os limites da
razão
Lívia Guimarães
Ceticismo, naturalismo e
sentimentalismo: as contribuições de Hume E mais:
369
>> Jorge Ferreira
César Kiraly “Brizola foi a única liderança civil
Ano XI Outros critérios: os 300 anos a derrotar um golpe militar’’
15.08.2011 de David Hume
ISSN 1981-8769
David Hume e os limites da razão
Os 300 anos de nascimento do filósofo David Hume ensejam a IHU On-Line desta semana. Inquietante
a ponto de despertar Kant de seu “sono dogmático”, o escocês é conhecido, sobretudo, em função de seu
ceticismo e por apontar a impossibilidade de a razão abarcar as ideias, o mundo e seus fenômenos. Para
debater a importância do legado humeano, a revista entrevistou diversos especialistas brasileiros.
Dogmatismo e perseguição científica ou religiosa estavam entre os grandes temores do pensador,
avalia Lívia Guimarães, professora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, e representante no
Brasil da Hume Society.
Para o coordenador do PPG em Filosofia da Unisinos, Adriano Naves de Brito, a filosofia contemporâ-
nea tem valorizado a obra desse pensador.
Na opinião de Andrea Cachel, do Instituto Federal do Paraná, a atualidade de Hume se dá principal-
mente em função de suas facetas crítica e naturalista.
Os limites da razão e um ceticismo mitigado são o tema explorado pelo coordenador do curso de Di-
reito da Unisinos, André Luiz Olivier da Silva, que pontua o fato de sermos pouco racionais para realizar
escolhas, e estas estão, em sua maioria, “envolvidas por percepções sensíveis”. O contato com o mundo
empírico é que faz surgirem as ideias no sujeito, diz, apoiado na filosofia humeana.
O ceticismo e o naturalismo são facetas que se unem no pensamento de Hume, aponta Bruno Pettersen, da
Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – Faje. Isso abre espaço para a investigação da racionalidade.
César Kiraly, da Universidade Federal Fluminense – UFF, afirma que investigar é um processo destru-
tivo, e na filosofia humeana a destrutividade é um imperativo moral.
Eduardo Barra, da Universidade Federal do Paraná – UFPR, examina o problema da indução e suas
incursões “devastadoras”. Conforme o pesquisador, a segunda metade da terceira Crítica de Kant busca
reconstruir algo seguro sobre os escombros deixados pelo ceticismo humeano.
Maria Isabel Limongi, também da UFPR, analisa a compreensão do sujeito constituinte da experiência
empírica enquanto uma novidade em relação à razão clássica moderna.
Completando o tema de capa, José Oscar de Almeida Marques, da Universidade Estadual de Campinas
– Unicamp, debate a teoria da causalidade em Hume, e acentua a determinação mecânica das ocorrências
no mundo.
“A direita aprendeu com os acontecimentos de 1961” afirma o historiador Jorge Ferreira, que estará
na Unisinos participando do Seminário 50 anos da Campanha da Legalidade: memória da democracia
brasileira, promovido pelo IHU no dia 18 de agosto. O seminário se desenvolve até o 1º de setembro de
2011.
O renomado economista Herman Daly, analisa as possibilidades de um planeta no qual todos possamos
viver bem. O jornalista Dênis de Moraes afirma que a “América Latina vive uma batalha midiática sem
precedentes”, e que falta vontade política para democratizar a comunicação.
“Unesco desperta polêmica no debate sobre regulação da comunicação no Brasil” é o título do artigo
de Gislene Moreira, doutora em Ciências Sociais e Políticas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais – Flacso-México, e membro do Grupo Cepos.
A secretária Dinorá Huckriede revela aspectos de sua trajetória pessoal e profissional.
IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do
Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN 1981-8769. Diretor da Revista IHU On-Line: Inácio Neutzling (ina-
Expediente
A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 07 | Lívia Guimarães: Ceticismo, naturalismo e sentimentalismo: as contribuições de Hume
PÁGINA 13 | André Luiz Olivier da Silva: Os limites da razão e um ceticismo mitigado
PÁGINA 19 | César Kiraly: Outros critérios: os 300 anos de David Hume
PÁGINA 23 | Eduardo Barra: O problema da indução e suas incursões devastadoras
PÁGINA 28 | Maria Isabel Limongi: Uma alternativa à noção de sujeito
PÁGINA 30 | José Oscar de Almeida Marques: A teoria da causalidade em David Hume
PÁGINA 32 | Andrea Cachel: Hume e a razão provável
PÁGINA 35 | Adriano Naves de Brito: A atualidade da filosofia humeana
PÁGINA 37 | Bruno Pettersen: Um cético e um naturalista
B. Destaques da semana
» Entrevista da Semana
PÁGINA 41 |Herman Daly: Por um planeta em que se possa viver, em vez de todos se darem mal juntos
» Livro da Semana
PÁGINA 43 |Dênis de Moraes: “A América Latina vive uma batalha midiática sem precedentes”
» Coluna do Cepos
PÁGINA 48 |Gislene Moreira: Unesco desperta polêmica no debate sobre regulação da comunicação no Brasil
» Destaques On-Line
PÁGINA 50 | Destaques On-Line
C. IHU em Revista
» Eventos
PÁGINA 56 | Jorge Ferreira: “A direita aprendeu com os acontecimentos de 1961”
» IHU Repórter
T
ido como o filósofo mais influente de língua inglesa, Hume ofereceu legados inestimáveis à filoso-
fia. Uma delas, enumera a filósofa Lívia Guimarães, é apontar a “existência da falácia naturalista
nas teorias morais que não distinguem valores de fatos, enunciados prescritivos de enunciados
descritivos”. Além disso, tomando em consideração os resultados teóricos da “nova cena de pen-
samento”, pode-se dizer que “a maior contribuição de Hume esteja na intuição de que as paixões
estão na origem de todos os nossos juízos e de que a moral, a estética e mesmo o conhecimento possuem
uma base sentimental”. Resumidamente, ceticismo, naturalismo e sentimentalismo compõem as intenções
e contribuições fundamentais do filósofo escocês. Lívia acentua que um dos maiores temores de Hume era
endereçado aos “perigos do dogmatismo e perseguição científico ou religioso”. As declarações fazem parte
da entrevista concedida pela pesquisadora por e-mail à IHU On-Line.
Graduada e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Lívia é doutora em Filosofia
pela Catholic University of America e pós-doutora pela University of North Carolina at Chapel Hill e pela Universi-
dade de Nova Iorque. Professora na UFMG, é membro do Comitê Executivo da Hume Society e co-organizadora do
seu 40o. Congresso Internacional, que ocorrerá no Brasil, em 2013. Organizou a obra Leituras de Hume (Belo Ho-
rizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2009) e é uma das organizadoras de Filosofia Analítica,
Pragmatismo e Ciência (Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a importância e entre verdades analíticas e sintéticas. expressões de gosto e sentimento emi-
atualidade da filosofia de Hume 300 Ele formulou o problema da indução, tidas sob um ponto vista geral e desin-
anos após seu nascimento? Quais são que é matéria de intenso debate na teressado, constituindo-se, assim, em
as maiores contribuições de seu pen- epistemologia e na metafísica: exis- importante referência para posições
samento para a ética, a epistemolo- tem conexões necessárias entre os ob- não cognitivistas. Embora melhor re-
gia e a metafísica? jetos? Ou seja, existem causas reais? conhecido como filósofo da virtude,
Lívia Guimarães – Hume é considera- Podemos conhecê-las? Ou as causas re- Hume também inspirou posições conse-
do o mais influente filósofo de língua duzem-se a regularidades empíricas? quencialistas e utilitaristas modernas.
inglesa. Suas contribuições abrangem, Acusou a existência da falácia natura- Finalmente, no Tratado da natureza
além da filosofia, o conjunto das ci- lista nas teorias morais que não dis- humana Hume traçou os contornos da
ências humanas (política, história, tinguem valores de fatos, enunciados psicologia cognitiva, substituindo es-
economia, demografia, sociologia, psi- prescritivos de enunciados descritivos. peculação apriorística pela investiga-
cologia) que, em seu tempo, reunia- Articulou, em sua abordagem sobre o ção empírica da mente. E, nos textos
se sob o título de “filosofia moral”. problema da liberdade, uma solução posteriores ao Tratado, deu contorno
A importância do pensamento de compatibilista, que procura conciliar às atuais ciências humanas, tendo sido
Hume para a filosofia é inestimável. liberdade e necessidade, afirmando conhecido, até o século XIX, antes
Seja pela formulação inovadora dos que as ações livres são causadas por como historiador que como filósofo.
problemas filosóficos, seja pela plau- determinações da vontade, e que li-
sibilidade da solução proposta, suas vres são as ações não coagidas. Na Rejeição ao dogmatismo e superstição
contribuições repercutem até os dias metaética, Hume contribuiu com a te- A pergunta sobre a natureza da filoso-
atuais. Hume estabeleceu a distinção oria segundo a qual juízos morais são fia é central para Hume. A “nova cena
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12 SÃO LEOPOLDO, 15 DE AGOSTO DE 2011 | EDIÇÃO 369
Os limites da razão e um ceticismo mitigado
Somos pouco racionais para realizar escolhas, e estas estão, em sua maioria, “envolvidas
por percepções sensíveis”, pondera André Luiz Olivier da Silva, analisando o pensamento de
Hume. Contato com o mundo empírico é que faz surgirem as ideias no sujeito
U
ma filosofia instigante “porque põe à prova o papel da razão para explicar e justificar o ato de
conhecer dos seres humanos, mostrando que a natureza humana é constituída mais por paixões
do que pela razão”. Assim é o legado de David Hume, analisa o filósofo André Luiz Olivier da
Silva, na entrevista que por e-mail concedeu à IHU On-Line. “O método experimental de Hume
mostra que não há ideias inatas ao ser humano, mas, ao contrário, as ideias são adquiridas com
a experimentação que o sujeito desenvolve em contato com o mundo empírico”. E continua: “A mente cria
ideias como identidade, necessidade, poder, força, dentre outros termos que nomeiam coisas abstratas. Mas
de onde vêm tais ideias? Como são produzidas pela natureza humana? Segundo Hume, o ponto de partida
do processo de conhecimento é sempre a experiência, que, por meio de impressões sensíveis, movimenta
os sentidos do ser humano e estimula a produção de ideias”. Outro tema explorado por André é a questão
do ceticismo humeano, autodenominado como “mitigado”, isto é, moderado, “que não propõe exatamente
a dúvida exacerbada como solução aos problemas filosóficos e muito menos a suspensão de nossas crenças
causais devido à ausência de justificação racional. A conclusão de Hume em relação ao ceticismo é a de que
o cético não consegue viver o seu próprio ceticismo, que, nos casos extremos, chegaria ao absurdo de negar
o conhecimento”. E completa: “É um ceticismo que constata que não se pode duvidar de todas as coisas
justamente porque é preciso viver, agir e, principalmente, sentir”.
André é graduado em Direito e em Filosofia pela Unisinos. É mestre e doutorando em Filosofia por essa
mesma instituição, com a dissertação Ceticismo, imaginação e identidade em Hume e a tese Lei e liberdade na
antropologia kantiana. Leciona no curso de Direito da Unisinos, do qual é coordenador. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que aspectos a fi- o empirismo, um método segundo o qual os de Francis Bacon (1561–1626), René
losofia de Hume continua instigante o conhecimento provém da experiência Descartes (1596–1650), Thomas Hobbes
e atual? sensível.
Francis Bacon (1561-1626): político, filósofo
André Luiz Olivier da Silva – A filosofia O método experimental de Hume e ensaísta inglês. Sua principal obra filosófica
de David Hume (1711–1776) é instigan- mostra que não há ideias inatas, mas, ao é o Novum Organum. (Nota da IHU On-line)
te porque põe à prova o papel da razão contrário, as ideias são adquiridas com René Descartes (1596-1650): filósofo, físico
e matemático francês. Notabilizou-se sobretu-
para explicar e justificar o ato de conhe- a experimentação que o sujeito desen- do pelo seu trabalho revolucionário da Filoso-
cer dos seres humanos, mostrando que volve em contato com o mundo empíri- fia, tendo também sido famoso por ser o in-
a natureza humana é constituída mais co. O impacto da metodologia proposta ventor do sistema de coordenadas cartesiano,
que influenciou o desenvolvimento do cálculo
por paixões do que pela razão. Somos por Hume fomentou o período moderno moderno. Descartes, por vezes chamado o fun-
muito pouco racionais para decidir e da filosofia porque inseriu uma nova so- dador da filosofia e matemática modernas, ins-
escolher alguma coisa, de modo que to- lução para os problemas tradicionais da pirou os seus contemporâneos e gerações de
filósofos. Na opinião de alguns comentadores,
das as nossas decisões estão, no fundo, metafísica, principalmente ao afirmar ele iniciou a formação daquilo a que hoje se
envolvidas por percepções sensíveis, por que não há ideia inata, mas sim um pro- chama de racionalismo continental (suposta-
afetos e sentimentos, que fundamentam cesso cognitivo constantemente esti- mente em oposição à escola que predomina-
va nas ilhas britânicas, o empirismo), posição
não só o nosso ato de conhecer e pen- mulado por impressões sensíveis e por filosófica dos séculos XVII e XVIII na Europa.
sar o mundo, mas, principalmente, os um sucessivo encadeamento natural de (Nota da IHU On-Line)
nossos julgamentos sobre a moral. Para ideias. Além disso, a obra de Hume se Thomas Hobbes (1588 – 1679): filósofo in-
glês. Sua obra mais famosa, O Leviatã (1651),
mostrar isso, Hume apresenta um mape- mostra atual porque participa dos textos trata de teoria política. Neste livro, Hobbes
amento da natureza humana, adotando filosóficos do período moderno, como nega que o homem seja um ser naturalmen-
te social. Afirma, ao contrário, que os homens
“A
narrativa humeana, aquela que nasce da decantação do discurso de Hume, se interessa
pelas coisas comuns, mas sob olhares de esteta”. A declaração faz parte da entrevista a
seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line por César Kiraly. Ele menciona “os abismos
deixados por Hume”, ou as “gramáticas do abismo, como as teorias da projeção elabo-
radas por Nelson Goodman ou David Lewis, para lidar com o paradoxo da crença causal”.
A respeito do ceticismo, acentua que possa haver um “gosto cético pela destruição”. E complementa: “Não é
difícil compreender que os céticos são causadores de problemas. A atividade filosófica proposta por Hume é
destrutiva, porque parte de uma concepção construtiva do pensamento”. Segundo Kiraly, “uma investigação
é uma atividade destrutiva, muito embora demande certo cuidado para não fazer perder fragmentos, mas
que não impede que a história das nossas representações políticas e filosóficas não seja percebida enquanto
acrescentadora de novos elementos”. A destrutividade nesse pensador faz as vezes de “um imperativo moral
de desconstrução de sistemas de pensamento e paisagens de crenças”.
César Kiraly é graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, e em Filosofia pela Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, onde cursou mestrado em Filosofia. É mestre e doutor em Ciência Po-
lítica pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-Tec com a dissertação Conhecimento e
moralidade em David Hume. Autor de Os limites da representação: um ensaio desde a filosofia de David Hume
(São Paulo: Giz Editorial, 2010), leciona na Universidade Federal Fluminense – UFF. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a atualidade do ce o mesmo. As cosmologias muito se vida diferente da nossa, ela é identi-
pensamento de Hume? alteram. Não temos como saber da camente compartilhada por aqueles
César Kiraly – De alguma forma existe pressão sobre Pirro ou Sócrates pelo que veem na experiência os veios de
algo na preocupação com o cotidiano carregamento das suas respectivas. A sua construção. A narrativa humeana,
que não se altera. Talvez seja o caso ordinariedade da vida cotidiana, tam- aquela que nasce da decantação do
de dizer que existe algo no cotidia- bém, muito se altera. Hume não paga- discurso de Hume, se interessa pelas
no que se altera muito pouco com o va suas contas como Sócrates, e não coisas comuns, mas sob olhares de
passar dos séculos. Algo que faz com o fazia como fazemos etc. Assim, há esteta. Atitude que sempre se opõe à
que as vidas de Pirro, de Sócrates, uma atualidade muito forte em Hume. abstrusidade filosófica, ou a sisudez de
de Hume etc., sob certa observação, E atualidade é um termo muito mais Estado.
sejam muito parecidas, não no modo acertado do que contemporaneidade. Existe, também, em Hume, uma
pelo qual viram o mundo, mas a par- Aquela exercida pela narrativa das atualidade guardada aos grandes es-
tir do qual o fizeram. Mas há também impressões, das crenças e das institui- critores. Sobretudo, aos grandes es-
algo que muito se altera. Na verdade, ções, mas tomando-as pela construção critores, que, por terem começado a
muitas coisas se alteram. Mas o coti- presente em seus veios, ou, até mes- escrever muito cedo, permitem-nos
diano da natureza humana permane- mo, no efeito causado pelo discurso seguir a sua juventude até os seus der-
Pirro (318-272 a.C.): rei do Épiro e da Mace- religioso nesses veios. Se existe um radeiros textos. A obra de Hume é atu-
dônia, tendo ficado famoso por ter sido um dos encantamento cotidiano, ele se deve al, porque como grande escritor que é,
principais opositores a Roma. Ele era filho de
Eácida do Épiro, e pai de Alexandre II do Épiro. mais ao susto e quase nada à reve- esconde-se na maneira de mostrar os
(Nota da IHU On-Line) lação, a não ser o susto da presença problemas, e, por mais clara que sua
Sócrates (469-399): filósofo ateniense, um de uma coisa tal chamada revelação. prosa vá se tornando, ela não é clara
dos mais importantes ícones da tradição filo-
sófica ocidental, e um dos fundadores da atual Dessa forma, ainda que fale de uma a despeito de sua beleza, e, por isso,
Filosofia Ocidental. (Nota da IHU On-Line)
P
bem poucos os pensadores que se
ara o filósofo Eduardo Barra, é compreensível que Hume seja, ain-
reconhecem de modo direto e que
pensam no contrapé da hierarquia. da em nossos dias, “lembrado pelas suas incursões devastadoras no
Hume, com a descrição de crenças assim chamado ‘problema da indução’”. Ele explica: “As dúvidas
políticas, seja de modo abstrato, ou, que Hume levantou sobre o alcance dos nossos raciocínios induti-
como na História da Inglaterra, pela vos conflitam com as convicções de certos cientistas que extem-
história das representações, não ini- poraneamente ainda se fiam nos cânones do chamado ‘método científico’,
cia a anomalia, mas a desenvolve e acreditando, por exemplo, que suas teorias preferidas sejam ou possam ser
a aperfeiçoa. Essa linhagem, como provadas pela experiência”. Barra fala, também, sobre a ideia de religião
dissemos, inicia-se com Maquiavel e natural humeana: “O interesse renovado pela religião natural naquela altura
com a percepção de que a política do século XVIII respondia, então, a uma motivação surgida do sucesso obtido
descreve a crueldade como prática com a aplicação dos novos métodos de investigação do mundo material e de
cotidiana e a crueldade no discurso
descoberta de suas leis e princípios. Entre esses métodos, destacava-se a
soberano, em Maquiavel representa-
assim chamada ‘filosofia experimental’. Hume fora um dos que se entusias-
do pelo cristianismo, como modo de
encobrimento para aprofundamento maram imoderadamente com as promessas desse método, tanto que colocara
do vício. Montaigne e La Boétie exer- como subtítulo da sua obra de juventude, o Tratado sobre a natureza humana
citam o mesmo modo de ver, mas (1739), o sugestivo subtítulo: “uma tentativa de introduzir o método expe-
atrelam a falta de inteligibilidade rimental nos assuntos morais”. Barra, comenta, ainda, o fato de Dawkins se
à servidão, pelo menos a percepção remeter a Hume como autoridade filosófica para “um certo evolucionismo
imediata do discurso hierárquico não apenas não criacionista, mas sobretudo anticriacionista”. Em sua opi-
na vida pública. Spinoza, por outro nião, “qualquer ‘cisma’ entre religião e ciência ou entre fé e crença (isto é,
lado, atrela a liberdade à percepção conhecimento) tem, portanto, um caráter estrutural e insuperável. Essa me
da crueldade – não ver como políti- parece ser uma lição importante a ser apreendida da leitura das filosofia de
co, mas ver os políticos – e Hume, Hume e de Kant. Repito que ela poderia valer como corretivo para os dois
no ensaio Que a política pode ser
lados do debate criacionismo versus darwinismo”.
reduzida numa ciência, utilizando
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF,
redução no sentido nominalista de
imagem elementar, atrela a liber- é mestre e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo – USP com a
dade política ao modo de conhecer tese De Newton a Kant: a metafísica e o método da ciência da natureza. É
que exercita o estabelecimento de pós-doutor pela Recherches Epistémologiques et Historiques sur les Sciences
princípios a partir da descrição das Exactes et sur les Institutions Scientifiques – REHSEIS, na França. Atualmente,
circunstâncias. Pode-se dizer que a leciona na Universidade Federal do Paraná – UFPR. Confira a entrevista.
linhagem anômala faz uma filosofia
ontologicamente democrática da
política.
É
fato, conhecer. O mesmo vale no
possível dizer que o legado mais significativo de David Hume esteja
sentido contrário – e atinge os que
“no modo como antecipou e ofereceu uma alternativa à noção de
compartilham os pontos de vista
de Dawkins –, isto é, ao sujeitar a sujeito, tal como será pensada por Kant, isto é, de um sujeito cons-
fé à ciência, promove-se não uma tituinte da própria experiência, que para Hume não é transcenden-
restrição, mas uma igualmente tal, mas empírico, como mostrou Deleuze”. A reflexão é da filósofa
indevida e espúria extensão do Maria Isabel Limongi, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line.
domínio de objetos próprios do Ela analisa os pontos de convergência e divergência entre Thomas Hobbes e
conhecimento. Hume e frisa a proximidade de suas concepções a respeito da justiça como
Aqui vale o mesmo que antes um construto humano. Contudo, completa, Hobbes compreende a justiça via
valia para o exemplo dos alimentos contrato, e Hume, via história. “Hume entende a justiça enquanto um con-
e da sua eficácia nutricional: não é junto de regras de partilha da propriedade, às quais os homens aderem e
uma questão de dizer que “é líquido pelas quais regulam sua conduta”.
e certo que com o progresso da
Graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP, Maria Isabel
ciência conheceremos sempre mais
Limongi cursou mestrado e doutorado na mesma instituição com a tese O
e mais a respeito da natureza e das
condições de surgimento da vida e do homem excêntrico – Paixões e virtudes em Thomas Hobbes. Docente na Uni-
universo e poderemos, finalmente, versidade Federal do Paraná – UFPR, é autora de Entre a ética e o interesse
sustentar como bons argumentos (Londrina: Lido, 1995) e Hobbes (Rio de Janeiro: Zahar, 2002). Organizou a
científicos que as religiões estavam obra Filosofia britânica nos séculos XVII e XVIII (Curitiba: Revista Dois Pontos,
erradas”; não é um problema que se 2005). Leciona no departamento de Filosofia na Universidade Federal do Pa-
decide apenas expandindo o nosso raná – UFPR. Confira a entrevista.
atual conhecimento. Os cientistas
que pensam assim precisam
IHU On-Line – Qual é o principal le- de sujeito, tal como será pensada por
refletir melhor sobre as bases
gado filosófico de David Hume? Kant, isto é, de um sujeito constituin-
epistemológicas da sua prática
Maria Isabel Limongi – Hume nos le- te da própria experiência, que para
investigativa. Um bom começo seria
gou uma concepção de razão com- Hume não é transcendental, mas em-
pensar melhor sobre isto que Hume
pletamente nova em relação à razão pírico, como mostrou Deleuze.
nos mostrou: que há genuínos limites
clássica moderna, uma razão que não
no nosso conhecimento, além dos
é mais intuição ou percepção da or- IHU On-Line – Quais são as possíveis
quais não se pode avançar seja qual
dem das coisas, mas reflexão sobre o aproximações entre o pensamento
for o grau de precisão ou a extensão
nosso modo de associar ideias; uma político de Thomas Hobbes e o de
do estoque de conhecimentos que
razão que não se opõe, substitui ou Hume?
pudermos mobilizar. Mais uma
submete à imaginação, mas que é for- Maria Isabel Limongi – Há muitos
vez creio que vale aqui também a
mada a partir de suas operações. Com modos de aproximar esses autores,
observação de Quine: a condição
isso, Hume alterou significativamente como também de afastá-los. As dife-
humeana é a condição humana.
o nosso modo de conceber o homem, renças talvez sejam mais significati-
sua relação com a natureza e a histó- vas e importantes que as semelhan-
ria. O seu legado mais importante tal- ças. No essencial – no modo como
vez esteja no modo como antecipou compreendem a razão – são diferen-
e ofereceu uma alternativa à noção tes. No campo do direito, um ponto
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importante no qual esses autores se Hume, um sistema de justiça não se Maria Isabel Limongi – Para Hume
encontram consiste na ideia de que a forma sem governo, sem autoridade. e Smith, o fenômeno da simpatia,
justiça é uma invenção humana, ainda Ao conceber a justiça no interior de ainda que concebido de maneira di-
que eles concebam de maneira muito uma história política, Hume retoma ferente, é responsável pela relação
diferente a natureza dessa instituição. um aspecto importante do jusnatu- entre moralidade e sociabilidade. É
Hobbes a pensa pela via do contrato, ralismo clássico, contra a tendência na medida em que os homens convi-
e Hume, da história. do jusnaturalismo moderno, acentu- vem socialmente uns com os outros
ada por Locke, de pensar a história que aprendem a julgar as ações de
IHU On-Line – A partir de Hume, como da justiça nos termos de uma histó- um ponto de vista que não é estrita-
podemos compreender o caráter his- ria social, mas não civil. mente o seu, mas um ponto de vista
tórico da justiça? geral, pelo qual chegam a valores
Maria Isabel Limongi – Hume enten- IHU On-Line – Qual é a atualidade comuns e partilhados. É a simpatia
de a justiça enquanto um conjunto de dessas concepções? – a possibilidade de sentir com ou
regras de partilha da propriedade, às Maria Isabel Limongi – A contribuição a partir dos outros e que pressupõe
quais os homens aderem e pelas quais de Hume é relevante, na medida em o convívio social – o que permite a
regulam sua conduta. Como a tradição que uma articulação de mão dupla en- formação desse ponto de vista, em
jusnaturalista moderna (Grotius, Pu- tre o direito e a política, do tipo da torno do qual a moral se forma.
fendorf, Locke), Hume entende que empreendida por ele, permite superar
essas regras se formam aos poucos, a alternativa que, por vezes, se coloca IHU On-Line – De que forma Hume
como resultado de certas práticas e de entre reduzir o direito a relações po- respondeu à questão sobre como a
mudanças nas circunstâncias de vida líticas ou pensar a política a partir de norma pode se inscrever no âmbito
do homem. Nesse sentido, a justiça se princípios jurídico-normativos puros de uma história natural da sociabili-
forma na história. Essa história é, de que a antecedem. dade?
um lado, história natural – que narra Maria Isabel Limongi – Hume tem
os efeitos de causas gerais atuantes na IHU On-Line – O que é a tradição sen- uma reflexão bastante interessante
formação dos diversos sistemas de jus- timentalista britânica? Como Hume sobre o modo de formação daquilo
tiça – e, do outro, história civil – histó- se insere dentro desse contexto? que ele denomina as “regras gerais”,
ria das circunstâncias que determinam Maria Isabel Limongi – A tradição sen- que, para ele, regulam a imaginação
a aplicação dos princípios gerais da timentalista britânica é aquela que, (racionalizando-a), o gosto e a mo-
justiça aos casos particulares, sem o além de Hume, passa por Shaftesbury, ral (refinando-os) e a conduta com
que não há justiça. Hutcheson e Adam Smith, para men- relação à propriedade (conduzindo à
cionar os mais conhecidos. Esses au- liberdade). Em todos esses âmbitos,
IHU On-Line – Sua filosofia propõe tores têm em comum o fato de pensar Hume vê a atuação de regras gerais,
uma nova compreensão de história e a gênese da moral a partir dos senti- formadas por reflexão sobre o modo
justiça? Por quê? mentos ou afetos. Para essa tradição, como naturalmente nos comporta-
Maria Isabel Limongi – Como eu dis- a moral se forma quando julgamos os mos, nas operações da imaginação,
se, Hume partilha com a tradição afetos por uma espécie de reflexão so- do gosto etc. Trata-se de observar
jusnaturalista moderna a ideia de bre eles. A contemplação dos afetos e esses comportamentos no que eles
que a justiça tem uma história, e seus efeitos gera um afeto de segunda têm de regular e retirar dessa ob-
nesse ponto não é inovador. Ele inova ordem, a partir do qual os aprovamos servação regras que, aplicadas sobre
no modo de conceber essa história, ou reprovamos. Todo isso é pensado os aspectos irregulares do compor-
que para ele é inteiramente huma- como um processo de formação do ju- tamento, permitem regulá-lo ainda
na, assim como a justiça (e a própria ízo moral, e também do caráter vir- mais. Isso dá às regras um caráter
razão). Além disso, a história da jus- tuoso. Hume se singulariza no interior histórico e adventício. No caso da
tiça é para Hume história civil, o que dessa tradição pelo modo como enten- justiça, a reflexão sobre a gênese dos
quer dizer não apenas história parti- de esse processo – como um processo sistemas de justiça e a identificação
cular e circunstancial, mas também (volto a esse ponto) puramente huma- das causas gerais que atuam em suas
– e esse aspecto me parece muito no e social. Não há para ele nenhuma formações podem fornecer regras a
importante – história política. Para medida extrassocial e histórica da vir- partir das quais criticar e corrigir os
Hugo Grotius (1583-1645): jurista a serviço tude (como penso haver para os outros sistemas e instituições efetivos. O
da República dos Países Baixos. É considerado autores mencionados, inclusive Adam mesmo se aplica no caso da moral
o precursor, junto com Francisco de Vitória, do
Direito internacional, baseando-se no Direito Smith). e do gosto. É assim, portanto, como
natural. Foi também filósofo, dramaturgo, po- um processo reflexivo de formação
eta e um grande nome da apologética cristã. IHU On-Line – Como moralidade e de regras gerais que a norma se ins-
(Nota da IHU On-Line)
Samuel Pufendorf (1632-1694): jurista ale- sociedade se relacionam na tradição creve no âmbito da história social,
mão. Ao tornar-se nobre, em 1684, seu nome sentimentalista? Especificamente, como algo que não apenas se forma
passou a ser Samuel von Pufendorf; elevado a como isso se manifesta em Hume e na história, mas que também a faz
barão poucos meses antes de sua morte, em
1694. (Nota da IHU On-Line) Adam Smith? e conduz.
N
a visão do professor José Oscar de Almeida Marques, “o interesse de Hume não é fazer uma teoria
da causalidade enquanto tal, mas explicar como chegamos a adquirir nossas crenças causais, ou
seja, como somos levados a acreditar, por exemplo, que um copo irá cair ao chão se eu o largar,
antes mesmo de tê-lo largado”. Nesse sentido, explica ele, “a questão que Hume investiga não
é metafísica, mas psicológica. Ela diz respeito ao funcionamento da mente humana. Para Hume,
não chegamos a essas crenças por nenhum raciocínio dedutivo a partir dos princípios acima, mas apenas pela
experiência e pelo hábito. Ao observar que um evento de certo tipo é regularmente seguido por um evento
de outro tipo, somos levados automaticamente, sem nenhuma reflexão, a esperar a ocorrência de um evento
do segundo tipo ao observarmos um evento do primeiro tipo”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail
para a IHU On-Line, José Oscar defende que “Hume pretende que nosso conhecimento das relações de causa
e efeito deve se derivar exclusivamente da experiência, mas ele nota que, com isso, não estamos justifica-
dos racionalmente em projetar para o futuro as regularidades do passado (porque não temos uma prova do
princípio de uniformidade), e não podemos, portanto, pensar a relação de causa e efeito como envolvendo
uma conexão necessária entre os dois termos”.
José Oscar de Almeida Marques é professor no Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas – IFCH da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Doutor em Filosofia e mestre em Lógica e
Filosofia da Ciência pela Unicamp, é bacharel em Engenharia de Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aero-
náutica, de São José dos Campos. Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é o princípio da = fim). O que ele afirma é que tudo po. Basicamente, consiste em afirmar
razão suficiente de Hume? que acontece ou existe tem uma cau- que as leis da natureza são invariáveis
José Oscar de Almeida Marques - O sa, e, causas, para ele, como em geral e continuarão operando no futuro tal
princípio de razão suficiente é a tese para os filósofos da Modernidade, não como operaram no passado. A conse-
de que tudo o que acontece ou exis- envolvem, como para Aristóteles, a di- quência disso é que podemos supor
te tem uma razão para sua ocorrência reção a um objetivo futuro, mas ape- que causas que tiveram certos efeitos
ou existência. É um princípio defendi- nas a referência a eventos passados. no passado continuarão tendo os mes-
do por muitos autores e faz parte de Para Hume, portanto, todas as ocor- mos efeitos no futuro, o que nos per-
muitas doutrinas filosóficas. Quando rências no mundo estão precisamente mite fazer inferências seguras acerca
Aristóteles afirma, na Política, que “a determinadas não teleologicamente, da ocorrência de eventos ainda não
natureza nada faz em vão”, ele está em vista de algum fim, mas mecani- observados.
apresentando uma versão desse prin- camente em consequência de eventos
cípio. Frequentemente o princípio é precedentes. IHU On-Line – Como esses conceitos
apresentado como significando que se mesclam na composição da teoria
tudo que ocorre tem uma finalidade, ou IHU On-Line – E o princípio da unifor- da causalidade humeana?
está dirigido para um certo fim, o que midade, do que se trata? José Oscar de Almeida Marques - O in-
se supõe que há um desígnio governan- José Oscar de Almeida Marques - O teresse de Hume não é fazer uma teoria
do o curso da natureza. No entanto, princípio de uniformidade é a tese de da causalidade enquanto tal, mas ex-
aquilo que, em Hume, corresponderia que a natureza é uniforme em suas plicar como chegamos a adquirir nossas
a um princípio de razão suficiente não operações em qualquer região do es- crenças causais, ou seja, como somos
tem essa dimensão teleológica (télos paço e em qualquer intervalo do tem- levados a acreditar, por exemplo, que
22-08-2011
Informações em http://migre.me/5uPRA
U
m autor que “rompe com a concepção tradicional de racionalidade, ao mostrar que a razão pro-
vável não se funda na razão clássica, mas sim em uma atuação do hábito sobre a imaginação”.
Assim é David Hume, analisa a filósofa Andrea Cachel, em entrevista concedida por e-mail à IHU
On-Line. E completa: “Penso que a atualidade da filosofia humeana está ligada precisamente ao
seu viés crítico, por um lado, e, por outro, ao naturalismo característico das suas tentativas de
resposta aos problemas por ele mesmo formulados”.
Andrea Cachel é graduada em Direito e em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, onde
também cursou mestrado em Filosofia com a dissertação A inteligibilidade da existência externa na filosofia
humeana. É doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP com a tese Regras gerais e racionalidade
em Hume. Leciona Filosofia no Instituto Federal do Paraná, campus Curitiba, e é coordenadora do Grupo de
Pesquisa em Epistemologia da mesma instituição. Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que são as regras ge- formulação, torna-se uma questão re- das a partir das regras para se julgar
rais do juízo na filosofia de Hume? levante diferenciar regras gerais legí- sobre a causa e efeito. E sugere que
Andrea Cachel - A temática das regras timas ou não, epistemologicamente. O apenas as inferências que partem de
gerais do juízo aparece na filosofia hábito, enquanto tal, não pode ser o regras gerais do juízo são racionais.
humeana no âmbito de uma discussão que determina a legitimidade ou não Mas há uma dificuldade de se enten-
sobre a causa e efeito, especialmen- das regras, ainda que participe des- der qual é o próprio fundamento des-
te na seção 15, da terceira parte do sa separação. Tanto as regras gerais sas metarregras, em especial da regra
primeiro livro do Tratado da natureza cognitivamente legítimas (todo fogo das mesmas causas os mesmos efeitos
humana. De modo geral, na discussão queima) – chamadas de regras gerais e vice-versa, da qual decorrem as re-
sobre o fundamento das inferências do juízo – como as regras gerais da gras cinco a oito. Isso porque apenas
causais, Hume mostra que elas não imaginação, que não possuem essa le- as três primeiras regras (anterioridade
são embasadas pela razão demonstra- gitimidade epistemológica (todo fran- da causa em relação ao efeito, conti-
tiva, não estando justificada a priori a cês é frívolo), envolvem o processo de guidade espaço-temporal entre ambos
passagem de uma conjunção passada determinação do hábito sobre a ima- e conjunção constante) já tinham sido
à inferência futura. Quanto à razão ginação. discutidas por Hume e incorporadas no
provável, mostra que seria um círculo Na seção do Tratado dedicada ao âmbito do conceito de “relação filo-
vicioso pressupor que essa passagem tema, Hume estipula oito regras que sófica”. A regra das mesmas causas os
parte dela, tendo em vista a impossibi- permitiriam realizar essa distinção, mesmos efeitos e vice-versa, contudo,
lidade de se estabelecer pela probabi- dentre as quais figura a regra das é precisamente a essência da pressu-
lidade o princípio segundo o qual o fu- mesmas causas os mesmos efeitos e posição de uma regularidade na natu-
turo se assemelha ao passado, origem, vice-versa. Discutir o estatuto dessas reza, a qual fora excluída enquanto
segundo Hume, do próprio raciocínio regras implica trabalhar com a pró- um princípio racional.
provável. Nesse contexto, sua filosofia pria necessidade de se entender a di-
desloca para o hábito essa tarefa epis- ferença entre princípios regulares e Hábito e imaginação
temológica. irregulares da imaginação, a oposição O que Hume afirma é que essa re-
De certa forma, a passagem do pas- entre imaginação e juízo (no interior gra tem origem na aplicação do juízo
sado ou presente ao futuro implica a da própria imaginação) e a constitui- sobre si mesmo e sobre a experiência
formulação de regras gerais (todo fogo ção da noção de entendimento. Hume de julgar. Em linhas gerais, portanto,
queima, por exemplo). E, não sendo opõe regras gerais da imaginação e as remete a um campo não totalmen-
possível justificar racionalmente essa do juízo, sendo as últimas as formula- te explicitado em sua filosofia. Não se
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H
á um interesse crescente na filosofia de David Hume. É possível, inclusive, “falar de uma aborda-
gem humeana em moral que vem ganhando espaço na filosofia contemporânea”, aponta o filóso-
fo Adriano Naves de Brito, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. O coordenador
do PPG em Filosofia da Unisinos diz que é preciso, junto com Hume “mas não apenas com ele”,
misturar a filosofia com outras áreas do conhecimento como psicologia, neurociências, biologia e
estatística. Analisando o nexo entre vontade e determinismo moral em Hume, afirma: “A vontade para Hume
é vontade natural, e não uma vontade livre (e pura), capaz, portanto, de inaugurar cadeias causais sem a
influência de outra causa que não ela mesma. Nesse sentido, a vontade humeana tem de ser vista desde o
prisma do determinismo causal, ou, em outros termos, sob a ótica dos eventos físicos”.
Coordenador do Programa de Pós-Graduação da Unisinos, Adriano é graduado em Pedagogia pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, mestre e doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS com a tese Nomes próprios. Estudo em semântica e ontologia (Brasília: UnB, 2003).
Dirige a Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica – SBFA. Investigou obras teóricas de Hume e Kant e dedicou-
se à filosofia da linguagem contemporânea, área na qual estudou as teorias da referência de nomes próprios,
confrontando as posições fregeana e kripkeana. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são os principais samento de Tugendhat, dialogando buscando apresentar uma alternativa
temas do pensamento da Hume que com o legado humeano e kantiano? teórica para o tratamento dos temas
continuam atuais e pertinentes ao Adriano Naves de Brito - Minha leitura morais que não estivesse orientada
debate filosófico no século XII? de Tugendhat o coloca entre as duas pelo neokantismo (e pelo racionalis-
Adriano Naves de Brito - Hume é um perspectivas, a de Hume e a de Kant. mo, em sentido amplo) latente nas
autor muito atual devido a sua aborda- Do primeiro, como vejo, ele se aproxi- posições contratualistas. O resultado
gem não apriorista em filosofia, seja no ma pela importância que dá aos sen- tem sido uma teoria de cunho forte-
campo teórico, seja no campo prático. timentos na dinâmica da moral para a mente naturalista (e evolucionista)
A inspiração moderna, mas não car- nossa espécie, mas do segundo, pela quanto à motivação moral e imanente
tesiana, de investigação da natureza via da filosofia neokantiana, dominan- quanto ao valor.
humana, está bastante em conformi- te no século XX, sobretudo pelo viés
dade com as investigações de discipli- do contratualismo, ele se aproxima IHU On-Line – Qual é a importância
nas novas como as neurociências e as devido ao tema da justificação dos ju- da filosofia de Hume para o debate
ciências cognitivas. No campo prático, ízos morais. Acho as duas perspectivas em filosofia moral?
sua abordagem dos temas éticos pelo inconciliáveis, e esse é o eixo de mi- Adriano Naves de Brito - Sua impor-
viés dos sentimentos é profundamente nha crítica a Tugendhat. A partir dessa tância, graças à naturalização crescen-
compatível com o naturalismo e, por crítica, enveredei pelo naturalismo, te da discussão filosófica nesse século,
isso, compatível com as ciências, em Ernst Tugendhat (1930): filósofo tcheco, tem crescido enormemente. Sua filoso-
especial com a perspectiva darwinista nascido em Brno. É autor de, entre outros, fia já era um ponto de referência de-
da biologia. Der Wahrheitsbegriff bei Husserl und Heide- vido a sua famosa falácia naturalista,
gger (2 ed., Berlin: Walter de Gruyter, 1970);
Lições introdutórias à filosofia analítica da assim nomeada por G. Moore. O pro-
IHU On-Line - Poderia explicar a in- linguagem (Ijuí: UNIJUÍ, 1992); Lições sobre blema aqui é o da explicação da nor-
terseção que você realiza em suas ética (Petrópolis: Vozes, 1997) e Não somos de matividade, do dever ser, a partir de
arame rígido: conferências apresentadas no
pesquisas no campo da moral, na fun- Brasil em 2001 (Canoas: ULBRA, 2002). (Nota bases empíricas, com base naquilo que
damentação da ética, a partir do pen- da IHU On-Line) é, de onde as ciências partem. Esse
SÃO LEOPOLDO, 15 DE AGOSTO DE 2011 | EDIÇÃO 369 35
problema ainda ocupa as teorias morais Adriano Naves de Brito - A vontade de animais com sistema nervoso com-
de diferentes matizes, sobretudo as de para Hume é vontade natural, e não plexo como o nosso, isso é, animais
cunho naturalista, já que, por sua op- uma vontade livre (e pura), capaz, com grande autonomia de ação.
ção de princípios, partem da natureza, portanto, de inaugurar cadeias causais
logo, daquilo que é, para alcançar as sem a influência de outra causa que IHU On-Line - Gostaria de acrescen-
suas explicações sobre o âmbito nor- não ela mesma. Nesse sentido, a von- tar algum aspecto no questionado?
mativo humano. Recentemente, con- tade humeana tem de ser vista des- Adriano Naves de Brito - Gostaria de
tudo, ela tem sido revisitada também de o prisma do determinismo causal, exortar à leitura desse interessante e
em sentido positivo, por conta da rein- ou, em outros termos, sob a ótica dos fundamental autor, Hume, que, ade-
clusão das emoções como base da mo- eventos físicos. mais, é um grande escritor. Para além
ralidade. Na literatura recente, Hume disso, gostaria de convidá-los a ousar
tem sido um autor muito citado. Pode- IHU On-Line - Qual é o nexo que une – em par com Hume, mas não apenas
se falar de uma abordagem humeana utilidade e simpatia em Hume? E a com ele – misturar filosofia com outras
em moral que vem ganhando espaço na que se refere a contraposição desse disciplinas, como a psicologia, a neu-
filosofia contemporânea. pensador ao egoísmo cético? rociência, a biologia e a estatística,
Adriano Naves de Brito - O tema da para citar algumas. Em suma, a mis-
IHU On-Line - Em que aspectos o utilidade em Hume é mais complexo turar filosofia e ciências. Embora essa
universalismo na moral a partir de do que se pode intuir à primeira vista. tenha sido sempre a vocação da filo-
Hume se configura numa alternativa A história da filosofia cunhou o termo sofia, não raro ela se esquece de uma
não kantiana? utilitarismo e acabou incluindo Hume lição fundamental de Kant; sim, de
Adriano Naves de Brito - O univer- sob esse conceito. Contudo, Hume não Kant!, qual seja, o criticismo. Ao fazê-
salismo é um problema para a filoso- é um utilitarista nos termos de Ben- lo, a filosofia envereda pelo dogmatis-
fia da Hume, pois uma filosofia moral tham ou Mill. A utilidade, para Hume, mo apriorístico e se perde em aporias.
que parte do que agrada tende, sem tem um sentido naturalista e não de A matemática, nesse caso, é, via de
ulteriores explicações e pressupostos cálculo de vantagens. As ações morais regra, o modelo único de ciência com
(como o evolucionismo, por exemplo), são boas porque são úteis e são úteis o qual se conta, mas isso não precisa e
ao subjetivismo, ou, no mínimo, ao porque são conformes ao nosso bem e, não deve ser assim. Kant mesmo pode
culturalismo. Mas essa não era a vi- por isso, agradam. É claro que, visto ter sucumbido a esse erro, de nota
são de Hume, embora lhe faltassem os desde o ponto de vista da evolução, platonista, vale dizer, mas isso não
elementos para defendê-la contra to- essa equação se fecha perfeitamente. desautoriza o seu juízo de que o criti-
das as objeções. Ele via a sua perspec- Esse elemento evolucionista faltava a cismo (e posso traduzi-lo por “natura-
tiva como universalista, pois cria na Hume, óbvio, mas sua teoria casa-se lismo”) é a via que permanece aberta
universalidade da natureza humana. perfeitamente com ele. Ora, a simpa- à filosofia.
Essa perspectiva, contudo, não é nada tia é um sentimento de conexão entre
kantiana, para quem o fundamento da seres vivos de vida social complexa e
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moral não é nossa natureza fisiológi- que resulta numa comunicação afeti-
ca ou psíquica, mas racional. Se posso va. Sentimos as dores e os prazeres dos Confira outras entrevistas concedidas por
Adriano Naves de Brito à IHU On-Line.
dizê-lo de modo um pouco caricatural outros. O termo, portanto, deve ser
com respeito à história da filosofia, lido como uma empatia compassiva. * IHU Repórter. Edição número 211, Revista IHU
Kant foi o vencedor desse duelo da mo- Como não gostamos de dor, buscamos, On-Line, de 12-03-2007, disponível em http://bit.
ly/mq2mox
dernidade até o século XX, mas a mesa como qualquer outro ser vivo, evitá-la, * Cirne-Lima, um filósofo com grande respeito pelas
começa a virar em favor de Hume. o que, no tocante à vida social, signifi- ciências. Revista IHU On-Line número 261, de 09-
ca interessar-se pelo bem estar dos de- 06-2008, disponível em http://bit.ly/l0UHgt
* Ética e sentimentos morais. Cadernos IHU Ideias
IHU On-Line - Como vontade e de- mais, sobretudo dos que nos são mais número 52, em autoria com Thomas Kesselring, dis-
terminismo moral se entrelaçam em próximos. Esse sentimento, evidente- ponível em http://bit.ly/kx7y3z
Hume? mente, é muito útil para a vida social
Informações em http://migre.me/5uPVu
“H
ume é tanto um cético como um naturalista, unindo duas tendências filosóficas diver-
sas apenas como um grande filósofo pode fazê-lo”, observa o filósofo Bruno Pettersen
na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Para ele, Hume pavimentou os
caminhos da investigação “a partir de seu ceticismo, naturalismo, empirismo e princi-
palmente a junção que ele faz destas várias tendências em sua filosofia”. E completa:
“historicamente é fundamental conhecermos o empirismo humeano como uma tentativa exemplar de expli-
car como pensamos e como deveríamos pensar”.
Graduado e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Bruno é doutorando
em Filosofia pela mesma instituição com a tese A narrativa neopirrônica. Atua como professor visitante do
Departamento de Filosofia da UFMG, é professor da Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – Faje e membro
do Grupo Hume – UFMG-CNPq. É um dos organizadores de Ensaios sobre Hume (Belo Horizonte: Segrac, 2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os pontos em nos. No entanto, Quine é um empirista gância a partir de princípios simples
comum entre o empirismo de Hume como Hume, e isto quer dizer simples- apoiados na distinção entre impres-
e Quine? mente que, ao fim e ao cabo, para am- sões e ideias. A partir desta distinção,
Bruno Pettersen – Hume pode certa- bos o acesso ao mundo se dá por meio Hume estabelece seu “princípio da có-
mente ser pensado como um dos he- das nossas terminações nervosas. pia”, onde toda ideia deve ter surgido
róis da filosofia analítica. De Russell Voltemos ao começo da fala, como de uma impressão. Este princípio per-
a Quine, ele sempre fora um dos filó- disse: há duas características humea- mite a Hume verificar qual ideia seria
sofos citados com mais atenção. Mais nas herdadas por Quine, o empirismo justificada (aquelas decorrentes de
especificamente, quando nos volta- e o naturalismo; vejamos esta última. uma impressão) e aquelas ideias que
mos a Quine, essa influência humeana O naturalismo de Quine é uma doutri- carecem de justificação (aquelas que
se deve a dois motivos: o empirismo na que, pelo menos inicialmente, é não podemos encontrar uma impressão
e o naturalismo. Apesar de podermos idêntica à tese humeana: se queremos correspondente). Tal movimento dá
dizer que Quine herda de Hume o em- estudar o ser humano (e o mundo), a energia epistêmica necessária para
pirismo, precisamos distinguir o que devemos partir para uma investigação que Hume desenvolva a sua investiga-
realmente do empirismo de Hume que da natureza física. O naturalismo de ção da mente. Assim, historicamente
Quine herda. Assim, se Hume tem um Quine é mais radical que o de Hume, é fundamental conhecermos o empi-
tipo de empirismo do “véu das ideias” mas certamente o fundamento é o rismo humeano como uma tentativa
onde impressões são sucedidas por mesmo. exemplar de explicar como pensamos
ideias na mente, Quine, e boa parte e como deveríamos pensar.
da tradição contemporânea, nega esse IHU On-Line – Qual é a atualidade do Já no que tange à atualidade ar-
tipo de empirismo fundacionista e re- conceito de empirismo humeano? gumentativa do empirismo de Hume,
ducionista. O empirismo de Quine é, Bruno Pettersen – Podemos separar não há realmente uma tese no empi-
ao contrário de Hume, holista com a essa questão em dois pontos: o primei- rismo de Hume que permaneça. De-
justificação se dando no todo teórico ro da história da filosofia, e o segundo pois da crítica de autores como Quine
e não nas partes (impressões/ideias). argumentativo. No que tange à histó- e Sellars é praticamente impossível
O que há de especial no empirismo de ria da filosofia, o empirismo de Hume Wilfrid Stalker Sellars (1912-1989): filósofo
Quine surge justamente da negação é absolutamente central. Hume estru- americano que apresentou a doutrina do “no-
minalismo psicológico”, em que todo o estar
do empirismo reducionista dos moder- tura o conhecimento humano com ele- ciente é uma questão linguística. Chamou
Data: 1/9/2011
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P
ara ele não é possível haver crescimento econômico mantendo a sustentabilidade ecológica. E ele é
ninguém mais, ninguém menos do que Herman Daly, importante economista americano. Daly aceitou
gentilmente conceder a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, em que afirma que “a
economia é um subsistema do ecossistema, e o ecossistema é finito, não cresce e é materialmente
fechado. Temos um fluxo contínuo de energia solar entrante, mas que também não está aumentando”.
Na sua visão, “os países ricos precisam dar os primeiros passos rumo a um estado estacionário liberando espaço
ecológico para que os países pobres cresçam até atingir um nível de prosperidade suficiente para uma vida boa
– o mesmo objetivo que todos os países deveriam tentar alcançar”.
O economista estadunidense Herman Daly, de 93 anos, é professor emérito da Escola de Política Pública de
College Park, nos Estados Unidos. Foi economista-chefe do Departamento Ambiental do Banco Mundial, onde
auxiliou a desenvolver princípios políticos básicos relacionados ao desenvolvimento sustentável. Enquanto lá
esteve, envolveu-se em operações ambientais na América Latina. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em sua opinião, é pos- ou PIB) para o qual os custos adicionais IHU On-Line - Como se aplicaria no
sível haver crescimento econômico (incluindo os custos ambientais e so- cenário mundial atual o conceito de
mantendo a sustentabilidade ecoló- ciais) são maiores do que os benefícios estado estacionário?
gica? adicionais em termos de produção. Herman Daly - Se nem o crescimento
Herman Daly – Não. Não a longo pra- nem o decrescimento são sustentá-
zo. A economia é um subsistema do IHU On-Line - O senhor conhece o veis, isso deixa o estado estacionário
ecossistema, e o ecossistema é finito, conceito de decrescimento, defendi- como único candidato. Mas nem mes-
não cresce e é materialmente fecha- do por Serge Latouche? Em que sen- mo um estado estacionário pode durar
do. Temos um fluxo contínuo de ener- tido ele se relaciona com o conceito para sempre num mundo entrópico, de
gia solar entrante, mas que também de “crescimento deseconômico”? modo que o objetivo é a longevidade,
não está aumentando. Herman Daly - Suponho que decresci- e não a vida eterna neste mundo. Os
mento seja a correção para o fato de países ricos precisam dar os primeiros
IHU On-Line - Podemos imaginar um se ter tido um período de crescimen- passos rumo a um estado estacionário,
mundo com prosperidade sem cres- to deseconômico – ou de ter crescido liberando espaço ecológico para que
cimento econômico? além da escala ótima da economia em os países pobres cresçam até atingir
Herman Daly – Sim. Certamente po- relação ao ecossistema. A escola do um nível de prosperidade suficiente
demos viver num nível próspero sem decrescimento reconhece que a esca- para uma vida boa – o mesmo objetivo
necessidade de que o nível de prospe- la atual da economia é grande demais que todos os países deveriam tentar
ridade aumente de modo contínuo. para se manter num estado estacio- alcançar.
nário. Por conseguinte, precisamos
IHU On-Line - Como define o concei- decrescer até chegar a uma escala IHU On-Line - Como o senhor enten-
to de “crescimento deseconômico”? sustentável que, então, procuramos de e define o que se chama hoje de
Herman Daly - O crescimento deseco- manter num estado estacionário. O “economia de baixo carbono”?
nômico é um crescimento que começou decrescimento, assim como o cresci- Herman Daly - Ela significa nos de-
a custar mais do que vale – um cresci- mento, não pode ser um processo per- sacostumar dos combustíveis fósseis,
mento (seja em volume de produção manente. mas poderia significar dependência da
www.ihu.unisinos.br
“P
ela primeira vez no continente, políticas que reestruturam os sistemas de comunicação pros-
peram nas agendas públicas. É uma tentativa de superar a histórica letargia do Estado diante
da avassaladora concentração das indústrias de informação e entretenimento nas mãos de
um reduzido número de corporações, quase sempre pertencentes a dinastias familiares”. A
afirmação é de Dênis de Moraes, autor do livro recém-lançado pela Mauad Vozes abertas da
América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação. Na entrevista que concedeu por
e-mail para a IHU On-Line sobre a obra, ele declara que “a chamada grande imprensa é a primeira a faltar com
isenção e neutralidade quando intenta orientar ideologicamente os leitores, em editoriais e artigos; quando
adota juízos particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as informações; quando exerce controle sobre
o que vai ser difundido, restringindo, silenciando ou amplificando questões e pontos de vista; quando nos diz
quais são os escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias que devem ser conhecidos, discutidos,
aceitos, rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações e até guerras e atentados, seja para despertar
comoção e adesão, seja para infundir ódio e preconceito, ou mesmo para naturalizar desigualdades; e ainda
quando descontextualiza e isola as notícias de suas causas ou consequências históricas, políticas e culturais”. E
conclui: “o prosseguimento das transformações em curso na América Latina dependerá, fundamentalmente, de
vontade política permanente e de uma sólida sustentação popular às iniciativas democratizadoras de governos
progressistas”.
Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminen-
se, pesquisador do CNPq e da Faperj, autor e organizador de vários livros, entre os quais Mutações do visível: da
comunicação de massa à comunicação em rede (Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2010), A batalha da mídia
(Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2009), Sociedade midiatizada (Rio de Janeiro: Mauad, 2006) e Por uma
outra comunicação (Rio de Janeiro: Record, 2003). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que relações podem ser participação do poder público nos cas que reestruturam os sistemas de
estabelecidas entre as novas ações sistemas de comunicação da América comunicação prosperam nas agendas
comunicacionais e os reordenamen- Latina ganhou ímpeto com o consen- públicas. É uma tentativa de superar
tos políticos, econômicos e socio- so estabelecido entre governos pro- a histórica letargia do Estado diante
culturais promovidos por “governos gressistas quanto à importância de se da avassaladora concentração das in-
eleitos com as bandeiras da justiça fortalecer a pluralidade e facilitar o dústrias de informação e entreteni-
social e da inclusão das massas nos acesso dos cidadãos à informação, ao mento nas mãos de um reduzido nú-
processos de desenvolvimento”? conhecimento e às tecnologias. Pela mero de corporações, quase sempre
Dênis de Moraes – O debate sobre a primeira vez no subcontinente, políti- pertencentes a dinastias familiares.
* Doutora em Ciências Sociais e Políticas pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso-
México), atua nos temas de participação, movimentos sociais e políticas de comunicação na América
Latina e é membro do Grupo Cepos. Email: gislene.moreira@flacso.edu.mx.
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponíveis Entrevista especial com Ronaldo Lemos, diretor do Creative
nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) Commons Brasil
de 28-6-2011 a 03-6-2011. Confira nas Notícias do Dia de 10-08-2011
Acesse no link http://bit.ly/oTDrcQ
Paraísos fiscais: “A sonegação é um descompromisso com “A tecnologia abre o caminho para o compartilhamento de
uma sociedade mais justa”. responsabilidades pela tomada de decisões políticas”, assi-
Entrevista especial com Lucídio Bicalho, assessor político do nala o diretor do Creative Commons Brasil.
Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc.
Confira nas Notícias do Dia de 08-08-2011 A ideologia Slow: da ecogastronomia à crítica da velocidade
Acesse no link http://bit.ly/oT8ZU1 como vetor da globalização capitalista.
Bicalho avalia que “os paraísos fiscais estimulam o crime ou Entrevista especial com Isabel Carvalho, psicóloga
– no mínimo – a dissimulação de empresas e pessoas ricas. Es- Confira nas Notícias do Dia de 11-08-2011
timulam a sonegação de impostos e também são refúgios para Acesse no link http://bit.ly/qTEOa6
o dinheiro de origem ilegal”. A psicóloga e professora da PUCRS explica que “dentro do
princípio da ecogastronomia, o Slow Food apoia um novo
Hidrelétricas construídas em áreas tropicais emitem mais modelo de agricultura, que é menos intensivo e mais sau-
gases de efeito estufa. dável e sustentável, com base no conhecimento das comu-
Entrevista especial com Philip Fearnside, biólogo nidades locais”.
Confira nas Notícias do Dia de 09-08-2011
Acesse no link http://bit.ly/q00IEP Fome generalizada na Somália. Um problema político
O biólogo e pesquisador do Inpa adverte que “os 30 bilhões Entrevista especial com Frido Pflueger, jesuíta alemão
destinados à construção de Belo Monte, se investidos ade- Confira nas Notícias do Dia de 12-08-2011
quadamente em outros setores da economia, poderiam gerar Acesse no link http://bit.ly/pHxkll
mais emprego no Brasil”. “Todas as declarações e avaliações não farão sentido se não
forem traduzidas em ações concretas no campo”, diz o diretor
A democracia está sendo transformada pelas redes sociais. do Serviço Jesuíta aos Refugiados – SJR para a África do Sul.
Data: 27/9/2011
Informações em http://migre.me/5uQ6N
A concentração de terras no Brasil O poder soberano e a vida nua, a obra do filósofo italiano
Entrevista especial com Gerson Luiz Mendes Teixeira, en- Giorgio Agamben analisa várias figuras políticas clássicas,
genheiro agrônomo, integrante do núcleo agrário do Partido em especial a do conceito de estado de exceção e suas
dos Trabalhadores implicações biopolíticas. “A primeira tese que Agamben
Confira nas Notícias do Dia de 13-07-2011 propõe é a intrínseca e sutil conexão que existe entre a
Acesse no link http://bit.ly/mRoD8X vida humana e a política desde suas origens”.
Segundo dados recentes do Incra, a região sul do Brasil (e
não a Amazônia) foi a que apresentou o maior incremento “Integrar água e natureza: eis uma abordagem
no número de grandes propriedades improdutivas. A infor- sustentável’’
mação é do engenheiro agrônomo, que desenvolveu um es- Entrevista especial com Gerôncio Rocha, geólogo da Co-
tudo com o objetivo de realizar um cotejo entre os perfis ordenadoria de Recursos Hídricos da Secretaria do Meio
das estruturas fundiárias do Brasil de 2003 e de 2010, re- Ambiente do Estado de São Paulo
tratados nas respectivas atualizações das Estatísticas Cadas- Confira nas Notícias do Dia de 28-07-2011
trais do Incra. Acesse no link http://bit.ly/ph7YA9
“A crença na capacidade infinita da depuração dos rios
“O campo não foi inventado pelos nazistas. Eles só levaram não se sustenta, pois nos centros urbanos fica muito
a suas últimas consequências a figura política da exceção” claro o déficit de saneamento e o quanto as águas e os
Entrevista especial com Castor Ruiz, filósofo espanhol, pro- rios estão sofrendo as consequências, daí crises de abas-
fessor na Unisinos tecimento em meio a tanta água”, assinala o geólogo, ao
Confira nas Notícias do Dia de 26-07-2011 comentar o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídri-
Acesse no link http://bit.ly/qzaodV cos no Brasil, produzido pela Agência Nacional de Águas
Projetada internacionalmente a partir de O Homo Sacer: – ANA.
Informações em http://migre.me/5uQ8c
Dia 15-8-2011
Evento: Tópicos Especiais II: Giorgio Agamben:
“O Homo Sacer I, II, III. A exceção jurídica e o governo da vida humana”
Palestrante: Prof. Dr. Castor Bartolomé Ruiz – Unisinos
Tema: A lógica da soberania
Horário: 14 às 17h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações em: http://bit.ly/qQ7NQp
Dia 16-08-2011
Evento: Ciclo de Estudos: Perspectivas do Humano
Palestrante: Prof. Dr. José Mora Galiana - Universidad Pablo Olavide, Sevilla, Espanha
Tema: Miguel de Unamuno e o sentimento trágico da vida
Horário: 19h30min às 22h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações em: http://bit.ly/imNmTU
Dia 17-08-2011
Evento: Ciclo de Estudos: Perspectivas do Humano
Palestrante: Prof. Dr. José Maria Aguirre Oraá – Universidade de La Rioja - Espanha
Tema: Ortega y Gasset: sua perspectiva raciovitalista
Horário: 19h30min às 22h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações em: http://bit.ly/imNmTU
Dia 18-08-2011
Evento: Seminário 50 anos da Campanha da Legalidade: memória da democracia brasileira
Palestrante: Prof. Dr. Jorge Ferreira – UFF
Tema: Contexto e significados da legalidade
Horário: 20h
Local: Auditório Maurício Berni – C4
Mais informações em: http://bit.ly/mG3UrL
Evento: IHU ideias
Palestrante: Prof. Dr. Jorge Ferreira – UFF
Tema: Jango. Uma biografia
Horário: 17h30min às 19h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações em: http://bit.ly/oWxdQv
Evento: Ciclo de Estudos: Perspectivas do Humano
Palestrante: Prof. Dr. José Maria Aguirre Oraá – Universidade de La Rioja - Espanha
Tema: José Luis Aranguren: ética e política
Horário: 19h30min às 22h30min
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações em: http://bit.ly/imNmTU
>> Publicações do IHU e líderes comunitários das regiões Dossiê sobre o Motu Proprio
envolvidas, a intenção do IHU é expor Cadernos Teologia Pública, em sua
Cadernos IHU a reflexão atualíssima a respeito da 56ª edição, apresenta o texto “Igreja
“E o Verbo se fez bit”: Uma análise da realidade das usinas hidrelétricas no Introvertida: Dossiê sobre o Motu Proprio
experiência religiosa na internet Brasil, cujo panorama é polêmico. Confira ‘Summorum Pontificum’”, no qual o autor
Em sua 35º edição, Cadernos IHU a publicação em http://bit.ly/ih0UqU Andrea Grillo apresenta suas reflexões a
apresenta “E o Verbo se fez bit”: Uma partir da publicação da Instrução Universae
análise da experiência religiosa na Cadernos IHU ideias Ecclesiae da Comissão Ecclesia Dei: “Ao
internet, texto de Moisés Sbardelotto que, Revolução Mexicana e o Movimento de teólogo compete examinar criticamente
ao observar as mídias como ambiente Chiapas cada expressão da fé eclesial: respeito
de mobilidade da vida social, analisa Cadernos IHU ideias, em sua 152ª, crítico e crítica respeitosa fazem parte de
as mudanças na experiência religiosa e edição apresenta o texto “Entre a seu instrumentário obrigatório. Nesta nova
de fé. “Junto com o desenvolvimento Revolução Mexicana e o Movimento de fase, é necessário que os teólogos façam
de um novo meio, como a internet, vai Chiapas”, em que a autora, Claudia ouvir sua voz e que os pastores encontrem
nascendo também um novo ser humano e, Wasserman, faz uma análise do impacto o modo de expressar o seu mal-estar. Esta
por conseguinte, um novo sagrado e uma que a Revolução Mexicana, que completou coletânea de intervenções quer contribuir
nova religião”, considera o autor. Leia a recentemente 100 anos, provocou nos para este fim, para que amadureça a
publicação em http://bit.ly/oy0voy movimentos do México atual, em especial consciência eclesial em torno do delicado
o movimento chiapaneco, passando pela problema da “unidade do rito romano”
Cadernos IHU em formação peculiaridade histórica de ausência de que o Motu Proprio e a recente Instrução
Usinas hidrelétricas no Brasil: matrizes uma ditadura de segurança nacional na submetem a um estresse muito grave
de crises socioambientais década de 1970, justamente o período em e muito perigoso. Para a comunhão
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU que a América Latina vivenciou de forma eclesial, são necessárias palavras
apresenta a 39ª edição dos Cadernos ampla a violência de Estados autoritários. claras: com as murmurações e com as
IHU em formação, intitulada “Usinas A partir de 15-8-11, o artigo completo hipocrisias, mina-se o próprio sentido da
hidrelétricas no Brasil: matrizes de estará disponível no sítio do IHU em PDF. Igreja”.
crises socioambientais”. Por meio da A versão intregral deste artigo estará
seleção de uma série de entrevistas com Cadernos Teologia Pública disponível neste sítio a partir de 11-8-
ambientalistas, estudiosos, pesquisadores Última edição de Igreja Introvertida: 2011 em PDF.
Começa nesta semana o Ciclo de Estudos Perspectivas evento, “o humano, sendo o mais próximo de nós mesmos,
do Humano. A primeira fase acontece nos dias 16, 17 e nos resulta sempre o mais incompreensível. Todas as áreas
18 de agosto próximos, e pretende oferecer uma reflexão do conhecimento - direito, educação, economia, gestão,
atualizada e plural sobre a condição humana. tecnologias, etc. – têm que se confrontar com uma ou outra
Primeiramente, o professor José Maria Aguirre Oraá, perspectiva do humano para constituir seus discursos e
catedrático de Filosofia Moral da Universidade de La Rioja, práticas. Não podemos deixar de refletir sobre nossa própria
apresentará o pensamento de Miguel de Unamuno, filósofo, condição para seguir existindo como pessoas, projetar um
reitor da Universidade de Salamanca, exilado da ditadura tipo de sociedade e criar história”.
de Franco e morto na França. O eixo filosófico aqui é “a Castor explica que o título Ciclo de Estudos, Perspectivas
condição trágica da existência humana”, entendendo o do Humano já reflete a insuficiência de qualquer teoria
trágico no sentido clássico, de agon, de luta permanente para esgotar uma explicação plena ou definitiva sobre o ser
por ser e existir. humano. “O humano é sempre uma fronteira por atingir.
Num segundo momento, será exposto o pensamento de O humano só pode ser dito em perspectiva, ou seja, de
José Ortega y Gasset, catedrático de filosofia de Madri; forma plural, diversa, diferente e até divergente. Todas as
exilado em Buenos pela ditadura de Franco, teve uma reflexões sobre a pessoa, o sujeito, a condição humana,
grande contribuição na formação de toda uma geração são aproximações possíveis, necessárias, mas que nunca
de pensadores desse país. Ortega y Gasset faz uma crítica conseguem esgotar uma compreensão explicativa do ser
ao racionalismo “chato” da cultura ocidental e propõe humano. Até porque o humano existe como alteridade
pensar o humano a partir do raciovitalismo. Por último, singular que sempre é diferente e não se deixa normatizar
será apresentado o pensamento de José Luis Aranguren, por regularidades científicas nem padronizar por teorias”.
que foi catedrático de ética na Universidade Complutense, O Ciclo de Estudos Perspectivas do Humano é um
Madri, cuja ênfase está centrada nos estudos de ética na projeto da Cátedra Unesco Unisinos de Direitos Humanos
política. e Violência, Governo e Governança, com o apoio da
Já na segunda parte do Ciclo, a ser realizada nos dia 8, 12 Agência Espanhola de Cooperação Internacional – AECID,
e 15 de setembro de 2011, será apresentado o pensamento que financia a vinda dos professores da Espanha. “Com
de Ignacio Ellacuria, que foi reitor da Universidade Central esta circunstância, decidimos apresentar uma panorâmica
del Salvador. Assassinado tragicamente por paramilitares, de alguns dos principais pensadores espanhóis do século
junto com outros oito companheiros, seu pensamento XXI, alguns deles com uma relação muito estreita com a
remete sempre à obra de Zubiri, embora esteja muito realidade latino-americana”, explica Castor. O evento é
focado em pensar filosoficamente a realidade latino- também copromovido pelo Instituto Humanitas Unisinos
americana. – IHU e pelo PPG e curso de Filosofia da Unisinos.
Segundo o professor Dr. Castor Bartolomé Ruiz, do PPG Mais informações podem ser obtidas em www.ihu.
em Filosofia da Unisinos, que é um dos coordenadores do unisinos.br.
“A
Campanha da Legalidade traduz seus próprios propósitos: a manutenção da ordem legal, a
preservação do sistema político, o cumprimento da Constituição. Essas bandeiras mobiliza-
ram a sociedade brasileira”. A constatação é do professor Jorge Ferreira, da Universidade
Federal Fluminense – UFF, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele compara
o Brasil da legalidade, em 1961, quando “a luta era pela defesa da ordem constitucional
vigente, (...) as esquerdas e os setores progressistas e democráticos infligiram grande derrota aos golpistas e
direitistas”, com o Brasil de 1964, quando “o movimento das esquerdas foi outro. A luta não era pela defesa da
Constituição, mas pela implantação de reformas. Reformas que necessitariam de revisão constitucional – para
viabilizar, por exemplo, a reforma agrária. As direitas, de maneira hipócrita, defenderam o lema de que ‘a
Constituição é intocável’”. E conclui: “as direitas aprenderam com os acontecimentos de 1961”. Ferreira ainda
destaca que “Brizola recusou-se a acatar o golpe de Estado. Ele foi a única liderança civil na história contempo-
rânea brasileira a resistir a um golpe militar, dividir as Forças Armadas e derrotar os golpistas”.
Jorge Ferreira é professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense e autor de Jango. Uma
biografia (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011). Ele estará na Unisinos participando do Seminário 50 anos
da Campanha da Legalidade: memória da democracia brasileira, promovido pelo IHU de 18 de agosto a 1º de
setembro de 2011. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que aspectos da bio- parlamentarismo e o confronto que mesmo partido. Criou-se uma inter-
grafia de Jango são fundamentais poderia resultar em guerra civil, ele dependência entre eles. Goulart, no
para entender o processo da Campa- preferiu a primeira opção. plano nacional, apoiava Brizola no Rio
nha da Legalidade? Grande do Sul. Brizola, por sua vez,
Jorge Ferreira – Creio que duas ques- IHU On-Line – O que significava, na- apoiava Jango nos momentos difíceis.
tões são fundamentais. A primeira, sua quele contexto, a posse de João Foi o que ocorreu em agosto/setembro
formação política fundamentada no Goulart? de 1961. Brizola recusou-se a acatar o
regime da democracia representativa. Jorge Ferreira – O cumprimento da golpe de Estado. Ele foi a única lide-
Jango ingressou na política em tem- Constituição e a continuidade do proces- rança civil na história contemporânea
pos de grande prestígio da democra- so democrático. Isso foi conseguido por brasileira a resistir a um golpe militar,
cia-liberal, em 1945-1946. Esse é um um amplo acordo no Congresso Nacional dividir as Forças Armadas e derrotar os
aspecto importante a ser ressaltado. e por diversas forças políticas com a im- golpistas. Ele convocou a população
Ele nunca esteve envolvido com pro- plantação do parlamentarismo. para a resistência e, inclusive, distri-
postas de golpes contra as instituições buiu armas ao povo. A causa era justa
democráticas. Daí sua determinação IHU On-Line – Como entender a força e legítima: defender o regime demo-
em tomar posse na presidência da Re- da figura política de Brizola no senti- crático. Daí que seus argumentos fo-
pública em cumprimento da Constitui- do de conseguir levantar o movimen- ram ouvidos e a população se engajou
ção. A segunda, uma característica de to da legalidade aqui do Rio Grande na luta pela posse de Goulart.
sua personalidade. Jango era homem do Sul para todo o país?
do diálogo, do entendimento, do acor- Jorge Ferreira – Leonel Brizola despon- IHU On-Line – O que motivou a atitu-
do. Mas acordos que avançassem na tou na política brasileira, desde 1945, de de solidariedade política ao gover-
questão política e social. Assim, en- com arrojo político. Ele e Goulart eram nador Brizola por parte da multidão
tre aceitar o acordo que implantou o amigos, parentes e correligionários do de voluntários civis que aderiram à
U
ma pessoa sensível, que sabe o que quer e para onde vai. Assim é
a secretária referência do PPG em Filosofia da Unisinos, Dinorá Hu-
ckriede. Natural de Teutônia-RS, ela conta as alegrias da maternida-
de, com a vinda festejada e planejada da pequena Valentina, hoje
com dez meses. Feliz com seu trabalho e apegada às suas origens
familiares, Dinorá recordou momentos marcantes de sua vida, como a infância e
a perda do pai. Ao lado do marido, João, construiu uma nova família e, sempre
que pode, volta à terra natal para rever a mãe.
Quem sou eu – Determinada, brin- cação até boas escolas. Estudei na Esco- de Comunicação. Foi uma experiência
calhona, teimosa e batalhadora. Por la Cenecista de Teutônia, onde trabalhei importante. Minha formatura aconte-
tudo que passei na vida, sobretudo a por cinco anos como secretária. Come- ceu em janeiro de 2005. Infelizmente,
perda do meu pai, consegui crescer cei a trabalhar com 14 anos e estudava à o curso foi extinto em 2005/1, o que
e evoluir bastante. Amadureci muito. noite. Lembro muito bem de um perío- acho lamentável. Fiquei muito triste
Procuro fazer isso com os aconteci- do da minha infância, quando passamos com isso, porque, quando comecei a
mentos bons e ruins. Traço objetivos dificuldades financeiras. Quando tinha trabalhar aqui, havia, inclusive, uma
e vou em busca deles. Só assim conse- 7 anos, lembro de ver meu pai chegar especialização em Secretariado.
guimos realizar nossos sonhos. em casa e chamar minha mãe para uma
conversa. Ele estava desempregado num Vinda para São Leopoldo – Com 20
Origens e lembranças da infância momento em que faltavam 2 anos para anos, deixei a casa dos meus pais e fui
– Nasci em Teutônia, no Rio Grande do se aposentar. Passamos um período difí- morar em São Leopoldo. Posso dizer que
Sul, quando o município ainda pertencia cil, mas continuei com meus estudos na foi uma mudança radical e rápida. Colo-
a Estrela. Uma cidade pequena e tran- escola, a família unida e, na medida do quei a mochila nas costas, viajei cerca
quila, que gosto de visitar quando posso possível, organizada. No decorrer daque- de 1 hora e meia e percorri os corredo-
para rever os amigos e minha mãe. Tive le ano, as coisas foram tomando rumo e res da universidade em busca de aluguel
uma infância maravilhosa e guardo boas meu pai voltou a trabalhar. de imóveis ou pessoas com interesse
recordações. Tive muito contato com a em dividir apartamentos com estudan-
natureza; na casa dos meus pais tinha Hoje, minha mãe tem 71 anos. É uma tes da Unisinos. Em dois dias, conheci
um pátio grande, cercado de muitas mulher batalhadora, guerreira, com uma pessoa maravilhosa, a Taysa, que
plantas e flores e, nos fundos, um pomar uma história de vida dura. Nosso rela- hoje é professora no PPG em Direito da
de frutas cítricas. Fui muito serelepe; cionamento sempre foi bom; ela sempre Unisinos. Moramos juntas durante cinco
subia nas árvores, comia frutas em cima demonstrou muita abertura para o diálo- anos, foi uma experiência valiosa e en-
do telhado e brincava muito. Meus pais, go amigo e sincero. A confiança continua riquecedora. Hoje, almoçamos juntas e
Ethel e Ersi, trabalharam em indústria do sendo o nosso ponto forte. nos encontramos quando podemos, para
setor calçadista. Sou filha única. Quando compartilhar novos acontecimentos e
nasci, minha mãe parou de trabalhar Formação educacional – Do jardim relembrar os momentos de crescimento
para se dedicar a cuidar exclusivamente de infância até o segundo grau estudei e aprendizado que tivemos juntas. Des-
de mim. Para ela foi uma decisão difí- na Escola Cenecista de Teutônia, onde de que vim para cá, o aprendizado em
cil, pois não existiam escolinhas boas no cursei Técnico em Contabilidade. Em minha vida é diário. Após dez meses de
interior. Meu pai continuou a trabalhar 1997 ingressei na Unisinos, no curso de estágio, fui efetivada no Instituto de Lín-
para sustentar a família. A vida dos meus Secretariado Executivo Bilíngue – Por- guas – Unilínguas, onde trabalhei duran-
pais foi mais dura: ele estudou até a 8ª tuguês/Inglês. No quarto ano de curso, te cinco anos com os coordenadores. Há
série e minha mãe até a 5ª. Mesmo vin- ingressei como estagiária na área da quatro anos trabalho na Secretaria Com-
do de uma família simples, nunca faltou Comunicação da Universidade. Fiz dez partilhada da Área de Humanas, como
nada para mim. Meus pais sempre me meses de estágio e era responsável referência do Programa de Pós-Gradua-
proporcionaram tudo, desde afeto, edu- pelos cursos de especialização da área ção em Filosofia.
29 de agosto de 2011
20h – Palestra - Do rádio à internet: a legalidade e a mobilização popular hoje - Profa. Dra. Christa
Berger - Unisinos
Local: Auditório Central – Unisinos
30 de agosto de 2011
9h – Apresentação da pesquisa “História e Memória de João Goulart” – para o PPGH e aberto ao público
Profa. Dra. Lucília de Almeida Neves Delgado – UnB
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
17h30min – IHU Ideias - PTB: do getulismo ao reformismo - Profa. Dra. Lucília de Almeida Neves Delgado – UnB
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
20h – Conferência - O catolicismo e a conjuntura do Governo João Goulart: interações políticas e sociais -
Profa. Dra. Lucília de Almeida Neves Delgado – UnB
Local: Auditório Central – Unisinos
01 de setembro de 2011
17h30min – IHU Ideias - A política diplomática Norte-Americana no contexto da Legalidade - Profa. Dra. Carla
Simone Rodeghero – UFRGS
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
20h – Conferência de Encerramento: Questões de memória na abordagem histórica: João Goulart e o PTB
Palestrante Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira - FGV e UFRJ
Local: Auditório Central - Unisinos
A programação completa está no endereço eletrônico http://migre.me/5uJFw.
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