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História e Crônica em Cieza de León.

O fazer história no Peru no


século XVI.
Luis Alberto Martín Dávila Murguía

Introdução
Uma das maiores autoridades no estudo das crônicas peruanas no século XIX foi
o espanhol Marcos Jiménez de la Espada. Além de realizar uma procura sistemática de
textos, cartas e mapas produzidos sobre o Peru nos primeiros decênios em arquivos e
bibliotecas europeias, ele também se interessou por desvendar quais eram os autores que
se encontravam detrás destes textos, os quais na sua maioria não eram conhecidos.
Desse trabalho, temos a aproximação de Jiménez de la Espada à obra de Pedro de Cieza
de León, principalmente no seu estudo à chamada Guerra de Quito. A partir deste
estúdio, publicado em 1877, e do descobrimento na época de textos completos ou quase
completos, foi possível corrigir o equívoco cometido contra Cieza, devido à usurpação
de partes importantes de sua obra que foram quase ingeridas na Historia General de los
hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra Firme del Mar Oceáno e a sua
reelaboração por parte de Antônio de Herrera, cronista maior da coroa espanhola.
Graças a Jiménez de la Espada, a obra de Cieza se consolidou e ampliou sua
importância dentro do grupo de cronistas do século XVI.
Jiménez de la Espada considerava a Cieza de León como “el príncipe de los
cronistas de las Indias”, “el primero cronista del Perú, y quizás de las Indias” (Jiménez
de la Espada, 1877: XL). Em Cieza não é possível encontrar as posições favoráveis e
interesseiras de um Francisco de Xerez ou de Agustín de Zárate; o primeiro, secretário
do próprio Francisco Pizarro, e o segundo, contador da coroa no período turbulento da
guerra civil de Gonzalo Pizarro. Suas informações são reputadas por sua confiabilidade
e mesura. Nelas não encontramos etiquetas classificatórias sobre os índios, procurando
classificá-los como selvagens e bárbaros, da maneira como foi feita por Sarmiento de
Gamboa ou José de Acosta. Os índios são apresentados por Cieza através das
informações recolhidas de seus próprios especialistas, especialistas que tinham a função
de preservar a memória, seja através de cantares ou registradas nos quipos. Na medida
do possível, são os índios que eles mesmos se apresentam, são eles mesmos os sujeitos
de sua própria história.
Pelos fólios e linhas escritas se percebe a monumentalidade de seu esforço. Sua
obra abarca a descrição do território ao sul de Panamá até o Chile, descrevendo-se a
paisagem, a flora exuberante e os animais, assim como a forma de vida dos índios, sua
organização social e política, suas crenças e costumes diários. Recolhe as narrações
indígenas sobre seu passado, contendo informações sobre os primeiros reis incas, as
guerras que tiveram para poder manter no começo seu pequeno território e, logo depois,
o processo de expansão imperial de seu território até constituir o Tahuantinsuyo. Cieza
vá trás os conquistadores que tinham sobrevivido às guerras civis entre os próprios
espanhóis e trás seus descendentes para tentar construir o maior painel da história dos
fatos dos espanhóis desde que chegaram ao território do Tahuantinsuyo. O
descobrimento e a conquista do território se converte no espaço onde se desenrola a
grande gesta de Pizarro e sua companhia, gesta que continua no período das guerras
civis, enfrentamento entre os próprios espanhóis, onde a ação heroica se reparte entre os
bandos contrários.
A utilização da obra de Cieza, tanto as partes da sua autoria quanto aquelas que
eram atribuídas a outros autores, se converteram num pilar na História da Conquista do
Peru, o texto de William H. Prescott, a principal obra desse século que ajudou a
difundir a temática da conquista espanhola do império dos incas, publicado de 1847. A
consagração de Cieza por parte de Jiménez de la Espada como príncipe de los cronistas
teve como um elemento importante a confiabilidade de suas informações. Dessa
maneira, Cieza se converteria nas mãos destes dois historiadores, na principal fonte
histórica sobre o Peru do século XVI.
Da mesma maneira que estes dois historiadores elevaram a Cieza a um patamar
olímpico, a opinião de vários estudiosos do período durante o século XX foi a mesma.
A opinião de Raul Porras Barrenechea é fundamental porque aprecia por um lado, a sua
sensibilidade etnográfica e arqueológica, descrevendo com precisão e detalhe a vida
diária dos índios que ele encontrava à beira do caminho, exteriorizando a sua admiração
por a grandiosidade e engenhosidade de suas construções (Porras, 1968: 52). Por outro
lado, valorizou a utilização dos quipos por parte dos incas, lembrando que ele os
utilizou por ser uma fonte confiável de informações históricas (Porras, 1968: 119-121).
Outro historiador peruano que reserva um papel especial a Cieza é Franklin Pease.
Destaca Pease, além do mencionado por Porras, a importância de Cieza na
periodificação que estabeleceu na história do Peru no começo da sua própria história e
de suas observações em relação à forma de como deveria ser escrita a história (Pease,
1995: 199-204).
Junto a essas duas opiniões de peso, recentemente podemos somar mais uma.
Para Luis Millones Figueroa: “por supuesto, Cieza fue un historiador. El primer
historiador del Perú, a decir verdad” (Millones, 2001: 56). Se para muitos historiadores,
a importância de Cieza de León estribava em constituir uma fonte confiável e de
primeira-mão, Millones levanta um problema importante na obra de Cieza, sua
importância em sua totalidade, como uma obra de pensamento historiográfico, como
uma reflexão empírica de como poder fazer a história no Peru ou no Novo Mundo, no
século XVI e nas condições concretas que significavam a conquista de outro mundo.
Esse caminho apontado por Millones, de fazer de Cieza e de sua obra um
problema historiográfico, é o caminho que me interessa trilhar.

A importância do prefácio
O primeiro passo para compreender a Cieza, seria ler o prefácio de sua obra.
Como afirma François Hartog em relação aos autores antigos, estes autores gregos e
latinos argumentavam a favor do assunto e de sua importância, enquanto que como
leitores modernos, nós esperaríamos encontrar nessas linhas, uma argumentação a favor
do método seguido na pesquisa (Hartog, 2001: 11). A essa consideração sobre a
importância do prefácio ou proêmio em autores antigos, devemos somar a opinião de
Juan Luis Vives que na sua obra De ratione dicendi (1532), que afirma que uma obra de
história deve ser escrita num estilo mais “colorido” e o proêmio deve chamar a atenção
ao leitor (Vives o chama de “ouvinte”) devido à sua utilidade, à matéria agradável e por
ser amena (Vives, 1998: 241). Por esse motivo, é preciso delimitar quais seriam os
temas que encontramos no prefácio da Crónica del Perú, primeiro e único livro que foi
publicado pelo próprio Cieza.
Existe uma intenção de Cieza de realizar um resgate, tanto dos acontecimentos
pelos quais passaram os espanhóis nessas ignotas terras quanto de escrever sobre
“infinitas coisas dignas de perpetua memória de grandes e diferentes províncias” (Cieza,
1984: 6). Portanto, junto aparecem na sua obra tanto as façanhas dos espanhóis, suas
guerras, batalhas e outros, quanto às descrições sobre a natureza, clima, geografia dessas
terras, assim como os costumes e governo de seus índios.
Escolhido como escritor que pudesse registrar essa história, Cieza percebe que
“não deixe de conhecer (…) que para dizer as admiráveis coisas que neste Reino de
Peru houve e há, seria conveniente que as escreverá um Tito Lívio ou um Valério ou
outro dos grandes escritores que existiram no mundo” (Cieza, 1984: 6). Seu talento é
insuficiente e suas letras são poucas para poder registrar a memória dos espanhóis,
frente “aos grandes juízos e doutos foi concedido o compor histórias, dando-lhes lustre
com suas claras e sábias letras; e aos não tão sábios, o pensar em isso é desvario, e
como tal, passei algum tempo sem dar cuidado a meu fraco engenho” (Cieza, 1984: 8).
Mas, o que tem a seu favor? Principalmente a verdade. Em torno do problema da
história e a verdade contida nela, Cieza procurará destacar o valor de seu escrito e
definir o sentido da escrita da história no século XVI.
A história se define tendo como eixo o problema da verdade. A verdade histórica
se constrói no século XVI tomando como base o conjunto de fontes, sejam elas escritas
ou orais. Mas, no contexto peruano do século XVI não é possível fechar as fontes em
tornou destes dois elementos. Cieza percorre um espaço territorial pelo qual sua
memória registra e guarda todo um conjunto de percepções visuais: o agreste do
território, a arquitetura plasmada nas cidades ou nos caminhos indígenas, as vestimentas
dos índios e as formas de enterrar a seus mortos, etc. Mas também em procura de outras
opiniões e de apaziguar sua sede de informação, Cieza precisa escutar aos outros, tanto
espanhóis quanto indígenas, e dar o lugar apropriado para o coletado. É sua própria
experiência pessoal que se converte numa fonte histórica: aquilo que ele viu e aquilo
que ele escutou merecem crédito.
Mas sua história tem uma finalidade prática. Ela nós serve de exemplo. Desde a
chegada dos espanhóis ao Novo Mundo, desde que Deus pôs no caminho dos espanhóis
a estes índios, que são ao igual que eles, filhos de Adão e Eva, e que como instrumento
divino, eles os submeteram ao seio da santa igreja; se percebe que sua história procura
mostrar a eleição divina dos espanhóis para levar adiante essa tarefa seguindo um
determinado plano que é desconhecido para os homens.

“Determinei tomar esta empresa: de escrever as coisas do memorável e grande


Reino de Peru”
Qual é o objetivo declarado de Cieza ao escrever a sua história? O seu trabalho
se resume se é possível concordar com sua afirmação, em “acordei de tomar a pena para
recopilá-los” (Cieza, 1984: 6). Recopilar, juntar, preservar, resgatar ou guardar não
somente as façanhas dos valentes homens, mas uma imensidade de coisas, que tinha a
ver com formas de vida dos indígenas, sobre os territórios que eles ocupavam, de aquilo
que causava uma admiração ou um estupor nos espanhóis e que era preciso guardar
memória, não deixar com que a névoa do esquecimento o escondesse.
Sua intenção é escrever sobre “as coisas do memorável e grande reino do Peru”
(Cieza, 1984: 6), porque ele é testemunha direta de grande parte dos acontecimentos, de
aquilo que ele testemunhou e de aquilo que ele soube pelo trato com outras pessoas.
Suas palavras correspondem ao primeiro livro de seu projeto da sua história. Já no
terceiro livro da sua Crónica del Perú, mais conhecido como Descubrimiento y
conquista, Cieza se reafirma nos seguintes términos: “não deixei quando a pena tomei
para contar aos homens que hoje são e serão a conquista e descobrimento de nossos
espanhóis fizeram no Peru quando o ganharam, de considerar que se tratava da mais alta
matéria do universo da qual se pudera escrever de coisas profanas” (Cieza, 1996: 5). É a
importância do período que obriga a Cieza a tomar o compromisso de preservar através
das armas da pena e da tinta todo aquilo que fosse digno de ser preservado na memória
dos homens.
Sua experiência lhe proporciona a Cieza a possibilidade de contar com a
primeira garantia de que sua história é verdadeira e fiel aos acontecimentos (Cantù,
1996: LXXIX). As palavras de Cieza num elevado tom heroico são ainda mais
apropriadas: “Quem poderá dizer as grandes e diferentes coisas que são? As serras
altíssimas e vales profundos, por onde se foi descobrindo e conquistando? Tantos rios e
tão grandes e profundos? Tanta variedade de províncias que há, com diferentes
qualidades? As diferenças de povos e gentes com diversos costumes, ritos e cerimônias
estranhas? Tantas aves e animais, árvores e peixes tão diferentes e desconhecidos? Sem
o qual, quem poderá contar os nunca ouvidos trabalhos, que tão poucos espanhóis
passaram nesta imensidade de terra? Quem pensará ou poderá afirmar os inopinados
casos que nas guerras e descobrimentos de mil e setecentas léguas de terra que eles
passaram? As fomes, sede, mortes, temores e cansaço? De todo isto há tanto a dizer, que
a todo escritor cansará no escrever. Por esta causa, de aquilo que é o mais importante,
meu muito poderoso senhor, eu fiz e compilei esta história de aquilo que eu vi e tratei, e
por informações certas de pessoas de fé que eu pude obter” (Cieza, 1984: 7).
Da mesma maneira que Cieza, Bartolomé de Las Casas no prólogo a sua
Historia de las Indias (1552?) repete de Flávio Josefo as quatro causas que movem a
um escritor escrever uma história e afirma que de elas, ele aceita duas: declarar e
defender a verdade e manifestar os fatos que aconteceram e sua grandeza porque eles
são utilíssimos (Las Casas, 1965, tomo 1: 3). Salvando as diferenças entre um religioso
de profunda cultura humanista e um simples soldado, os dois compartem ideias
semelhantes em relação ao valor que tinha a história.

O vivido, o visto e o escutado


A história que escreve Cieza de certa maneira pode ser o produto da percepção,
seja da visão e do escutado. É comum encontrar em suas linhas afirmações como
“parece por aquilo que se vê” ou “muitos dizem”, marcas evidentes da importância que
tem em seu relato a percepção da realidade e das formas como ela eram percebidas. Para
entender melhor a forma como Cieza construía paulatinamente seu texto a partir dos
materiais que ele tinha, seria importante estabelecer um paralelo com os historiadores
gregos. R. G. Collingwood afirmava em relação à natureza e ao valor da história para os
gregos que eles “tinham de considerá-la, no fundo, não como uma ciência, mas como
um mero agregado de percepções. Qual era, então, o seu conceito de prova histórica?
Segundo esse conceito, identificavam as provas históricas com os relatos de fatos, que
eram feitos por testemunhas oculares desses fatos. As provas são construídas pelas
narrativas de testemunhas oculares e o método histórico consiste em deduzir delas a
verdade” (Collingwood, 1972: 36). Nessa medida, por ser a história construída em torno
do testemunho visual, ela é delimitada para os gregos como uma historia eminentemente
contemporânea (Hartog, 1982: 24).
Ao mesmo tempo, conscientes da limitação que impõe o esforço de escrever
uma história cerceada pelo presente, os gregos procuram dar um determinado espaço a
uma história que se constrói em função de aquilo que foi escutado. Uma citação de
Heródoto é apropriada para entender esse paralelismo com a história de Cieza: “Sobre
as fontes do Nilo, nenhum dos egípcios, líbios ou gregos que conversaram comigo,
pretendeu estar informado, exceto o escriba do touro sagrado de Ateneia na cidade de
Sais em Egito. Mas esse homem pareceu-me que mentia quando afirmou que sua
informação era exata” (Heródoto: II, 28). Aquilo que é identificado como uma
experiência ou observação direta é apreciada como base do conhecimento histórico. Já
aquilo que é conhecido porque foi ouvido de outros que se afirmam ou não como
testemunhas, precisa ser conferido ou comparado com outras testemunhas, já que ele
não é produto da experiência direta do autor.
O afirmado serve para entender melhor o tipo de história que escreve Cieza.
Valoriza sua própria experiência pessoal, valoriza o ter presenciado os acontecimentos
que ele mesmo narra. Mas também, acolhe aquelas narrações que não teve a
oportunidade de ter presenciado, mas as confere com a finalidade de assegurar a sua
veracidade. Afirma que “me basta ter escrito o certo; porque isso é o que mais procurei,
porque muito de aquilo que escrevo eu vi por meus próprios olhos estando presente e
andei muitas terras e províncias para vê-lo melhor. Mas aquilo que não vi, trabalhei por
informar-me de pessoas de grande crédito, cristãos e índios” (Cieza, 1984: 7-8).
Em diversas partes de seu texto se menciona a utilização de informações
proporcionadas por espanhóis que participaram dos acontecimentos ou que por ter uma
experiência de anos do Peru tinham aprofundado seu conhecimento as coisas do Reino.
Cieza menciona a utilização de informações proporcionadas por frei Domingo de Santo
Tomás. Este dominicano, sempre mencionado por sua amizade com frei Bartolomé de
Las Casas, por ter proporcionado importantes informações sobre os índios do Peru e por
ter escrito a primeira gramática e o primeiro dicionário da língua geral do Peru ou
chamada de quíchua, supôs um apoio importante para Cieza devido a seu conhecimento
da língua dos índios, na qual Cieza não tinha um bom conhecimento. Cieza menciona
em relação a este apoio que frei Domingo lhe proporcionou uma relação que tinha
informações sobre a prática da sodomia entre os índios das províncias de Conchucos e
de Chincha, afirmando que “para que entendam os que leiam como ainda se guardava
entre alguns essa diabólica cerimônia, colocarei uma relação que me deu na Ciudad de
los Reyes o padre frei Domingo de Santo Tomás, a qual eu tenho em meu poder e diz
assim…” (Cieza, 1984: 199-200).
Logo na terceira parte, Descubrimiento y conquista, Cieza menciona as
informações recebidas “assim como eu o escrevi, me foi afirmado por Nicolas de
Ribera” (Cieza, 1996: 24). A partir desta parte da sua obra, é mais comum encontrar as
fontes de suas informações, assim como a inserção de relações ou de documentos. Um
caso importante que permite perceber como Cieza se preocupa por inserir documentos
que apoiem melhor a sua exposição, assim como destaca seu esforço na procura de
documentos originais: “e para que se veja o certo deste negócio sem que andemos
procurando por opiniões, colocarei aqui à letra alguns capítulos retirados da capitulação
que com ele se tomou, segundo me consta pelo original que eu tive em meu poder
alguns dias nesta Ciudad de los Reyes” (Cieza, 1996: 82).
Para terminar com esta ideia, Cieza manifesta como se comporta frente a suas
fontes escritas ou seus documentos: “procurei encontrar esta carta no arquivo da vila da
Plata para pôr à letra; pois é já nosso costume pôr em minha narração as que eu
encontro, sem mudar as sentenças, pois minha escrita não se faz para contentar aos
presentes, mas para satisfazer aos que nasceram no tempo futuro. Quando a escritura se
faz muito grande, os escritores deixam de pôr coisas por lhes parecer pequenas, mas
depois andando o tempo, elas se têm por grandes” (Cieza, 1909: cap. XXVI).
A própria experiência pessoal de Cieza é o alicerce da sua história. Mas ele parte
pela necessidade de sua obra de narrar a história do Reino do Peru e dos incas que o
governaram e isso supõe pesquisar as informações que os próprios índios poderiam
proporciona-lhe. A segunda parte de sua obra, El Señorío de los Incas, Cieza parte para
a exposição da história do reino, mas também parte para a análise política da forma de
governo dos incas. Como bem lembra Pedro R. León, o conceito de señorío inclui tanto
a noção do governo de um senhor quanto a arte de governar (León, 1973: 96). Portanto
em El Señorío, Cieza procura através da sua pesquisa histórica sobre os diversos
governantes indígenas desvendar o segredo de suas formas de governo. Para realizar
isso, ele tem que voltar seu esforço para obter informações confiáveis sobre esse
período: “Já tenho outras vezes dito como, por exercício de minha pessoa e por fugir
dos vícios que da ociosidade crescem, tomei o trabalho de escrever aquilo que eu pude
alcançar dos Incas e de seu reino e de sua boa ordem de governar; e como não tenho
outra relação nem escritura, além da que eles dão, se alguém acertasse a escrever esta
matéria melhor que eu, bem poderá. Mas para claridade de aquilo que escrevo, não
deixei de ter trabalho e para faze-lo com mais verdade, eu vim ao Cuzco, …onde fiz
juntar a Cayu Tupac, que é o descendente vivo de Huayna Capac, … e a outros dos
orejones, que são os que entre eles se têm por mais nobres, e com os melhores
interpretes e línguas que se acharam, lhes perguntei sobre estes senhores Incas, que tipo
de gente era e de que nação” (Cieza, 1985: 13).
Cieza precisa das informações proporcionadas pelos orejones, já que ainda que
ele muitas vezes as denomine de ystoria ou de fábula (Cieza, 1985: 14), ele reconhece
que eles souberam registrar em seus cantares a memória daquilo que se queria preservar.
Cieza procura a forma como estes especialistas na preservação da memória procuravam
construir um determinado tipo de conhecimento histórico que se construía em torno aos
governantes. Estes se reuniam para discutir sobre como tinha sido a vida do governante
uma vez que este tinha morto, como tinha sido sua república, as guerras e batalhas que
tinha enfrentado; para logo, no caso de ter sido um governante venturoso, se chamasse
primeiro aos quipucamayoc, que eram os responsáveis por fixar com precisão nos
próprios quipos ou cordas coloridas e com nós os acontecimentos importantes. Logo
eram chamados os responsáveis por registrar nos cantares os aspectos importantes no
governo do inca morto. Portanto, importava registrar aquilo que servia para cantar as
glorias do passado, para ser ensinado aos filhos dos principais e para ser lembrado em
festas e outras ocasiões. Mas, caso o inca não tivesse sido um bom rei ou tivesse sido
derrotado ou sido um cobarde, nos próprios cantares ou na memória registrada se
mandava para que fosse esquecido o nome desse inca (Cieza, 1985: 27-28). Além disso,
é importante observar que Cieza trabalha com as fontes produzidas no Cuzco, aquelas
que recolhem a tradição dinástica e nobre do Cuzco.
Se a história elaborada por Cieza tem como fundamento a sua experiência
pessoal, as informações proporcionadas pelos informantes espanhóis e indígenas, sejam
estas produto de documentos recolhidos, principalmente no período do governo de
Pedro de La Gasca, ou nos depoimentos de participantes diretos ou de testemunhos que
tinham informações importantes, o real é que esse conjunto se insere dentro de uma
forma peculiar de fazer a história.
Frente a esta forma de fazer a história de Cieza, podem ser contrapostas outras
alternativas. Um elemento importante para Cieza em relação a quem deveria escrever a
história é o relacionado a ser ele próprio testemunho dos acontecimentos que estão
sendo narrados. É o conhecimento direto aquele que conta. Já para Las Casas, o homem
apropriado para escrever a história seria o sacerdote “justíssima razão é que os
historiadores fossem sábios e espirituosos e temerosos e não liberais na sua consciência
ou que pretendessem algum fim ou paixão particular” (Las Casas, 1965, t° 1: 6). Da
mesma maneira que para Las Casas é o sacerdote, para os antigos era o sábio como já
tinha sido afirmado pelo próprio Cícero e logo também por Vives, para o qual “é
necessário ter um juízo íntegro e não corrompido por opiniões perversas. Não deve
admirar as riquezas, o poder, as lutas ou a vitória conseguida com muita matança”
(Vives, 1998: 245).
Cieza é também crítico a aqueles que escrevem sobre as Índias sem jamais ter
estado nelas. Sua observação principal é em relação a Francisco López de Gómara. No
começo da sua exposição sobre os índios mitimaes, Cieza corrige a López de Gómara
em relação a considerar que estes mitimaes sejam o mesmo que escravos e afirma que
“nestes descuidos caem todos os que escrevem por relação e cartapacios sem ver nem
conhecer sobre a terra da qual escrevem para poder afirmar a verdade” (Cieza, 1985:
63). A discussão que se começa a vislumbrar é sobre a legitimidade de um escritor em
relação à matéria de seu trabalho; para Cieza, se alguém que nunca conheceu um
território possa escrever a história do mesmo, ainda que se tenha apoiado em diversos
documentos e testemunhos. Para Las Casas, entrará um elemento importante, além
desses, a de ter bom juízo, não ser apaixonado e honesto em seus pensamentos e ideias.

“Eu serei escritor verdadeiro”


Em diversas partes da sua obra Cieza estabelece como uma das causas pela qual
escreveu a sua história é “o que escrevo aqui são verdades e coisas de importância,
proveitosas” ou “a mi me basta ter escrito o certo” (Cieza, 1984: 7). A verdade se coloca
em Cieza como um problema urgente, um problema no qual como historiador é
necessário tomar partido pela verdade: “muitos erros foram cometidos neste reino pelos
espanhóis e certo eu folgasse ao não escrevê-los por ser minha nação, os quais sem
mirar os benefícios que receberam de Deus, Nosso Senhor, que foi servido que eles e
não outras gentes ganhassem tão grandes reinos e províncias como são estas Índias, sem
temer-lhes os atacaram e ainda que claramente vejamos sua justiça e castigo que dá aos
maus, porque tomem exemplo os bons e saibam no futuro o que passou, eu serei escritor
verdadeiro e darei notícia de todo isso” (Cieza, 1991; 372). Essas informações de Cieza
em relação à história e à verdade nós ajuda a estabelecer sua relação com as ideias que
circulavam na época sobre como deveria ser escrita a história, principalmente com as
ideias de Marco Túlio Cícero. Deste autor é importante destacar suas asseverações sobre
as leis da história: “Quem não sabe, em efeito, que a primeira lei da história é não
atrever-se a dizer nada falso? A segunda, atrever-se a dizer toda a verdade?” (Cícero, De
oratore: §62). A verdade da sua história reside no fato de ele ser uma testemunha dos
acontecimentos contemporâneos a ele e para aqueles nos quais ele não esteve presente,
ele recorreu a fontes dignas do maior crédito. Essa observação constituirá a segunda
garantia que menciona Francesca Cantù em relação à obra de Cieza que seria “a
cuidadosa seleção das fontes e uma segura capacidade de juízo sobre o valor dos
testemunhos orais: eu sempre sigo o mais certo afirma Cieza (Cantù, 1996: LXXIX).
A preocupação de Cieza com a verdade da história esbarra em sua própria
concepção da história. Para Millones “a história do reino apresentada pela Crónica del
Perú, se enquadra numa concepção providencialista da história que Cieza comparte com
seus contemporâneos” (Millones, 2001: 111). Essa conceição que tem um de seus
expoentes mais importantes a Santo Agostinho, é produto da resposta às conceições
gregas e latinas, principalmente aquelas que centravam em conceições estoicas sobre a
racionalidade do homem, por parte do cristianismo que se deram a partir do século V.
Dentro dessa idéia, se destaca que o homem é cego na ação, contrariando a ideia da
possibilidade de uma racionalidade do mundo e do conhecimento, abrindo as portas às
paixões, ou como entendia Agostinho, ao pecado original. Essa irracionalidade do
homem o incapacita na possibilidade de conhecer o mundo ou de saber o verdadeiro
sentido. Essa capacidade de conhecer ao mundo só corresponde ao próprio Deus, seu
criador. É a providencia ou a graça divina que conduz a história do mundo para um
determinado fim ou para um destino, o qual se identifica com a salvação do mundo
(Collingwood, 1972: 65-72).
Ao fazer um resumo dos acontecimentos dos espanhóis nas Índias depois da
viagem de Cristóvão Colombo em 1492, Cieza estabelece que a explicação para estes é
“a doutrina de Jesus Cristo e a predicação de seu santo evangelho para que se estenda
por todas as partes do mundo, e a nossa santa fé seja exaltada” (Cieza, 1984: 25). Em
Cieza a procura da verdade última da história, que é identificada com acontecimentos
como o descobrimento do Novo Mundo e a conquista deste por parte dos espanhóis, se
concretiza numa espécie de frustração ante a impossibilidade de apreender o sentido dos
acontecimentos, pois “houvesse Deus permitido que tantos anos e por tão longos tempos
estivesse coisa tão grande oculta ao mundo e não conhecida dos homens” (Cieza, 1996:
6). Não existe já a ideia de uma deusa Fortuna ou o Destino que deixe a porta aberta
para o acaso. Para Cieza é Deus que escreveu a história e ela se sujeita a seu juízo por
assim tem que ser; como quando ao explicar o porquê os espanhóis não entraram no
Reino de Peru durante o reinado de Huayna Cápac, mas tiveram que esperar a morte de
ele e o início da luta entre seus dois filhos, sentencia que “as coisas das Índias são juízos
de Deus, saídos da sua profunda sabedoria, e Ele sabe por que permitiu aquilo que
passou” (Cieza, 1996: 62).
Se existe um plano de Deus para os homens que se desenrola na história e que
eles não são capazes de conhecer, mas que está relacionado à salvação de eles, é lógico
perguntar sobre qual seria a utilidade da história do homem. A história serviria para
conhecer a verdade, não aquela que se encontra ligada aos acontecimentos e que se
restringe a construir uma narração sobre aquilo que passou; mas a verdade da própria
existência dos homens e que não se restringe ao curto curso da suas vidas, mas “que os
homens saibam com verdade os acontecimentos e também que considerem e percebam
como ordena Deus as coisas e se faz o que eles não pensam, mas o que Ele é querido”
(Cieza, 1996: 64-65).

O estilo da sua História


Se a verdade é colocada como um dos imperativos da sua Crónica, não é menos
certo que existe uma preocupação em relação ao estilo na sua obra. Um dos primeiros
problemas que surge é o relacionado às qualidades pessoais do escritor que deveria de
escrever a história. Já no proêmio da Crónica Cieza confessa que ainda seu desejo de
escrever essa grande história, ele reconhece “sem mirar as fracas forças da minha
faculdade”, para a qual deveria comparecer “um Tito Lívio, um Valério ou outro dos
grandes escritores que já existiram” (Cieza, 1984: 6). Seu esforço para contar sua
história deve de estar fixada na procura de contar só a verdade e não como outros que
procuravam narrar história para as quais “não há quem afirme ter visto e tratado, por ser
na maior parte fantasiado e coisa que nunca foi” (Cieza, 1984: 7). É o ponto principal.
Cieza não é só um soldado, não é um soldado como os outros que participavam,
aos quais ele poderia afirmar que tinham só um ofício: fazer a guerra contra os índios.
Ele reconhece que tem dois ofícios: “escrever e seguir a minha bandeira e meu capitão”
(Cieza, 1984: 7). Por esse motivo, em parte, por ter sido sua obra escrita por um
soldado, não por um doutor ou sábio em letras, para os quais foi reservado o direito de
compor as histórias, dando “lustre com suas claras e sábias letras” (Cieza, 1984: 8). A
essa desvantagem que se reconhece o próprio Cieza por ter as letras suficientes para
escrever essa história, ele o procura compensar subordinando o adorno das letras, as
referências de autores gregos e latinos e a escolha do estilo apropriado. O elemento
principal da sua obra, ao qual se subordina o resto, é a verdade.
Cieza, lembrando o ensinado por Cícero afirma que “no curso de nossa história
não procuro estilo subido nem adornado, pois conheço minha facúndia que pouca é e ser
minha mão muito escabrosa, mas ao menos, parece-me dizer a verdade. Com a qual
satisfaço bastante meu honor, aproximando-me à sentença de Túlio, que diz que para
escrever não é necessária oratória, mas só compor a escritura certa e verdadeira” (Cieza,
1994: 413).
Para entender melhor a relação entre a verdade e o estilo, seria importante fazer
um paralelo entre a obra de Cieza com a de Francisco López de Gómara, um
historiador, homem de letras e próximo aos círculos de poder na Espanha. Na
dedicatória a seus leitores na sua Historia General de las Indias, López de Gómara
afirma em relação a seu texto que “toda história, ainda que não seja bem escrita,
deleita. Não em tanto, não há que recomendar a nossa, mas avisar como ela é tanto
aprazível quanto nova pela variedade de coisas e tão notável quanto deleitosa por suas
muitas estranhezas. O romance que leva é simples, como agora usam; a ordem,
concertada e igual; os capítulos, curtos para poupar palavras; as sentenças, claras ainda
que breves” (López de Gómara, 1979: 3). A obra de López de Gómara é produto de
alguém que conhecia a escrita da história em conformidade com os padrões
humanistas do século XVI.
Duma interseção destes dois autores, Cieza e López de Gómara, surge a
constatação de que para Cieza o conhecimento das letras ou a capacidade de realizar
uma escrita embelezada e amena, não era condição necessária para levar adiante a
escrita de uma história. Para ele, a verdade, em termos de ser testemunha direta dos
acontecimentos, se constitui na principal razão. A beleza de suas letras, ou melhor, a
falta de ela ou a sua rudeza, eram supridos por seu esforço em narrar acontecimentos
recentes ou contemporâneos da forma mais exata possível.
A empresa de contar a história dessas grandes façanhas e de resgatar das
memórias de seus participantes acontecimentos dignos á posteridade fez com que
Cieza quebrasse, ainda que de forma retórica, suas próprias limitações: a falta de
letras, necessárias para escrever toda e boa história. O primeiro motivo que ele
argumenta para ter iniciado a escrita da sua história se deve a que das pessoas que se
encontravam na empresa da conquista, ninguém se ocupava de dar notícia e de
resgatar do tempo a memória das coisas.

“Mestra da vida”

Dentro do pequeno grupo de autores gregos e latinos que são mencionados por
Cieza, se encontra num lugar de destaque Marco Túlio Cícero. A sua obra não pode ser
considerada como um conjunto de textos de história; neles o aspecto principal está
voltado para uma reflexão sobre o papel da história ou a sua utilidade para a oratória.
Não se pode esquecer que a preocupação de Cícero não é o trabalho do historiador em
relação aos acontecimentos, mas a utilidade da história para o orador. Num primeiro
momento, ele estabelecia que se à poesia lhe correspondia produzir obras que nós
proporcionassem prazer, enquanto que à história lhe correspondia tratar dos
acontecimentos em procura da verdade (Cícero, De legibus: I, 1, 5). Mas agora para
Cícero, a história e a retórica de maneiras distintas tinham uma finalidade comum,
construir uma determinada opinião pública, com a ressalva de advertir o perigo de que a
retórica podia distorcer os acontecimentos da história. Em esse sentido é que Cícero
reforça a união entre história e verdade.
A história que é escrita de acordo com as leis que estabeleceu Cícero para a
história em relação à escrever sempre a verdade e nunca escrever coisas falsas possui
uma utilidade elevada. A história para Cícero se constitui em historia magistra vitae,
numa coleção de exemplos que permitem vislumbrar através da sua leitura o próprio
futuro ou conhecer a história para saber que nos depara o futuro (Koselleck, 2006: 46-
47). Nas palavras de Cícero “desconhecer o que aconteceu antes de nosso nascimento é
ser sempre uma criança. Em verdade, o que é a vida de um homem, se ela não se une à
vida de seus antepassados mediante a lembrança dos fatos passados? A lembrança do
passado e o recurso aos exemplos históricos proporcionam, com grande desfrute,
autoridade e crédito a um discurso” (Cícero, Orator: §120).
De muitas maneiras, Cícero se apresenta na obra de Cieza, assim como poderia
ser na obra de qualquer espanhol que escrevesse na época. Como exemplo, Millones
destaca nesse sentido o aproveitamento das máximas de Cícero na obra De ratione
dicendi de Juan Luis de Vives (Millones, 2001: 57). Da mesma maneira que Vives
aproveita o conhecimento da obra de Cícero, além de um enorme numero de outros
autores gregos e latinos, dos quais ele tinha um conhecimento profundo, para escrever
uma obra sobre a importância da retórica; Cieza comparte esse acervo clássico numa
versão básica e reduzida que lhe permite repetir no seu prefácio que “assim Cícero
chamou à escritura de testemunha dos tempos, mestra da vida e luz da verdade” (Cieza,
1984: 14).
Já em palavras de Cieza temos que “também escrevi esta obra para que viessem
em ela os grandes serviços que muitos nobres cavaleiros e mancebos fizeram à coroa
real de Castela, se animem e procurem imitá-los. Mas também para que percebendo
como outros não poucos se extremaram em cometer traições, tiranias, roubos e outros
erros, tomando exemplos em eles e nos famosos castigos que se fizeram, sirvam bem e
lealmente a seus reis e senhores naturais” (Cieza, 1984: 9). Na época em que ele
escreveu sua Crónica, Gonzalo Pizarro já tinha sido derrotado por Pedro de La Gasca
por ter tentado rebelar-se contra as leis da Coroa que procuravam extinguir as
encomiendas de índios em favor dos espanhóis, conquistadores e seus descendentes.
Portanto, o caminho já se encontra traçado para Cieza.

Conclusão
Poderíamos afirmar que a forma como Cieza narra sua história é principalmente
lineal, uma história cronológica que começa e termina segundo a ordem dos
acontecimentos. Essa característica pode ser encontrada tanto em El señorío de los
Incas, Descubrimiento y conquista assim como nos livros que constituem a Guerra
civil. Nesses livros, Cieza procura narrar sobre a história do Reino do Peru, antes da
chegada dos espanhóis, como se deu o descobrimento do território e logo sua conquista,
para depois narrar o porquê se originaram as guerras civis que enfrentaram aos
espanhóis, e como estas terminaram com a derrota de Gonzalo Pizarro pelo governador
La Gasca. Já no primeiro livro, Crónica del Perú, a característica que ressalta em
primeiro lugar é uma narrativa que se organiza em função de uma descrição de uma
viagem do norte para o sul, as vezes fazendo uma viagem marítima e outras, uma
viagem terrestre ao interior, seguindo os caminhos mandados construir pelos incas.
Neste livro, se descreve a natureza do território que foi conquistado, seus diversos
climas, os caminhos e as cidades, a localização geográfica destas e quais eram as
melhores rotas para chegar desde o litoral. Também se descrevem aos índios, seus
costumes e governo, suas roupas, armas e hábitos alimentares. A sua obra é histórica,
ainda que para nós possa resultar estranho que dentro da obra se reserve trechos
importantes para descrever o território do Reino e as formas de organização ou de
comportamento. História que para nós inclui história, geografia, etnologia, política e
outras disciplinas.
Lembro novamente a obra de Vives para esclarecer esse uso: “O discurso não
deve ser de quaisquer coisas, mas das mais importantes no argumento, muito dignas de
conhecer e onde o escritor acredita ter conseguido material para utilidade e deleite. Há
também frequentes descrições de cidades, de regiões, de montes e rios, que contribuem
muito à compreensão do fato” (Vives, 1998: 245). Não se encontra longe do horizonte
da história no século XVI, o fato de escrever a história e introduzir argumentos sobre a
geografia, o clima, a natureza, os costumes e outros, porque eles também ajudam a
explicar essa mesma história.
Mas a própria definição da história é estranha. Se há uma sequência cronológica
na maior parte da obra porque aparentemente corresponde a uma compreensão lineal do
tempo, encontramos evidencias da possibilidade dentro da concepção providencialista
da história de elementos de uma compreensão circular da mesma. O providencialismo
se manifesta como uma marcha, aparentemente reta, do homem para a salvação. A
história é construída de acordo a um plano divino, na qual as faltas que comete o
homem em seu transcurso devem ser castigadas para que ele compreenda sobre seus
erros e se aproxime cada vez mais a seu salvador. Nesse ponto é que a história escrita
por Cieza se aproxima às ideias de Bartolomé de Las Casas.
Las Casas tinha em diversos momentos de sua obra combatido a outros
escritores que tinham escrito sobre as Índias e não tinham sido autênticos em relação às
mortes dos índios causadas pelos espanhóis; na lista poderiam aparecer além de López
de Gómara, também Gonzalo Fernández de Oviedo. Frente à dedicatória de López de
Gómara de que “a maior coisa depois da criação do mundo, tirando a encarnação e
morte de aquele que o criou, é o descobrimento das Índias” (López de Gómara, 1979:
7), temos a Las Casas que afirma que “os grandes e inexplicáveis pecados que se
cometeram nas Índias são os maiores depois que se cometeu a morte do Filho de Deus”
(Las Casas, 1958: 231). Essa afirmação serve para narrar todas as maldades cometidas
pelos espanhóis contra os índios, as carnificinas, vexações, saqueios e outras mais. Para
Hidefuji Someda, a opinião de Las Casas era que “a essência da história indiana
consiste no fato de que os índios, que tinham vivido pacificamente em suas próprias
terras, foram maltratados e assassinados por invasores chamados cristãos” (Someda,
2005: 99). O sofrimento dos índios causado pelos espanhóis com o intuito de submetê-
los e a desapiedada exploração que sofreram, foram entendidos por Las Casas como
uma quebra da confiança dada aos espanhóis em relação a aquilo que eles fizeram na
reconquista. Como afirma Cantù em relação à aproximação de Cieza às ideias
lascasianas “segundo a qual a traição dos fins providencialistas da presença da Espanha
em América, vá preparando para os transgressores um justo e inevitável castigo”
(Cantù, 1987: LXXXIX).
A história do Peru, tanto a história dos índios quanto da história dos espanhóis
quando chegaram, se converte num pano de exemplos e que Cieza procura recolher os
acontecimentos importantes que possam servir de lição para os espanhóis que leiam
suas linhas. Cieza é consciente que o descobrimento e conquista das Índias se deve a um
plano divino e da importância que outorga aos pecados, afirma que “Deus se cansou de
sofrer os grandes pecados dos índios desta terra e enviou aos Incas a castigá-los, os
quais também não duraram muito e por sua culpa, Deus se cansou dos sofrimentos e
vieram vocês que tomaram sua terra na qual agora vocês estão, e Deus também se
cansará dos sofrimentos e viram outros” (Cieza, 1987: 145). É nesse sentido que Cieza
coincide com Bartolomé de Las Casas em que a história está encaminhada desde um
começo para a salvação, mas que os castigos sofridos pelos índios, também poderiam
ser sofridos pelos próprios espanhóis em razão de seus pecados. E ai o perigo da
previsão milenarista que volta com toda sua força tal “o poder passa de uma nação a
outra pela injustiça, pela violência e pela riqueza” (Eclo 10, 8).

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