi sabe muito bem que não se deve le- seja, aquele que nascera do pó da terra, rece-
vantar a mão contra o ungido do Senhor, com- beu de Deus um princípio de vida. Cristo,
preensão que o texto bíblico faz questão de porém, de forma diferente e potencialmente
apresentar de forma duplicada (cf. v. 9.23). maior, recebeu o pneuma imperecível, isto é,
A lança, um instrumento de guerra, que que nunca morre. Assim, se o primeiro Adão
aparece no texto como a arma mediante a está destinado à morte, o último Adão se tor-
qual Saul poderia ser assassinado, é a mes- nou o verdadeiro princípio capaz de conferir
ma lança que o rei queria utilizar para assas- essa vida a toda a criação.
sinar Davi e Jônatas (cf. 1Sm 18,11; 19,10). Para Paulo, é justamente em Cristo e por
A lança pode ser considerada símbolo do causa de Cristo que se inicia a nova criação.
poder real. A pergunta de fundo é, justa- Inicia-se a nova humanidade, que traz a
mente, esta: O que pode ser feito quando se marca da ressurreição de Cristo. É precisa-
tem o poder nas mãos? Qual a finalidade do mente a ressurreição que, de fato, reumani-
poder? Seria ele um instrumento de domi- za o ser humano e o faz viver para Deus em
nação e de conquista de bens pessoais ou Cristo. A nova humanidade significa que
deveria ser compreendido como uma rela- todas as coisas se fazem novas; dessa forma,
ção de poder-serviço? a novidade de vida do novo humano se ex-
Também precisamos levar em considera- prime, principalmente, em sua forma de se
ção que o texto da primeira leitura é uma relacionar. No dia a dia dos relacionamen-
construção textual pró-Davi; ou seja, o autor tos, é possível encontrar os frutos desse
procura construir um relato que contrapo- novo estilo de vida.
nha dois sujeitos e suas qualidades no exercí- Os v. 47-49 fazem a contraposição entre
cio da realeza. Na contraposição e compara- o primeiro homem, que é terrestre, e o se-
ção, o texto deseja informar que Davi é muito gundo homem, que é celestial. Trata-se de
superior a Saul e, por isso, o cetro real deverá contraposição essencial: se a humanidade
pertencer a ele. que vinha de Adão era terrena, a humanidade
redimida em Cristo é celestial; se todos os se-
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2. II leitura: 1Cor 15,45-49 res humanos são o que Adão era, todos pode-
O apóstolo Paulo é de uma sensibilidade rão se transformar no que Cristo é.
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paração. O apóstolo, em suas cartas, muitas imagem do homem celeste”; ou seja, os que
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