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AS SEMENTES CRIOULAS E A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL: um modo

de enfrentamento das desigualdades sociais no meio rural

Andrina Bertoldo Kirchoff1


Cassia Engres Mocelin2
Juliana Jéssica Drescher3
Katiéli Rodrigues de Oliveira4

Resumo

O artigo objetiva uma reflexão acerca da agricultura familiar no


Brasil e a sua importância para a preservação das sementes
crioulas. Essas temáticas foram pesquisadas através de uma
revisão bibliográfica em artigos, livros e legislações,
constituindo a metodologia utilizada. Conclui-se que o fomento
à agricultura familiar e o incentivo ao uso das sementes
crioulas contribui para a permanência no meio rural e constitui
um modo de enfrentamento das desigualdades sociais. O uso
das sementes crioulas além de ser uma fonte de renda
possibilita à população maior qualidade na alimentação e a
preservação dos elementos que constituem o patrimônio
cultural rural.

Palavras-chave: Agricultura familiar. Sementes crioulas.


Patrimônio cultural rural.

Abstract

The article aims at reflecting on family farming in Brazil and its


importance for the preservation of native seeds. These themes
were researched through a bibliographic review in articles,
books and legislation, constituting the methodology used. It is
concluded that the promotion of family farming and the
encouragement of the use of creole seeds contributes to the
permanence in rural areas and constitutes a way of coping with
social inequalities. The use of Creole seeds as well as being a
source of income enables the population to have a better
quality of food and preservation of the elements that make up
the rural cultural heritage.

Keywords: Family farming. Creole seeds. Rural cultural


heritage.

1
Estudante. Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: dudagu@hotmail.com
2
Mestre. Estudante de Pós-Graduação. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUÍ. E-mail: cassiaengres@hotmail.com
3
Bacharela em Serviço Social. Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Email: juliana.jd@gmail.com
4
Estudante. Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: katiele.rodrigues@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO

Este trabalho foi elaborado a partir da disciplina complementar de graduação


“Serviço Social e a Questão Agrária”, realizada no primeiro semestre de 2016 no Curso de
Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria.
Para que possamos compreender os desdobramentos e avanços da agricultura
brasileira, faz-se necessária uma reflexão acerca da formação sóciohistórica do nosso país.
Para tanto, é importante destacar que as camadas mais empobrecidas da população
brasileira estiveram marginalizadas e excluídas do acesso e aquisição de terras durante
grande parte da história, restando como alternativa a submissão aos grandes latifundiários
em relações de dominação que compõe o sistema capitalista.
Ao longo da história do Brasil a agricultura sofreu constantes mudanças, tendo
em vista a diversidade de culturas desde a cana de açúcar e o café até os dias atuais.
Dentro de todo o contexto histórico, a agricultura familiar consiste na base da produção
agrícola nacional, suprindo a demanda da população no que se refere à alimentação.
A agricultura familiar prioriza a produção de alimentos com menor uso de
defensivos agrícolas, resultando em um produto mais natural e com menores riscos à
saúde. Agregado a isso, é através da agricultura familiar que se perpetua a utilização das
sementes crioulas, um dos patrimônios culturais do meio rural. Vale destacar que o
patrimônio cultural rural possui uma dimensão muito mais ampla que a apresentada pelas
sementes crioulas, constituindo-se como um conjunto de diversos costumes, construções,
músicas, danças e gastronomia.

2. A AGRICULTURA E SEU PAPEL NA CONSTRUÇÃO DO BRASIL: UM


CONTEXTO DE DESIGUALDADES.

A agricultura foi a principal atividade desenvolvida durante a ocupação do Brasil


no período colonial, através do cultivo monocultor da cana-de-açúcar mantido por meio do
trabalho escravo que garantiu a consolidação dos latifúndios. É dessa relação
extremamente desigual que surge também a questão agrária, definida como um conjunto de
questões sociais ocorridas no meio rural, oriundas da ação capitalista. Dessa relação
provêm as desigualdades sociais, pois uma pequena parcela detém os meios de produção
(terras) e a maioria, no caso a população mais pobre, vende sua força de trabalho em troca
de um pequeno valor ou mercadoria para garantia da subsistência.
Para compreensão de como se dão essas desigualdades sociais, iniciaremos
com uma reflexão sobre o período colonial e a crise do sistema escravista no decorrer do
século XIX. Essa crise traz consigo a necessidade de se garantir a propriedade privada da
terra, até então ocorrida através da posse ou doação, como ocorrera com as capitanias
hereditárias e as sesmarias. Duarte (2015) destaca que a necessidade da propriedade da
terra também tem como fator condicionante a política de imigração, a qual poderia se tornar
um obstáculo para o monopólio fundiário diante da grande quantidade de terras
improdutivas disponíveis para ocupação. É com base nessa preocupação da elite que em
1850 é sancionada a Lei de Terras, que além de regulamentar a posse da mesma, tornou-a
uma mercadoria adquirida através de pagamento. A mercantilização da terra dificultava a
apropriação por parte de camponeses pobres, posseiros, intrusos, imigrantes, escravos
libertos e indígenas (DUARTE, 2015). Com isso, a população mais vulnerável continuava
dependendo dos latifundiários para obtenção de sustento e renda.
Porém, a propriedade da terra não impede totalmente que ocorram as
apropriações, uma vez que as grandes propriedades estavam localizadas em áreas
litorâneas mantendo desocupados grandes espaços que eram ocupados por camponeses
"posseiros". (WANDERLEY, 2014). Além disso, a autora destaca que havia outra
modalidade de ocupação presente, que ocorria através da instalação das famílias em uma
pequena área de terras cedida pelo latifundiário, conhecida como sítio. Esse modo de
ocupação garantia às famílias seu sustento, mas em contrapartida era seu dever trabalhar
na produção da fazenda. Vale ressaltar que as relações sociais entre os trabalhadores e os
latifundiários, a partir do marco da posse da terra, podem ser definidas como as relações
existentes no modelo capitalista.
Com o fim do regime monárquico, responsável até então pelo controle da
propriedade das terras e o advento da República, o poder político muda de mãos, passando
para os latifundiários que compõe a elite. A ampliação do poder deste grupo também
aumenta a coerção sobre a população mais pobre em um sistema de dominação baseado
nas oligarquias locais ou também conhecida como coronelismo. (DUARTE, 2015)
O fim do Império e o consequente início da República, denominada como
República Velha (1889-1930), gera o fortalecimento e a consolidação das elites oligárquicas
brasileiras. Entretanto, o poder econômico da elite sofre abalos já na primeira metade do
século XX, quando o mercado comprador de cana de açúcar e café entra em colapso diante
de sucessivas crises, motivando a ascendência do modelo econômico agroexportador do
café brasileiro (CARVALHO, 2015). Dessa forma, os negócios do café continuavam
atrativos, ou seja, os investimentos nesse setor se mantinham em alta, produzindo em
contrapartida uma oferta maior do produto. Uma redução artificial dessa oferta alavanca
uma expansão da mesma, porém criava um problema sério a médio e longo prazo: a
necessidade de oferecer ao empresário outras oportunidades, tão rentáveis quanto dos
recursos que estavam em suas mãos. (SANTOS, 2012)
A autora destaca ainda que o colapso da cultura do café exige como tentativa de
recuperação a exportação do café brasileiro e também a intervenção estatal através da
compra de produção excedente. Entretanto, apesar das tentativas e tendo em vista o
cenário de crise mundial instalado desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, o
mercado não consegue se recuperar resultando na falência de muitos fazendeiros e o
desemprego de um considerável contingente de trabalhadores, o que incluía brasileiros,
escravos libertos e imigrantes.
A partir de 1930 houveram mudanças significativas no âmbitos social e político.
Neste período ocorreram avanços nos direitos sociais, como a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, bem como uma ampla legislação trabalhista e
previdenciária, implementada com a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.
(CARVALHO, 2015). Nesse período, iniciou-se o processo de substituição da importação de
produtos manufaturados por artigos oriundos da indústria nacional. (SANTOS, 2012). A
autora destaca que mesmo com os avanços nos direitos trabalhistas a situação das famílias
residentes no meio rural permanecia esquecida, uma vez que esses direitos não se
estendiam ao meio rural.
Segundo Carvalho (2015, p.127) o “grande vazio na legislação indica com
clareza o peso que ainda possuíam os proprietários rurais. O governo não ousava interferir
em seus domínios levando até eles a legislação protetora dos direitos dos trabalhadores”, ou
seja, era perpetuada a exploração da população rural mais pobre. Essa situação se manteve
até a década de 1960, pois como Carvalho (2015) destaca que foi apenas em 1963 que
ocorreu um avanço significativo com a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural
estendendo ao campo a legislação social e sindical, porém não houve a previsão de
recursos para a implantação e o financiamento dos benefícios, ou seja, na prática os
trabalhadores rurais permaneceram excluídos.
Tendo em vista a concepção acerca do meio rural e sua desvalorização, na
década de 1950 inicia-se nos Estados Unidos e Europa a chamada Revolução Verde. No
Brasil, que vinha incentivando a indústria depois da grave crise do café, esse “novo modelo
de agricultura”, iria se instalar na mesma década. Porém seus desdobramentos se tornariam
mais visíveis a partir das décadas de 1960 e 1970 em pleno regime militar.
Sobre este período, Moreira (2000, p. 44) destaca:

No espaço rural, esta produção industrial adquiriu a forma dos pacotes tecnológicos
da Revolução Verde e, no Brasil, assumiu – marcadamente nos anos 60 e 70 – a
prioridade do subsídio de créditos agrícolas para estimular a grande produção
agrícola, as esferas agroindustriais, as empresas de maquinários e de insumos
industriais para uso agrícola – como tratores, herbicidas e fertilizantes químicos –, a
agricultura de exportação, a produção de processados para a exportação e a
diferenciação do consumo – como de queijos e iogurtes.

Destaca-se que todos os avanços supracitados impulsionaram as produções


agrícolas de larga escala, mas ampliaram as desigualdades sociais neste meio, promovendo
também o êxodo rural. Amplia-se a disparidade já existente no Brasil, de um lado tinha-se o
latifundiário, grande proprietário, dono de vastas extensões de terra e que acessava
financiamentos e comprava insumos de modo que a larga produção impulsionava para a
exportação; e do outro lado, o agricultor familiar, que utilizava a força braçal ou animal para
o plantio e que cuja produção, embora fosse em uma escala muito menor, garantia o
sustento da família e ainda possibilitava a venda local dos produtos.

3. A AGRICULTURA FAMILIAR E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL DO BRASIL.

A agricultura familiar se caracteriza por um modelo onde o proprietário detém


uma determinada extensão de terra ou parte dela e utiliza mão de obra familiar sendo que a
produção é para a subsistência e o excedente é para comercialização. Esse modelo de
agricultura inclui desde o campesinato tradicional até o agricultor familiar contemporâneo
privilegiando culturas diversificadas.
Este modelo de agricultura sofreu interferências de acordo com a situação
política e econômica do país. Apesar da grande transformação do campo pelo capital e pela
marginalização histórica do agricultor frente à políticas sociais, a agricultura familiar tem se
fortalecido ao longo das últimas décadas. Desta forma:

As transformações vividas pelo agricultor familiar moderno não representam ruptura


definitiva com formas anteriores, mas pelo contrário, mantém uma tradição
camponesa que fortalece sua capacidade de adaptação às novas exigências da
sociedade. (ALTAFIN, 2008, p.01)

Apesar das mudanças, como a necessidade da modernização e o apoio técnico,


a agricultura familiar preserva características históricas, tais como o modo de organização
do trabalho, dado através das relações de parentesco, com ou sem auxílio de terceiros,
administrada pela própria família e a divisão do trabalho de acordo com o gênero e a idade.
A agricultura familiar é um conceito recente no Brasil. Conforme Silva (2010)
somente depois da década de 80 é que a expressão agricultura familiar passou a ser
utilizada pelo Estado de uma forma mais expressiva. Posteriormente a essa época, na
década de 90 temos o avanço do Neoliberalismo com a reforma do Estado ampliando a
ação do capital sobre o meio rural e urbano. Por outro lado, apesar da ofensiva neoliberal,
Silva (2010) destaca que agricultura familiar começa a contar com incentivo por meio de
políticas sociais.
No ano de 1996 houve um aumento significativo dos movimentos sociais do
campo ao qual teve como um dos seus resultados a criação da primeira política pública
diferenciada aos agricultores familiares, ou seja, tem-se a criação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), programa que busca dar maior atenção
ao agricultor familiar. Conforme destaca Cruz (2010, p. 255):

Num contexto de avanço do neoliberalismo no país, imerso na disputa política entre


os próprios trabalhadores rurais, entre seus segmentos e entidades e os grandes
proprietários de terras, surge o Pronaf em 1996, como uma política pública de
crédito agrícola específica para os agricultores familiares, com o argumento de
inseri-los no processo de modernização e torná-los viáveis e competitivos, auxiliando
assim sua permanência no campo por meio do trabalho agrícola.

Assim, o PRONAF é uma política de apoio à agricultura familiar ao qual


possibilita ao produtor adquirir insumos, créditos, máquinas e equipamentos oferecendo
melhores condições para a produção e permanência no campo. Além disso, o Censo
Agropecuário de 2006 (p. 20) apontou os seguintes dados:

No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de


agricultores familiares, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros.
Este contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de
hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários
brasileiros. Estes resultados mostram uma estrutura agrária concentrada no país: os
estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos
estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos
estabelecimentos familiares era de 18,37 ha, e a dos não familiares, de 309,18 ha.

Ademais, percebe-se que a maioria dos estabelecimentos rurais brasileiros se


configuram como agricultura familiar, mesmo que em uma área muito menor que a
abrangida pela agricultura patronal. Observou-se também que agricultura familiar tem uma
importância fundamental para a produção de alimentos, tendo uma produtividade maior em
um espaço muito menor. De acordo com os dados do Censo Agropecuário, no que diz
respeito à produção os estabelecimentos de agricultura familiar produziam em 2006: 87,0%
da produção nacional de mandioca; 70,0% da produção de feijão; 46,0% da produção de
milho; 38,0% da produção de café; 34,0% da produção de arroz 21,0% da produção de trigo;
50,0% do plantel de aves; 30,0% do plantel de bovinos; 59,0% do plantel de suínos. (IBGE,
2006)
Além de ser responsável pela alimentação do povo brasileiro, destaca-se
também a responsabilidade ambiental, uma vez que a agricultura familiar preserva os
recursos naturais garantindo a sustentabilidade, tendo em vista a utilização de adubos
orgânicos e a restrição ao uso de agrotóxicos. É devido a relevância de seu papel no
desenvolvimento do país, que a agricultura familiar necessita de fomento permanente por
parte do Estado, de modo a garantir sua manutenção e existência. Diante disso, além do
incentivo dado através do PRONAF, no ano de 2006 tem-se a sanção da Lei nº 11.326 que
estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais, considerando agricultor familiar e empreendedor
familiar rural aquele que pratica atividades neste meio, atendendo simultaneamente, aos
seguintes requisitos:

I - Não ter, a qualquer título, área maior do que oito hectares [ou 80 mil metros
quadrados em média, dependendo do Estado].
II - Utilizar predominantemente mão de obra da própria família nas atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento.
III - Ter renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas
vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento.
IV - Dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL,
2006)

No mesmo ano é sancionada a Lei nº 11.346 que trata da segurança alimentar e


nutricional, ao criar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) sendo
mais um dispositivo normativo que vai ao encontro do que se propõe a agricultura familiar,
garantir alimento de qualidade de forma sustentável. Conforme destacado no art. 4º:

A segurança alimentar e nutricional abrange:


I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em
especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização,
da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da
distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e
da redistribuição da renda;
II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos;
III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se
grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade
social;
IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos
alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos
de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da
população;
V – a produção de conhecimento e o acesso à informação; e
VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas
de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas
características culturais do País. (BRASIL, 2006)

Tais legislações trazem o incentivo por parte do Estado ao meio rural,


constituindo-se como dispositivos relevantes para a permanência, sustento e obtenção de
renda das famílias através da agricultura. Porém, o SISAN também tem seu foco voltado a
proteção do meio ambiente, conforme destacado no artigo 4º a segurança alimentar também
busca pela preservação da biodiversidade e a proteção dos recursos naturais, tornando
viável a produção reduzindo e eliminando a agressão ao meio ambiente.
Além disso, é importante destacar que o meio rural se constitui como um meio
muito mais amplo do que meramente ligado à atividade agrícola, ainda que esta seja sua
principal referência. Este possui uma representatividade para a população nele inserida,
algo diretamente vinculado a história de cada um dos sujeitos residentes, através de um
conjunto de elementos próprios de cada localidade ou região que dão identidade a esta
população. Esse conjunto de elementos é denominado patrimônio cultural rural e constitui-
se por costumes, construções, comportamentos e utensílios que remetem os sujeitos a
lembranças da vida no campo, sendo por este motivo, preservados e repassados para as
próximas gerações.

4. A AGRICULTURA FAMILIAR E O PATRIMÔNIO CULTURAL: O RESPEITO PELA


ORIGEM E PELA HISTÓRIA.

A vida no meio rural traz em si elementos que são comuns a todos os habitantes
de determinada região, constituindo-se na identidade daquela população. Esses elementos
são múltiplos podendo ser materiais ou imateriais e remetem ao passo de lutas e conquistas
desta população, como as construções antigas que abrigaram diversas gerações, a música
e a dança presentes nas festas da comunidade e também os elementos que remetem o
trabalho no campo e a produção dos alimentos. Referente aos que se refere ao modo de
produção pode-se destacar que desde início do cultivo da terra, há cerca de 10 mil anos, os
agricultores selecionam as melhores plantas produtivas e adaptadas ao solo e clima e isso é
uma prática constante. E foi assim que surgiram as muitas variedades que existem hoje.
Essas sementes constituem um patrimônio cultural e genético e podem ser divididas em
dois grupos, as industriais e as tradicionais também chamadas de crioulas.
A semente crioula é uma variedade desenvolvida e produzida por agricultores
familiares, assentados da reforma agraria, quilombolas ou indígenas, onde cada
comunidade tem suas características determinadas e reconhecidas. Essas sementes são
preservadas em bancos de sementes protegidas pelos guardiões e são passadas de
geração para geração.
Mantidas à margem do comércio formal, este cenário começou a sofrer
alterações em 2003 quando teve início o Programa de Aquisição Alimentar (PAA) que é o
primeiro programa de compras públicas para aquisição de produtos produzidos por
agricultores enquadrados no Programa Nacional de fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF). O PAA deu início ao processo de estímulos institucionais para promover e
incentivar a participação de mulheres e agricultores familiares em maior vulnerabilidade
social. O PAA promove a aquisição de um conjunto diverso de alimentos, permitindo assim
que as famílias produzam uma série de produtos diversificados, contribuindo para o resgate
e o fortalecimento da cultura alimentar, pois muitos alimentos produzidos anteriormente não
tinham destinação comercial, eram restritos ao consumo familiar, mas agora podem ser
comercializados.
Não raro são produtos característicos da produção para o autoconsumo, da
subsistência das famílias, cultivados em pequenas quantidades, em áreas próximas a casa
ou não usadas para os cultivos comerciais principais (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2014).
Segundo Siliprandi e Cintrão (2014, p. 119), “há casos em que o PAA cria (ou recria) formas
de escoamento para produtos que estavam à margem dos mercados hegemônicos, que
estavam sendo deixados de ser produzidos por muitas famílias”. Similarmente Mielitz (2014,
p. 67) salienta que “vários produtos anteriormente abandonados da prática alimentar
cotidiana por não serem considerados modernos, principalmente pelos mais jovens, voltam
a ser consumidos”. Assim temos uma diversidade produtiva, alimentar e cultural da
agricultura familiar e o resgate dos produtos, modos de fazer, receitas e de histórias de
pessoas, comunidades e lugares.
O PAA estimula a produção agroecológica e orgânica com um sobrepreço de até
30% aos produtos cultivados e também promove a aquisição de sementes crioulas
permitindo fortalecer os processos sociais de resgate e uso dessa biodiversidade. Estas
medidas também contribuíram para a autonomia das unidades familiares por meio da
promoção de uma matriz produtiva orientada pela redução de insumos externos à
propriedade e pela coprodução com a natureza (PLOEG, 2008). Conforme Moreira et al.
(2010, p. 210), este diferencial no preço visa promover

[...] outra matriz tecnológica pautada na produção de alimentos limpos, saudáveis,


sem agrotóxicos, que respeita os diversos modos de vida das populações do campo,
fortalecendo a cultura alimentar de cada região e a manutenção da
sociobiodiversidade.

Segundo dados de Mielitz (2014), são mais de 400 produtos distintos adquiridos
pelo PAA, explicitando a diversidade produtiva e alimentar abarcada. Também têm sido
crescentes os recursos aplicados na aquisição de produtos da sociobiodiversidade e de
sementes crioulas (Porto et al., 2014). E a inclusão e o reconhecimento das sementes
crioulas foram importantes na trajetória do PAA em prol da agroecologia.
E são os agricultores e agricultoras familiares responsáveis pela conservação
desse patrimônio importantíssimo - as sementes crioulas -, pois as cultivam, conservam,
trocam diferentes espécies próprias de suas regiões e por ser também a expressão da
cultura de povos que sempre viveram da terra. Também são eles os Guardiões e as
Guardiãs de sementes crioulas, que preservam o conhecimento que atravessa gerações e
produzem novos saberes sobre o plantio de sementes de cultivares crioulas. E é através da
prática da preservação dessas sementes que vai contribuir para a preservação desse
patrimônio, para o meio ambiente e para a renda dessas famílias produtoras, por não terão
que comprar sementes para plantar.
As sementes crioulas são parte componente do patrimônio cultural rural. Sua
origem está vinculada a seleção dos melhores exemplares de cada espécie, de modo que
as novas plantas resultem de um constante processo de aprimoramento.
Como seu processo de melhoramento é natural e ocorre a longo prazo, as
sementes crioulas possuem menor rendimento em relação às sementes tratadas, porém são
mais resistentes e menos dependentes de insumos. Possuem características regionais e
culturais, e são o resultado do trabalho árduo de pequenos agricultores, que perpassa
gerações para chegar até o plantio. As sementes selecionadas são guardadas, reutilizadas
e compartilhadas através de trocas, o que proporciona a diversidade das mesmas. O
resgate destas sementes visa o aumento da biodiversidade e a valorização da identidade
local e cultural. As sementes crioulas se tornam cada vez mais raras, pois possuem
rendimento menor que as sementes tratadas, não atendendo à demanda de produção
capitalista, o que muitas vezes leva a marginalização do agricultor familiar no que se refere
às políticas públicas.
Os guardiões de sementes desempenham um papel importante na sociedade,
pois se dedicam em preservar o patrimônio cultural das espécies, sendo responsáveis pelo
cultivo, conservação e seleção de diversas espécies de sementes, trabalhando de maneira
equilibrada com o meio ambiente. Neste sentido, os bancos comunitários proporcionam a
autonomia dos agricultores ao possibilitar o armazenamento e a troca das sementes,
através de redes de troca entre diferentes guardiões, através das feiras, garantindo a
circulação de variadas sementes, assim como a troca de conhecimento de agricultores e
agricultoras, pois estas sementes mantém viva a história cultural de inúmeras famílias.
Neste contexto Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que é uma ação do
governo federal, proporciona o agricultor familiar a vender seus alimentos produzidos a partir
de sementes puras. Neste programa o Estado adquire produtos dos agricultores, e estes
são destinados a quem precisa, como forma de incentivo a agroecologia e a produção
orgânica. O PAA tem como objetivos promover o acesso à alimentação e incentivar a
agricultura familiar. Para o alcance desses dois objetivos, o Programa compra alimentos
produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação, e os destina às pessoas em
situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede
socioassistencial e pelos equipamentos públicos de alimentação e nutrição. (BRASIL, 2012)
Logo, destaca-se a relevância do programa ao possibilitar o incentivo à
agricultura familiar e a promoção da alimentação saudável da população através do
consumo de alimentos que ofereçam segurança alimentar e nutricional, como no caso dos
alimentos produzidos a partir do uso das sementes crioulas. Além disso, ações como essa
proporcionam o enfrentamento das desigualdades sociais, pois a renda obtida permite ao
agricultor familiar permanecer no campo, reduzindo o êxodo rural.

5. CONCLUSÃO

Diante do que fora exposto neste trabalho é possível concluir que a agricultura
familiar desempenha um importante papel no desenvolvimento do Brasil. Esta constatação
se dá a partir da análise de um breve histórico acerca da agricultura no país e a intervenção
capitalista que acaba por dificultar a expansão da agricultura familiar e a expansão do uso
das sementes crioulas através de entraves legais.
Porém, apesar das dificuldades, tem-se observado nos últimos anos um
considerável avanço através do incentivo estatal por meio de políticas sociais para o
fortalecimento e a consolidação da agricultura familiar, já que esta se constitui também
como uma forma de enfrentamento das desigualdades sociais, ao possibilitar a permanência
das famílias no meio rural através da obtenção de renda derivada da venda dos produtos
produzidos. Outro fator que contribui para a permanência é a existência de incentivo por
meio de programas de aquisição alimentar onde contribuem para o resgate e o
fortalecimento de uma diversidade produtiva, alimentar e cultural da agricultura familiar
aumentando assim sua renda. Além disso, o meio rural deve ser compreendido em
dimensões muito mais amplas do que meramente um modo de vida e produção, este possui
elementos culturais, sociais, históricos que necessitam ser preservados pois carregam
diversos significados para a população ali residente.

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