Criminologia
Estudos não jurídicos sobre o crime e sim como fenómenos sociais ou psico-sociais.
Ciência de base descritiva e não normativa – não pretende mostrar nem o que deve ser
crime nem como se deve responder com justiça ao crime, mas pretende apenas
compreendê-lo e explica-lo.
o Criminologia não visa resolver o problema social do crime (isso cabe ao Direito
Penal), visa explicar o fenómeno do crime – o que é útil para o Direito penal
delimitar o que pode ser ou não crime.
O Crime
1. Deficiência do Indivíduo?
Perspetiva do crime como fenómeno individual, identificável objetivamente1.
Escola Positiva
Cesare Lombroso: olha para o crime como facto empírico e natural. Assume que há
criminosos natos. É determinista e com visão não jurídica do crime.
vs. Escola Clássica
Francesco Carrara: ideia de contrato social em que as pessoas eram livres, pelo que a
prática de um crime era relacionada com a liberdade de decisão. Baseava-se num
modelo de racionalidade da filosofia política.
Lombroso
Fundou a antropologia criminal e pôs em causa a Escola Clássica.
O estudo da fisiognomia levou a concluir que havia características físicas que levavam a ser-se
criminoso.
Traços no rosto e no crânio. Ex: orelhas grandes, lábios saídos, ter tatuagens
Explica o criminoso nato pela evolução psicobiológica.
o Conceção do Atavismo em que os criminosos são sujeitos atávicos = menos
desenvolvidos na escala evolutiva
Metodologia positivista (de Comte) em que se estuda o crime (facto natural) como qualquer
outro facto empiricamente estudado.
1
Alteração dum padrão de comportamento tido como normal.
Ferri, sucessor de Lombroso já dava alguma relevância aos fenómenos sociológicos e afirmava
que “é o método experimental que constitui a chave do conhecimento. Tudo é governado pelos
factos”
Críticas a Lombroso:
Comparação de crânios só entre condenados e nunca comparou com não criminosos
Preconceitos da época
Numa primeira fase desconsidera os fatores sociais subjacentes à prática de crimes
Goring2 estudou 3 mil condenados e não chegou aos mesmos resultados que Lombroso.
Em Portugal:
Muitos adeptos influenciados pela obra L’Uomo Deliquente (1876) – escola de
criminologia pujante em Portugal e com metodologia lombrosiana – Júlio de Matos,
Miguel Bombarda, Mendes Correia3.
Mas também teve críticos, no Congresso de Paris.
Egas Moniz também estudou este assunto na aplicação das lobotomias “para
interromper circuitos fixos que dão às pessoas as ideias fixas” – grande repercursão
internacional (principalmente nos EUA)
A escola positiva despolitizou a pena (da aceção clássica) pois é encarada como um tratamento
e já não se funda no poder do Estado e sim na ciência.
2
Médico inglês
3
Muito importante no início do séc. XX e afasta-se de Lombroso ao reconhecer o papel da educação e do
meio como grandes influências.
Apesar de na fase final Lombroso já o admitir
Grandes críticas a esta corrente são a afirmação da dicotomia mente//cérebro; o facto de não
ser apenas com base numa atividade neurológica que se pode atribuir significado às interações
sociais e comportamentos.
Teorias Psicodinâmicas
Problemas na infância e crime está relacionado com a fraqueza do ego (Freud).
Génese do crime tem a ver com a relação das conceções pessoais básicas em que o
sentimento de culpa é motivo – condenação exterior é aliviadora da autocondenação
interior
Alexander/Staub: certos agentes do crime procuram-no para serem punidos,
libertando-se assim dos seus desejos mais interditos.
Eysenk: herança genética condiciona diferenças do funcionamento do sistema nervoso
– 3 características combinadas (extroversão, neurotismo, psicotismo) levam a menor
controlo do comportamento
o Continua a ter um pendor determinístico
Teorias Comportamentais/Behaveouristas
Explica o comportamento na relação com o meio.
Eysenk: As dimensões de personalidade teriam variações de intensidade e articulação
nos indivíduos levando a estímulos sociais serem entendidos de forma diferentes e
havendo menos controlo do comportamento.
Bandura: comportamento gera o ambiente e o comportamento reage ao ambiente.
Taylor/Walton: o que define a personalidade é o desempenho individual do
empreendimento que fazemos de criar uma auto-conceção própria – “forma
significativa de um ator tentar construir e desenvolver a sua própria auto-conceção”.
Teorias Cognitivas
Piaget/Kohlberg: comportamentos antissociais estariam relacionados com a
incapacidade de atingir os estádios superiores dos níveis de desenvolvimento moral4 da
personalidade – prática do crime está associada aqueles que ainda não passaram da
primeira fase.
o Gillian critica e fala numa ética de cuidados e não de uma abstrata escolha de
princípios morais.
Gottfredson/ Hirschi: crime relaciona-se com a impulsividade e falta de autocontrole,
associada à incapacidade de diferir a gratificação almejada pela ação.
o Incapacidade de pensar a gratificação a longo prazo, beneficiando a atisfação
pessoal que o momento presente lhes proporciona – o prazer do imediato é
mais valorizado que as consequências dos atos, a longo prazo.
4
Pré-convencional – resposta automática a estímulos; Convencional – comportamento de acordo com as
regras mas apenas porque são regras (aceitam o Direito por motivos de benefício/aproveitamento
pessoal); Pós-convencional – comportamento e decisões baseadas em princípios abstratos de justiça.
Gibbs: distorções cognitivas que desvalorizam a responsabilidade pelo próprio
comportamento e distorcem o reconhecimento da autoria.
o Clive R. Holin: conceção das distorções cognitivas, que distorcem o
reconhecimento da autoria ou desvalorizam a responsabilidade pelo próprio
comportamento, suportando o baixo nível de desenvolvimento socio-moral.
Teorias da Personalidade
Análise da personalidade orienta-se por modelos baseados no processamento da informação
social pelos indivíduos, que permitem compreender que os indivíduos agressivos desenvolvem
perceções limitadas das situações e das soluções para os problemas que lhes são colocados nos
conflitos interpessoais, não conseguindo alcançar técnicas alternativas à violência para resolver
tais conflitos.
Psicologismo é menos determinante e a psicologia criminal aproxima-se do indivíduo
2. Deficiência da Socialização?
Perspetiva do crime como fenómeno social, identificável objetivamente5.
Crime é expressão de uma deficiência na socialização – não parte das características dos
indivíduos mas sim do contexto social.
A. Durkheim: crime é facto social e é analisado como função social e não como mera projeção
da experiência subjetiva
Normal – exprime o funcionamento normal das sociedades;
Funcional/Útil – permite sinalizar quais as regras dominantes e necessárias – um crime
é um desvio à regra que permite manter acesa a regra (se não houvesse crime as pessoas
não sabiam que havia regra).6
5
Alteração dum padrão de comportamento tido como normal. Combinação do modelo de
desenvolvimento moral com o modelo de informação social permite desenhar técnicas de intervenção
que procuram alterar os critérios de decisão, sem o apego a modelos deterministas.
6
Harmoniza-se com S. Paulo que dizia que era a lei a criadora do pecado
Necessário – prepara as mudanças sociais e baliza a normalidade da vida social.
Expressão de inovações – exprime inovações comportamentais inerentes à evolução
social, nomeadamente às conceções éticas dominantes. Ex: julgamento do filósofo
Sócrates
Tem origem histórica no positivismo científico e olha para o crime de forma cínica e abstraindo
da questão moral.
Insere-se numa linha de funcionalismo em que o delinquente tem papel fundamental
na sociedade.
Construção de si mesmo é determinada não pela sociedade, mas pela interação da pessoa com
a sociedade.
Realidade social está em construção e não é objetiva a 100% - é sempre simbólica e
representativa da interação social com os indivíduos.
Pessoas agem com base nos significados dados às coisas e a interpretação desses
significados depende da situação social do indivíduo.
Crime explica-se pela intensidade, frequência e precocidade de certos contactos sociais – não
se explica pela expressão de necessidades, valores, nem pelo meio social, nem por deficiências
do indivíduo.
Vem estabelecer uma teoria da determinação do comportamento criminoso em 9
aspetos:
1. Comportamento criminoso é aprendido;
7
Primórdios da Escola de Chicago
2. Comportamento criminoso é aprendido por interação com outras pessoas num
processo de comunicação;
3. Aprendizagem faz-se por contacto dentro de grupos íntimos e pessoais;
4. Aprendizagem inclui técnicas, motivos e atitudes;
5. Orientação específica dos motivos dependo dos códigos legais como favoráveis ou
desfavoráveis à infração;
6. Pessoa torna-se delinquente em consequência do prevalecimento das posições
favoráveis às infrações;
7. Associações diferenciais podem variar em frequência, duração, prioridade e
intensidade, sendo as mais decisivas as mais precoces;
8. Comportamento criminoso envolve todos os elementos de uma aprendizagem, não
sendo uma mera imitação;
9. Conquanto comportamento criminoso seja uma expressão de necessidades e valores
gerais, não é explicado por eles, porque tais necessidades e valores gerais presidem a
todo comportamento social, criminoso e não criminoso.
Demonstrou, com um estudo sobre os White Collar Crimes8, que o comportamento anti-social
não se restringe às classes mais baixas, nem se determina pela pobreza, tem sim a ver com
padrões comportamentais desenvolvidos pelos grupos sociais. O essencial do processo de
aprendizagem é semelhante seja qual for o tipo de criminalidade.
8
Cunhou a expressão e viu estes ilícitos como verdadeiros crimes (que muitas vezes não era assim
tratados, sendo julgados no âmbito administrativo e não penal). Encara-os como a desorganização da
sociedade – em que a lei pressiona numa direção e as regras do negócio noutra.
9
No pólo oposto de Lombroso
E. Skyes e Matza: no fenómeno do crime, sobretudo na delinquência juvenil, revelam-se
técnicas de neutralização normativa, pelas quais os agentes superariam conflitos normativo-
comunicativos.
Existiam padrões de comportamento em que os agentes utilizariam técnicas de
desresponsabilização, como a representação do agente como produto de
circunstâncias, negação do ilícito e injustiça da atuação em nome de lógicas de duelo,
desprezo pelas vítimas que justificaria a sua punição e etc.
F. Conclusão:
A Sociologia Criminal, a partir de Mead, começou a conceber o crime como expressão de
processos sociais de comunicação, em que são transmitidas racionalidades conformadoras dos
comportamentos criminosos, que demonstram que o crime é uma resposta ou a solução de
um tipo de conflitos ou problemas de interação entre o agente e o meio, previsível e
reconfigurável até certo ponto.
A. Merton
Pensa num paradigma de capitalismo e do ideal americano.11
Explica o crime pelo desfasamento entre as metas sociais gerais e as vias para as alcançar.
Causa do comportamento criminoso seria a distorção referida entre a promoção de
valores como a ascensão social e a efetiva escassez de meios legítimos para a atingir –
esse desfasamento geraria indiferença aos valores e mecanismos de adaptação
individual.
10
Durkheim: exprime a indiferença relativamente às regras vigentes numa certa sociedade.
11
Merton enquadra-se noutra escola de Chicago em que vê o crime como interação com a estrutura social.
Rebelião enquadra comportamentos revolucionários como o próprio terrorismo.
Comportamento desviante tinha função latente (não manifesta) mas não era indispensável ou
útil12 - natureza do comportamento desviante permitia conceber alternativas de adaptação, ou
mesmo uma modificação das condições estruturais no sentido de adequar os fins culturais e os
meios institucionais.
Sublinha os padrões sociais de cada tipo de adaptação e não os modos psicológicos da referida
adaptação – tenta explicar o crime de forma macro, como modelo explicativo genérico.
Críticas a Merton:
Não explica o porquê de situações idênticas em termos sociais conduzirem a desfechos
distintos;
Não valoriza os aspetos individuais-psicológicos;
Permite manipulações funcionais (através de uma política do empobrecimento como
ideal cultural – propõe-se redução das expetativas. Ex: se estão no bairro de lata não
podem esperar a vir ser licenciado);
Não cumpre explicar a criminalidade dos ricos e poderosos.
12
Como sugeria o funcionalismo puro de inspiração em Durkheim.
Mas,
Não explica o sentido e função social do comportamento delinquente e da sua génese e
preocupa-se com os processos de seleção social desses comportamentos e a arbitrariedade
dos mesmos.
Labelling approach veio reconhecer que o crime seria expressão de um processo subjetivo-
social de estigmatização dos delinquentes e de seleção de verdadeiras carreiras criminosas.13
Becker: déviance não é qualidade interna dos factos sociais, mas antes o produto dos
grupos sociais que criam as regras cuja violação a suscita e que aplicam com sucesso
(estigmatização) a qualificação de déviant aos que violam as normas.
o O que se tem de estudar não são as causas do crime, mas sim como é que certos
grupos sociais atribuem a característica de se ser criminoso (ou desviante).14
o É pura criação social.
Lemert: fenómenos de déviance secundária são efeitos do processo de estigmatização.
o Papéis desencadeados pela atribuição primária do comportamento criminoso,
como uma resposta ou modo de lidar com a própria estigmatização.
o A partir de crimes sem gravidade, há depois comportamentos criminalizáveis
para evitar a punição por esses crimes. Ex: crime sem vítimas do consumo de
droga – para se drogar muitas vezes roubam. A partir da 1ª estigmatização gera-
se um comportamento pior, criando mais crime. (Schur)
Goffman – construção de si mesmo em interação com os outros como um processo
dramatúrgico – as pessoas apresentam-se aos outros baseados em normas, mitos,
valores, desempenhando uma performance e extraindo um efeito.
A seleção dos criminosos não é controlável racionalmente – o que se é visto como crime no
criminoso depende dos grupos sociais que o apontam.15
13
Através de grupos que apontam X ou Y como criminoso.
14
O que distingue o criminoso do homem normal é ser rotulado como delinquente – grupos sociais
elaboram as regras que caracterizam os comportamentos como criminosos.
15
Estudo alemão dos anos 80 demonstrou que nos tribunais urbanos o homicídio era tido em conta de
forma mais leve, quando nos tribunais rurais o consideravam mais doloso – factos idênticos, mas
valorizados diferentemente porque há uma projeção nos mesmos de uma certa pré-compreensão.
Conclusões da Criminologia
Criminologia utiliza uma noção pré-legal de crime.
Tem empreendido tentativas para atingir um conceito material com alguma
objetividade que revelam uma noção operatória de crime, que engloba sempre a
violação de regras ou de valores tidos como essenciais, pressupondo sempre um
contexto de normatividade social e antinormatividade, bem como uma problemática
de motivibilidade por valores.
Contributo para o conceito material de crime: de que modo pode o Direito Penal relacionar as
suas soluções com os conhecimentos da Criminologia?
Interpelação epistemológica, relacionada com as condições críticas da definição social
do crime como objeto de pensamento – o que deve ser considerado crime
legitimamente não pode ser um tema que se abstraia das condicionantes socio-
psicológicas em que se produz a definição socialmente vigente.
Tem de se filtrar por critérios de justiça e oportunidade social16
16
Os comportamentos têm de se filtrar para a criminalização de condutas. Comportamentos em que não
haja grande margem de opção não devem ser tão criminalizados. Ao não fazer diferenciação o legislador
está a ser arbitrário. Deve desenhar-se os crimes dependendo do comportamento. Realidade empírica
deve valer na determinação do que é crime.