Belo Horizonte
2015
Bruno Geraldo Guimarães Gonçalves
De Chico Buarque à Legião Urbana: uma análise do uso de músicas protesto na construção do
conhecimento sobre a Ditadura Civil-Militar (1964-1985)
Belo Horizonte
2015
Bruno Geraldo Guimarães Gonçalves
De Chico Buarque à Legião Urbana: uma análise do uso de músicas de protesto na construção
do conhecimento sobre a Ditadura Militar (1964-1985)
_________________________________________________________________
Dra. Silvia Maria Amancio Rachi Vartuli (Orientadora) – PUC/MG
__________________________________________________________________
Dra. Júlia Calvo (Coordenadora/examinadora) – PUC/MG
Aos meus pais, irmãos,
colegas, amigos e a Laylla.
AGRADECIMENTOS
Cette étude a pour principal objectif de mettre en évidence l'importance d'utiliser des
chansons de protestation pour la compréhension historique de la période de la dictature
brésilienne civilo-militaire (1964-1985), l'analyse d'abord l'importance de la musique comme
une ressource d'enseignement dans l'éducation de base, démontrant comment que la musique
peut être utilisé comme un outil pédagogique pour la construction de la connaissance
historique. Comme cela est une étude dirigée sur la question de l'enseignement de l'histoire, la
dernière partie cherchera à analyser une pratique pédagogique dans lequel les morceaux
sélectionnés seront dirigés vers la compréhension de la connaissance historique de la dictature
civilo-militaire. Étant appliqué un exercice d'interprétation des chansons sélectionnées dans
les classes de l'éducation de base. Voyant à quel point la musique peut être un élément
essentiel dans la compréhension des faits historiques qui sont insérées dans le contexte de la
dictature civilo-militaire.
Mots-clefs: Dictature civilo-militaire, musique de protestation et compréhension historique,
SUMÁRIO
Introdução...........................................................................................................................10
Conclusão................................................................................................................................44
Referências Bibliográficas.......................................................................................................47
Anexo.......................................................................................................................................49
INTRODUÇÃO:
1
Desde os anos 1970 que os teóricos da Educação têm repensado seus paradigmas para uma espécie de
“Educação Moderna” em substituição à “Educação Tradicional”. A transformação paradigmática está justamente
na inversão da lógica do processo de ensino aprendizagem para o aluno, que efetivamente aprende, apreende e
constrói os saberes discentes.
específico, as estratégias de aprendizagem podem ser consideradas como qualquer
procedimento adotado para a realização de uma determinada tarefa educacional.
(1997, p. 32)
Com isso percebe-se que as estratégias de ensino de certa forma são essenciais para
que o processo de ensino alcance os seus objetivos, não sendo algo superficial. Essas novas
concepções de ensino devem ser trabalhadas de maneira constante em sala de aula, pois elas
possuem uma percepção pedagógica de grande valia, com a tendência, de alguma forma, a
ampliar o alcance alunos, evitando sua restrição à aqueles que possuem um aparato cognitivo
melhor, alcançando principalmente os alunos que possuem dificuldade de aprendizagem, estas
estratégias fazem com que o aluno e professor trabalhem de maneira coletiva e lúdica.
E isso se dá graças a inserção de atores que até então eram excluídos do processo, pois
no cenário escolar, sanar as dificuldades é sempre mais difícil que trabalhar as
potencialidades.
Um dos instrumentos que pode se transformar em elemento redundante no processo de
ensino-aprendizagem, levando em consideração; essas novas estratégias de ensino, é a
música. A música sendo utilizada como mecanismo de ensino, levando o aluno a compreender
o conhecimento através da ludicidade que a mesma possui.
Na percepção de Coelho et.al (2014)
A música pode ser uma atividade divertida e que ajuda na construção do caráter, da
consciência e da inteligência emocional do individuo, pois desenvolve a mente
humana, promove o equilíbrio, proporciona um estado agradável de bem-estar,
facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio, sendo também um agente
cultural que contribui efetivamente na construção da identidade do cidadão. (2014,
p. 42)
Isso mostra que a música pode se tornar um elo de análise, fazendo com que o aluno
possa enxergar determinado contexto através da canção analisada, o fato é que, é necessário
pensar a utilização da música sempre em uma proposta orientada, não deixando com o que o
aluno seja o condutor solitário do processo, este tem que ser orientado, e o professor assume
então um papel primordial, pois ele atuará como mediador, sendo ele o responsável pela
efetivação da proposta.
Esta postura do professor no contexto é analisada por Correia (2010) da seguinte
maneira. “(...) o professor é um antropólogo que estuda cada aluno cuidadosamente, e um
orientador que ajuda o educando a atingir seus próprios objetivos e os objetivos idealizados
pela sociedade por meio da escola”. (2010, p. 134)
Assim, ao trabalhar com música o professor deve orientar o seu aluno na construção
do trabalho, sendo ele responsável pela formatação e levantamento inicial de
questionamentos, inserindo todo contexto perante a realidade vivenciada pelo seu alunado.
A música como instrumento pedagógico é ainda vista como:
Elemento que estimula a memorização, resolução de tarefas especiais, capacidade de
atenção, operação de categorização e raciocínio (...) onde todos podem aprender com
a música, pois os circuitos neutrais envolvidos nas atividades sonoras são delineados
previamente à aprendizagem explicita da música. (CORREIA, 2010, p. 135).
Essa totalidade remete às potencialidades que podem ser desenvolvidas com o uso da
música em sala de aula, esse instrumento pedagógico é algo que quando utilizado de maneira
correta, alcança resultados de grande valia para o processo ensino-aprendizagem.
Neste sentido, a música não pode ser vista apenas como instrumento de uma única
disciplina, já que é composta de elementos que podem de alguma maneira se aproximarem de
outros conteúdos, gerando a necessidade de uma análise mais complexa e de uma proposta de
ensino paliativa. E, assim, a construção de um conhecimento mais amplo, não dando
conotação de algo especifico, mas totalmente flexível e multidisciplinar.
Uma proposta interdisciplinar com uso da música pode oferecer ao aluno a capacidade
de desenvolver a criatividade, proporcionando a consolidação de determinado conhecimento,
onde o aluno, mesmo não tendo instrução prévia sobre determinado assunto, as múltiplas
linguagens que a música possui favorece compreensão do conteúdo, pois, há o raciocínio
lógico consolidado por essa criatividade imposta pela canção, isto gera entendimento do
conhecimento de maneira lúdica agradável.
Este tipo de atividade oferece meios que levam os alunos a pensarem o conteúdo sobre
outro viés, demonstrando que a música torna-se fundamental para entendimento de
determinados conteúdos, principalmente no que diz respeito à questão que envolve a
formulação de um pensamento crítico.
Mas, ao trabalhar a atividade de interpretação de letras, o professor deve ter um
cuidado imenso, para não cair na ideia do particular, ou seja, não trabalhar especificamente
canções que tem certa proximidade afetiva, as canções devem manter uma neutralidade sobre
a prática, para que o aluno possa gerar as suas próprias interpretações.
Perante essa realidade de escolha Napolitano explica que,
Ao escolher uma canção como fonte de estudo interpretativo ou instrumento
didático, o profissional da educação pode correr o risco de achar que a sua
sensibilidade, seu gosto pessoal e sua acuidade crítica podem dar conta da
pertinência da seleção. As escolhas das canções constitui parte de um objeto de
análise que deve estar coerente com os objetivos do estudo em questão.
(NAPOLITANO, 2005, p. 94)
O cuidado deve ser tomado para não se criar uma compreensão pré-moldada na visão
do próprio professor, essa interpretação e entendimento do contexto analisado na canção deve
ser construído especificamente pelo aluno, o professor atua apenas como mediador,
orientando o aluno a chegar as suas próprias conclusões, dessa forma, se constrói uma
compreensão mais detalhada do conteúdo em análise.
A questão da música no ensino médio ainda deve ser analisada como uma
possibilidade de se inserir em diversos conteúdos, não se prendendo apenas a disciplina como
português e literatura, ou em disciplinas das áreas das humanidades.
A diversidade de ações é citado por Ferreira (2008)
Sugere que as disciplinas devem trabalhar, em alguns casos com ampla aplicação.
Em física, as variações dos movimentos comparados; artes, as variantes sonoras
existentes na música; biologia, as diferentes possibilidades de emissão de sons por
aparelhos auditivos e fonador; geografia, manifestações musicais indígenas; história,
análise das letras antigas e atuais; língua portuguesa e literatura, análise da formação
de palavras e gêneros literários, língua estrangeira, a presença de termos estrangeiros
em músicas brasileiras; e muitas outras possibilidades. (Ferreira apud Coelho, 2014,
p. 48)
2
A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o educador em sua
biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos educandos narra o resultado de suas pesquisas,
cabendo a estes apenas arquivar o que ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos não
são chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo pronto. Assim, de forma
vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino "educa" para a passividade, para a acriticidade, e por isso
é oposta à educação que pretenda educar para a autonomia.
No ensino de história, esse modelo de aprendizado inibe a construção do pensamento
crítico do aluno, pois o mesmo passa recontar a história que lhe foi contada de maneira fixa,
depositando esse conhecimento acabado. Assim, quando se pensa na configuração do objetivo
do ensino de história, o mesmo não é alcançado, pelo fato de não possibilitar a consolidação
pensamento crítico, ou seja, elimina o que se denomina de “educação problema” 3.
Este modelo de ensino é explicado por Bittencour (2011) da seguinte maneira:
Existe uma ligação entre o método tradicional e o uso de lousa, giz e livro didático:
o aluno, em decorrência da utilização desse material, recebe de maneira passiva uma
carga de informações que, por sua vez, passam a ser repetidas mecanicamente de
forma oral ou por escrito com base naquilo que foi copiado no caderno (...) em razão
de sua caracterização o que é exigido do aluno é apenas o “saber de cor” nomes,
datas, fatos e personagens ilustres. (BITTENCOUR, 2011. p. 227).
O saber histórico não pode ser analisado perante os feitos dos “heróis” da história
apenas e muito menos pelos atos militares arquitetados por grandes personagens, já que a
ideia de sujeitos históricos não se remete apenas aos “heróis”, mas devem ser analisados
diante uma ideia coletiva, onde cada sujeito impõe uma parcela significativa de ações que se
tornam perceptíveis ao longo do processo.
Para o entendimento do saber histórico, Bezerra (2010) salienta que;
Os sujeitos históricos, que se configuram na inter-relação complexa, duradoura e
contraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é o verdadeiro construtor da
história. A História neste sentido, não é o resultado apenas da ação de figuras de
destaque, consagradas pelos interesses explicativos de grupos, mas sim a construção
3
A educação problematizadora é um modelo de prática educativa que visa a uma transformação por ser uma
educação crítica. Tanto o professor quanto aluno são midiatizados pelo mundo e pela realidade que o apreende e
da qual extraem o conteúdo da aprendizagem..
consciente/inconsciente, paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais,
individuais e coletivos. (BEZERRA, 2010, p. 45).
Ensinar história não tarefa fácil, a história analisada como elemento escolar deve
funcionar como mecanismo de transformação do aluno, oferecendo ao mesmo conhecimento
que abra espaço para efetivação de um pensamento critico constante, e que transforme o aluno
em ferramenta mestra no processo ensino-aprendizagem.
A dificuldade de se trabalhar a história na escola se volta para as concepções
metodológicas que de alguma forma impõe certa rigidez sobre o conhecimento, sendo
construído de maneira totalmente adversa ao real propósito do saber histórico escolar.
Que na concepção de Bittencour (2010) tem como objetivo;
Estabelecer os entendimentos das organizações das sociedades em seus processos de
mudanças e permanências ao longo do tempo e, nesse processo, emerge o homem
político, o agente de transformação entendido não somente como um individuo, mas
também como sujeito coletivo; uma sociedade, um Estado, uma nação, um povo.
(Bittencour, 2010, p. 186)
Neste sentido, para estabelecer um ensino válido novas metodologias estão sendo
inseridas no ensino de história como forma de estabelecer uma prática pedagógica que
consolide de maneira concreta o estabelecimento do pensamento crítico sobre o saber
histórico.
O primeiro passo para estabelecer esse novo modelo de ensino na história escolar é
demonstrar ao aluno a importância que possui como sujeito histórico, responsável pela
consolidação de um processo histórico constante que se configura em um ambiente ante um
espaço de plena transformação, ou seja, não se pode analisar a história apenas na visão
factual, a história deve ser tratada como uma disciplina de transformação social, somente
assim, a ideia da criticidade poderá se concretizar sobre a mentalidade do aluno.
Essa possibilidade de ensino faz com que o aluno na visão de Bezerra (2010)
Tenha condições de exercitar nos procedimentos próprios da História:
problematização das questões propostas, delimitação de objeto, exame do estado da
questão, busca de informações, levantamento e tratamento adequado de fontes,
percepção dos sujeitos históricos envolvidos, estratégias de verificação e
comprovação de hipóteses e novas propostas de explicação para os fenômenos
estudados. (BEZERRA, 2010, p. 42).
Consolidar um novo modelo de ensino que rompa com a visão tradicional e factual da
história impõe uma gama de desafios, a busca por novas metodologias de ensino e
principalmente por novas ferramentas que substitua as aulas expositivas são fundamentais
para estabelecimento um novo processo de aprendizagem no campo histórico.
Para isso, o professor deve estabelecer novos parâmetros para que esse novo modelo
alcance realmente a sua relevância, e isso requer uma participação efetiva de todos os
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
O grande desafio é mostrar que as novas metodologias de ensino devem ser inseridas
no cenário escolar como uma forma de estabelecer um alcance maior do conhecimento,
possibilitando que o aluno construa um entendimento concreto, baseado em questionamentos
e na consolidação de uma posição crítica sobre o assunto estudado.
E mudar o tradicional para Bittencour (2010) é algo que se pega a formulação de uma
tradição escolar.
A tradição escolar é compartilhada pela comunidade escolar, incluído as famílias, e
não apenas pelos professores. O desejo de mudanças para melhor desempenhar o
trabalho com os alunos tem estado presente na história da prática docente, mas é
preciso entender que métodos e conteúdos se constroem historicamente e fazem
parte de uma produção escolar sedimentada e incorporada pela sociedade.
(BITTENCOUR, 2010, p. 229)
Em relação à prática de ensino de história, um dos pontos que vêm sendo analisados
por muitos teóricos diz respeito ao uso das fontes históricas no processo ensino aprendizagem,
levando em consideração o modo que determinado fato histórico é construído e como que
essas fontes dialogam com o saber escolar, proporcionando ao aluno a compreensão não
apenas do fato em si, mas de como que ele pode ser analisado perante a utilização de fontes
diversificadas de conhecimento.
Para Xavier (2010);
(...) ao se utilizar da fonte histórica, o professor não a utiliza como os historiadores
na academia, mas com o objetivo de levar o aluno a perceber como se constitui a
história, como os conteúdos históricos se contextualizam com essa fonte. A fonte
torna-se, então, uma ferramenta psicopedagógica que poderá certamente auxiliar o
professor na difícil tarefa de estimular o imaginário do aluno na aprendizagem da
História. (XAVIER, 2010, p. 1098).
Na busca por novos métodos de ensino que estabeleçam a História uma representação
social, a música se coloca como um instrumento de imensa importância para esta conjuntura,
sendo levada para sala de aula não apenas como um instrumento de diversão, mas como uma
ferramenta pedagógica que possibilita a construção de uma compreensão do saber histórico.
Bittencour neste sentido esclarece que “o uso da música é importante por situar os
jovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivência (...)” (BITTENCOUR,
2010, p. 379).
A música como fonte histórica possibilita a implantação de um método de ensino
inserido na ideia de representatividade social, pois, ao se trabalhar com a música o professor
está tendo a possibilidade de analisar a proximidade que o discente possui em relação à
4
Quando o tempo, o espaço e os personagens são apresentados de maneira lógica e as ações desenvolvem-se
cronologicamente, assim, observa-se o começo, o meio e o fim da narrativa.
música analisada, consolidando assim, a compreensão de uma realidade social, numa
perspectiva de ensino que aflore no aluno a sua percepção crítica.
Essa ideia pode ser analisada como forma de “propiciar a construção do
conhecimento que levaria o aluno a adquirir a habilidade de compreender o passado, a
partir de seu presente (...)”. (XAVIER, 2010, p. 1105).
Perante a ideia de análise histórica e construção do saber escolar, a música popular é
vista como a melhor fonte de estudo, pelo fato dela estar ligada a diversos contextos e trazer
mensagens muitas vezes importantes para compreensão do meio político e social de
determinado tempo histórico.
Napolitano afirma que;
(...) a música popular esta diretamente imbricada em nosso processo de
modernização, ela acaba concentrando expectativas de objetivação histórica, de
superação de um determinado passado, cujo sentido é fruto dos projetos culturais e
ideológicos em jogo. (NAPOLITANO, 2005, p. 91).
O que se percebe é que a música abre espaço para que a interpretação do fato histórico
se estabeleça sobre um campo diversificado de análises. Há um campo imenso para que se
estabeleça a sua inserção em diversos conteúdos da história escolar, o que consolida a
efetivação de uma prática pedagógica dinâmica e que gera a possibilidade do aluno
estabelecer um processo interpretativo sobre o fato histórico.
Mas, para se trabalhar com a música no ensino de história é necessário o
estabelecimento de algumas concepções de análise que venha a oferecer a compreensão do
contexto histórico sobre aquela determinada canção, para isso, métodos de análises devem ser
trabalhados de maneira coesa, e neste momento, o professor se torna o grande mediador do
processo, pois, será ele o responsável pela condução do estudo, estabelecendo alguns pontos
que são essenciais para que haja a compreensão do contexto histórico sobre a canção.
É importante destacar que nesse tipo de atividade de compreensão deve-se levar em
consideração a participação de diversos sujeitos, que vai do autor da música até o aluno, para
isso a importância de uma condução direcionada de análise, possibilitará que o aluno através
de uma mediação consiga perceber de maneira concreta a conotação que a fonte histórica trás
sobre determinado contexto.
Para Bittencour a análise documental em relação à música deve ser realizada da
seguinte maneira;
O método de análise dessa documentação, a qual possui uma linguagem especifica,
associando vários componentes e diferentes sujeitos, a saber: autor, intérprete,
músicos, gravadores, produtores e técnicos, além de consumidores. Em geral, no
ensino de História, costuma-se analisar a letra separada da música e autor sem o
contexto social em que produz a obra. (BITTENCOUR, 2010, p. 381).
Lembrando que, o aluno não pode ser tratado em momento algum como um
historiador, pois não possui conhecimento acadêmico para estabelecer uma análise
fundamentada em conceitos pré-estabelecidos, o historiador em questão é o professor.
Em relação à maneira de como utilizar a música no processo de ensino-aprendizagem
da História, Xavier salienta que;
(...) ao trabalhar com a canção como fonte, não devemos fazer uso somente de seu
parâmetro poético, ou seja, da letra da canção, embora a vontade seja muito grande,
em especial para o professor, quando vai trabalhar em sala de aula. Mas não se pode
perder de vista e levar em conta como os nossos alunos “sentem” as músicas que
trabalhamos em sala de aula e que por vezes são muito diferentes de suas
experiências e seus gostos musicais. (XAVIER, 2010, p. 1108).
A música popular brasileira nas décadas de 1960 e 1970 viveu um dos períodos de
maior destaque no país quando esta se estabeleceu sobre uma realidade política marcada pelo
autoritarismo, censura e perseguição política policial, período que ficou conhecido como
“Anos de Chumbo”.
Todo este cenário político possibilitou a consolidação de um momento na qual a
música se tornaria instrumento de indignação e contestação política, a música popular passaria
a trazer outro significado lírico em suas letras, passando a expressar a opinião de
compositores sobre o momento que o país vivia.
Esse estilo musical ganharia o nome de canção engajada, pelo fato de se empenhar
através de suas letras e conscientizar a população a se colocar contra a ditadura militar, ou
como salienta Marcelo Ridenti a canção e a artes em geral era uma forma de “conscientizar a
população e prepará-la para revolução (...)”. (RIDENTI, 2005. p. 65)
Esta concepção de música engajada é analisada por Contier da seguinte maneira:
A chamada canção de protesto, escrita por dezenas de compositores durante os anos
60, num primeiro momento, representava uma possível intervenção política do
artista na realidade social do país, contribuindo assim para a transformação desta
numa sociedade mais justa. (CONTIER, 1998)5
Dessa forma, a música trouxe uma parcela da população que possuía esse mesmo ideal
de lutar por uma sociedade mais justa, eram segundo Contier “um segmento de público
sintonizado com a proposta política: estudantes universitários, profissionais liberais dos
grandes centros urbanos”. (CONTIER, 1998)6
Perante esse ambiente político a canção engajada passou a ser um elemento de
discurso oposicionista ao governo vigente, atuando como instrumento de grande intensidade
5
CONTIER, A. D. Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto (os anos 60). In:
Revista Brasileira de História. V. 18, n 35, São Paulo: 1998. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 02/04/2015.
6
Idem 1
política impregnada em um ambiente cultural, transformando a canção em grande aliada dos
movimentos de oposição ao regime político repressivo que controlava o país.
Esta concepção de musica politizada é interpretada por Napolitano como:
A MPB nacionalista e engajada era a expressão autêntica da brasilidade e foi um
movimento legítimo e espontâneo de socialização da cultura e de busca de
conscientização política das classes médias e populares. (NAPOLITANO, 2005, p.
67)
Diante da realidade política que vivia o país, Napolitano diz ainda que:
Mas, essa canção engajada tem a sua montagem anterior à tomada do poder pelos
militares; ela começou a ser construída no final da década de 1950, sendo uma forma dos
músicos brasileiros protestarem contra a grande presença de ritmos estrangeiros integrados a
MPB.
Internacionalização que se inicia a partir do inicio dos anos 50, quando jovens da Zona
Sul do Rio de Janeiro começaram a se reunir em apartamentos da classe média, e nesses
encontros começaram a planejar uma nova roupagem para a música popular brasileira, ou
melhor, para o samba brasileiro de raíz, que ganharia toques de jazz, um estilo musical
tipicamente norte-americano.
Com o “novo samba”, alguns músicos da época vieram romper definitivamente com o
popular, com aquele samba-raiz criado nos morros cariocas e conhecido como o samba de
gafieira, um estilo musical tipicamente brasileiro estaria perdendo espaço para a música
estrangeira.
A partir daí, até músicos ligados à Bossa - Nova começaram a mostrar certa oposição à
grande presença de ritmos estrangeiros na música nacional, dessa forma a música de protesto
começa a ganhar espaço no cenário musical e também intelectual e principalmente no meio
universitário.
O primeiro compositor ligado à Bossa-Nova que se opôs a esse momento que passava
a MPB foi Carlos Lyra7, que mais tarde iria participar diretamente dos protestos do período
militar com letras que trariam mensagens contra o regime.
Dessa forma, através de uma posição contra a grande influência de ritmos estrangeiros
na MPB, é que a canção engajada foi se consolidando, ganhando a adesão de outros músicos,
7
Cantor, compositor e violonista, que se tornou um das principais figuras da Bossa Nova nos anos 50 e 60,
fazendo parte da denominada “Bossa Nova ativista”, que propunha o retorno do ritmo às suas raízes no samba.
compositores, intelectuais e estudantes do meio universitário que, no passar dos anos, fizeram
coro contra a ditadura militar no nosso país, se transformando numa marca da cultura
nacional.
Mas, é a conotação política que existe por detrás da canção engajada que a torna
elemento de análise do processo histórico, e ganha grande importância para o
desenvolvimento de atividades que levam à compreensão histórica de um dos momentos mais
complexos da sociedade brasileira.
Sendo assim, levando esse instrumento para o ambiente do ensino de história, tornar-
se possível estabelecer uma ligação direta entre o contexto artístico-cultural e o contexto
histórico, criando condições para a fundamentação de atividades que possam auxiliar o aluno
a compreender de maneira distinta o contexto histórico em questão. Essas atividades se
estabelecem em um exercício de interpretação e compreensão da canção integrando a mesma
sobre o ambiente histórico.
A primeira canção analisada pelos alunos foi “Alegria, Alegria” composta por
Caetano Veloso e apresentada ao público no Festival da Canção de 1967.
Quando a canção foi apresentada o cenário político que vivenciava o país era de
endurecimento do Regime Militar com a transição política que culminaria com a chegada do
General Costa e Silva ao poder, um militar da denominada linha dura, que tinha como projeto
político o estabelecimento de um regime de exceção que traçava como principal objetivo a
eliminação das ameaças oposicionistas do país, através da repressão, e o silenciamento da
oposição através do mecanismo da censura.
O cenário político repressivo que se instaurava no país naquele momento era
fundamentado pela Constituição da época, que foi promulgada em janeiro de 1967, seguindo
os princípios da Doutrina de Segurança Nacional.
A Constituição de 1967 na visão do historiador Boris Fausto é explicada da seguinte
maneira:
A Constituição de 1967 incorporou a legislação que ampliaria os poderes conferidos
ao Executivo, especialmente em matéria de segurança nacional, mas não manteve os
dispositivos excepcionais que permitiriam novas cassações de mandatos, perda de
direitos políticos. (FAUSTO, 1995, p. 475).
8
Os questionamentos da atividade podem serem visualizadas em anexo ao final da pesquisa.
9
Frente Ampla movimento político criado no ano de 1966 e que reuniu então inimigos políticos, ex-presidente
Juscelino Kubitschek, o líder da UDN Carlos Lacerda e o presidente deposto em 1964, João Goulart, objetivo do
grupo era se articular politicamente contra o Regime Militar propondo o estabelecimento do processo de
redemocratização do país e afirmação política dos direitos dos trabalhadores.
Foi perante esta realidade política que Caetano Veloso apresentou a canção “Alegria,
Alegria” no festival da canção promovido pela Rede Record de Televisão em março de 1967.
Seguindo a proposta da atividade, os alunos idealizaram uma análise textual da canção
demonstrando a relação da canção com o ambiente político do Brasil, assim, os mesmos
estabeleceram as seguintes concepções:
A canção demonstra a concepção política do Estado Ditatorial brasileiro, que se
fixava na ideia da obediência, onde os cidadãos deveriam seguir as regras e as ações
estabelecidas pelo governo. Neste ambiente, o autor da canção protesta contra esta
obediência propondo que a população caminhasse “contra o vento” (governo), ou
seja, se colocando contra as ordens impostas pelo regime 10.
A outra canção analisada pelos estudantes do grupo 1 foi “Pra não dizer que falei das
flores”, composta e interpreta por Geraldo Vandré, e apresentada pela primeira vez no
Festival da Canção de 1968, foi uma das primeiras canções ligadas à concepção política ter a
sua execução proibida pelo Regime Militar.
O ano de lançamento da canção, 1968, é um dos anos mais intensos da história do
Brasil, principalmente pelo fato de ser um período de grandes manifestações contra o Regime
Militar, que se consolidava nas ações promovidas por movimentos sociais e políticos de
oposição, fato que impulsionou a efetivação de uma ação direta do Estado, que intensificaria a
repressão com estabelecimento de medidas políticas autoritárias, o Ato Institucional Nº5, é o
maior exemplo dessas ações.
O panorama político era intenso, as manifestações contra o Regime Militar ganharam
corpo, conquistavam cada vez mais as ruas das principais cidades do país, era a efervescência
de um movimento de contestação e que fazia coro contra a estrutura política que vivia o
Brasil, essas manifestações em sua maioria foram organizadas por movimentos sociais que
passaram a exercer uma função política de grande valia, como o movimento estudantil. Tendo
na União Nacional dos Estudantes (UNE) a sua maior representatividade
Para Boris Fausto,
O catalisador das manifestações de rua em 1968 foi a morte de um estudante
secundarista. Edson Luís foi morto pela Polícia Militar durante um pequeno protesto
10
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 1.
11
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 1.
realizado no Rio de Janeiro, no mês de março, contra a má qualidade da alimentação
fornecida aos estudantes pobres no restaurante do Calabouço. (FAUSTO, 1995, p.
478)
E foi perante este espaço totalmente intenso que a “Pra não dizer que falei de
flores”, foi apresentada, e a partir daí se tornaria um dos principais símbolos culturais contra a
Ditadura Militar.
No desenvolvimento da atividade proposta os alunos do grupo 1 chegaram ao seguinte
entendimento;
Geraldo Vandré demonstra ao longo da canção “Pra não dizer que falei de flores”,
suas preocupações sociais e políticas com o ambiente que vivia o país, chama a
população para manifestar contra o sistema político, e isto fica claro quando utiliza o
termo “acordar”, numa forma de incitar o povo a lutar, “vem vamos embora que
esperar não é saber, que faz na hora e não espera acontecer”. O autor ainda
trabalha a questão de que a população continua tendo um sonho que se fixa perante
um conflito entre as “flores e canhão”.12
A canção “Apesar de Você” composta por Chico Buarque foi divulgada ao público
pela primeira vez no ano de 1970, era período auge da repressão imposta pelo governo
brasileiro, era momento que o país vivia perante a realidade política dos Anos de Chumbo,
considerada por muitos pesquisadores, uma das canções com maior conotação crítica ao
regime que eliminou as perspectivas democráticas do país.
O Brasil naquele momento era governado pelo General Emílio Garrastazu Médici,
presidente que usou de maneira substancial os princípios instituídos pelo Ato Institucional
Número 5 (AI-5), instrumento político idealizado em 1968 e que estabeleceu literalmente um
estado de segurança no país, eliminando definitivamente os princípios individuais dos
cidadãos, a partir desse momento, o que vale são as concepções impostas pelo sistema
político.
Para o historiador Carlos Fico,
12
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 1
13
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 1
O AI-5 trata-se de instrumento de reafirmação e importância, como projeto, do que
se pode chamar de “utopia autoritária”, isto é, a crença de que seria possível eliminar
quaisquer formas de dissenso (comunismo, “subversão”, “corrupção”). (FICO, 2004,
p. 47).
Que a canção traz consigo uma mensagem de esperança, uma esperança que com a
luta e a perseverança da população há de se alcançar a liberdade novamente, sendo
possível anular a obscuridade política imposta pelo autoritarismo do governo militar,
esta ideia é comprovada nas seguintes passagens: “Apesar de você / Amanhã há de
ser / Outro dia”16.
14
Movimento guerrilheiro existente na região amazônica, ao longo do rio Araguaia, entre fins da década e a
primeira metade da década de 1970. Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), tinha por objetivo
fomentar uma revolução socialista, a ser iniciada no campo, baseada nas experiências vitoriosas da Revolução
Cubana e da Revolução Chinesa.
15
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 2.
16
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 2
No momento que a canção foi escrita e posteriormente divulgada a censura se fazia
presente na esfera política brasileira, o objetivo dessa ação política era estabelecer o
silenciamento forçado aos cidadãos e a imprensa.
A canção de Chico Buarque e Gilberto Gil trás em suas estrofes o sentimento de dor
que se fazia presente no Brasil durante a Ditadura Militar, a censura é expressada
pela palavra “Cálice” que faz uma referência ao verbo calar, “Pai, afasta de mim
esse cálice (...) de vinho tinto de sangue”. O sangue neste sentido estabelece uma
ideia das ações repressivas estabelecidas pelo governo contra aqueles que faziam
oposição ao regime político17.
Outra passagem citada na interpretação diz respeito que, mesmo com a censura e a
repressão imposta pelo Estado, o cidadão não poderia se render a este autoritarismo político.
“Como beber dessa bebida amarga/tragar a dor, engolir a labuta/mesmo calada a
boca, resta o peito/silêncio na cidade não se escuta/de que me fale ser da
santa/melhor seria ser filho da outra/outra realidade menos morta/tanta mentira
força bruta (...)”. O trecho deixa claro que os autores fazem uma referência direta à
repressão e a censura como ações constantes do governo, e com toda esta situação
adversa demonstra que a população mesmo sofrendo com estas ações não pode
desistir, pois mesmo calados há um sentimento em prol da liberdade18.
Os anos 70, época que marcou o endurecimento político do Regime Militar, outra
canção foi composta com uma carga política imensa, “Mosca na Sopa”, de Raul Seixas.
Uma canção que se contrapõe aos demais estilos musicais da época, pois se volta para
concepção de uma pegada mais dinâmica, mas com o mesmo tom crítico, e se volta para
consolidação de uma visão política de contestação.
Os alunos do grupo 3 trabalharam com a canção e chegaram a seguinte compreensão;
17
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 2
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Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 2
A canção de Raul Seixas estabelece uma crítica ao regime militar, estabelecendo que
a “sopa” seria o Regime Militar, enquanto a “mosca” seria o povo e as
manifestações que lutavam para o reestabelecimento dos princípios democráticos no
país. Ao analisar, a letra, é possível perceber esta conotação, principalmente quando
se diz: “(...) Pois nem o DDT pode assim me exterminar, porque você mata uma e
vem outra em meu lugar (...)”. Analisando o DDT (inseticida) seria a imagem dos
órgãos de repressão estabelecidos pelos militares (DOPS, DOI-CODI) que atuavam
na concepção de perseguir, prender e torturar todos os indivíduos que se colocavam
contra a ordem política, a imagem da qual passa, “você mata”, simboliza a tortura 19.
Um dos pontos a ser debatido de maneira concreta ao longo do governo Geisel foi a lei
de anistia, que começava a ganhar corpo junto aos movimentos sociais e políticos do país, e o
debate pela anistia chegou ao meio musical, e a busca pelo entendimento do contexto se torna
visível nos versos de “O bêbado e o equilibrista” canção interpretada por Elis Regina e
composta por João Bosco e Aldir Blanc.
O debate sobre a anistia já se fazia presente em vários ambientes da sociedade, era
visto por muitos como uma medida necessária, em um momento que as ações repressivas do
19
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 3.
governo militar eram ainda vigentes, mesmo que, politicamente se pregava a ideia do
estabelecimento de um processo político que colocaria novamente o país no curso da
democracia.
Para muitos, a anistia mais do que uma libertação política, era vista como mecanismo
que estabeleceria o esquecimento dos atos pregados pelos militares ao longo dos anos de
chumbo, seria como impor uma ação que eliminaria as memórias coletivas de determinado
período da história, que se caracterizou por atos que feriram as liberdades individuais do povo
brasileiro.
O debate e as propostas políticas sobre anistia nas palavras de Rodeghero ganhou
força quando;
Em 1967, a anistia constou do manifesto de lançamento da Frente Ampla, que reunia
antigas lideranças atingidas pelo golpe, como Carlos Lacerda, João Goulart e
Juscelino Kubitschek. A possibilidade também foi sugerida em favor dos grupos
atingidos pela repressão de 1968. O deputado Paulo Macarini, do MDB, apresentou
ao Congresso um projeto de lei que anistiava os punidos por atos relacionados às
manifestações populares (...). (RODEGHERO, 2014, p. 176-177).
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Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 3.
permanece com atos de repressão que faz do discurso de liberdade um mero
acontecimento político21.
Ou seja, a lei de anistia foi aprovada, mas trouxe com ela uma gama de benefícios que
agradavam a linha dura dos generais, pois eliminava qualquer possibilidade de julgamento de
crimes cometidos pelos repressores, fato que até os dias atuais é tema de discussão em
diversos ciclos jurídicos e históricos. Mas, sua aprovação possibilitou a continuidade do
processo de abertura política, e ao longo do governo do então presidente Figueiredo esse
debate se tornou real e as liberdades começaram a ser reconquistadas.
Os anos 80 do século passado são tratados pela historiografia como a “década
perdida”, mas no que diz respeito ao contexto político do nosso país podemos definir como a
época da reconquista. A reconquista da liberdade e da democracia pelo povo brasileiro após
anos de repressão e censura, era o estágio final da Ditadura Civil-Militar, eram dados os
primeiros passos para a redemocratização.
Mas apesar da continuidade do processo de abertura política no país, a linha dura,
mesmo beneficiada com os princípios estabelecidos pela lei de anistia não se colocava
totalmente a favor da redemocratização, e de maneira isolada continuou estabelecendo atos de
violência com o intuito de desmoralizar as ações estabelecidas pelo o então governo.
Esta postura da linha dura em relação ao processo de abertura culminou com atos que
evidenciavam a posição política do grupo militar, que durante o auge da repressão comandou
o país, desses atos o mais significativo foi o atentando ao Riocentro durante a realização de
um festival de música.
O episódio do Riocentro é explanado por Boris Fausto na seguinte perspectiva;
Os atos criminosos com a tentativa de explodir bombas no centro de convenções do
Riocentro, a 30 de abril de 1981. (...) Uma das bombas não chegou a ser colocada.
Explodiu no interior de um carro, ocupado por um sargento e um capitão do exército
(...). A outra bomba explodiu na casa de força do Riocentro. O governo conduziu um
21
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 3.
IPM que confirmou uma absurda versão dos fatos, isentando os responsáveis.
(FAUSTO, 1995, p. 505).
O que se percebe é que mesmo sabendo a existência de uma linha do exército contrária
às ações estabelecidas pelo governo, este nunca estabeleceu uma ação direta com objetivo de
taxá-los como grandes responsáveis pelos atos de violência no país naquele momento, criando
assim uma situação controversa, pois esse mesmo grupo poderia gerar uma quebra do
equilíbrio político, mas ao mesmo tempo uma ação direta contra o grupo poderia gerar um
conflito maior na estrutura militar, que de alguma forma neutralizava o processo de abertura
política.
Enquanto o país vivia a efervescência de um novo momento político a contestação
musical ainda era algo presente na sociedade brasileira, aproveitando-se do momento político,
na capital do país um novo movimento musical se consolidava tendo como principal
inspiração as atitudes e as narrativas musicais do movimento punk inglês.
Era formação do movimento que ficou conhecido como “BRock” que inseriu em
Brasília uma nova configuração cultural, que alinhava a atitude punk com as concepções de
poder que movia a capital do país.
E uma das primeiras bandas de referência desse novo momento cultural do Brasil foi o
Aborto Elétrico, que tinham como integrantes, Renato Russo (Legião Urbana), Fê Lemos e
Flávio Lemos (Capital Inicial) e André Pretorius (sul-africano radicado no Brasil).
No final dos anos 70 e início dos anos 80, o Aborto Elétrico estabeleceu canções
engajadas que traziam sempre uma mensagem relacionada à situação política, econômica e
social do país, uma das músicas que serve de referência para este novo momento é “Veraneio
Vascaína”, que trás em seus versos críticas a postura violenta que ainda se fazia presente na
sociedade.
Os alunos do grupo 4 trabalharam com canções da época, em relação à Veraneio
Vascaína chegaram ao seguinte entendimento;
A letra de Veraneio Vascaína faz referência à viatura policial da época traçando uma
crítica ao comportamento da polícia, do governo, da falta de perspectiva da
juventude e principalmente do impacto do Regime Militar sobre a sociedade
brasileira. Isso se evidência ao longo da canção, como no trecho: “Porque pobre
quando nasce com instinto assassino, sabe o que vai ser quando crescer desde
menino, ladrão para roubar ou marginal para matar, papai, eu quero ser policial
quando eu crescer”. Há uma analogia entre o pobre com instinto assassino, que
geralmente se tornava ladrão para roubar ou marginal para matar, assim a própria
autoridade, que deveria ser um símbolo de justiça, assume o papel de vilão e passa a
cometer atrocidades22.
22
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 4.
Para concluir, apesar da ideia que existe sobre a concepção de um processo de abertura
política se estabelece a seguinte ideia sobre a canção;
A música trás em si um grito pela liberdade, pelo fim desse regime, como tudo que
foi produzido nesse período, à letra de Veraneio Vascaína se eternizou na história, é
a memória de um tempo onde o povo não tinha voz 23.
Apesar de um novo quadro político eleitoral, o poder central do país ainda se encontra
nas mãos de um general do exército, e a composição política ainda não estabelecia eleições
diretas para escolha do chefe do executivo nacional, nesse momento é que se concretiza no
país um movimento político em prol das eleições diretas para presidente da República, eram
as “Diretas Já”.
Lideranças políticas dos principais partidos de oposição começaram articular uma
proposta de emenda constitucional que modificaria a composição eleitoral do país, no que diz
respeito às eleições presidenciais, a decisão era propor uma modificação imediata e
estabelecer eleições diretas para o pleito de 1985, nesta trama, o PMDB assume o papel de
principal liderança partidária na luta pelo direito do voto direto para presidente.
23
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 4.
A proposta parlamentar que propunha as eleições diretas foi entregue ao Congresso
Nacional pelo deputado peemedebista Dante de Oliveira, essa proposta ficaria conhecida
como a “Emenda Dante de Oliveira”.
A partir desse momento iniciou uma comoção imensa em todo país, e a população foi
para ruas no ato de mobilização com o intuito de pressionar o Congresso Nacional a aprovar a
emenda que estabeleceria o fim das eleições indiretas para presidente da República, as Diretas
Já ganhou as ruas das principais cidades brasileiras, lideranças políticas, atores, intelectuais e
esportistas participaram ativamente das mobilizações, a sociedade no ano de 1984 passou a se
mover à favor desta nova regra eleitoral que caso aprovada anularia definitivamente a
Ditadura Civil-Militar.
Nas palavras de Fausto, as “Diretas Já” podem ser analisadas da seguinte forma;
A campanha das “Diretas Já” expressa ao mesmo tempo a vitalidade da
manifestação popular e a dificuldade dos partidos para exprimir reivindicações. A
população punha todas as suas esperanças nas diretas: a expectativa de uma
representação autêntica, mas também a resolução de muitos problemas (salário
baixo, segurança, inflação) que apenas a eleição de um presidente da República não
poderia solucionar. (FAUSTO, 1995, p. 509)
24
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 4
Em relação a concepção interpretativa e a construção do conhecimento histórico
ligado à canção foi percebido pelos aluno que;
Em um segundo momento o objetivo da canção é estabelecer um protesto direto ao
Regime Militar, esta ideia de protesto fica perceptível na seguinte passagem da
canção: “Mas agora chegou nossa vez, vamos cuspir de volta o lixo em cima de
vocês”. Fazendo uma referência a posição política que os jovens deveriam tomar,
demonstrando que esses podem ser os verdadeiros revolucionários da nação, outro
ponto da canção que se estabelece esta posição de criticidade é quando se diz
“depois de 20 anos na escola...”, seria uma referência direta ao tempo que os
militares ocuparam o poder no país25.
Percebe-se desta forma, que a canção se insere no contexto político trazendo consigo
uma carga crítica e de grande importância para o entendimento do processo histórico que se
fixava no Brasil naquele momento, da luta final pela recondução do processo democrático no
país.
A experiência alcançada pelos alunos ao longo do desenvolvimento do trabalho foi de
grande relevância para a compreensão do saber histórico, pois, os alunos ao desenvolverem o
trabalho buscaram analisar as letras perante o conteúdo que estava sendo estudado, realizando
pesquisas paralelas e encaixando o contexto da música sobre o recorte que as mesmas foram
produzidas, o que possibilitou o estabelecimento de uma ligação lógica entre o ambiente
cultural e o cenário político analisado.
Ao longo das apresentações dos trabalhos os alunos demonstraram uma tranquilidade
que remete que os mesmos conseguiram de maneira simplória compreender os fatos históricos
abordados e liga-os as canções analisadas, possibilitando a efetivação de questionamentos que
corresponderam às expectativas que foram alicerçadas na proposta inicial da atividade.
Isso demonstra que, a música e o simples ato de interpretá-las é um mecanismo
relevante para o desenvolvimento de uma prática pedagógica no ensino de história, pois essas
canções proporcionam a criação de um novo panorama de entendimento, o que facilita
posteriormente a efetivação da compreensão do fato histórico estudado.
25
Análise estabelecida pelos alunos do terceiro ano do ensino médio, que compuseram o grupo 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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RIDENTI, Marcelo. Uma década de sonhos e mudanças. IN: Nossa História. Rio de Janeiro.
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Rodrigo Patto, et. al. (ORG). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. 1º
Ed. Rio de Janeiro, 2014.
Podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares
governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia,
supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o
regime militar.
A música popular engajada foi aquela que conseguiu estabelecer seu lugar no grande público,
especialmente no ano de 1965. Neste ano se deu o nascimento da música popular brasileira. Mas a
música engajada, assim como outras artes classificadas do mesmo modo, como o teatro e o cinema,
segundo este autor, não nascia aí. Apenas ganhava mais força neste momento. É possível dizer que o
primeiro conjunto de músicas engajadas politicamente remonta o período governo do presidente João
Goulart, com nomes como Carlos Lira, Sérgio Ricardo, Nara Leão, entre outros. Em 1965, a música
engajada ganhava cada vez mais espaço nos meios de comunicação, especialmente nos famosos
festivais de TV, o que permitiu com que a mesma ocupasse lugar de considerável importância entre as
massas.
Relacione a ditadura militar com a canção analisando o período que a mesma foi composta e
divulgada?
Qual a mensagem principal desta música?
Como a letra está contestando o Regime Militar?
Canções analisadas pelos alunos(as) ao longo da atividade proposta.
Alegria, Alegria (1967) – Caetano Por que não, por que não
Veloso.
Ela pensa em casamento
Caminhando contra o vento E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento Sem lenço, sem documento,
No sol de quase dezembro Eu vou
Eu vou
Eu tomo uma coca-cola
O sol se reparte em crimes, Ela pensa em casamento
Espaçonaves, guerrilhas E uma canção me consola
Em cardinales bonitas Eu vou
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Em caras de presidentes Sem livros e sem fuzil
Em grandes beijos de amor Sem fome sem telefone
Em dentes, pernas, bandeiras No coração do brasil
Bomba e brigitte bardot
O sol nas bancas de revista Ela nem sabe até pensei
Me enche de alegria e preguiça Em cantar na televisão
Quem lê tanta notícia O sol é tão bonito
Eu vou Eu vou
Sem lenço, sem documento
Por entre fotos e nomes Nada no bolso ou nas mãos
Os olhos cheios de cores Eu quero seguir vivendo, amor
O peito cheio de amores vãos Eu vou
Eu vou Por que não, por que não..
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Pra não dizer que falei das flores (1968) Há soldados armados, amados ou não
– Geraldo Vandré Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
Caminhando e cantando e seguindo a De morrer pela pátria e viver sem razão
canção Vem, vamos embora, que esperar não é
Somos todos iguais braços dados ou não saber,
Nas escolas, nas ruas, campos, construções Quem sabe faz a hora, não espera
Caminhando e cantando e seguindo a acontecer.
canção
Vem, vamos embora, que esperar não é
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
saber, Quem sabe faz a hora, não espera
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Vem, vamos embora, que esperar não é Somos todos soldados, armados ou não
saber, Caminhando e cantando e seguindo a
Quem sabe faz a hora, não espera canção
acontecer Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
Pelos campos há fome em grandes A certeza na frente, a história na mão
plantações Caminhando e cantando e seguindo a
Pelas ruas marchando indecisos cordões canção
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão Aprendendo e ensinando uma nova lição
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
saber, Quem sabe faz a hora, não espera
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
acontecer.
Vem, vamos embora, que esperar não é
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
saber, Quem sabe faz a hora, não espera
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
acontecer.
52
A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
Meu Brasil!...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
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