Introdução
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liberdade: quanto mais “empregável” é o indivíduo, mais possibilidades ele tem de
escolher aonde irá trabalhar e de migrar de um emprego a outro, na medida em que essa
mudança significa crescimento e aprimoramento profissional. Na era da
empregabilidade, a estabilidade deixa de ser uma virtude e passa a ser sinônimo de
acomodação e falta de visão do trabalhador.
“vai fazer de sua vida uma aventura, projetar-se no futuro e procurar dar
forma a si mesmo a fim de se tornar o que deseja ser. O eu empreendedor é,
portanto, um eu calculista, um eu que faz cálculos sobre si mesmo e que
trabalha em si mesmo para se melhorar” (Rose, 1992 apud Slater, 2002).
Categoria central do discurso que valoriza a empregabilidade, essa autonomia está longe
de ser um fato inquestionável: ao contrário, pode-se inquirir se as novas formas de
mobilização do trabalho aumentam ou diminuem a autonomia do trabalhador. Será o
trabalhador, que aumentou sua empregabilidade e que pode mover-se com mais
flexibilidade de um emprego a outro, mais livre do que aquele que tem sua vida
profissional associada a uma única empresa? O que pesa mais nos ombros do
trabalhador: a sujeição ao “emprego-da-vida-toda” ou ao movimento contínuo em busca
da sua “autonomia” profissional ?
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o presente artigo lança um olhar crítico sobre o discurso que apresenta a
empregabilidade como garantidora da autonomia do trabalhador. Para lograr esse
objetivo, o trabalho está estruturado em quatro partes: na primeira, elaborou-se uma
síntese das principais categorias que informam o debate sobre o mundo do trabalho
contemporâneo; na segunda, são apresentados os conceitos de Foucault que orientam a
análise crítica elaborada na terceira parte e finalizada nas conclusões (quarta parte) do
trabalho.
Ao alertar que todos terão que aprender novas formas de oferecer seus talentos ao
mercado, Bridges apresenta um “Guia de Carreira para o Trabalhador do Século XXI”
(1995:63) em que ensina não só que as carreiras devem ser autogeridas, mas
principalmente que a estabilidade no emprego, no futuro, será decorrente da
empregabilidade do trabalhador, isto é, da sua capacidade de se fazer atraente aos olhos
dos empregadores. Para isso o trabalhador deverá adquirir flexibilidade e uma
“mentalidade de fornecedor” pensando como um fornecedor externo que foi contratado
para realizar uma determinada atividade. Ao mesmo tempo em que traça um cenário
sombrio de fim dos empregos, o autor procura ser otimista ao destacar a possibilidade
que essa mudança pode trazer aos indivíduos, ao permitir que esses construam um novo
tipo de carreira, não mais atrelada a um emprego (Bridges,1995). A maior autonomia
que a nova forma de trabalhar tende a requerer é vista pelo autor como uma
oportunidade para os trabalhadores do presente século, que deixarão de ter suas
carreiras geridas e limitadas pelas empresas. Ainda que reconheça que a adaptação à
nova situação será difícil para o trabalhador acostumado ao emprego tradicional,
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Bridges vislumbra mais ganhos do que perdas para aqueles que ingressam nesse novo
mundo do trabalho.
Na trilha de Bridges, Minarelli (1995) é outro autor que encara de forma positiva as
mudanças em curso no mundo do trabalho. Seu Empregabilidade: o caminho das
pedras, como o título sugere, é também um guia que pretende ajudar os profissionais a
se posicionarem no mercado de forma diferente da tradicional “carreira na grande
empresa”, por considerar que essa forma de inserção está em franca extinção. Segundo
o autor, a segurança do profissional do século XXI não será mais garantida pelo
emprego por tempo prolongado, mas por sua empregabilidade. O autor afirma que as
competências técnicas são tão importantes quanto as dimensões humanas e sociais e
adverte que o profissional deve investir na autogestão da carreira, que deve ser
construída com base em seis pilares: “adequação vocacional, competência profissional,
idoneidade, saúde física e mental, reserva financeira, fontes alternativas e
relacionamentos” (Minarelli,1995:12).
Mas o aspecto mais importante a destacar desse conjunto de considerações é o que faz
referência às atitudes e disposições comportamentais que passam a ser requeridas desse
novo profissional, expressas nas noções de “auto-empresariamento”, “saber comportar-
se”, “disposições sócio-motivacionais”. Apesar de ser fluido seu perfil técnico, sua
atitude não o é: o setor produtivo contemporâneo passa a requerer um profissional
comprometido não somente de forma objetiva com o trabalho mas, principalmente,
subjetiva.
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fundamental: a habilidade para descobrir e realizar trabalho num mundo
sem empregos bem definidos e estáveis.” (Bridges 1995:73).
Portanto, está em construção uma concepção que postula a existência de uma relação
independente entre organização e indivíduo, uma concepção de “carreira sem
fronteiras”. Essa expressão refere-se à carreira como a trajetória profissional do
indivíduo, construída a partir de sua inserção em diferentes organizações; fundada em
diversas experiências de trabalho e não mais como sinônimo de trajetória profissional
ascendente em uma única organização (Coelho, 2006). Sob a égide das carreiras sem
fronteiras, aquele que não consegue gerir sua carreira, diversificar seus conhecimentos e
tornar-se mais “pró-ativo” em relação à dinâmica e exigências do mercado, não só
estará excluído do mercado de trabalho, mas também do convívio social que exigiria,
igualmente, uma postura “pró-ativa” dentro da comunidade, capaz de mudar a realidade
constituída.
O conceito de carreira “proteana”, proposto por Hall (1998), guarda relação com o
conceito de carreira sem fronteiras: a designação proteana faz analogia ao poliformismo
do deus Proteu, quando busca exemplificar a combinação entre a antiga concepção de
contratos relacionais - baseados na expectativa de um relacionamento de longo prazo
que fosse satisfatório para ambos os lados - e o novo conceito de empregabilidade. Na
perspectiva da carreira proteana, cabe ao trabalhador desenvolver uma progressiva visão
holística sobre as organizações. A capacidade de um profissional seria apenas o ponto
de partida para sua inserção no mercado de trabalho e o marco inicial de uma constante
busca por aperfeiçoamento e pela interdisciplinaridade. A meta é ser um profissional
capaz de entender a organização como um todo, através de sua experiência no mercado
e pela utilização dos conhecimentos que possui.
Em última instância, essa nova cultura do mundo do trabalho visa uma flexibilização do
contrato de trabalho, por parte das empresas, de modo a permitir a criação de espaço e
as condições necessárias para que o indivíduo possa trilhar uma carreira compatível com
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suas características e interesses pessoais. Ademais, propicia às empresas uma retenção
de “capital humano” necessário para o alcance dos objetivos organizacionais.
Em seu estudo sobre o poder, Foucault usa como recurso o que denomina de método
genealógico. Inicialmente, Foucault (2006) parte de uma análise sobre a filosofia das
ciências, que será o fio-condutor de seus estudos posteriores sobre diversas outras
questões, dentre elas o poder. Ao estudar o filósofo francês, compreende-se sua
metodologia inicial: o Método Arqueológico. Trata-se de um método processual através
do qual Foucault estuda determinadas questões específicas e analisa sua formação e suas
transformações no decorrer do tempo. Foucault rejeita a idéia de um método histórico
imutável, para ele a epistemologia é um progresso não evolutivo, mas, dialético, já que a
ciência constitui uma teia de elementos conceituais de tempos heterogêneos; desta
forma, cabe analisar um problema dentro de sua especificidade e contextualizá-lo dentro
de sua evolução no espaço histórico.
“Essa análise dos saberes, que pretende explicar sua existência e suas
transformações, situando-as como peças de relações de poder ou incluindo-os
em um dispositivo político que, utilizando um termo nietzchiano, Foucault
chama “genealogia”(Machado 2006:167).
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Em sua metodologia, Foucault utiliza um procedimento inverso às análises políticas
tradicionais. Ele observa, a partir de um problema determinado - os mecanismos e
técnicas infinitesimais de poder que estão intimamente ligados à produção de diversos
saberes, em especial o das ciências humanas - como esses micro-poderes, que possuem
tecnologias e histórias específicas, se relacionam o com o nível mais geral do poder
representado pelo Estado.
Entende-se, portanto, o porquê do poder ter como alvo o corpo, ele lhe é necessário para
aprimorá-lo e adestrá-lo, para assim melhor gerir a vida dos homens, para controlá-lo
em suas ações e maximizar suas potencialidades através de um aperfeiçoamento gradual
e contínuo que extrai o máximo de utilidade do indivíduo. Trata-se de um objetivo
econômico e político, um mecanismo que diminui a capacidade de revolta, tornando-o
dócil politicamente e extraindo-lhe ao máximo sua utilidade econômica.
A questão da disciplina aparece em suas análises como uma relação específica de poder
sobre os indivíduos enclausurados e a incidência desta sobre seus corpos com uma
utilização e tecnologia própria de controle. Este tipo específico de poder foi o que
Foucault chamou de “disciplina” o que, nas palavras do autor, seria uma “anatomia
política do detalhe.”
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No capítulo mais célebre de Vigiar e Punir, na qual o autor irá abordar a questão do
panóptico de Bentham, ele demonstra que o panoptismo é um modelo de intensificação
de aparelhos de poder, uma disciplina-mecanismo, que teve em um modelo de prisão a
melhor exemplificação de como se assegura a economia, eficácia e autonomia em
planos maximizados. Foucault nos mostra como o panoptismo está arraigado em
múltiplos âmbitos de nossa sociedade e constitui aquilo que chamou de sociedade
disciplinar. Nas palavras do autor, o panoptismo se constitui
“Na famosa jaula transparente e circular, com sua torre alta, potente e sábia,
será talvez o caso para Bentham de projetar uma instituição disciplinar
perfeita (...).Ele programa, ao nível de um mecanismo elementar e
facilmente transferível, o funcionamento de base de uma sociedade toda
atravessada e penetrada por mecanismos disciplinares. Com o panoptismo
temos a disciplina-mecanismo: um dispositivo funcional que deve melhorar
o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um
desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir” (Foucault,
2006:172).
Tal qual foi visto em Vigiar e Punir, o adestramento do corpo, o aprendizado do gesto, a
interpretação do discurso, a comparação, hierarquização, avaliação e normalização
fizeram com que aparecesse a figura individualizada e singular do homem como
produção e objeto de saber. Das técnicas disciplinares - técnicas de individualização -
nasceu um tipo específico de saber: as ciências do homem. Esta análise é central nas
investigações de Foucault, tendo sido o fio-condutor da maioria de suas obras. Ele
analisa o efeito ideológico destas pretensas ciências que constituíam uma engrenagem
fundamental de um dispositivo político que é articulado com a estrutura econômica.
Eis aí um poder que trabalha o corpo dos homens, manipulando seus elementos e
produzindo seus comportamentos, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao
funcionamento e manutenção da sociedade industrial, capitalista. Como falamos
anteriormente, o poder aqui não se dá de maneira sufocada, dominada, impedida de se
expressar; mas sim cria anteriormente e fundamentalmente uma individualidade com
características, desejos, hábitos, comportamentos e necessidades.
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deslocamento não é sem custo para o trabalhador que sente o peso da responsabilidade
sobre algo que, na maioria das vezes, tem pouca ingerência. Analisada sob a perspectiva
foucaultiana, pode-se entender essa individualização como um recurso de poder,
resultante da imposição do poder disciplinar que “fabrica indivíduos; (...) é a técnica
específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como
instrumentos de seu exercício” (Foucault, 2007:143). A individualização subjacente à
disciplina é, na visão do autor, um mecanismo de poder: separa, diferencia, normaliza,
compara. A individualização conduz à observação e comparação permanentes. De
forma análoga, o imperativo da empregabilidade enfatiza as diferenças entre os
indivíduos, hierarquiza-os e cria um estado de permanente comparação.
Mas o peso subjacente a essa nova forma de sujeição é combinado à promessa de maior
autonomia que o trabalhador efetivamente empregável seria capaz de assegurar. Mais do
que uma ameaça, a necessidade de fazer-se empregável apresenta-se como
oportunidade. A dantes ambicionada segurança do emprego em uma única organização
passa a ser sinônimo de sujeição e dependência: o trabalhador-herói que conquista sua
empregabilidade paira sobre as diferentes organizações, escolhe antes de ser escolhido e
rompe o vínculo de trabalho quando esse se torna desinteressante e pouco desafiador
face aos seus anseios. Todavia, a essa pretensão de autonomia, pode-se contrapor o
argumento de Foucault ao ponderar que, em uma massa homogênea, na qual o poder
disciplinar irá ocupar-se das “regras morais” e da “fabricação” de indivíduos, o poder
atribuído à autonomia é limitado, sobretudo em um âmbito organizacional.
Para enfrentar o desafio de fazer-se “empregável” o indivíduo precisa definir suas áreas
de interesse, disciplinar-se para garantir o aprendizado crescente e a atualização
permanente. Entender e atender aos anseios das organizações são aspectos igualmente
mandatórios àqueles que querem se destacar na corrida pelas melhores posições. O
trabalhador dos novos tempos é, acima de tudo, um indivíduo auto-disciplinado, nesse
sentido, o discurso positivo acerca da empregabilidade tem um efeito “adestrador” nos
termos definidos por Foucault (2007), capaz de ligar e multiplicar as forças, ao invés de
amarrá-las e reduzi-las.
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operações: “relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um
conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e
princípio de uma regra a seguir” (2007:152). O discurso da empregabilidade é,
essencialmente, disciplinador: institui parâmetros – os requisitos para fazer-se
empregável - diferencia e hierarquiza indivíduos. O indivíduo empregável também
dispensa cobranças e imposições explícitas: seu compromisso com a empregabilidade
coloca-o num estado de vigilância permanente, de atenção a seus deslizes, de
comparação e disputa com seus concorrentes. O panoptismo de Bentham manifestar-se-
ia em sua melhor forma, pois o efeito disciplinador do discurso acerca da
empregabilidade atravessa toda a sociedade e amplia o exercício do poder sobre os
indivíduos.
Esse “diferencial competitivo”, entretanto, nada mais é do que uma escolha de inserção
em determinados âmbitos do mercado; existe um poder disciplinar que compara as
aptidões, busca o que é conveniente face às demandas do mundo corporativo e aloca o
sujeito em um espaço específico factualmente. A tentativa de estruturar uma inserção no
mercado, segundo uma vontade pessoal, mostra-se infundada, pois, o que ocorre é uma
reestruturação da esfera produtiva com vistas a otimizar sua dinâmica; o trabalhador
“empregável”, é, em última instância, alguém capaz de se adequar às novas funções
disponíveis.
Ainda tendo como referências questões discutidas por Foucault, cabe ressaltar que o
indivíduo “empregável” é avaliado por critérios que buscam convergir capacidade de
adaptabilidade face aos diferentes cenários do mundo dos negócios - corpo dócil, nos
termos do autor - com conhecimentos e comprometimento com os “ideais” da empresa,
num processo que pode ser entendido como de introjeção do controle.
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Entretanto, essa autonomia de navegação no mercado de trabalho, que seria o
diferencial competitivo dentro da lógica de mercado, estaria sujeita a um constante
exame, o que nos remete ao texto em que Foucault refere-se ao indivíduo disciplinado
como “o indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros
e isso em sua própria individualidade”(2006:159).
Desta forma, pode-se dizer que já não estamos unicamente em uma sociedade de
disciplina, mas em uma concreta sociedade de controle já que esta não funciona mais
através do confinamento (como no caso da prisão idealizada por Bentham), mas por
meio do controle contínuo e comunicação instantânea. Esse controle contínuo é
propagado, em sua forma mais eficaz, pelas instituições educacionais que enunciam o
discurso acerca da empregabilidade em sua dimensão “científica”, com toda suas
“verdades”. Importante intérprete de Foucault, Deleuze postula que:
“Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado,
distinto do meio profissional – um outro meio fechado -, mas que os dois
desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de um
controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o executivo-
universitário.” (Deleuze: 216, 2007)
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