Observação: Este post servirá de base para minha fala no Pint of Science
Campinas 2017, no dia 17 de Maio, no Alzirão Empório Bar.
Hoje, o sentido de comunicação no público comum está muito ligado às diversas faces
da linguagem oral. Normalmente não falamos das outras formas de comunicação
entre os seres vivos existentes no nosso planeta, cada uma mais fascinante do que
a outra (voltarei a este ponto em breve). Assim, a comunicação alienígena pode
acontecer de forma semelhante ao que observamos na Terra, mas também pode ter
características completamente imprevisíveis. E será que os humanos seriam capazes
de interceptar estas mensagens e compreendê-las?
a. Comunicação:
Termo mais geral que se refere a qualquer forma de troca de informação,
independente do emissor, do receptor, do código e do meio utilizado para tal. É
comum encontrarmos, em linguística, o termo ‘Comunicação Animal’, se referindo a
qualquer forma de comunicação animal não humana, ou a comunicação entre
máquinas como modelos ou metáforas da comunicação entre seres vivos.
b. Linguagem:
Em linguística, o termo linguagem é reservado para a comunicação humana. Alguns
biólogos acreditam (e acusam) que os linguistas colocam os humanos num pedestal,
o que não é verdade. Não se trata de defender que nossa comunicação seja especial
em relação a de outras espécies, mas sim de definir que a comunicação animal ou
entre computadores não é o objetivo final das pesquisas em Linguística. O uso do
termo linguagem neste sentido se trata de uma delimitação do objeto de estudo da
ciência linguística.
c. Línguas:
Apesar de termos uma forma de comunicação específica chamada linguagem, uma
enorme capacidade de variação faz com que a linguagem seja realizada através de
inúmeras estruturas diferentes, chamadas línguas. As línguas são expressas
normalmente na modalidade falada/auditiva. Na ausência da audição, é comum
usarmos línguas sinalizadas, na modalidade visual. As línguas têm como uma de suas
características mais marcantes a modificação no tempo, o que garante a elas a sua
própria Teoria da Evolução, à parte da Evolução da Linguagem e da Evolução
das Espécies.
Projeto Nim
Muitos biólogos dizem que os humanos ainda não conseguiram compreender o que
dizem as baleias por conta de sua anatomia. Afinal, conseguimos entender
razoavelmente bem as vocalizações de boa parte dos primatas, que são mais
próximos na escala evolutiva.Por outro lado, todo o conhecimento sobre as
vocalizações levou anos e anos de estudos para ser formado e ainda temos um longo
caminho se quisermos de fato entender a comunicação primata. Enquanto isso, Karl
von Frisch ganhou o Nobel por descrever minuciosamente o fascinante mecanismo
da dança das abelhas, com anatomia muito diferente da nossa.
Por fim, assim como na história do universo, sabemos razoavelmente bem o que
acontece com a linguagem e com as línguas assim que elas passaram a existir,
mas muito pouco sobre como elas de fato surgiram.
OBS.: A partir deste ponto, (quase) tudo o que eu disser não passa de pura
especulação.
Vale notar que existe, hoje, uma área semelhante, chamada Astrolinguística. Esta
área, porém, é ligada à busca por inteligência extraterrestre. O Astrolinguista auxilia
o desenvolvimento de mensagens que são enviadas ao espaço, como no SETI
Institute. Particularmente, ainda acredito que eles estão mais próximos da
matemática do que da Linguística, exatamente pela nossa distinção de objetivos. O
objetivo do astrolinguista não é a comunicação humana. Já o AstroBioLinguista, além
de documentar alielínguas, o fariam na intenção de fomentar comparações com
nossas línguas. Sendo assim, prefiro manter o termo que inventei e seguiremos
falando da AstroBioLinguística.
AstroBioLinguística da Fala
A primeira coisa que o astrobiolinguista precisará entender é a anatomia do sistema
de comunicação das espécies observadas. Os ETs usariam fala? Ou talvez
algum outro meio auditivo? Vale lembrar que a fala humana usa frequências que
variam entre 50 e 3400Hz. Caso o extraterrestre use outras frequências,
provavelmente não teríamos fácil acesso a sua produção linguística ou, no mínimo,
precisaríamos de instrumentos para captar e decodificar estes sons.
Variação SocioAstroBioLinguística
Outra questão que certamente seria trazida pelo astrobiolinguista: a comunicação
alienígena seria variável como a nossa? Por exemplo, os heptápodes de A Chegada
teriam sotaques? Teriam dialetos? Teriam línguas? Estas línguas teriam uma história
ou seria algo invariável desde que surgiu na espécie? Teriam registros formais para
trabalho e informais para falar com sua família? Nada no filme ou no conto indicam a
existência de variação, característica intrínseca da comunicação humana. Caso
exista variação, seria válido dizer que se trata de linguagem?
Além destas questões linguísticas, fatores biológicos também seriam essenciais para
compreendermos a comunicação alienígena. Nós sabemos as características e
limitações do sistema fonador humano, mas quais as características e limitações dos
grunhidos produzidos pelos heptápodes, mostrados à Louise Banks no início do
filme?
Num caminho semelhante, uma das propostas mais conhecidas na linguística hoje é
a chamada Gramática Universal, de Noam Chomsky, de certa forma retratada no livro
de Louise Banks ao final de A Chegada. Uma vez que somos uma mesma espécie e
partilhamos tanto os sistemas motores da fala quanto os sistemas cognitivos, é muito
provável que, apesar da enorme variação entre as línguas do mundo, existam
características das quais as línguas não consigam escapar. A princípio e sem ser
muito técnico, é possível falar de estruturas simples como as sentenças de
qualquer língua mapearem os eventos do mundo na forma verbo, sujeito, objeto,
apesar da variação de ordem. Também é possível falar sobre as limitações físicas do
sistema fonador humano, apesar de cada língua do mundo usar um conjunto dos sons
possíveis. Por exemplo, o Português possui 14 vogais enquanto o francês tem mais
de 20.
Caso seja tenhamos contato com uma forma de comunicação extraterrestre, ela
compartilharia alguma característica com a linguagem ou com a comunicação
animal? Ou será que seria completamente diferente de tudo o que conhecemos?
8) Considerações Finais
Embora seja especulação, acredito que no futuro a AstroBioLinguística será uma
realidade, mesmo que porventura seja batizada de outra forma, como a
atual Astrolinguística, que estuda formas de enviar mensagens para o espaço, na
busca por vida inteligente e capaz de decodificá-las.
Espero que, ao final deste texto, os leitores entendam um pouco mais sobre o que é
Linguística e, quem sabe, se animem a estudar a ciência mais incrível e
interdisciplinar do planeta Terra. Só não me arrisco a dizer que é a mais incrível do
universo pois ainda faltam alguns anos para a AstroBioLinguística se tornar realidade.
OBS.: Agradeço a Josie Siman, Daniel Negrea, Fernando Sabatini e Niasche Moraes
e pela ajuda e pelos comentários sobre o roteiro.
PintOfScience17