Resumo:
Lacan utilizou letras em lugar de palavras para falar dos quatro discursos. Estas letras
têm um código a ser decifrado: S1= significante mestre; S2= o saber; $= sujeito
barrado; a= pequeno a, o mais-de-gozar. Os quatro discursos circulam em vários
espaços. São atos e não os espaços que especificam o discurso. Ex: o mestre não se
funda apenas no discurso do mestre, mas se enlaça nos quatro discursos.
A
S I
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Profª Drª em Psicologia da Educação. Profª da Graduação e da Pós-Graduação da Universidade do Estado da Bahia e
Lider do Grupo de Pesquisa em educação e psicanálise e representação social social (gepe-rs). Psicanalista.
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Lacan (1964) instituiu no seu seminário RSI esses três registros: Real, Simbólico e Imaginário, que enodados de
forma borromeana estruturam o sujeito.
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Imaginário é especular, é fantasia, tem haver com a imagem. É na educação que o
docente se vê enodado pela representação desses três elos, mesmo sabendo que algo
precisa ser mudado, referenciado frente às demandas da sociedade contemporânea.
O discurso docente não é mais vazio, mas emprenhado de sentidos. Em certa
medida, alguns docentes se apropriam do conhecimento e quantos alunos se alimentam
e bebem desse processo de transmissão quando não comem e gozam desse prazer
intelectual e da angústia do aprender.
O real, o simbólico e o imaginário docente expressam o discurso e a estrutura do
sujeito no processo de ensinar e aprender revela que esse processo tem marcas
fundantes das figuras parentais, as quais contribuíram para a relação transferencial entre
professor-aluno. É possível tecer uma formação discursiva para dizer que quando se fala
de professor fala-se de aluno: docência e aluno tentando se escutar no espaço da sala de
aula: parecidos com a fita de Möebius3 em que o movimento de cara e coroa se desfaz,
porque agora não há mais borda e sim uma continuidade na mesma superfície conforme
revela o matema:
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Uma fita de Möbius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar
meia-volta numa delas. Deve o seu nome a August Ferdinand Möbius, que a estudou em 1858.
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Não é uma doença, mas a expressão de um conflito inconsciente. Expressão da realização de um desejo e à
realização de um fantasma inconsciente, que serve a realização de tal desejo. (Freud, 1892, 231).
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O discurso docente faz ato com a palavra que faz laço com o ensinar, aprender
que compõem o ato de aprender é o agalma5 que presentifica o estilo do que se diz, o
qual nesse estudo é teorizado tomando como referência Freud (1911) e Lacan. (1958).
No papel de sujeitos cognitivos, afetivos e sociais, o professor brinca de fort-da6
porque há um desejo de que sua presença e sua ausência provoquem faltas e suas
representações são costuradas tanto por conteúdos conscientes como por processos
inconscientes. Nesta lógica, a fala a seguir explicita o processo:
Na condição de pesquisadora indago: não seria essa capacidade de promover um
novo discurso não fechado, um discurso completo mas um discurso do semi-dizer como
quer a psicanálise, um discurso que revela uma ausência para que o aluno busque a
construção do seu conhecimento?
É possível ratificar que esse conhecimento tem uma base cognitiva, afetiva e
social, que se enlaça no escopo do discurso docente, de certo ponto de vista, quando
tentamos ver as faces do cubo que o autor propõe:
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Objeto de desejo, brilhante, galante, termo que vem de gal, brilho, no antigo francês. Lacan, J., utiliza essa
expressão no Seminário 8 – A Transferência (1993, p. 139)
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Par simbólico observado por Freud no brinquedo de uma criança de 18 meses, revelando no jogo presença e
ausência (Chemama, 1995, p.82)
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No lugar do sujeito do discurso me constituo enquanto sujeito da falta e me
coloco no lugar da fala se por um lado posso correr o risco de ser seduzida pela
completude, e por outro, tento enodar o real, o simbólico e o imaginário do discurso
docente.
O conceito de sujeito em psicanálise implica o próprio desconhecimento deste
em relação àquilo que o determina, ou seja, o inconsciente. Essa relação de
desconhecimento é constituinte do sujeito e permite articular várias rotas possíveis para
se pensar a cultura, a civilização, seja na arte, na ciência, na educação, na política ou na
relação professor-aluno. A noção do inconsciente ainda é estranha à educação, pois é
difícil conviver com a idéia de que possa existir um saber do qual nada se sabe. As
bases filosóficas da contemporaneidade estão assentadas em indagações permanentes
que envolvem o sujeito e o enigma essencial do homem: quem sou eu?, mola propulsora
para a instalação de um desejo de saber.
A apreensão da noção de sujeito na psicanálise e dos demais conceitos
implicados pode constituir-se em dificuldades para o professor, pois exige o
entendimento de que no ato educativo de ensinar e aprender há algo que a subjetividade
humana revela e que envolve mais do que o cognitivo, mas também o afetivo, que
somos seres incompletos, que há falhas em nossas relações, há furos em nosso saber e
que estamos em descompasso. E isso, em certa medida, a pedagogia parece não querer
ver, pois envolve o desejo de cada um, que é singular e que supõe o sujeito do
inconsciente, constituído na trama da linguagem, que envolve o dizer e o não-dizer em
que tanto o professor como o aluno se tecem sujeitos, com sua marca nomeada de estilo.
(KUPFER, 2000, p.129) A autora coloca: “ser sujeito implica que Lacan vai trabalhar
esse conceito na formulação dos quatro discursos, que desenham os diferentes modos
de laço social estabelecidos pelo sujeito no processo de inter-relação e trazem uma nova
dimensão da linguagem a falta”. A ênfase que Lacan coloca na linguagem como um
sistema de significação é um elemento central. O significante é o elemento que
determina o curso do desenvolvimento do sujeito e a direção de seu desejo. Lacan
utiliza fórmulas que expressam relações num dado momento da articulação dos termos:
sujeito, saber, objeto a. Estes termos se movimentam em torno de quatro lugares: o
lugar de um agente, que é o que aparentemente organiza o discurso, lugar do Outro ao
qual o discurso se dirige; o lugar da verdade, que fundamenta o discurso e o lugar da
produção, que marca o produto engendrado pelo discurso. Nessa articulação entre
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sujeito, significante, saber e objeto a, movimentam-se numa continuidade e não como
causa-efeito, se substituindo nos lugares de agente, Outro, verdade e produção.
Lacan utilizou letra em lugar de palavras. Os quatro discursos se sustentam na
matemática e se enlaçam na contemporaneidade. Estas letras têm um código a ser
decifrado:
S1= significante mestre
S2= o saber
$= sujeito barrado
a= pequeno a, o mais-de-gozar
O S1 ocupa o lugar do poder. Nesse lugar tudo está submetido à lei, ao controle
social, à ordem. É um discurso do desejo. Eis que emerge $, um furo do mestre que
insiste num saber todo e aprisiona nossa singularidade. O discurso do mestre (discurso
político, por excelência) é aquele que não quer saber sobre as coisas, mas quer apenas
que elas andem. Para que as coisas andem, aquilo que é da ordem do sujeito, como
assinala o gráfico, a e $ abaixo da barra, deve ficar recalcado.
O primeiro, mais antigo, o do discurso do mestre, visa “consertar” o que surge
como problemático por meio de medidas práticas que interferem naquilo que é
concebido como a causa do problema. Só nesse ponto é que ele se interessa pelo saber,
uma vez que este pode concorrer na solução do problema. Um saber amputado, posto
que é um saber já sabido “todo”, do qual se retirará uma eficácia.
No discurso do mestre, há a idéia de que quem fala sabe sobre o que fala. É o
discurso da possibilidade do saber, que se aproxima da ciência ao se acreditar unívoco.
O conhecimento que resulta desse discurso se reduz a um saber teórico. Essa forma
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discursiva coloca o outro na posição de escravo, mas de um escravo que tem um saber
prático do qual o mestre depende, para dali extrair sua essência e transformá-la num
saber de mestre. Visa a um tipo de poder conferido ou prometido pelo saber. É
comandado por um significante mestre apresentado ao outro como o saber que satisfaria
o desejo.
A versão moderna do discurso do mestre tem sua continuidade no discurso
universitário, comandado pelo saber estabelecido. Tem o saber como agente e se dirige
ao aluno que deve obedecer ao imperativo “saber mais”. A produção resultante é o
sujeito universitário que supõe um agente do saber, sobre o qual ele se sustenta, pois
precisa validar cada afirmação pelo já dito de um autor reconhecido enquanto tal. O
discurso universitário prega que há um conhecimento erudito ao qual o aluno deve se
assujeitar; há um saber sobre o objeto (o aluno como objeto), em como este deve ser. O
saber é da ordem de um grande Outro, o que provoca a alienação do sujeito. Observa-se
no Discurso Universitário que, no ato de educar, há um que sabe (o professor) e outro
que não sabe (o aluno). É um discurso transmissor da bibliografia, do conteúdo, do
método, etc. Torna-se escravo da escrita do Outro para dar sentido a sua escrita. Esse
discurso funciona como porta-voz de saberes e conhecimentos. É um mito do EU que
impera o lugar da Eu-cracia, termo utilizado por Lacan em 1969 para parafrasear a
palavra democracia. O discurso universitário goza-se com a alienação. O saber
veiculado é só aquele “creditado”, o que recebeu da “etiqueta” universitária a
autorização e a credibilidade. É um discurso que serve bem ao discurso do mestre. É por
isso que a universidade corre sempre o risco de cair na máxima da “ciência pela
ciência”, do “saber pelo saber” e, no final, as pesquisas mostram muito mais eficácia
metodológica do que resultado profícuos.
O discurso do histérico é sedutor; o histérico deseja reinar sobre o mestre. A
queixa, a insatisfação são marcas desse discurso, posto que idealiza seu mestre e diz que
o ama. Enquanto que o discurso do analista vai na contramão do discurso do mestre. O
analista de posse do saber do inconsciente desvela o sujeito analisante na sua
singularidade e o eleva à condição de sujeito da fala e da falta. É o sujeito suposto saber
Sss e ao mesmo tempo sabe que não sabe. O segundo, mais recente, o do discurso
analítico, busca “escandir” o que surge como conflituoso, agindo na forma como é
falado o conflito e que advém um saber ainda não sabido. Um saber cuja eficácia reside
na possibilidade de fazer questões (outras que não aquelas já existentes na queixa) e não
em dar respostas.
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Os quatro discursos circulam em vários espaços: na família, na escola, na igreja,
no trabalho etc. São atos e não os espaços que especificam o discurso. Ex: o mestre não
se funda apenas no discurso do mestre, mas se enreda nos quatro discursos.
Sabemos que o sujeito para a psicanálise é o sujeito do desejo e que se manifesta
nas formações do inconsciente, ou seja, através dos sonhos, sintomas, enganos,
esquecimentos, lapsos, atos falhos etc. O saber do inconsciente escapa ao sujeito,
quando ele fala. O inconsciente é também o discurso do Outro. O objeto do desejo é o
objeto do desejo do Outro e o desejo é sempre desejo de outra coisa, que é o que falta ao
objeto primordialmente perdido. Este registro da falta que mantém professor e aluno em
busca do saber sobre seu desejo acontece junto com a transferência, uma das condições
presentes para que a educação cumpra seu papel (ORNELLAS, 2005). A vida escolar
como uma extensão da vida familiar reforça a predisposição psíquica do aluno para
essas reedições de afeto estabelecidas na relação original, transferidas para a relação
com o professor e que se bem manejadas podem servir de mediadoras do conhecimento.
O reconhecimento de que no domínio do saber, tal como no domínio do desejo, algo
escapa ao sujeito, pode ressignificar o ato educativo em que a criação se presentifique,
desse modo o professor sujeito pode enfrentar o mal-estar vivido na educação Saber que
o ato educativo se instaura no vazio que o professor deixa nas brechas de seu ensino, ao
que lhe escapa, pode apontar para articulações fundantes do enlace entre a psicanálise e
educação e provocar indagações a respeito do próprio processo educativo nesta
contemporaneidade, reveladora de laços sociais em que os afetos ambivalentes enredam
os sujeitos. Isso não significa, entretanto, psicanalizar a educação, mas apreendê-la na
perspectiva de uma fala e uma escuta, em busca de uma concepção mais subjetivada a
respeito de um jeito próprio de ser, marca de sua singular maneira de enfrentar a
impossibilidade de ser”. Assim, a conexão da psicanálise com a educação, que leva em
conta o sujeito na relação com o Outro, fornece um balizamento das ações do professor,
modificando sua relação com o aluno, exercitando uma nova maneira de lidar com as
situações do cotidiano da sala de aula. O reconhecimento da realidade psíquica e das
fontes libidinais do desejo de saber podem ampliar a intervenção mediadora do
professor, ao criar para o sujeito a demanda de busca do conhecimento, mobilizando o
desejo do aluno e levando em conta a incompletude do sujeito, ajudando-o assim a
encontrar sentido no que vê, ouve, fala ou lê, sem perder de vista que o sujeito do
conhecimento é também o sujeito do desejo, que surge na falta e o impulsiona a
aprender. Esse olhar psicanalítico que desvela nas tramas do desejo o equívoco, o
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tropeço, pode constituir-se em novas possibilidades sobre as questões educacionais e o
papel desempenhado pelas práticas educativas, na constituição e no devir do sujeito.
Tanto ensinar como aprender é um ato de desejo. Entre o sujeito que ensina e o sujeito
que aprende há um movimento dinâmico que envolve fios reais, simbólicos e
imaginários, por vezes (in)visíveis na trama relacional e que são próprios da
constituição da subjetividade.
O analista escuta o enigma e professor-sujeito escuta o mal-estar ora é presença,
ou seja, embaça e ora clareia o saber que transmite, pensa que sabe o que diz porque
tem a pretensão de saber sobre sua própria vida e a do outro, mas confessa que quase
não sabe e indaga: quem é esse sujeito que marcado pela divisão não sabe o que diz, o
que é dito pela palavra que faz gozo na falta?
O mal-estar na educação pode ser chamado de estrutural, pois ele é inerente; é
um dos elementos de uma estrutura. E é nesse registro que pode ser chamado de
sintomático no sentido analítico.
O discurso pedagógico constrói uma noção de criança em desenvolvimento, só
pode fazê-lo dando ênfase às funções do ego. O sujeito não se desenvolve, só o ego. O
discurso pedagógico toma a criança como assexuada. As teorias do desenvolvimento
reforçam essa premissa. O saber veiculado pelo discurso pedagógico hegemônico exclui
do seu fluxo a distinção masculino/feminino.
O que ocorre, todavia, é um transbordamento, um retorno de uma verdade na
falha de um saber, o que nos leva a perceber que a mestria falha, como, aliás, qualquer
discurso, em sua pretensão totalizadora. Um transbordamento que só pode surgir como
mal-estar.
Se há mal-estar na educação e se o tomamos como estrutural, é inevitável
pensarmos na legitimidade de uma intervenção analítica e em suas possibilidades.
Na posição do agente (a) uma escuta, mas uma escuta fundada na ignorância
“douta”. Uma escuta que vise produzir na queixa sua transformação em enigma ($),
fazer advir ali onde há sofrimento/gozo, ou seja, em que o sujeito se sinta implicado no
que sofre/goza, responsabilizando-se por aquilo que é da ordem do ato.
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Não é necessário que o professor seja “contratado” no lugar como analista, é
necessário que ele saiba constituir-se como “a”, valendo-se de uma postura ética,
sustentada em uma brecha qualquer que a estrutura do sintoma lhe confira. O que pode
ser feito até no pedido, a ele endereçado, de um curso de reciclagem.
Lacan nos mostra mais um discurso: o discurso capitalista que está enredado
com a psicanálise e a educação.
Referências
FREUD, S. Obras completas. vs. 3,7,9,10,22, CD ROM. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
KUPFER, M.C. Educação para o futuro; psicanálise e educação. São Paulo: Escuta,
2002.
________ Livro 20. Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1965.
ORNELLAS, M.L.S. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2005.