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O continente poético

Por Alfredo Fressia

Conheça os dez principais poetas hispano-americanos em atividade, na


seleção do escritor e crítico uruguaio Alfredo Fressia

Era uma brincadeira, claro. Eleger os dez poetas hispano-americanos


vivos que “devem” ser lidos e que eu fizesse uma espécie de introdução
–“autoral”, pedia a Trópico. Só podia ser um jogo, desses com livros e
ilhas desertas, e confesso que foi tentador.

A primeira etapa da tentação, já efetivo pecado, era a seleção dos dez


poetas. Saudades dos tempos em que havia poetas centrais e periféricos.
Havia os poetas que nos representavam, eram nossos “maîtres à penser”,
mestres em poetizar também. Havia um cânone indiscutido, lembram-se?
Neruda reinava absoluto no continente. Falo do tempo em que todos
esperávamos a Revolução -ou alguma forma de Revolução- e o último
livro de Neruda ou de Octavio Paz.

Certamente era emocionante encontrar um poeta –da Nicarágua? da


Venezuela?- e dar a conhecer essa obra num jornal, numa revista, mas
tudo era feito num mundo hierarquizado, acho que hierarquizado também
por grandes editoras de Buenos Aires, do México e eventualmente de
Caracas, com a nossa adesão, porque estávamos acostumados com um
mundo sempre “vertical”.

Depois veio a desmontagem desses relatos (falando em “relatos”, o


Sartre também deixou de ser nosso filósofo obrigatório, “central”), o
mundo da poesia se partiu em estéticas várias e sem princípio de
autoridade plausível. As academias, que nunca brilharam pela
originalidade, aderiram aos estudos culturais, e aqui estou eu, em 2009,
tentando escolher dez poetas (“canônicos”) entre os bons poetas hispano-
americanos espalhados pelo continente.

Preciso excluir os mortos, e isso é uma catástrofe. Porque há mortos que


para mim estão poeticamente vivíssimos (e vice-versa, claro) O que eu
faço, se não posso incluir a argentina Olga Orozco, o peruano Jorge
Eduardo Eielson, ou minha velha e querida Josefina Plá, a espanhola-
paraguaia, a quem dediquei vários ensaios. Para mim, repito, eles estão
vivíssimos.

Há poetas que eu acho importantes nas minhas leituras, mas eles são
excessivamente jovens para incluí-los sem mais. A biografia –e seu
tamanho...- não será garantia de nada, de acordo, mas uma vida longa
(com uma obra muitas vezes idem) me tranqüilizam na hora de desenhar
um cânone, ainda que só aos efeitos deste jogo.

Dirão que a minha seleção incluirá idades avançadas demais? Pode ser,
mas junto com as hierarquias também sumiram deste mundo aqueles
meteoritos, aqueles jovens que apareciam ex nihilo e criavam obras
poéticas rimbaldianas, e viravam um-antes-e-um depois. Tenho 60 anos,
por isso me permitam a amargura: terei visto demasiados autores-
esperança que naufragaram, depois de alguns poemas, com ou sem
elegância.
Mas também, a mostra (me esqueci de dizer: “a escolha não pretende ser
uma mostra”, mas sempre é, já sabemos, liliputiana esta) deveria cobrir
o continente todo e, os tempos e as qualidades poéticas obrigam, devia
incluir poetas mulheres, pelo menos eu entendo assim.

Apresento minha lista, que não cobre todo o continente, nem poderia, e
que só inclui três mulheres:

Ida Vitale (Montevidéu, Uruguai, 1924)


Blanca Varela (Lima, Peru, 1926)
Carlos Germán Belli (Lima, Peru, 1927)
Eduardo Lizalde (Cidade do México, 1929)
Juan Gelman (Buenos Aires, Argentina, 1930)
José Emilio Pacheco (Cidade do México, 1939)
Jotamario Arbeláez (Cali, Colômbia, 1940)
Juan Manuel Roca (Medellín, Colômbia, 1946)
Raúl Zurita (Santiago, Chile, 1950)
Damaris Calderón (Havana, 1967)

Como se vê, fui eclético. Predominam vidas provectas. Mas incluí a jovem
Damaris -porque ela é boa, antecipo. Acho que deixei meio vazio o campo
na altura da América Central (mas meus poetas amados dessas bandas –o
salvadorenho Roque Dalton, por exemplo- já morreram, e o nicaragüense
Ernesto Cardenal eu não coloco).

Botei dois colombianos e dois peruanos? Sim, mas Colômbia e Peru são
países centrais na poesia. Só não sei por quê. O mesmo acontece com os
sempre “estranhos” uruguaios (“los raros”). É difícil deixá-los de lado,
porque sempre tem mais um estranho (“un raro”) para chamar nossa
atenção. Também coloquei dois mexicanos, mas disso eu sei o porquê.

Percebo agora, com a seleção já feita, que, com exceção da Blanca


Varela, conheço a todos pessoalmente. Mas esclareço: amizade, assim,
amizade, eu não tenho com nenhum deles. Estive com alguns uma só vez
–um encontro num centro cultural no México com Lizalde, um jantar com
Gelman e outros amigos num restaurante também da Cidade do México,
conversas com Belli em Montevidéu, por ocasião de um encontro de
poetas, com Pacheco em Cidade Juárez, com Arbeláez em Fortaleza, em
2008, na Feira do Livro. A Damaris, eu conheci em Montevidéu e revi
rapidamente há pouco no Chile. Ida Vitale, conheço melhor, somos
patrícios, mas juro que só levei em conta a obra destes poetas, e não as
pessoas.

Outra coisa. Quem chamar por Altavista ou Google, achará dezenas de


milhares de entradas para cada um destes poetas. Há fichas
biobibliográficas excelentes, e também brilhantes ensaios sobre eles. Em
alguns casos, o leitor achará também ensaios meus sobre alguns deles (e
meus ensaios não estarão entre os mais brilhantes).

Esta exuberância de materiais era uma vantagem e um problema para


minha modesta “mostra”. O problema, ou o perigo, digamos, era repetir
fichas e até ideias que outros formularam melhor. Tratei de resolver o
impasse explicando em cada caso somente o motivo por que escolhi o
poeta em questão, sem repetir nem parafrasear ninguém (quase que nem
a mim mesmo).
Enfim, são estes os poetas os que eu levaria para a tal ilha deserta? Nem
sempre nem todos. Mas todos entram com uma estética, fragmentária
talvez. É o que nos resta, a nostalgia de um todo perdido, autores
espalhados em busca de um cânone. Viaje o leitor pelo labirinto.

1. IDA VITALE

Ida Vitale nasceu em Montevidéu em 1924. Foi professora de literatura e,


em 1973, ano do golpe de estado uruguaio, teve de deixar o país.
Refugiou-se no México, junto com seu marido, o também poeta, e
originalíssimo, Enrique Fierro (que não está na presente seleção por mera
falta de espaço). Depois ambos se estabeleceram em Austin (EUA), onde
Fierro deu aulas muito tempo na Universidade do Texas.

Por idade, Vitale pertence ao que os uruguaios chamamos “geração de


45”, junto com Mario Benedetti, Idea Vilariño, Amanda Berenguer. Essa
informação não deve significar nada para um leitor brasileiro. Traduzo:
Vitale pertence a uma geração que pretendeu fundar uma república
letrada com um pé no velho positivismo uruguaio e outro na certeza de
uma revolução libertadora. Uma geração que fez da lucidez histórica um
valor estético (incluindo nisto uma vasta literatura engajada
politicamente). Uma geração que não vacilou perante os parricídios,
arredia frente a muitas vanguardas (a lucidez e a sobriedade não podiam
simpatizar com os pós-surrealistas, por exemplo), que fez muito bem e
muito mal à literatura nacional. Uma das coisas que fez bem foi dar a
conhecer bons poetas, Vitale entre eles.

Publicando desde 1949, Vitale fez da poesia um modo de conhecimento,


de compreensão do mundo. Por isso poucos temas lhe são alheios, por
isso ela vem experimentando, em formas diferentes, em versos livres, em
metros fixos ou na mesma prosa poética.

O leitor interessado, e é provável que se chegou a esta altura o leitor


esteja efetivamente interessado, pode encontrar vários ensaios meus
sobre a obra de Vitale na “Banda Hispânica” do “Jornal de Poesia”. Mas
quero dizer uma coisa que poucas vezes se diz: talvez o segredo dessa
adesão que a poesia de Vitale pede e suscita ao mesmo tempo, esteja na
beleza do seu idioma. Nessa viagem pela língua à procura do mundo (e
sua ética implícita, por exemplo, de natureza ecológica) o que mais seduz
é, creio eu, a pesquisa da língua.

Vitale não imagina que só os “modernistas” (hispano-americanos)


pudessem fazer essa pesquisa, não se resigna a um idioma padronizado,
logra ressonâncias do melhor pré-barroco espanhol -penso no idioma dos
neo-platônicos do “Siglo de Oro”- que convive na obra desta poeta com
os belíssimos textos em prosa ou a dura denúncia da barbárie histórica
dos dias que correm. Não penso que os poemas que seguem dêem uma
imagem completa da obra da autora. São só um começo, porque tudo é
um começo quando se fala de Vitale.

PATRIMONIO
Sólo tendremos lo que hayamos dado.
¿Y qué con lo ofrecido y no aceptado,
qué con aquello que el desdén reduce
a vana voz, sin más,
ardiente ántrax que crece,
desatendido, adentro?

La villanía del tiempo,


el hábito sinuoso
del tolerar paciente,
difiere frágiles derechos,
ofrece minas, socavones, grutas:
oscuridad apenas para apartar
vagos errores-

El clamor, letra a letra,


del discurso agorero
no disipa ninguna duda;
hace mucho que sabes:
ninguna duda te protege.

PENITENCIA

¿Mirar atrás será pasar


a ser de sal precaria estatua,
un perecer petrificado
preso en sí mismo, parte
del roto encanto de un paisaje
cuya música no logro más oír?

¿Debo matar lo que miré,


el mito que minuciosa
pliego y despliego,
grava para mi paso solo?
¿ Ciega borrar lugares,
playas, vientos, el tiempo?

Sobre todas las cosas,


anular horas que se han vuelto inútiles
como lluvia que cae
sobre el mar implacable,
como mis propios pasos
si no son penitencia.

AGRADECIMIENTO

Agradezco a mi patria sus errores,


los cometidos, los que se ven venir,
ciegos, activos a su blanco de luto.
Agradezco el vendaval contrario,
el semiolvido, la espinosa frontera de argucias,
la falaz negación de gesto oculto.
Sí, gracias, muchas gracias
por haberme llevado a caminar
para que la cicuta haga su efecto
y ya no duela cuando muerde
el metafísico animal de la ausencia 1

2. BLANCA VARELA

Blanca Varela nasceu em Lima em 1926. Estudou letras na Universidade


San Marcos, de Lima, onde conheceu outros criadores e artistas:
Sebastián Salazar Bondy, Javier Sologuren, Jorge Eduardo Eielson,
Francisco Bendezú e aquele que seria seu marido, o pintor Fernando de
Szyszlo.

A partir de 1949, viverá alguns anos em Paris, onde estará em contato


com Octavio Paz e com os intelectuais franceses de então, Sartre e
Simone de Beauvoir entre eles. A tradução e o jornalismo serão seu
ganha-pão durante um período em Florença e em Washington (de 1957 a
1960). De volta ao Peru, será secretaria do centro local do Pen Club e
representará até 1997 a editora mexicana Fondo de Cultura Econômica.

Eu gosto disto que diz Octavio Paz da poesia de Varela: “Blanca Varela es
una poeta que no se complace con su canto. Con el instinto del verdadero
poeta, sabe callarse a tiempo. Su poesía no explica ni razona. Tampoco
es una confidencia. Es un signo, un conjuro frente, contra y hacia el
mundo, una piedra negra tatuada por el fuego y la sal, el amor, el tiempo
y la soledad. Y, también, una exploración de la propia conciencia".

Era tudo que eu queria dizer, só que já está belamente dito.


Acrescentaria que, se fosse um jogo, eu diria (ousaria dizer) que o centro
da poesia de Varela está na “patita de cangrejo” (patinha de caranguejo)
do poema “Monsieur Monod No Sabe Cantar”. É nesse grão de sal
existencialista (e daí o interesse das informações sobre suas amizades em
Paris) que se pode começar a sentir o sabor desta poesia.

De resto, concordo com essa parte de silêncio que Paz atribui a Varela.
Poderia atribuí-la a toda boa poesia. As estéticas loquazes não são
impossíveis, existem, mas são de construção difícil e de digestão muito
lenta. Saber calar é tão importante quanto saber dizer. Varela sabe
ambas coisas. E ela jamais é autobiográfica nem faz confidências,
efetivamente, o que é uma prova de sabedoria poética.

“Polvo seré mas polvo enamorado”, dizia o soneto de Quevedo. E Varela


transformaria o verso clássico em: “porque ácido ribonucleico somos/
pero ácido ribonucleico enamorado siempre”. Por falar de amor, eu
conheci a poesia de Varela numa antologia –há anos- e foi um
deslumbramento. Lembro que ela trazia os três poemas que coloquei
aqui: “Canto Villano”, “Curriculum Vitae” e “Monsieur Monod...”. E me
senti transformado. Saiba o leitor de antemão que não se lê Varela
impunemente.

CANTO VILLANO
y de pronto la vida
en mi plato de pobre
un magro trozo de celeste cerdo
aquí en mi plato

observarme
observarte
o matar una mosca sin malicia
aniquilar la luz
o hacerla

hacerla
como quien abre los ojos y elige
un cielo rebosante
en el plato vacío

rubens cebollas lágrimas


más rubens más cebollas
más lágrimas

tantas historias
negros indigeribles milagros
y la estrella de oriente

emparedada
y el hueso del amor
tan roído y tan duro
brillando en otro plato

este hambre propio


existe
es la gana del alma
que es el cuerpo

es la rosa de grasa
que envejece
en su cielo de carne

mea culpa ojo turbio


mea culpa negro bocado
mea culpa divina náusea

no hay otro aquí


en este plato vacío
sino yo
devorando mis ojos
y los tuyos

CURRICULUM VITAE

digamos que ganaste la carrera


y que el premio
era otra carrera
que no bebiste el vino de la victoria
sino tu propia sal
que jamás escuchaste vítores
sino ladridos de perros
y que tu sombra
tu propia sombra
fue tu única
y desleal competidora.

MONSIEUR MONOD NO SABE CANTAR

querido mío
te recuerdo como la mejor canción
esa apoteosis de gallos y estrellas que ya no eres
que ya no soy que ya no seremos
y sin embargo muy bien sabemos ambos
que hablo por la boca pintada del silencio
con agonía de mosca
al final del verano
y por todas las puertas mal cerradas
conjurando o llamando ese viento alevoso de la memoria
ese disco rayado antes de usarse
teñido según el humor del tiempo
y sus viejas enfermedades
o de rojo
o de negro
como un rey en desgracia frente al espejo
el día de la víspera
y mañana y pasado y siempre

noche que te precipitas


(así debe decir la canción)
cargada de presagios
perra insaciable (un peu fort)
madre espléndida (plus doux)
paridora y descalza siempre
para no ser oída por el necio que en ti cree
para mejor aplastar el corazón
del desvelado
que se atreve a oír el arrastrado paso
de la vida
a la muerte
un cuesco de zancudo un torrente de plumas
una tempestad en un vaso de vino
un tango
el orden altera el producto
error del maquinista
podrida técnica seguir viviendo tu historia
al revés como en el cine
un sueño grueso
y misterioso que se adelgaza
the end is the beginning
una lucecita vacilante como la esperanza
color clara de huevo
con olor a pescado y mala leche
oscura boca de lobo que te lleva
de Cluny al Parque Salazar
tapiz rodante tan veloz y tan negro
que ya no sabes
si eres o te haces el vivo
o el muerto
y sí una flor de hierro
como un último bocado torcido y sucio y lento
para mejor devorarte

querido mío
adoro todo lo que no es mío
tú por ejemplo
con tu piel de asno sobre el alma
y esas alas de cera que te regalé
y que jamás te atreviste a usar
no sabes cómo me arrepiento de mis virtudes
ya no sé qué hacer con mi colección de ganzúas
y mentiras
con mi indecencia de niño que debe terminar este cuento
ahora ya es tarde
porque el recuerdo como las canciones
la peor la que quieras la única
no resiste otra página en blanco
y no tiene sentido que yo esté aquí
destruyendo
lo que no existe

querido mío
a pesar de eso
todo sigue igual
el cosquilleo filosófico después de la ducha
el café frío el cigarrillo amargo el Cieno Verde
en el Montecarlo
sigue apta para todos la vida perdurable
intacta la estupidez de las nubes
intacta la obscenidad de los geranios
intacta la vergüenza del ajo
los gorrioncitos cagándose divinamente en pleno cielo
de abril
Mandrake criando conejos en algún círculo
del infierno
y siempre la patita de cangrejo atrapada
en la trampa del ser
o del no ser
o de no quiero esto sino lo otro
tú sabes
esas cosas que nos suceden
y que deben olvidarse para que existan
verbigracia la mano con alas
y sin mano
la historia del canguro -aquella de la bolsa o la vida-
o la del capitán encerrado en la botella
para siempre vacía
y el vientre vacío pero con alas
y sin vientre
tú sabes
la pasión la obsesión
la poesía la prosa
el sexo el éxito
o viceversa
el vacío congénito
el huevecillo moteado
entre millones y millones de huevecillos moteados
tú y yo
you and me
toi et moi
tea for two en la inmensidad del silencio
en el mar intemporal
en el horizonte de la historia
porque ácido ribonucleico somos
pero ácido ribonucleico enamorado siempre.

3. CARLOS GERMÁN BELLI

Carlos Germán Belli nasceu em Lima (Peru), em 1927. Pertence assim à


mesma geração de Branca Varela, apesar de serem eles autores de obras
muito diferentes. Belli foi durante muitos anos um simples amanuense do
Parlamento peruano, fato que o próprio poeta tematizará na sua
escritura.

Aliás, um leitor brasileiro, que conhece a vida e a obra de um Carlos


Drummond de Andrade, não ficará surpreso com esses pequenos
funcionários públicos que são grandes poetas. Depois, sim, Belli será
professor de literatura hispano-americana na Universidade San Marcos,
de Lima, obterá duas vezes a bolsa Guggenheim e prêmios vários.

Ainda assim, a biografia do homem Belli nada diz do poeta Belli, ou ela
quase desaparece na frente do poeta, e este fato deve querer expressar
algo. Que a poesia moderna exclui as vidas excepcionais, extraordinárias?
Sim, já sabíamos disso. Que a poesia "tout court", de qualquer época, é
no fim das contas uma aventura interior, vicária? Também já sabíamos.

Eu mencionaria antes o fato de Belli ter escrito uma obra que veio a ser
icônica para os neo-barrocos, a partir dos anos 80. Porque nosso poeta,
principalmente na sua primeira etapa, desconcertou a crítica da década
dos 50 com textos em que a língua era uma fita de Moebius, aquela que
não tem dentro nem fora, uma permanente exacerbação do significante,
feito “orgia perpétua”, luxo e festa verbal, e onde o significado se opaca,
ora pelo excesso de imagens surrealistas, ora pelo puro barroquismo.
Naturalmente, esse caminho costuma acabar em impasses criativos, de
modo que a obra de Belli, depois dessa primeira etapa, tende a uma
maior transparência. Ainda assim, leia-se esta poesia sem ingenuidades.
Aqui todos os registros de língua se superpõem, a linguagem burocrática
ou os neologismos técnicos e científicos, a fala popular e cultíssima, os
metros clássicos (num uso “moderno”), a elegia pelas promessas nunca
pagas pelo “progresso”.

Sobre a obra de Belli, o escritor Mario Vargas Llosa assinalou: "Su poesía
es difícil, melodramática, de un narcisismo negro, impregnada de extraño
humor, cáustica y cultísima. Está hecha de inconcebibles aleaciones: la
métrica del Siglo de Oro y la jerga callejera de Lima, la sinrazón y el lujo
del surrealismo y la sordidez de la vida de la clase media de una sociedad
del tercer mundo, la nostalgia y el sueño de un existencia pletórica que
se hace trizas al estrellarse diariamente con el desmentido de la
experiencia y que, tercamente, se rehace por obra del deseo y de la
imaginación para despedazarse otra vez, al primer choque con el fatídico
principio de realidad.”

Um detalhe final. Um princípio reiterado em poética (discutível, como


todos os conselhos da poética) diz que o uso de metros fixos leva à
expressão de ideias recebidas, são uma forma usada por séculos para um
material já dito durante séculos. Se alguém quer subverter esse tal
princípio, não hesite, use a obra de Carlos Germán Belli. Garanto
resultados.

NUESTRO AMOR

Nuestro amor no está en nuestros respectivos


y castos genitales, nuestro amor
tampoco en nuestra boca ni en las manos:
todo nuestro amor guárdase con pálpito
bajo la sangre pura de los ojos.
Mi amor, tu amor esperan que la muerte
Se robe los huesos, el diente y la uña,
esperan que en el valle solamente
tus ojos y mis ojos queden juntos,
mirándose ya fuera de sus órbitas,
más bien como dos astros, como uno.

OH HADA CIBERNÉTICA

Oh Hada Cibernética
Cuándo harás que los huesos de mis manos
se muevan alegremente
para escribir al fin lo que yo desee
a la hora que me venga en gana
y los encajes de mis órganos secretos
tengan facciones sosegadas
en las últimas horas del día
mientras la sangre circule como un bálsamo a lo largo de mi cuerpo.

SEGREGACIÓN Nº 1

(a modo de un pintor primitivo culto)


Yo, mamá, mis dos hermanos
y muchos peruanitos
abrimos un hueco hondo, hondo,
donde nos guarecemos,
porque arriba todo tiene dueño,
todo está cerrado con llave,
sellado firmemente,
porque arriba todo tiene reserva:
la sombra del árbol, las flores,
los frutos, el techo, las ruedas,
el agua, los lápices,
y optamos por hundirnos
en el fondo de la tierra,
más abajo que nunca,
lejos, muy lejos de los dueños,
entre las patas de os animalitos,
porque arriba
hay algunos que manejan todo,
que escriben, que cantan, que bailan,
que hablan hermosamente
y nosotros rojos de vergüenza
tan sólo deseamos desaparecer
en pedacitos.

4. EDUARDO LIZALDE

Eduardo Lizalde nasceu na Cidade do México, em 1929. Tem sido diretor


da Biblioteca de México José Vasconcelos (essa espécie monumental de
Biblioteca Nacional) desde 1994, e continua nessa função. Para conseguir
que o leitor vá penetrando na poesia de Lizalde, eu diria que, no caso
deste autor, dirigir uma biblioteca não pode ser um acaso.

Lizalde é um poeta culto, dialoga com outros escritores e artistas


(principalmente em "Caza Mayor", de 1979, mas não só) e com os
filósofos, sobretudo aqueles que eram obrigatórios na formação de um
marxista (como ele foi): Hegel, Marx, e os outros, incluindo os que já não
entram na visão marxista: “Kant Hume, Spinoza, Schelling y los
románticos alemanes, así como diversos pensadores (...) como Heidegger
y Wittgenstein” (esse levantamento de menções filosóficas na poesia de
Lizalde é de Evodio Escalante, in “Poesía y Filosofía en Eduardo Lizalde”,
"La Outra", revista de poesia, nº 1, México, octubre-diciembre 2008).

Apesar desse diálogo com filósofos e poetas, se diz às vezes que a poesia
de Lizalde é brilhantemente superficial (acho que dizem assim, ou dizem
que é brilhante porque é superficial?). Curioso. Seria “superficial” esse
tigre obsessivo que atravessa toda a sua obra? Superficial o tigre “que
desgarra por dentro al que lo mira”? Superficial um verso que diga: “Algo
sangra, el tigre está cerca”?

É curioso, sim, esse adjetivo, “superficial”, unido ao “brilho”, e isso num


poeta tão pessimista como Lizalde. Porque sejamos claros: para ele não
há salvação, e o desastre nos espreita sempre, como o tigre dos seus
livros. De Hegel, Lizalde parece ter tomado o negativismo, ou talvez o
aprendeu na sua passagem pelo mundo, onde o bem é a exceção.

É curioso que a obra de Lizalde haja demorado em impor-se no cânone


latino-americano. Na prática, ela só começou a ser apreciada quando ele
introduziu o tema do tigre, desde "El Tigre en la Casa", de 1970 (e o
poeta garante nas entrevistas que esse seu tigre não veio de Blake nem
de Borges, mas via “Salgari, Kipling, Sorayan”). Reconheço que eu
também demorei a conhecê-lo. Entrei na sua obra através de uma
antologia bilíngüe, espanhol-francês, que Marco Antonio Campos
prefaciou e que saiu em Québec em 1998 ("La Caza del Tigre/ La Chasse
au Tigre").
O que foi que primeiramente, assim de cara, me deslumbrou nela? Acho
que essa primeira coisa foi a inteligência. Eu não sabia que a só
inteligência podia ser suficiente para criar o corpo de um poema. Depois
não cessei de descobrir caminhos novos nessa obra, e não saí mais.
Desejo ao leitor uma boa entrada.

DOS VIÑETAS DE UN CÁNDIDO

1. Bajo el cielo tenebroso


el rehilete se abre en el jardín.
La fiesta del gorrión que danza, canta
-se vuelve flor su trino,
fruto su aleteo-,
se baña bajo el líquido haz de chispas.
Pura felicidad en el pequeño prado,
el agua limpia -hubiera dicho el santo-,
es la sonrisa de Dios.

2. Buenos días, mundo.


Me alegra verte afuera al despertar.
Celebro que no hayas
-la ocasión la pintan calva-
aprovechado el manto de la noche maldita
para irte por siempre al inframundo.
También me reconforta
que aún te habiten pájaros cantores,
meistersinger del bosque en el jardín;
que el sol severo nos escalde aún
y nos torture el rudo ozono
-como todos los días-.

Soñé que te habías ido,


conmigo hacia el infierno
y que se habían quedado aquí
sin mundo todas las demás criaturas:
piedras, grajos, insectos o personas.
Te veo tan grande y bello,
que me río de los siniestros solipsistas
de antaño.
No has de esfumarte cuando yo me extinga.
Canto tu salud de hierro,
tu verde corazón y tu estructura
de granito.
Buenos días, querido, hermoso mundo.

EL SEXO EN SIETE LECCIONES

1. Gozo y tortura
que el Tártaro y el Cielo
-uña de carne- desempeñan.
Al sexo y su desorden milagroso,
a su perfecto matrimonio;
de beso y abrelatas, sucumbimos.

A la gloria del sexo,


a su desenfrenado latrocinio,
su avaricia impecable,
alto, cedemos.

2. Y por estar a flote,


por ser la superficie de la espuma en la piel,
por ser lo más visible y general,
por ser el más común lugar del paraíso visitado,
el sexo, lo evidente,
lo que a todos iguala,
lo esencial -sabia era Eva,
ingenuo Segismundo-,
por ser el sexo algo tan real,
lo único real acaso,
sólo se existe y vive a su merced.

No es reducible el sexo a números ni a ciencia,


no es cosa comprensible,
no es natural ni humano
y la divinidad lo desconoce.

Lo real no está sujeto a inquisición.

3. El tiempo escaso por costumbre


y, por la costumbre, frágil,
no basta para el amor
y es demasiado para el sexo.

Pero si en sexo se midiera el tiempo


si el sexo -el gozo, mejor dicho- fuera
una unidad de tiempo,
sería la más pequeña
que el reloj pudiera imaginar,
la apenas registrable,
el átomo del tiempo.

4. Ni el denodado goce de los cuerpos,


ni el carnívoro roce de las bocas,
ni las fieras sensuales de los dedos,
ni las mejillas ardorosas,
ni el sudor refrescante de los pechos
-su rima encantadora-,
ni el tacto delicioso de los muslos,
ni la plata del pubis,
ni las caudas azules y viriles,
son suficientes para el sexo.

La plena saciedad misma, no basta.


Lacios los cuerpos tras el goce, exhaustos,
bebidos uno a otro hasta las plantas,
sueñan, despiertos, con el sexo.
Sólo han probado, sólo empiezan a hervir.
La saciedad más absoluta
es siempre, apenas, el principio.

5. El cuerpo es siempre virgen para el sexo.


El cuerpo siempre, Paul, recomenzando.
Y el cuerpo eterno, el fiero eterno cuerpo
muere antes que el sexo.

6. Y nada de que el sexo


sólo con amor es sexo.
El sexo es siempre amor,
nunca el amor es sexo.
El amor no es amor,
el sexo es el amor.
No hay sexo sin amor
pero hay amor sin sexo, y no lo es.
Todo amor sin sexo es corruptible.
Sólo una advertencia:
es ya desgracia conocida
que el sexo y el amor no sean posibles
sino con personas,
con almas y con cuerpos de cuatro dimensiones,
con seres existentes,
y nunca con fantasmas o sombras pasajeras,
mucho menos con plantas o gallinas.

7 (y última). El sexo es una cosa


que se embellece cuando se la mira.
Y la prostitución es su magnífico revés,
su negación perfecta,
su ausencia depresiva.
El sexo es este Dios moldeado
por su más portentosa y vil creatura.

BELLÍSIMA

Y si uno de esos ángeles


me estrechara de pronto sobre su corazón,
yo sucumbiría ahogado por su existencia
más poderosa.
(Rilke, de nuevo)

Óigame usted, bellísima,


no soporto su amor.
Míreme, observe de qué modo
su amor daña y destruye.
Si fuera usted un poco menos bella,
si tuviera un defecto en algún sitio,
un dedo mutilado y evidente,
alguna cosa ríspida en la voz,
una pequeña cicatriz junto a esos labios
de fruta en movimiento,
una peca en el alma,
una mala pincelada imperceptible
en la sonrisa…
yo podría tolerarla.

Pero su cruel belleza es implacable,


bellísima;
no hay una fronda de reposo
para su hiriente luz
de estrella en permanente fuga
y desespera comprender
que aun la mutilación la haría más bella,
como a ciertas estatuas.

5. JUAN GELMAN

Juan Gelman nasceu em Buenos Aires, em 1930. Da sua biografia, eu só


aconselharia o leitor a não esquecer nunca que Gelman se exilou no
México, perseguido pela ditadura argentina, e que, como sabidamente o
exílio tem começo, mas não tem fim, ele decidiu ficar para sempre no
México. Não retornar a Buenos Aires já é um ato político, e a política é
um dado inevitável da vida (de todas as vidas) e da poesia de Gelman.

Quando a Argentina voltou à vida democrática, começou para Gelman


uma outra batalha, a saber, descobrir o paradeiro dos corpos de seu filho
e de sua nora assassinados, e, principalmente, o destino de sua neta, que
tinha sido entregue à família de um militar uruguaio e vivia em
Montevidéu sem conhecer a sua verdadeira identidade. Ele próprio foi
filho de imigrantes russos em Buenos Aires, com uma biografia partida
entre seu país natal e o México. Passou anos à procura de sua neta
uruguaia.

Tudo isto deve ter algo a ver com essa obra poética que é, ela também,
uma busca, que procura línguas novas (lembrar os poemas em língua
sefaradi), que encontra nos heterônimos um modo de expressão para
falar do mundo. (Acaba de sair no México o livro “Los Otros”, Alforja,
2008, reunião de heterônimos do poeta -Yehuda Halevi, Eliezer Bem
Jonon, Ezequiel, Isaac Luria, Abu Nuwas, Salomón Ibn Gabirol, Joseph
Tsarfati, Giuseppe Gallo, Sammuel Hanagid, José Galván, Sydney West,
entre outros).

Eu diria que o poeta de "Gotán" (1962), dos 29 poemas em sefaradí (com


sua correspondente versão espanhola de "Dibaxu", dos sonetos
“implodidos” de "Incompletamente") recupera outros poetas, tão variados
como Catulo ou certos trovadores, ou os místicos espanhóis, buscando
sempre a diversidade poética, e que teimosamente as circunstâncias
trágicas de seu país (do continente), a sua militância política, primeiro no
Partido Comunista (1945-1964), depois nos Montoneros (até 1979), o
exílio (a partir de 1975, voluntário desde 1988, no México), a desaparição
de seu filho Marcelo (assassinado no campo de concentração de
Automotores Orletti, em 1976) e de sua nora María Claudia
Iruretagoyena, a busca dessa neta sequestrada, Macarena, já no Uruguai,
tudo isso contribuiu para que, demasiadas vezes, se tomasse sua obra
como “meramente” engajada ou de testemunho.
Tratam-se de atributos que em princípio nada têm de pejorativo, mas que
resultam precários na poesia de Gelman, uma obra sempre interrogada
por sua própria condição poética, por seu “ser poesia”, pela palavra e seu
salto da “realidade” até a arte.

Esse movimento entre a obra artística e as circunstâncias sociais e


biográficas, que também resultam coletivas, entre a urgência de um
continente violentado a partir da própria colonização e a poesia que se
cria, é uma sina recorrente da escritura latino-americana, uma “marca”
dinâmica da qual Gelman conhece os margens sutis: “Cuando un poeta se
posa sobre el mundo lo desplaza./ Cuando el pájaro muere, ¿qué pasa?/
A lo mejor le falló el corazón por instalar su levedad en el suelo./ O tenía
la memoria cargada con cada vuelo que voló” (“Joseph Brodsky”, de
"Valer la Pena").

Não é certamente uma experiência única ou meramente pessoal. Gelman


publica seu primeiro livro, "Violín y Otras Cuestiones", com prólogo de
Raúl González Tuñón, em 1956, quando o poeta integrava o grupo El Pan
Duro, ao qual se somaria, por exemplo, uma poeta como Juana Bignozzi
(Buenos Aires, 1937), também futura exilada e cuja obra se inscreve num
projeto estético semelhante, que inclui a reconstrução do mundo pela
palavra.

É certamente essa dinâmica perpétua de mundo e palavra, memória e


poesia, o que explica o tamanho, a enormidade da obra de Gelman, a
loquacidade ¾num poeta de linguagem precisa, que não teme o
minimalismo-, que o torna um dos poetas latino-americanos que mais
publicaram.

É como se Gelman, muito além do fracasso ou não de uma militância o de


um projeto de mudar o mundo, tivesse que cobri-lo de palavras. Ou como
se o silêncio, que é em princípio a insubstituível parte em branco onde a
poesia se explica e ganha um significado novo, resultasse intolerável
nesta obra que se volta vocacionalmente para o infinito. Gelman não
hesita na hora de distorcer a língua, de mudar os genros (“la mundo”),
como também poderia fazer um imigrante da Europa oriental em Buenos
Aires. Também é um meio para se aproximar da ternura, certamente.

ARTE POÉTICA

Entre tantos oficios ejerzo éste que no es mío,

como un amo implacable


me obliga a trabajar de día, de noche,
con dolor, con amor,
bajo la lluvia, en la catástrofe,
cuando se abren los brazos de la ternura o del, alma,
cuando la enfermedad hunde las manos.

A este oficio me obligan los dolores ajenos,


las lágrimas, los pañuelos saludadores,
las promesas en medio del otoño o del fuego,
los besos del encuentro, los besos del adiós,
todo me obliga a trabajar con las palabras, con la sangre.
Nunca fui el dueño de mis cenizas, mis versos,
rostros oscuros los escriben como tirar contra la muerte.

("Velorio del Solo'')

ORACIÓN DE UN DESOCUPADO

Padre,
desde los cielos bájate, he olvidado
las oraciones que me enseñó la abuela,
pobrecita, ella reposa ahora,
no tiene que lavar, limpiar, no tiene
que preocuparse andando el día por la ropa,
no tiene que velar la noche, pena y pena,
rezar, pedirte cosas, rezongarte dulcemente.
Desde los cielos bájate, si estás, bájate entonces,
que me muero de hambre en esta esquina,
que no sé de qué sirve haber nacido,
que me miro las manos rechazadas,
que no hay trabajo, no hay,
bájate un poco, contempla
esto que soy, este zapato roto,
esta angustia, este estómago vacío,
esta ciudad sin pan para mis dientes, la fiebre
cavándome la carne,
este dormir así,
bajo la lluvia, castigado por el frío, perseguido
te digo que no entiendo, Padre, bájate,
tócame el alma, mírame
el corazón,
yo no robé, no asesiné, fui niño
y en cambio me golpean y golpean,
te digo que no entiendo, Padre, bájate,
si estás, que busco
resignación en mí y no tengo y voy
a agarrarme la rabia y a afilarla
para pegar y voy
a gritar a sangre en cuello
por que no puedo más, tengo riñones
y soy un hombre,
bájate, qué han hecho
de tu criatura, Padre?
un animal furioso
que mastica la piedra de la calle?

XXIX
(de "Dibaxu", 1994; em sefardi e castelhano no livro)

no stan muridus lus páxarus


di nuestrus bezus/
stan muridus lus bezus/
lus páxarus volan nil verdi sulvidar/
no están muertos los pájaros
de nuestros besos/
están muertos los besos/
los pájaros vuelan en el verde olvidar/

6. JOSÉ EMILIO PACHECO

José Emilio Pacheco nasceu na Cidade do México, em 1939. Penso que a


melhor definição que se pode dar dele, considerando sua atividade, é
chamá-lo de autêntico “homem de letras”. Porque, efetivamente, Pacheco
pode ser narrador, ensaísta agudo, conferencista, professor de letras,
enfim, tem exercido em todos os setores desta arte que consiste em fazer
da literatura uma representação -e como poeta que, antes de tudo, ele é,
uma representação regida por um programa estético.

Desde seu primeiro livro de poesia, "Los Elementos de la Noche" (1963),


Pacheco tem criado uma obra vasta e variada. Tanto que, se é verdade
que os poetas loquazes criam várias poéticas, e não uma, se pode dizer
que nosso poeta contém nele vários poetas. Tenho diante de mim o nº 38
(do outono 2006) de "Alforja - Revista de Poesia" (a bela publicação
mexicana que mudou seu nome a partir de outubro de 2008, passando a
chamar-se "La Otra").

Este nº 38 está dedicado a Pacheco, cheio de artigos sobre o poeta. Traz


vários poemas inéditos (eram inéditos em 2006, e eu fiz questão de
transcrever três aqui). A primeira coisa que a gente vê é a foto do autor,
na capa, com seu gato, muito elegante (elegantes ambos, poeta e gato).
Um desses artigos, assinado por Ali Calderón, faz um levantamento dos
tópicos de Pacheco e descobre os seguintes: poemas históricos, da
fugacidade, poemas metapoéticos, poemas epistolares, epigramas, de
reflexão estética e poemas nostálgicos. É possível que o crítico tenha
misturado critérios diferentes para descobrir tópicos temáticos, mas a
listagem dá uma ideia desta poética generosa.

Se os temas são variadíssimos, predomina sempre um tom elegíaco pela


catástrofe humana, tanto a individual, esta condenação a morte, como a
coletiva, e freqüentemente Pacheco volta ao tema ecológico, por exemplo
à Cidade do México como espaço de um apocalipse, ou à sucessão de
desastres históricos que compõem a história humana.

O princípio que rege toda a sua obra é um princípio ético. Em versos


livres ou em formas clássicas (predominantemente endecassilábicos ou
heptas), a primeira pessoa da poesia de Pacheco é Pacheco. Um outro
crítico o dirá melhor: “En suma, el sujeto lírico de la poesía de José
Emilio Pacheco es un varón honesto y bueno con capacidad crítica. Es
muy pudoroso”. Nada mais preciso. E nada mais precisou nosso autor
para criar esta obra poética original, irônica, angustiada e humanista.

EVENING NEWS

Si para otros es un misterio insondable


la existencia de ser y estar como dos verbos distintos,
yo, en la ex Ciudad de México, hoy D. F.,
me estrello ante palabras imposibles:
evening, soir o sera, por ejemplo.
En el verano en llamas del Trastévere
me pareció asombroso ver el Sol
sobre Roma a las nueve de la noche.
Otro tanto, a las seis,
cuando cae sobre México su gran hora violeta,
París estaba lleno de mediodía
(y entonces me sentí más extranjero).
Al llegar el invierno me abrumó
Londres flotando bajo las tinieblas
—y en mi reloj verbal eran apenas
las cuatro de la tarde.
Aquí, desolación sin estaciones,
el Sur pobre de América del Norte,
jamás hay evening, no existe soir,
no conocemos la sera.
Dura pocos segundos la transición
que convierte la tarde en noche oscura.

TIERRA INCÓGNITA

Dice dadá, se hace pipí, suelta pupú,


teme al guaguá y odia al miau
y sin cesar hay que cambiarle pañales.
Tomo el babero,
le limpio una vez más su boquita.
Espejos de qué enigma sus pobres ojos.
Cuánto dolor del mundo en el inocente
que por fortuna no se da cuenta de nada
—o eso creemos, al vernos
igual que él, de repente, un día.
Nadie está a salvo.
Y nuestro niño en su camino a la inversa
nació en la tumba para llegar a la cuna,
volvió a la semilla,
perdió sin pausa su inteligencia implacable
y su ferocidad para burlarse de todo y todos.
Nuestro bebé ultrasenecto
remontó el río feroz de la vida a contracorriente.
Su victoria es ser de nuevo un recién nacido.
Pero esta vez ha llegado al mundo
en una tierra incógnita que llamamos Alzheimer.

LA ARCADIA

Los poetas neoclásicos,


tan ilegibles hoy como nosotros
lo seremos mañana,
llamaron a su círculo La Arcadia,
se dieron nombres de pastores
—Varilio, Tulio, Calcas, Licio—,
ocultaron el nombre de sus amadas
bajo el velo de Cloris, Filis, Delia;
escribieron
églogas rococó en almíbar rancio
y no en seda y mármol como los verdaderos antiguos;
quisieron darle al deseo sexual
una ilusión falaz de clasicismo,
porque lo que anhelaban en verdad
era fornicar libres al aire libre
con ninfas y con dríadas
como en la Edad de Oro.

7. JOTAMARIO ARBELÁEZ

Jotamario Arbeláez (Cali, Colombia, 1940) é um belo poeta irônico e


mordaz. Foi co-fundador do Nadaísmo -junto com Gonzalo Arango (1931-
1976), uma dessas vanguardas que trouxeram um ar limpo e novo na
lírica hispano-americana da segunda metade do século 20. Nas muitas
entradas de internet que aparecem chamando pelo nome do poeta (ou
ainda do Nadaísmo), repare o leitor que o primeiro livro de Arbeláez é de
1966, "El Profeta en Su Casa".

Será justo imaginar que, naqueles anos 60, os nadaístas beberam nas
águas do movimento hippie, da geração beat, dos surrealistas sempre
presentes. E não é que eles não quisessem “Nada”. Sem dúvida,
chegaram dispostos a não deixar os “ídolos com cabeças”, e a negação foi
um dos princípios a partir do qual criaram uma estética contestatória.
Mas renovaram as letras do continente, e não constituíram em absoluto
uma escola isolada.

Os anos 60 são a época daquelas revistas literárias de nomes engraçados,


hoje míticas, e que criaram um espaço aberto a todos os
experimentalismos: "El Corno Emplumado", no México, "Los Huevos del
Plata", em Montevidéu, "El Techo de la Ballena", em Caracas... O poema
definitivamente icônico de Arbeláez é “Los Inadaptados No Te Olvidamos,
Marilyn”, “uma verdadeira obra-prima das letras hispano-americanas”,
dizia Sergio Mondragón, o antigo diretor de "El Corno Emplumado", junto
com Margaret Randall.

E acrescenta (traduzo): “Obra de escassa meia centena de versos e


versículos apaixonados nos quais se misturam o amor, a dor, a
indignação e a denúncia, que se acham aparentados por isso mesmo com
o poema emblemático da nova lírica hispano-americana que foi 'El
Cántaro Roto', de Octavio Paz, e com 'Kaddish', canto fúnebre de Allen
Ginsberg por sua mãe, um poema que por filiação iconográfica e
simbólica pode inscrever-se na atualidade atemporal da pop-art” (in
“Paños Menores, O la Ropa Limpia se Asolea en los Tendederos a la Vista
de Todos”, prefácio de "Paños Menores", de Jotamario Arbeláez, Alforja,
México, 2006).

NADAÍSTA PARA SIEMPRE

Ahora que mi padre se fue de parranda a la otra cara del


aire, y que mi madre y mis hermanas viven de su retrato y
orgullosas esperan que yo también vaya tomando el tono sepia
de los viejos daguerrotipos,
ahora que tengo bolsillos de sobra para manducar por todos los
hambrientos del mundo y no proveniente de herencias ni de
contrabando de coca mas he perdido el apetito,
ahora que nada me falta sino la desesperación tan querida y
aquella soledad que poblaba mis páginas de criaturas de carne y humo,
ahora que calzo y visto de las vitrinas que me tientan, que bailo y
bebo de las manos y de los pies de las danzarinas incorpórea
incorporadas a mi vida en calidad de serpentinas,
serpentinas de paraíso que no de fiesta ni aquelarre,
ahora que han descendido las gradas de palacios y vaticanos todos
los césares y todos los píos, que han entrado en liquidación
intocables y tradiciones y
que lo único que resta de venerable es el pobre santo de
plomo que hundido en la verdura hasta las narices pone
los huevos de la revolución apoyado en la cruz de su metralleta
bajo tranquilo del avión sin soltarme del pasamanos,
me aventuro por las calles rabiosas de multitud y me hago
perseguir por las miradas ojiverdes de la ley del más fuerte,
hago gimnasia en las esquinas, esquivo los embates del toro,
me hago el loco a término fijo.

POEMA DE INVIERNO

Llovió toda mi infancia.


Las mujeres altas de la familia
aleteaban entre los alambres
descolgando la ropa. Y achicando
hacia el patio
el agua que oleaba a los cuartos.
Aparábamos las goteras del techo
colocando platones y bacinillas
que vaciábamos al sifón cuando desbordaban.
Andábamos descalzos remangados los pantalones,
los zapatos de todos amparados en la repisa.
Madre volaba con un plástico hacia la sala
para cubrir la enciclopedia.
Atravesaba los tejados la luz de los rayos.
A la sombra del palo de agua
colocaba mi abuela un cabo de vela
y sus rezos no dejaban que se apagara.
Se iba la luz toda la noche.
Tuve la dicha de un impermeable de hule
que me cosió mi padre
para poder ir a la escuela
sin mojar los cuadernos.
Acababa zapatos
con sólo ponérmelos.
Un día salió el sol.
Ya mi padre había muerto

LOS INADAPTADOS NO TE OLVIDAMOS, MARILYN


Ahora que los gusanos han echado sobre tu cuerpo la primera palada del
olvido

ahora que vives debajo de Los Angeles sin necesidad de psiquiatras

ahora que el hueso altivo de tus caderas es puro polvo en una caja y puro
polvo son tus nalgas diseminadas por el suelo de raso de tu tumba

ahora que la totalidad de tu cuerpo cabe en la más pequeña de tus


polveras

ahora que las uñas de tus pies yacen a tus pies disgregadas como
planetas muertos y los tacones de platino de tus zapatillas de gala se
doblan entre canastas champaña bajo el peso terrible de la ausencia de
tu talón de Aquiles

ahora que en tu ropero las polillas han hecho lo propio con tus trajes
olorosos a fiesta en Beverly Hills a Chanel número 5 a los cinco dedos de
una mano

ahora que el millonario excéntrico que alquiló la mansión que habitabas


en Brentwood ha dejado de buscar tus axilas en los rincones de la sala y
organizar con sus invitados un safari de rinocerontes en el Perú

ahora que el psiquiatra que te atendía se ha declarado en quiebra y para


pagar sus impuestos está escribiendo tus "memorias" y además porque a
sus tres esposas les hace falta los doce mil dólares mensuales que le
pagabas de honorarios

ahora que las pastillas soporíferas que tomaste se agotan rápidamente en


las farmacias como canciones de cuna definitivas

ahora que hasta en las cintas viejas de celuloide se están cerrando tus
ojos cansados de soportar tanta pestaña tanta vigilia tanta viga

ahora que ya nadie sabe quién era Norma Jane Baker porque las Baker,
Norma Jean abundan en los directorios telefónicos

ahora que los 188.000 millones de psicópatas ya no te ven en sus sueños


en inglés con leyendas en castellano como una bruja de salem volando
sobre un bate de béisbol

ahora que la obra dramática de tu ex-marido sobre tu vida ha quedado en


tablas ante los críticos de Broadway

y ha dejado de alumbrarte para siempre el sol de los fotógrafos

oh gata llena de misterio sobre el mercedes benz del olvido

en este pequeño país latinoamericano que se llama Colombia

vivimos varios poetas inadaptados que no queremos olvidarte


(Tú Marilyn fuiste más importante para nosotros que la doctrina Monroe)

y que nos acordamos de ti cuando sale la luna sobre los "jaguares"

cuando bajamos deslizándonos por las pasarelas del jet

cuando leemos en la prensa que Dalí ha hecho de tus senos una escultura
de gavetas

cuando pasa por nuestro lado veloz como una sirena una ambulancia
blanca de dos pisos

y nuestras mujeres gritan en lo más alto de los ascensores.

A veces como ahora te elevamos una oración por qué no te elevamos en


una oración

en un réquiem en un antirréquiem en un responso

qué sabemos nosotros de estos nombres

sólo que cada hombre ora a lo que más ama

sobre todo si lo que más ama está muerto

y es entonces cuando queremos acostarnos bocabajo en el cementerio de


Westwood

para sentir el cosquilleo en nuestros poros púbicos de las lanzas de


hierba que crecen desde tus ingles norteamericanas

ahora que estás muerta y reposas enquistada sin muchas esperanzas en


la resurrección de los cuerpos

en ese pequeño lugar que es como el ombliguito de América

luego de haber vivido entre reflectores y niebla

entre almacenistas y magnates

entre dramaturgos y policías

entre los espejos y el espejismo

del amor.

8. JUAN MANUEL ROCA

Juan Manuel Roca nasceu em Medellín, Colômbia, em 1946. Filho de um


jornalista e poeta, e principalmente sobrinho de um poeta importante,
Luis Vidales, Roca cresceu em diálogo com a poesia. Acresce que a sua
família teve algo de nômade, o que fez com que ele passasse a infância
em Paris e a adolescência no México. São experiências que dão ao poeta
esse sentimento de instabilidade frente ao mundo, mas também de
curiosidade, a instigação que leva à necessidade de apreender e
compreender.

Roca, por outro lado, tem se desempenhado como jornalista cultural


(diretor do “Magazín Dominical”, do jornal "El Espectador" do seu país).
Todas estas informações não são menores na hora de penetrar na sua
poesia. O leitor se deparará com um poeta que desde seu primeiro livro,
"Memoria del Agua", de 1973, exibe uma captação surrealista, um
conhecimento afinado do lado irracional que transforma a poesia numa
foram de conhecimento:

LA POESIA

Algo así como entrar


En la zona de peligro
Con una vieja Colt inservible,
Algo así como abrir un paraguas
Para protegerse
En medio de espesos abaleos,
La poesía,
Riesgosa y vagamunda,
Territorio libre del sueño,
Cultiva las flores prohibidas.

Com os anos, e junto a uma crescente diluição do hermetismo, e dos


automatismos, desenvolve-se o lado “jornalista” do poeta, a vigilância da
inteligência, o engajamento com o mundo, a resposta inadiável às formas
da barbárie. Da combinação dessas atitudes, e de certa delicadeza na
visão do mundo é que surge, creio eu, a originalidade de Roca. Julgue o
leitor. Por meu lado confesso que aquilo que me prende na poesia de
Roca é certa linguagem límpida, algo de pós-modernista (no sentido
hispano-americano, claro), que o individualiza na sua geração. A partir
dos anos 70, uma poesia assim consuma a façanha de superar a
linguagem batida. É luxo só.

DIARIO DE LA NOCHE

A la hora en que el sueño se desliza


Como un ladrón por senderos de fieltro
Los poetas beben aguas rumorosas
Mientras hablan de la oscuridad,
De la oscura edad que nos circunda.
A la hora en que el tren tizna la luna
Y el ángel del burdel se abandona a su suerte,
La orquesta toca un aire lastimero.
Una yegua del color de los espejos
Se hunde en la noche agitando su cola de cometa.
¿Qué invisible jinete la galopa?
POEMA INVADIDO POR ROMANOS

Los romanos eran maliciosos.


Llenaron Europa de ruinas
Confabulados con el tiempo.
Les interesaba el futuro,
Las huellas más que las pisadas.
Los romanos, Casandra, eran mañosos.
No fraguaron el Acueducto de Segovia
Como un ducto de agua y de luz.
Lo pensaron como vestigio,
Como un absorto pasado.
Sembraron de edificios roñosos Europa,
De estatuas acéfalas
Engullidas por la gloria de Roma.
No hicieron el Coliseo
Para que los tigres devoraran
A su antojo a los cristianos,
tan poco apetecibles,
Ni para ver ensartadas
Como entremeses del infierno
A las huestes de Espartaco.
Pensaron su ruina, una ruina proporcional
A la sombra mordida del sol que agoniza.
Mi amigo Dino Campana
Pudo haber saltado a la yugular
De uno de sus dioses de mármol.
Los romanos dan mucho en qué pensar.
Por ejemplo,
En un caballo de bronce
De la Piazza Bianca.
Al momento de restaurarlo,
Al asomarse a su boca abierta,
Encontraron en el vientre
Esqueletos de palomas.
Como tu amor,
Que se vuelve ruina
Mientras más lo construyo.
El tiempo es romano.

UNA CARTA RUMBO A GALES

Me pregunta usted dulce señora


Qué veo en estos días a este lado del mar.
Me habitan las calles de este país
Para usted desconocido,
Estas calles donde pasear es hacer un
Largo viaje por la llaga,
Donde ir a limpiar luz
Es llenarse los ojos de vendas y murmullos.

Me pregunta
Qué siento en estos días a este lado del mar.
Un alfileteo en el cuerpo,
La luz de un frenocomio
Que llega serena a entibiar
Las más profundas heridas
Nacidas de un poblado de días incoloros.

¿Y el sol?
El sol, un viejo drogo que ha lamido esas heridas.
Porque sabe usted , dulce señora,
Es este país una confusión de calles y heridas.
La entero a usted:
Aquí hay palmeras cantoras
Pero también hay hombres torturados.
Aquí hay cielos absolutamente desnudos
Y mujeres encorvadas al pedal de la Singer
Que hubieran podido llegar en su loco pedaleo
Hasta Java y Burdeos,
Hasta el Nepal y su pueblito de Gales,

Donde supongo que bebía sombras su querido Dylan Thomas.

Las mujeres de este país son capaces


De coserle un botón al viento,
De vestirlo de organista.

Aquí crecen la rabia y las orquídeas por parejo,


No sospecha usted lo que es un país
Como un viejo animal conservado
En los más variados alcoholes,
No sospecha usted lo que es vivir
Entre lunas de ayer, muertos y despojos.

9. RAÚL ZURITA

Raúl Zurita nasceu em Santiago (Chile), em 1950. Isto é, era um moço, e


já era poeta, quando se produziu o golpe de Pinochet, em setembro de
1973. Aliás, aos 23 anos, ele já era engenheiro civil, tinha três filhos e se
divorciava da primeira mulher. O regime o persegue, ele responde com
atos de “resistência poética” (que incluem queimar seu rosto e querer
cegar-se, jogando ácido nos próprios olhos).

Desde a infância ele fala italiano, a língua de sua mãe, e a influência de


Dante reaparece até nos títulos de seus primeiros livros ("Purgatório",
1979, e "Anteparaíso", 1982). É famoso o episódio dos poemas que Zurita
escreveu usando a fumaça do céu de Nova York, e o verso “ni pena ni
miedo”, gravado no solo do deserto de Atacama, no norte do Chile, e só
legível do céu.

Essa necessidade de espaço, a vocação de enormidade, não é mera


grandiloqüência, como se poderia suspeitar. Eu convido o leitor a
começar por imaginar um território como o chileno, com os Andes, e
aquele deserto sempre transfigurado. Feito isto, leia-se o Zurita como se
fosse uma força da natureza desse território, como se a poesia dele não
fosse destinada a agigantar tudo, a passar da dor à santidade. Acho
revelador o fato de que a capa de seu primeiro livro trazia a cicatriz da
face queimada do poeta, como bordas geológicas dos Andes.

Coloquei alguns poemas dele nesta “mostra”, e o fiz para “mostrar” esta
poesia, sabendo muito bem que esses poemas “mostram-se” aqui
precariamente, só de muito longe. Foi, claro, falta de melhor opção.
Porque, na verdade, a poesia de Zurita procede mais por acumulação, por
retomadas, como as montanhas, que reaparecem, parecem iguais e são
sempre outras.

EL DESIERTO DE ATACAMA IV

I. El Desierto de Atacama son puros pastizales

II. Miren a esas ovejas correr sobre los pastizales del desierto

III. Miren a sus mismos sueños balar allá sobre esas pampas infinitas

IV. Y si no se escucha a las ovejas balar en el Desierto de Atacama


nosotros somos entonces los pastizales de Chile para que en todo el
espacio en todo el mundo en toda la patria se escuche ahora el balar de
nuestras propias almas sobre esos desolados desiertos miserables

EL DESIERTO DE ATACAMA V

Di tú del silbar de Atacama


el viento borra como nieve
el color de esa llanura
I. El Desierto de Atacama sobrevoló infinidades de desiertos para estar
allí

II. Como el viento siéntanlo silbando pasar entre el follaje de los árboles

III. Mirénlo transparentarse allá lejos y sólo acompañado por el viento

IV. Pero cuidado: porque si al final el Desierto de Atacama no estuviese


donde debiera estar el mundo entero comenzaría a silbar entre el follaje
de los árboles y nosotros nos veríamos entonces en el mismísimo nunca
transparentes silbantes en el viento tragándonos el color de esta pampa.

PASTORAL DE CHILE

III
Allá va la que fue mi amor, qué más podría decirle
si ya ni mis gemidos conmueven
a la que ayer arrastraba su espalda por las piedras
Pero hasta las cenizas recuerdan cuando no era
nadie y aún están los muros contra los que llorando
aplastaba su cara mientras al verla
la gente se decía "Vámonos por otro lado"
y hacían un recodo sólo para no pasar cerca de ella
pero yo reparé en ti
sólo yo me compadecí de esos harapos
y te limpié las llagas y te tapé, contigo hice agua
de las piedras para que nos laváramos
y el mismo cielo fue una fiesta cuando te regalé
los vestidos más lindos para que la gente te respetara
Ahora caminas por las calles como si nada de esto
hubiera en verdad sucedido
ofreciéndote al primero que pase
Pero yo no me olvido
de cuando hacían un recodo para no verte
y aún tiemblo de ira ante quienes riendo te decían
"Ponte de espalda" y tu espalda se hacía un camino
por donde pasaba la gente
Pero porque tampoco me olvido del color del pasto
cuando me querías ni de azul
del cielo acompañando tu vestido nuevo
perdonaré tus devaneos
Apartaré de ti mi rabia y rencor
y si te encuentro nuevamente, en ti me iré amando
incluso a tus malditos cabrones
Cuando vuelvas a quererme
y arrepentida los recuerdos se te hayan hecho ácido
deshaciendo las cadenas de tu cuello
y corras emocionada a abrazarme
y Chile se ilumine y los pastos relumbren

IV
Son espejismos las ciudades
no corren los trenes, nadie camina por las calles
y todo está en silencio
como si hubiera huelga general
Pero porque todo está hecho para tu olvido
y yo mismo dudo si soy muerto o viviente
tal vez ni mis brazos puedan cruzarse sobre mi pecho
acostumbrado como estaban al contorno de tu cuerpo
Pero aunque no sobrevivirán muchas cosas
y es cierto que mis ojos no serán mis ojos
ni mi carne será mi carne
y que Chile entero te está olvidando
Que se me derritan los ojos en el rostro
si yo me olvido de ti
Que se crucen los milenios y los ríos se hagan azufre
y mis lágrimas ácido quemándome la cara
si me obligan a olvidarte
Porque aún hay miles de mujeres en quien poder
alegrarse y basta un golpe de manos
para que vuelvan a poblarse las calles
no reverdecerán los pastos
ni sonarán los teléfonos ni correrán los trenes si
no te alzas tú la renacida entre los muertos
Hoy se han secado los últimos valles
y quizá ya no haya nadie
con quien poder hablar sobre la tierra
Pero aunque eso suceda
y Chile entero no sea más que una tumba
¡Despiértate tú, desmayada, y dime que me quieres!
10. DAMARIS CALDERÓN

Damaris Calderón nasceu em Havana (Cuba), em 1967. Formou-se em


letras na Universidade de Havana. Reside em Santiago (Chile), onde fez
primeiro um pós-grado e depois ficou como professora universitária.
Detalhe: Damaris é “cubaníssima”, ela retorna sistematicamente a Cuba,
pelo menos anualmente.

Pertence sem dúvida a essa pequena legião de poetas cubanos que


andam pelo mundo (Cuba e Uruguai são os dois países que têm essa
peculiaridade de possuir uma “pequena legião” de poetas situados além-
fronteiras). Não é um dado menor para uma poeta como Damaris essa
vivência de um exílio que é e que não é, um exílio a término, um
transitar pelo mundo, um ir e voltar com relativa liberdade.

Com liberdade, Damaris transita pela poesia de amor lésbico. Liberdade e


aceitação de uma tradição sáfica, sem os exílios na linguagem (e "hélas",
não só na linguagem) que esse amor teria acarretado para poetas da uma
geração anterior. Também dessa liberdade conquistada parte a
compreensão de um escritor como o cubano-americano Calvert Casey
(1924-1969), que acabou por suicidar-se em Roma, em luta com os
estereótipos sexuais e existenciais.

É só um exemplo, e eu o menciono apenas porque a autora dedica a ele


um belo poema, mas insisto em que surge desta poeta uma visão do
mundo, digamos: visto do alto, que talvez não poderia existir naqueles
artistas que não devassaram fronteiras –nacionais, comportamentais,
escriturais.

Finalmente, se escolhi a Damaris para representar uma certa poesia


jovem do continente é porque me declaro seduzido pelo idioma da autora,
preciso, prístino e econômico na maioria das vezes, capaz de beber na
literatura e na vida. Concluo com este cinco versos, que vão de tira-
gosto:

Y te fuiste con otra,


naturalmente,
y me dejaste henchida
de rencor
de literatura.

DOS GIRASOLES SOBRE EL ASFALTO

En el terminal de ferrocarriles
sentada con mi madre
dos girasoles sobre el asfalto.
Su mano borra todo sucio paisaje.
Nunca he comido sino de esa mano
nunca
sino de ese fruto macerado.
Me enseñabas un sendero
para que no me extraviara.
Y siempre regreso, pequeño afluente,
buscando un poco de sosiego
como se le da al enfermo
una cucharada de sopa
Y la cuchara hace frías,
metálicas promesas
hasta que la cabeza se queda
recostada contra el velador.
Una oruga cantándole a un gusano
-la canción de la morfinala
cabeza roída por dentro,
el tallo esplendente conectado al tubo de oxígeno.
El mar, como un patrullero
pisándome los talones.
Thalassa thalassa
he intentado vivir siete veces.

EL BANQUETE

La mujer inclinada hacia delante


(La fruta a medio morder, sobre la mesa)
Tú: la cabeza ida
pensando en símbolos.
Lo peor no es que las cosas sean finitas,
lo peor es que las cosas sean.
Lo peor es saber
que tu cuerpo, tu pelo, aquella boca
serán definitivamente del olvido y el polvo
mucho más
de lo que alguna vez fueron míos.
Este es el fuego.
Crece con arañazos
ramas
carne sudada
y piernas piernas piernas
que se abren.
Es crudamente tibio.
En esta habitación mínima pieza
puedo por fin tumbarme sobre ti:
una mujer brutalmente desnuda,
no un pájaro ni una gacela.

LA HABANA, TINTE MEDITERRÁNEO AL FONDO

Comprábamos el goce
en una habitación
alquilada.
Colocábamos una frazada
que se quemó
-¿te acuerdas?-
sobre la lámpara sucia.
Demasiado mezquinas
las paredes
apenas soportaban
nuestros cuerpos
jóvenes.
Tus piernas se encendían
como neón .. como astros.
Yo

Alfredo Fressia

É poeta e crítico literário uruguaio. Desde 1976 reside em São Paulo, onde é
correspondente cultural do jornal "El País", de Montevidéu. É professor de língua e
literatura francesa. Publicou, entre outros livros de poesia, "Un Esqueleto Azul y
Otra Agonía" (Ediciones de la Banda Oriental, 1973), "Frontera Móvil" (Ediciones
Aymara, 1997) e "Veloz Eternidad" (Vintén Editor, 1999), os três ganhadores
do Prêmio MEC (Uruguai). É também autor de "Chéjov - Sobre su Narrativa y
Teatro" (em co-autoria com Gustavo Martínez e Roberto Appratto, 1974), entre
outros livros de ensaio.

1 - Peter Sloterdijk

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